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direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do
Código Penal.

Revisão
Débora Ratton

Capa
Laura Machado

Copydesk
Patrícia Trigo

Diagramação
Mylene Ferreira
1ª edição Livro digital
Selo Segredo Amanda Sampaio
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos
são produto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais fez parte do intuito de ambientar e dar veracidade a história.
Sumário
Dedicatória
Sinopse
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Vinte e quatro
Vinte e cinco
Vinte e seis
Vinte e sete
Vinte e oito
Vinte e nove
Trinta
Trinta e um
Trinta e dois
Trinta e três
Trinta e quatro
Trinta e cinco
Trinta e seis
Trinta e sete
Trinta e oito
Trinta e nove
Quarenta
Quarenta e um
Quarenta e dois
Quarenta e três
Quarenta e quatro
Quarenta e cinco
Dedicatória

Dedico este livro a quem crê veementemente que até no coração mais
gelado pode existir uma faísca de amor.
Sinopse
Damon Lins é o solteiro mais cobiçado de Seattle. Lindo e com uma família abastada, dona
de uma rede de concessionárias de carros de alto padrão, ele atrai para si todos os
holofotes, por conquistar diversos prêmios nos designers que cria para os clientes
exclusivos. Todo esse sucesso só alimenta o perfil arrogante e frio do empresário.
Thayla Walther é uma garçonete que luta para fazer o salário cobrir as despesas básicas
de casa e pagar os remédios de sua mãe. Endividada até o último fio de cabelo, se vê
ainda mais perdida quando uma amiga a leva para uma noitada, que termina em uma
grande confusão, com um prejuízo financeiro que ela não poderia bancar.
Mas o destino deixa claro que não cruzou o caminho desses dois à toa. Disposto a fazer de
tudo para ocupar a cadeira da presidência da empresa familiar, o empresário decide fazer
uma proposta irrecusável para Thayla.
Desesperada e sem encontrar uma saída para seus problemas, a garota aceita o acordo. O
problema agora será cumprir todas as regras estipuladas, principalmente quando Damon é
uma tentação...

Esse livro é parte I de uma duologia.


Um
Hoje não está nem quente nem frio. É um dia comum como
qualquer outro, o famoso chove não molha de Seattle. São 16h54
da tarde e não vejo a hora de sair do trabalho.
Trabalho como garçonete em uma das maiores cafeterias de
Seattle, a Coffee and Sweets, e meu chefe, apesar de ser um gato,
quando está estressado, o que acontece na maior parte do tempo,
se torna muito arrogante.
Nada com que eu não possa lidar, principalmente porque
preciso do dinheiro. Minha mãe tem problemas sérios de saúde,
então cabe a mim bancar a casa e seus remédios.
Como faltam trinta minutos para o expediente acabar, não tenho
como ignorar o chamado de Ana.
— Thayla, cliente na mesa oito.
Caminho até a senhora sentada com seu filho, entrego os
cardápios e espero que eles escolham o que comer. Passo o pedido
para Ana, que leva para a cozinha.
Quando a comida fica pronta, sirvo para o cliente e percebo que
deu minha hora.
Vou até a área exclusiva de funcionários, tiro meu avental e
pego minhas coisas, despedindo-me de todos.
Caminho pela calçada em direção a minha casa, ansiosa pela
inauguração de uma boate a que vou com Katy.
Moro a poucos quarteirões de distância e, normalmente, estou
com a magrela, minha bicicleta, mas por obra do acaso o pneu
furou.
Aproveito a caminhada para observar as pessoas perdidas em
seus mundos tecnológicos. É interessante como elas não se
atentam a sua volta e às belezas que o fim da tarde nos presenteia,
por estarem grudadas em seus celulares. A chuva fina cai sobre
meu casaco forçando-me a andar mais rápido.
Sem demora entro no meu prédio cumprimentando o porteiro.
— Oi, Fred, boa tarde.
— Olá, senhorita Walther! — Acena.
Subo as escadas até meu andar e quando abro a porta o cheiro
de comida se faz presente.
— Oi, mãe, a senhora não deveria estar descansando? —
Cruzo os braços e a encaro.
— Que bom que você chegou! Só queria fazer algo para
comermos. — Revira os olhos, mas sorri em seguida.
— Hoje vou sair com Katy, não sei a que horas chego — aviso.
— Não vai comer? — Seu semblante fica triste.
— Vou sim! — Minha vontade era dizer não, mas seu rosto me
fez mudar de ideia.
— Vá tomar banho enquanto ponho a mesa.
— Certo. — Entro no quarto, e em seguida o telefone toca.
— Oi, Katy — digo ao atender.
— Pronta para rebolar a bunda? — pergunta empolgada.
— Ainda não, acabei de chegar em casa. Vou tomar um banho
e me arrumar.
— Certo, passo aí às oito, se prepare para sair de lá arrastada.
— Não é para tanto, te aguardo, otária. — Desligo sem deixar
que ela me responda.
Vou para o banheiro e tomo um banho demorado, ouço
batidinhas à porta.
— Thay? Morreu aí dentro? A comida já está na mesa — grita
minha mãe de trás da porta.
— Já estou saindo — respondo.
Seco meus cabelos dentro do banheiro mesmo, faço uma
maquiagem leve, deixando para passar o batom depois que terminar
de comer e escovar os dentes. Ponho um tubinho preto de paetê e
um salto da mesma cor. Olho-me no espelho: “dá para o gasto”.
Saio do quarto indo para a cozinha.
— E então, dona Joana, o que temos para comer hoje?
— Nada de mais, fiz macarrão ao molho branco, carne moída e
legumes. — Sento-me à mesa enquanto minha mãe põe minha
comida.
— Está com uma cara ótima — elogio dando uma garfada em
seguida, fazendo cara de aprovação.
Assim que termino, escovo os dentes e passo meu batom
vermelho, voltando para a sala a fim de conversar com minha mãe
até Katy chegar.

— Uau, você está linda. Vai pegar vários na boate — Katy fala
empolgada.
— Larga de palhaçada e vamos. — Reviro os olhos, não sei
aceitar bem elogios.
— Mal-educada — retruca.
Ela liga o carro e vamos para a tal boate. Ao chegarmos à
porta, observo que está muito lotada.
— Katy, não me diga que vamos enfrentar essa fila toda para
entrar? — pergunto vendo a quantidade de pessoas esperando na
fila.
— Relaxa aí, querida, tenho meus contatos. — Pisca para mim.
— Hum, sei.
Ao tentar estacionar o carro, Katy acaba batendo na traseira de
um Jaguar preto, amassando o para-choque. Olho para ela
apavorada, nem se fôssemos traficadas e vendidas juntas,
pagaríamos o conserto.
— Meu Jesus, e agora? — ela fala com as mãos na cabeça, os
olhos parecem que a qualquer momento sairão da órbita.
— E agora? E agora que você bateu no carro dos outros. Um
carro que custa uma fortuna, e dinheiro do conserto nem eu e nem
você temos, LOUCA — berro.
Ela sai da vaga e estaciona em uma mais longe.
— Não vi, não sei. — Ela passa a mão na boca como se
estivesse fechando um zíper e atira a chave imaginária bem longe.
— Caramba, Katherine, você é uma enrascada. Ainda bem que
não sou eu no volante. — Balanço a cabeça negativamente.
Saímos do carro e vamos para a parte dos fundos da boate,
onde dois homens mais parecidos com armários vestidos de terno
estão parados, na porta. Katy vai até lá rebolando e começa a
conversar com eles. Depois de alguns segundos, olha para trás e
me chama sorrindo. É... pelo jeito funcionou!
Passo pelas portas e já posso ouvir o som abafado, as luzes
dançando fazem com que o lugar fique mais receptivo. Entramos no
salão principal e a música nos atinge, Katy se balança ao ritmo da
batida.
— Vamos beber, é por conta do grandão lá fora — grita por
cima da música, me dando uma pulseira de identificação.
— Duas vodcas, por favor — peço ao barman, ao chegarmos
ao balcão.
Observo o movimento e algumas mulheres indo até o chão
desavergonhadamente.
O rapaz nos entrega as bebidas, brindamos e tomamos em um
só gole todo o líquido. Minha garganta queima, sendo impossível
não fazer careta. Olho para Katy sorrindo.
— Dois gins! — ela grita para o homem detrás do balcão.

