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\ Observar

; para ver
ZI LMA DE M ORAB RAMOS OE O LI\IEIRA 1

Usar objetos de um modo simbõltco. ou seJa . f1Ca marcada na postura corporal do su1e1to. tal
atribuir-l hes a funçao de ser signo de algo. repro- como propõe Henn Wallon . o Jogo de fazer de
VAMOS DAR CONTINUIDADE Â REFLEXAO SO·
duzir posturas e falas de adultos e dirig,-las a bo· conta . em que a criança reproduz gestos. postu-
BRE A OBSERVAÇÃO 00 BRINCAR, INICIADA NA necos. por exemplo. representam modos de açao ras. ações e falas de um personagem . constitui
humanos histoncamente desenvol\lidos que pro· um instrumento fundamental de desenvolvimen -

P
EDIÇÁQ ANTERIOR , AGORA NA PERSPECTIVA DA
or que as cri anças bri nca m d e f az d e vocam m udanças na forma humana de consciên- to da imaginaçao .
PROFESSORA ZILMA DE M ORAES R AMOS DE conta? cia. gerando a amphaç.ao do prôpno s1mbohsmo Bnncade1ras d1ng1das sao parte da tradiçAo
Esta questão tem sido inves ti gada na Enfim. bnncar de faz de conta ma condições cultu ral que se perpetua entre gerações. poden-
ÜLIVEIRA, PESQ UISADORA DA E DUCAÇÃO do envolver crianças. adolescentes e adultos em
Psicologia do Desenvolvimen to por considerar para a transformaçao marcante da forma de a
que tais brincadeiras estAo ligad as ao desenvol- cnança ter consciência do mundo e de s1 mesma. ritos. cantados ou nao Muitas delas cont inuam
I NFANTIL E ESPECIALISTA EM INTERAÇÕES DE
vimento da 1maginaçao pela cria nça. Esta . quan- por exigir formas mais complexas de açao. A presentes ainda hoje· esconde-esconde. cabra-
CRIANÇAS do bebê, apoia-se na motricidade e na percepção brmcade1ra de faz de conta e um instrumento de ·cega . Jogo com p1ao . amarehnha , entre tantas
para agir sobre o meio. Por exemplo, pnme1ro expressao que poss1b1tita a criaçao da novidade. outras. sendo muito apreciadas pelas crianças.
o bebê olha para um copo pl astico vazio e o um meio pelo qual a criança ê capaz de mais ati- Já o Jogo de regras se refere a atividades
leva a boca, como se o uti hzasse para beber vamente ser produtora de sua própn a atividade. com orientações claras que limitam o número de
parceiros, os objetos que o concretizam {tabulei -

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algo. Perto dos dois anos. ele começa a dar mos-
tras de se dista nciar da percepção do real e a Q ual é a diferençJ ent re joeo sim bo lico . br in- ro . dados etc.} . os papéis de cada Jogador. o

se utilizar de obJetos de modo s1mból1co , em cadeiras d irigidas e joeo de reg ras? modo como é defimdo o resultado.

subst1tuiçao a objetos reais, usa ndo um toqumho As t rês mod ahd ades principais do brincar Embora o jogo simb0l1co e as brincadei ras

de madeira. por exemplo. como sabonete. man- infantil em nossa cultura sao processos essenciais di r igidas tenham regras. estas estao ligadas tt
I _ do uma cena de dar banho, ou utilizando o copo no desenvolvimento de sua const 1tu1çao humana: manutençao de seus enredos e ritos. assim como

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vazio como chapé u para uma boneca . o que a o imaginârio. a memoria coletiva . o pensamento o jogo de regras pode defi nir personage ns e ta-

leva a assumir personagens com base em 1m1ta· estratégico humano . refas ligadas a determinado enredo. Por exem -

