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CAPITULO

No comportamento diário das crianças o brincar é algo que


se destaca como essencial para o seu desenvolvimento e apren-
dizagem. Dessa forma, se quisermos conhecer bem as crian-
ças, devemos conhecer seus brinquedos e brincadeiras.
No decorrer do desenvolvimento, várias maneiras de
brincar aparecem. Da mesma forma que a criança adquiriu
habilidades de andar, falar, escalar alturas, etc., através da
prática repetitiva, ela passa do jogo de exercícios para o jogo
simbólico, utilizando o faz-de-conta para se introduzir no
mundo dos adultos. Significa que a criança progride da
necessidade de experimentar alguma coisa para a habilida-
de de pensar sobre ela. Ela aprende que uma bola é redonda,
rola e que, ao brincar com ela, podemos jogá-la em várias
direções e de muitas maneiras diferentes.
BRINCAR, FANTASIAR, Ela passa a representar vários tipos de papéis: pais, pro-
CRIAR E APRENDER fessores, artistas de rádio e TV, médicos, etc. Dá novos signi-
ficados e funções a objetos, sugere temas: "Vamos dizer que
isto é um termômetro?" (apontando para um pedaço de
isopor). Isto acontece por volta dos 3 ou 4 anos de idade.
Á mudança no conteúdo da brincadeira da criança está
intimamente relacionada à mudança em suas atividades
Edda Bomtempo* rotineiras (Elkonin, 1971).
Doyle et alii (1991) chamam a atenção para as mudanças
qualitativas no faz-de-conta social de crianças mais velhas
em relação às mais novas (3 e 6 anos). A criança torna-se
capaz de se libertar das propriedades físicas do objeto,
apresentando um jogo de faz-de-conta mais complexo e de
maior duração. Também o aumento da complexidade da

* Professora livre -docente do Instituto de Psicologia da USP, professora do 129


curso de pós-g aduação em psicologia escolar e do desenvolvimento
humano, pesqu: sadora na área de jogos, brinquedos e brincadeiras e
autora de vários ivros e artigos sobre o brincar.
linguagem é evidente nesse tipo de brincadeira, em crianças roupa, pedindo que ela não suje o vestido novo nem desar-
mais velhas. rume o penteado. A primeira criança estaria apenas execu-
Termos como simbólico, representativo, imaginativo, fan- tando a tarefa de trocar a roupa da boneca, enquanto que
tástico, de simulação, de ficção ou de faz-de-conta são a outra, de acordo com Piaget, estaria modificando a situa-
comumente vistos como sinônimos, desde que sejam em- ção e introduzindo elementos de "como se".
pregados para descrever o mesmo fenômeno. A brincadeira de faz-de-conta é freqüentemente manifes-
tada, por exemplo, no comportamento de fingir que está dor-
mindo, quando não está. Envolve, também, objetos substi-
tutos, fingindo que uma trouxa de roupa é um travesseiro e
imaginando objetos, fingindo haver um travesseiro onde não
há nada. A simulação pode, também, envolver papéis ima-
ginários e situações: fingindo ser a Branca de Neve que
espera o príncipe na floresta ou um super-herói como, por
exemplo, o Batman. Em todos esses cenários o mundo real
é suplantado pelo mundo da fantasia: a lona do mundo de
faz-de-conta é estendida sobre o real.
De acordo com Lillard (1993), na simulação de uma
Brinquedos tradicionais brasileiros, SESC, São Paulo, 1983. situação estão envolvidos cinco aspectos que podem ser
considerados necessários e suficientes:
1 - um faz-de-conta;
Definindo a brincadeira de faz-de-conta 2 - uma realidade;
A brincadeira de faz-de-conta pode ser vista como uma 3 - uma representação mental que é diferente da realidade;
intercessão de dois amplos conceitos: brincar e simular.