Depois de alguns gins já estávamos soltinhas, eu diria que bem


bêbadas, mas ainda restava um fio de noção das coisas que eu
estava fazendo.
Não sei se é o álcool na cabeça, mas sinto como se eu
estivesse sendo vigiada. Olho para os lados e não vejo ninguém
prestando atenção especial em mim. Resolvo ignorar a sensação e
puxo Katy para a pista de dança.
Enquanto uma música agitada está tocando, começo a me
sacudir, balançando a cabeça para um lado e para o outro,
enquanto dou pulos frenéticos.
Sinto mãos em minha cintura, me viro e vejo um cara
totalmente desconhecido.
— Oi, linda. — Não penso muito, puxo-o pela gola da camisa e
o beijo.
Isso com toda certeza é o efeito do álcool, outrora nunca faria
isso.
As línguas brincam uma com a outra dentro de nossa boca,
mas faço uma anotação mental de que já tive beijos melhores. Me
desvencilho inventando uma desculpa qualquer para ele, que vai
embora não muito contente. Assim que ele some, volto a dançar.
Existe uma conexão incrível entre meu corpo e a música, então,
quando uma mais sexy começa a tocar, meu corpo instintivamente
acompanha o ritmo. É como se ele não precisasse e nem
respondesse aos meus comandos.
Vejo um homem sentado no bar, bem-vestido, quem vem de
terno e gravata para uma boate?
Seus cabelos muito bem penteados são negros. Ele tem o olhar
intenso sobre mim, mesmo de longe posso perceber que exala
poder e luxo. Seu semblante sério não combina com o lugar, mas o
deixa bastante charmoso. Parece um homem misterioso e eu
adoraria desvendar cada um de seus mistérios.
Faço uma dança sensual querendo chamar sua atenção. Pelo
menos na dança, eu sei que me garanto.
Vejo-o se levantar e andar calmamente por entre as pessoas,
nenhuma delas nem sequer ousou encostar nele. Tudo a sua volta
parece ter parado, sua beleza é louvável. Ele caminha em minha
direção, e eu continuo dançando; quando chega próximo, eu me viro
de costas para ele, não seria assim tão fácil.
Sinto seu corpo próximo ao meu, seu perfume forte e
amadeirado me trazem notas de canela e âmbar. Meu corpo
estremece quando a ponta de seu nariz toca minha orelha.
— Gostaria que você e sua amiga me acompanhassem até o
primeiro andar — sua voz é grossa e calma.
— Para quê? — pergunto me virando para ele.
Fito aqueles olhos verdes tão claros que mais parecem um
cinza. Me perco olhando para ele esperando uma resposta sua, ele
quebra o nosso contato visual.
— Acho melhor virem, vocês com certeza vão querer resolver a
questão do carro batido lá fora, que por sinal é meu — ele diz
trazendo à tona o ódio em seus olhos.
Afasto-me um pouco dele e puxo Katy pelo braço. Ela me olha
meio atordoada e então sussurro no seu ouvido.
— Katy, esse homem aqui é o dono do carro!
— Dono de que carro? — pergunta ainda dançando.
— Do que você bateu. — E pela segunda vez acho que seus
olhos sairão do lugar.
Ela olha para ele, e depois, para mim.
— O que vamos fazer?
— Não sei, ele está nos esperando para resolver.
— Thay, eu não tenho dinheiro para pagar o conserto em um
carro daqueles — diz mordendo a unha.
— Creio que já deu tempo para as garotinhas fofocarem. —
Nos lança um olhar duro.
— Preciso ir ao banheiro e te encontramos em seguida — Katy
fala.
— Vou esperar na porta. — Ele pisca o olho, fazendo meu
estômago se contrair.
Seguimos rápido para o banheiro. Katy está toda agitada,
olhando para os lados dentro do ambiente.
— Ali. — Ela aponta para um basculante minúsculo.
— Não vai me dizer que você quer fugir por ali? — digo sendo
irônica.
— Tá doida? Fala baixo. Vamos logo, não tenho dinheiro para
pagar nada.
— Você está de brincadeira, né?
Ela sobe no vaso sanitário, olhando através da pequena janela
o que há do outro lado.
— Dá para pular.
— Fala sério. Não sei por que ainda insisto em sair contigo,
Katy, você é uma péssima amiga — digo já nervosa; ela, por sua
vez, nem liga.
Se enfia no basculante com certa dificuldade e passa, ouço o
baque lá fora, dela caindo.
Meu Deus, que ela não tenha quebrado todos os ossos, amém!
Corro para olhar e ela está lá embaixo se ajeitando.
— Vem logo. — Faz sinal me chamando.
Seja o que Deus quiser, jogo minha bolsa para ela e vou
enfiando os braços; passo a cabeça e depois os peitos. Katy apenas
me avalia de lá de baixo, a rua é um beco sem muito movimento.
Vou passando o corpo e quando chega na cintura simplesmente
não consigo escorregar mais. Faço força, e nada. Tento voltar e não
saio do lugar, por que isso tem que acontecer comigo? Por quê?
— Ka? — chamo baixo.
— Oi — sussurra.
— Tô entalada! — falo baixo.
— O QUÊ? — ela grita e põe as mãos na boca. — Não tinha
outra hora para você se entalar? Tinha que ser na hora em que
estamos fugindo? — enfatiza a última parte, como se quisesse me
lembrar do que estávamos fazendo.
— Eu tenho culpa por acaso? Agora me ajuda. Você me meteu
nisso, faça o favor de me tirar — retruco irritada.
— Eu te meti nisso? Quando eu falava para você parar de
comer porcaria, você me mandava ir à merda. Eu deveria te deixar
aí entalada, sua imbecil. — Aponta o dedo para mim.
Olho para a sua cara e não consigo segurar o riso, ela fica me
olhando emburrada, de braços cruzados.
— Ei? O que você está fazendo? — ouço a voz do Sr. Bonitão
atrás de mim.
Aposto que ele está tendo uma bela visão de minha bunda
agora.
— Fodeu, Katy. Ele entrou no banheiro, pelo amor de Deus, me
tira daqui.
Sinto-o pegar em minhas pernas com suas mãos geladas, que
começam a me puxar. Jesus Cristo, eu não joguei pedra na cruz,
não joguei!
Começo a me espernear na tentativa de que ele me solte, sinto
meu pé bater com força em algo.
— Sua louca, você me machucou! — ele diz com a voz
abafada.
Vejo Katy vir empurrando uma caixa de lixo, ela para perto da
janela e trava as rodas. Sobe nela e segura em minhas mãos para
que eu saia do basculante, mas o Sr. Bonitão segura minhas pernas
novamente e fica uma batalha cravada entre eles dois e meu corpo
no meio, o que será de mim?
— Katy? Quando você disse que eu sairia da boate arrastada,
não imaginei que seria desse jeito. Você me paga, garota.
Dois
Estou sentada em uma cadeira, no escritório da boate do Sr.
bonitão, presumo eu, pois há um enorme quadro seu atrás da mesa,
na parede. Que patético!
Ele está neste exato momento olhando para mim, e sua cara
não está das melhores, literalmente... Seu nariz está arrebentado.
Meu salto, enquanto eu me esperneava no basculante do
banheiro, foi em cheio em seu nariz, que agora está inchado e com
sangue seco ao redor.
Toda hora me lamento pelo que aconteceu e por ter entrado na
barca furada de Katy! Que, por sinal, foi pega por um segurança do
lado de fora enquanto eu continuava entalada na janela. Ela bateu
nele, tentou correr, mas deu de cara com outro!
Creio que ele irá nos matar depois de tudo o que causamos.
— Ok... — Sr. Bonitão diz. — Por onde devo começar? — Ele
finge pensar. — Ah, sim. Você quebrou meu nariz, fez com que eu
acionasse os bombeiros para quebrarem a parede e te tirarem de lá;
vocês bateram no meu carro e ainda tentaram fugir, FUGIR! — ele
grita a última parte fazendo com que eu e Katy demos um pulo de
nossa cadeira.
— Vocês são tão incompetentes que nem isso conseguiram, da
próxima vez tenta fazer uma dieta, já que você quer passar por
basculantes minúsculos — ele fala olhando para mim, seus punhos
estão fechados e seus olhos são de puro ódio.
Olho para meu corpo, sei que dei uma extrapolada nos últimos
meses, mas eu não estou acima do meu peso ideal e, mesmo se
estivesse, não seria um problema apenas para fugir. Não é culpa
minha se meu quadril é um pouco mais largo, e a bunda,
avantajada.
— Ei, olha só como você fala com a gente, seu estúpido. —
Katy se levanta e aponta o dedo para ele.
— Sente-se ou quebrarei seu dedo — ele fala em tom
ameaçador e Katy murcha ao meu lado, voltando para o lugar.
— Vou te dizer, não tenho dinheiro para pagar nada agora —
digo cabisbaixa.
— Muito menos eu — Katy completa.
— É... Eu trabalho, não ganho muito, mas posso pagar! Só me
dê um prazo. — Junto as mãos em súplica.
— Dou um prazo de duas semanas! E quero todo o dinheiro,
caso contrário farei um inferno na vida de vocês.
— Três semanas — falo firme, ou tento.
— Uma semana e meia — diminui o prazo.
— O quê? Não.
— Quer menos? Uma semana? Dias?
— Você está tirando com minha cara, né? — digo brava.
— Olha como fala comigo. Vocês terão duas semanas para me
pagarem, nada a mais. — Ele dá um murro na mesa fazendo com
que eu me assuste. — AGORA SAIAM DA MINHA SALA! — grita,
apontando para a porta.
Katy segura meu braço e me arrasta para fora. Que ogro.
Saímos da boate feito bala, a única coisa que eu quero é sair daqui
e ir para minha casa.

