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o brincar

na constituição do sujeito
RESUMO
O artigo propõe uma escuta sobre o lugar postman:
ocupado pelo brincar na Educação Infantil,
Analisa evidências que confirmam o seu
dada sua relevância na constituição do
ponto de vista de que a infância começou a
sujeito, sobretudo, nos seus primeiros anos
desaparecer na modernidade:
de vida.
A contemporaneidade, marcada por
"Para onde quer que a gente olhe, é visível que o
contradições e conflitos de diferentes comportamento, a linguagem, as atitudes e os
ordens, suscita reflexões sobre alguns desejos – mesmo a aparência física – de adultos
fenômenos, como o encurtamento da e crianças se tornam cada vez mais
infância e o prolongamento da indistinguíveis" (p. 18).
adolescência, que evidenciam a crise por
que passa o sujeito contemporâneo.
ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS
lajonquière:
"... hoje em dia, assistimos à transformação da
O atendimento às crianças nos primeiros
criança moderna num "adulto em miniatura".
anos de vida (0 a 6 anos de idade) garante
Enquanto, antes, a quarentena jurídica
maior atenção da sociedade em geral no reservava à criança apenas deveres, hoje, a
que tange a qualidade de educação narcisização desbocada outorga direito sem
oferecida na Educação Infantil. deveres com vistas ao ganho imediato de uma
É válido ressaltar que o educar pressupõe felicidade" (p.97).
oferecer situações de cuidados,
brincadeiras e aprendizagens intencionais
e de forma integrada.
o brincar
PROLONGAMENTO DA ADOLESCÊNCIA 01 Se antes a escola sustentava-se na
promessa das crianças virem a usufruir no
O prolongamento da adolescência é da futuro o lugar e a posição existencial do
contemporaneidade, marcada, sobretudo, adulto, atualmente, no entanto, o ensino
pela globalização, velocidade das vale na proporção do gozo imediato que
promove.
informações, transitoriedade, diferenças,
desenvolvimento tecnológico, conflitos
éticos, mudança de valores, 02 Seria através do brincar que a criança
comunicaria suas compreensões e seus
superficialidade nas relações etc. afetos em contato consigo mesma e com
Características que impõem à escola o outras crianças, mediado pelo brinquedo?
Seria uma forma singular de inserção e
rompimento de velhos paradigmas e a
apropriação do simbólico, da linguagem?
construção de novos que atendam às
necessidades do sujeito da atualidade.
03 O brincar se fará presente, com maior ou
menor frequência, como escuta
ornellas: necessária para a subjetivação do sujeito
em constituição, em que aspectos
"Cabe à escola a tarefa de escutar as crianças e cognitivos e afetivos parecem dialogar
jovens no sentido de reconhecer a singularidade entre si.
de cada um, buscando entre a autoridade e o
afeto um jeito novo de educar".
A prática desenvolvida na Educação Infantil está
sustentada por uma abordagem interdisciplinar,
cujas diferentes áreas (Pedagogia, Psicologia,
Psicanálise, Pediatria...) tentam dialogar entre si
na construção de instrumentos teóricos que
atuem como eixos do trabalho com a criança.

TEÓRICOS
É quase unanimidade entre os teóricos e
pesquisadores de diferentes vertentes,
conceber o brincar como um desses conceitos
fundamentais. Destaco Freud (1987),
Winnicott (1975, 1982), Lacan (1978), Piaget
(1973, 1974) e Vygotsky (1998, 2004), nos quais
este estudo embasa-se para se apropriar do
donald
seu objeto: o brincar e a constituição do
sujeito na primeira infância.
winnicott
1896-1971

sigmund "Conquanto seja fácil perceber que as crianças

freud brincam por prazer, é muito mais difícil para as


pessoas verem que as crianças brincam para
dominar angústias, controlar ideias ou impulsos
1856-1867 que conduzem à angústia se não forem
dominados" (p.162).

01 Winnicott estabelece a existência de uma


área intermediária entre a realidade
01 Freud compara o brincar à obra literária
no sentido de que ambas permitem a psíquica, subjetiva, e a realidade objetiva,
criação de um mundo próprio, onde os compartilhada, para a qual contribuem
elementos são ajustados da forma que tanto a realidade interna, quanto a
mais agrade ao sujeito desejante que o externa. Transicionais seriam os objetos e
criou. fenômenos situados nessa região.

02 É como se os conteúdos das produções


literárias fossem ressignificados a partir 02 O autor define o brincar como um
processo criativo que coloca em jogo o
das fantasias, substitutos da atividade mundo objetivo e a subjetividade. O
lúdica infantil na vida adulta. brinquedo seria, portanto, objeto
transicional, no qual a criança depositaria
03 Penso que o brincar, especificamente, o
faz-de-conta, nas instituições de Educação
seus afetos para suportar, por exemplo,
num primeiro momento, a separação da
Infantil, precisa ser contemplado como
mãe.
meio de escuta das angústias e aflições
da criança, que encontra neste ato um
singular suporte para expressá-las e
comunicá-las.

