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Contributo do conto para o desenvolvimento

da linguagem e do jogo dramático

1. O jogo dramático a partir do


conto
É do domínio geral que contar histórias faz parte de todo
o processo de desenvolvimento da criança, prolongando-
-se o prazer de ouvir uma boa história por toda a nossa
vida adulta.

Contar histórias foi, durante séculos (e continua a ser), um


veículo de transmissão de conhecimentos. Envolve-nos
afectivamente em acontecimentos, sendo através das
produções orais das histórias que vamos enriquecendo o
conhecimento da língua materna. Mesmo que não sejam
entendidas todas as palavras, a mensagem e o momento
2. Estrutura das sessões
vivido são assimilados para sempre. Na sua maioria, estas sessões baseiam-se em histórias
que podem inicialmente ser apenas relatadas por ima-
Na relação contador/ouvinte, estabelecem-se laços de
gens ou com pequenas legendas que indicam claramente
cumplicidade e de afecto inegáveis. As crianças vivem,
a acção que o protagonista ou protagonistas das histórias
através das histórias, momentos intensos de fantasia/
estão a desenvolver. Partindo desta abordagem, explo-
sonho/angústia, retirando muito prazer dessa «aura
ram-se corporalmente as acções das personagens e aos
mágica» .
poucos as palavras vão surgindo, resultando de um ver-
Não há regras para contar dadeiro envolvimento no espaço e no tempo da aventura
uma história, nem local certo e (com o suporte verbal do adulto que pontua as acções).
muito menos hora. Simples- Este envolvimento dá espaço a que as crianças, agora
mente contam-se! E a partir que o discurso interior está construído, iniciem natural-
daí já nada é igual: aprende- mente a produção verbal. Evidentemente que em grupos
mos, sonhamos, decompo- heterogéneos (três, quatro e cinco anos) há enormes dife-
mos, tornamo-nos íntimos dos renças entre cada grupo etário. Aos três anos, surgem
protagonistas e cúmplices da pequenas palavras e frases curtas. Aos quatro, a criança
acção. Quando uma criança alarga o seu discurso e descreve muitas vezes as acções,
ouve uma história, acontece antecipando-as («agora ele ia para ali e o monstro fazia
sempre algo no seu íntimo, grrrrr!») e, aos cinco anos, as crianças constroem já as
mesmo que já a tenha ouvido suas produções verbais, em discurso directo, da persona-
centenas de vezes. gem que assumiram, usando entoações e mudanças de
registo de voz.

Outro trabalho que se pode realizar é inventar uma histó-


ria a partir de um trecho musical. Para este trabalho,
importa o contacto assíduo das crianças com a música e
o suporte musical para realizar acções. Numa primeira
fase, deverão escutar silenciosa e descontraidamente a
música seleccionada pelo educador.

A proposta será: «Qual é a história que há dentro desta


música?». Usando de novo o suporte musical, as crianças
exploram corporalmente o movimento que a música
induz e as acções que vão inventando. A partir daqui,
inicia-se um processo colectivo de reflexão e de partilha

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de ideias, primeiro a pares e depois em pequenos grupos nha peças de roupa e adereços (sapatos, colares, etc.); a
(que não devem exceder quatro elementos cada). possibilidade de construir fantoches/marionetas com as
técnicas mais variadas; as sombras chinesas.
Finalmente, as histórias acontecem, com mais ou menos
situações imaginárias, usando as crianças, quando o A) O GUARDA-ROUPA
suporte musical é retirado, as produções verbais adequa- O guarda-roupa informal, constituído preferencialmente
das às suas vivências interiores. Estas dramatizações por panos e adereços, não deve ser apenas usado em
podem ser enriquecidas com elementos de guarda- actividades de Expressão Dramática orientadas pelo edu-
-roupa, encorajando-se a sua exploração. cador. Está presente na sala e pode, a qualquer momen-
to, ser usado. Normalmente, as crianças usam-no para
O registo vídeo, áudio ou ainda por escrito incentiva as
muitas brincadeiras, elaborando e construindo persona-
dramatizações da criança e transmite-lhe a noção da
gens, procurando identificar-se através do seu uso com a
importância do seu trabalho na vida do grupo, reforçando
pessoa ou personagem idealizada. A roupa conforta a
laços entre si e os adultos.
criança e dá-lhe também algum distanciamento: «Não
O mesmo trabalho pode ser feito com imagens de jor- sou eu, esta personagem está vestida de outro modo.»
nais, revistas ou ainda pinturas de autores conhecidos, Pode, no entanto, também ser utilizado para dramatiza-
alargando as experiências artísticas das crianças, pois ções ou jogos de personagens: «este lenço pode ser um
a Expressão Dramática é uma das expressões artísticas a cavalo».
promover no jardim-de-infância.
B) OS FANTOCHES
Não há «receitas» para realizar Expressão Dramática com
crianças em sessões orientadas. Há sim a necessidade
de conhecer profundamente o grupo de crianças com que
se está a trabalhar, atendendo às suas necessidades, de
forma criativa e reflexiva: a todo o momento, as regras
podem ter de ser mudadas. Quando o grupo não respon-
de às propostas, há que, de imediato, mudar de estraté-
gias e repensar os objectivos iniciais. A estratégia certa
surgirá sem dúvida. Ser paciente é outro dos atributos dos
educadores.