Depois de ter brigado com Katherine o caminho inteiro, chego


em casa, entrando em desespero ao lembrar que tenho dívidas
acumuladas e pouco dinheiro, além do tratamento e remédios de
minha mãe a pagar. O que vou fazer?
Fico pensando, mas tudo o que me vem à mente não dá uma
boa solução. Me aconchego na cama, pronta para dormir. O que
está feito, está feito, amanhã é um novo dia e darei um jeito de
resolver... Pelo menos era o que eu pensava.
O dia amanhece e vejo treze chamadas perdidas de Katy...
— Oi — digo em tom irônico.
— Oi, Thay, bom dia! Preciso te contar uma coisa — percebo
que está tentando ganhar tempo —, me perdoa, mas não vou estar
na cidade nessas próximas semanas, e o preju do Sr. Ranzinza vai
ficar por sua conta. Juro que assim que voltar acerto com você, te
amo.
— Como assim? Katherine? — Ouço o bipe da ligação
encerrada.
Mais uma vez ela me deixou na mão e com uma dívida enorme
para pagar. Que vadia!
Levanto-me da cama e tomo um banho rápido! Ponho uma
calça jeans e uma blusa preta de que cortei as mangas e costumizei
com algumas pedrinhas que estavam em uma peça de roupa velha,
uma sapatilha e estou pronta. Arrumo os cabelos em um rabo de
cavalo e vou direto para a cozinha. O cheiro de café me invade, vejo
minha mãe pondo a mesa.
— Bom dia, Thay.
— Bom dia, mãe. Como a senhora está? — digo dando um
breve abraço e um beijo em sua testa.
— Estou melhor, esta noite não foi tão ruim. — Ela sorri.
— Que bom! Sairei mais cedo do trabalho para te levar ao
médico. Deixe-me ir, senão me atraso.
— Não vai comer? — Me olha feio.
— Vou comendo no caminho. — Apanho de cima da mesa uma
maçã e dou uma grande mordida, indo em direção à porta.
Desço pelo elevador, cumprimento Fred e sigo apressada pela
rua, que logo cedo já está movimentada.
Apesar do Coffee and Sweets ser relativamente perto, neste dia
pareço ter levado uma eternidade para chegar.
— Bom dia, Ana.
— Bom dia, Thayla, acelera que hoje está cheio — ela fala
andando de um lado para o outro, pondo os copos no balcão.
Assim que volto para o salão com meu avental, escuto.
— Thayla, mesa sete. — Quando a casa está cheia, até Arthur
vem ajudar e, apesar de ser uma bela visão, prefiro quando ele não
fica atrás do balcão.
Meu chefe com certeza é um homem de deixar qualquer
pessoa desconcertada.
— Bom dia, senhor! O que deseja? — pergunto ao homem de
cabeça baixa, distraído em seu jornal.
— Bom dia! Um café com caramelo, pouco leite e meia pedra
de açúcar. — Anoto o pedido e sigo atendendo as outras pessoas
das mesas ao lado.
Entrego a Ana os pedidos das mesas cinco e nove,
aproveitando para dar um pulo no banheiro e passar uma água no
rosto. Alguns minutos depois escuto Ana me chamar.
— Thayla, seus pedidos — avisa.
— Obrigada. — Encaixo tudo na bandeja e entrego nas mesas.
Assim que me encaminho para o balcão, a fim de esperar novos
pedidos, sinto uma mão em meu ombro me virando.
— Ei, garçonete, cadê meu pedido? — essa voz, nesse tom,
me fez perceber que o cliente do jornal não se trata de qualquer
pessoa, mas só quando me virei notei o rosto machucado do Sr.
Bonitão. Que não está nada feliz... Merda! Será possível ficar ainda
mais ferrada?
Com as pernas trêmulas e a respiração pesada, não consigo
sair do lugar ou ao menos lhe dar uma resposta. Seu olhar é de
reprovação, o que na verdade não é novidade alguma.
— Só podia ser... Você serve para que, afinal? Porque até
então não vi nada de útil em você.
— E-eu — gaguejo tentando formular algo coerente.
— Você o que, garota? — pergunta soando debochado.
— Vou buscar seu café. — Olhando para aqueles olhos verde-
acinzentados, fico sem saber para onde ir enquanto ele me encara.
— Está esperando o quê? Vá, incompetente — ele me enxota
como se eu fosse um cachorro sarnento.
Saio da frente dele quase correndo e entrego o pedido que
ficou no bolso do avental para Ana.
Vejo-o se sentar e voltar a ler o seu jornal. Tão logo o café fica
pronto, olho para aquela mesa, sentindo o coração gelar.
Estou tão nervosa que parece até que não vou conseguir
continuar em pé. Caminho sem sentir o chão, como se estivesse
com as pernas dormentes.
Não consigo decifrar o que estou sentindo, o medo cresce e, ao
mesmo tempo, sofro algum tipo de atração que me impede de parar
de olhar para ele. Os cabelos lisos bem penteados para trás, o olhar
firme e atraente. Ele exala poder e confiança, nunca tinha visto um
homem assim.
Peço licença para pôr o café sobre a mesa. Ele me olha de uma
forma que faz minha pele queimar e isso me distrai.
E como toda desgraça é pouca para mim, minhas mãos me
traem, fazendo a xícara de café virar da bandeja em seu colo.
Queria que fosse apenas ilusão, mas não, não.
— Ai-meu-Deus — digo pondo as mãos na boca. — Me perdoe,
por favor.
Ele se levanta rapidamente da cadeira. Sua dor é visível, ele
fecha os olhos com força e cerra os punhos fazendo com que o
jornal em sua mão direita se amasse.
Sua mão espalma a mesa fazendo-me tomar um susto.
— Qual o seu problema? — fala terrivelmente calmo. — Você é
uma tola, não consegue fazer nada direito, me queimou e ainda
manchou a porra do meu terno. — Seus olhos estão em puro ódio,
com as pupilas dilatadas, e a respiração ofegante me diz o quanto
ele está tentando se controlar.
— Eu juro que não fiz por querer. — Olho para ele.
— Saia da minha frente — diz furioso, eu só faço merda.
— Calma, posso ajudar. — Pego o pano que está no bolso do
meu avental e passo em seu paletó apressadamente.
— Tire as mãos de mim — ele fala apertando-as de forma
grosseira e puxo minha mão da dele.
— Mas o que está acontecendo aqui? — Arthur chega logo
atrás de mim.
— Péssima escolha de funcionários para atender neste lugar.
— Sr. Lins, me perdoe por ela ter derramado o café no senhor.
Por favor, deixe, que cuidarei pessoalmente de levar seu terno à
lavanderia. Posso fazer algo mais para tentar amenizar esse
descaso com nosso melhor cliente?
— Seria ótimo despedi-la, mas isso dificultaria ainda mais o
pagamento de uma dívida que tem comigo. No entanto, daqui a
duas semanas, quando ela me pagar, pode ficar à vontade! — Olha
diretamente para mim.
— Sim, senhor! Vou pedir para a outra menina vir te atender.
— Já estou de saída e nem tenho mais tempo, preciso trocar
isso! — Ele passeia os olhos pela roupa e dá as costas, indo
embora.
Como pode um homem ser tão arrogante assim?
— Você só não vai perder o seu emprego por causa da sua
situação com ele, mas, quando acabar, já está avisada! Vai para o
olho da rua.
— Você sabe que preciso deste emprego, Arthur. Eu trabalho
com você há anos, sabe que sou uma boa funcionária e, só foi o
ricaço te falar para me demitir que você não pensou nem duas
vezes? Muito obrigada. — Saio de perto dele e vou atender as
outras pessoas.
As horas passam tão rápido que nem percebo.
Falo com Ana sobre minha saída mais cedo e ela cobre o meu
horário. Pego um táxi na porta do trabalho mesmo e vou em casa
buscar minha mãe.
Três

