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A
Lê o texto a seguir transcrito.
Num trote folgado passara à fábrica de vidros, depois o cruzeiro sempre coberto
pelas pombas que esvoaçam do pombal da fábrica. E entrava no lugar de Nacejas —
quando, à janela de uma casinha muito limpa, rodeada de parreiras, apareceu uma
linda rapariga, morena e fina, com jaqué de pano azul e lenço de cambraieta bordada
5 sobre fartos bandós ondeados. Gonçalo, sopeando a égua, saudou, sorriu suavemente:
— Perdão, minha menina… Vou bem por aqui, para Canta-Pedra?
— Vai, sim senhor. Em baixo, à ponte, mete para a direita, para os álamos. E é sempre
a seguir…
Gonçalo suspirou, gracejando:
10 — Antes desejava ficar!
A moça corou. E o Fidalgo ainda se torceu no selim para gozar a fina face morena,
entre os dois craveiros da janelinha, na casa tão bem caiada.
Nesse momento, ao lado, de uma quelha enramada, desembocava um caçador do
campo, de jaleca e barrete vermelho, com a espingarda atravessada nas costas, seguido
15 por dois perdigueiros. Era um latagão airoso, que todo ele, no bater dos sapatões bran-
cos, no menear da cinta enfaixada em seda, no levantar da face clara de suíças louras,
transbordava de presunção e pimponice. Num relance surpreendeu o sorriso, a atenção
galante do Fidalgo. E estacou, pregando sobre ele, com lenta arrogância, os belos olhos
pestanudos. Depois passou desdenhosamente, sem se arredar da égua na ladeira es-
20 treita, quase raspando pela perna do Fidalgo o cano da caçadeira. Mas adiante ainda
atirou uma tossidela seca e de chasco — com um bater mais petulante dos tacões.
Gonçalo picou a égua, colhido logo por aquele desgraçado temor, aquele desmaiado
arrepio da carne, que sempre, ante qualquer risco, qualquer ameaça, o forçava irresisti-
velmente a encolher, a recuar, a abalar. Em baixo, na ponte, desesperado contra a sua
25 timidez, deteve o trote, espreitou para trás, para a branca casa florida. O mocetão parara,
encostado à espingarda, sob a janela onde a rapariga morena se debruçava entre os dois
vasos de cravos. E assim encostado, depois de rir para a moça, acenou ao Fidalgo, num
desafio largo, com a cabeça alta, a borla do barrete toda espetada como uma crista fla-
mante.
30 Gonçalo Mendes Ramires meteu a galope pelo copado caminho de álamos, que
acompanha o riacho das Donas. Em Canta-Pedra nem se demorou a estudar (como ten-
cionava para proveito da sua novela) o vale, a ribeira espraiada, as ruínas do mosteiro de
Recadães sobre a colina, e no cabeço fronteiro o moinho que assenta sobre as denegri-
das pedras da antiga e tão falada Honra de Avelãs. De resto o céu, cinzento e abafado
35 desde manhã, entenebrecia para os lados de Craquede e de Vila-Clara. Um bafo morno
remexeu a folhagem sedenta. E já gotas pesadas se esmagavam na poeira — quando
ele, sempre galopando, entrou na estrada dos Bravais.
QUEIRÓS, Eça de (2016). A Ilustre Casa de Ramires. Porto: Porto Editora [pp. 121-123]
G R U P O II (50 PONTOS)
1. Para responderes a cada um dos itens de 1.1. a 1.7., seleciona a opção correta.
1.1. O texto consiste, predominantemente, (5 pontos)
a. numa exposição sobre o protagonista do romance A Ilustre Casa de Ramires.
b. numa apreciação crítica do perfil de Gonçalo Mendes Ramires.
c. numa síntese da ação principal narrada no romance A Ilustre Casa de Ramires.
d. num texto de opinião sobre a complexidade do protagonista do romance A Ilustre Casa de
Ramires.
1.2. No primeiro parágrafo o autor tem como principal intenção comunicativa (5 pontos)
a. caracterizar Gonçalo Mendes Ramires, em termos sociais.
b. justificar a classificação de Gonçalo Mendes Ramires como protagonista.
c. analisar a focalização do narrador ao longo do romance.
d. especificar o perfil psicológico de Gonçalo Mendes Ramires.
1.3. No segundo parágrafo integram-se segmentos de um discurso noutro discurso recorrendo (5 pontos)
a. ao discurso direto.
REIS, Carlos (2014). “Nota Prévia”, in A Ilustre Casa de Ramires. Lisboa: IN-CM
1.1. Com base na afirmação acima transcrita, escreve uma exposição sobre o microcosmos da aldeia
como representação de uma sociedade em mutação na obra A Ilustre Casa de Ramires, com um
mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras.
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente dos algarismos que o constituam (ex.: /2015/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras
–, há que atender ao seguinte:
• um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
• um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
Critérios específicos
Item Cotação Cenário de resposta
de classificação
• Excerto localizado na ação principal do romance (Capítulo V) • Aspetos de conteúdo –
1. 20 pontos
· Primeiro confronto entre Gonçalo e o caçador de Nacejas. 12 pontos.
• Gonçalo: • Aspetos de estruturação
· galanteador (Gonçalo suspirou, gracejando: – Antes do discurso e correção
desejava ficar!, ll. 8-9); linguística:
· cobarde (“colhido logo por aquele desgraçado temor, aquele · estruturação do
desmaiado arrepio da carne, que sempre, ante qualquer risco, discurso – 4 pontos;
qualquer ameaça, o forçava irresistivelmente a encolher, a · correção linguística –
recuar, a abalar.”, ll. 20-22). 4 pontos.
2. 20 pontos
• caçador de Nacejas:
· arrogante/petulante (“transbordava de presunção e
pimponice”, l. 15);
· perspicaz (“Num relance surpreendeu o sorriso, a atenção
galante do Fidalgo”, ll. 15-16);
· provocador/desdenhoso (“E estacou […] com um bater mais
petulante dos tacões.”, ll. 16-19).
• Recursos que nos permitem visualizar a mudança das
condições atmosféricas, em consonância com o próprio
estado de espírito de Gonçalo:
3. 20 pontos
· metáfora: “Um bafo morno remexeu a folhagem sedenta.” (l.
32); “E já gotas pesadas se esmagavam na poeira” (l. 32);
· uso expressivo do adjetivo: “cinzento e abafado” (l. 31).
• Espaço social: aldeia, microcosmos de uma sociedade em
4.1. 20 pontos mudança (decadência da nobreza, ascensão da burguesia e
da classe política).
• Solar de Santa Ireneia e Torre: símbolo antiguidade,
4.2. 20 pontos
linhagem e prestígio da família Ramires.
G R U P O II (50 PONTOS)
1.1. 5 pontos a.
1.2. 5 pontos b.
1.3. 5 pontos d.
1.4. 5 pontos b.
1.5. 5 pontos a.
1.6. 5 pontos d.
1.7. 5 pontos b.
20 pontos 20 pontos 20 pontos 20 pontos 20 pontos 5 pontos 5 pontos 5 pontos 5 pontos 5 pontos 5 pontos 5 pontos 15 pontos