3. Meios auxiliares De acordo com as capacidades de cada criança, podem


construir-se fantoches com quase tudo e por vezes basta
da Expressão Dramática uma peça de lego para iniciar trajectos de descoberta de
outros materiais: fantoches de meia, de cartucho, de
Há meios auxiliares da Expressão Dramática, entre os dedo, até mesmo de massa de pão ou de plasticina. Liga-
quais se destacam: a existência de um espaço que conte- -se então o trabalho de Expressão Dramática à Expressão

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Plástica e à Expressão Musical (se usarmos sons para as
histórias).

Além das sombras e dos fantoches, poderão ser construí-


O fantoche permite à criança esconder-se e falar através dos pelas crianças outros bonecos, mais ou menos ele-
de outro «Eu». Em grupo, constitui um meio privilegiado de mentares, incluíndo pequenas marionetas de pano ou de
expressão, de convívio social e de estabelecimento de esponja, de manipulação simples, com as quais poderão
regras de jogo (quem é o quê e quem age agora). Obriga esconder-se, criar histórias, representar acções ou sim-
à utilização da expressão verbal, uma vez que as suas plesmente brincar.
acções são limitadas (o corpo do fantoche não é pleno de D) MATERIAIS/TÉCNICAS
movimentos).

A criança pode também iniciar a construção de fantoches


de fio ou, mais precisamente, de marionetas elementares:
por exemplo: bruxa, porquinhos, etc.

Por exemplo, pode forrar um vidro da sua sala que dê ou


não para o exterior (dando-lhe opacidade) e já construiu
um espaço cénico. Use as entradas de sol na sala para
realizar experiências de projecção de sombras no chão
ou até nas paredes.

C) AS SOMBRAS CHINESAS
Constituindo um fantástico mundo de cor, de sombra e de
luz, a criança brinca desde muito cedo com o efeito da
sombra do seu corpo contra a luz solar e artificial. Brinca
com as mãos e cria mundos fantásticos que poderão ser
explorados no jardim-de-infância. Contar histórias com
sombras chinesas, com o corpo ou com silhuetas, consti- Com o auxílio de um candeeiro, explore a projecção de
tui um momento de associação entre o prazer de fazer e sombras do corpo ou de outras silhuetas contra uma
a técnica. superfície branca, por exemplo, as paredes.

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Qualquer caixa de cartão pode transformar-se num teatro
de sombras. Abra uma janela na caixa e forre-a com
papel branco ou translúcido (vegetal). Use a luz do sol ou
artificial para criar o efeito de sombras.

E) CARACTERIZAÇÃO
O educador deverá ter na sua sala alguma maquilhagem.
Aconselhamos a utilização de maquilhagem que pode ser
dissolvida e/ou removida com água. As três cores primá-
rias bastarão para poder produzir todas as cores deseja-
das. Há já no mercado boas bases de caracterização à
base de água. As crianças devem ser maquilhadas com
esponjas ou com pincéis, tendo sempre em atenção a
possibilidade de alergias. Deve ser usada uma base
antes da pintura (basta um creme gordo). É aconselhável Propomos-lhe que realize um «teatro a sério» com uma
a remoção da maquilhagem ao fim de umas horas. Por das nossas histórias.
vezes, alguns traços simples são suficientes para se obter
uma boa caracterização, que não precisa de ser muito Qualquer história pode e deve ser trabalhada em Tea-
elaborada. Experimente e divirta-se também. tro/Expressão Dramática, mas não nos podemos esquecer
dos nossos objectivos. Todas as crianças devem encontrar
(Exemplos: bigodes, princesas, gatos, tigres, bruxas, pa- o seu espaço de expressão neste trabalho, independente-
lhaços.) mente das suas capacidades. É uma excelente forma de
inclusão e de crescimento individual ou de grupo.

Vamos propor-lhe um guião que deve ser cuidadosa-


mente realizado, sobretudo não esquecendo os nossos
objectivos de promoção da expressividade. Obrigar crian-
ças a «debitar» textos que não entendem pode resultar
num exercício pouco interessante, sobretudo para as
crianças. As «peças de teatro» devem ser suficientemente
maleáveis para que em qualquer momento seja possível
atribuir aos «actores» outros papéis de que gostem mais
ou nos quais se sintam mais seguros.

Este momento de teatro pode servir para reunir os pais na


sala de aula ou ainda para realizar uma festa de final de
ano.

Convém não esquecer que, por vezes, no momento de apre-


sentação da história, as crianças ficam menos expressivas:
o prazer esteve sobretudo nos momentos de criação.

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