ções de cenas cotid,anas por ela ressignificadas. O Jogo s1mbõl1co se refere a situações em plo . um Jogo cu1a meta é salvar uma princesa . e
que a criança adota uma forma pecuhar de com- cada jogador ocupa o papel de princi pe, de sol-
portamento fazendo de conta , ou se1a. criando dado, cada qual com possibilidades defini das de
cenas com base nas imagens que formula na se locomover no tabuleiro, tal como o jogo de xa·
açao Corno a im agem de uma s1tuaçao v1v1da drez. mais apreciado por adolescentes e adultos.
Qua l é a d iferença E."n~ rcp resentilçAo e imn- 1etos próximos disso Ou , por exempl o . na
ginaçAo ? dramatizar;~ de um laboratono onde se extrai
Se pensarmos em termos de funç~s coem- venenO'i de uma cobra. situac.lo v1venciada pelas
tivo-afet1vas. podemos consicter,Hos smõnimos. cnanças na Vl'irta a um serpent~no com a pro-
O verbo representar usado para 1denhíicar lessora na semana anterior e retomada da me-
um.J açao . por exemplo. representar um perso- mória das cnam;as
nagem no faz de conta ou no teatro, ou represen-
tar um tema por um desenho Tais ~sentaÇôes Por que e co mo o bservar as cri anças'
pr essupõem uma imagem do que esta sendo Uma observação sensrvel e interessada por
represen tado, o uso da ,mogmoção como ca· parte do professor pode captar o processo das
pandade da cnança se guiar por tmagens.. em- crianças de nao se deixarem levar pelo que veem
bora essa imagem possa se dehnear ao longo do ou ouvem . mas a recnarem algo com ba se no
prôpno ato de representar no faz de conta . ao que foi visto ou ouvido. No caso do Jogo s1mb6-
d~har. na escuta e reproduçM de historias. hco. observar o processo de se mtegrar na brin-
nos sonhos. cadeira dirigida, evidenciando sua par11c1paçào.
seu nível de entusiasmo. as parcenas que esta-
belece etc . Ou perceber ainda suas estratégias
obedecerem as regras dos Jogos de tabuleiro
reagirem quando perdem ou ganham uma par
tida . Ou se1a. por ser um campo predominante-
mente da m1ciat1va infantil , a observação dessas
situações de Jogo oferece valiosos informes sobre

1!\it_L1il~\
a sooahzaçao, a apr end1zagem e o desenvolvi·
menta das crianças. Por exemplo reg1strar que
Martina de 20 mese'i estende uma co lher em
direção A boca de Ana de 13 meses e diz · c ome
11 :-
tudo para ficar forte!", ou que Fábio, pela sétima
vez. toma o bnnquedo de outra cnança dizendo \ \!-.·
Q ual l o papel d a!. pro fessoras e das inst1-

\
"É meu!" e o coloca no carrinho que puxa. ou
tuu;:6es d e Educa<;ào Infantil na promoção do que Rodrigo nao conta as casas do tabuleiro e
jogo sim bólico ? coloca seu p1áo em qualquer lugar. toda vez que
Ma;s do que promoçAo. eu falaria de medra-
ç.ao . de criar condições para as manças se en-
ioga o dado, são recortes que pedem novas ob
servações e reg1stros para acompanhar o modo
-~
volverem nesse tipo de funcionamento humano como cada criança v1vencia as interações que
cheio de sut,lezas e desafios O que J3 se sabe estabelece com os companheiros
a respeito 1nd1ca que a presença de ob1etos per Cada vez mais se reconhece a capacidad e
de orientar a criação dE' certo enredo. A presen- que a cnança tem de dar sentido às situações
ça de um cenáno tambem atua como mediador {pnmeiro de um modo sensorial e corporal e.
poderoso , po,s.. ahado a ob,etos, sons. indumen· depois. vai incluindo também a fala como meio '
tanas apo1am a cri ança a se lançar na fantasia , de sigmficaçcX>) e de ag1r de modo ativo . desde
retomando de sua memôna atos. atlludes e fra - seu nascimento t

