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III ---- Os deveres fundamentais, mais ainda do que os direitos, são concebidos como

individuais. Mas há deveres igualmente extensivos às pessoas colectivas, como o de defesa do


ambiente e o de pagar impostos.

2.0

O princípio da igualdade

A igualdade em geral

I — O tema da igualdade aparece imbricado com os grandes temas da Ciência e da Filosofia do


Direito e do Estado. Pensar em igualdade é pensar em justiça na linha da análise aristotélica,
retomada pela Escolástica e por todas as correntes posteriores, de HOBBES e ROUSSEAU a
MARX e RAWLS ( l ); é redefinir as relações entre pessoas (2) e entre normas jurídicas; é
indagar da lei e da generalidade da lei (3).

Ju

Existe uma tensão inelutável entre liberdade e igualdade (lembramos de novo). Levado às
últimas consequências, um princípio radical de liberdade oblitera a igualdade da condição
humana e, em contrapartida, um princípio de igualdade igualitária esmaga a autonomia
pessoal. Porém, em concreto, elas andam constantemente a par, uma implicando a outra —
como demonstram, sobretudo, a problemática da liberdade religiosa e a da liberdade política.

Vale a pena referir os dois princípios de igualdade democrática em JOHN RAWLS (op. cit., pág.
67): 1.0) cada pessoa deve ter um igual direito à mais ampla liberdade compatível com idêntica
liberdade dos outros; 2.0) as desigualdades sociais e económicas devem ser ajustadas de
forma a corresponderem à expectativa de que trarão vantagens a todas as pessoas e ligadas a
posições e a cargos abertos a todos.

Sobre a pessoa como conceito de igualdade, cfr. GUSTAV RADBRUCH, op. cit., 11, págs. 15 e
segs.

O tema irradia, mais amplamente, para a cultura geral. V., de novo, CAMÕES:

«Todos favorecei em seus ofícios».

«Segundo têm das vidas o talento» (X, CL).


E já estava presente no pensamento, por exemplo, de FERNÃO LOPES (v. LUÍS DE SOUSA
REBELO, A concepção do poder em Fernão Lopes, Lisboa, 1983, pág. 27).

Ao mesmo tempo vai-se tornando recorrente, nas sociedades contemporâneas — plurais,


heterogéneas e, por vezes, multiculturais — tanto a procura de um equilíbrio entre bem
comum e interesse de grupo como entre a igualdade e aquilo a que se vem chamando direito à
diferença ( 1 ).

Não cabe aqui entrar no exame inesgotável destes e doutros pontos. Na economia da presente
obra, não podemos senão (embora sem nunca perder de vista o sentido dos valores) sumariar
os dados básicos de Direito constitucional positivo e as linhas de aplicação do princípio (2). II —
Atenção particularíssima suscita a dicotomia igualdade jurídica-igualdade social ou igualdade
perante a lei (como é mais frequente dizer) igualdade na sociedade.

Sem merece ser se se como mera igua\dade ou como igua\dade inspirada numa conceÑo
•susraciona\ista, e segunda como igua\dade 'lurídico-material-Inaterial, ligada a uma atitude
crítica sobre a ordem social c económica existente e à consciência da necessidade e da
possibilidade dc a modificar (seja qual for a orientação política que se adopte).

E válida ainda, enquanto se distinguem não tanto duas espécies de preceitos jurídicos quanto
dois momentos ou planos: o da atribuição dos direitos em igualdade e o da fixação das
incumbências do Estado e da sociedade organizada perante as condições concretas das
pessoas. Os direitos são os mesmos para todos; mas, como nem todos se acham em igualdade
de condições para os exercer, é preciso que essas condições sejam criadas ou recriadas através
da transformação da vida e das estruturas dentro das quais as pessoas se movem.

Já não seria correcta a contraposição, se se supusesse estar diante de dois princípios


estanques ou opostos: 1 . 0) porque a igualdade social como igualdade efectiva, real, ynaterial,
concreta, situada (como quer que se designe) pode ou deve considerar-se imposta pela
própria noção de igualdade jurídica, pela necessidade de lhe buscar um conteúdo pleno; 2.0)
porque, mesmo quando a igualdade social se traduza na concessão de certos direitos ou até de
certas vantagens especificamente a determinadas pessoas — as que se encontram em
situações de inferioridade, de carência, de menor protecção a dife-venciação ou a
discriminação (positiva) tem em vista alcançar a igualdade e tais direitos ou vantagens
configuram-se como instrumentais em face desses fins ( l ) .