Durante a consulta o médico explicou que a situação de minha


mãe é delicada, avisando que serão necessários novos tratamentos.
Um novo câncer foi descoberto no seio direito, em estágio
avançado, há chances de conseguir reverter a situação, mas não
temos dinheiro para isso.
A todo momento tento segurar as lágrimas para não chorar e
demonstrar o quanto sou fraca.
Chegando em casa ponho uma legging preta, uma blusa com
estampa de girassóis que eu mesma fiz e tênis. Resolvo sair,
respirar um pouco. Estou tão angustiada com essa situação que
nem sei se consigo encarar minha mãe, não quero deixá-la
preocupada com tudo o que está acontecendo. Ela não tem culpa
alguma.
Respiro fundo e começo a correr pela rua, mal começo e meu
celular toca...
— Oi, Katherine.
— Oi, o que houve? — pergunta.
— Sério que você ainda me pergunta isso? Estou atolada de
dívidas. Além dos remédios, agora ela precisa fazer mais outro
tratamento, porque descobriu um novo câncer. O aluguel está
atrasado faz 2 meses, sem falar na dívida com aquele idiota.
— Desculpa, eu sei que sou uma péssima amiga, e ainda mais
por ter te deixado nessa sozinha. Mas vou tentar te ajudar, eu juro.
— Ouço barulho de risadas ao fundo.
— Está acompanhada? — pergunto.
— Sim, conheci um advogado lindo.
— Sério, Katy? Estamos cheias de problemas, e você está
atrás de conhecer novos caras?
— Não é bem assim, foi por acaso. Ele me convidou para tomar
um café e eu aceitei! — explica.
— Ok, já entendi. Até mais, Katy. — Desligo o telefone e sigo
pela rua.
Não sei por quanto tempo estou correndo, mas o meu peito
arde por ar. Eu precisava disso para espairecer a mente e tentar
achar uma solução. Desacelero quando passo em frente a um
restaurante e uma cena me chama atenção, Sr. Bonitão, que agora
chamo de Sr. Ranzinza, sai de dentro de um carro preto luxuoso,
estica a mão em direção ao veículo ajudando uma mulher a sair.
Eles sorriem um para o outro. Ele se aproxima dela e a beija, depois
entram de mãos dadas no lugar.
Fico aqui fora, estática tentando absorver a cena. O homem
parece uma outra pessoa, seu sorriso lhe deixa mais jovial e ainda
mais atraente. Decido encerrar a corrida, caminhando para casa.
Chego à conclusão de que terei que arranjar mais um trabalho.
Ao chegar em casa, encontro minha mãe na sala, assistindo à
televisão.
— Boa noite, filha. — Sorri com delicadeza.
— Boa noite.
— Por que demorou tanto? Fiz a janta, está com fome?
— Fiquei distraída, quando parei de correr estava longe. Sim,
estou faminta. — Entro no quarto, não estou com fome, mas faria
um esforço para comer algo.
Já no banheiro, me olho no espelho por um tempo, percebendo
o quanto estou acabada, minhas olheiras estão à mostra, e meu
rosto está um pouco abatido.
— O jantar está na mesa — ouço-a dizer.
— Estou indo, mãe. — Tomo meu banho rápido, para
acompanhá-la no jantar.
Entre conversas e meios sorrisos, mal percebo que já está
tarde demais e que amanhã será um longo dia.
Acordo bem mais cedo que meu horário normal, vou ao
banheiro, tomo um banho e ponho minha melhor roupa, uma calça
jeans costumizada com strass nos bolsos e uma blusa social azul!
Penteio os cabelos em um rabo de cavalo e me limito a passar
apenas um gloss. Antes de sair, pego meu bloco de notas e deixo
um aviso a minha mãe. Coloco alguns currículos na bolsa e desço
apressada. Não quero perder nem um minuto sequer. Já na calçada,
começo a andar em direção à banca de jornais, atrás dos
classificados. Após olhar as vagas de emprego às quais me
encaixo, sigo para os endereços indicados.
Depois de entregar currículo em diversos lugares, corro para o
trabalho. Dou um bom-dia rápido e entro para pôr meu avental
colorido com o nome da cafeteria e começo a atender as mesas
antes que Arthur comece a reclamar.
Está cada dia mais claro que precisamos de uma outra
garçonete. O turno da manhã tem ficado muito cheio, deixando tudo
muito sobrecarregado. Comento com Ana, que diz que irá conversar
com nosso chefe!
As horas passam rápido com tanto movimento e quando vejo
está no meu horário de almoço.
Depois dos últimos acontecimentos, estou precisando de uma
força extra, então decido ir ao restaurante que eu sempre
frequentava com meu pai. Fica perto do trabalho e toda vez que eu
sinto saudades dele vou para lá. Eu não tenho dinheiro para ir
sempre, mas as gorjetas do dia dão para pagar o prato que sempre
comíamos, afinal é o mais barato do cardápio. Tenho muitas
lembranças boas naquele lugar. Uma semana antes de ele ter sido
morto por um idiota bêbado que não prestou atenção no sinal
vermelho, tínhamos jantado lá.
Sento-me à mesa de sempre e peço um talharim à bolonhesa,
enquanto deixo minha mente vagar pelas memórias.
A comida chega trazendo um pouco mais de realidade para
minhas lembranças, cada garfada é preenchida com sensações
diferentes.
Termino de comer e vejo que ainda tenho tempo, então resolvo
mexer no celular, colocando em dia as redes sociais.
Meu celular escapole da mão e praguejo baixinho, com medo
de ele ter quebrado. Levanto a toalha da mesa e o vejo no canto,
tento pegar com o pé mas não consigo. O jeito vai ser entrar lá, olho
para um lado e para o outro, as pessoas estão muito ocupadas
comendo suas comidas ou conversando, para prestarem atenção
em mim, então me abaixo devagar e entro debaixo da mesa. Me
lembro do tempo de criança em que eu amava fazer isso, era
estranhamente aconchegante e quentinho. Acordo do transe e pego
o meu telefone. Fecho os olhos por reflexo e bem devagar vou
abrindo, olhando para a tela com medo de estar possivelmente
trincada, mas respiro aliviada quando vejo que está intacto. Arrasto-
me para sair da mesa, mas pernas me impedem de sair; até tento
falar algo e pedir licença, mas congelo quando ouço sua voz.
— O senhor gostaria de fazer seu pedido? — o garçom
pergunta.
— Quero, para a entrada, barquete de salpicão e uma taça de
Sauvignon Blanc para acompanhar — fala.
Mas que merda, parece até perseguição, não é possível que
esse homem esteja em todos os lugares. Vejo os sapatos do Sr.
Ranzinza e minha vontade é de cuspir neles. Como vou fazer para
sair daqui sem entrar em um novo embate com ele?
Talvez eu saia da mesa sem mais nem menos e simplesmente
vire as costas e ande sem falar nada, ou eu posso sair e falar "Ah,
me desculpe, estava esse tempo todo aqui embaixo da mesa
pensando se eu iria cuspir ou não em seus sapatos caros! " e dar o
meu melhor sorriso.
Com a minha sorte o melhor é ficar aqui e esperar que vá
embora. Eu tenho 20 minutos para estar no trabalho, será que ele
demorará muito?
Fico quieta ouvindo o barulho irritante de seu pé batendo no
chão e toda sua interação com o garçom. Ao que parece uma
eternidade, a sobremesa chega, doce de abóbora. Quem pede isso
num restaurante?
Uma ideia surge na minha cabeça tal como uma lâmpada
acende nos personagens de desenho animado. Vai me ajudar a sair
daqui? Claro que não! Eu só estava pensando merda, mas com
muita sorte poderia me fazer ganhar tempo.
Vou devagar ao encontro de seus sapatos, desamarro seu
cadarço o mais devagar possível e faço o mesmo com o outro. Com
o diabinho gritando em meu ouvido, amarro um no outro atrás da
perna da cadeira. Sei que é extremamente infantil, olho a porcaria
que fiz e penso em tirar, mas meu celular começa a tocar.
— Merda — falo baixo tentando desligar, mas o botão não
funciona. — Sério isso? — resmungo.
Vejo a movimentação do Ranzinza, ele bate nos bolsos à
procura de algo. Quando se afasta para olhar embaixo da mesa, a
cadeira vira por causa do cadarço amarrado e ele cai para trás.
Acho que agora seria uma boa hora para correr.
Deus, ele vai me matar. Saio de fininho de baixo da mesa e
enquanto ele se levanta corro para a porta de entrada. Quando vou
sair me lembro que não paguei a conta.
Volto correndo para o caixa, deixo o dinheiro lá em cima e torno
a correr em direção à porta. Como toda desgraça é pouca, bato a
testa na porta de vidro e caio de bunda no chão. Meu Deus, eu já
disse que não joguei pedra na cruz!
O barulho da minha testa se chocando contra o vidro faz um
enorme barulho, chamando atenção de todos no restaurante,
inclusive do homem irado que já está de pé e com os sapatos de
cadarços amarrados em mãos. Ele me olha com o entendimento de
que sou eu quem aprontou aquela atrocidade com ele. Abro a porta
de vidro e saio pela calçada.
Quatro
Depois daquele desastre fui trabalhar, recebendo sermões do
irritante do Arthur pelo meu atraso. Mesmo justificando que fiquei
presa no banheiro, a desculpa mais plausível em que pensei, saio
mais tarde que o normal, para compensar o tempo.
Chegando em casa tiro os sapatos e, ao ver minha mãe
cochilar no sofá, passo devagar para que ela não acorde. A primeira
coisa que faço é pegar uma bolsinha de gelo para pôr na testa, que
ainda dói.
Fico deitada pensando em tudo o que está me acontecendo. As
dívidas estão em primeiro lugar, mas logo o cara cujo nome eu nem
sei, e com quem já causei tanta confusão, invade espaço. Lembro-
me de quando o vi em frente ao restaurante, ele parecia feliz, seu
sorriso era estonteante, muito diferente de quando estava irritado
comigo, ou com sua cara de mandão.
Sento-me na cama lembrando-me da besteira que fiz naquele
restaurante e dou uma crise de risos.
— Como sou idiota — digo baixinho, ainda sorrindo.
Em seguida vou para o banho e em minutos já estou deitada,
de novo não irei jantar. Meu telefone toca, pego-o, ele estava em
cima da mesa de cabeceira, e atendo apesar de não reconhecer o
número!
— Alô?
— Oi, Thayla Walther? — uma mulher pergunta.
— Sim! Quem fala? — pergunto.
— Sou Beatrice da Street Dance, me perdoe pelo horário, você
foi uma das selecionadas! Poderia comparecer aqui para uma
entrevista?
— Ai, meu Deus, claro! Posso sim. Qual o horário?
— As entrevistas acontecerão entre 8h da manhã e 13h.
— Tá bom — falo empolgada, antes de desligar.
Me levanto fazendo uma dancinha ridícula, comemorando,
separo a roupa que vou usar e me deito novamente, pronta para
dormir.

Meu despertador toca me mostrando que o dia já amanheceu,


apesar de meu corpo protestar. Levanto-me meio arrastada e vou
direto para o espelho.
— Que hoje seja melhor que ontem! — digo olhando para meu
reflexo.
Sinto o cheiro do café me chamando. Vou para a cozinha e
dona Joana parece bem-disposta hoje, apesar da sua doença.
— Bom dia.
— Bom dia, senti sua falta ontem. — Ela sorri.
— Também, cheguei um pouco tarde, era dia de lavar as
estufas. Dormiu bem? — pergunto.
— Sim, e você, querida?
— Igual a uma pedra.
— Que bom, meu amor, agora venha tomar seu café para não
se atrasar.
— Já tomou seus remédios? — pergunto vendo sua expressão.
— Ainda bem que me lembrou. — Levanta-se.
— Mãe... A senhora sabe que não pode ficar sem, eu vou
buscá-los.
— Tudo bem!
Sigo até o quarto, olhando em cima da mesa de cabeceira. À
esquerda vejo um envelope e curiosa resolvo abrir, encontrando
uma carta com aviso de despejo.
Coloco as mãos sobre a cabeça. Não posso ir para rua com
minha mãe desse jeito. Ouço-a me chamar, deixo a carta onde
estava e volto com seus remédios. Tomamos café juntas e quando
termino vou ao quarto, ainda mais determinada a conseguir esse
novo emprego. Tomo um banho rápido, visto a calça jeans clara com
a camisa de manga curta rosa que deixei separada e faço uma
maquiagem bem leve, só para me deixar com o ar saudável.
Olho o relógio e já está no meu horário. Dou um beijo em minha
mãe e grito um “te amo” da porta antes de seguir apressada pelas
escadas. Uma lágrima inconveniente de preocupação escorre pelo
meu rosto enquanto caminho para a loja. Respiro fundo antes de
entrar.
Não aguento mais esta rotina. Sempre as mesmas pessoas
com os mesmos pedidos, a mesma coisa todo santo dia e quase
nenhum dinheiro no final.
Coloco o avental como uma armadura e enfrento minha manhã
de frente. Meu horário de almoço chega e saio correndo até a Street
Dance para minha entrevista. Procuro a tal de Beatrice e ela me
leva ao chefe, um senhor bigodudo e com cara de poucos amigos.
Poderia ser pior, não é mesmo!?
Ele me faz diversas perguntas e logo me dispensa dizendo que
me ligará caso eu seja escolhida. Volto para o café sem esperanças.
E tudo recomeça.
Como todos os outros dias, esse foi apenas mais um repleto de
pedidos, limpar mesas e atender pessoas que muitas vezes nem
olhavam para mim.
Termino o expediente e, no meio do caminho para casa,
percebo que esqueci meu celular. Resmungando e xingando o
Universo, volto para buscá-lo.
Às vezes quero acreditar que o destino é meu amigo e que
essas coisas acontecem para trazerem algo maior, mas hoje é o dia
de mais uma peça mal pregada na minha vida. Poderia acontecer
um encontro inesperado com uma mala gigante cheia de dinheiro,
mas não, é apenas ele, a pessoa que consegue me tirar do sério em
apenas alguns segundos.
O Sr. Ranzinza está parado em frente a uma loja, encostado em
seu carro com as mãos nos bolsos e pernas cruzadas. Penso em
atravessar a rua, mas ele me vê, então me faço de indiferente e
passo perto dele.
— Vejamos se não é ela, parece que vive me seguindo.
Apesar de achar um desaforo ouvir isso, acho melhor não
retrucar.
— Mas bem que eu queria te ver — ele fala.
Me viro lentamente e olho bem nos olhos dele!
— Me ver? E, só para deixar claro, estamos no centro de
Seattle, moro aqui e trabalho aqui, então acho que é você quem
está me perseguindo. — Arqueio a sobrancelha.
— Me poupe, tenho mais coisas para fazer do que ficar te
seguindo. E não vá achando que esqueci do que fez no restaurante,
bem infantil da sua parte amarrar os cadarços dos meus sapatos.
Não acha?
— Me diz... Qual o seu problema comigo? Você acha que tenho
medo de você?
— Deveria ter, sei exatamente do que sou capaz. — Seu rosto
parece diabólico.
— Sou cheia de problemas, mas nunca precisei pisar em
ninguém para amenizar minhas frustrações e, só mais uma coisa,
você não é isso tudo, então baixa sua bola, não vou perder meu
tempo sentindo medo de você — despejo tudo o que estava
entalado na garganta.
Aposto que é bajulado por todos e ninguém tem coragem de
dizer o que acha. Ele se aproxima.
— Você é muito atrevida, garota, cuidado com essa sua língua
afiada — rosna próximo ao meu rosto, posso sentir sua respiração
quente em mim.
— Sou atrevida mesmo e você é um otário que só sabe olhar o
próprio nariz — digo contra seu rosto.
— Desde quando isso é da sua conta?— Ele aperta o meu
braço.
— Mas o que é isso? — a voz de uma mulher soa atrás de nós.
Solto-me do aperto dele e dou dois passos para trás, encarando
a mulher muito bem-vestida que aparenta ter uns 67 anos.
— Não é nada, vamos — ele fala.
— É essa a sua namorada? Você nunca me apresenta a ela.
Olá, querida! — ela diz se aproximando de mim.
— Dá para parar de ser ingênua? Claro que ela não é minha
namorada! Vamos — ele fala puxando-a para o carro.
Ela me dá um aceno de longe e sorri.
Que povo louco. Saio pisando duro e chego ao trabalho mais
irritada que antes; pego meu celular no armário e saio sem falar com
ninguém.