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ses ongmadas de expenlnc,as anteriores Isso O desafio hoje é alimentar o olhar dos pr o-
é o b ~ no brmc.ar com1dlnha. se a cnan- fessores com elementos para eles cnarem um
ça ,,.é diante de panehnhas ou de outros ob- n01,'0 paradigma de coordenaç,fo de s1tuacôes de
aprendizagem por me,o de at1vtdildes de obser· 1. No fa z de conta , as crianças de um a cmco
vac;.ào minuciosa. registro e analise da emerg~n- anos se envolvem em um processo de recom- Mais uma razão para
c,a das interações mfant1s. Essa linha de trabalha bmaçào de diferentes s1gmhcados culturais
pode ocorrer nas reumôes de formação continuada que orculam entre elas e sao por elas adota • favorecer o jogo simból ico
na creche ou pré-escola, momento em que os dos ou mod,ticados, enquanto as aiudam a
Uma observacao m1mmosa pode r~elar os diferentes srgrnlkaoos referidOs pelas crianças em uma bnnca·
professores discu tem reg1stros de profissionais fazer diferenciações em seus papéis. atribum-
de1ra assim como r('rer! nc1as culturais t>nvoh1K1as.
mais experientes nessa tarefa e as análises que do sentido às ações dos parceiros e :is suas
eles fizeram. assrm como trazem seus propnos prôprias acOes. Por exemplo, e comum uma
Ep1SOd10 do tinto
reg,stros para serem analisados com os cOlegas. criança dize r para outra que segura um bo-
Cmco criancas entre 38 e 45 meses de idade estão "º sala f J Cada uma delas brmca sozmha com
neco no colo: "Eu é que sou a mãe!w. pegando
alguns ObJetos. ocas,onolmeme trocondo alguns comentários Welhngton. em pe, tenta colo(or um unto ao
Como se d~ envolve a compet ê-ncia do olhar ? o boneco para si . redor de sua cmturo. ( J Fernondo. seguronda o chopéu (de vaqueiro nordestmoJ com uma mào e a ponta
Aprende-se a olhar. olhando. reg1strando 2 . A vivência das bnncadeiras pelas crianças
da correto do mt>smo que hav,o se soltado com a outro. ergue o chopeu e a põe na cobEÇO. enquanto
o que foi observad o e discutindo os reg 1stros aos dois e três anos, partindo de suas emo- We//mgton smcron,camente faz o mesmo gesto. segurando o cmto pelos pomos com as mãos. erguendo·o e
com outros colegas. Pode ser algo de mrc10 tra- ções. posturas. dos objetos que as apoiam a passando o poro trós de sua cobe(a. Dt>pois Welhngton ergue e abai;co rapidamente o cmUJ. usando-o como
balhoso. mas logo o observador se vê fascm ado atribuir um sentido à situação, faz com que gesto paro boter em algo. Junto-lhe as pontos. sorrindo e. mantendo-o ergwda enquanto caminho até o
com o que apreende na situação. Na construção ha1a no faz de conta sucessivas e rãp1das to- colchanete em que Manste/o e Daniel bnncom com alguns ob1etos. drz: "Toda mundo va, apanhar' Vo, opo
desse olhar. fundamental não atnbu1r deter- madas de papel em uma colagem d e frag- nhar. o '11ho!" Ele bate com o cmto três vezes no co/chOnete. Domei grito e MariSlela ol/'lo para Wellmgton.
minada i nten ciona lidade as cr ianças. quase mentos de situações que é teoda na trama colocando a braço direito porc10lmente sobre o rosto com uma e;cpressõo de medo e ofostondo o tronco
sempre marcada pelo preconceito do observa · das relações interpessoais que aí se estabe- enquanto grita. em tom dromât1co. "Popai 1 Pcpa1 1~ A segwr ela se volta para os brinquedos que estão no
dor. mas descre ver o desenrolar de suas ações. lece. D,ante disso, alguns profe ssores apon- chdo e recomeça o man,pulâ-los. com rosto sereno Enquanto ,sso. Domei. com uma ex pressão perturboda.

na busca de ident i ficar processos. mioat,vas, tam que as crianças são insttiveis ao bnncar. afasto-se um f)OüCO do colchonete. abraçando sua cabeça com ambas as màos. como que se protegendo. e

conflitos. acordos . sempre mudando o tema do fa z de con ta . e olha Wellmgton. que se aboor.a e rolo no co/chonete. indo sentar Junto a este. no lodo oposto ao de Domei e