A afirmação (ou a sedimentação) da igualdade social vai-se fazendo em correspondência com a


passagem da igualdade jurídica de programática a preceptiva em domínios crescentemente
alargados (2).

A igualdade jurídica é — como sublinha um autor, Vrrr0R10 MATHIEU — condição preliminar


da igualdade real. Até admitindo que uma igualdade real preexiste em virtude de qualquer
causa, ela não subsistiria sem a garantia do clireilo. Não se forma uma sociedade de iguais se
os seus membros não têm, antes de mais, o direito de ser iguais. Sem a garantia do direito, a
igualdade ficaria privada de efeito... Mas a igualdade jurídica é também a condição para que a
igualdade real seja real. E assim porque o Estado não pode desinteressar-se dos meios para
produzir uma igualdade real. O Estado não pode limitar-se a garantir uma igualdade real
derivada de outra fonte, porque não existe outra fonte. Deve produzi-la, ele mesmo, esta
igualdade, se se quer que haja, pelo menos, um início de aplicação. Ora, o meio de que o
Estado dispõe para exercer qualquer acção é a lei (3).

Entretanto, salienta CASTANHEIRA NEVES, a definição de uma igualdade jurídica abstracta não
pode considerar-se como fim último que a si se baste, mas tão só como um primeiro e relativo
momento, como um instrumento e ponto de apoio para uma igualdade material que há-
deconseguirse para além daquela através da complementar intervenção das outras duas
dimensões. E desse modo o estatuto abstracto, sem pretender ser rígido e de determin'ação
acabada, tem não só de aceitar os desenvolvimentos e a inte-graçáo normativa dc uma
igualdade participada e constitutiva realização histórica do direito como terá ainda de sofrer as
difercnciaçócs c tnodificaçócs concretas exigidas por uma material intenção de igualdade c
justiça sociais. Com aqueles desenvolvimentos e integrações, por um lado, c estas
diferenciações, por outro lado ----- sendo ceflo que aqueles primeiros se virão as mais das
vezes a traduzir nestas segundas se actuará, corrigirá c controlará a intenção de igualdade
definida abstractamente, cm termos dc ela ter dc se mostrar sempre materialmente justificada
e real ( l ).

III — A experiência histórica mostra:

Que são coisas diferentes a proclamação do princípio da igualdade e a sua aceitação e


aplicação prática; ou a consagração constitucional e a realização legislativa até porque o
princípio (porque princípio) comporta manifestações diversas consoante os sectores e os
interesses em presença e sofre as refracções decorrentes do ambiente de cada país e de cada
época;

Que, a par da construção jurídica a fazer e refazer constantemente, importa indagar da cultura
cívica dominante na comunidade, das ideias preconcebidas e dos valores aí assentes, assim
como da «Constituicão viva» e da realidade constitucional;

Que a conquista da igualdade não se tem conseguido tanto em abstracto quanto em concreto,
através da eliminação ou da redução de sucessivas desigualdades ou da extensão de novos
benefícios; e tem sido fruto quer da difusão das ideias quer das lutas pela igualdade travadas
por aqueles que se encontravam em situações de marginalização, opressão e exploração;
Que, embora a superação destas ou daquelas desigualdades nunca seja definitiva e, por vezes,
até venha acompanhada do aparecimento de novas desigualdades e até de exclusões, o ideal
de uma sociedade alicerçada na igualdade (ou na justiça) (2) é um dos ideais permanentes da
vida humana e um elemento crítico de transformação

Direito português

nobreza e extinguindo os títulos nobiliárquicos c dc conselho c as ordens honoríficas (l) (art.


3.0, n.0 3), Scria também claqucconsignatáa a equiparação dc direitos dc portugucscs c
estrangeiros (como do art. 3.0), apontaria para a igualdade política c civil dc todos os cultos
(afle 3.0, n.0 5) e vedaria a privação de um direito ou a isenção de uni dever por motivos de
religião (art. 3.0 , n.0 7).

Por seu turno, a Constituição de 1933 deslocaria a referência à igualdade para a própria
definição do regime político, declarando Portugal uma república corporativa «baseada na
igualdade dos cidadãos perante a lei, no livre acesso de todas as classes aos benefícios da
civilização e na interferência de todos os elementos estruturais da Nação na vida
administrativa e na feitura das leis» (art. 5.0) ( 2). E a igualdade perante a lei envolveria «o
direito de ser provido nos cargos públicos conforme a capacidade e os serviços prestados» e a
negação de quaisquer privilégios «salvas quanto à mulher as diferenças resultantes da sua
natureza e do bem da família e, quanto aos encargos e vantagens dos cidadãos, os impostos
pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas» (S único).