Minha vida é tão repetitiva que todos já sabem o que sempre


acontece; trabalho, confusão e casa.
É inevitável. Porém hoje foi diferente, não houve confusão... É
estranho? Claro! Mas vamos deixar assim.
Meu expediente acabou e eu decidi dar uma volta como prêmio
de consolação. Penso no shopping. Vou só para olhar mesmo.
Quem nunca?
Caminho lentamente, olhando tudo o que não poderei comprar
tão cedo. Vejo um vestido longo estilo sereia, com um decote lindo,
todo rendado e com alguns brilhos, com toda certeza eu o
compraria. E assim é meu passeio, olhando o que há nas vitrines e
escolhendo imaginariamente o que compraria ou não.
Fico distraída vendo um grupo de músicos tocar na praça de
alimentação. Aproveito para catar umas moedas na bolsa e peço um
sorvete de casquinha.
Vou para a saída contente por ter feito uma coisa legal hoje.
Atravesso a rua e quase não dá tempo de ouvir a buzina antes de o
carro estar em cima de mim. Sinto a pancada não muito forte na
perna, mas com intensidade suficiente para me fazer cair batendo a
cabeça no chão.
— Ai. — Esfrego a mão no lugar, sentindo-o dolorido.
— Mas que merda — ouço a voz de uma mulher que vem
correndo até mim.
Tento me levantar, mas me sinto tonta o suficiente para me
fazer cair sentada.
— Você me atropelou — digo irritada.
— Desculpa, juro que não te vi.
— Deveria ter visto, o sinal estava aberto para mim.
— Eu sei, eu sei, é que briguei com meu namorado. Ele é um
idiota, estávamos discutindo no telefone quando você atravessou a
rua e eu não te vi — fala chorosa.
— Tá, tá. Não precisa chorar.
Levanto me escorando no carro, mas tudo gira e, se ela não me
segurasse, eu teria caído de cara no chão.
— Vem, entra no carro, vou te levar ao hospital.
— O quê? Não precisa. Eu só quero ir para casa.
— Não mesmo, você pode ter tido uma concussão. Não se
brinca com essas coisas.
— Por favor, só me leva para casa. Eu vou ficar bem.
— Vamos ao hospital, não posso deixar que vá para casa
assim. Preciso me certificar de que nada grave aconteceu.
— Não tenho dinheiro para isso.
— Eu fiz essa confusão toda, é responsabilidade minha. — Me
ajuda a entrar no banco detrás, em outrora eu nunca entraria no
carro de uma pessoa estranha, mas ela parecia ser “confiável”.
Depois de eu ter ficado um tempo no hospital e de ter feito
exames de raios X, chegam à conclusão de que nada grave
aconteceu. O médico injetou um medicamento para dor imediata e
receitou alguns para o caso de ela persistir ao longo dos dias.
— Está vendo? Não aconteceu nada de mais — digo sentindo-
me sonolenta, talvez pelo remédio.
— Tudo bem, vamos passar na farmácia e eu te deixo em casa.
— Ela é gentil e educada.
Entro no carro novamente, me inclinando sobre a janela, sinto
os olhos pesarem ainda mais e eu caio no sono.
Cinco
Acordo com uma dor de cabeça terrível, em um quarto o qual
não conheço. Me recordo do que aconteceu e me levanto num pulo,
na hora em que a porta se abre.
— Oi! — a moça de pele clara e cabelos castanhos fala toda
tímida, entrando no cômodo.
— Onde estou? — pergunto confusa.
— Está na minha casa. Depois que te coloquei no carro, você
acabou dormindo antes de me dar seu endereço e achei melhor te
trazer para cá. — Ela dá de ombros. — Você está bem? Sente algo?
— Estou bem, só a dor de cabeça que está incomodando um
pouco.
— Imagino, tem remédio e água na mesa de cabeceira. —
Aponta para a mesinha atrás de mim.
— Obrigada. — Pego o comprimido, tomando com um gole de
água.
— Queria me desculpar por ontem. Depois que o médico me
orientou, não desgrudei deste quarto por nada, mas, como você não
se mexeu a noite inteira, aproveitei para tomar banho.
— Tudo bem. — Suspiro. — Ontem meu dia estava ótimo
demais para ser verdade. — Sento-me na cama — Foi mal! Sei que
fui irresponsável e podia ter te machucado para valer — fala. —
Gostaria muito de poder te recompensar. Que tal você passar o dia
aqui? Tomamos banho de piscina e você fica para o almoço. — Ela
sorri.
— Você está tentando mesmo me comprar? — digo prendendo
o riso.
— Estou sim. — Ela sorri, até cogito a ideia.
— Que merda, minha mãe! — digo procurando meu telefone.
— Ela ligou ontem à noite e avisei que você dormiria aqui. Não
queria deixá-la preocupada. Desculpa a intromissão — ela fala.
— Que bom! — Respiro mais aliviada.
— E então? Vai ficar? — pergunta com os olhos brilhando e um
sorriso enorme no rosto.
— Só para começar, qual seu nome? — pergunto.
— Alice, e o seu eu já sei.
— Meus documentos — digo o óbvio.
— E então?
— Eu tenho que ir para casa, não tenho roupa e...
— Roupa não é o problema, tenho várias novas. Meus
patrocinadores dão tanta coisa que não consigo usar tudo, podemos
achar algo que sirva em você — ela me corta.
— Patrocinadores? — Sigo-a para o closet.
— Sim, sou modelo e embaixadora de algumas marcas.
Cheguei aqui a Seattle faz uma semana.
— E já arranjou um namorado? — pergunto me lembrando da
conversa de ontem.
— Não, aquele idiota metido a riquinho é de Boston. Como não
percebi que ele era um imbecil antes? — ela reclama olhando um
monte de roupas.
— Tá, já entendi que ele é um idiota e essas roupas não vão
caber em mim. Você é bem mais magra que eu.
— Fica tranquila, sempre tenho algumas roupas maiores.
Ela tira de lá um short de pano, um biquíni vermelho e uma
blusa branca.
— Vai lá tomar um banho para aproveitarmos logo nosso
domingo — fala animada. — Tem toalhas limpas no armário, dentro
do banheiro.
— Tá bem! — Pego a roupa, vejo meu celular na mesa de
cabeceira e o pego também.
Quase caio para trás com o tamanho, é maior que meu quarto!
Tem uma enorme banheira no centro, ao lado um chuveiro duplo, e
do outro, uma sauna, presumo eu. Disco o número de minha mãe e
no primeiro toque ela atende.
— Oi. Está tudo bem por aí? — ouço sua voz do outro lado.
— Oi, mãe. Está sim! Como passou a noite?
— Muito bem, acho que uma das melhores. — Ouço sua risada
e meu coração se enche de alegria.
— Que bom, estarei em casa mais tarde, tudo bem?
— Claro, divirta-se querida. — Nos despedimos e eu desligo.
Entro no boxe e olho o tanto de botão que há na minha frente.
— Meu Deus, será que nesta casa tem algo que seja fácil de se
usar?
Vou testando as válvulas devagar, para não escaldar minha
pele com a água quente, e depois de várias tentativas consigo uma
temperatura adequada. Tomo meu banho e ponho a roupa rezando
para caber.
Saio do banheiro e a menina dá pulos de alegria por ter dado
certo. Ela me puxa, saindo pelo enorme corredor.
— Você é a primeira amizade que faço aqui — diz.
— Se você costuma atropelar as pessoas para fazer amizade
com elas, vai continuar sem. — Rio.
— Credo, já pedi desculpas. — Ela revira os olhos.
Descemos as escadas e aproveito para admirar a beleza dos
ambientes em tons de cinza e branco, que dão um ar sofisticado à
casa, mas se tivesse uma corzinha seria ainda mais bonita.
Vamos para o lado de fora e me surpreendo com o tamanho da
piscina. Fico cansada só de pensar em atravessá-la.
— Uau, que lindo — digo boquiaberta.
— É mesmo, amo a paisagem — ela diz olhando as árvores de
flores roxas. — Vou chamar Beth para providenciar nosso café.
— Ok — digo tirando minha roupa antes de me deitar em uma
espreguiçadeira.
O clima em Seattle está bem agradável e aproveito o sol
esquentando minha pele.
Alice me chama para a sala de jantar e me dou conta de que
estou faminta. Sirvo-me primeiro com uma salada de frutas. Depois
pego uma torrada com parmesão, suco de abacaxi e uma fatia de
bolo. Acho que já está bom.
Enquanto eu mastigo, Alice não para de tagarelar sobre seu ex-
namorado. Até parece que nos conhecemos há anos, é bem
estranho.
Depois de comer, voltamos para as espreguiçadeiras. Ela pega
uma revista de fofocas, e eu, um livro que estava no revisteiro. O
título Dom Quixote me chamou atenção e lembrei que alguém já
tinha me falado bem do livro. Deito-me de bruços aconchegando-me
melhor para me entreter com a história.