4 - uma camada de representação sobre a realidade, de
Brincar é comumente definido como uma atividade que tal forma que ela exista no mesmo espaço e tempo;
tem como objetivo a diversão e não a sobrevivência, enquan-
5 - ter consciência desses elementos acima apresentados.
to que a simulação envolve uma realidade que se sobrepõe
à outra, mantendo uma coisa frente à outra para protegê-la, Exemplo: Numa situação em que uma cadeira é um carro
encobri-la ou disfarçá-la (Lillard, 1993). 1. Algo está cuidadosamente fazendo de conta que é. Há
A brincadeira de faz-de-conta está ligada ao sentimento sempre uma realidade com a qual a simulação contrasta.
de "como se" que caracteriza o jogo simbólico, que de acordo 2. Nesse caso, na realidade há uma cadeira, mas, em outro
com Piaget (1951) tem seu apogeu aos quatro anos. O "como caso, poderia não haver nada real (entidades imaginárias).
se" pode ser observado em crianças que brincam imitando
3. O simulador representa uma carro em vez de uma
barulhos de carros, apitos de trem ou tiros de canhão, tendo
cadeira. O faz-de-conta pressupõe que a representação
como suporte da brincadeira, apenas, alguns pedaços de
é, pelo menos, em algum ponto diferente da realidade.
madeira e soldados de plástico. Por exemplo, eu não posso fazer de conta que estoxi
Há diferença entre uma menina que troca a roupa de sua tocando piano se, naquele momento, eu estiver realmente
boneca e outra que conversa com a boneca, ao trocar sua executando uma música.

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4. O simulador representa o carro, projetando a repre-
sentação do carro na cadeira que está realmente presente.
5. O simulador está totalmente consciente do que está
fazendo, sabe o que é um carro e o que é uma cadeira. O
simulador está agindo intencionalmente.
Um sexto elemento que freqüentemente acompanha o
faz-de-conta é a ação, a atividade corporal, que pelo menos
em dois casos se mostra central nesse tipo de brincadeira.
1. Na imitação: o único meio de imitar uma ação seria
fazê-la. O desempenho da ação exige subordinação ao objeto.
2. Quando o faz-de-conta é destinado a ama audiência,
ele exige algum tipo de manifestação externa. Exemplo: se
eu estou tentando comer um bloco de papéis, porque acre-
dito que é um bolo, sem dúvida, eu não estou fazendo de
Ludoland - Angoulème, França.
conta, eu estou enganado. Por outro lado, se eu desempe-
nhar o mesmo papel, sabendo muito bem que eu estou
representando, que um bloco é um bloco, então eu estou
fazendo de conta. Para se configurar, verdadeiramente,
como brincadeira de faz-de-conta é necessário compreender
( desenvolvimento, entretanto, o aprendizado adequadamen-
te organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em
a situação em dois níveis: como situação real (o bloco) e como movimento vários processos de desenvolvimento que, de
situação simulada (o bolo). outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Embora a
A situação real e o faz-de-conta são mantidos separados aprendizagem esteja diretamente relacionada ao curso de
na simulação. Há dois mundos claramente separados, um desenvolvimento da criança, os dois nunca são realizados
projetado sobre o outro. Apesar de alguns relatos de crianças em igual medida ou em paralelo. "O processo de desenvol-
pequenas mostrarem dificuldade com a fronteira real-fanta- vimento progride de forma mais lenta e atrás do processo
sia, eles são raros, constituindo exceção em vez de regra. de aprendizagem" (idem, 1984:102), resultando desta se-
qüenciação as zonas de desenvolvimento proximal. Por
exemplo: Kuczaj (1981) verificou que crianças são mais
Brincadeira de faz-de-conta: um caminho para as capazes de raciocinar sobre seres fantasiosos do que sobre
primeiras competências seus próprios pais. Elas são mais capazes de responder: "O
que aconteceria se Bingo (um dragão de brinquedo) tivesse
Vygotsky (1984) escreveu que no brincar a criança está
jogado futebol ontem?" do que "O que aconteceria se sua
sempre acima de sua idade média, acima de seu com-
mãe tivesse jogado futebol ontem?"
