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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

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Sumário
NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 3

UNIDADE I ............................................................................................................................. 0
CARACTERIZAÇÃO DA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO ............................................................ 0
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS .................................................................. 3
PROPOSTA PARA A ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS ................................................................. 8
O MÉTODO DE PAULO FREIRE ............................................................................................. 11
O MOBRAL .......................................................................................................................... 16
NOVOS RUMOS NA EDUCAÇÂO DE JOVENS E ADULTOS ...................................................... 20
UNIDADE II ............................................................................................ 35

FUNÇÕES E O PAPEL DO EDUCADOR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS ........................................................................................................ 35

FUNÇÕES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ................................................................ 36


O PAPEL DO EDUCADOR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS .................................... 46
UNIDADE III ........................................................................................... 57

O JOVEM E O ADULTO NA SOCIEDADE LETRADA: QUESTÕES


CURRICULARES EM FOCO ........................................................................... 57

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO ......................................................................................... 57


O LETRAMENTO CRÍTICO ..................................................................................................... 63
A FORMAÇÃO DO CIDADÃO LETRADO ................................................................................. 65
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E OS DESAFIOS CURRICULARES ................................. 68
LÍNGUA PORTUGUESA ......................................................................................................... 71
ESTUDOS DA SOCIEDADE E DA NATUREZA........................................................................... 80
UNIDADE IV .......................................................................................... 83

ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ....................................... 83

OS SIGNIFICADOS DA ALFABETIZAÇÃO ................................................................................ 84


O ENSINO E A APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ............................... 87
A AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS .......................................................... 91
UNIDADE V ........................................................................................... 99

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INTERDISCIPLINARIDADE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
......................................................................................................................... 99

O PROJETO INTERDISCIPLINAR ............................................................................................ 99


REFERÊNCIAS ................................................................................... 105

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de


empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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UNIDADE I
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino


utilizado na rede pública no Brasil para a inclusão de jovens e adultos na
educação formal, com o objetivo de desenvolver o ensino fundamental e médio
com qualidade para aqueles que perderam a oportunidade de se escolarizar na
época própria. Ela é regulamentada pelo artigo 37, da lei nº. 9394, de 20 de
dezembro de 1996 (LDB).

Um dos principais passos para o trabalho com Educação de Jovens e


Adultos é a valorização do conhecimento prévio e o reconhecimento dos alunos
como portadores de cultura e saberes. São pessoas que estão voltando para a
escola, muitas vezes, em busca da educação que o mercado exige. Chegam
cansados depois de um dia de trabalho, têm pouco tempo para se dedicar aos
estudos, mas chegam também com muitas histórias e vivências.

Dessa forma, esta disciplina tem como objetivo propiciar o estudo sobre a
Educação de Jovens e Adultos na realidade brasileira, bem como refletir sobre
os processos de ensino e aprendizagem que o envolvem, contribuindo para a
construção da cidadania como elemento da emancipação.

Assim, essa primeira unidade é dedicada ao conceito e a um breve


histórico da Educação de Jovens e Adultos, no Brasil, no qual se destacam
soluções e impasses pedagógicos gerados nessas práticas. Faz-se necessário
conhecer toda a trajetória histórica dessa modalidade para que você a
compreenda melhor a atualidade.

CARACTERIZAÇÃO DA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO


A Educação de Jovens e Adultos – EJA é uma modalidade da Educação
Básica nas etapas do Ensino Fundamental e Médio, que visa oferecer
oportunidade de estudos às pessoas que não tiveram acesso ou continuidade
desse ensino na idade própria, assim como, prepará-los para o mercado de
trabalho e o pleno exercício da cidadania. A oferta de cursos aos jovens e adultos

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proporciona oportunidade educacional apropriada, considerando as
características do aluno, seus interesses, condição de vida e trabalho.

A EJA orienta-se pelos princípios éticos da autonomia, da


responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum; princípios
políticos dos direitos e deveres da cidadania; do exercício da criticidade e do
respeito à ordem democrática; princípios estéticos da sensibilidade, da
criatividade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.

Segundo Malcom Knowles (1970), a andragogia é a arte ou ciência que


estuda as melhores práticas para orientar adultos a aprender, considerando a
experiência como fonte mais rica de aprendizagem para adultos. Esses são
motivados a aprender, conforme as experiências vivenciadas, suas
necessidades e interesses. Enfim, é um caminho educacional que busca
compreender o adulto, orientando-o na aprendizagem para a resolução de
problemas e tarefas com que se confronta na sua vida cotidiana, visando
potencializar habilidades e competências. Os adultos são sensíveis a estímulos
de natureza externa, mas são os fatores de ordem interna (satisfação,
autoestima, qualidade de vida, etc..) que motivam o adulto para a aprendizagem.
Segundo Paulo Freire, trata-se de ensinar o adulto a aprender a ler a realidade
para, em seguida, transformá-la.

Diferentemente dos moldes da pedagogia conservadora, o ensino da


Educação de Jovens e Adultos está intimamente ligado a alguns pressupostos
da andragogia de modelos pedagógicos transformadores.

A Educação de Jovens e Adultos, embasada em um modelo andragógico,


indica distinções do ponto de vista da aplicabilidade do conhecimento e do
método de ensinar, tendo como princípios:

• A necessidade em saber a finalidade, o “porquê” de certos


conteúdos e aprendizagens;

• A facilidade em aprender pela experiência;

• A percepção sobre a aprendizagem como resolução de problemas;

• A motivação para aprender é maior se for interna (necessidade


individual) e se o conteúdo a ser aprendido for de aplicação imediata;

1
• As experiências trazidas pelos educandos.

A andragogia, enquanto modelo para a Educação de jovens e Adultos, é


caracterizada pela participação dos alunos, pela flexibilidade, pelo foco no
processo, atendendo as especificidades de cada educando, ao invés da ênfase
no conteúdo com metodologia e organização voltadas para um currículo rígido.
Nesse modelo, a participação dos alunos poderá ocorrer às diversas fases do
processo de ensino-aprendizagem como diagnóstico das necessidades
educativas, elaboração de plano, estabelecimento de objetivos, a partir do
diagnóstico e formas de avaliação.

O professor deve ser considerado um facilitador, e como tal, sua relação


com os alunos é primordial para ensino aprendizagem, tendo como principal
característica o diálogo, o respeito, a colaboração e a confiança. O clima propício
para a aprendizagem, segundo o modelo andragógico, tem como características
o conforto, a informalidade e o respeito, garantindo que o aluno se sinta seguro
e confiante.

CONCEPÇÃO METODOLÓGICA

Os cursos da EJA devem pautar-se pela flexibilidade, tanto de currículo,


quanto de tempo e espaço, de forma a atender às funções reparadora,
qualificadora e equalizadora, previstas para os alunos jovens, adultos e idosos
dessa modalidade de ensino, através de uma proposta pedagógica baseada na
pedagogia emancipadora, do diálogo, que compreenda a necessidade de
contínuo desenvolvimento de capacidades e competências necessárias para
enfrentar as transformações do mundo atual, de modo a permitir percursos
individualizados e conteúdos significativos através de:

• Promoção de suporte e atenção individual às diferentes


necessidades dos estudantes no processo de aprendizagem, mediante
atividades diversificadas;

• Valorização de vivências socializadoras, culturais, recreativas e


esportivas, geradoras de enriquecimento do percurso formativo dos estudantes;

• Desenvolvimento de competências para o trabalho;

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• Orientações permanentes aos estudantes, visando maior
participação, aproveitamento e desempenho nas aulas;

• Realização e sistematização na formação continuada destinada


aos educadores dos jovens, adultos e idosos.

Os aspectos pedagógicos do currículo para Educação de Jovens e


Adultos devem basear-se no contexto da experiência freiriana com educação
popular na utilização de metodologia que propicie ressocialização dos sujeitos
no processo educativo, no exercício da cidadania e na preparação para o mundo
do trabalho. A pedagogia libertadora valoriza o interesse e a iniciativa dos
estudantes, dando prioridade aos temas e problemas mais próximos de suas
vivências sobre os conhecimentos sistematizados, coloca no centro do trabalho
educativo temas, problemas políticos e sociais, entendendo que o papel da
educação é, fundamentalmente, abrir caminho para a libertação.

Segundo Malcom Knowles (1970), os adultos são portadores de


experiências que os distinguem das crianças e dos jovens. Em numerosas
situações de formação, são os próprios adultos com sua experiência que
constituem o recurso mais rico para as suas próprias aprendizagens.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


Traçaremos, a partir de agora, um breve panorama histórico da Educação
de Jovens e Adultos no Brasil. Entendemos ser de importância ímpar a
compreensão da trajetória histórica desta modalidade de ensino, uma vez que o
conhecimento dessa trajetória nos possibilita uma melhor compreensão dos
entraves e dos avanços em nosso país.

Muito, ainda, faz-se necessário caminhar em direção à constituição de


uma Educação de Jovens e Adultos promotora de desenvolvimento humano. No
entanto, para que possamos abrir novos caminhos, é importante
compreendermos os caminhos trilhados até então.

O início de uma caminhada

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As atividades de leitura e escrita no Brasil iniciaram com os jesuítas; sua
ação missionária, com o intuito de difundir o evangelho, incluía estratégias
educativas com crianças e adultos. Primeiramente, para os índios e,
posteriormente, para os negros escravos. Assim, no período colonial, a
educação para os religiosos eram administradas na sua maioria para os adultos;
era ensinado o evangelho, normas de comportamento e os ofícios necessários
à economia colonial aos indígenas e aos escravos.

No ano de 1824 firmou-se, pela Constituição Brasileira, uma instrução


primária e gratuita para os adultos. No período imperial, pouco foi feito, pois
neste período os adultos só possuíam cidadania, e a maioria deles eram da elite
e alfabetizados. No final do império, 82 % da população com idade superior a
cinco anos ainda eram analfabetos.

A Proclamação da República em 1889 e a Constituição Federal de 1891


reforçaram a concepção da atribuição da educação básica como tarefas dos
estados e municípios, cabendo à união o ensino secundário e superior. A
persistência desse sistema garantiu a formação de elites em detrimento de uma
educação para as amplas camadas sociais marginalizadas, onde a oferta do
ensino elementar se submeteu a fragilidade financeira dos estados e municípios.

Essa constituição manteve a exclusão dos adultos analfabetos da


participação política pelo voto, criando o preconceito pelo analfabeto, visto neste
momento como incapaz. Assim, na primeira República, a nova Constituição
excluiu os analfabetos para votação, sendo estes uma grande maioria. Segundo
Pierro (2000, p.109), “A nova Constituição Republicana estabeleceu também a
exclusão dos adultos da participação pelo voto, isto em um momento em que a
maioria da população adulta era iletra”. Trinta anos depois da Proclamação da
República, 72% da população acima de cinco anos era analfabeta.

Podemos observar os primórdios da educação de jovens e adultos, no


Brasil, após a chegada dos padres jesuítas em 1549. Obviamente, essa
educação se voltava para a catequização de nativos, mas ocorreu também com
os colonizadores, diferenciando-se apenas pelos objetivos que possuíam para
cada grupo específico.

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Entretanto, após a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal,
ocorreu uma desorganização do ensino, que voltou a ser ordenado somente no
Império. Ao saltarmos para o século XX, segundo informações do IBGE, em
1910, “o direito a ler e escrever era negado a quase 11 milhões e meio de
pessoas com mais de 15 anos”. Logo, alguns grupos sociais mobilizaram-se para
organizar campanhas de alfabetização chamadas de “Ligas”.

De acordo com Ribeiro (1997), foi apenas a partir da década de 30,


quando começou a se consolidar um sistema público de educação elementar no
país, que a educação básica de adultos teve seu lugar inserido na história da
educação brasileira.

A partir da Primeira Guerra Mundial e nas duas décadas seguintes,


mudanças significativas aconteceram no cenário educacional. O crescimento do
processo de industrialização e urbanização e a preocupação com questões
sociais emergentes começaram a fazer da educação escolar uma preocupação
para as autoridades e a sociedade brasileira. Neste contexto, criam-se condições
favoráveis para o estabelecimento de políticas para a educação de adultos e
ampliam-se os serviços educacionais deste período como parte de uma política
de extensão de direitos.

A formação da identidade da educação de adultos no Brasil dá-se a partir


da década de 1940, especificamente no ano de 1947, com a política de educação
para as massas. Esta passava a ser considerada uma condição necessária para
que o Brasil se realizasse como um país desenvolvido. Neste período, foi
lançada a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, cujo objetivo era
alfabetizar, em três meses, esta parcela da população excluída da educação
regular. Além dessa meta, havia ainda a pretensão de se trabalhar a capacitação
profissional e o desenvolvimento comunitário desses jovens e adultos. Mesmo
influenciada pela euforia nacionalista e pela industrialização vivida no Brasil, à
campanha não obteve sucesso, principalmente em zonas rurais, sendo extinta
antes do final da década de 1950. Sobreviveram, na época, apenas as escolas
supletivas nos estados e municípios (PEREIRA apud MACEDO, 2007, p.2).

No entanto, foi somente no final da década de quarenta que a Educação


de Jovens e Adultos firmou-se como tema de política educacional. Diversos
fatores contribuíram para que isso ocorresse, entre eles: a criação do Ministério

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da Educação e Saúde Pública, em 1930; a ideia de um Plano Nacional de
Educação a partir da Constituição de 1934 e a criação do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (INEP), em 1938.

Nessa época, devido às transformações pelas quais passava a


sociedade brasileira, associadas ao processo de industrialização, “a oferta de
ensino básico gratuito estendia-se consideravelmente, acolhendo setores sociais
cada vez mais diversos” (RIBEIRO, 1997, p. 19). Com o fim da ditadura de
Vargas, em 1945, o Brasil vivia a política da redemocratização. A Segunda
Guerra Mundial recém terminara e a ONU (Organização das Nações Unidas)
visava integrar os povos, para alcançar paz e democracia. Assim, havia o
interesse em aumentar as bases eleitorais para a sustentação do governo central
e em melhorar a produção.

No período de Vargas, em 1930, a revolução se tornou um marco na


reformulação do papel do Estado, no Brasil, de acordo com os aspectos
educacionais. A nova Constituição Brasileira apresentou um novo Plano
Nacional de Educação (PNE) firmando de maneira óbvia as esferas de
capacidade da União, onde confirmou o direito de todas as pessoas do Estado
para com a educação.

O PNE responsabilizou-se pela Constituição de 1934, que inclui como


obrigatório as normas no ensino primário integral. O ensino primário se
prolongaria para os adultos e tinha um tratamento particular, sendo que no ano
de 1938 o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) instituiu o fundo
nacional do ensino primário que tinha o dever de promover programas
progressivos de ampliação na educação primária:

Passos decisivos para a colocação da educação de Adultos como


problema nacional foram dados na década de 1940 com a criação do Fundo
Nacional do Ensino Primário e sua regulamentação em 1945, que destinava 25%
dos recursos do fundo para a Educação de Adultos e adolescentes analfabetos,
a criação do Serviço de Adultos em 1947 e com a aprovação de um Plano
Nacional de Educação Supletiva, ainda em 1947 (CORREIA, pp. 21 e 22).

Por meio dessa estrutura e desses recursos foram promovidas diversas


Campanhas contra o analfabetismo, destacando-se a Campanha de Educação

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de Adultos e Adolescentes em 1947 e a Campanha Nacional de Educação Rural
em 1952.

Isso tudo fez com que houvesse uma maior preocupação com relação à
educação dos adultos, a qual, segundo Ribeiro (1997, p. 20) definiu sua
identidade a partir de uma Campanha de Educação de Adultos, lançada em
1947:

Pretendia-se, numa primeira etapa, uma ação extensiva que previa a


alfabetização em três meses, e mais a condensação do curso primário em dois
períodos de sete meses. Depois, seguiria uma etapa de “ação em profundidade”,
voltada à capacitação profissional e ao desenvolvimento comunitário.

No início, a campanha teve ótimos resultados, quando foram criadas


diversas escolas supletivas. Dela, também suscitaram discussões, no campo
teórico-pedagógico, sobre o analfabetismo, que era considerado como a causa
do fracasso em que se encontrava a situação econômica, social e cultural do
país. Dessa forma, o adulto analfabeto era visto como incapaz e marginal.

Felizmente, durante a campanha, essas ideias preconceituosas foram


criticadas e os saberes e capacidades dos adultos analfabetos foram
reconhecidos. Logo, de acordo com Ribeiro (1997), houve a difusão de um
método de ensino de leitura para adultos, denominado Laubach, o que inspirou
a iniciativa do Ministério da Educação em produzir material didático específico
para o ensino da leitura e da escrita para adultos. Conforme a autora,

As lições partiam de palavras-chave selecionadas e organizadas


segundo suas características fonéticas. A função dessas palavras era
remeter aos padrões silábicos, estes sim o foco do estudo. As sílabas
deveriam ser memorizadas e remontadas para formar outras palavras. As
primeiras lições também continham pequenas frases montadas com as
mesmas sílabas. Nas lições finais, as frases compunham pequenos
textos contendo orientações sobre preservação da saúde, técnicas
simples de trabalho e mensagens de moral e civismo (RIBEIRO, 1997,
pp. 21-22).

No final da década de 50, muitas críticas foram lançadas à Campanha de


Educação de Adultos, como a denúncia ao caráter superficial do aprendizado, já

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que a alfabetização acontecia num intervalo de tempo muito curto, e à
inadequação do método. Foram promovidas diversas Campanhas contra o
analfabetismo, destacando-se a Campanha de Educação de Adultos e
Adolescentes em 1947 e a Campanha Nacional de Educação Rural em 1952.

A organização de programas de massa destinados a Educação de Jovens


e Adultos mediante o Fundo Nacional do Ensino Primário, foi acompanhado de
euforia nos primeiros momentos e seguido de atividades rotineiras durante os
anos 50, até sua extinção oficial, no início da década de 1960. Assim, surgiu uma
nova visão sobre o problema do analfabetismo e um novo paradigma pedagógico
para a educação de adultos, a partir da proposta do educador Paulo Freire.

PROPOSTA PARA A ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS


Em sua primeira experiência, em 1963, Freire ensinou 300 adultos a ler e
escrever em 45 dias. Esse método foi adotado em Pernambuco, um estado
produtor de cana-de-açúcar. O trabalho de Freire com os pobres e,
internacionalmente aclamado, teve início no final da década de 40 e continuou
de forma ininterrupta até 1964.

Os 16 anos de exílio foram períodos tumultuados e produtivos: uma


estadia de cinco anos no Chile como consultor da UNESCO no Instituto de
Capacitação e Investigação em Reforma Agrária; uma nomeação, em 1969, para
trabalhar no Centro para Estudos de Desenvolvimento e Mudança Social da
Universidade de Harvard; uma mudança para Genebra, na Suíça, em 1970, para
trabalhar como consultor do Escritório de Educação do Conselho Mundial de
Igrejas, onde desenvolveu programas de alfabetização para a Tanzânia e Guiné
Bissau, que se concentravam na reafricanização de seus países; o
desenvolvimento de programas de alfabetização em algumas ex-colônias
portuguesas pós-revolucionárias como Angola e Moçambique; ajuda ao governo
do Peru e da Nicarágua em suas campanhas de alfabetização...

Paulo Freire (1921-1997) representa um dos maiores e mais significantes


educadores do século XX. Sua pedagogia mostra um novo caminho para a
relação entre educadores e educandos. Caminho este que consolida uma
proposta político-pedagógica elegendo educador e educando como sujeitos do

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processo de construção do conhecimento mediatizados pelo mundo, visando à
transformação social e construção de uma sociedade justa, democrática e
igualitária

Na América do Sul, Europa, África, América do Norte e Central, suas


ideias revolucionaram o pensamento pedagógico universal, estimulando a
prática educativa de movimentos e organizações de diversas naturezas. Três
filosofias marcaram sucessivamente a obra de Paulo Freire: o existencialismo, a
fenomenologia e o marxismo sem, no entanto, adotar uma posição ortodoxa. Seu
pensamento rompeu a relação cristalizadora de dominação, buscando pensar a
realidade dentro do universo do educando, construindo a prática educacional
considerando a linguagem e a história da coletividade elementos essenciais
dessa prática.

Em Paulo Freire, vida, pensamento e obra se juntam. Pensa a realidade


e a ação sobre ela, trabalhando teoricamente a partir dela. Segundo ele, as
questões e problemas principais de educação não são somente questões
pedagógicas, ao contrário, são políticas. Sua proposta, a pedagogia crítica,
como práxis cultural, contribui para revelar a ideologia encoberta na consciência
das pessoas. Seu trabalho revela dedicação e coerência aliados à convicção de
luta por uma sociedade justa, voltada para o processo permanente de
humanização entre as pessoas, onde ninguém é excluído ou posto à margem da
vida. Paulo Freire provou que é possível educar para responder aos desafios da
sociedade, nesse sentido, a educação deve ser um instrumento de
transformação global do homem e da sociedade, tendo como essência a
dialogicidade.

As ideias de Paulo Freire chamavam a atenção para as causas sociais


do analfabetismo, além de uma visão do analfabeto como produtor social e
cultural de uma sociedade. O Congresso deu início a um novo período na
Educação de Adultos no Brasil, onde a busca intensa era por inovações neste
terreno e se percebia esforços realizados pelos mais diversos grupos em favor
da educação da população adulta para a participação na vida política da nação.

O trabalho de Paulo Freire passou a direcionar diversas experiências com


a Educação de Adultos como o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado

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à Igreja Católica. As ideias deste autor demonstravam a necessidade de realizar
uma Educação de Adultos crítica, voltada para a transformação social, o diálogo
como princípio educativo e a ascensão dos educandos adultos, de seu papel de
sujeitos de aprendizagem, de produção de cultura e de transformação do mundo.

A Educação de Jovens e Adultos no Brasil está muito ligada a Freire. Seu


sistema de ensino foi desenvolvido em 1960 e com o sucesso da experiência,
ficou conhecido em todo o Brasil, sendo praticado por diversos grupos da cultura
popular. Com ele, veio uma mudança de paradigma teórico-pedagógico na EJA.

Durante muitos séculos, para alfabetizar alguém se utilizava o método


silábico de aprendizagem; partia-se da ideia de que conhecendo as sílabas e
juntando-as poderia se formar qualquer palavra. Por essa concepção não se
desenvolvia o pensamento crítico, não importava entender o que era escrito e o
que era lido, porque o importante era dominar o código.

Por essa nova concepção, educador e educando devem interagir, são


criados novos métodos de aprendizagem por meio dos quais o alfabetizador
trabalha o conteúdo a ser ensinado: a escrita. Com a preocupação de que seus
alunos estejam compreendendo o sentido para o sistema de escrita, a partir de
temas e palavras geradoras ligadas às suas experiências de vida.

É nos anos 60 que aparecem Paulo Freira e sua equipe de


trabalho, que dão uma virada no enfoque da educação popular, ao propor
que os processos metodológicos para a alfabetização de adultos
transcendam as técnicas e centrem-se em elementos de
conscientização. Lançam seu manifesto contra a educação bancária que
desumaniza o homem e o converte num depósito de conteúdos; e
propõem como saída a Educação Problematizadora. O desafio proposto
por Freire era conceber a alfabetização de adultos para além da aquisição
e produção de conhecimentos cognitivos, mesmo sendo estes
necessários e imprescindíveis (MEDEIROS, 2005, p.3).

A proposta de Paulo Freire baseia-se na realidade do educando, levando


em conta suas experiências, suas opiniões e sua história de vida. Educador e
educando devem caminhar juntos, interagindo durante todo o processo de
alfabetização. Seu objetivo maior era a alfabetização visando à libertação, e para

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ele essa libertação não se dá somente no campo cognitivo, mas deve acontecer,
essencialmente, nos campos social, cultural e político.

Segundo ele, a visão ingênua que os indivíduos têm da realidade torna-


os escravos, na medida em que, não sabendo que podem transformá-la,
sujeitam-se a ela. Essa descrença na possibilidade de intervenção na realidade
é alimentada pelas cartilhas e manuais escolares que colocam homens e
mulheres como observadores e não como sujeitos ativos dessa realidade.

O MÉTODO DE PAULO FREIRE


No início dos anos 60, os principais programas de alfabetização e
educação popular se inspiraram na proposta de alfabetização de adultos de
Paulo Freire. De acordo com Ribeiro (1997), tais programas foram empreendidos
por intelectuais, estudantes e católicos engajados numa ação política junto aos
grupos populares. Em 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização,
espalhando, por todo o país, os programas de alfabetização orientados pela
proposta de Freire, os quais foram interrompidos pelo golpe militar.

Conforme a autora, a partir dessas práticas, o analfabetismo deixou de


ser visto como causa da pobreza e da marginalização e “passou a ser
interpretado como efeito da situação de pobreza gerada por uma estrutura social
não igualitária” (RIBEIRO, 1997, p. 23).

Segundo Ribeiro (1997), Freire desenvolveu um conjunto de


procedimentos pedagógicos que ficou conhecido como MÉTODO PAULO
FREIRE, o qual previa uma fase de preparação, em que o alfabetizador deveria
realizar uma pesquisa sobre a realidade do grupo em que atuaria, além de um
levantamento de seu universo vocabular. Desse universo vocabular, o educador
selecionaria as palavras com maior densidade de sentido e que expressassem
as situações existenciais mais importantes.