Não sei em que momento dormi, mas acordo com um toque de


celular que não é o meu.
— Me recuso a atender — ouço o homem reclamar. — Alice?
Amiga nova?
Merda, o que esse homem está fazendo aqui? E ainda vendo
minha bunda de novo. Eu reconheceria essa voz de longe. Como
vou fazer para sair daqui sem ter que olhar para o Sr. Ranzinza?
— Oi, irmão — ela fala e meu subconsciente grita, irmãos?
Desta vez o Universo tá debochando com vontade. — Essa é
Thayla, quando ela acordar te apresento, você vai amá-la. — Ele me
odeia, acho bem difícil!— penso.
— Com essa bunda, como não amar? — ele fala e meu rosto
cora, dou graças a Deus por minha cabeça estar entre meus braços.
— Tarado. — Ri.— Como foi a reunião?
— Bem interessante, consegui uns novos designers.
— Vou ver se Beth já pôs a mesa para o almoço.
— Vou dar um mergulho e já entro — ouço-o dizer.
— Certo — ela diz e escuto seus passos se afastando da gente.
O silêncio toma conta antes que eu ouça o barulho de água.
Levanto a cabeça devagar e o vejo emergindo de costas para mim,
mas que filho da puta gostoso.
Ele tem uma tatuagem no meio dos ombros, próximo ao
pescoço, tento decifrar o que é mas não consigo. Eu me levanto
devagar, pego as roupas e corro na ponta dos pés para dentro da
casa, preciso sumir daqui. Perco-me entre os corredores enquanto
vou vestindo a roupa emprestada e tento me lembrar por onde eu
deveria ir.
Olho para um quadro bizarro na parede, a reprodução, imagino
eu, de O grito, o famoso quadro de uma figura andrógena
representando o auge da angústia. Passo os dedos pela tela
completamente hipnotizada e posso sentir a textura da tinta nela.
Sempre fui fissurada nessas coisas.
Por quê? Não me pergunte! A tela cai no chão, dou um pulo
para trás para que não caia em meu pé e acabo batendo em algo
duro.
— Pelo visto você é bem desastrada — ele fala atrás de mim,
antes de pegar o quadro e em seguida olhar para meu rosto. — Mas
só podia ser... — fala, mas é interrompido por Alice.
— Ah, vocês estão aí, pelo visto já se conheceram. Thay, esse
é Damon, meu irmão, e essa é Thayla, minha mais nova amiga —
ela nos apresenta.
Mas ficamos estáticos olhando um para o outro, ele com cara
de raiva e eu com cara de idiota.
— Vamos comer, já estou com fome — Alice fala me puxando.
Apresso o passo para ficar junto com ela.
— Alice, eu preciso ir para casa — apresso-me em dizer.
— Mas por quê? Ainda está cedo e a comida já está na mesa.
— Minha mãe está sozinha e costumamos ficar juntas nas
minhas folgas — digo uma meia verdade.
— Então, nada mais justo que você passar esta comigo. Sem
mais, você fica e pronto — fala autoritária.
Penso em dizer algo, mas ela me olha feio.
Vou para a mesa, sento-me ao lado de Alice.
O silêncio paira no ar, fico encarando o meu prato vazio
tentando entender o que estamos esperando, já que ela estava com
tanta fome. E eu, de repente, estou com pressa para ir embora.
— Estamos esperando meu irmão, a comida só é servida
quando ele se senta à mesa — ela responde como se estivesse
ouvindo os meus pensamentos. — Ele é um gato, não? Uma pena
que namora, ou sei lá o que eles dois têm, ninguém nunca entende
— Alice fala mais do que deveria, com certeza.
— Ele namora? — pergunto receosa.
— Com Érika, mas, como eu disse, não sei bem o que eles dois
têm, porque eles terminam e voltam com a mesma frequência que
eu troco de roupa — ela fala.
Deve ser a moça que eu vi entrando com ele no restaurante.
— Mas vou te falar, se ela der bobeira, vai acabar ficando sem,
porque não falta mulher interessada nele. Você acredita que uma
senhora de uns 80 anos estava tentando atacá-lo em uma festa? —
Arregalo os olhos. — Sério, completamente atirada, e ainda era
casada com um rapaz uns 60 anos mais novo que ela.
— Meu Deus. — Começo a rir, por puro desespero, estou
nervosa e com medo do que pode acontecer. — Alice? Esta casa é
sua? — pergunto curiosa.
— Ah, não, é do meu irmão, estou passando um tempo com ele
aqui — ela explica.
— Hum...
Seis
A conversa se encerra quando a imagem daquele homem surge
em minha frente, de calça de moletom cinza e uma blusa preta que
se cola um pouco em seu corpo malhado. Seus cabelos escuros
estão úmidos e não estão arrumados como eu sempre via; seu
cheiro forte e marcante exala por todo o ambiente me deixando
ainda mais nervosa do que eu já estava. Seus olhos estão vidrados
em mim, enquanto caminha até a mesa. Uma senhora, que presumo
ser Beth, serve a comida quando ele se senta.
Fica um silêncio constrangedor e volto a encarar o meu prato
vazio. Quando ela dispõe toda a comida na mesa, espero todos os
dois se servirem primeiro, receosa de pegar e fazer alguma besteira.
Ponho minha comida no prato com muito cuidado. Vez ou outra
ele olha para mim, mas não é qualquer olhar, é um olhar intenso, de
ódio, talvez. Mas por quê? Nunca fiz nada para ele.
Tá... que já aprontei muitas coisas, mas não para que ele
nutrisse tanto ódio por mim.
— Thay? Vai haver uma festa de gala semana que vem, você
poderia ir com a gente — ela diz e eu quase me engasgo com o
suco, cuspindo na cara do Sr. Ranzinza, foi por pouco.
Vontade eu até tinha, mas seria entregar minha cabeça de
bandeja, ele me expulsaria da casa dele e com toda razão.
— Não acho uma boa ideia — digo baixo, encarando o meu
prato, não ousaria olhar para ele.
— Por que não? Essas festas são sempre chatas e eu não
tenho nenhuma amiga na cidade, por favor, vamos?
— Eu não tenho roupa para ir numa festa de gala, Alice — tento
usar como desculpa.
— Roupa? Roupa não é o problema. Como eu te disse, sempre
ganho pilhas e nem chego a usar. Tenho certeza de que você vai
gostar de algo no meu armário — ela fala alegre, como dizer não?
— E então, Srta...? — a voz rouca dele me pergunta.
Ele falou mesmo comigo?
— É... Walther, Thayla Walther.
— O que faz da vida? — ele pergunta mexendo em sua comida,
com os olhos vidrados em mim.
— Acho que o senhor já sabe — digo olhando de volta para ele.
— Vocês já se conheciam? — Alice pergunta.
— Já nos vimos algumas vezes — responde.
— Ah, sim. — Ela sorri e fica quieta.
— Preciso ir embora — digo envergonhada.
— Ainda está muito cedo, fica mais um pouco, espera a
sobremesa — Alice diz com um semblante triste.
— Não posso, minha mãe precisa de mim, ela está doente e
preciso ficar no pé dela para tomar os remédios.
— Tudo bem — diz por fim. — Damon leva você. — Ela sorri
para ele, que lança a ela um olhar de quem a mataria por isso.
— Não precisa, posso pegar um ônibus — dispenso
levantando-me da mesa.
— Tenho que pegar um documento na rua, posso te levar em
casa — ele diz se levantando e jogando o guardanapo sobre a
mesa.
Apenas balanço a cabeça, mesmo sabendo que ele não viu.
Alice pede a Beth que pegue minhas coisas no quarto, enquanto
tagarela um monte de coisas sobre a festa e, para falar a verdade,
nem presto muita atenção.
— Hein? — ela pergunta.
— O quê? Não ouvi, desculpa.
— Posso te pegar amanhã no seu trabalho? Precisamos ver
sua roupa.
— Ah, tá, pode sim — digo sem prestar atenção.
— Tá bom, vai ser tão legal, você vai ficar linda... — ela
continua falando mais um monte de coisas em que continuo sem
prestar atenção, por focar apenas no homem que está descendo as
escadas vestido em uma jaqueta de couro, uma blusa preta, calça
jeans escura e botina.
Ele com toda certeza é lindo, desse jeito parece um verdadeiro
bad boy.
— Vamos — diz sem olhar para mim.
— Tchau, Thay, nos vemos amanhã. — Ela me dá um abraço
apertado.
— Certo, te espero — digo retribuindo o abraço.
Trocamos nossos números para combinar tudo e me viro para
sair. Ele caminha até a porta do elevador.
— Sr. Lins? O carro já está na porta — um senhor fala.
— Obrigado, John, mas prefiro ir dirigindo, está dispensado por
hoje.
O homem assente e sai.
As portas se abrem, ele entra, cruza os braços e se encosta na
parede do elevador; eu fico do lado oposto olhando para meus
sapatos. As portas se fecham e descemos em absoluto silêncio, o
clima está bem ruim e eu não ousaria fazer qualquer ruído.
As portas voltam a abrir e paramos em uma garagem
subterrânea. Meus olhos batem no tanto de carros que existem
nesse lugar, pra quê tudo isso? Eu só precisava de um para
solucionar todos os meus problemas.
— Por que tantos carros? — deixo escapulir, tampo a boca
rapidamente e coro no mesmo instante.
— Porque eu posso.
— Grosso — digo baixinho.
Ele estreita os olhos para mim.
— Eu ouvi o que disse — avisa olhando para a frente