portamento diário. Assim, na brincadeira de faz-de-con-
ta as crianças manifestam certas habilidades que não As crianças pensam sobre o mundo da fantasia com mais
seriam esperadas para sua idade. Nesse sentido, a apren- flexibilidade do que pensam sobre o mundo real, e isso pode
dizagem cria a zona de desenvolvimento proximal, ou indicar que a brincadeira de faz-de-conta é um meio no qual
seja, a aprendizagem desperta vários processos internos elas são mais competentes nas tarefas que requerem flexi-
de desenvolvimento. Desse ponto de vista, aprendizagem não é bilidade ou habilidades de pensamento divergentes. Por exem-

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pio: Dias e Harris (1990) encontraram em seus estudos, que bolo de chocolate, chamando-o de bolo, fazendo gestos de
crianças de 4 a 6 anos são mais capazes de raciocinar sobre que o come, dizendo "Hum-hum, que delícia", mas não come
coisas irreais que dizem respeito a um planeta fictício, do verdadeiramente a areia. Porém, fora da situação imaginária
que quando dizem respeito ao planeta Terra. Por exemplo, ela parece ter uma tendência contra a visão dé um objeto
quando contaram que num outro planeta "todos os gatos como duas coisas ao mesmo tempo.
latem e Rex é um gato. Rex late?" As crianças responderam A substituição do objeto consiste no emprego de um objeto
que sim, que Rex latia. como se fosse outro. Exemplo: uma vaca como se fosse um
Outros estudos que parecem indicar que o faz-de-conta cavalo. Para crianças muito pequenas os objetos substituí-
é um meio facilitador são aqueles que investigam a relação dos apresentam grande similaridade com os objetos pelos
entre freqüência do brincar de faz-de-conta e habilidades quais eles foram substituídos. Exemplo: uma escova de
sociocognitivas. De fato, crianças com alta predisposição à dentes pode ser imitada com um pincel, mas não com uma
fantasia são geralmente melhores em tarefas que envolvem xícara. Para Vygostsky (1984) esse significado precisa de um
habilidades sociocognitivas, como assumir papéis ou tare- "pivô" que comporte um gesto que se assemelhe à realidade,
fas de competência social. pois para ele o mais importante não é a similaridade do
Flannery e Watson (1993) verificaram diferenças indivi- objeto, mas o gesto. Nesse caso, a escova de dentes comporta
duais em jogo simbólico, relacionadas à competência cogni- o gesto em relação ao objeto (pincel) ao qual ela está
tiva e aceitação de pais em 66 crianças de 4 e 8 anos. Cada conferindo um significado. A xícara, por outro lado, não
criança foi filmada em sessão de brinquedo livre envolvendo, comporta esse gesto conferido à escova de dentes.
pelo menos, um parceiro. Quanto à fantasia a classificação Crianças mais velhas não precisam desta similaridade
foi alta, média e baixa. Os resultados apontam que jogadores física com o objeto. Elas podem usar objetos cuja função real
com alta fantasia foram mais aceitos pelos pares do que os contrasta claramente com sua função imaginária. Enquanto
de média fantasia e se mostraram mais envolvidos no jogo. aos dois anos ela não é capaz de usar um carro de brinquedo
com um telefone, aos 3 ou 4 anos ela pode ultrapassar a
Raramente interrompiam o jogo para atender um cha- resposta usual de fazer o cairo de brinquedo comportar-se
mado do professor. Uma criança começou brincando com como um carro de verdade. Ela se torna cada vez mais capaz
uma casa de papelão, identificando seus pares como fan- de usar objetos substitutos cuja função e aparência são bas-
tasmas e monstros e continuou por muito tempo buscando tante diferentes quanto ao aspecto e função.