Após essa etapa, caberia ao educador selecionar um conjunto com os


diversos padrões silábicos da língua, organizando-o conforme o grau de
complexidade. A partir dessas palavras, denominadas “palavras geradoras”,
realizaria o estudo da leitura e da escrita. Antes, porém, propiciaria uma

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discussão a respeito do conceito antropológico de cultura, a fim de levar o
educando a assumir-se como sujeito de sua aprendizagem.

No estudo das palavras geradoras, utilizavam-se cartazes com imagens


referentes às situações existenciais, gerando um debate em torno do tema em
questão para, somente após, analisar a palavra escrita. Esta, por sua vez, era
estudada a partir de um quadro com as famílias silábicas, com as quais os
alfabetizandos montavam novas palavras.

Posteriormente, as palavras geradoras eram substituídas por temas


geradores, “a partir dos quais os alfabetizandos aprofundariam a análise de seus
problemas, preferencialmente já se engajando em atividades comunitárias ou
associativas” (RIBEIRO, 1997, p. 25).

Assim, o Método Paulo Freire é composto por três etapas, denominadas:


“Investigação”, “Tematização” e “Problematização”, conforme sistematizamos a
seguir

1. Etapa de Investigação: busca conjunta, entre professor e aluno, das


palavras e temas mais significativos da vida do aluno, dentro de seu universo
vocabular e da comunidade em que ele vive.

2. Etapa de Tematização: momento da tomada de consciência do


mundo, por meio da análise dos significados sociais dos temas e palavras.

3. Etapa de Problematização: etapa em que o professor desafia e inspira


o aluno a superar a visão mágica e a crítica do mundo, para uma postura
conscientizada.

Para a aplicação de seu método, Freire propõe cinco fases:

• 1ª fase: Levantamento do universo vocabular do grupo. Nessa fase,


ocorrem as interações de aproximação e conhecimento mútuo, bem como a
anotação das palavras da linguagem dos membros do grupo, respeitando seu
linguajar típico.

• 2ª fase: Escolha das palavras selecionadas, seguindo os critérios de


riqueza fonética, dificuldades fonéticas - numa sequência gradativa das mais

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simples para as mais complexas, do comprometimento pragmático da palavra
na realidade social, cultural, política do grupo e/ou sua comunidade.

• 3ª fase: Criação de situações existenciais características do grupo.


Trata-se de situações inseridas na realidade local, que devem ser discutidas com
o intuito de abrir perspectivas para a análise crítica consciente de problemas
locais, regionais e nacionais.

• 4ª fase: Criação das fichas-roteiro que norteiam os debates, as quais


deverão servir como subsídios, sem, no entanto, seguir uma prescrição rígida.

• 5ª fase: Criação de fichas de palavras para a decomposição das famílias


fonéticas correspondentes às palavras geradoras.

Para exemplificarmos, tomemos a palavra TIJOLO, usada pelo educador


como a primeira palavra, em Brasília, nos anos 60, escolhida por ser uma cidade
em construção.

1º) Apresenta-se a palavra geradora "tijolo", inserida na representação de


uma situação concreta: homens trabalhando numa construção.

2º) Simplesmente escreve-se a palavra: TIJOLO

3º) Escreve-se a mesma palavra com as sílabas separadas:

TI - JO – LO

4º) Apresenta-se a "família fonêmica" da primeira sílaba:

TA - TE - TI - TO – TU

5º) Apresenta-se a "família fonêmica" da segunda sílaba:

JA - JE - JI - JO – JU

6º) Apresenta-se a "família fonêmica" da terceira sílaba:

LA - LE - LI - LO – LU

7º) Apresentam-se as "famílias fonêmicas" da palavra que está sendo


decodificada: TA - TE - TI - TO - TU JA - JE - JI - JO - JU LA - LE - LI - LO – LU

13
O conjunto das "famílias fonêmicas" da palavra geradora foi denominado
de "ficha de descoberta", pois ele propicia, ao alfabetizando, juntar os "pedaços",
isto é, fazer dessas sílabas novas combinações fonêmicas que necessariamente
devem formar palavras da língua portuguesa.

8º) Apresentam-se as vogais:

A-E-I-O-U

Assim, no momento em que o alfabetizando consegue formar palavras,


articulando as 29 sílabas, está alfabetizado. Obviamente, o processo requer
aprofundamento, ou seja, a pós-alfabetização.

A eficácia e validade do "Método" consistem em partir da realidade do


alfabetizando, do que ele já conhece, do valor pragmático das coisas e fatos de
sua vida cotidiana, de suas situações existenciais. Respeitando o senso comum
e dele partindo, Freire propõe a sua superação.

O Método obedece às normas metodológicas e linguísticas, mas vai além


delas, porque desafia o homem e a mulher que se alfabetizam a se apropriarem
do código escrito e a se politizarem, tendo uma visão de totalidade da linguagem
e do mundo.

O Método nega a mera repetição alienada e alienante de frases, palavras


e sílabas, ao propor aos alfabetizandos "ler o mundo" e "ler a palavra", leituras,
aliás, como enfatiza Freire, indissociáveis, por isso, opõe-se à metodologia
utilizada nas cartilhas.

Em suma, o trabalho de Paulo Freire é mais do que um método que


alfabetiza, é uma ampla e profunda compreensão da educação que tem como
cerne de suas preocupações a sua natureza política. Vale a pena você conhecer
as obras desse importante educador.

Freire aplicou publicamente seu método, pela primeira vez, no Centro de


Cultura Dona Olegarinha, um Círculo de Cultura do Movimento de Cultura
Popular (Recife). Foi aplicado, inicialmente, com 5 alunos, dos quais três
aprenderam a ler e escrever em 30 horas, outros 2 desistiram antes de concluir.

14
Com base na experiência de Angicos, onde em 45 dias alfabetizaram-se
300 trabalhadores, João Goulart, presidente na época, chamou Paulo Freire para
organizar uma Campanha Nacional de Alfabetização. Essa campanha tinha
como objetivo alfabetizar 2 milhões de pessoas, em 20.000 círculos de cultura,
e já contava com a participação da comunidade - só no estado da Guanabara
(Rio de Janeiro) se inscreveram 6.000 pessoas.

Porém, com o Golpe de 64, toda essa mobilização social foi reprimida,
Paulo Freire foi considerado subversivo, foi preso e depois exilado. Assim,
infelizmente, esse grande projeto foi abandonado. Em seu lugar, surgiu o
MOBRAL, uma iniciativa para a alfabetização, porém, visceralmente distinta dos
ideais freirianos. O golpe militar de 1964 encerrou as atividades da Comissão
Nacional da Alfabetização encabeçada por Freire e do Programa Nacional de
Alfabetização de Adultos. Por um lado, o golpe militar tentou acabar com práticas
pedagógicas que vinham contrárias aos ideais políticos, mas por outro, a
Educação de Jovens e Adultos não poderia ser abandonada pelo aparelho do
Estado. Não havia como justificar para a comunidade nacional e internacional a
criação de um país com altos índices de analfabetismo.

Em discurso ao Dia Nacional de Alfabetização, em 1966, o


Ministro Muniz de Aragão, explicitou a visão dos militares sobre a questão
do analfabetismo, transcrito por Paiva, 2003, p.293: “uma chaga, mancha
vergonhosa a desfigurar as faces da sociedade brasileira, que se
apresenta, no conceito dos povos, como constituída em grande parte por
cidadãos incultos e ignorantes, [...]; erradicar o analfabetismo era uma
exigência do pudor nacional. O analfabetismo era visto como entrave ao
progresso já que uma pátria grande não poderia ser edificada sobre um
povo esmagados pelos fardos da ignorância e da miséria” (CORREIA,
2008, p. 23).

Por isso, o regime militar criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização


(MOBRAL), em 1967, que era um projeto para acabar com o analfabetismo em
apenas 10 anos e dedicou um capítulo especial na Lei 5692/71 sobre o ensino
supletivo, expresso do artigo 24 ao artigo 28. Neles, são explicitadas as duas
grandes finalidades do ensino supletivo: a de suprir a escolaridade regular aos
jovens e adultos que não a concluíram na idade própria e a de proporcionar

15
atualização de conhecimentos mediante o constante retorno à escola. A criação
do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) aconteceu conforme a lei
5.379 em 15 de Dezembro de 1967.

Com o golpe militar de 1964, os programas de alfabetização e educação


popular que se haviam multiplicado no período entre 1961 e 1964 foram vistos
como uma grave ameaça à ordem e seus promotores duramente reprimidos. O
governo só permitiu a realização de programas de alfabetização de adultos
assistencialista e conservadores até que em 1967 ele mesmo assumiu o controle
dessa atividade lançando o MOBRAL (RIBEIRO, 1997, pp.25-26).

O MOBRAL
Com significativos recursos, o Mobral instalou comissões municipais por
todo o país que executavam as atividades de alfabetização, enquanto
controlavam supervisão, orientação pedagógica e produção de materiais
didáticos. Organizado a partir do golpe militar, ele tinha o intuito de chegar a
quase todos os municípios do país e deveria atestar às classes populares o
interesse do governo pela educação do povo.

Neste momento, o Brasil contava com 33% de brasileiros acima de cinco


anos analfabetos e o Mobral ampliou sua atuação durante a década de 1970.
Entretanto, a crítica pelos níveis de aprendizagem e a dúvida quanto aos
indicadores apresentados ampliou seu descrédito, sendo extinto em 1985.

O MOBRAL foi criticado pelo pouco tempo destinado a alfabetização e


pelos critérios empregados na verificação de aprendizagem. Mencionava-se
que, para evitar a regressão, seria necessária uma continuidade dos estudos em
educação escolar integrada, e não em programas voltados a outros tipos de
interesses como, por exemplo, formação rápida de recursos humanos (PIERRO,
2000, p.116).

As tarefas relacionadas à alfabetização passaram a compor a estrutura


da recém-criada Fundação Educar:

Sua função era de articular o subsistema de ensino e


a política nacional de jovens e adultos, fomentar o

16
atendimento nas séries iniciais do Ensino de 1° grau,
promover a formação e aperfeiçoamento de professores,
produzir material didático e supervisionar e avaliar as
atividades (CORREIA, 2008, p. 24).

Os programas de alfabetização e educação popular se multiplicaram, no


Brasil, no período compreendido entre 1961 e 1964, quando foram interrompidos
pelo golpe militar, que os considerava como ameaça à ordem. Somente em
1967, o governo autorizou a realização desses programas, no entanto, sob o seu
controle, lançando o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), que
surgiu como um prosseguimento das campanhas de alfabetização de adultos
iniciadas com Lourenço Filho.

Para Ribeiro (1997), o MOBRAL seria a resposta do regime militar à


situação, ainda grave, do analfabetismo no Brasil. Em 1969, foi lançada uma
campanha massiva de alfabetização, com orientação, supervisão pedagógica e
produção de materiais didáticos centralizados.

A expansão do MOBRAL pelo país se deu durante a década de 70,


variando sua atuação. Alguns grupos que se opunham à ditadura procuraram
seguir as propostas mais críticas, com base no Método Paulo Freire, os quais
puderam se ampliar na década de 80, com o início da abertura política.

O movimento, mantido pelo governo federal, propunha a alfabetização


funcional de jovens e adultos, visando instrumentalizar o cidadão e torná-lo
capaz de exercer sua cidadania. No entanto, o MOBRAL se limitou a alfabetizar
de maneira funcional, não oferecendo uma formação mais abrangente.

A metodologia utilizada pelo Programa de Alfabetização Funcional


baseava-se no aproveitamento das experiências significativas dos alunos, dessa
forma, embora divergisse ideologicamente do método que Paulo Freire utilizava-
se, semelhantemente a este, de palavras geradoras, porém, totalmente
esvaziadas de sentimentos críticos. Além disso, havia uma uniformização do
material utilizado em todo o território nacional, não traduzindo, assim, a
linguagem e as necessidades do povo de cada região e de uma série de
procedimentos para o processo de alfabetização.

17
O MOBRAL não exigia frequência e a avaliação era feita em 2 módulos,
uma ao final do módulo e outra pelo sistema de educação. O fato de não exigir
frequência, possibilitava o elevado índice de evasão que se estabeleceu nesse
nível.

Quanto aos materiais didáticos, Ribeiro salienta o fato de que seguiram


muitos procedimentos consagrados nas experiências realizadas no início da
década de 60, porém eram destituídos de sentido crítico e problematizador.
Assim, de acordo com Ribeiro (1997, p. 26),

Propunha-se a alfabetização a partir de palavras-chave, retiradas


“da vida simples do povo”, mas as mensagens a elas associadas
apelavam sempre ao esforço individual dos adultos analfabetos para sua
integração nos benefícios de uma sociedade moderna, pintada sempre
de cor-de-rosa.

A recessão econômica iniciada nos anos 80 inviabilizou a continuidade


do MOBRAL que demandava altos recursos para se manter. Seus últimos anos
foram marcados por denúncias quanto às aplicações dos recursos financeiros e
ao falso índice de analfabetismo emitido por conta do programa.

Assim, em 1985, o MOBRAL foi extinto, por estar desacreditado nos meios
políticos e educacionais. Conforme Ribeiro (1997, p.27-28), “seu lugar foi
ocupado pela Fundação Educar, que abriu mão de executar diretamente os
programas, passando a apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas de
governos, entidades civis e empresas a elas conveniadas”.

Ampliando a concepção de alfabetização

As críticas aos programas de alfabetização de jovens e adultos se


voltavam, principalmente, com relação ao pouco tempo que se levava para
alfabetizá-los e a não continuidade do processo. Dessa forma, segundo Ribeiro
(1997, p. 28) surgiram programas que previam,

Um tempo maior, de um, dois ou até três anos dedicados à


alfabetização e pós-alfabetização, de modo a garantir que o jovem ou
adulto atinja maior domínio dos instrumentos da cultura letrada, para que

18
possa utilizá-los na vida diária ou mesmo prosseguir seus estudos,
completando sua escolarização.

Dessa maneira, a alfabetização foi incorporada, de forma crescente, a


programas mais extensivos de educação básica de jovens e adultos, o que se
refletiu na produção dos materiais didáticos.

Conforme a autora, para a alfabetização inicial, foram incluídos exercícios


complementares de montar ou completar palavras com sílabas dadas, palavras
e frases para ler e associar imagens e exercícios de coordenação motora,
notando-se uma preocupação em oferecer materiais de leitura. Para a etapa de
pós-alfabetização, os materiais eram mais escassos e acabavam por reproduzir
os livros didáticos utilizados no ensino primário regular, com a adaptação dos
temas, que se voltavam para a vida adulta, referindo-se ao mundo do trabalho,
aos problemas urbanos, saúde etc.

Além disso, a ampliação da concepção de alfabetização também se deu


a partir da preocupação com relação a iniciação à matemática, uma vez que os
educandos demonstravam seu desejo de aprender a fazer contas. Logo, via-se
a necessidade de incluir a aprendizagem dos jovens e adultos numa concepção
de alfabetização integral, que incorporasse a cultura da realidade vivenciada por
eles.

Quanto ao caráter crítico e problematizador na EJA, de acordo com


Ribeiro (1997, p. 30), alguns educadores conseguiram promover situações de
debates, que os levavam a “reconhecer, comparar, julgar, recriar e propor”.
Contudo, quando se tratava do trabalho específico de leitura, escrita ou
matemática, tornava-se difícil garantir a natureza construtiva da aprendizagem.
Os textos lidos contemplavam sempre o mesmo estilo e a mesma estrutura.
Assim, produziu-se uma “dissociação entre os momentos de ‘leitura do mundo’,
quando os educandos são chamados a analisar, comparar, elaborar, e os
momentos de ‘leitura da palavra’ (ou dos números), quando os educando devem
repetir, memorizar e reproduzir” (RIBEIRO, 1997, p. 30).

19
NOVOS RUMOS NA EDUCAÇÂO DE JOVENS E ADULTOS
Na década de 80, à luz da Linguística e da Psicologia, surgiram muitas
pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita, consideradas
práticas sociais, realizadas por meio da linguagem, vista como formas de
interação.

Logo, segundo Ribeiro (1997), as propostas pedagógicas para a


alfabetização começam a incorporar a convicção de que não é necessário nem
recomendável montar uma língua artificial para ensinar a ler e escrever. Os
adultos analfabetos podem escrever enunciados significativos, com base em
seus conhecimentos da língua, ainda que, no início, não produzam uma escrita
convencional. Com relação à leitura, também houve a preocupação em ampliar
o universo linguístico, utilizando-se uma diversidade maior de textos. Assim, a
formação de um bom leitor não dependia só da memorização das
correspondências entre letras e sons, mas também do conhecimento das
funções, estruturas e dos estilos próprios dos diferentes textos que circulam em
nossa sociedade.

Quanto ao ensino de Matemática, Ribeiro (1997) aponta para o fato de se


terem observado que os jovens e os adultos eram capazes de resolver
problemas envolvendo cálculos mais complexos, sem, muitas vezes, saberem
representá-los por escrito, ou sem saberem explicar como chegaram ao
resultado. Várias pesquisas foram realizadas para investigar a natureza desses
conhecimentos e o seu alcance.

Com relação ao ensino das Ciências Sociais e Naturais, a autora destaca


o reconhecimento da limitação das abordagens que visam apenas a
aprendizagem de conhecimentos imediatamente úteis para os jovens e adultos.
Dessa maneira, caberia aos educadores orientá-los para uma compreensão
mais abrangente dos fenômenos, para a qual podem contribuir conceitos
científicos e informações das mais diversas fontes.

Na década de 90, com a extinção da Fundação Educar, criou-se um vazio


em termos de políticas para o setor. Assim, segundo Ribeiro (1997, p. 34), “A
história da educação de jovens e adultos no Brasil chega à década de 90,

20
portanto, reclamando a consolidação de reformulações pedagógicas que, aliás,
vêm se mostrando necessárias em todo o ensino fundamental”.

Para a autora, a maioria das pessoas que procuram os programas para


jovens e adultos já tiveram passagens fracassadas pela escola. Muitos
adolescentes e jovens foram recém excluídos do sistema regular. Dessa forma,

Esta situação ressalta o grande desafio pedagógico, em termos de


seriedade e criatividade, que a educação de jovens e adultos impõe: como
garantir a esse segmento social que vem sendo marginalizado nas esferas
socioeconômica e educacional um acesso à cultura letrada que lhe possibilite
uma participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura
(RIBEIRO, 1997, p. 34).

Assim, percebemos que o MOBRAL foi extinto no ano de 1985 pelos


políticos que não mais acreditavam nele, no seu lugar ficou o ensino supletivo
que foi regulamentado e os seus fundamentos são bem desenvolvidos trazendo
à tona a visão de um novo conhecimento na escola. Após ser extinto no período
da nova república, foi substituído pela Fundação Educar e os educadores tinham
que enfrentar com poucos recursos sua tarefa.

Se em muitos sentidos a Educar representou a continuidade do MOBRAL,


devem-se computar como mudanças significativas a sua subordinação à
estrutura do MEC e a transformação em órgão de fomento e apoio técnico em
vez de execução direta. No início da década de 1980, a sociedade brasileira
viveu importantes transformações sociais e políticas com o fim dos governos
militares e a retomada do processo de democratização, é só lembrarmos da
Campanha nacional a favor das eleições diretas.

Neste novo contexto, houve a possibilidade de ampliação das atividades


da EJA. Estudantes, políticos e professores organizaram-se em prol de uma
escola pública e para todos. A constituição de 1988 trouxe importantes avanços
para a EJA: o ensino fundamental obrigatório e gratuito passou a ser direito
constitucional também para aqueles que não tiveram acesso na idade própria.

A história da Educação de Jovens e Adultos no período de


redemocratização, entretanto, é marcada pela contradição entre o plano jurídico

21
do direito formal da população jovem e adulta à educação básica de um lado, e
por outro, de sua negação pelas políticas públicas concretas no terreno social.

As práticas pedagógicas informadas pelo ideário da educação popular,


que até então eram desenvolvidas quase que clandestinamente por
organizações civis ou pastorais da Igreja, retomaram espaços nos ambientes
universitários e passaram a influenciar programas públicos e comunitários de
alfabetização de jovens e adultos.

Além da garantia consagrada pela Constituição de 1988, a Carta Magna


propunha um prazo de dez anos onde os governos e a sociedade civil deveria
concentrar esforços para a erradicação do analfabetismo e a universalização do
ensino fundamental, objetivos estes, aos quais deveriam ser aplicados 50% dos
recursos vinculados à educação dos três níveis do governo.

Esses mecanismos somados à descentralização das receitas tributárias


em favor dos estados e municípios e à vinculação constitucional de recursos
para o desenvolvimento e manutenção do ensino, constituiu a base para que nos
anos posteriores pudesse vir a ocorrer uma significativa expansão e melhoria do
atendimento público da escolarização de jovens e adultos.

Contudo, a partir dos anos de 1990, a EJA começou a perder espaço nas
ações governamentais. Em março de 1990, com o início do governo Collor de
Melo a fundação Educar foi extinta e todos os seus funcionários colocados em
disponibilidade. Em nome do enxugamento da máquina administrativa, a União
foi se afastando das atividades da EJA e transferindo as responsabilidades para
os estados e municípios.

Neste mesmo pacote de medidas foi retirado o mecanismo que facultava


às pessoas jurídicas direcionar voluntariamente 2% do valor do imposto de renda
às atividades de alfabetização de adultos, recursos esses, que nas duas décadas
anteriores haviam financiado o MOBRAL e a Educar.

A medida representou um marco na descentralização da escolarização


básica de jovens e adultos, pois embora não tenha sido negociada entre as
esferas do governo, representou a responsabilidade da transferência direta de

22
responsabilidade pública dos programas de alfabetização de jovens e adultos da
União para os municípios.

Em 1996 é promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional, lei n° 9394/96. A seção dedicada à educação de jovens e adultos se
apresentou curta e pouco inovadora:

A seção dedicada à educação básica de jovens e adultos resultou


curta e pouco inovadora: seus dois artigos reafirmam o direito dos jovens
e adultos trabalhadores ao ensino básico adequado às suas condições
peculiares de estudo, e o dever do poder público em oferecê-lo
gratuitamente na forma de cursos e exames supletivos. A única novidade
dessa seção da Lei foi o rebaixamento das idades mínimas para que os
candidatos se submetam aos exames supletivos, fixadas em 15 anos
para o ensino fundamental e 18 anos para o ensino médio. A verdadeira
ruptura introduzida pela nova LDB com relação à legislação anterior
reside na abolição da distinção entre os subsistemas de ensino regular e
supletivo, integrando organicamente a educação de jovens e adultos ao
ensino básico comum (HADDAD, 2000, p. 122).

Em 1999, por meio do Plano Nacional de Educação adere-se um


paradigma da educação continuada ao longo da vida como um direito da
cidadania. A partir deste ponto de vista, os desafios para a educação de jovens
e adultos seriam três: erradicar o analfabetismo presente em nossa sociedade,
treinar o imenso contingente de jovens e adultos para o mercado de trabalho e
criar oportunidades de educação permanente.

A reforma educacional iniciada em 1995 tem como objetivo descentralizar


os encargos financeiros com a educação, racionalizando o gasto público em
favor do ensino fundamental obrigatório. Essas diretrizes implicaram que o MEC
mantivesse a educação básica de jovens e adultos na posição marginal que
ocupava.

Após muitas discussões, criou-se em cada um dos estados o Fundo do


Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
(FUNDEF), como um mecanismo onde os recursos públicos destinados à
educação foram redistribuídos as entes governamentais, estaduais e municipais
de acordo com o número de alunos matriculados no Ensino Fundamental.

23
Esse mecanismo induziu à municipalização do ensino Fundamental,
ficando o Estado com a responsabilidade maior do Ensino Médio e a União com
o Ensino Superior.

A operacionalização do dispositivo constitucional que criou o


FUNDEF exigiu regulamentação adicional. Embora tenha sido aprovada
por unanimidade do Congresso, a Lei 9.424/96 recebeu vetos do
presidente, um dos quais impediu que as matrículas registradas no
ensino fundamental presencial de jovens e adultos fossem computadas
para efeito dos cálculos dos fundos, medida que focalizou o investimento
público no ensino de crianças e adolescentes de 7 a 14 anos e
desestimulou o setor público a expandir o ensino fundamental de jovens
e adultos (HADDAD, 2000, p. 123).

Com o estabelecimento da distribuição dos recursos financeiros


destinados à educação, ficam três segmentos da educação parcialmente
descobertos, sendo eles: educação infantil, o ensino médio e a educação básica
de jovens e adultos. Assim, a educação de jovens e adultos experimentou uma
série de dificuldades como aquelas já constatadas no passado.

A atual LDBN abriga no seu título V, capítulo II, a seção V denominada


de educação de jovens e adultos. Logo, a EJA constitui-se numa modalidade da
Educação básica, nas suas etapas fundamental e média.

Em janeiro de 2003, o MEC anunciou que a alfabetização de Jovens e


Adultos seria uma prioridade do governo federal, para isso foi criada a Secretaria
Especial de Erradicação do analfabetismo, cuja meta seria a erradicação do
analfabetismo durante o governo Lula.

Para alcançar essa meta foi lançado o programa Brasil Alfabetizado, por
meio do qual o Governo Federal contribuirá com os estados e municípios,
instituições de ensino superior e organizações sem fins lucrativos que
desenvolvam projetos de alfabetização. Neste programa, a assistência será
direcionada ao desenvolvimento de projetos com as seguintes ações:
alfabetização de jovens e adultos e formação de alfabetizadores.