04 Ao professor deste segmento, cabe a


responsabilidade de planejar espaços e
tempos para este tipo de brincadeira e,
como observador atento, se permitir uma
escuta sensível a estes aspectos.
03 Se, anteriormente, a criança sofre uma
cena de modo passivo, em que mais nada 04 São estes fantasmas que, através do
brinquedo, são colocados em cena em
tem a fazer, a não ser desesperar-se na conjunto com os objetos da realidade. No
lacuna do vazio, ao brincar, ela assume o ato de brincar, fica sublinhada a função
controle da situação e ressignifica simbólica da palavra, condição para que o
sentimentos na tentativa de (re)elaborá- sujeito aproprie-se do registro simbólico.
los de acordo com suas possibilidades
afetivas e cognitivas.

04 Sendo elo entre o real, o simbólico e o


imaginário, especialmente, quando o real
impõe à criança algo doloroso, da ordem jean
do intolerável, o brincar faz-se
imprescindível na medida em que, ao
ressignificar a experiência dolorosa, a
piaget
1896-1980
criança busca neste ato, ativamente, re
elaborá-lo de forma suportável.

01 A função simbólica na obra de Piaget


(1974) adquire significação diferente na
Epistemologia Genética e na Teoria
Psicanalítica.

02 Segundo Lacan, o simbólico faz referência


a um dos registros constituintes da
estrutura psíquica do sujeito. Piaget, em
contrapartida, refere-se à função
simbólica como a capacidade que a
criança constrói de diferenciar
significantes e significados.

jacques 03 No seu processo de construção do


conhecimento, a criança, inicialmente,
através da imitação, na presença ou

lacan
1901-1981
ausência do modelo, acomoda as
informações necessárias à construção de
novas estruturas internas.

04 Na passagem da assimilação
acomodação sensório motoras, em que há
e

01 Lacan afirma ser o inconsciente


estruturado como uma linguagem, ou
ausência da função simbólica, para a
assimilação e acomodação mentais
seja, constituído por cadeias de
(inteligência intuitiva), a imitação e o jogo
significantes, a partir do que a cultura
são processos fundamentais,
oferece ao sujeito.
complementares, necessários às

02 A criança, ao nascer, está imersa em uma


cultura, em uma linguagem. O contato
sucessivas
equilibrações
desequilibrações
que conduzem
e
à
com as palavras marca singularmente este representação simbólica, constitutiva da
sujeito, inscrevendo-se em seu corpo. inteligência.

03 Para que o sujeito do desejo possa


emergir, falando em nome próprio, é jogo simbólico
necessário que seja inscrito no simbólico.
Mesmo antes do nascimento, a criança é "... consiste em satisfazer o eu por meio de uma
marcada por um nome, sem que este transformação do real em função dos desejos: a
lugar possa ainda ser exercido em face aos criança que brinca de boneca refaz sua própria
limites impostos pelo real. vida, corrigindo-a à sua maneira, e revive todos
03
os prazeres e conflitos, resolvendo-os, O autor afirma que na brincadeira "a
compensando-os, ou seja, completando a criança se comporta além do
realidade através da ficção” (Piaget, 1973, p.29). comportamento habitual de sua idade,
além de seu comportamento diário; no
05 A criança, portanto, constrói a sua
inteligência através de ações voluntárias,
brinquedo, é como se ela fosse maior do
que ela é na realidade" (p.ll7).
sendo o jogo um fator decisivo para que
isto ocorra.
04 Isso porque, a brincadeira, na sua visão,
cria uma zona de desenvolvimento
06 Na abordagem piagetiana, o brincar,
também, adquire status, devendo ser
proximal, permitindo que as ações do
aluno ultrapassem o desenvolvimento já
incentivado pelos educadores, uma vez
alcançado (desenvolvimento real),
que encoraja os alunos a utilizarem sua
impulsionando-o a conquistar novas
iniciativa, curiosidade e inteligência no
possibilidades de compreensão e de ação
sentido de uma relação ativa com o meio
sobre o mundo.
exterior, porque é somente por uma troca
direta com a realidade que se desenvolve
a capacidade biológica de base que leva à
inteligência.
conclusão
Através do exposto, penso ser possível
desconstruir a ideia equivocada,
perpassada na sociedade e na própria
escola, de que brincadeira é sinônimo de
não seriedade e como tal, portanto, deva
ocupar os tempos e os espaços da escola
quando não há mais nada o que se fazer
com as crianças.

Decorrente disto, é fundamental criar


espaços de formação inicial e continuada
para que reflexões sobre a importância do
brincar sejam empreendidas, legitimando-
se, desta forma, como viés concreto, meio

lev único e singular de aprendizagem, de


desenvolvimento da criatividade e da

vygotsky autonomia, pelo qual a criança estrutura-se


e inscreve-se.
1896-1934

01 Vygotsky (1998) cria um novo conceito, a


zona de desenvolvimento potencial, na
qual incidiria os desafios do meio no
sentido de fazer o aluno avançar de um
saber já consolidado para um saber novo,
a ser construído com o apoio de outros
parceiros e/ou adultos.

02 No brincar, a interação entre parceiros de


idades próximas e/ou diferentes permitiria
o contato do aluno com desafios
mobilizadores de novas aprendizagens.
Nesta perspectiva, o brincar constitui um
espaço de aprendizagem.

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