A especificidade desse olhar dã ao pro fessor não percebem esse processo como positivo e Moristelo Wellmgton bate com o cmto duas vezes no co/chonett>. sempre erguendO bem alto o mão que o

um status de espeeta hsta em desenvolvimento ligado a contfnua negociação de sentido en- seguro. olhando alternadamente para Domei e Mor,stelo. Esta olha poro Wt>//mgton e exclamo ·e:,,-po, 1 fg
po,•·. com voz chorosa e novamente dromót1co We/lmgton pergunta-lhe "Quem fo, que te t>ateu"' Ele?·.
mfan t il. Uma vez , apresentando a gravaçtlo de volvida em suas interações.
apontando. com a mão que seguro o cmto. paro Domei. que tem uma expressão assustada. ao mesmo
rnterações de cnanças de doís anos em brinca· 3. Tanto as experiê ncias passadas das cnan-
tempo em Que Manstelo tombem aponto p<Jro Dame/ com a garrafa p/õstl<:a val'la oe shampoo com a qual
d etr as para um grupo de méd1Cos obstetra s. ças como suas percepções atuais são carre-
brincava. Wellmgton bate com o cmro duas ~-ezes no calchonete dJOnte de Domei e depo,s se afasta. mdo
estes mostraram ter muita dificuldade em per- gadas de sentidos que integram partes de
com ar sereno mompu/ar alguns t:mnquedos com outra gorota no sala.
ceber detalhes das açOE's infan t is. que nos. pro· suas histôrias e o contexto de suas ath1ida-
fessores. notamos com facilidade. e concl uimos des no grupo em um mesmo espaço subjet1·
No episod10 apresentado. representações hIstor1camente construidas e relaClonadas com a re lacao pai·
que. da mesma forma. os professores [e outros vo. Com ,sso. as novas respostas dadas pe-
-filtro sobressaem dos mwtos s1gmficados mculandO nas 1ntetM;ôes das crianças. t )
adul tos) t ~m mwta dificuldade de analisar a ima· las cnanças as situações vividas ao brincar
A açào parece abrir novas poss1b1lidades para a construç.k> de sIg.n1ficados no jogo de fa z•de-conta ela-
gem do ultrassom de um feto humano. Dessas abrem novas configurações subjetivas. borado a segurr. Nele. \\'ell1ngton toma alguns aspectos como sma,s emergentt>S que disparam certos papé-Is
especificidades construidas no fazer profissional relaC1onados com o enredo 1mpHc1to sendo coletivamente construklo Ele abaixa seu braço. ergue o cmto
e de todo o esforço em aprender a analisar as l novamente com uma m.!O. preparando melhor o gesto de b.lter em algo oo alguém . abaixa o braço. pega o
mter.1ções infantis ê que resulta um professor- cmto unindo suas eli trem1dades enquanto som de modo maroto. e passa a desempenhar o papel do pai
·nwest1g.1dor maravil hado com a capa cidade autont<mo. 1ntroduzmdo a palavra "filho· em cena. A partir de tais elementos. Mansteta rapidamente assume
mfant1I de ser e d e se modificar. o papel complementar de filho/filha Sua amt>drontada t>xpressao dramátic.a "Bl:.pa11· funciona como uma
pista para a continuaçao do t()iO s1mbólico, enqu,mto 0amel. ao lado dela, parece estar realmentt> perturba-
Q u ais seu1 ultrmos ap re ndizado~ sob r e a do pelas ações de Wellingtoo . Seus gestos de autoprot~3o e sua t>xprt>Ss30 de medo go suficientes para
brincade,r., decorrente das suas observaç~s estimular os parceiros a lhe atribuir o papel de agressor

e estudos? Trecho dO livro Jogo de papeis - um olhar para as brincadeiras infantis. de Z1lma de Moraes Ramos de
Vou apontar tres aprendizados que fiz como pes- Ohve1ra . saa Paulo Cortez. 2013 . p 110

qUtsadora .

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