É necessário que o alfabetizador antes de iniciar as atividades de ensino,


conheça o grupo com o qual irá trabalhar. Esse conhecimento prévio deve servir

24
de base para o encaminhamento das atividades. A intenção é tornar o processo
de alfabetização participativo e democrático. A formação de educadores
compreende a formação inicial e continuada. O programa está em andamento,
por isso não é possível ainda, afirmar se o objetivo pretendido foi alcançado e se
os resultados foram significativos.

Com o término do FUNDEF e o nascimento do FUNDEB (Fundo de


Desenvolvimento da Educação Básica), em 2006, amplia-se o raio de extensão
na organização e distribuição dos recursos destinados à educação. Segundo a
lei:

Art. 60, § 4.º do ADCT: “§ 4º Para efeito de distribuição de recursos dos


Fundos a que se refere o inciso I do caput deste artigo, levar-se-á em conta a
totalidade das matrículas no ensino fundamental e considerar-se-á para a
educação infantil, para o ensino médio e para a educação de jovens e adultos
1/3 (um terço) das matrículas no primeiro ano, 2/3 (dois terços) no segundo ano
e sua totalidade a partir do terceiro ano” (Emenda Constitucional n° 53/06).

A partir da leitura deste trecho da lei do FUNDEB percebemos um avanço


na organização desta modalidade de ensino, bem como uma preocupação com
recursos financeiros específicos para a educação de jovens e adultos na
atualidade.

Apesar de muitas vezes não haver continuidade dos programas ou ideias


para a erradicação do analfabetismo em nosso país, ao longo dos tempos, a
Educação de Jovens e Adultos está sempre sendo buscada, com o objetivo de
realmente permitir o acesso de todos à educação, independente da idade. Fica
claro o caminho que a EJA percorreu em nosso país até os dias atuais. Muito já
foi feito, mais ainda há caminhos a percorrer. Não se pode acomodar com os
avanços alcançados, é necessário vislumbrar novos horizontes na busca da total
erradicação do analfabetismo em nosso país, pois a educação é direito de todos.

Paulo Freire: Alguns Pontos para Reflexão

Após o contexto histórico da Educação de Jovens e Adultos, no qual se


insere o grande educador Paulo Freire, conforme estudamos nesta unidade, não

25
poderíamos deixar de falar um pouco mais sobre suas ideias. Por isso, trazemos
algumas reflexões sobre as obras “Pedagogia do oprimido”, “Pedagogia da
autonomia: saberes necessários à prática educativa” e sobre o capítulo
“Desafios da educação de adultos ante a nova reestruturação tecnológica”, da
obra “Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos”.

Paulo Freire delineou uma Pedagogia da Libertação, intimamente


relacionada com a visão marxista do Terceiro Mundo e das consideradas classes
oprimidas na tentativa de elucidá-las e conscientizá-las politicamente. Uma
proposta que consiste em uma educação voltada para a conscientização da
opressão e a consequente ação transformadora.

As obras são importantes e necessárias para a formação do professor,


pois trazem noções essenciais para compreendermos a Educação, como um
todo, e, em especial, a Educação de Jovens e Adultos.

Essa obra é dividida em quatro capítulos “Justificativa da ‘pedagogia do


oprimido’”; “A concepção ‘bancária’ da educação como instrumento da opressão.
Seus pressupostos, sua crítica”; “A dialogicidade – essência da educação como
prática da liberdade”; “A teoria da ação antidialógica”; nos quais o autor relata
sua experiência em cinco anos de exílio, mostrando o papel da conscientização,
numa educação libertadora.

Para Paulo Freire, a luta pelo direito do ser humano, pelo trabalho livre,
pela afirmação dos homens como pessoas só é possível porque a
desumanização não é um destino dado, mas resultado de uma ordem injusta
que gera a violência dos opressores. Assim, Freire mostra a opressão contida
na sociedade e no universo educativo, em especial na EJA.

A opressão é apresentada por Freire (1987) como problema crônico


social, uma vez que as camadas menos favorecidas são oprimidas e terminam
por aceitar o que lhe é imposto. Por isso, a Pedagogia do Oprimido não é aquela
que parte dos interesses individuais, egoísta, é uma pedagogia
problematizadora, que se apresenta como pedagogia humanista.

Uma das características dos oprimidos, segundo Freire (1987, p. 28), é a


autodesvalia, que resulta da introjeção que eles fazem da visão que os

26
opressores têm deles. Assim, “de tanto ouvirem de si mesmos que são
incapazes, que não sabem nada, que não podem saber, que são enfermos,
indolentes, que não produzem em virtude de tudo isto, terminam por se
convencer de sua ‘incapacidade’”.

Conforme o autor:

Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se


engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos,
superando, assim, sua “convivência” com o regime opressor. Se esta descoberta
não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos
parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja
associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis (FREIRE, 1987, p.
29).

Essa pedagogia humanizadora só é possível, para Freire (1987), a partir


da união entre teoria e prática, em que a liderança revolucionária, ao invés de
sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como quase "coisas", com eles
estabelecem uma relação dialógica. Ao alcançarem esse saber da realidade, na
práxis, descobrem-se como seus refazedores permanentes.

Assim, o autor discute sobre uma educação problematizadora em


oposição a uma “educação bancária”. Nesta, o educador é o dono do saber e o
educando um mero ouvinte, que recebe os “depósitos” dos conteúdos. Naquela,
não se transferem, mas se compartilha experiências, pois há interação entre
ambos, na qual educador e educando aprendem e ensinam simultaneamente.

Deste modo, o educador problematizador re-faz,


constantemente, seu ato cognoscente, na cognoscitividade dos
educandos. Estes, em lugar de serem recipientes dóceis de depósitos,
são agora investigadores críticos, em diálogo com o educador,
investigador crítico, também (FREIRE, 1987, p. 40).

Logo, Freire postula sobre a dialogicidade como prática da liberdade, em


que o diálogo não é apenas uma relação entre duas pessoas, é o encontro dos
homens, mediatizados pelo mundo. Por isso, para o autor, não há diálogo sem
amor ao mundo e aos homens.

27
Na educação problematizadora, esse diálogo não se inicia em uma
situação pedagógica em sala de aula, mas quando o educador se pergunta sobre
o que irá dialogar com os educandos. Dessa forma, o conteúdo programático
deve levar em conta o contexto social em que os educandos estão inseridos,
pois, de acordo com Freire (1987, p. 48),

não podemos chegar aos operários, urbanos ou camponeses,


estes, de modo geral, imersos num contexto colonial, (...) à maneira da
concepção “bancária”, entregar-lhes “conhecimento” ou impor-lhes um
modelo de bom homem, contido no programa cujo conteúdo nós mesmos
organizamos.

Dessa maneira, o conteúdo se organiza e se constitui a partir da visão de


mundo dos educandos, na qual se encontram seus temas geradores, por isso,
ele sempre precisa de renovação, de ampliação. Segundo Freire (1987), na
etapa da alfabetização, a educação problematizadora busca e investiga a
“palavra geradora” e, na pós-alfabetização, o “tema gerador”.

Freire cita como exemplo um plano de educação de adultos, em uma área


camponesa, na qual há alto índice de analfabetismo. Nesse plano, estariam
incluídas a alfabetização e a pós-alfabetização, a partir da investigação das
palavras e dos temas geradores. De posse do resultado dessa investigação,
caberia ao educador elaborar seu plano de educação, por meio de metodologias
diversas, que envolvam os educandos, transformando-os. Um dos recursos
didáticos citado pelo autor seria a leitura e discussão de artigos de revistas ou
jornais sobre o tema gerador, iniciando-se pela discussão do contexto de
produção do gênero a ser lido (quem é o autor, qual é a finalidade do texto, onde
é veiculado etc.), propiciando um debate antes da leitura propriamente dita, a
qual poderia também ser iniciada por trechos dos textos.

O autor ainda discute sobre as teorias da ação cultural que se


desenvolvem a partir das matrizes antidialógica e dialógica. Para Freire, a
primeira é opressora e busca a reificação humana, já a segunda é revolucionário-
libertadora e busca a transformação do mundo união colaborativa dos sujeitos.

Na teoria da ação antidialógica, conforme o autor, há uma invasão


cultural, desrespeitando as potencialidades do ser a que condiciona, ou seja, os

28
invasores impõem aos invadidos a sua visão do mundo, inibindo sua criatividade.
Já na teoria dialógica, não há invasores, as lideranças montam, coletivamente,
as pautas de necessidades e ações com as massas. O saber mais apurado das
lideranças se refaz no saber empírico o povo, pois “os sujeitos se encontram
para a transformação do mundo em colaboração” (FREIRE, 1987, p. 97).

Assim, dentro da perspectiva dialética, Freire (1987) procura estabelecer


um vínculo teórico científico com o sentimento de esperança e mostrar que:

Assim como o opressor, para oprimir, precisa de uma teoria da ação


opressora, os oprimidos, para se libertarem, igualmente necessitam de urna
teoria de sua ação.

O opressor elabora a teoria de sua ação necessariamente sem o povo,


pois que é contra ele.

O povo, por sua vez, enquanto esmagado e oprimido, intro-jetando o


opressor, não pode, sozinho, constituir a teoria de sua ação libertadora. Somente
no encontro dele com a liderança revolucionária, na comunhão de ambos, na
práxis de ambos, é que esta teoria se faz e se refaz (FREIRE, 1987, p. 107).

Para Freire (1996), educar é construir, é libertar o ser humano das cadeias
do determinismo neoliberal, reconhecendo que a história é um tempo de
possibilidades. Assim, ensinar é algo profundo e dinâmico, que considera a
questão de identidade cultural, a qual atinge a dimensão individual e a classe
dos educandos.

Ao relacionarmos essa visão do autor à Educação de Jovens e Adultos,


percebemos como é importante reconhecer a história e a identidade cultural
daqueles que já têm certa caminhada de vida.

Logo, a autonomia, dignidade e identidade do educando tem de ser


respeitado, caso contrário, o ensino se tornará "inautêntico, palavreado vazio e
inoperante" (FREIRE, 1996, p.36). Por isso, é preciso levar em consideração os
conhecimentos adquiridos das experiências vividas antes dos alunos chegarem
à escola, sejam elas crianças, jovens ou adultos.

Dessa forma, Freire (1996, p. 12) afirma que:

29
Ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação
pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e
acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus
sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de
objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina
ao aprender.

Assim, ensinar não é transmitir algum conhecimento, pré-determinado,


mas propiciar aos alunos a curiosidade, o senso crítico. Por essa razão, o autor
afirma que “não há docência sem discência” (FREIRE, 1996, p. 12), ou seja, o
ensino não depende exclusivamente do professor, da mesma forma, a
aprendizagem não é algo apenas do aluno. Portanto, não podemos considerar o
professor como superior ou como melhor que o educando, porque aquele domina
conhecimentos e este ainda não os domina, mas como participante do mesmo
processo de construção da aprendizagem.

A atuação como participante desse processo envolve outro aspecto


importante abordado pelo autor: ensinar exige respeito à autonomia do ser do
educando, à dignidade de cada um, isto é, exige ser ético. Conforme Freire
(1996, p. 35),

O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o


seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais
precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que
ironiza o aluno, que minimiza, que manda que "ele se ponha em
seu lugar" ao mais tênue sinal de sua rebeldia legitima, tanto
quanto o professor que se exige do cumprimento de seu dever de
ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência
formadora do educando, transgride os princípios
fundamentalmente éticos de nossa existência.

Segundo Freire, ensinar também exige a convicção de que é possível


realizar uma mudança, a partir da ação político-pedagógica do professor, pois,
conforme o autor “Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros
de forma neutra. (...) A acomodação em mim é apenas caminho para a inserção,
que implica decisão, escolha, intervenção na realidade” (FREIRE, 1996, p. 46).

30
É importante, também, que professores e alunos sejam curiosos,
instigadores. Sem a curiosidade, conforme o autor, ninguém aprende, ninguém
ensina. Porém, não se trata de uma curiosidade domesticada, que memoriza, de
forma mecânica, o perfil de dado objeto, mas de uma curiosidade que leve à
construção do conhecimento do objeto de forma crítica, observando-o,
delimitando-o, comparando-o etc. Dessa forma, estimular a pergunta, a reflexão
crítica sobre a própria pergunta, ao invés da passividade, indica defender a
curiosidade, a criatividade e criticidade do aluno, adotando, assim, uma postura
dialógica, aberta, indagadora.

Para tanto, o professor precisa estar disposto a ouvir, a dialogar, a fazer


de suas aulas momentos de liberdade para falar, debater, possibilitando a voz e
a vez dos alunos. Para isso, é preciso que ele goste de seu trabalho, de seu
educando, já que, segundo o autor, ensinar também é uma especificidade
humana. Entretanto, não se trata de um gostar ingênuo, que permite atitudes
erradas e não impõe limites, ou que sente pena da situação de menos experiente
do aluno, ou ainda que deixe tudo como está que o tempo resolve, mas um
querer bem pelo ser humano em desenvolvimento que está ao seu lado, a ponto
de dedicar-se, de doar-se e de trocar experiências, um gostar de aprender e de
incentivar a aprendizagem, um sentir prazer em ver o aluno descobrindo o
conhecimento.

Conforme o autor, ensinar exige, ainda, compreender que a educação é


uma forma de intervenção no mundo. Essa intervenção vai além do
conhecimento dos conteúdos, pois implica tanto o esforço de reprodução da
ideologia dominante, como o seu desmascaramento. Assim, a prática do
professor não é neutra e, por isso, exige dele uma definição, uma tomada de
posição, uma escolha entre uma ou outra ideologia, pois, para Freire (1996, p.
63), “Não posso ser professor a favor de quem quer que seja”.

Essas são algumas das considerações sobre a prática docente que o


autor cita em sua obra. Assim, após essa reflexão, apontamos algumas relações
que nunca podem ser desenlaçadas, para que a pedagogia da autonomia seja
aplicável:

a) Ensino dos conteúdos x formação ética dos educandos.

31
b) Prática x teoria.

c) Autoridade x liberdade.

d) Respeito ao professor x respeito ao aluno.

e) Ensinar x aprender.

Os aspectos políticos também devem ser sempre levados em conta.


Classes dominantes enxergam a educação como imobilizadora e ocultadora de
verdades e não como uma forma de se intervir no mundo. Porém, o educador
precisa estar consciente de que a educação é ideológica, assim, dependendo da
ideologia, ele pode acabar aceitando ideias perigosas.

A afetividade é outro fator imprescindível para se exercer a docência com


qualidade. Logo, a generosidade, o comprometimento, o saber escutar, o querer
bem etc. são fatores que auxiliam no processo de ensino e aprendizagem.

Portanto, vários são os fatores e diversas são as práticas pedagógicas


que contribuem para a construção da autonomia do educando, porém,
precisamos entender que ela não se faz de um dia para o outro, mas leva tempo
para se construir.

“Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos” foi o


último livro escrito pelo educador Paulo Freire, ficando inacabado em razão de
sua morte em 1997. Nas cartas pedagógicas e outros escritos, o intelectual
defende as condições para a realização da utopia que é a democratização da
sociedade brasileira.

Ana Maria Araújo Freire, viúva de Paulo Freire, educadora, historiadora,


ex-professora da PUC e da Cátedra Paulo Freire e organizadora dessa obra,
deixa-nos a seguinte mensagem na apresentação do livro:

Entregar aos leitores e leitoras de Paulo Freire o livro que ele


escrevia quando nos deixou, em 2 de maio de 1997, é um momento de
grandes emoções. Certamente não só para mim, mas também para
aqueles e aquelas que acreditavam que entre dezembro de 1996, quando
publicou a Pedagogia da autonomia, e maio de 1997, Paulo não teria
ficado sem pôr no papel as suas sempre criativas idéias. Não teria, por

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quase um semestre, deixado de expressar por escrito a sua preocupação
de educador-político. Não se enganaram os que assim pensaram e
esperaram. Agora, se não passadas todas as angústias, dúvidas,
expectativas e tristezas por ele não estar mais entre nós, podemos
comemorar com alegria a sua volta às editoras e livrarias, inicialmente,
com o seu último trabalho (FREIRE, 2000, p. 8).

Na primeira parte do livro, estão presentes as três “Cartas pedagógicas”,


resultantes de 29 páginas manuscritas por Freire entre janeiro e abril de 1997,
com um discurso espontâneo e informal. Os universos de sujeitos referidos por
Freire no decorrer das cartas são: Galdino Jesus dos Santos - o índio pataxó
queimado por adolescentes em Brasília (1997), homens e mulheres, as crianças,
os sem-terra, sem-teto, sem-escola, desempregados, injustiçados, sem-hospital,
os renegados brasileiros.

Tecemos, aqui, alguns comentários a respeito do capítulo “Desafios da


educação de adultos ante a nova reestruturação tecnológica”, para podermos
refletir a respeito da visão freiriana sobre a EJA.

Freire (2000) inicia a discussão afirmando seu entendimento sobre a


alfabetização, como um ato criador a que os alfabetizandos devem atuar como
sujeitos. Assim, critica a alfabetização apresentada nas cartilhas, por meio da
memorização mecânica de letras e sílabas, a partir de frases
descontextualizadas como “Eva viu a uva” e acredita que:

Ler e escrever a palavra só nos faz deixar de ser


sombra dos outros quando, em relação dialética com a
“leitura do mundo”, tem que ver com o que chamo a
“reescrita” do mundo, quer dizer, com sua transformação.
Daí a natureza política, não necessariamente partidária, da
educação em geral, da de adultos e da alfabetização em
particular (FREIRE, 2000, p. 40).

O educador afirma que nunca dissociou a prática educação de adultos e


a alfabetização das opções políticas, uma vez que, sendo a educação uma teoria
do conhecimento posta em prática, é, naturalmente, política. Assim, sua
compreensão das relações entre subjetividade e objetividade, consciência e

33
mundo, prática e teoria foi sempre dialética e não mecânica e, por isso, ressalta
a importância da educação no processo de transformação, de denúncia da
realidade.

Freire (2001, p. 41-42) aponta alguns problemas que desafiam aqueles


que pensam e discutem a prática educativa:

Se, de um lado, a educação não é a alavanca das transformações


sociais, de outro, estas não se fazem sem ela. Se de meu projeto de ação
política, por exemplo, excluo a ação educativa porque só depois da
transformação é que posso me preocupar com educação, inviabilizo o
projeto. Se, por outro lado, enfatizo apenas a educação com programas
de natureza técnica e/ou espiritual e moral não mobilizo e organizo forças
políticas indispensáveis à mudança, o projeto se perde em bla-bla-blá ou
vira puro assistencialismo. Vale dizer: não importa se o projeto é de
alfabetização de adultos, se de educação sanitária, se de cooperativismo,
se de evangelização, a prática educativa será tão mais eficaz quanto,
possibilitando aos educandos o acesso a conhecimentos fundamentais
ao campo em que se formam os desafie a construir uma compreensão
crítica de sua presença no mundo.

Nessa perspectiva, Freire adota como ponto de partida não só para a


educação de adultos, mas para a educação geral, a constatação de que “mudar
é difícil, mas é possível” (FREIRE, 2000, p. 42). Dessa forma, ele postula que a
educação de hoje não é aquela que treina os educandos para certas destrezas,
mas a que melhor os adapte ao mundo, à sociedade moderna.

Por isso, desde a década de 60, em seu projeto de alfabetização de


adultos, Freire debatia sobre o conceito de cultura, a partir de uma compreensão
mais crítica do mundo da natureza e do mundo da cultura. Para o autor,
intervindo no mundo da natureza, criamos o mundo da cultura. Logo, ele afirma
que é tão cultura o instrumento com que os camponeses cavam o chão quanto
um poema, ou uma obra de arte e relata:

Tenho na memória, ainda hoje, retalhos de críticos discursos de


alfabetizandos expressando sua satisfação ao descobrirem nos debates
em torno do conceito de cultura, que também "eram cultos, que faziam
isso" e apontavam para o jarro de barro projetado na tela. Mais do que

34
retalhos desses discursos, como o do gari de Brasília, quase fora dele
mesmo, empolgado com a descoberta que fazia, "amanhã vou entrar no
meu trabalho de cabeça para cima", mais do que esses retalhos de
discursos confortantes eu revivo hoje a emoção com que "morrendo" de
alegria, de uma alegria tão menina quanto a dos alfabetizandos,
constatava a reação que esperava e com que sonhara. Reação dos
alfabetizandos e alfabetizandas ao longo do território nacional que
anunciava uma forma diferente de compreender a História e o papel de
mulheres e de homens no mundo (FREIRE, 2001, p. 44).

Assim, Freire acredita que a educação de adultos precisa estar voltada


para um trabalho conscientizador, democrático, que valorize a cultura, que
ensine o aprendiz a pensar, a ser crítico, indagador e que esteja pronto para as
surpresas trazidas pelo impacto da modernização tecnológica. Ele critica a
educação do treino, a educação bancária, em que o educador realizava
“depósitos” nas cabeças “vazias” dos educandos e aposta numa educação
libertadora, em que o erro não é condenado, pois faz parte do processo de
ensino e aprendizagem.

UNIDADE II

FUNÇÕES E O PAPEL DO EDUCADOR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS


E ADULTOS
Chegamos a nossa segunda unidade e aqui faremos juntos uma
discussão sobre a necessidade de promover a inclusão social e a inserção no
mercado de trabalho de jovens e adultos que não tiveram acesso à educação na
idade própria, bem como proporcionar condições para que essa parte da
população construa sua cidadania e possa ter acesso à qualificação profissional,
aumentar as taxas de escolarização.

Para atingirmos este objetivo faz-se necessário uma conscientização


sobre as funções desta modalidade de ensino. A inclusão da EJA no projeto
educativo da escola é de vital importância para o cumprimento das funções de
reparar, equalizar e qualificar. Determinar claramente a identidade de um curso
da EJA pressupõe um olhar diferenciado para seu público, acolhendo de fato

35
seus conhecimentos, interesses e necessidades de aprendizagem. Para tanto,
se deve ter uma proposta flexível e adaptável às diferentes realidades,
contemplando temas como cultura e sua diversidade, relações sociais,
necessidades dos alunos e da comunidade, no meio ambiente, cidadania,
trabalho e exercício da autonomia.

A partir destas reflexões analisaremos o papel do professor na verdadeira


efetivação deste planejamento de trabalho. O professor, no desempenho de seu
papel de formador de consciência crítica, deve ter clareza de que é preciso
chamar a atenção também para a questão da crítica. Nesse caso, o professor
atua como mediador entre o conhecimento e o aluno. Nessa experiência são
proporcionados expectativas e desejos no aluno, portanto deve ser realizada de
maneira a valorizar o prazer de conhecer, principalmente em classes da Eja.

FUNÇÕES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


Recentemente foi criado um documento que estabelece as Diretrizes
Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos, trata-se do documento
CNB/CEB 11/2000. Este parecer atribui à EJA a função de restaurar o direito de
todos à educação escolar de qualidade, além disso, o governo torna-se
responsável em assegurar as condições necessárias para que o acesso a este
direito seja garantido.

O perfil deste adulto que busca do acesso a esta modalidade não é o


universitário ou o trabalhador qualificado que frequenta cursos de formação
continuada, mas geralmente é o adulto proveniente de áreas empobrecidas,
filhos de trabalhadores não qualificados e com baixo nível de instrução escolar.
Assim também acontece com o adolescente, que normalmente é um excluído da
escola e que normalmente é incorporado a um curso supletivo:

Isso não significa que a educação básica de jovens e adultos


deva reproduzir as formas de organização, currículos, métodos, e
materiais da educação básica infanto-juvenil. Muito ao contrario, a
experiência internacional recomenda flexibilizar currículos, meios e
formas de atendimento, integrando as dimensões de educação geral e
profissional, reconhecendo processos de aprendizagem informais e

36
formais, combinando meios de ensino presenciais e a distancia de modo
a que os indivíduos possam obter novas aprendizagens e a certificação
correspondente mediante diferentes trajetórias formativas (PIERRO,
2001, p.71).

Para pensar sobre a educação de jovens e adultos é necessário refletir


sobre como esses jovens e adultos pensam e aprendem. Isso implica reflexão
sobre três aspectos: a condição de não criança, a condição de excluído da escola
e a condição de determinados membros culturais

Quanto ao primeiro aspecto esbarramos em uma limitação da psicologia,


pois as teorias do desenvolvimento referem-se historicamente,
predominantemente à criança e ao adolescente, não tendo sido estabelecido, na
verdade, uma boa psicologia do adulto. Neste sentido, o processo de
conhecimentos dos adultos é muito menos explorado pela literatura.

Mas embora nos falte essa exploração, podemos afirmar algumas


características específicas desta faixa etária: a primeira delas seria que o adulto
está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um modo
diferente do da criança e do adolescente. Traz consigo uma história mais longa
de conhecimentos, experiências acumuladas e reflexões sobre o mundo externo,
sobre si mesmo e as outras pessoas.

A questão é discutir sobre a adequação da escola para um grupo que não


é o alvo principal. Currículos, programas e métodos de ensino foram
originalmente concebidos para crianças e adolescentes que percorreriam o
caminho da escolaridade regular. Isso implica um pensamento em que jovens e
adultos muitas vezes estão em condições inadequadas, ou seja, vivenciam
situações que não correspondem ao desenvolvimento de processos de real
aprendizagem.