mais fantasmas e inventando técnicas para removê-los,
como dizer aos fantasmas que havia fogo em suas mãos. A
alta fantasia do jogador parece ter sido encorajada pelos A distinção entre aparência e realidade
parceiros. Portanto, é possível que habilidades sociais-cog-
nitivas levem a brincadeiras sociodramáticas que requerem Em algumas situações surge o problema da dupla codi-
comunicação e negociação competentes. ficação entre crianças. Quando elas são indagadas a respei-
to de como descrever a identidade real e a aparente de um
Ainda, no jogo imaginativo um objeto pode ser conside- objeto ilusório, por exemplo esponjas com aspecto de rochas
rado simultaneamente como tendo duas identidades dife- e velas com aspectos de laranjas. Em pesquisas com crian-
rentes. A criança freqüentemente imagina que uma coisa é ças mais novas, as mesmas tendem a achar que o objeto é
outra, mas ao mesmo tempo parece sustentar ambas as uma laranja ou uma vela. O problema parece ser um objeto
identidades no pensamento: a real e a imaginária. Exemplo: visto simultaneamente como uma laranja na aparência e
a criança imagina que um monte de areia é um delicioso uma vela na realidade. Ao mesmo tempo que a criança sabe

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que o objeto é uma vela, a real identidade pode se tornar tão
evidente que parece uma vela para ela. A dificuldade das
crianças parece situar-se em atribuir duas identidades para
um objeto, ao mesmo tempo.
O mundo não origina o pensamento imaginário da mes-
ma maneira que o pensamento real. A razão pela qual o jogo
imaginativo parece ser uma área de habilidade avançada
com respeito à múltipla representação é que o conhecimento
sobre as identidades real e imaginária pode operar em di-
ferentes níveis (Lillard, 1993).
Alguém pode dirigir um carro, por instantes, sem pensar
conscientemente sobre a pressão que exerce no pedal ou no
uso das sinalizações. Enquanto isso, em nível consciente ele
pode conversar com um amigo, no carro, sobre um assunto
totalmente diverso de dirigir um carro. O conhecimento de Ludoland - Angoulème, França.
como dirigir está implícito, é automático. Na brincadeira de
faz-de-conta a identidade real do objeto substituto é manti-
da na mente no mesmo nível do conhecimento relacionado
a dirigir um carro (como se a criança esquecesse a realidade Aos 4 ou 5 anos de idade a criança apresenta suas próprias
do objeto) enquanto que o objeto imaginário é mantido no variações com um mesmo brinquedo. Por exemplo, ao brincar
pensamento ao nível da conversa. com uma boneca que não traga nenhuma idéia pronta
Sob essa análise, crianças podem utilizar identidades como chorar, andar ou falar, esta brincadeira apresentará
mútuas durante o brincar de faz-de-conta, em parte, porque vários estágios: aos 2 anos, ela atribuirá à boneca ações
a imaginação cria uma situação especial em que a informa- independentes como dormir, chorar, ver, etc.; 6 meses
ção pode ser mantida em segundo plano. Isto acontece mais tarde, além dessas ações, ela atribuirá, também,
porque o brinquedo imaginário é uma situação fácil ou um experiências emocionais como dor e medo e, finalmente,
ambiente facilitador. aos 4 ou 5 anos experiências cognitivas serão atribuídas
à mesma boneca.
A simbolização através dos objetos funciona como pre-
condição para o aparecimento do jogo de papéis ou jogo Assim, a menina ao brincar com bonecas vai, primeiro,
sociodramático, considerado por Piaget como a mais alta repetir aquilo que observa a mãe fazendo na rotina da casa:
expressão do jogo simbólico. Esse tipo de brincadeira ou jogo vai tirar e colocar a roupa da boneca e pentear o seu cabelo.
emerge por volta dos 3 anos de idade (Fein, 1981). Depois, vai aprender a escolher cores e modelos e pentear o
Alguns autores acham que o brincar sociodramático apa- próprio cabelo. A criança transfere para o dia-a-dia as ati-
rece por volta dos 2 anos, envolvendo pouca variabilidade e vidades da brincadeira com a boneca. Da mesma forma, o
ligado, em geral, a temas domésticos como: cozinhar, brinca- menino que brinca com carrinhos aprende a repetir os sons
deira de mamãe-filhinha, etc. Lillard (1993) afirma que, em- do motor, da buzina, a diferença entre o que é rápido e o que
bora crianças se engajem em brincadeiras sociodramáticas é lento para, mais tarde, atribuir novos significados ao
mesmo carrinho através da representação mental.
muito cedo, estas têm sempre as mesmas características.