Era um texto constitucional não pouco ambíguo. O objectivo de acesso de todos aos benefícios
da civilização, em conexão com a incumbência do Estado de «zelar pela melhoria das
condições das classes sociais mais desfavorecidas» (art. 6.0 , n.0 3), inculcava uma ideia de
igualdade social. Em contrapartida, constitucionalizavam-se diferenças de tratamento da
mulher, apesar de se garantir «a igualdade de direitos e deveres dos cônjuges quanto à
sustentação e educação dos filhos» (art. 12.0 , n.0 2).

Só na revisão constitucional de 1971 se viria a falar em «diferenças de tratamento quanto ao


sexo» (e não já quanto à mulher) e apenas justificadas «pela natureza» (e não mais também
pelo «bem da família») (3 ); nem por isso, contudo, se terá sentido a necessi-dade de modificar
o carácter muito inigualitário e conservador do Código Civil de 1966 ( l ).

Finalmente, na Constituição de 1976 é nítida a afirmação, com carácter geral, tanto da


igualdade perante a lei (art. 13.0 e art. 7.0 da Declaração Universal) como da igualdade real
entre os Portugueses, ligada à <<transformação das estruturas económico-sociais» (2) (3) [art.
81 . 0 , alínea c), situado dentro da organização económica, na versão inicial da Constituição, e,
após 1982, art. 9.0 , alínea d), a par das <<tarefas fundamentais do (4). Entretanto, a
própriaConstituição deixa de cominar incapacidades dos cidadãos portugueses não
origináños(1) salvo no concernente à eleição do Presidente da República (art. 125.0, hoje
122.0); elimina a ineligibilidade para este cargo dos parentes até ao 6.0 grau dos Reis de
Portugal [art. 74.0 da Constituição de 1933, tal como o art. 40.0, alínea b), da Constituição de
19111; veda discriminações entre filhos nascidos dentro e fora do casamento (art. 36.0, n.0 4);
estabelece a regra de a trabalho igual salário igual [art. 53.0, alínea a), art. 59.0, alínea a),
depois de 19821; vem abolir os crimes subjectivamente militares (art. 218.0 , depois 215.0 e
213.0); assegura aos funcionários e agentes do Estado a plenitude dos direitos políticos (art.
270.0 , n.0 2, depois 269.0 , n.0 2), sem prejuízo do princípio da imparcialidade da
Administração; indicia a extensão a eles dos direitos laborais; e proíbe a garantia
administrativa (art. 271.0 , n.0 1, in fine). Todavia, entre 1976 e 1982, a Constituição consentia
distinções em detrimento dos latifundiários e grandes proprietários e empresários ou
accionistas no tocante a indemnização por expropriações (art. 82.0 , n.0 2) e até ao termo da

l.a legislatura previa certas «incapacidades cívicas» de pessoas de confiança política do antigo
regime (art. 308.0).

A Constituição, no texto inicial, não continha a explicitação da igualdade de direitos de homens


e mulheres por tal se entender desnecessário (2). Dela logo resultava inadmissível, na verdade,
qualquer capitis deminutio das mulheres quer no âmbito da família (art. 36.0 , n.0S 3, 5 e 6),
quer na vida política (arts. 48.0 e segs.), quer no trabalho (arts. 58.0 e 59.0). Mas em 1997,
como já se noticiou, entendeu-se, algo diferentemente, que o Estado devia promover a
igualdade entre homens e mulheres [art. 9.0 , alínea h)], em particular no acesso a cargos
políticos (3).5

TT — A Constituição não se circunscreve a declarar o de igualdade. Aplica-o, desde logo, a


zonas rnais sensíveis irnportantes na perspectiva da sua ideia de Direito. E daí bastante
cornplexo e talvez dernasiadoannbicioso, ex-n que se decorrências puras e simples da
igualdade jurídica, preceitos renciaçãoena função de diferenças de circunstâncias, derivadas da
igualdade social e discriminações positivas.

http://www.igc.fd.uc.pt/timor/pdfs/cap_V.pdf timorense

http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/47142/45717 biblioteca

https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/o-principio-da-igualdade-como-
expressao-dos-direitos-fundamentais-do-cidadao/

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