Uma segunda característica a se pensar é que a escola funciona com


regras específicas e uma linguagem particular que deve ser conhecida por
aqueles que estão envolvidos na mesma. Assim, os adultos têm vergonha de
frequentar a escola depois de adultos e muitas vezes pensam que serão os
únicos adultos em classes de crianças. Sentem-se humilhados e inseguros
quanto a sua própria capacidade de aprender. Uma terceira característica a ser

37
analisada é a especificidade cultural deste grupo, uma vez que compreendamos
que estes jovens e adultos não são representantes da classe social dominante.
Aqui o problema colocado é o da homogeneidade e o da heterogeneidade.
Diante disto, os jovens e adultos enquanto sujeitos de conhecimento e
aprendizagem operam por uma pertinência cultural específica.

É preciso que a sociedade compreenda que os alunos da EJA


vivenciam problemas como preconceito, vergonha, discriminação,
críticas dentre tantos outros. E que tais questões são vivenciadas tanto
no ambiente familiar como na comunidade. Mister se faz evidenciar que
a EJA é uma educação possível e capaz de mudar significativamente a
vida de uma pessoa, permitindo-lhe reescrever sua história de vida
(LOPES, 2009, p. 2).

Embora abrigue 36 milhões de crianças no ensino fundamental, o quadro


socioeducacional seletivo continua a reproduzir excluídos dos ensinos
fundamental e médio, mantendo adolescentes, jovens e adultos sem
escolaridade obrigatória completa.

Apesar deste quadro dramático, nos últimos anos, os sistemas de ensino


têm desenvolvido esforços para propiciar a jovens e adultos um atendimento
mais aberto no que se refere ao acesso à escolaridade obrigatória.

Segundo dados do IBGE entramos no terceiro milênio exibindo um


grande número de jovens e adultos analfabetos. Neste sentido, Educação de
Jovens e Adultos representa uma dívida social não reparada para os que não
tiveram acesso a escolarização na idade apropriada e tenham sido força de
trabalho na constituição de riquezas e obras públicas. Sem contar que esta perda
é algo significativo para a convivência na sociedade contemporânea.

Seguindo esta linha de raciocínio, coloca-se como primordial uma


reflexão acerca do que o parecer 11/2000 sobre a educação de jovens e adultos
traz acerca das funções da EJA: a função reparadora, equalizadora e
qualificadora.

A partir do documento, a função reparadora da EJA significa não só a


entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado, mas

38
o direito de uma escola de qualidade aliado ao direito do reconhecimento de
igualdade a qualquer ser humano.

Assim, esse documento que institui as Diretrizes curriculares para a


Educação de Jovens e Adultos e lhe atribui as funções já citadas, vem esclarecer
que a função reparadora diz respeito a reparação da dívida social resultante da
história excludente de nosso país.

Esses documentos legais, ao adotarem a idéia da inclusão


educacional, fazem a defesa do atendimento de alunos que não tiveram,
na idade própria, acesso ou continuidade de estudo. Mais do que um
direito, a EJA é considerada a chave para o século XXI, por ser resultante
do exercício da cidadania e condição para a participação plena na
sociedade, incluindo aí a qualificação e a requalificação profissional
(CHILANTE, 2009, p. 226).

O argumento apontado é que essa modalidade de ensino pode ajudar na


eliminação das discriminações e na busca de uma sociedade mais justa e menos
desigual. Assim, a EJA assume a tarefa de estender a todos o acesso e o
domínio da leitura e escrita como bens sociais tanto no contexto escolar, como
fora deste.

De acordo com o parecer, essa função é justificada pelo alto número de


analfabetos ainda presentes em nossa sociedade. O parecer reconhece os
avanços nas políticas públicas em garantir a universalização da educação, mas
ao mesmo tempo considera que condições histórico-sociais comprometem o
empenho dos poderes públicos em assegurar uma educação básica para todos.

Em decorrência dos condicionantes do insucesso escolar de


muitas crianças, tem-se que: 1) a média nacional de permanência na
escola, no Brasil, fica entre quatro e seis anos, quando deveria ser de
oito; 2) o tempo médio de conclusão do ensino fundamental se converte
em onze anos, quando os alunos já deveriam estar cursando o ensino
médio. Após diagnosticar essa distorção idade/série, o Parecer enfatiza
a problemática da repetência, da reprovação e da evasão, e conclui que
“o quadro sócio- educacional seletivo continua a reproduzir excluídos dos
ensinos fundamental e médio, mantendo adolescentes, jovens e adultos
sem escolaridade obrigatória completa” (CHILANTE, 2009, p. 229).

39
Neste sentido, o parecer indica algumas ações que podem propiciar um
atendimento mais aberto a adolescentes e jovens como: classes de aceleração,
programas de renda negativa como a bolsa-família. Sabemos, no entanto, que
mesmo considerando os esforços de correção idade/série e permanência das
crianças na escola, as estatísticas educacionais brasileiras mostram um número
significativo de analfabetos. Para esses, o documento apresenta a EJA como
forma de acabar com o analfabetismo, considerado uma dívida social.

Considerando a participação do analfabeto na sociedade altamente


letrada, este não estaria em condições iguais no interior de uma sociedade
grafocêntrica, onde a escrita é predominante. Essa é uma problemática a ser
enfrentada.

Assim compete à EJA fazer a reparação desta realidade, recuperando o


princípio da igualdade para todos. A ideia é que essa modalidade resolveria um
problema arcaico, seria uma medida corretiva destes erros históricos.

Sabe-se que em todas as sociedades a alfabetização é condição


primordial e indispensável, inclusive, para o desenvolvimento de outras
habilidades. O desafio apresentado a essa modalidade é conceder esse direito.
A ausência de leitura e escrita pode levar a novas formas de divisão social,
processo que se acentua cada vez mais na contemporaneidade com a linha
divisória de alfabetizados e analfabetos.

Neste sentido, entendendo que o espaço escolar pode constituir-se numa


possibilidade de alteração da posição social do indivíduo; desta forma, a
aquisição da leitura e escrita tende a assinalar o surgimento de uma sociedade
mais humana e fraterna.

Seguindo essa linha de raciocínio, nota-se que a ideia central da função


reparadora da EJA é a inclusão. Por meio dela, busca-se a inclusão de alunos
no sistema educacional daqueles que estão fora da escola, a ideia é que pela
inclusão escolar, estaríamos paulatinamente diminuindo as diferenças sociais.
Não podemos, no entanto, fazermos uma leitura ingênua dessas diferenças, pois

Enquanto não houver a superação do modo de produção


fundamentado na divisão social em classes com interesses antagônicos,
na qual a produção é cada vez mais socializada, mas a apropriação da

40
riqueza social é privada, não há como superar a desigualdade social
fundamental e reparar a dívida social, apontada no Parecer, a não ser
parcialmente, exatamente porque são de ordem histórico-social. Quanto
mais se produz a riqueza em um pólo, mais a contrapartida é a miséria
no outro, quadro agravado com a magnitude dos processos de
concentração e centralização do capital na fase do capitalismo
mundializado (CHILANTE, 2009, p.232).

A partir dessas questões, a ideia da chamada inclusão social via escola


baseia-se em um reduciocismo, uma vez que a escolarização na atual fase do
desenvolvimento capitalista é utilizada para justificar a seletividade no mercado
de trabalho, já que não há lugar para todos.

Diante disto, o parecer 11/2000 que aponta a função reparadora da EJA


como dívida para com aqueles que não tiveram oportunidade no tempo
apropriado de concluir seus estudos, colabora com a ideia de que, por meio da
escola, a inserção profissional e a melhoria das condições de vida do indivíduo,
que vê nas suas características pessoais a responsabilidade pelo fracasso
escolar e profissional.

Já a função equalizadora apontada no mesmo documento vai dar


cobertura a trabalhadores e a outros segmentos sociais como donas de casa,
migrantes, aposentados e encarcerados. Ela representa assim, a possibilidade
de reentrada no sistema educacional para aqueles que por um motivo ou outro
tiveram seus estudos interrompidos.

A equidade é a forma pela qual se distribuem os bens sociais de


modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais
igualdade, consideradas as situações específicas. Segundo Aristóteles,
a equidade é a retificação da lei onde esta se revela insuficiente pelo seu
caráter universal. (Ética a Nicômaco, V, 14, 1.137 b, 26). Neste sentido,
os desfavorecidos frente ao acesso e permanência na escola devem
receber proporcionalmente maiores oportunidades que os outros. Por
esta função, o indivíduo que teve sustada sua formação, qualquer tenha
sido a razão, busca restabelecer sua trajetória escolar de modo a
readquirir a oportunidade de um ponto igualitário no jogo conflitual da
sociedade (PARECER 11/2000, p.10).

41
Desta forma, percebe-se a educação como uma chave indispensável para
o exercício da cidadania na contemporaneidade. Ela apresenta-se como
possibilidade do indivíduo jovem e adulto retomar seu potencial, desenvolver
habilidades, bem como alcançar um nível maior na competência técnica
profissional mais qualificada.

Neste sentido, a Educação de Jovens e Adultos representa uma


promessa de desenvolvimento de todas as pessoas e de todas as idades, e estes
poderão atualizar conhecimentos e mostrar habilidades. Essa função remete a
qualificação de vida para todos, inclusive idosos. Assim, a tarefa de propiciar a
todos o aprimoramento dos conhecimentos por toda a vida, é a função
permanente, ou seja, a qualificadora da EJA.

Mais do que uma função, ela é o próprio sentido da EJA. Ela tem
como base o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de
desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros
escolares ou não escolares . Mais do que nunca, ela é um apelo para a
educação permanente e criação de uma sociedade educada para o
universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade (PARECER
11/2000, p. 11).

Sabe-se que a realização da pessoa não é um universo fechado e


acabado e a função qualificadora, quando colocada em prática pode ser o
caminho dessas descobertas. Assim, esta função tem por objetivo alcançar o
caráter incompleto do ser humano e restabelecer seu potencial de
desenvolvimento e de adequação em quadros escolares ou não escolares.

A partir deste raciocínio, a educação de jovens e adultos passa a ser vista


como meio de conscientização e de mobilização de grupos sociais excluídos,
afirmadas pela ideia de Paulo Freire que propõe uma educação com o homem e
não para o homem. Nesta perspectiva, cria-se uma nova concepção de
alfabetização e de educação: educação enquanto prática libertadora.

A base da perspectiva qualificadora na EJA seria o aprender a aprender.


Uma proposta de educação que aponte para além dos muros escolares e se
consolida no contexto de uma sociedade plural e heterogênea.

42
Um ser humano, considerado um ser inacabado, mas a quem se
reconhece capacidade para permanentemente, ao longo da vida, procurar saber,
realizar e valorizar em qualquer contexto as suas potencialidades para uma
plena realização. Aquele que não aprende apenas na escola, mas ao longo da
vida: para além da educação e trabalho, o desenvolvimento de aspectos que
incluem o desenvolvimento pessoal e social dos sujeitos. O jovem e o adulto, ao
buscar a escola, procuram outro tipo de conhecimento, novos saberes, que se
somam à sua vida.

Nossa sociedade apresenta uma perspectiva sobre as diversas fases da


vida. Ser reconhecido como criança, adolescente, jovem e adulto faz parte de
importantes significações relativas ao indivíduo e à cultura na qual está inserido.

Aos estudiosos não pode passar que da idade decorrem a assinalação


de direitos e deveres e que suas demarcações demonstram uma relação com os
níveis de estratificação social. Muitos alunos da EJA têm origem em quadros de
desfavorecimento e suas experiências familiares e sociais e suas expectativas,
muitas vezes, divergem dos conhecimentos e aptidões veiculados pela escola.

Identificar, conhecer, distinguir e valorizar tal quadro é princípio


metodológico a fim de se produzir uma atuação pedagógica capaz de produzir
soluções justas e eficazes.

A contextualização se refere aos modos como estes estudantes


podem dispor de seu tempo e de seu espaço. Por isso a heterogeneidade
do público da EJA merece consideração cuidadosa. A ela se dirigem
adolescentes, jovens e adultos, com suas múltiplas experiências de
trabalho, de vida e de situação social, aí compreendidos as práticas
culturais e valores já constituídos (PARECER 11/2000, p. 61).

Se cansaço e fadiga não são exclusividades da EJA, também métodos


ativos não são específicos de outro turno. Assim, demonstra-se a possibilidade
de atuação na EJA com métodos ativos e envolventes, que promovam realmente
formação humana.

No Brasil, país que ainda se ressente de uma formação hierárquica e


escravocrata, a EJA tem sido vista como uma compensação e não como direito.
Essa tradição foi aos poucos sendo alterada em nossos códigos legais, na

43
medida em que foi se deslocando a ideia de compensação para reparação e
equidade, embora o caminho ainda seja longo para alcançarmos o pleno
desenvolvimento do ser humano.

A necessidade contemporânea tem se alargado, exigindo mais e mais da


educação, por isso, mais do que ensino fundamental, os alunos buscam a
educação básica. Diante desta revelação, mais uma vez impõem-se a
necessidade de refletir sobre a produção do inegável fracasso escolar que atinge
crianças e adolescentes participantes dos processos de escolarização.

A democratização de oportunidades de acesso à escolarização básica é


fato inegável, assim como o tempo de permanência na escola, principalmente no
nível fundamental. Contudo, a permanência não se tem traduzido para a maioria,
em aprendizados significativos, que possam garantir aos sujeitos melhores
condições de continuidade em processos de ensino, de ingresso no mundo do
trabalho e na sociedade como um todo.

Os índices de analfabetismo funcional de sujeitos com 8 anos ou


mais de escolaridade vem sendo objeto de investigação, na busca por
compreender suas motivações, e com isso, empreender intervenções nos
sistemas educacionais que possam trazer algum impacto para a reversão
deste quadro (HADDAD, 2000, p. 130).

O analfabetismo é um bom indicador dos desafios pendentes no campo


educacional. Embora as taxas de analfabetismo venham declinando, ele ainda
apresenta-se no início deste milênio, a redução no número absoluto de
analfabetos é um fenômeno bastante recente que não resulta de políticas
públicas educacionais abrangentes, contínuas e adequadas para a população
jovem e adulta, mas sim do esforço realizado em direção à universalização do
ensino fundamental para crianças e adolescentes, acompanhada por programas
para estudantes com defasagem na relação entre idade e série cursada.

Os índices de analfabetismo também revelam outras formas de


desigualdade, a começar pela diferença de rendimento. Em 2001, o índice de
analfabetismo entre as pessoas que vivem em famílias com rendimento entre
cinco e dez salários mínimos mensais era de 4,7%, enquanto que nas famílias

44
com renda inferior a um salário mínimo mensal essa taxa subia para 28,8%.
Entre a população negra, a taxa de analfabetismo era de 20%, contra 8,3% da
branca. O maior contingente de analfabetos (48,7%) encontrava-se nos grupos
etários mais idosos, com pessoas de idade igual ou maior a 50 anos. Mas o
analfabetismo não é um fenômeno do passado, restrito aos idosos: entre as
pessoas não alfabetizadas em 2000, quase 2 milhões eram jovens entre 15 e 24
anos, e 1,4 milhão eram adolescentes de 10 a 14 anos. Certa equidade de
gênero no acesso à alfabetização foi alcançada nas faixas etárias mais jovens,
mas não nos grupos de idade mais avançada, o que fez com que as mulheres
ainda fossem a maioria (51%) entre os analfabetos computados em 2000
(PIERRO, 2001, p. 89).

Analisando estes dados, podemos constatar que o caminho a ser


perseguido em nosso país é longo no que diz respeito à universalização da
educação básica, pois muito grande é a assimetria entre alfabetizados e não
alfabetizados em nossa sociedade.

Embora tenhamos leis educacionais que contemplem a importância e a


necessidade do estado oferecer aos seus cidadãos uma educação de qualidade
para todos, as experiências vivenciadas em nosso cotidiano escolar demonstram
esse dramático quadro de nossos dias atuais e que precisam ser superados. No
entanto, a coordenação de políticas sociais em um país populoso, extenso e com
estrutura político administrativa federativa, como é o caso do Brasil, é sempre
complexa.

A participação da sociedade civil nas ações de alfabetização não é um


fenômeno recente no Brasil, ao contrário, este segmento sempre foi chamado a
concretizar as campanhas coordenadas pelo governo federal, desde a década
de 1940. No entanto, na década de 1990 a relação entre Estado e sociedade
civil adquiriu novas características e significados em decorrência da reforma do
Estado.

Na segunda metade da década 1990, as ações visando a escolarização


de jovens e adultos foram desenvolvidas em parceria com diferentes grupos de
atores sociais. De um lado, houve a continuidade, e até mesmo a intensificação
da presença de centros de educação popular e organizações não
governamentais que, tendo desenvolvido especialização técnica, passaram a

45
prestar serviços de pesquisa, planejamento, assessoria e avaliação dos
programas educativos, formação de educadores e produção de materiais
didático-pedagógicos, tarefas antes desempenhadas pelo Estado.

Sabemos, entretanto, que o estado é o mentor das políticas públicas e


somente por meio de decisões políticas sérias é que alcançaremos patamares
mais elevadas quanto a universalização da educação básica, principalmente no
que diz respeito a educação de jovens e adultos.

O PAPEL DO EDUCADOR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS


E ADULTOS
Com o avanço da legislação educacional brasileira voltada para a
Educação de Jovens e Adultos, o papel do educador em relação à EJA possui
três dimensões de ensino, sendo elas a dimensão política, a dimensão
pedagógica e a dimensão ética.

O professor é um educador que contribui para a educação do educando


e sendo assim tem que estar pautado em socializar seus conhecimentos,
visando uma educação de qualidade para o educando; torna-se educador, no
decorrer de sua existência, ensinando o conhecimento ao aprendiz; com isso o
educador ganhou uma parte importante de responsabilidade sobre que é
ensinar:

Na atuação pedagógica deve ser acrescentada a


dimensão educativa, que lhe é imputada por força de sua própria
definição institucional. O Professor é um educador... e, não
querendo sê-lo, torna-se um deseducador. Professor-Instrutor
qualquer um pode ser dado que é possível ensinar relativamente
com o que se sabe; mas Professor/ Educador nem todos podem
ser, uma vez que só se educa o que se é (ROMÃO, 2001, p.61 ).

De algum modo todos somos educador, mas o educador é


institucionalizado estabelecendo relações metódicas, formais e sistemáticas com
outros educadores sempre procurando orientar e mediar o conhecimento
cognitivo:

46
Enquanto o saber sistematizado, com densidade
epistemológica, pode ser adquirido em curós, treinamento e
capacitações, o ser educador vai se construindo com o saber
adquirido na teia das relações historicamente determinadas, que
vão construindo as dúvidas, perplexidades, convicções e
compromissos. Por isso, não há como fugir de uma analise da
inserção do Professor na sociedade concreta, abordando todas as
dimensões de seu papel – atribuído ou conquistado. E não se trata
de qualquer Professor e de qualquer sociedade; trata-se do
Educador de jovens e adultos, na sociedade brasileira, neste final
de século (ROMÃO, 2001, p.64 ).

Na Dimensão Política, devemos reconhecer que o empenho na Educação


Básica é dar um enfoque maior em que o compromisso do educador é a
mobilização e organização dos projetos da Educação Básica. Sendo educadores
nos gestos, atitudes, palavras de ordens; tornando-se necessário identificar com
clareza os aliados e adversários.

Em Escolas Públicas, o educador tem sido alvo de movimentos


reivindicatórios, onde se reflete o cargo do educador que estuda as formas e
estratégias de aula trocando experiências com outros educadores capacitados
e, assim, em uma sala de aula tentam mudar o mundo pela educação e resultam
em grandes gestos, iniciativas cotidianas, e a persistência. Atualmente, faz-se
necessário a superação da concepção autoritária, em que o educador se coloca
como único detentor do conhecimento e que tem o papel de repassar todas as
informações, todo o conteúdo para o educando; o educador autoritário impõe um
jeito impaciente de ensinar à sua atividade e com isso espera que os educandos
absorvam os conhecimentos por ele demonstrados. Essa concepção autoritária
de ensino implica em uma avaliação de classificar os educandos por quantidade
de conhecimento obtido no decorrer das aulas.

Com a Dimensão ética, a educação passou a ser um instrumento de


desenvolvimento de diferenças econômicas entre os indivíduos nas classes
sociais dentro da sociedade, onde muitas vezes o papel do professor resume-se
a reproduzir as diferenças colocadas socialmente.

47
Essa é uma profissão difícil que exige segurança, tranquilidade,
equilíbrio, competência, compromisso, e acaba sendo pouco reconhecida. A
formação do educador vem sofrendo falta de reconhecimento social. Um ponto
fundamental é a relação com o educando perseguindo uma qualidade na prática
do alfabetizador e sua experiência como leitor e escritor. Educar implica em ser
referência para os alunos e a formação inicial não determina a qualidade do
alfabetizador, mas contribui para que essa qualidade melhore paulatinamente
nos espaços de formação continuada.

A construção do conhecimento é uma formação científica que surge com


um ponto de reflexão e uma pergunta, base para que seja a prática do educador
pesquisador; às vezes respondem-se as perguntas e com isso configura-se um
educador crítico-reflexivo.

A formação é uma pratica de conhecimento e todo


conhecimento nasce com uma pergunta. A pergunta é o primeiro
passo do conhecimento. As perguntas surgem na ação, em sua
grande maioria. Tentar responder as perguntas antes que elas
surjam na cabeça do alfabetizador é, no mínimo, pouco racional.
No entanto, isto que acontece nas formações que antecedem à
ação. Temos, então, o absurdo de responder a perguntas não
formuladas e depois, quando elas aparecem, não ter um momento
de formação para respondê-las (BARRETO, 2001, p.81 ).

Neste sentido, é fundamental o educador participar efetivamente de


programas de formação continuada, onde a maioria das dificuldades enfrentadas
ocasionam uma certa angústia e o professor não consegue resolvê-las, sentindo
a necessidade de uma assessoria pedagógica como uma das melhores formas
de interferir na realidade, e assim é aplicada essa teoria em prática e com isso a
formação não tem a finalidade de trabalhar discursos e sim a prática com os
educadores. A forma de estabelecer o conhecimento teórico é observando a
prática.

A única forma segura de identificar a teoria que sustenta


a pratica do alfabetizador é a observação da pratica do próprio
alfabetizador. É nesta pratica que se exprime no que o
alfabetizador realmente acredita. Esta observação pode ser feita

48
pela observação direta ou pelos relatos do próprio alfabetizador
(BARRETO, 2001, pp.84-85 ).

Os conteúdos administrados devem ser o mais claro e assimiláveis


possíveis, lembrando-se que ensinar o educando não é transmitir conhecimento,
e sim criar as possibilidades para sua produção ou construção do conhecimento,
pois quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.

Paulo Freire (1987) propõe que seja trabalhada a conscientização como


forma de resgatar as pessoas da condição de vida que se encontram, isso
implicaria numa transformação total da teoria e prática, que é abordado a
necessidade da conscientização com objetivo de libertar os oprimidos da violenta
opressão a que estão submetidos conduzindo para um viver generosamente
autêntico, crítico.

De acordo com Freire (1987) é usada uma concepção apontada por


“Educação Bancária”, como instrumento de opressão às classes menos
favorecidas, que seriam libertas mediante o fundamental papel da educação. Na
Educação Bancária, o educando é visto como indivíduo que não sabe de nada,
alguém que recebe conhecimento dos educadores que julgam saber de tudo,
onde o educando é aquele que recebe depósitos na mente e os armazena.

A narração de que o educador é o sujeito, conduz os


educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais
ainda, a narração os transforma em “vasilhas” em recipientes a
serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo os
recipientes com seus “depósitos, tanto melhor educador será.
Quanto mais se deixem docilmente “encher” tanto melhores
educandos serão (FREIRE, 1987, p.58).

A Educação Bancária instiga o desacordo na medicação entre educador-


educando, onde o educador é visto como quem educa, que sabe e pensa, impõe
a disciplina, opta pelos conteúdos e métodos, mostrando-se que é a autoridade
na sala de aula, em que os educandos não sabem nada, só escutam, são
disciplinados, não podendo ser ouvidos.

Para Freire (1987), essa perspectiva de trabalho docente é identificada


como processo de alienação, não tendo criatividade nenhuma na sala de aula,

49
uma vez não criativo não saberá transformar essa relação. Esse silêncio que o
educador realiza no educando acaba criando a condição de um sujeito passivo
que não participa do processo educativo.

O educador, que aliena a ignorância, se mantém em


posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os
educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez desta
posições nega a educação e o conhecimento como processos de
busca (FREIRE,1987,p.58).

Para superar a Educação Bancária que é a prática que produz o falso


saber tornando o educando um sujeito não critico, e poder conseguir trabalhar a
educação como prática e tendo liberdade, é sugerido a Educação
Problematizadora, onde a realidade é inserida no contexto educativo, sendo
valorizado o diálogo, a reflexão e a criatividade, de modo a construir a libertação.

Em verdade, não seria possível à educação


problematizadora que rompe com os esquemas verticais
característicos da educação bancária, realizar-se como prática da
liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os
educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora do
dialogo (FREIRE, 1987, p.68).