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O brincar simbólico individual pode, também, transfor- O brincar construtivo
mar-se em jogo coletivo com a presença de vários partici-
pantes. Nesse tipo de brincadeira, quando várias crianças
adotam papéis e desenvolvem uma história, é necessário um
tempo considerável para o planejamento e início da ativida-
de. Antes de começar a brincadeira, a criança precisa re-
ecrutar os outros participantes, negociar os papéis a serem
encenados, entrar num acordo em relação à história, desi-
gnar o papel fictício dos objetos além de determinar a área
a ser utilizada. Às vezes, a criança começa a brincadeira de
um jeito simples e transforma-a em seguida em algo mais Jogos de armar, desafio
demorado; uma criança que pode ter sido excluída no início à imaginação. Revista Crescer,
maio de 1999, foto de Caló, B.
pode vir a ser incluída posteriormente. Nesse tipo de brin-
cadeira o tempo para brincar é muito importante, pois
períodos curtos de tempo podem prejudicar a motivação das
crianças na elaboração de atividades que exijam mais tempo
para serem completadas.
Outra brincadeira que pode ser considerada como uma
forma especializada de jogo de papéis ou sociodramático é
a brincadeira de super-heróis. Quando a criança brinca de
super-herói ela se coloca num papel de poder, no qual pode
dominar os vilões, as situações que provocariam medo ou
Outro tipo de brincadeira que tem seu desenvolvimento
que a fariam sentir-se vulnerável e insegura. A brincadeira
entre 4 e 6 anos é a de encaixe e construção. Ela ocorre
de super-herói, ao mesmo tempo que ajuda a criança a cons-
truir autoconfiança, leva-a a superar obstáculos da vida quando a criança constrói estruturas com blocos ou outros
real, como vestir-se, comer um alimento sem deixar cair, materiais. Por exemplo: modelar um animal com argila,
fazer amigos, enfim, corresponder às expectativas dos pa- construir uma nave espacial com material de sucata ou
drões adultos (Levinzon, 1989). montar um quebra-cabeças de papelão ou plástico são exem-
plos de jogos de construção. No entanto, nem todas as ati-
Pesquisas recentes levam a supor que o brincar pode vidades com materiais são exemplos de construções. Mani-
aumentar certos tipos de aprendizagem, em particular, aque- pulação repetitiva com o material, tais como empilhar e
les que requerem processos cognitivos mais elevados e golpear ou derrubar blocos, rolar peças de sucata no chão
automotivação. Através da imaginação e exploração, as é considerado jogo de exercício ou funcional. O material
crianças desenvolvem suas próprias teorias do mundo, que também pode ser usado como suporte para outras coisas.
permitem a negociação entre o mundo real e o imaginado Um punhado de areia pode ser usado como um pretendido
por elas. Um ponto importante é que essas experiências hambúrguer ou os blocos, usados como se fossem veículos.
tomam uma forma simbólica. Assim, dando tempo para
Teríamos, então, um jogo imaginativo ou de faz-de-conta.
brincar, um ambiente para explorar e materiais que favore-
Os objetos também podem ser usados em jogos formais tais
çam a brincadeira de faz-de-conta, os adultos estarão pro-
como cartas, bolas, cubos ou dados.
movendo a aprendizagem das crianças.