novamente, indo até um painel cheio de chaves.
Ele pega um chaveiro e caminha até um Cadillac Ciel,
destravando as portas. Pra que um carro desses para buscar
apenas um documento?
Ele dá partida tão logo eu entro. As paredes dão lugar para as
árvores. O verde em volta chama minha atenção. O vento sopra em
meu rosto, deixando os meus cabelos alvoroçados. Fecho os olhos
e sorrio com a sensação deliciosa de estar em um conversível.
Respiro o ar puro alguns minutos antes de voltar à realidade. Olho
pelo canto dos olhos e o Sr. Ranzinza está atento à estrada. Eu nem
sei em que parte da cidade estou e nem se conseguiria ir de ônibus
para casa.
Deito a cabeça no encosto, olhando para o céu e aproveitando
a sensação. Ouço uma música preenchendo o som do carro. Olho
de soslaio para o homem ao meu lado e ele continua olhando para a
frente, mas seus dedos batem de leve no volante, de um jeito
ritmado com as batidas da canção.
O clima de paz no carro se desfaz quando sinto alguns
respingos de água em mim. Volto a olhar para o céu e uma nuvem
negra aparece anunciando o temporal. Os pingos logo se tornam
gotas grossas, deixando a pista escorregadia demais e dificultando
a visibilidade.
— Merda — ouço-o murmurar.
Os nós dos seus dedos estão brancos pela força que fazem ao
segurar o volante contra o vento forte, que nos açoita com força.
Vemos uma placa piscando mais à frente e ele encosta.
— Vamos ter que ficar aqui, até a chuva passar — fala
estacionando em uma das vagas cobertas, em frente a um motel.
Só pode ser brincadeira.
Ele sai do carro, correndo até a recepção, e eu sigo atrás. O
vento gelado encontra meu corpo molhado, fazendo com que eu
bata os dentes de frio. Me encolho apertando os braços em volta do
corpo.
Sinto o toque da mão fria de Damon em meu ombro,
oferecendo-me sua jaqueta de couro. Eu a visto antes que ele
perceba que está sendo gentil e mude de ideia.
— Obrigada — digo, olhando para o chão.
Ele apenas acena com a cabeça na sua peculiar frieza,
dirigindo-se à recepcionista.
— Quero um quarto.
— São 56 dólares, vai ser em dinheiro ou crédito? — ela
pergunta com uma voz melosa, mascando chiclete e enrolando os
cabelos no dedo.
Ele joga o dinheiro no balcão como se aquele valor fosse nada.
Fico com uma vontade enorme de rir, mas logo cai a ficha de que eu
ficaria num quarto sozinha com ele. Começo a ficar nervosa, não sei
se seria uma boa ideia estar com ele, já que não nos damos bem.
— Vamos — ele fala em tom de ordem e, neste momento, acho
melhor não contestar.
Sigo-o por um corredor extenso e paramos em frente à última
porta.
O quarto até que é grande. Uma cama king-size no meio, um
sofá do lado esquerdo, junto com uma pequena mesa com duas
cadeiras. Fico congelada na porta enquanto ele passeia pelo quarto.
— Não é o Plaza, mas vai servir. Ora, o que você está fazendo
parada aí? Entre logo, garota, isso não é um encontro de foda. Não
tenho interesse algum em você.
Coro no mesmo instante.
Entro devagar e me sento no sofá, no canto, enquanto ele liga o
aquecedor.
— Acho melhor tomar um banho e pôr essas roupas para secar
— ele diz sacando do bolso uma carteira de cigarro e um isqueiro,
então segue para janela e acende seu cigarro, apoiando-se no vidro.
Ali, em silêncio, tragando o fumo ele até parece um homem
sereno.
Antes que me pegue olhando para ele, decido tomar um banho.
Deixo a água quente embaçar o boxe antes de entrar debaixo do
chuveiro, aproveitando para relaxar meu corpo.
A voz dele dizendo que não tem interesses por mim invade meu
pensamento e eu não sei por que me incomoda tanto. Não é como
se eu gostasse dele também.
Pego o shampoo no vidrinho com o rótulo do hotel e lavo o
cabelo, afastando de vez os pensamentos invasivos.
Termino o banho e me enrolo no roupão felpudo, pego outra
toalha e envolvo nos cabelos. Fico rodando no banheiro, criando
coragem para sair deste jeito. Me dou conta de que não tenho para
onde correr, então saio fazendo o mínimo de barulho, indo direto
para o sofá. Ele continua na janela olhando a chuva que cai
intensamente. Deito-me no sofá encolhida, prendendo o roupão bem
firme no corpo. Apesar de estar de olhos fechados, ouço quando ele
passa por mim em direção ao banheiro.
Quando se tranca, respiro aliviada, relaxando, e acabo caindo
no sono.
Sete
Acordo em um sobressalto, com um estrondo lá fora. Olho para
os lados, vejo que ainda chove forte e já é noite. Olho para a cama e
o Sr. Ranzinza está deitado nela confortavelmente. Percebo uma
coberta sobre mim e me surpreendo com a gentileza. Levanto-me
tentando não fazer barulho, caminhando até a cama. Estudo o rosto
angelical daquele homem. É tão contraditório, já que quando está
acordado é tão diabólico. Fico olhando os detalhes de seu rosto
tentada a passar os dedos por cada traço, sei que é errado, mas, ao
mesmo tempo, sinto-me atraída. É confuso, esse homem me intriga.
Aproximo lentamente minha mão trêmula de seus lábios, quando
outro estrondo ecoa pelo quarto, fazendo com que, no susto, eu dê
um tapa em seu rosto. Dou um pulo me jogando ao seu lado, me
escondendo debaixo do lençol. Não por ele, apesar de temer o que
aconteceria agora, mas sim pela trovoada.
— Mas que merda é essa? — ele grita.
Me encolho ainda mais quando outro estrondo e um clarão no
céu me fazem gritar de medo.
Eu poderia facilmente me esconder debaixo da cama se ela não
fosse do tipo box.
— Vai me dizer que tem medo de trovoada? Sério? — Ouço
sua risada.
Ele está mesmo rindo? Olho pela brecha do lençol para garantir
que não estou imaginando, mas seus dentes brancos e bem
alinhados estão à mostra. Será que ele sabe o quanto fica bonito
sorrindo?
Ele se levanta e vai até a janela. Olho para seu corpo, ele está
de camisa e boxer, fazendo-me perder o fôlego. Fecha as cortinas
deixando o quarto mais escuro, me impossibilitando de ver os
relâmpagos. Talvez exista um coração neste homem, afinal.
Ele pega um controle e liga em um canal de videoclipes. A
música invade o ambiente cortando o som do lado de fora. Aos
poucos tiro o lençol do resto da minha cabeça, prestando atenção
ao que passa na TV.
— Pelo visto passaremos a noite aqui. Tentei ligar para meu
motorista, mas estou sem sinal.
Desvio os olhos da TV para ele, que está sentado no sofá se
servindo de whisky.
— Por que tem tanto ódio de mim? — pergunto sem perceber
ou ao menos pensar.
Isso estava começando a me incomodar.
— Não é questão de ódio, apenas desinteresse. Você não me
interessa, então não tem por que sermos amigos. Sem falar que
você é extremamente nociva a mim. Ao que parece, está sempre
agindo de forma a me prejudicar. Inclusive, não ache que me
esqueci do tapa que me deu — diz levantando o olhar e me
encarando.
Como ele pode ser tão sexy com um gesto tão simples?
— Ainda bem que concordamos, pelo menos nisso, também
não o acho interessante. — Ouço-o soltar uma lufada de ar. — E
não lhe bati por querer, apesar de quase sempre querer te esganar,
foi somente pelo susto — digo tapando a boca em seguida.
O que eu estou fazendo?
— Me esganar? — Levanta uma das sobrancelhas.
Outro estrondo no céu faz com que eu tome um susto e quase
caia da cama. Mas que merda, Universo!
Ele começa a rir de novo.
— Pelo Santo Cristo, dá para parar de rir da minha cara? —
digo irritada.
— Não, pelo menos descobri uma utilidade em você, me fazer
dar gargalhadas.
Levanto-me e arrumo o roupão no corpo, pego minha carteira,
que está dentro da bolsa, e saio do quarto, caminhando até as
máquinas que havia visto antes. Ponho algumas moedas e escolho
algumas besteiras que com toda certeza precisarei para suportar
aquele cara. Volto para o quarto com as mãos cheias, abro a porta e
o diabo continua sentado no mesmo lugar. Ele olha com cara de
reprovação. Viro o rosto para o outro lado e ponho o que comprei
em cima da cama antes de caminhar até ele, tomando o controle de
sua mão.
— Ah, resolveu ser malcriada também? — diz e ri novamente.
Mas o que deu nele?
— Que porra tem nesse whisky? Sério, me deixa em paz. Já
está claro que não nos suportamos. Então fica na sua, que eu fico
na minha — despejo explodindo em raiva.
— Olha, se eu fosse você, moderava a forma como fala, você
vai acabar se dando muito mal. Ninguém fala assim comigo, está
me ouvindo? — pergunta me encarando com olhos frios e no
mesmo instante me arrependo por abrir a boca.
— Sim! — digo sentindo vontade de chorar.
Por que tínhamos que ficar no mesmo quarto? Por que raios