Assim, a realidade da Educação problematizadora é inserida no contexto


educativo, sendo valorizado o diálogo, a reflexão e a criatividade, de modo a
construir a libertação, buscando trabalhar a teoria dialógica, opondo-se à
manipulação das classes menos favorecidas pela cultura mediante os meios de
comunicação, no qual devem ser conduzidas ao diálogo.

Freire (1987) diz que a teoria da ação dialógica escrita pela organização
e síntese cultural é forte arma de combate à manipulação se usada pela
liderança revolucionária. O diálogo é necessário na educação como prática da
liberdade, estando presente em todos os momentos ensino-aprendizagem, da
busca e opção pelos conteúdos, métodos, temas geradores e seus significados
até as relações homens-mundo.

O diálogo aparece como o grande incentivador da educação mais humana


e até revolucionária, o educador antes dono da palavra passa a ouvir, e segundo

50
Freire (1987) “não é no silencio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão”, assim foi chamado de mediatização pelo mundo, em
relação ao educador-educando.

É necessário que no diálogo, e na mediação haja humildade e fé no


educando, o diálogo começa na busca do conteúdo programático, ou seja, a
listagem de conhecimentos que o aluno tomará contato em determinado ano,
série, escola. Para o educador, o conteúdo não é uma doação ou uma imposição,
mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles
elementos que esta lhe entregou de forma desestruturada.

Para a escolha do conteúdo programático é proposto que seja construído


a partir de temas geradores, e o conteúdo para o educando passa a ser
investigado e destacado para tornar o trabalho em equipe de forma
interdisciplinar. Na alfabetização (de adultos), o destaque é feito por meio de
palavras geradoras, já que o objetivo é o letramento, porém de forma crítica e
conscientizadora.

É mostrada a teoria da ação dialógica sendo apoiada pela colaboração,


organização e síntese cultural, tendo como compromisso a libertação das
pessoas oprimidas que são vistas em um sentido, onde muitas vezes a vida é
proibida de ser vivida. Isto devido às condições precárias em que vivem,
convivendo com injustiças, misérias e enfermidades, onde é obrigada a manter
a condição de opressão.

Impõe-se, pelo contrario, a dialogicidade entre a liderança


revolucionária e as massas oprimidas, para que, em todo o
processo de busca de sua libertação, reconheça na revolução o
caminho da superação verdadeira da contradição em que se
encontram, como um dos pólos da situação concreta de opressão.
Vale dizer que devem se engajar no processo com a consciência
cada vez mais crítica de seu papel de sujeitos da transformação
(FREIRE, 1987, pp. 123-124).

Nos dia de hoje, a idade jovem e adulta veio ser reconhecida e é


constituída e exigidos saberes, habilidades, socializações, informações,
conhecimentos, valores, que são próprios dessas idades, independentemente

51
dos anos de escolarização tidos na infância, saberes que são construídos no
conjunto de relações e experiências e que são exigidos para lidar com o trabalho,
e a sua cultura, tornando-se importante que a educação oferecida aos alunos
jovens e adultos seja dotada de estatuto teórico-metodológico próprio.

Os educandos e educadores vão se transformando em sujeitos reais da


construção e reconstrução em relação da qualidade na aprendizagem, e no
saber onde não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino, cabe ao
professor continuar pesquisando para melhor atualização de conhecimentos. A
pesquisa se faz importante também, pois nela se cria o estímulo e o respeito à
capacidade criadora do educando.

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.


Esses que fazeres se encontram um no corpo do outro.
Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino
porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago.
Pesquiso para constatar, constatando, intervindo educo e
me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não
conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE,
1996, p.29).

A escola e os educadores precisam respeitar o educando podendo,


assim, trabalhar seu conhecimento empírico, sua experiência anterior e
aconselha-se a discussão sobre os problemas sociais que as comunidades
carentes enfrentam e a desigualdade que as cercam.

As teorias e as novas descobertas realizadas precisam ser debatidas e


aceitas mesmo que parcialmente, porém é importante que se preserve de
alguma forma, o conhecimento obtido anteriormente e as formas tradicionais de
educação. Qualquer forma de discriminação seja ela: racial, política, religiosa,
de classe social é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça
a força dos condicionamentos a enfrentar, sendo uma ação de reprovação, pois
a discriminação nega radicalmente a democracia e fere a dignidade do ser
humano.

O educador representa muito na vida do educando, onde um gesto mal


interpretado pode ser fatal, e o que pode ser considerado um gesto insignificante

52
pode valer como força formadora para o desenvolvimento intelectual e
acadêmico do educando.

Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar


na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode
um gesto aparentemente insignificante valer como força
formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo
(FREIRE, 1996, P.42).

Portanto, ensinar exige bom senso, observando como os educadores


estão agindo ao cobrar os conteúdos das suas disciplinas, o exercício ou a
educação do bom senso vai superando o que há nele de tendência natural na
avaliação que é feita. O educador que pensa certo deixa manifestar aos
educandos que a beleza de se estar no mundo é a capacidade de perceber que
ao intrometer-se no mundo ele conhecerá e transformará o mundo.

O educador que desacata a curiosidade do seu educando, a sua


linguagem, a sua ortografia, que ironiza o aluno, que o minimiza entre outras
ofensas em defesa da ordem em sala de aula, transgride os princípios
fundamentais éticos de nossa existência e esta transgressão jamais poderá ser
vista ou entendida como virtude, mas como abertura com a dignidade.

Se há uma pratica exemplar como negação da


experiência formadora é a que dificulta ou inibe a curiosidade do
educando e, em consequência, a do educador. É que o educador
que, entregue a procedimentos autoritários ou paternalista que
impedem ou dificultam o exercício da curiosidade do educando,
termina por igualmente tolher sua própria curiosidade. Nenhuma
curiosidade se sustenta eticamente no exercício da negação da
outra curiosidade (FREIRE, 1996, p.85).

Com isso, o educando deve ser civilizado e determinado a lutar pelos


direitos dos professores, apoiando sua luta por salários mais justos e respeito
por sua profissão. O responsável da classe deve priorizar o empenho da
formação permanente dos quadros do magistério como tarefa altamente política
e repensar a prática das greves, inventando uma nova maneira de lutar que seja
mais eficaz.

53
A maioria dos educadores luta pela dignidade de sua função, não sendo
somente importante como pode ser interpretada como uma prática ética. Quanto
às comunidades carentes, a mudança é difícil, mas é possível, baseando-se
neste saber fundamental, é que a ação político-pedagógica poderá ser
programada com esperança, respeito e conscientização, não impondo a
população expulsada e sofrida que se revolte, que se mobilize ou se organize
para se defender.

Mas sim trata de mostrar aos demais grupos populares um desafio para
que percebam a violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação,
desta forma a educação se faz presente como interferir no mundo.

Consiste em uma exclusividade humana, em que o ato de educar exige


segurança, competência profissional, comprometimento e generosidade. O
educador que não leva a sério sua formação, não quer aprofundar e melhorar o
seu conhecimento; não tem força moral para coordenar as atividades de sua
classe. Existem educadores preparados com seu conhecimento atualizado, mais
a maioria deles são autoritários e arrogantes em relação ao educando, onde a
incapacidade profissional e o despreparo comprometem a autoridade do
educador.

[...] nenhuma autoridade docente se exerce ausente desta


competência. O professor não que não leve a serio sua formação,
que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua
tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua
classe. Isto não significa, porém, que a opção e a pratica
democrática do professor ou da professora sejam determinadas
por sua competência científica. Há professores e professoras
cientificamente preparados mas autoritários a toda prova. O que
quero dizer é que a incompetência profissional desqualifica a
autoridade do professor (FREIRE, 1996, pp. 91-92).

Seguindo esta linha de raciocínio é importante que o educador tenha


autoridade, mas não seja autoritário:

A autoridade coerentemente democrática, fundando-se


na certeza da importância, quer da liberdade dos educandos para
a construção de um clima de real disciplina, jamais minimiza a

54
liberdade. Pelo contrario, aposta nela. Empenha-se em desafiá-la
sempre e sempre; jamais vê, na rebeldia da liberdade, um sinal
de deterioração da ordem (FREIRE, 1996, p.93).

Educar não é transferir conhecimento e sim criar possibilidades para sua


produção ou sua construção, não existe educador sem educando em uma sala
de aula esperando para ter o conhecimento desejado, no entanto o educando é
a única razão para o educador estar ali, o educador não pode deixar escapar
nenhum detalhe de seu educando devendo sempre despertar e instigar a
curiosidade e capacidade critica, exigindo pesquisa para conhecer e o que ainda
não conhece comunicar a novidade.

Para instruir os educandos é necessário respeito, criatividade, deixar de


ser ingênuo passando a ser um indivíduo crítico no sentido de ser curioso em
relação à aprendizagem dos educandos. Ensinar é dar vida as palavras, onde o
educador que não consegue expressar aquilo que pensa com exemplos práticos
de nada serve o que ele fala. Saber, quer dizer segurança no que diz.

Segundo Paulo Freire (1996), o professor deverá ensinar a pensar certo,


sendo a prática educativa a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo e a
utilização de um critério para alargar o ensino antigo, estando presente a rejeição
a qualquer tipo de descriminação. Ainda destaca a importância de propiciar
condições aos educando, em suas socializações com os outros e com o
professor, de testar a experiência de assumir-se como um ser histórico e social.

Acredita-se que a educação é uma forma de transformação da realidade,


que não é neutra e nem indiferente, mas que tanto pode destruir a ideologia
dominante como mantê-la. Segundo Paulo Freire (1996), os educadores têm a
precisão de criar condições para a construção do conhecimento para os
educandos como parte de um processo em que o educador e o educando não
se reduzam à condição de objeto um do outro, porque ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção.

Os educandos e os educadores precisam ser acatados em sua


autonomia, portanto a autoavaliação é um excelente recurso para ser utilizado
dentro da prática pedagógica, necessitando de estímulos que despertem a

55
curiosidade e, em decorrência disso, a busca para chegar ao conhecimento. O
educador não deve barrar a curiosidade do educando, pois é de fundamental
relevância à sua imaginação, intuição, senso investigativo, enfim, sua
capacidade de ir além, e instigar a ser um indivíduo curioso.

Paulo Freire (1996) protege a conquista de conhecimento e afetividade


por parte do educador para que tenha liberdade, autoridade e competência no
decorrer de sua prática docente, acreditando que a disciplina verdadeira não está
na quietude do individuo presente e sim naquele que é um ser crítico.

A autoridade e liberdade do educador devem ser exercidas de forma que


a liberdade deve ser vivida em sua totalidade com a autoridade em uma relação
lógica, centrada em experiências estimuladoras de decisão e responsabilidade.

Noutro momento deste texto me referi ao fato de não


termos ainda resolvido o problema de tensão entre a autoridade e
a liberdade. Inclinados a superar tradição autoritária, tão presente
entre nos resvalamos para formas licenciosas de comportamento
e descobrimos autoritarismo onde só houve o exercício da
autoridade (FREIRE, 1996, p.104).

Na maioria das vezes, o educador tem que saber escutar o educando,


pois é somente escutando, crítica e pacientemente, que se é capaz de falar. O
educador como um ser histórico, político, pensante, crítico e emotivo deve
procurar mostrar o que pensa, indicando diferentes caminhos sem conclusões
acabadas e prontas, para que o educando construa assim a sua autonomia.

Escutar é obviamente algo que vai mais além das


possibilidades auditiva de cada um. Escutar, no sentido aqui
discutido, significa a disponibilidade permanente por parte do
sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do
outro, às diferenças do outro. Isto não quer dizer, evidentemente,
que escutar exija de quem realmente escuta sua redução ao outro
que fala (FREIRE, 1996. p.119).

Para Freire (1996), ensinar exige querer bem aos educandos,


expressando a afetividade. A atividade docente é uma atividade também de

56
caráter afetivo, porém de uma formação científica séria, juntamente com o
esclarecimento político dos educadores.

UNIDADE III

O JOVEM E O ADULTO NA SOCIEDADE LETRADA: QUESTÕES


CURRICULARES EM FOCO
Em sociedades industrializadas modernas, o uso da leitura e da escrita,
assim como das diversas tecnologias, é cada vez mais exigido nas práticas
sociais.

Dessa forma, é importante que as pessoas saibam escrever, que


compreendam as notícias dos jornais, que defendam seus direitos de
consumidor, dentre outras atividades necessárias no cotidiano de um cidadão.

Jovens e adultos que não sabem ler e escrever convivem em uma


sociedade letrada, porém, sua participação nela é, muitas vezes, restrita. Vários
são excluídos e se tornam alvo de fácil manipulação, pois seus conhecimentos
são considerados inferiores em relação aos apresentados por pessoas
escolarizadas.

Assim, nessa unidade refletimos sobre o jovem e o adulto na sociedade


letrada, iniciando por uma discussão sobre a dicotomia alfabetização e
letramento, seguindo por definições e características do letramento crítico, por
considerações sobre o cidadão letrado e por uma reflexão a respeito do
educador de jovens e adultos. Para finalizar, incluímos, como leitura
complementar, a reportagem “Histórias de jovens adultos”, publicada na Revista
Nova Escola on-line, em 22/02/2008.

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
De acordo com Tfouni (1995), nem sempre os termos escrita,
alfabetização e letramento têm sido enfocados, Educação a Distância pelos
estudiosos, como um conjunto, já que muitos consideram a escrita como um

57
produto cultural e a alfabetização e o letramento como processos de aquisição
de um sistema escrito.

Para a autora, a escrita “é o produto cultural por excelência” (Tfouni,


1995, p.10) e pode ser vista como uma das principais causas do surgimento das
civilizações modernas, associando-se ao desenvolvimento científico,
tecnológico, cultural, cognitivo e social dos povos. Além disso, ela se relaciona
com os jogos de poder e dominação que estão por trás da utilização de um
código escrito.

Quanto à alfabetização, a autora aponta para duas concepções


existentes. A primeira é vista como um processo de aquisição individual de
habilidades requeridas para a leitura e a escrita, considerada como algo que se
chega a um fim, correspondendo a um modelo linear de desenvolvimento, em
que se aprende a usar e decodificar símbolos gráficos que representam os sons
da fala, partindo de um ponto e chegando a outro.

A segunda concepção é vista como um processo de representação de


objetos de diferentes naturezas, caracterizando-se pela incompletude, pois
passa por variáveis, desde a questão da escolarização, até a consideração de
que esse não é um processo linear, já que segue um percurso determinado pelas
buscas sociais, nas quais os indivíduos se engajam.

Dessa forma, conforme Tfouni (1995, p. 15), a partir de uma visão


sociointeracionista, “a alfabetização, enquanto processo individual, não se
completa nunca, visto que a sociedade está em contínuo processo de mudança,
e a atualização individual para acompanhar essas mudanças é constante”. Por
isso, a autora prefere falar em níveis de alfabetização.

Quanto ao termo letramento, podemos dizer que é um vocábulo novo nas


áreas da Educação, da Linguística e da Linguística Aplicada, o que causa certa
polêmica quanto à sua definição.

De acordo com Soares (2004), o termo letramento surgiu na década de


80, simultaneamente, no Brasil, na França (illettrisme), em Portugal (literacia),
nos Estados Unidos e na Inglaterra (literacy). Dessa forma, várias pesquisas
surgiram em torno do tema que se operacionalizou em vários programas de

58
avaliação do nível de competências de leitura e escrita. Na mesma época, a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) sugeriu que as avaliações internacionais sobre domínio de
competências de leitura e de escrita fossem além do medir apenas a capacidade
de saber ler e escrever.

Assim, nos países desenvolvidos:

As práticas sociais de leitura e de escrita assumem a


natureza de problema relevante no contexto da constatação de
que a população, embora alfabetizada, não dominava as
habilidades de leitura e de escrita necessárias para uma
participação efetiva e competente nas práticas sociais e
profissionais que envolvem a língua escrita (SOARES, 2004, p. 6).

Na França, por exemplo, conforme a autora, o letramento surge para


caracterizar jovens e adultos que possuem um domínio precário das
competências de leitura e de escrita, dificultando sua inserção no mundo social
e no mundo do trabalho.

Já, no Brasil, o movimento se deu em outra direção, mantendo sua


especificidade no contexto das discussões sobre problemas de domínio, de
habilidades de uso da leitura e da escrita. Assim, em nosso país, os conceitos
de alfabetização e letramento acabaram se mesclando e, frequentemente, sendo
confundidos.

Para Kleiman (1995, p. 19), letramento é definido como “conjunto de


práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto
tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”.

A partir desse conceito, podemos dizer que as práticas de letramento


mudam conforme mudam o contexto em que estão inseridas e, por conseguinte,
podemos dizer também que as orientações de letramento são específicas em
cada uma de suas agências, quais sejam: escola, família, igreja, local de
trabalho, dentre outras.

59
Kleiman (1995, p.20) afirma que a escola, principal agência do
letramento, “preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas apenas com
um tipo de prática de letramento, a alfabetização [...]”. Segundo a autora, a
escola privilegia a aquisição do código escrito, em detrimento ao
desenvolvimento de habilidades para usar a leitura e a escrita em diversos
contextos socioculturais e possibilitar, ao aluno, o desenvolvimento da
competência para se inserir nas diversas práticas de letramento, de forma
autônoma.

Assim, segundo Tfouni (1995), o letramento pode ser entendido em


caráter de produto, como:

a) Aquisição da leitura e da escrita como código (alfabetização tradicional).


b) A relação entre leitura e escrita e o desenvolvimento da sociedade e dos
recursos tecnológicos.
c) O aprendizado, como produto de atividades mentais do indivíduo.
Tais perspectivas estão centradas apenas nas habilidades de leitura e
escrita, entretanto, para esta autora, letramento é algo muito mais amplo e
complexo, pois seu processo envolve uma natureza sócio-histórica.

Magda Soares (1998) também considera o letramento como prática social


de interação oral, em que a língua é vista como interação entre os interlocutores,
os quais vão se construindo enquanto indivíduos ao longo de suas trocas
linguísticas.

Moita-Lopes (2004) postula que o letramento tem sido considerado


apenas como habilidades de decodificação ou de cognição, sem considerar o
sujeito letrado e as práticas sociais em que ele está envolvido. Logo, para o
autor, o termo é entendido como práticas discursivas, ou seja, modos de usar a
linguagem e fazer sentido, tanto na fala, como na escrita. Para ele, essas
práticas discursivas estão diretamente ligadas à constituição da identidade das
pessoas, assim, mudar de prática discursiva significa mudar de identidade.

Percebemos, portanto, que Soares e Moita-Lopes vêm ao encontro de


Tfouni (1995, pp. 20- 21), ao dizerem que o letramento focaliza os aspectos
sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade.

60
Segundo a autora, estudiosos do letramento buscam responder as seguintes
questões:

- Quais mudanças sociais e discursivas ocorrem em uma sociedade


quando ela se torna letrada?

- Grupos sociais não-afabetizados que vivem em uma sociedade letrada


podem ser caracterizados do mesmo modo que aqueles que vivem em
sociedades “iletradas”?

- Como estudar e caracterizar grupos não-alfabetizados cujo


conhecimento, modos de produção e cultura estão perpassados pelos valores
de uma sociedade letrada?

Dessa forma, a autora demonstra que os estudos do letramento não se


restringem às pessoas que adquiriram a escrita (alfabetizados), mas investigam
as consequências da ausência da escrita em indivíduos ou comunidades
perpassados pelos valores das sociedades letradas.

Assim, Tfouni considera que há graus de letramento e argumenta que os


termos “iletrado” e “letrado” não podem ser usados como antônimos, pois, em
sua concepção, nas sociedades modernas, o “iletramento”, ou “letramento de
grau zero” não existe, já que elas são perpassadas pela escrita.

Letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um


contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno.
Magda Becker Soares, professora titular da Faculdade de Educação da UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais) e doutora em educação, explica que ao
olharmos historicamente para as últimas décadas, poderemos observar que o
termo alfabetização, sempre entendido de uma forma restrita como
aprendizagem do sistema da escrita, foi ampliado.

Já não basta aprender a ler e escrever, é necessário mais que isso para
ir além da alfabetização funcional (denominação dada às pessoas que foram
alfabetizadas, mas não sabem fazer uso da leitura e da escrita). O sentido
ampliado da alfabetização, o letramento, de acordo com Magda, designa práticas
de leitura e escrita.

61
A entrada da pessoa no mundo da escrita se dá pela aprendizagem de
toda a complexa tecnologia envolvida no aprendizado do ato de ler e escrever.
Além disso, o aluno precisa saber fazer uso e envolver-se nas atividades de
leitura e escrita. Ou seja, para entrar nesse universo do letramento, ele precisa
apropriar-se do hábito de buscar um jornal para ler, frequentar revistarias,
livrarias, e com esse convívio efetivo com a leitura, apropriar-se do sistema de
escrita.

Afinal, a professora defende que, para a adaptação adequada ao ato de


ler e escrever, “é preciso compreender, inserir-se, avaliar, apreciar a escrita e a
leitura”. O letramento compreende tanto a apropriação das técnicas para a
alfabetização quanto esse aspecto de convívio e hábito de utilização da leitura e
da escrita.

Uma observação interessante apontada pela educadora Magda Soares


diz respeito à possibilidade de uma pessoa ser alfabetizada e não ser letrada e
vice-versa. “No Brasil as pessoas não leem. São indivíduos que sabem ler e
escrever, mas não praticam essa habilidade e alguns não sabem sequer
preencher um requerimento.”

Este é um exemplo de pessoas que são alfabetizadas e não são letradas.


Há aqueles que sabem como deveria ser aplicada a escrita, porém não são
alfabetizados. Como no filme Central do Brasil – alguns personagens conheciam
a carta, mas não podiam escrevê-la por serem analfabetos. Eles ditavam a carta
dentro do gênero, mesmo sem saber escrever. A personagem principal, a Dora
(interpretada pela atriz Fernanda Montenegro), era um instrumento para essas
pessoas letradas, mas não alfabetizadas, usarem a leitura e a escrita. No
universo infantil, há outro bom exemplo: a criança, sem ser alfabetizada, finge
que lê um livro. Se ela vive em um ambiente literário, vai com o dedo na linha, e
faz as entonações de narração da leitura, até com estilo. Ela é apropriada de
funções e do uso da língua escrita. Essas são pessoas letradas sem ser
alfabetizadas.

62
O LETRAMENTO CRÍTICO
Terzi (2003, p. 228) define como letramento crítico “a relação que
indivíduos e comunidades estabelecem com a língua escrita. Essa relação inclui:
relação de uso cultural da escrita; relação de conhecimento da escrita; relação
de valorização da escrita, e relação com a escrita permeada por crenças e
valores”, conforme comentamos a seguir.

Na relação de uso cultural da escrita, a autora aponta para o fato de que


algumas comunidades utilizam-se mais da língua escrita que outras, devido a
fatores econômicos, políticos, socioculturais e históricos. Assim, Terzi cita como
exemplo a diferença dessa utilização em grandes e pequenos centros. Nas
grandes cidades, o apoio na língua escrita é uma questão de sobrevivência, na
identificação de um ônibus para se locomover, na identificação dos nomes das
ruas, na procura por um emprego, a partir de ofertas afixadas em cartazes etc.,
já nas cidades pequenas, essa necessidade é bem menor.

Porém, a relação do sujeito com a escrita não ocorre apenas pelo seu uso.
As pesquisas mostram que há uma grande diversidade no conhecimento que
cada um traz da escrita. Logo, conforme a autora, os jovens e os adultos não
escolarizados já trazem um conhecimento da escrita, a partir de sua vivência.
Para Terzi (2003, p. 230):

Mesmo aqueles que nunca tiveram oportunidade de ter nas mãos um


jornal sabem que ele traz notícias. No outro extremo, temos o jardineiro
analfabeto que diariamente leva, da casa em que trabalha, o jornal para que sua
esposa o leia para ele (...) e surpreende ao participar de discussões sobre o
conflito no oriente médio, sobre o terrorismo nos Estados Unidos ou sobre as
eleições no Brasil.

Segundo Terzi (2003), o letramento crítico do sujeito também se constitui


pela maneira como cada indivíduo valoriza a escrita, sabendo ou não utilizá-la.
Entre os indivíduos escolarizados, a autora cita como exemplo pessoas com
nível superior de educação que não leem jornais, livros, manuais de instrução
antes de utilizar um aparelho etc., usando a escrita somente nas ocasiões em
que ela se faz muito necessária. Entre as pessoas não escolarizadas, também
há diferença de valorização da escrita: para algumas, ela pode ser importante

63
apenas para a assinatura de um documento, para outras, pode significar maiores
oportunidades de emprego, ou realização pessoal a partir do acesso à
informação.

O letramento crítico também abrange a relação com a escrita permeada


por crenças e valores do indivíduo ou da comunidade em que ele vive, como por
exemplo, uma comunidade em que palavra dada e honra não se distinguem.
Conforme a autora,

Os membros dessa comunidade, embora tendo conhecimento de que


um texto escrito – a escritura – é parte integrante da prática social de compra e
venda de um pedaço de terra, e de que sem ele a transação não se oficializa,
rejeitam o documento por acreditarem que a palavra empenhada por ocasião da
realização do negócio vale mais (TERZI, 2003, pp. 232-233).