/X I
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Muito simples, os chamados blocos de construção e boradas progredindo para construções mais sofisticadas
encaixe são peças fundamentais para o desenvolvimento como a construção de uma cidade, de um circo, de um
infantil, principalmente na fase pré-escolar. Tanto quanto a grande edifício, etc. Isto ocorre a partir de 5 a 6 anos. O
bola, a boneca, a pipa ou alguns jogos de tabuleiro como o tamanho, a quantidade e a forma das peças vão determinar
xadrez, a dama, etc. os blocos ocupam a categoria de brin- o tipo de construção. O desafio a ser superado pela criança
quedos tradicionais que não perdem espaço com o avanço deve ser adequado a seu nível de desenvolvimento. Se for
tecnológico. Ao contrário, por não serem objetos totalmente muito difícil ela irá desanimar ou, muito fácil, ela irá se de-
acabados, prontos, oferecem várias possibilidades de uso. sinteressar. A. construção de alguma coisa tem um signifi-
Eles ganham significados distintos em diferentes idades. cado especial para cada criança, pois elas podem ver suas
Crianças bem pequenas, por exemplo, adoram bater um idéias tomar uma forma concreta. Ao mesmo tempo, elas se
bloco no outro e se distraem com o som que produzem. sentem donas desta construção e, por isso, podem derrubá-
Percebem a diferença pela força de chocarem duas peças, las, mas não permitem que ninguém o faça. As crianças
na intensidade do som. Nessa experiência, aparentemente podem também abandonar a atividade se perceberem que o
sem importância, começam a utilizar noções de peso, união tempo destinado a ela é curto, perdendo os benefícios da
e até um pouco de equilíbrio. brincadeira construtiva como: planejamento, persistência,
Brincando com blocos de construção e encaixe as crian- cooperação e solução de problemas.
ças estão obtendo conhecimentos de proporções e apren- Vygotsky (1984) diz que crianças muito pequenas pri-
dendo reações físicas de causa e efeito. Quando elas estão meiro constroem alguma coisa para só depois nomeá-la,
empilhando ou encaixando blocos, suas construções podem enquanto que crianças mais velhas dão nome a suas cons-
tomar a forma de castelos, torres, aviões, casas, árvores ou truções antes de fazê-las.
carros. Tudo depende do momento e da vontade de seu
Por toda essa multiplicidade de funções e possibilidades
criador. Blocos coloridos de diferentes formatos ganham
de exercícios, os blocos podem e devem fazer parte das
vida no universo do faz-de-conta infantil em que a fantasia
se expressa em brincadeiras. Tal como o jogo sociodramáti- opções de brincadeiras do dia-a-dia da criança. A participa-
co o brincar construtivo requer grandes períodos de tempo ção dos pais nas construções é sempre desejável, desde que
para atingir todo o seu potencial. essa intervenção não vá de encontro a idéias da criança.
Para usufruir das riquezas proporcionadas pelo jogo é in-
Christie e Wardle (1992) observando a brincadeira livre dispensável que a criança seja dona da brincadeira e que os
de crianças de 4 a 5 anos, levando em consideração o brincar adultos apenas estimulem o faz-de-conta.
solitário, paralelo ou grupai e as características cognitivas
presentes nos jogos funcionais, construtivo e dramático, Outro brinquedo de encaixe e construção são os quebra-
verificaram que, durante longos períodos de tempo, as cabeças que servem de estímulo ao raciocínio, pois mantém
crianças se engajaram mais em jogos de construção e a atenção durante longo tempo, favorecendo a sociabilidade
sociodramáticos e, em períodos curtos, em jogos funcionais e a cooperação quando montados em grupo.
e dramáticos paralelos. Períodos curtos de tempo reduziram Os quebra-cabeças apresentam dificuldades crescentes
a quantidade e maturidade do brincar. de acordo com o número de peças, número de figuras e
À semelhança da brincadeira de faz-de-conta, o brincar variações nas cores da figura-fundo. Por exemplo: uma fi-
com blocos começa com construções simples e menos ela- gura e fundo de apenas uma cor, duas figuras, fundo com
duas ou três cores; três figuras, fundo variado e, sucessiva-

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mente, aumentando a com- nificante nas atividades em grupos entre meninos e meninas.
plexidade figura-fundo como As diferenças de gênero parecem estar relacionadas à quali-
também o número de peças dade da brincadeira: as meninas se mostram mais engajadas
até chegar ao quebra-cabe- no brincar solitário e paralelo ao dos meninos.