Essas relações com a escrita se concretizam simultaneamente,


caracterizando o letramento das pessoas. Por isso, podemos dizer que há
diversos letramentos. De acordo com a autora, as situações de letramento são
dinâmicas, pois se transformam constantemente, a partir de influências de
fatores sociais, econômicos e políticos, como já citamos anteriormente.

A autora apresenta alguns exemplos, dentre eles a implantação de um


assentamento de sem terras em que a liderança passou a exigir a leitura de
textos sobre agricultura, ecologia e outros, o que desencadeou na abertura de
cursos de educação de jovens e adultos. Logo, esses cursos propiciaram a
leitura de textos politizastes, o que contribuiu para uma transformação nas
técnicas de plantio e a consequente melhora na produtividade. Dessa forma,
temos, segundo Terzi (2003, p. 233), “uma decisão política influenciando o
letramento e este, por sua vez, influenciando as condições políticas e
econômicas”.

Assim, Terzi (2003) nos mostra que a alfabetização não se encerra no


desenvolvimento de uma habilidade individual que tem um fim em si mesma.
Pelo contrário, ela é um componente do letramento crítico, que, num mesmo
processo, contribui para a formação do cidadão letrado, ou seja, capaz de fazer
uso da língua escrita para a sua participação na sociedade.

64
A educadora Magda Soares argumenta que a criança precisa ser
alfabetizada convivendo com material escrito de qualidade. “Assim, ela se
alfabetiza sendo, ao mesmo tempo, letrada. É possível alfabetizar letrando por
meio da prática da leitura e escrita.” Para isso, Magda diz ser preciso usar jornal,
revista, livro. Sobre as antigas cartilhas que ensinavam o ‘Vovô viu a uva’, a
educadora afirma que é necessária a prática social da leitura que pode ser feita,
por exemplo, com o jornal, que é um portador real de texto, que circula
informações, ou com a revista ou, até mesmo, com o livro infantil.

“Tem que haver uma especificidade, aprendizagem sistemática


sequencial, de aprender”. A professora Magda Soares afirma que o PNLD
(Programa Nacional do Livro Didático), desenvolvido pelo MEC (Ministério da
Educação), é excelente porque “avalia o livro didático segundo critérios
sensatos”. Mas ela enfatiza que na alfabetização e letramento há um problema
a ser resolvido. “As cartilhas desapareceram do mercado. Não se fala mais em
cartilha, fala-se em livro de alfabetização. Mas com o desaparecimento das
cartilhas, praticamente desapareceu também o conceito de método.

Não é possível ensinar a ler e escrever, ou qualquer coisa em educação,


sem um método. Há poucos livros de alfabetização que tenham uma organização
metodológica para orientar professores e crianças envolvidos neste processo de
aprendizagem. “Os professores usam precariamente os livros de que dispõem
ou buscam as cartilhas nas prateleiras da biblioteca da escola”.

A FORMAÇÃO DO CIDADÃO LETRADO


Moll (2004a, p. 11) fala em “adultos em processo de alfabetização”,
referindo-se, no contexto social brasileiro, “a homens e mulheres marcados por
experiências de infância na qual não puderam permanecer na escola pela
necessidade de trabalhar”. A autora também se refere a adultos que, por vezes,
tentaram voltar à escola, mas que “a as sistematicidade dos programas de
alfabetização e de educação para adultos no Brasil tornou-os reféns de uma
lógica que, durante décadas, fez dessa temática um discurso político rentável e
desconectado de compromissos reais”.

65
Dessa maneira, muitos desses cidadãos acabam encontrando formas
para driblar as situações que precisam enfrentar em seu dia a dia, como, por
exemplo:

“Que ônibus é este? Esqueci meu óculos em casa!” “Podes me dizer o


preço deste produto? Não consigo compreender esta letra!” “Podes escrever
este bilhete para mim? Minha letra é muito ruim!” “Podes ler esta carta para mim?
Hoje acordei com muita dor de cabeça!”

Conforme a autora, por encararem o analfabetismo como um problema


social, muitas dessas pessoas constroem estratégias sociais e cognitivas para
conseguirem decodificar o que lhe é básico, a fim de que os outros não percebam
sua não escolarização.

A volta ao ambiente escolar é o primeiro desafio do trabalho com esses


cidadãos. Segundo Moll (2004a), muitos adultos retornam para a escola com
uma visão daquela que permaneceu em suas memórias, seja na época da
palmatória, dos castigos no grão de milho, do absolutismo do professor, dos
cadernos cheios de cópias etc. Dessa forma, vários esperam esse tipo de
instituição. Um exemplo, mostrado pela autora, se dá em salas de aula em que
os professores valorizavam a palavra dos alunos, escutando-os e estes, por sua
vez, perguntam quando terminará a conversa para poderem copiar e “encher o
caderno”.

Logo, o educador precisará levar em conta essas memórias trazidas por


esses alunos, mas, aos poucos, “desconstruir” essa concepção de escola neles
arraigada. Contudo, a autora alerta para o fato de que ressignificar essa
bagagem não significa diminuir as exigências da produção escrita e da leitura,
ou seja, não significa mudar “de uma escola na qual só se copiava para uma
escola na qual só se conversa” (MOLL, 2004a, p. 14).

Nesse contexto de formação do cidadão letrado, Ribeiro (1997, pp. 47-


48) sintetiza os objetivos gerais da EJA, dizendo que, a partir dela, os educandos
devem ser capazes de:

• Dominar instrumentos básicos da cultura letrada, que lhes permitam


melhor compreender e atuar no mundo em que vivem.

66
• Ter acesso a outros graus ou modalidades de ensino básico e
profissionalizante, assim como a outras oportunidades de desenvolvimento
cultural.

• incorporar-se ao mundo do trabalho com melhores condições de


desempenho e participação na distribuição da riqueza produzida.

• Valorizar a democracia, desenvolvendo atitudes participativas,


conhecer direitos e deveres da cidadania.

• Desempenhar de modo consciente e responsável seu papel no cuidado


e na educação das crianças, no âmbito da família e da comunidade.

• Conhecer e valorizar a diversidade cultural brasileira, respeitar


diferenças de gênero, geração, raça e credo, fomentando atitudes de não-
discriminação

. • Aumentar a autoestima, fortalecer a confiança na sua capacidade de


aprendizagem, valorizar a educação como meio de desenvolvimento pessoal e
social.

• Reconhecer e valorizar os conhecimentos científicos e históricos, assim


como a produção literária e artística como patrimônios culturais da humanidade.

• Exercitar sua autonomia pessoal com responsabilidade, aperfeiçoando


a convivência em diferentes espaços sociais.

Um dos graves problemas que enfrentamos é que há pessoas que se


preocupam com alfabetização sem se preocupar com o contexto social em que
os alunos estão inseridos. “De que adianta alfabetizar se os alunos não têm
dinheiro para comprar um livro ou uma revista?” A escola, além de alfabetizar,
precisa dar as condições necessárias para o letramento.

A educadora Magda Soares faz uma crítica ao Programa Brasil


Alfabetizado, do Ministério da Educação que prevê a alfabetização de 20 milhões
de brasileiros em quatro anos. Para ela, o programa irá, na melhor das
circunstâncias, minimamente alfabetizar as pessoas num sentido restrito. “Onde
elas aprendem o código, a mecânica, mas depois não saberão usar”.

67
Um ponto importante para letrar, diz Magda, é saber que há distinção
entre alfabetização e letramento, entre aprender o código e ter a habilidade de
usá-lo. Ao mesmo tempo em que é fundamental entender que eles são
indissociáveis e têm as suas especificidades, sem hierarquias ou cronologia:
pode-se letrar antes de alfabetizar ou o contrário.

Para ela, essa compreensão é o grande problema das salas de aula e


explica o fracasso do sistema de alfabetização na progressão continuada. “As
crianças chegam ao segundo ciclo sem saber ler e escrever. Nós perdemos a
especificidade do processo”, diz. A educadora argumenta que o educando
precisa ser alfabetizado convivendo com material escrito de qualidade. Para os
professores que trabalham com alfabetização, Magda recomenda:

Alfabetize letrando sem descuidar da especificidade do processo de


alfabetização, especificidade é ensinar e o aluno aprender. O aluno precisa
entender a tecnologia da alfabetização. Há convenções que precisam ser
ensinadas e aprendidas, trata-se de um sistema de convenções com bastante
complexidade.

O estudante (além de decodificar letras e palavras) precisa aprender toda


uma tecnologia muito complicada: como segurar o lápis, escrever de cima pra
baixo e da esquerda para a direita; escrever numa linha horizontal, sem subir ou
descer. São convenções que precisam ser ensinadas pelo professor e
aprendidas pelos alunos.

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E OS DESAFIOS


CURRICULARES
Existem muitas preocupações com relação à formação docente na esfera
da EJA, pois muitos professores que nela atuam não foram preparados
especificamente para o trabalho com esse público de alunado. Normalmente,
encontramos professores recrutados no próprio corpo docente do ensino regular
que, por vezes, recebem treinamentos e cursos rápidos para atenderem às
demandas da EJA. Isso nos mostra certo descaso com relação a este segmento
educacional, o que, de acordo com Moll (2004b), pode estar, aos poucos,
começando a ser revertido pela ação local dos municípios e seus parceiros:

68
O papel fundamental que o poder local pode desempenhar nesse
processo, avançando em relações que permitam a ampliação da esfera pública,
sem levar ao descomprometimento governamental, pode estar relacionado à
leitura do universo dos sujeitos da educação de jovens e adultos, para além de
sua designação como dados estatísticos anônimos (MOLL, 2004b, p. 22).

Diversas pesquisas demonstram que, para se desenvolver um ensino


adequado a esse público é necessário que haja um trabalho de formação
continuada, porém, é na formação inicial, nos cursos de graduação, que esse
ensino se consolida.

Esse profissional que atua na EJA, além de muito bem preparado, precisa
atentar-se para questões curriculares que vão determinar os conhecimentos, os
conteúdos, objetivos e metas que serão necessários ser perseguidos na
organização do trabalho pedagógico nesta Modalidade de Ensino.

De acordo com as recomendações internacionais (Conferência


Internacional de Educação de Adultos – Confintea), a educação de jovens e
adultos deve ter como princípios:

• Sua inserção num modelo educacional inovador e de qualidade,


orientado para a formação de cidadãos democráticos, sujeitos de sua ação,
valendo-se de educadores que tenham formação permanente como respaldo da
qualidade de sua atuação.

• Currículo variado, que respeite a diversidade de etnias, de


manifestações regionais e da cultura popular, cujo conhecimento seja concebido
como uma construção social fundada na interação entre a teoria e a prática e o
processo de ensino e aprendizagem como uma relação de ampliação de
saberes.

• A educação de jovens e adultos deve abordar conteúdos básicos,


disponibilizando os bens socioculturais acumulados pela humanidade.

• As modernas tecnologias de comunicação existentes devem ser


colocadas à disposição da melhoria da atuação dos educadores

• A articulação da educação de jovens e adultos à formação profissional,


no atual estágio de desenvolvimento da globalização da economia, marcada por

69
paradigma de organização do trabalho, não pode ser vista de forma instrumental,
mas exige um modelo educacional voltado para a formação do cidadão e do ser
humano em todas as suas dimensões.

• O respeito aos conhecimentos construídos pelos jovens e adultos em


sua vida cotidiana.

Para atingir esses princípios é importante esclarecer que os alunos


constroem conhecimentos na interação com o contexto social, mesmo sem ter
passado pelo processo de escolarização. Valorizar esses conhecimentos e
relacioná-los com novos conteúdos é imprescindível para uma aprendizagem
significativa, possibilitando ao professor o planejamento de situações de
aprendizagem para ampliá-los e/ou transformá-los. Quanto maior a profundidade
e qualidade das relações, maior a significatividade da aprendizagem.

Os novos conteúdos devem ser significativos, cientificamente bem


construídos, ter funcionalidade, considerando-se as capacidades dos alunos,
suas possibilidades cognitivas e afetivas. Tais conteúdos devem ser
ressignificados, resgatando-se sua importância no processo de ensino e
aprendizagem, entendendo-se como saberes culturais: conceitos, explicações,
habilidades, linguagens, fatos, valores, crenças, sentimentos, atitudes,
interesses, condutas, raciocínios etc., para o desenvolvimento do educando e
sua formação integral. Ressignificar os conteúdos pressupõe entender o que o
educando deve saber, o que deve saber fazer e como deve ser.

As experiências realizadas por Paulo Freire na década de 60 indicam


uma valorização dos conhecimentos construídos fora da escola pelos jovens e
adultos e a consideração destes como pontos de partida para novos
conhecimentos. Nessas experiências havia uma preocupação com o repertório
linguístico dos alunos, afirmando que «a leitura do mundo precede a leitura da
palavra.

Estes conhecimentos são pontos de partida para a produção de novos


conhecimentos. Sendo assim, quando se dirigem a uma escola, os jovens e
adultos não se encontram «vazios», como muitas vezes a escola acredita.

70
Em relação aos conteúdos e propostas curriculares, deve-se ressaltar as
orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para 1ª a 4ª séries.
Em 1997, o MEC disponibilizou a proposta curricular para o 1º segmento da
educação de jovens e adultos. Essas medidas irão proporcionar elementos que
propiciam a elaboração e implementação de propostas curriculares adequadas
às especificidades dos alunos dessa modalidade de ensino.

A proposta curricular do 1º segmento pressupõe o trabalho com três


áreas: Língua Portuguesa, Matemática e Estudos da Sociedade e da Natureza.
É necessário, porém, também considerar todas as áreas do conhecimento e os
temas transversais, de acordo com os PCN de 1ª a 4ª série.

As orientações curriculares elaboradas pelo MEC para o Primeiro


seguimento da EJA referem-se à alfabetização e pós-alfabetização de jovens e
adultos, cujo conteúdo corresponde às quatro primeiras séries do 1º grau. Elas
não constituem propriamente um currículo, muito menos um programa pronto
para ser executado. Trata-se de um subsídio para a formulação de currículos e
planos de ensino, que devem ser desenvolvidos pelos educadores de acordo
com as necessidades e objetivos específicos de seus programas.

A legislação educacional brasileira é bastante aberta quanto à carga


horária, à duração e aos componentes curriculares desses cursos. Considerando
positiva essa flexibilidade, optou-se por uma proposta curricular que avança no
detalhamento de conteúdos e objetivos educativos, mas que permite uma
variedade grande de combinações, ênfases, supressões, complementos e
formas de concretização. Como qualquer proposta curricular, esta não surge do
nada; sua principal fonte são práticas educativas que se pretende generalizar,
aperfeiçoar ou transformar.

LÍNGUA PORTUGUESA
A área de Língua Portuguesa abrange o desenvolvimento da linguagem
oral e a introdução e desenvolvimento da leitura e escrita. Com relação à
linguagem oral, o ambiente escolar deve propiciar situações comunicativas que
possibilitem aos educandos a ampliação de seus recursos linguísticos. Em

71
outras palavras, os educandos devem aprender a planejar e adequar seu
discurso a diferentes situações formais e informais.

Com relação à linguagem escrita, além da compreensão e domínio dos


seus mecanismos e recursos básicos, como o sistema de representação
alfabética, a ortografia e a pontuação, é essencial que os educandos
compreendam suas diferentes funções sociais e conheçam as diferentes
características que os textos podem ter, de acordo com essas funções. Todos
sabem quão distintas são as linguagens que se usam numa carta de amor, bula
de remédio, jornal e enciclopédia.

Por isso, além dos tópicos que normalmente compõem os currículos de


Língua Portuguesa, esta proposta curricular traz indicações de como trabalhar
com textos escritos de modo a possibilitar que os educandos conheçam e
experienciem suas diferentes modalidades. A aprendizagem da escrita exige
ainda o desenvolvimento da capacidade de análise linguística e o aprendizado
de palavras que servem para descrever a linguagem. Esses aspectos compõem
os blocos de conteúdo da área.

Linguagem Oral

Os modos de falar das pessoas analfabetas ou pouco escolarizadas são


a expressão mais forte de toda a bagagem cultural que possuem, de suas
experiências de vida. Podemos encontrar adultos pouco escolarizados que têm
um excepcional domínio da expressão oral: contadores de histórias, poetas,
repentistas, líderes populares.

Entretanto, deparamos também com aqueles que têm seu discurso


marcado por experiências de privação, humilhação e isolamento, que se
expressam de forma fragmentada e têm dificuldade de se fazer entender.

Para a sala de aula, o professor deve planejar estratégias para que os


alunos experimentem e ampliem suas formas de expressão, promover
momentos em que os educandos se expressem em pequenos grupos, em
grupos maiores, em conversas com o professor.

72
É necessário criar oportunidades de ouvir e falar, reelaborar argumentos
a partir de novas informações, construir conceitos, incorporar novas palavras e
significados, compreender e avaliar o que ouvimos. Nessas ocasiões, o
professor deve chamar a atenção dos alunos para os diferentes modos de falar
e os efeitos que podem provocar sobre os que recebem a mensagem. No que
diz respeito à linguagem oral, portanto, o papel do professor é mais desinibir,
perguntar, comentar e sugerir do que propriamente corrigir.

Linguagem Escrita

Numa sociedade letrada, mesmo os jovens e adultos que nunca


passaram pela escola têm conhecimentos sobre a escrita. Muitos conhecem
algumas letras e sabem assinar seu nome. Todos já se defrontaram com a
necessidade de identificar placas escritas, preencher formulários, lidar com
receitas médicas ou encontrar o preço de mercadorias.

Na escola, o professor deve criar situações em que os educandos


exponham e reconheçam aquilo que já sabem sobre a escrita. Baseado no que
os alunos já sabem é que o professor poderá decidir que novas informações
fornecer, para quais aspectos chamar a atenção, de modo que o aluno vá
elaborando seus conhecimentos até chegar a um domínio autônomo desse
sistema de representação. Nosso sistema de escrita é alfabético e, no processo
de aprendizagem, os alunos devem estabelecer as relações existentes entre os
sons da fala e as letras.

Entretanto, a escrita não é uma mera transcrição da fala. Não escrevemos


do mesmo jeito que falamos, pois a comunicação escrita têm outras exigências
e utiliza-se de outros recursos. Quando escrevemos, nosso leitor não está
presente, por isso temos de assegurar que a mensagem seja eficiente e para
tanto é preciso usar recursos próprios de organização do discurso. A escrita é
utilizada, muitas vezes, para registrar mensagens que devem perdurar no tempo
ou atravessar grandes distâncias, por isso ela não pode ser tão flexível quanto à
fala, obedecendo a normas mais rígidas de organização.

73
Para dominar o mecanismo de funcionamento da escrita é necessário
conhecer as letras, pois são os signos que nosso sistema de representação
utiliza. Também é necessário compreender a relação entre as letras e os sons
da fala. Para cada fonema, temos uma representação gráfica (é por isso que
nosso sistema de representação escrita é chamado de alfabético). É a partir do
estabelecimento desta relação fonográfica e da compreensão de suas
regularidades e irregularidades que se chega ao domínio do sistema alfabético.

Essas irregularidades dizem respeito às peculiaridades da ortografia da


Língua Portuguesa: um mesmo som pode ser representado por mais de uma
letra e uma mesma letra pode representar sons diferentes dependendo da
posição em que se encontra na palavra. Uma mesma palavra pode ser
pronunciada de muitas formas, mas deve ter uma única grafia. Por exemplo, no
Brasil, a pronúncia da palavra “muito” pode ser muintu, muinto, muntcho, munto
ou outras, mas sempre ela é escrita da mesma forma. Não podemos escrever
do jeito que falamos, pois isso tornaria o registro escrito extremamente instável
e seria muito difícil conseguirmos nos entender. Além da ortografia, há outros
recursos e normas que caracterizam a escrita, como o sentido da esquerda para
a direita, a segmentação das palavras, a pontuação, os diferentes alfabetos
(maiúsculo e minúsculo, de imprensa e cursivo etc.). Utilizamos todos esses
recursos e mecanismos da escrita para produzir textos. Existem vários tipos de
texto, nos quais esses recursos se combinam de forma característica.

Para que os alunos leiam e escrevam com autonomia, precisam


familiarizar-se com a diversidade de textos existente na sociedade. Precisam
reconhecer as várias funções que a escrita pode ter (informar, entreter,
convencer, definir, seduzir), os diferentes suportes materiais onde pode aparecer
(jornais, livros, cartazes etc.), as diferentes apresentações visuais que pode
adquirir e suas características estruturais (organização sintática e vocabulário).
O objetivo central em Língua Portuguesa é formar bons leitores e produtores de
textos, que saibam apreciar suas qualidades, encontrar e compreender
informações escritas, expressar-se de forma clara e adequada à intenção
comunicativa.

Portanto, atividades que envolvam leitura e produção de textos são


essenciais para alcançar esse objetivo. Para aprender a escrever é preciso

74
escrever, e o mesmo vale para a leitura. Na interação com este objeto de
conhecimento — o texto — e com a ajuda do professor, o aluno poderá realizar
essas aprendizagens.

O trabalho com a linguagem escrita deve estruturar-se, desde o início,


em torno de textos. Para as turmas iniciantes, podem ser selecionados textos
mais curtos e simples, como listas, folhetos, cartazes, bilhetes, receitas, poesias,
anedotas, manchetes de jornal, cartas, pequenas histórias e crônicas. Quanto
maior o domínio do sistema de representação, maiores as possibilidades de ler
e escrever textos mais longos e complexos.

O professor de jovens e adultos deve ter um cuidado especial com a


busca e seleção de textos para trabalhar com os alunos, já que ele não conta
com a abundância de materiais didáticos já elaborados disponíveis para a
educação infantil. Além dos textos literários, outros podem ser usados em sala
de aula: receitas culinárias, textos jornalísticos, artigos de divulgação científica,
textos de enciclopédias, cartas, cartazes, folhetos informativos ou textos
elaborados pelos próprios alunos. O professor deve dispor de uma boa coletânea
de textos, organizar pequenas bibliotecas na sala de aula ou levar seus alunos
a bibliotecas.

Escrever textos significa saber usar a escrita para expressar


conhecimentos, opiniões, necessidades, desejos e a imaginação. Nessa
aprendizagem, entra em jogo a disponibilidade da pessoa de se expor e criar.
Para expressar-se por escrito, o educando terá que lançar mão de um sistema
de convenções já estabelecido, mas deverá utilizá-lo para expressar suas
próprias ideias ou sentimentos, apropriando-se criativamente dos modelos
disponíveis. Os textos que os educandos encontram dentro e fora da escola são
os modelos a partir dos quais eles aprendem a escrever.

Para isso, será essencial a ajuda do professor, orientando-os na análise


dos sons da fala e dos sinais escritos, chamando-lhes a atenção para as
regularidades e irregularidades. No processo de aprendizagem, entretanto, os
modelos não são simplesmente copiados, sem um trabalho de reelaboração do
educando. O professor deve procurar compreender esse processo de
elaboração da escrita dos alunos para poder prestar-lhes uma ajuda adequada.

75
Para isso, é preciso criar situações em que os alunos possam colocar em
jogo aquilo que sabem, expor suas elaborações sobre a linguagem escrita,
discutir sua produção com outros colegas, sentir a necessidade de melhorá-la.
O professor não pode simplesmente rejeitar os erros dos alunos, pois é
baseando-se neles que se pode saber que tipo de ajuda oferecer. É a análise de
seus próprios erros que possibilita aos novos escritores avançar para produções
escritas cada vez mais adequadas. Na sala de aula, a produção de um texto
deve ser compreendida como um processo que passa por várias reescritas, até
que o produto seja satisfatório.

Uma boa forma de organizar o trabalho com a escrita é articulá-lo com o


da leitura, dentro de uma mesma modalidade textual. À medida que leem e
analisam modelos variados de cartas, por exemplo, os educandos podem ser
encorajados a escrever suas próprias cartas, inicialmente ainda com bastante
ajuda do professor, paulatinamente com maior autonomia, fazendo e refazendo,
relendo e comparando e, finalmente, enviando suas cartas, experimentando o
poder e o prazer da escrita em situações reais de comunicação.

A Análise Linguística

A alfabetização implica, desde suas etapas iniciais, um intenso trabalho


de análise da linguagem por parte do aprendiz. Nesse processo, ele acabará
aprendendo e servindo-se de palavras e conceitos que servem para descrever a
linguagem, tais como letra, palavra, sílaba, frase, singular, plural, maiúscula,
minúscula etc.

Mais adiante, ele poderá ainda aprender outros conceitos mais


complexos, como as classificações morfológicas (substantivo, adjetivo etc.) e
sintáticas (sujeito, predicado etc.). É necessária uma proposta curricular que
sugere atividades de análise linguística que estejam voltadas para a reflexão
sobre a produção do texto, ajudando os alunos a melhorarem cada vez mais a
forma de escrever.

MATEMÁTICA

76
Saber Matemática torna-se cada vez mais necessário no mundo atual, em
que se generalizam tecnologias e meios de informação baseados em dados
quantitativos e espaciais em diferentes representações. Também a
complexidade do mundo do trabalho exige da escola, cada vez mais, a formação
de pessoas que saibam fazer perguntas, que assimilem rapidamente
informações e resolvam problemas utilizando processos de pensamento cada
vez mais elaborados.

No ensino fundamental, a atividade matemática deve estar orientada para


integrar de forma equilibrada seu papel formativo (o desenvolvimento de
capacidades intelectuais fundamentais para a estruturação do pensamento e do
raciocínio lógico) e o seu papel funcional (as aplicações na vida prática e na
resolução de problemas de diversos campos de atividade). O simples domínio
da contagem e de técnicas de cálculo não contempla todas essas funções,
intimamente relacionadas às exigências econômicas e sociais do mundo
moderno.

Como acontece com outras aprendizagens, o ponto de partida para a


aquisição dos conteúdos matemáticos deve ser os conhecimentos prévios dos
educandos. Na educação de jovens e adultos, mais do que em outras
modalidades de ensino, esses conhecimentos costumam ser bastante
diversificados e muitas vezes são encarados, equivocadamente, como
obstáculos à aprendizagem. Ao planejar a intervenção didática, o professor deve
estar consciente dessa diversidade e procurar transformá-la em elemento de
estímulo, explicação, análise e compreensão.

Muitos jovens e adultos, pouco ou nada escolarizados, dominam noções


matemáticas que foram aprendidas de maneira informal ou intuitiva, como, por
exemplo, procedimentos de contagem e cálculo, estratégias de aproximação e
estimativa. Alguns chegam a manejar, com propriedade, instrumentos técnicos
de alta precisão. Embora tenham um conhecimento bastante amplo de certas
noções, poucos são os que dominam as representações simbólicas
convencionais, cuja base é a escrita numérica. Esses alunos, ao entrarem na
escola, demonstram grande interesse em aprender os processos formais.
Porém, é fato que eles não costumam abandonar rapidamente os informais,
substituindo-os pelos convencionais.

77
Resolução de Problemas

Para que a aprendizagem da Matemática seja significativa, ou seja, para


que os educandos possam estabelecer conexões entre os diversos conteúdos e
entre os procedimentos informais e os escolares, para que possam utilizar esses
conhecimentos na interpretação da realidade em que vivem, sugere-se que os
conteúdos matemáticos sejam abordados por meio da resolução de problemas.

Uma situação-problema pode ser entendida como uma atividade cuja


solução não pode ser obtida pela simples evocação da memória, mas que exige
a elaboração e execução de um plano. Não se pode confundir essa ideia com os
problemas que são tradicionalmente trabalhados nas salas de aula ou que
aparecem nos livros didáticos, nos quais a situação é apresentada por um texto
padronizado que, por sua vez, evoca uma resposta também padronizada, como
neste exemplo: João tinha 35 reais, gastou 22 reais, com quanto ele ficou? 35 -
22 = 13.

Explorar os conteúdos mediante questionamentos leva os alunos a


estabelecerem conjecturas e buscarem justificativas, o que pode ajudá-los a se
dar conta do sentido das ideias matemáticas, além de favorecer a capacidade
de expressão. A resolução de problemas matemáticos na sala de aula envolve
várias atividades e mobiliza diferentes capacidades dos alunos:

• compreender o problema;

• elaborar um plano de solução;

• executar o plano;

• verificar ou comprovar a solução;

• justificar a solução;

• comunicar a resposta.

Ler, escrever, falar e escutar, comparar, opor, levantar hipóteses e prever


consequências são procedimentos que acompanham a resolução de problemas.

78
Esse tipo de atividade cria o ambiente propício para que os alunos aperfeiçoem
esses procedimentos e desenvolvam atitudes como a segurança em suas
capacidades, o interesse pela defesa de seus argumentos, a perseverança e o
esforço na busca de soluções. A comunicação e a interação com os colegas
favorecem não apenas a clareza do próprio pensamento, mas as atitudes de
cooperação e respeito pelas ideias do outro.

Números e Operações Numéricas

Esse bloco de conteúdos engloba o estudo dos números naturais, de


suas funções e representações, das características do sistema decimal de
numeração, dos números racionais na forma decimal e fracionária; do significado
da adição, subtração, multiplicação e divisão, dos fatos fundamentais, dos
diferentes procedimentos de estimativa, cálculo mental e cálculo escrito.

Medidas

Este bloco de conteúdos reúne conhecimentos de grande utilidade


prática, que também podem ser articulados com o estudo do espaço, das formas,
dos números e das operações. Os conteúdos deste bloco envolvem a noção de
medida e de proporcionalidade, de unidade de medida e das relações entre suas
diferentes representações. Tais noções são desenvolvidas a partir do estudo e
utilização de diferentes sistemas de medida: tempo, massa, capacidade,
comprimento, superfície e valor (sistema monetário).

Geometria

O eixo “Geometria” trata da construção das noções espaciais por meio


da percepção dos próprios movimentos e da representação gráfica do espaço.
As figuras bidimensionais e tridimensionais são exploradas a partir da
observação das formas dos objetos e também de representações que
possibilitam a identificação de semelhanças e diferenças, além de algumas
propriedades dessas figuras.

79
Introdução à Estatística

Aqui, reúnem-se conteúdos relacionados a procedimentos de coleta,


organização, apresentação e interpretação de dados, leitura e construção de
tabelas e gráficos. Esses conteúdos, que não costumam aparecer nos currículos
de Matemática das séries iniciais, justificam-se pela sua grande utilidade prática,
como potentes recursos para descrever e interpretar o mundo à nossa volta.

Basta abrir um jornal ou um livro didático de Geografia ou Ciências para


constatar como é frequente o uso dessas formas de apresentação e organização
de dados e, portanto, como é importante para os jovens e adultos poder
compreendê-las.

ESTUDOS DA SOCIEDADE E DA NATUREZA


O processo de iniciação dos jovens e adultos trabalhadores no mundo da
leitura e da escrita deve contribuir para o aprimoramento de sua formação como
cidadãos, como sujeitos de sua própria história e da história de seu tempo.
Coerente com este objetivo, a área de Estudos da Sociedade e da Natureza
busca desenvolver valores, conhecimentos e habilidades que ajudem os
educandos a compreender criticamente a realidade em que vivem e nela inserir-
se de forma mais consciente e participativa.

A complexidade da vida moderna e o exercício da cidadania plena


impõem o domínio de certos conhecimentos sobre o mundo a que jovens e
adultos devem ter acesso desde a primeira etapa do ensino fundamental. Esses
conhecimentos deverão favorecer uma maior integração dos educandos em seu
ambiente social e natural, possibilitando a melhoria de sua qualidade de vida.

Os caminhos para atingir esses objetivos são vários, assim como vários
são os fenômenos sociais e naturais que podem ser estudados. Nessa proposta,
tratamos de organizar blocos de conteúdos de modo a auxiliar os educadores na
seleção, organização e integração de temas a serem abordados.

80
A ordem em que esses blocos temáticos são apresentados não é
necessariamente a que deve ser seguida no desenvolvimento da atividade
didática, uma vez que eles não estão hierarquizados por grau de importância ou
de complexidade. Caberá aos educadores, na elaboração de seu plano de
ensino, selecionar, recombinar e sequenciar conteúdos e objetivos de acordo
com as características de seu projeto pedagógico.

O Educando e o Lugar de Vivência

São conteúdos que podem ter uma aplicação imediata, especialmente no


desenvolvimento de atitudes favoráveis ao convívio no centro educativo, na
comunidade e no ambiente natural. Esses conteúdos podem constituir pontos de
partida para abordagens mais gerais sobre a sociedade e a natureza, assim
como para o desenvolvimento de algumas ferramentas cognitivas básicas como
as noções de espaço e tempo, a capacidade de observar, comparar, classificar,
relacionar, elaborar hipóteses etc. Igualmente, é válido abordar os conteúdos
desse bloco como pontos de chegada; por exemplo, depois de tematizar a
organização política do Estado brasileiro, refletir sobre a organização política da
escola ou sobre a política do bairro.

O Corpo Humano e Suas Necessidades

Neste eixo, articulam-se conteúdos relativos ao conhecimento dos


educandos sobre o próprio corpo, seu esquema e aspecto externo, formas de
relacionamento com o meio exterior, mecanismos de preservação do indivíduo
e da espécie. Destacam-se aspectos relativos à nutrição, reprodução e
preservação da saúde, visando fomentar atitudes positivas com relação à
manutenção da qualidade de vida individual e coletiva.

Propõe-se, ainda, que se abordem as necessidades das diferentes fases


do desenvolvimento, especialmente da infância, no sentido de promover uma
educação voltada à paternidade e maternidade responsáveis. O conceito de
cultura é um dos principais elementos explicativos da condição humana, da

81
condição de um ser que é capaz de pensar, acumular conhecimentos e transmiti-
los às novas gerações.

Por esse motivo, esse conceito deverá emergir constantemente no trato


dos conteúdos desta área. Para desenvolver o sentido crítico dos alunos em
relação aos conhecimentos, é fundamental que eles reconheçam que, enquanto
produtos culturais, os conhecimentos são dinâmicos, transformam e diferenciam-
se no tempo e de um grupo social para outro.

Cultura e Diversidade Cultural

Nessa perspectiva, julgou-se pertinente ordenar um conjunto de


conteúdos e objetivos orientados especificamente para um enfoque pluralista de
aspectos da cultura brasileira. Os temas reunidos neste bloco, Cultura e
diversidade cultural, também são fundamentais para o aprendizado de atitudes
de não discriminação e tolerância, respeito à pluralidade cultural e étnica, às
diferenças de credo, gênero e geração. Essas atitudes são essenciais para o
convívio democrático numa sociedade diversificada como a brasileira.

Os Seres Humanos e o Meio Ambiente

Neste eixo, articulam-se conteúdos que extrapolam as vivências


imediatas dos educandos e dão lugar à introdução da linguagem cartográfica
(estudo de mapas) e sistemas conceituais das ciências naturais e sociais.
Destacam-se aspectos relevantes sobre as relações que se estabelecem entre
os seres vivos, em particular os seres humanos e o ambiente físico.

Questões relativas à degradação ambiental são relacionadas à atividade


produtiva e contextualizadas nos espaços urbanos e rurais. Como suporte à
estruturação das noções de tempo e espaço, inclui-se nesse bloco, em caráter
introdutório, o estudo da Terra como corpo celeste em movimento, ao qual estão
associados fenômenos como o dia e a noite, as estações e as marés.

As Atividades Produtivas e As Relações Sociais

82
Enfatizam-se relações que os seres humanos estabelecem entre si para
a produção de sua existência, além da nova qualidade que o trabalho humano
adquire mediante o desenvolvimento tecnológico. São introduzidas então
periodizações históricas relativas à História do Brasil, ampliando-se as possíveis
conexões entre as atividades produtivas e outras dimensões da cultura.

Cidadania e Participação

Aqui, o foco é a dimensão política da vida humana, visando-se aprimorar


a consciência cidadã dos educandos. Aí estão implicados a adesão a valores
democráticos e o conhecimento da organização social e política do país, dos
direitos políticos, sociais e trabalhistas que a posição de cidadãos lhes confere,
dos espaços e formas de organização e participação na sociedade.

UNIDADE IV

ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:

O PROCESSO DE AVALIAÇÃO

Aprender exige tempo, paciência e participação em situações reais de


interlocução, você concorda comigo? O aluno aprende a ler e a escrever
interagindo com pessoas e com “objetos” escritos. Desse modo, quanto maior
for sua familiaridade com a língua escrita (jornais, livros, poemas etc.) e sua
reflexão sobre os modos e usos da linguagem escrita, maior será a probabilidade
de que rapidamente compreenda o funcionamento deste complexo sistema de
representação que é a escrita.

Nessa unidade, buscamos, primeiramente, compreender os significados


da alfabetização para aqueles que a buscam na fase jovem ou adulta de suas
vidas. Em seguida, refletimos sobre o ensino e a aprendizagem na EJA. Após,
apresentamos a importância da avaliação nesta modalidade de ensino.

83
OS SIGNIFICADOS DA ALFABETIZAÇÃO
Para iniciar o trabalho com essa unidade, gostaria de fazer a você
algumas perguntas: Quais fatores levam jovens e adultos a iniciarem ou
reiniciarem seus estudos?

Muitos são os fatores que contribuem com essa busca pela


escolarização, entre elas, tomar um ônibus, escrever cartas, ler a Bíblia etc. é o
desejo de muitos jovens e adultos não escolarizados.

Normalmente, o analfabetismo é visto por eles como uma mancha, que


os impede de progredir social ou economicamente e, por isso, sentem-se
culpados. Garcia (2005) realizou uma pesquisa em que mostra os diferentes
significados da alfabetização para jovens e adultos. A partir de relatos de alunos,
a pesquisadora categorizou esses significados em:

• Alfabetização como busca de emprego.

• Alfabetização como valorização da imagem social.

• Alfabetização como prazer em aprender.

• Alfabetização como exercício da cidadania.

• Alfabetização como uso da norma-padrão da língua.

Alfabetização Como Busca de Emprego

Na realidade social em que vivemos no Brasil, com os altos índices de


desemprego, é necessário que as oportunidades de emprego se definam em
função da escolarização, como observamos no relato de um dos sujeitos da
pesquisa de Garcia:

[...] pra trabalhar na Comlurb, para colher lixo na rua tem que ter o 2º.
grau ou senão a 4ª. série, 5ª. série... E qualquer servicinho que vai fazer hoje
tem que ter a 5ª. série, né!? [...] Eu não consegui trabalhar em prédio porque eu
não sei assim anotar recado, essas coisas de portaria, né? Aí tem que encarar
esse serviço [...] É muito difícil hoje em dia, pra viver sem estudo tá difícil.
(PAULO, 46 anos, gari) (GARCIA, 2005, p. 5).

84
Para atender a essas expectativas, conforme Soares (2002, p. 73, apud
GARCIA, 2005, p.6),

A escola precisa estar comprometida com a luta contra as desigualdades


para assim garantir a aquisição dos conhecimentos e habilidades que possam
instrumentalizar as classes populares para que elas participem no processo de
transformação social, ou seja, uma escola transformadora, que dê aos alunos
condições de reivindicação social.

Alfabetização Como Valorização da Imagem Social

De acordo com Garcia (2005), alguns dos alunos entrevistados


demonstram o que os motiva a estudar é o desejo de serem reconhecidos pelos
outros:

Trabalhei de 1985 até o ano 2000 no grupo Gerdau, saí aposentado.


Descansei um pouco, achei que era tempo de voltar ao colégio para tentar
cumprir um sonho que sempre, quando iniciei, eu iniciei com esse sonho...
Forçar, ver se consigo chegar a eletro-técnico [...] Se a senhora me der um
esquadro, eu esquadreio um prédio desse, mas não posso assinar um projeto.
Eu sei com qual material começa e como termina. Mas como vou assumir se não
tenho a base para assinar um papel? Não posso. (...).(DALTO, 51 anos,
aposentado) (GARCIA, 2005, p. 6).

Alfabetização Como Prazer em Aprender

Segundo a autora, outros alunos querem mostrar para si mesmos que são
capazes de aprender, como observamos no seguinte relato:

Eu hoje estou aposentado [...] mas é muito importante a gente aprender


cada vez mais. Enquanto estou vivo, vou aprendendo cada vez mais porque abre
espaço para novos relacionamentos [...] Cada vez eu me aprofundo mais. O meu
grupo aí é o terceiro. Eles acham que eu sou muito sabido, mas não sou. Eu
procuro me aprofundar e vou embora. Enquanto estiver vivo vou, entendeu? [...]
Eu já com essa idade... os mais jovens então, esses adolescentes então têm que
se aprofundar [...]. (ANTÔNIO, 70 anos, aposentado) (GARCIA, 2005, pp. 6-7).

85
Antônio sente prazer em aprender, enfatizando o quanto é importante
para ele aprender e que os demais alunos sempre se referem a ele como aquele
que sabe mais. Assim, a autora aponta para o fato de o saber comportar também
uma dimensão de identidade. Para Garcia (2005), Antônio está se construindo
enquanto sujeito nesse processo de aprendizagem.

Alfabetização Como Exercício da Cidadania

Para a pesquisadora, muitos voltam a estudar para ter uma participação


social mais ativa, pois não quer depender dos outros para as situações do dia a
dia:

Eu quero falar que estou muito satisfeito com o estudo. Eu quero


continuar porque é muita dificuldade a gente ler o nome de uma rua, uma vista
de um ônibus, entendeu? Porque por muitas das vezes eu passei dificuldade de
chegar numa loja, comprar assim um rádio, umas coisas assim, uma roupa, que
pedia pra assinar o nome, coisa e tal que eu não sabia e agora graças a Deus
que hoje em dia eu sei fazer esse tipo de coisa, sei ler, sei escrever, não é tanto,
um pouco [...] (SIMÃO, 32 anos, lancheiro) (GARCIA, 2005, p. 7).

Alfabetização Como Uso da Norma-padrão da Língua

Conforme Garcia (2005), muitas pessoas sentem-se inibidas pelo fato de


utilizarem uma variedade linguística diferente, como observamos no relato da
aluna Neida:

Você vai numa festa cheia de gente falando bem e você fica lá, sentado.
Aí perguntam: -“Por que você não fala”? – Ah, eu não quero falar não. -“Ah, mas
por que não quer falar não”? Mas só você sabe por que você está com vergonha
de falar, né? Então você estudando, não, você vai aprendendo, vai
desenvolvendo, vai falando um monte de coisa. (NEIDA, 34 anos, doméstica)
(GARCIA, 2005, p. 8).

Dessa forma, é preciso levar em conta a diversidade linguística com que


os alunos chegam à escola e colocá-los em contato com outras variedades,

86
inclusive a padrão, mostrando-lhes que, dependendo da situação comunicativa,
eles poderão se dispor de uma ou de outra variedade.

Assim, não podemos aceitar o preconceito linguístico, que, segundo Britto


(2003, p. 39, apud GARCIA, 2005, p.9), não tem sido combatido: “Quando se
ridiculariza em público uma pessoa por seu jeito de falar, o agente do preconceito
é avaliado positivamente, como se fosse culto, inteligente, enquanto o agredido
é avaliado negativamente, como se fosse ignorante, estúpido”.

Alfabetização Como Busca de Mais Convivência Social

Como nos mostra a pesquisa de Garcia, há aqueles que retornaram aos


estudos para preencher o tempo, suprindo um vazio, o que pode ser observado
nos seguintes relatos:

[...] Porque eu já sei ler, escrever, eu já sei tudo, então como eu


fico muito em casa, assim, à noite, então eu achei melhor, em vez de ver
novela, né! Então agora, nessa idade, é que eu resolvi estudar para
aprender mais, mais é conta, o resto das coisas eu sei, entendeu? [...]
todo mundo até pergunta: nem parece que você nem estudou o segundo
ano, porque eu sempre fui muito desembaraçada. (STELA, 53 anos,
manicure) (GARCIA, 2005, pp. 9-10).

Então agora eu sou viúva, fiquei sozinha, só com meu filho. Meu
filho sai pra trabalhar... mas ficar sozinha é muita solidão, aí passei a
voltar pra estudar, pra eu sair dessa, entendeu?(ZILÁ, 52 anos,
passadeira) (GARCIA, 2005, p. 10).

O ENSINO E A APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE


JOVENS E ADULTOS
O conhecimento resulta de uma motivação dos seres humanos para
explicar o mundo e a si mesmos, bem como uma forma para responder aos
desafios que o ambiente lhes propõe. Desde que nascemos, temos por
característica universal o desejo de conhecer, de explicar o que é percebido. Foi
esse desejo que impulsionou, e continua a impulsionar, as grandes descobertas

87
da humanidade, as belas produções artísticas, literárias e os avanços da ciência
e da tecnologia.

Antes mesmo de ter acesso a conhecimentos considerados oficiais ou


formais, cada um de nós cria, pela própria experiência concreta, explicações
para os fenômenos naturais, sociais e culturais. Nossas teorias particulares são,
inclusive, a porta de acesso a outros novos conhecimentos. Sendo assim, cada
aluno é um sujeito repleto de saberes. Saberes particulares, diversos, nascidos
da interação com o meio físico, familiar, da experiência com o trabalho, do fazer
e dos papéis sociais que cada um de nós desempenha em cada fase da vida.

Visto dessa forma, entendemos o conhecimento como resultado de uma


interação entre o sujeito e o meio externo: aprendemos com as pessoas com as
quais convivemos, com o que fazemos e com o que acontece ao nosso redor.
Trata-se de um constante ir e vir da informação externa com os conhecimentos
de que já dispomos.

O(a) aluno(a) jovem e adulto chega à sala de aula repleto de teorias,


explicações e hipóteses. Sua família, a comunidade onde vive, seu trabalho e
sua religiosidade permitiram-lhe construir um sem-número de saberes. Cabe
ao(à) professor(a) descobrir qual é esse corpo de conhecimentos, feito de pura
experiência e percepção para, a partir dele, convidar seus alunos a acederem
outras formas de pensar, explicar, fazer e agir.

Essa visão de conhecimento pressupõe, então, um aprendiz ativo e


pensante, capaz de elaborar conhecimentos. Transformar a sala de aula da EJA
num espaço de reflexão, de pensamento, nem sempre é uma tarefa fácil. Numa
sociedade tão hierarquizada como a brasileira, nossos alunos e alunas,
geralmente, desenvolvem as ocupações mais subalternas, nas quais o que mais
se tem a fazer é obedecer a uma série de chefes, patrões, gerentes. Treinados
a seguir orientações, não é de estranhar que ao chegarem à escola desejem
encontrar atividades em que predominem a cópia, a repetição do que disse o(a)
professor(a) e outras situações do mesmo tipo. Pensar e tomar decisões é bem
diferente e dá muito trabalho, principalmente para quem tem pouco exercício
dessa prática. Entretanto, como queremos formar cidadãos críticos e atuantes,

88
não podemos esquecer que, provavelmente, a EJA é o único espaço na vida
desses alunos onde a prática de pensar de forma organizada tem lugar. É uma
imensa responsabilidade alcançar este objetivo! A entrada, muitas vezes
precoce, no mundo do trabalho e a experiência social fizeram com que esses
alunos acumulassem uma bagagem rica e diversa de conhecimentos e formas
de atuar no mundo em que vivem.

A escola representa para eles um espaço ao mesmo tempo de


recolocação social, de sociabilidade, de formalização do saber e de
desenvolvimento pessoal. Nesse sentido, os alunos jovens e adultos diferem, em
muitos aspectos, das crianças, e isto deve ser sempre considerado. Esses
alunos precisam ver na escola um espaço que atenda suas necessidades como
pessoas, cidadãos e aprendizes em potencial. De sua parte, vão para a sala de
aula ávidos por aprender.

É preciso repensar horários de entrada e saída, os tipos de tarefas


extraescolares, as exigências em torno da frequência, as propostas feitas que
não conseguem manter os alunos motivados e atuantes, de tal modo que estar
na escola a despeito do cansaço, do adiamento de outros compromissos e da
ausência na família seja realmente importante e indispensável. Defendemos,
nesse sentido, uma escola voltada, de fato, para seus alunos, no conteúdo e na
forma em que se propõe a ensinar.

Devemos trabalhar para que, além de tornarem-se companheiros nessa


busca pelo saber, os alunos de um mesmo grupo tornem-se parceiros, reais
colaboradores comprometidos a chegar juntos ao seu objetivo. Um grupo se
constrói pela constância do diálogo, pela produção em equipe, pela expressão
individual, garantindo o direito à voz.

Na sala de aula, o(a) professor(a) é aquele(a) que provoca e facilita esse


diálogo, essa produção e essa expressão individual. Ele(a) auxilia na resolução
dos conflitos, favorece as trocas e as ajudas mútuas. Nas classes de EJA, a
homogeneidade quanto à origem muitas vezes facilita a aproximação das
pessoas e a construção de elos entre elas. E dessa homogeneidade podem
nascer os temas de estudo que vão unir e integrar o grupo. Por outro lado, a

89
diferença de idade dos alunos e a diversidade de crenças, de valores e gênero
podem constituir, inicialmente, obstáculos à formação do grupo.

É muito comum que os mais velhos critiquem os mais jovens e que estes
se recusem a trabalhar com aqueles. É comum, também, que pela crença
religiosa alguns alunos não aceitem realizar determinadas propostas, como
assistir a um filme, aprender matemática por meio de jogos, e que essa postura
desencadeie conflitos entre estes e outros alunos. Acontece, ainda, de as
mulheres não gostarem de formar grupo com homens, temendo o ciúme de seus
companheiros.

Essas resistências dos alunos constituem muitas vezes obstáculos à vida


em grupo e à aprendizagem, mas à medida que todos vão se conhecendo
melhor, a situação vai se modificando e o sentimento de grupo vai nascendo e
se fortalecendo. Entretanto, para que a sala de aula se torne um espaço
verdadeiro de trocas e aprendizagens, é fundamental a forma de agir do(a)
professor(a).

É ele(a) que ajuda a quebrar as barreiras dos preconceitos e cria


situações de estreitamento de amizade entre todos. É aquele(a) que propõe
situações que aproximam, diminuem a distância entre as idades, as crenças, os
valores. É experimentando participar de um grupo que os alunos descobrem que
juntos sempre é possível aprender melhor. O(a) professor(a) desempenha
também um papel importante quando evidencia a potencialidade do grupo ao
mesmo tempo em que garante a expressão individual.

Para alcançarmos estes objetivos é importante repensarmos a


organização das carteiras em sala de aula, propor rodas de conversas, organizar
mapas do grupo, promover encontros culturais. Hoje sabemos que cada pessoa
dispõe de algumas portas de acesso à aprendizagem: os temas, a forma de
trabalhar e as atividades ora interessam e facilitam a aprendizagem de algumas
pessoas, ora de outras. É comum, em um grupo, existirem alunos com facilidade
especial para escrever e que, diante de uma proposta matemática, apresentam
grandes dificuldades.