ças de mil peças ou mais. De
acordo com o seu nível de O brincar com regras
desenvolvimento a criança po-
derá brincar com um tipo de
quebra-cabeça, com deter-
minado grau de complexida-
de, sem se perder de vista a
relação criança-objeto. Por
exemplo, crianças muito pe-
quenas só conseguem mon-
tar quebra-cabeças bem
simples com uma ou duas
figuras e fundo de apenas
uma cor evoluindo para mais
figuras e fundo variado com
Brinquedo de futuroscope - a idade. Crianças de 4 a 6
Poitiers, França.
anos conseguem montar
quebra-cabeças de média
complexidade com três a cinco figuras e fundo com pouca
variação. Tudo vai depender da coordenação visomotora na Ludoland - Angoulème, França.
discriminação de formas, cores e orientação espacial que a
criança já possua.
No curso do desenvolvimento aparecem os jogos com
Muitas vezes, uma criança não consegue montar um regras que Piaget (1971) afirma marcar a transição para a
quebra-cabeça sozinha por achá-lo muito difícil, porém, se atividade lúdica do ser socializado. Esse tipo de jogo rara-
um irmão mais velho dá pistas para a montagem, ela con- mente ocorre antes dos 5 a 7 anos e pertence proeminente-
seguirá fazê-lo de maneira satisfatória. mente ao período que vai dos 7 aos 11 anos. Piaget enfatiza
A colaboração modifica o desempenho, Vygotsky (1984) que as regras pressupõem a interação de pelo menos dois
chama atenção para a possibilidade de a criança se benefi- indivíduos e que as regras funcionam para regular e integrar
ciar da colaboração de outra pessoa que só ocorre num o grupo social. A regra resulta da organização coletiva das
determinado nível de desenvolvimento, destacando a impor- atividades lúdicas, podendo, porém, apresentar o mesmo
tância da interação social, na produção do conhecimento. conteúdo dos jogos de exercício e dos jogos simbólicos. Co-
mo afirma Piaget, em primeiro lugar, a criança passa do
Pesquisas apontam uma alta incidência do jogo constru- exercício simples às combinações sem finalidade e, depois,
tivo em crianças de 4 a 6 anos, não havendo diferença sig- às combinações com finalidade. Em seguida, o exercício sim-

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pies pode desdobrar-se em jogo simbólico, evoluindo para tuação imaginária. A situação imaginária é uma caracte-
os jogos com regras, o que constitui um último motivo para rística definitiva, não somente do brincar simulado, mas
o desaparecimento dos jogos de exercício com a idade. Daí também dos jogos com regras, embora, no último caso, a
o declínio entre os oito e dez anos, do jogo simbólico e do situação imaginária possa estar presente de forma oculta.
jogo como um todo. Como diz Piaget, somente os jogos com Por exemplo, o jogo (altamente abstrato) de xadrez é estru-
regras escapam a essa involução e desenvolvem-se com a turado por um mundo imaginário povoado por ato-res
idade. São quase os únicos que subsistem no adulto, na específicos - rei, rainha, cavalheiros e assim por diante -
medida em que são essencialmente sociais. que podem se mover apenas de forma especificada e
No que diz respeito às regras, Piaget (1977) distingue orientada por regras.
duas categorias: as impostas pelo grupo e as construídas O sistema de regras serve, na verdade, para constituir a
espontaneamente. As regras impostas pelo grupo são própria situação do brincar. Essas regras e as ações basea-
feitas de tal maneira que a sua violação representa uma das nelas derivam seus significados a partir dessa situação.
falta. Exemplo: se pisar na linha está fora da brincadeira.
A regra espontânea é aquela que surge no momento de Essas regras implícitas tornam-se aparentes, se, por
escolha da brincadeira e tem mais flexibilidade do que a exemplo, considerarmos as restrições colocadas no compor-
regra imposta pelo grupo. O autor enfatiza os jogos espon- tamento das crianças pelo valor das regras que adotarem.