Há aqueles que se saem melhor em situações que requerem uso da


lógica; há outros que circulam com sucesso por atividades mais convencionais,

90
como realizar operações matemáticas. Daí a importância das atividades
propostas, num mesmo dia ou ao longo de uma semana, serem diversificadas.
Se propusermos seguidamente o mesmo tipo de situação didática, corremos o
risco de favorecer apenas uma parte de nossos alunos. Além disso, a
diversidade permite que os alunos acompanhem um mesmo conteúdo sob
diferentes olhares, por diferentes caminhos, o que permite a eles ter uma visão
mais global sobre o que estão aprendendo.

Por fim, é preciso considerar que os alunos da EJA chegam à escola,


todos os dias, depois de uma jornada de trabalho e que a diversidade pode
contribuir para o dinamismo da aula, para o despertar do interesse, da atenção
e do envolvimento. É bom lembrar que diversificar as atividades, na rotina da
sala de aula, não significa ter a responsabilidade de criar uma novidade a cada
aula, a cada dia. Falamos de uma diversidade de caminhos, tempos, lugares e
de olhar; pensamos numa aula onde a lógica didática mais tradicional dê lugar à
experiência inteira do aprender: ver, agir, pensar, fazer, experimentar, com todos
os sentidos acionados.

A AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


De uma maneira bem objetiva, o(a) professor(a) observa tudo que
considera importante para iluminar a sua prática, tudo que chama sua atenção,
que faz pensar e querer saber mais.

Uma pergunta feita a um grupo de professores da EJA sobre o que


costumam “ver” nos seus alunos, teve variadas respostas. As mais frequentes
foram: A observação que está sendo alvo da nossa atenção vai além desse ver
espontâneo: quer saber mais para interferir melhor. No fundo, todo(a)
professor(a) observa seus alunos de alguma forma. Entretanto, na maioria das
vezes, são observações espontâneas que quase nada mudam na prática que
fazem.

- ser muito quieto;

- ser bom aluno;

- não querer se esforçar;

91
- ter boa aparência;

- ser muito educado;

- o interesse;

- o desinteresse;

- o hábito de fazer muitas perguntas;

- o hábito de nunca perguntar;

- o fato de ser barulhento.

De uma maneira bem objetiva, o(a) professor(a) observa tudo que


considera importante para iluminar a sua prática, tudo que chama sua atenção,
que faz pensar e querer saber mais.

Como ferramenta básica do seu fazer, a observação está presente nas


diferentes atividades de um(a) professor(a): na busca de compreender cada vez
melhor seus alunos.

Neste sentido, a observação busca saber como trabalham na sala de


aula, quais seus interesses, suas dificuldades e facilidades, sua forma de
relacionar com os colegas, com o(a) professor(a) e suas características
pessoais: timidez, tranquilidade, agitação, concentração, habilidades, sua forma
de pensar.

Na avaliação do que sabem os alunos

A observação contribui para a análise das hipóteses que quer provar, no


que parece incompreensível, no que é só intuição.

No acompanhamento do planejamento

Ao acompanhar o desenvolvimento das ações planejadas, o(a)


professor(a) avalia sua própria ação, notando os aspectos onde planejou de
acordo com a realidade de sua classe e nos momentos onde se afastou dela.

No registro do(a) professor(a)

92
A observação cumpre um papel relevante ao contribuir para a percepção
da realidade - objeto do registro do(a) professor(a). Ela faz notar o que não
aparece com evidência e que exige saber ver, ouvir e interpretar. É possível
concluir que a observação é elemento importante nos atos de registrar, avaliar e
planejar, instrumentos metodológicos de todo(a) professor(a). Como instrumento
de formação do(a) professor(a), a capacidade de observação ocupa um lugar-
chave na possibilidade de aperfeiçoamento da prática pedagógica. É sua
principal fonte de informação.

É mediante um diagnóstico constante das atuações de seus alunos, a


partir das informações que tem, do que infere ou interpreta, que o(a) professor(a)
pode alcançar uma melhoria em sua prática educativa. Embora saber observar
seja uma necessidade verdadeira, ela não é tudo. Além de observar é
importante:

- saber o que fazer com o que se observa;

- ampliar os conhecimentos em relação ao que é observado;

- saber mudar os aspectos negativos de tal forma que não impeçam o


avanço dos alunos.

Para isso, é preciso saber o que falta ao(à) aluno(a) e qual é a melhor
forma de intervir adequadamente. Só é possível aprender a observar,
observando. Não há outro caminho. O mesmo acontece com todas as outras
práticas. Mas além do exercício de observar, o(a) professor(a) aprende quando
comenta suas observações com outros professores. O mesmo acontece quando,
na sua escola, existe um coordenador com o qual pode dialogar em torno da sua
forma de observar. No olhar de um(a) professor(a), se destacam três pontos de
observação:

- O da sua atuação como guia dos alunos na busca do conhecimento.

Questões relativas ao que o(a) aluno(a) percebeu que aprendeu; o que


lhe foi mais significativo; em que aspecto quer aprofundar o estudo, como foi sua
participação no grupo.

- O da dinâmica onde ele(ela) percebe as relações estabelecidas entre os


elementos do grupo e entre o grupo e o seu objeto de estudo.

93
Entre esses elementos destacam-se a tensão em torno do erro, o prazer
de conhecer e de ajudar o outro.

- O do aprendizado individual e/ou coletivo, onde seu olhar vai procurar o


que foi mais significativo aprender para os alunos e para ele(ela).

Nesse ponto, pode ser objeto de observação do(a) educador(a) a forma


como trabalhou, como respeitou os diferentes ritmos dos alunos e como
socializou suas descobertas com os outros professores e professoras.

Observar os três pontos, ao mesmo tempo, cria uma complexidade que


acaba interferindo no próprio ato de observar, principalmente, quando se está no
começo dessa prática. Assim, é preferível escolher um dos aspectos para
observar.

Para um bom exercício de observar, vale a pena:

- Ter um caderno com algumas páginas dedicadas a cada um dos alunos.


Nele serão anotados os fatos significativos que caracterizam a forma de
aprender, de conviver de cada um, com as datas das observações.

- Dar atenção às perguntas feitas pelos alunos. Elas sempre têm um


sentido para quem pergunta.

- Em algumas situações, onde o fazer pode dizer mais que o falar ou


escrever, é interessante se valer de outras linguagens para apresentar questões
significativas para o grupo. O desenho, as dramatizações, os painéis são bons
exemplos destas linguagens.

O Registro

Uma das formas que temos para ir sempre aprendendo mais e melhor é
pensar. Mas, o pensar que ajuda a aprender não é um pensar qualquer, solto
sem uma direção e sem compromisso. É um pensar organizado, um pensar que
pergunta e vai atrás das respostas.

94
Dizia o grande educador brasileiro, Paulo Freire, que a gente pensa
melhor quando pensa a partir do que faz, da prática. Mas pensar sobre a prática
sem registrá-la tem muitas limitações.

O pensamento acaba se tornando mais uma lembrança, e por ficar só na


oralidade, perde a possibilidade de ser repensado e revisto. O registro escrito
mostra o pensamento de seu autor. O próprio ato de escrever já leva o(a)
professor(a) a um certo distanciamento do seu fazer, dando-lhe um olhar mais
amplo e facilitando a escrita do seu pensamento.

Além disso, como toda escrita, o texto pode ser revisto, ter algumas das
suas ideias aprofundadas e outras corrigidas. Tudo isso faz com que o(a)
professor(a), ao registrar suas reflexões, vá se tornando autor(a) do que pensa
e, em consequência, autor(a) do seu jeito de fazer. Quando isso não ocorre,
ele(a) está destinado(a) a ser um(a) copista da teoria dos outros. E, pior: se a
teoria dos outros não for refletida, os copistas não alcançarão os sucessos
obtidos pelos seus autores.

É importante dizer que as teorias dos outros são de grande validade para
o(a) professor(a) quando estabelece um diálogo entre seu pensamento e o dos
outros teóricos. Diálogo que, certamente, será muito produtivo no avanço do
pensar do(a) professor(a) e, consequentemente, no seu jeito de atuar. É próprio
dos seres humanos registrarem o que vivem, o que pensam e a realidade onde
se encontram.

Escritos ou não, todos os registros falam das experiências humanas e por


meio deles é possível reconstruir a própria história da humanidade. Os registros
expressam como seus autores observam, sentem e pensam sua participação no
mundo. Quando temos contato com esses registros, nosso modo de olhar e de
sentir “conversa” com o do autor e com os dos outros leitores compondo uma
memória que deixa de ser só de quem fez o registro, para se tornar coletiva. O
registro escrito guarda partes do nosso tempo que consideramos dignas de
permanecerem vivas.

Afinal, é graças ao registro escrito que hoje podemos conhecer a história


da humanidade. Para o(a) professor(a), o registro da sua prática constitui
importante instrumento de aperfeiçoamento do seu trabalho. Isso acontece

95
porque ao registrar, representa sua experiência por meio de um objeto concreto,
feito de palavras, que podem ser lidas, revisadas e analisadas. Trabalhando com
essa representação, ele(a) é estimulado(a) a repensar a prática ali representada.

Poderá descobrir atitudes que deveriam ter sido tomadas, destacar as


alternativas adequadas que foram utilizadas e todo um conjunto de
procedimentos que levariam a melhores resultados. Além disso, o registro da
prática do(a) professor(a) quando comunicado a outros educadores sugere
novas práticas pedagógicas.

Mesmo sabendo da importância do registro, poucas vezes o realizamos.


Isso tem seus motivos: a cultura brasileira é essencialmente oral, falamos muito
mais que escrevemos e confiamos a nossa memória a capacidade das nossas
cabeças de armazenar o que aprendemos e vivemos.

O exercício da escrita, como registro das observações feitas pelos


professores, além de documento que pode ser consultado, possibilita também
ampliar o domínio da linguagem escrita e dinamizar o potencial de criatividade
próprio de cada um. As prováveis dificuldades iniciais quanto ao que e como
escrever, falta de inspiração e descoberta dos momentos mais adequados para
começar serão minimizadas no decorrer do processo, a medida que seja criado
maior envolvimento com o ato de registrar.

As Diferentes Formas de Registrar

Imaginemos que estamos iniciando um encontro de professores de jovens


e adultos. Nos primeiros momentos, entre abraços e conversas informais,
alguém retira de sua pasta várias fotos onde aparece seu grupo de alunos, numa
apresentação de trabalhos. Outra professora mostra uma atividade que preparou
e que deu muito certo naquela semana.

Noutra rodinha, podemos ouvir uma conversa animada sobre o


envolvimento dos alunos numa produção de cartazes que são mostrados com
muito orgulho. Estes são alguns exemplos de situações nas quais os professores
estão, informalmente, socializando experiências que foram registradas de

96
diferentes maneiras: uma foto, uma produção de aluno, um relato oral, uma
atividade que deu certo.

Ao fazer isso, eles exercitam sua comunicação e assim refletem,


rememoram e partilham o seu fazer. O registro permite uma diversidade de
funções e está a serviço de diferentes propósitos: comunicar, documentar,
refletir, organizar, rever, aprofundar e historicizar. A forma e o conteúdo do
registro também podem e devem variar, tanto quanto variam suas finalidades. O
registro escrito torna visível estes diferentes objetivos. Além disso, o ato de
escrever nos obriga a fazer perguntas, levantar possíveis respostas e organizar
o que pensamos. Tudo isso nos leva a dar conta de que caminhos devemos
seguir, que mudanças devemos fazer, que escolhas não foram felizes e que
decisões facilitaram as aprendizagens dos alunos.

Avaliação Como um Instrumento

A avaliação, tal como a vemos, é um valioso instrumento do(a)


professor(a) e acompanha todo o processo de ensino/aprendizagem.
Diferentemente da avaliação tradicional, que é realizada geralmente no final do
ano letivo, falamos de uma avaliação que se faz presente durante toda a duração
do processo educativo.

No início, ela serve para dar aos professores os elementos fundamentais


para a realização do seu planejamento. Para isso informa: quem são os alunos,
que conhecimentos trazem, quais suas curiosidades frente ao saber, seus
desejos etc. Durante o trabalho de sala de aula, ela oferece os dados para que
o(a) professor(a) possa agir como um(a) orientador(a) sempre atento(a) para que
todos consigam chegar, com ele(a) até a meta esperada.

Para isso 'puxa pela mão' os que ficam atrasados, diminui os passos para
ter certeza que o grupo está conseguindo acompanhá-lo(a), imagina formas para
diminuir as dificuldades encontradas, levando todos a se envolver e se ajudar.
Para desenvolver esse papel, o(a) professor(a) precisa da avaliação para estar
atento(a) ao que acontece com seus alunos. Estamos chamando de avaliação
inicial aquela que se dá no começo do trabalho escolar, quando começamos a

97
saber quem são as alunas e alunos, os colegas professores e a realidade que
envolve a todos nós.

Na EJA, muitas vezes, a avaliação tem seu começo na formação das


turmas. Todos os anos chegam à escola alunos e alunas em diferentes níveis de
escolaridade. Nem sempre é fácil definir qual a série ou etapa mais adequada
para cada um deles. Tem gente que traz no histórico escolar uma escolaridade
que o passar do tempo em grande parte já apagou da memória de quem traz o
documento. Muitos são pessimistas, acreditam não saber quase nada, quando
isso não corresponde à verdade. Outros não foram à escola, mas tiveram algum
parente ou amigo que desempenhou junto a eles, o papel de professor.

E tantas outras situações. Para resolver essas questões, as escolas


buscam diferentes saídas que envolvem algum tipo de avaliação:

- a realização de testes para conhecer o nível de escolaridade;

- entrevistas com os interessados com o objetivo de avaliar os


conhecimentos considerados básicos, como: ler, escrever e contar;

- e outras formas mais, sem contar quando a única possibilidade é formar


uma única classe com todos os candidatos.

A avaliação faz parte da ação do(a) professor(a) desde o seu primeiro


contato com os alunos. Os primeiros dias de aula são de grande importância
para “quebrar” as possíveis resistências e começar a construção de uma relação
de confiança. São, também, momentos propícios para, por exemplo, conhecer o
grupo quanto às experiências escolares já vividas; as profissões que,
atualmente, desempenham ou a forma como ganham a vida; as cidades de
origem; os grupos familiares, as expectativas em relação ao futuro etc.

Nessas conversas, vão sendo percebidos os “jeitos” de cada um - quem


é muito falante, quem é mais tímido, quem está sempre risonho, quem desponta
logo como uma liderança enfim, as características de cada um dos alunos. A
percepção dessas características levou Elena, uma professora que começava a
trabalhar com jovens e adultos, a pôr no papel suas descobertas e encantamento
em relação aos seus novos alunos.

98
UNIDADE V

INTERDISCIPLINARIDADE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


Nos dias de hoje, a unidade e a totalidade do universo exigem o repensar
dos saberes fragmentados, em busca de trabalhos que envolvam a
interdisciplinaridade. Ao analisarmos a etimologia do termo, observamos o
prefixo “inter” como “entre” e “disciplina” como “ciência”, daí o ato de troca, de
reciprocidade entre as áreas do conhecimento.

Especialmente na educação de jovens e adultos, percebemos que o


aluno, enquanto trabalhador inserido no mercado de trabalho, e nas questões da
cidadania, necessita também, na sua formação, de estar imerso num processo
de ensino-aprendizagem nessa perspectiva.

Por isso, nessa unidade, tecemos uma reflexão teórico-prática sobre o


projeto interdisciplinar e suas contribuições para a educação de jovens e adultos.

O PROJETO INTERDISCIPLINAR
A necessidade de romper com a tendência fragmentadora e
desarticulada do processo do conhecimento, justifica-se pela compreensão da
importância da interação e transformação recíprocas entre as diferentes áreas
do saber.

Dessa forma, o projeto interdisciplinar, conforme Borges e Corrêa (2005),


contribui para reverter as perdas causadas pela fragmentação do conhecimento
na modernidade, havendo, na interdisciplinaridade, um novo tipo de saber, o qual
compreenderia os saberes de duas ou mais disciplinas. O projeto é definido
pelos PCN’s como uma organização didática que “tem um objetivo compartilhado
por todos os envolvidos, que se expressa em um produto final em função do qual
todos trabalham e que terá, necessariamente destinação, divulgação e
circulação social” na escola ou fora dela. (BRASIL, 1998, pp.87-88).

A ação pedagógica, por meio da interdisciplinaridade, aponta para a


construção de uma escola participativa e decisiva na formação do sujeito social.
Um projeto interdisciplinar de educação deverá ser marcado por uma visão geral
da educação, num sentido progressista e libertador. Essa prática favorecerá as

99
ações que buscam ampliar a capacidade do aluno em expressar-se por meio de
múltiplas linguagens e novas tecnologias, bem como posicionar-se diante da
informação e interagir de forma crítica e ativa, com o meio físico e social.

Ao pensarmos na EJA, precisamos considerar que os alunos jovens e


adultos necessitam de práticas educativas diferentes daquelas que um dia
tiveram na escola, tendo em vista sua história de vida e suas vivências de
trabalho. Por isso, acreditamos que o trabalho a partir de projetos
interdisciplinares constitui uma estratégia diferenciada e adequada de ensino
para este público de alunos.

No ensino da Língua Portuguesa a partir da perspectiva bakhtiniana dos


gêneros discursivos, por exemplo, o projeto pode envolver a leitura, a análise
linguística e a produção textual, não necessariamente todas as práticas. Ele
pode ser monotemático (a partir de um tema gerador) ou pluritemático (vários
temas), monogenérico (envolve a apropriação de um gênero específico) ou,
ainda, ser desenvolvido em função de uma prática linguística específica.

Vários são os exemplos de projetos a partir dos gêneros discursivos, os


quais também podem envolver outras disciplinas: a organização de uma
coletânea de poemas; a elaboração de um jornal mural; a implantação de uma
campanha de publicidade comunitária; a elaboração de um álbum legendado
com fotos antigas e modernas da cidade ou do bairro etc.

De acordo com Borges e Corrêa (2005, p. 32):

Quando se fala em educação de adultos, devemos também falar das


relações de trabalho e das relações de produção. Devemos levar em conta os
saberes que o aluno vem acumulando ao longo de sua vida, e que formam a sua
visão de mundo, para, a partir dela, podermos construir juntos um caminho que
leve à subjetividade e desenvolva o pensamento crítico acerca das relações
cotidianas do aluno e do universo em que está inserido.

No Brasil, normalmente encontramos projetos de alfabetização com um


tempo de trabalho limitado, podendo durar apenas alguns meses. Em
consequência disso, segundo as autoras, temos “como resultado a alfabetização
funcional, utilitária ou mecânica, desprovida de caráter significativo e crítico”
(BORGES; CORRÊA, 2005, p. 33).

100
A maioria dos alunos do Programa de Ensino Fundamental para Jovens
e Adultos Trabalhadores, em que se inserem as autoras, derivam de uma classe
menos privilegiada da sociedade, que não teve a oportunidade de frequentar a
escola regular. Assim, o grupo é bastante heterogêneo, quanto à idade, tempo
de escolarização, profissão, vivências etc.

Por isso, justifica-se a necessidade de se trabalhar com projetos


interdisciplinares, que possam, para Borges e Corrêa (2005, p. 35),
“descompartimentar os saberes, levando, por exemplo, o texto para a aula de
artes e a corporeidade para a aula de português”.

As autoras atentam para o fato de se lidar com a baixa estima e o


sentimento de incapacidade de aprender desse público de alunos, que traz suas
vivências para a sala de aula, as quais precisam ser aproveitadas no processo
de ensino e aprendizagem.

A prática das autoras em programas como o já citado revela que os


alunos da EJA “precisam entrar em contato com conteúdos e atividades que
favoreçam a aquisição de conhecimentos por meio da observação, da análise,
da comparação, da generalização, da reflexão e do pensamento crítico, visando
sempre ao desenvolvimento de ações criativas” (BORGES; CORRÊA, 2005, p.
35).

Ao trabalharem no bloco das linguagens, que reúne as disciplinas de


Artes, Língua Portuguesa e Línguas Estrangeiras, para montar o projeto, as
pesquisadoras repensaram suas atividades a partir dos eixos: oralidade,
corporeidade, produção textual, leitura e ensino da gramática e optaram por
trabalhar com o gênero discursivo teatro.

A partir dessa prática, percebemos a importância do trabalho


interdisciplinar e os resultados dele obtidos. Assim, é preciso buscar formas
alternativas de organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos,
buscando a integração entre as disciplinas e organizando projetos que envolvam
ativamente os alunos, a fim de que possam navegar por diversos campos do
saber.

101
Simões (2005) apresenta um planejamento didático-pedagógico de
trabalho interdisciplinar na educação de jovens e adultos. Sua proposta de leitura
crítica da realidade foi nomeada “Os sons da vila”, que consistiu em investigar o
cotidiano dos alunos em seu local de moradia, com o objetivo de levar esses
alunos a se situarem como agentes (e não espectadores) em sua própria
comunidade.

O autor aponta diversos subtemas propostos para o trabalho com os


alunos, dos quais destacamos:

- O que se escuta na vila à noite, de dia, nos fins de semana? Mais coisas
alegres do que tristes?

- O que se escutam sobre a atuação da polícia na comunidade?

- Quais as músicas que a comunidade prefere? Quais músicas você


prefere?

- Existe uma cultura na vila? O que mais gostas de fazer?

- Como é o linguajar no local onde moram? Ele é errado?

- Como era a comunidade antes de existir o asfalto, a quadra de esportes,


a escola, o galpão de reciclagem?

[...] (SIMÕES, 2005, p. 78).

O projeto envolve várias áreas do saber, como Língua Portuguesa,


Matemática, Estudos Sociais e Ciências.

Para o trabalho com a língua materna, o autor propõe a ressignificação


social das práticas de leitura e escrita, sua variedade de usos e funcionalidades,
a partir de atividades com gêneros como: cartas, contracheques, rótulos,
receitas, jornais, revistas, placas de comércio, letras de músicas etc.

Na Matemática, a proposta de Simões (2005) parte do conhecimento


prévio dos alunos, para propiciar o aprendizado dos conhecimentos lógico-
matemáticos básicos para a vida em sociedade, como o valor do número,
numeração crescente e decrescente, questão dos centavos do real, adição de
parcelas iguais, tabelas, contracheques e outros.

102
Com relação aos estudos sociais, sugere as inter-relações dos
acontecimentos históricos, políticos, culturais, sociais, especificamente aqueles
relacionados ao bairro em que mora. A gama de materiais possíveis, como
maquetes, mapas da comunidade, fotos antigas, listagens dos sons do bairro,
placas de comércio e outros possibilitariam a promoção do resgate da
autoestima em relação ao local de moradia, além da sua localização como um
sujeito histórico dentro desse contexto.

Nas ciências, o arroio, o tipo de solo do bairro, a arborização, o lixo, o


saneamento básico etc. também propiciariam, segundo o autor, o aprendizado a
partir da realidade que esses alunos vivem. O estudo seria viabilizado a partir de
panfletos da prefeitura sobre a coleta seletiva, reportagens sobre a poluição,
dentre outros.

Como observamos, as possibilidades de resgate desses indivíduos são


diversas, a partir de trabalhos interdisciplinares. Por isso, devemos pensar sobre
eles de forma mais complexa, buscando aplicabilidade nas escolas dos
conhecimentos adquiridos dentro e fora dela.

De acordo com Vital Júnior (2006, p. 108), o que não podemos nos
esquecer, ao pensarmos em práticas interdisciplinares junto a jovens e adultos
é:

- O sentido do que ensinamos e o porquê ensinamos;

- O debate em torno do tema, que deve ser permanente. Devemos


‘discursar sobre nossos discursos’ (VEIGA-NETO, p.35), como forma de darmos
clareza a nós próprios daquilo que falamos;

- A necessidade de pensar em cenários mais coletivos, que possam


contemplar uma maior interdependência do quadro disciplinar, de modo a
permitir intercâmbios mais regulares entre as diversas áreas do conhecimento;

- A noção de que o espaço de sala de aula não está desvinculado de


outros cenários que integram o mundo contemporâneo. Logo, articular propostas
curriculares interligadas a demandas cotidianas torna-se essencial para dar
significado àquilo que ensinamos.

103
Assim, conforme o autor, não podemos privar os alunos de se apropriarem
daquilo que temos de melhor a oferecer em práticas educativas, para reafirmar
a complexidade do que se ensina, mediante a novas formas que não fragmentem
o conhecimento e que lhe deem mais sentido diante das demandas do mundo
contemporâneo.

Enfim, parece correto concluir que, tanto quanto a vivência da


compartimentalização incentiva o que é sectário e isolado, ou seja, a base do
individualismo, a comunhão de áreas, de conceitos, de professores pode ser
uma mensagem eloquente sobre os benefícios da composição, articulação de
forças, cooperação, que são a base da postura solidária. Considerando o
tamanho dos problemas econômicos e ambientais que já enfrentamos, é de
grande valia sonhar com um ensino que parte da integração e ensina os alunos
a usufruírem melhor dos conhecimentos recebidos na escola.

104
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