tâneos com regras baseadas em acordo temporário. Nos Quando as crianças fingem ser uma "mãe" ou "pai", elas não
jogos com regras há satisfação intelectual na chance de podem adotar nenhum comportamento que desejem, mas
vitória individual sobre os outros, mas essa satisfação é devem tentar compreender e seguir as regras do comporta-
tornada legítima pelas regras do jogo que garantem um mento materno e paterno conforme elas o entendem. Um
código de honra e um jogo justo. esforço cognitivo importante está envolvido aqui: "O que
passa desapercebido pela criança na vida real, torna-se uma
Os jogos com regras apresentam uma graduação do regra de comportamento no brincar" (Vygotsky, 1984: 108).
mais simples ao mais complexo, com regras que podem ser
seguidas por crianças a partir de 4 anos como é o caso do Em resumo, o brincar simulado e jogos com regras são
jogo da velha, dos dominós de animais, de flores, de meios dois pólos de um único contínuo e Vygotsky vê o desenvol-
de transporte até os jogos mais sofisticados como é o caso vimento do brincar a longo prazo como um movimento
do xadrez, war, jogos de carta que encerram instruções mais gradativo entre eles - de uma situação imaginária explícita
difíceis e elaboradas e que se destinam a crianças mais com regras implícitas (brincar simulado) para uma situação
velhas - a partir dos 7 anos. Os jogos com regras apresentam imaginária implícita com regras explícitas (jogos de regras).
desafios e são uma forma de aprender e reaprender: numa Assim, as crianças aprendem através do brincar que realizar
próxima partida a criança poderá aproveitar-se da experi- seus próprios desejos exige obediência voluntária a regras
ência anterior e testar os limites do adversário. Além da auto-escolhidas e que sua satisfação individual pode ser au-
competição eles estimulam, também, a cooperação quando mentada pela cooperação em atividades governadas por regras.
são em duplas ou times.
Enquanto pai a Piaget as regras propriamente ditas só
aparecem nos jogos com regras, para Vygotsky (1984) exis-
tem dois componentes essenciais e inter-relacionados no
brincar: uma situação imaginária e regras implícitas na si-

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explicam a grande aceitação dos videogames. Porém a gran-
de preocupação dos educadores se prende ao conteúdo
violento que é exibido pela TV, pelas histórias em quadri-
nhos, pelos filmes e, agora, também pelos videogames.
Existem provas de que os videogames violentos provo-
cam um comportamento violento, assim como fazem os
programas de televisão. É mais provável que o aspecto mais
prejudicial dos videogames violentos seja quando os jogos
são para um único jogador. Um jogo em duplas com conteú-
do agressivo parece propiciar um efeito catártico para a
agressão, enquanto que um jogo individual parece estimular
a agressão (Greenfield, 1988).
Por outro lado, o conteúdo violento certamente não é
uma característica necessária aos videogames. O que cha-
Ludoland - Angoulème, França. ma a atenção das crianças não é, exatamente, a violência,
mas a fantasia (você ganha tantas vidas) e a ação. A prefe-
rência por videogames tem sido maior entre os meninos do
Uma palavra sobre os videogames que entre as meninas, por causa do seu conteúdo que en-
volve geralmente ação, emoção, velocidade, etc. Há portanto
Como conseqüência da expansão dos jogos eletrônicos, necessidade de se produzir videogames que atinjam tanto a
surgem na década de 80 pesquisas sobre videogames fantasia dos meninos como a das meninas. Uma pesquisa
visando analisar os prejuízos e benefícios desses jogos realizada por Campos et alii (1994) com crianças de 6 a 11
para a criança. Alguns autores os vêem como recurso de anos confirma esses dados.
aprendizagem e entretenimento, enquanto outros apon- Por tudo que foi discutido até agora, fica claro que
tam conseqüências negativas em relação ao seu uso: per- brincar fornece uma oportunidade de expansão ao mundo
da de tempo, decréscimo de sociabilidade, aumento de im- das crianças, ao mesmo tempo que beneficia o desenvolvi-
pulsividade e agressividade. mento cognitivo, afetivo e social, levando, com êxito, a apren-
Os videogames podem ser considerados como o principal dizagens futuras.
casamento do computador com a televisão (Gardner, 1983).
Greenfield (1988) afirma que o videogame é o primeiro Referências bibliográficas
tipo de jogo que combina o dinamismo visual da televisão
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