aceitei aquela carona?
Abro o pacote de amendoim e me aconchego na cama
procurando algo que tome a minha atenção além daquele homem
de cabelos negros e olhos verde-acinzentados. Encontro um reality
show chamado Geordie Shore, bem louco e engraçado. Dou risada
sozinha das maluquices que acontecem enquanto termino de comer
as guloseimas que comprei. Não ouso olhar para ele um minuto
sequer. Não quero dar mais motivos para ele gritar.
Esse homem bagunça tanto minha mente que esqueci de ligar
para minha mãe. Ela deve estar bastante preocupada por eu não ter
voltado ainda. O desespero bate, levanto, procurando meu celular
na bolsa.
— Merda — xingo baixo.
Sem sinal!
Fico rodando pelo quarto atrás de um pontinho que seja, mas
não encontro.
— Acho melhor desistir, com a chuva e os ventos fortes, a torre
telefônica deve ter sido afetada — ele fala pegando um cigarro e
acendendo.
Sento-me na cama conformada, ele dá uma tragada e apaga.
— Isso vai te matar. — Aponto para o cigarro.
— Eu já morri há muito tempo. — Sinto um calafrio passar por
todo o meu corpo, o que ele quer dizer com isso?
Olho para meu celular de novo e vejo que eu não podia fazer
nada a não ser esperar.
— Parece que a pessoa é bem importante.
Ele está puxando assunto? É isso? Acho que ser imprevisível é
o forte dele.
— A pessoa com que eu estou tentando falar?
— Meio óbvio, não?— diz impaciente.
— Hum, estava tentando falar com minha mãe. Não costumo
ficar tanto tempo fora de casa, e sua irmã meio que me sequestrou
depois que me atropelou.
— Ela o quê? Alice é inacreditável — comenta balançando a
cabeça.
— Quero dormir... Poderia sair do sofá? — Olho para minhas
mãos.
— Durma na cama — fala matando todo o whisky de seu copo.
Não digo nada, apenas me aconchego no colchão, procurando
o interruptor para desligar o abajur. Ou eu sou muito burra ou as
coisas são bem complicadas de se usar. Sento-me de novo e fico
pensando nas possibilidades de aquele abajur ser desligado.
Vejo Sr. Ranzinza se aproximando de mim. Ele se senta na
beirada da cama, ao meu lado, e me pergunto o que quer agora.
Olha diretamente em meus olhos, parece até ver minha alma, e se
aproxima levantando a mão. Pressinto que vai acariciar os meus
cabelos, aproxima-se ainda mais, porém sua mão passa direto e vai
logo atrás de mim, apagando a luz.
Ele se levanta, indo para o banheiro sem dizer absolutamente
nada.
— Obrigada — digo olhando para a porta fechada.
Deito novamente na cama, sentindo o meu corpo quente pela
sua proximidade. Meus pensamentos me traem, ao imaginar tantas
coisas inalcançáveis. Respiro fundo decidindo que já é hora de
dormir, antes que eu faça alguma besteira.
Quando estou pegando no sono, a porta do banheiro se abre.
Espio discretamente, ele está de toalha, os cabelos molhados
fazendo os pingos caírem sobre seu corpo, aquele V perfeito de sua
barriga levando ao lugar que eu nem deveria imaginar, com veias
saltadas me dando calor. Mas eu mereço isso, né? Ele caminha até
um armário, pega um roupão e outra toalha. Depois de secar seu
corpo e em seguida os cabelos, faz o movimento de quem vai tirar a
toalha e meus olhos só faltam sair da órbita.
— Sabia que é feio ficar olhando as pessoas se trocarem? —
Ainda de costas, ele me olha por cima dos ombros.
Mas que merda.
— E-Eu não estava te olhando, apenas me assustei com o
barulho que você está fazendo — digo com o rosto queimando de
vergonha.
Viro-me de costas para onde ele está, cobrindo todo o meu
rosto. Por que essas coisas têm que acontecer logo comigo? Fecho
os olhos e me forço a dormir.
Mãos frias me sacolejam fazendo-me acordar desorientada.
Abro os olhos devagar me deparando com um par de olhos em mim.
— Vamos, a chuva já passou e tenho que trabalhar — fala
saindo de perto de mim.
Percebo que ele já está devidamente vestido, então me levanto
num pulo e corro para o banheiro. Tomo um banho rápido, visto
minha roupa, prendo os cabelos em um rabo de cavalo e volto para
o quarto a tempo de ouvir Damon ao telefone, brigando feio com
alguém.
— Pelo amor de Deus, eu tenho que aturar isso logo cedo? Não
tenho paciência para isso — berra, deve ser a namorada dele,
presumo eu.
Ele anda de um lado para o outro ouvindo o que ela está
dizendo.
— Eu já disse que não foi o que aconteceu, não vou ficar me
explicando repetidamente, porque você está agindo como uma
garota mimada e não quer acreditar — diz furioso e olha para mim,
fazendo um sinal com a cabeça me chamando, e sai do quarto.
Acompanho-o, e ele devolve a chave na recepção, seguindo
para onde o carro estava estacionado.
— Eu sempre tenho o que quero, não vai ser diferente agora. —
Desliga o telefone.
Entramos no carro, que está com os estofados ainda úmidos,
mas imagino que com um pouco de vento o couro secará.
Ele me ignora o trajeto inteiro e dou graças a Deus, já que
parece furioso, e não quero que sobre para mim.
Ao chegar à porta de minha casa, fico receosa em falar com
ele, mas a educação fala mais alto.
— Obrigada.
Ele deixa de olhar para a frente, fixando os olhos em mim.
Aproxima-se, seu rosto chega bem próximo ao meu pescoço, a
ponto de eu sentir sua respiração quente na minha pele. Seu nariz
roça de leve no meu ombro e eu congelo.
— Não é porque te dei uma carona que agora somos amigos,
entendeu? Pode ir. — Ele abre a porta do carro e aponta para fora.
Sinto meu rosto esquentar, dou uma última olhada para ele e
saio do carro.
Depois de muito conversar com minha mãe para ter a certeza
de que ela estava bem, trocar de roupa e tomar café, sigo para o
trabalho aproveitando o dia lindo e ensolarado. Nem parece que
choveu tanto ontem. Durante o percurso, as pessoas olham para
mim e sorriem. Imagino que um dia como este depois do temporal
as tenha deixado bem-humoradas.
Oito
Chego ao trabalho e Ana está passando instruções para uma
menina vestida com o avental da Coffee and Sweets.
— Funcionária nova? — pergunto dando um abraço na minha
colega.
— Sim, Arthur resolveu começar a treinar uma nova funcionária,
você agora só vai fazer meio expediente. Inclusive pediu para te
avisar que quer vê-la — Ana responde. — Esta é Carl i — ela me
apresenta.
— Oi, sou Thayla. — Aperto a mão dela meio atordoada.
— Eu sei. — Ela sorri. — Quem não sabe quem é você?
— Como? Não entendi — digo confusa.
— Vai me dizer que ainda não viu? — Ana pergunta me
olhando, como se fosse óbvio.
— Vi, o qu ê ? Será que dá para vocês me falarem? — pergunto
já me irritando.
— Meu Deus, em que mundo você vive? Você está em todos os
sites, jornais e revistas com o Sr. Lins — Ana grita e Carli assente
veemente.
— Como assim? — Ando de um lado para o outro enquanto
Carli pega o celular e me entrega.
— Olha.
Abro e fotos minhas e dele estão estampadas na frente, ele
com a mão no meu ombro me dando sua jaqueta, nós dois entrando
no motel, ele na janela fumando. Mas que miseráveis, a manchete
sensacionalista diz:
" Será esta a nova pretendente de Damon Lins? Ou só mais
um de seus casinhos? Parece que as coisas entre eles foram
bem quentes esta noite."
Mais um monte de baboseiras estão aqui, dizendo que várias
outras mulheres desejavam o meu lugar e que eu sou uma sortuda
por tê-lo nem que seja por um breve momento.
Então foi por esse motivo a discussão com a “namorada” dele?
Já que pela imprensa ela nem existia.
— Mas que sensacionalismo barato, tivemos que parar no
motel por causa da chuva, estava perigoso dirigir com o carro
aquaplanando. Ficamos lá até o tempo melhorar, mas nada
aconteceu, e ele nem gosta de mim — digo tudo de uma vez.
— Calma, acreditamos em você. Esse pessoal de imprensa é
assim mesmo. — Ana me dá um abraço. — Agora vamos, senão o
Arthur vai querer matar nós três.
Vou até o meu armário, guardando minha bolsa; pego meu
avental e volto. Antes de começar a atender, vou à sala de Arthur,
ouço um “entre” depois que bato à porta.
— Queria me ver? — pergunto já aflita.
— Como pode ver, contratei mais uma pessoa, você trabalhará
pela manhã e consequentemente terá o salário reduzido.
— Mas por quê? Como isso vai ajudar a melhorar o
atendimento? A loja está sempre cheia — indago tentando entender
a lógica nisso tudo.
— Contratarei mais duas pessoas, que trabalharão da mesma
forma que vocês. Mais alguma coisa? Se não, pode se retirar, o
salão está cheio. — Volta os olhos para as notas fiscais em cima da
mesa.
Não digo nada, apenas saio do escritório. Então quer dizer que
ele terá quatro funcionárias pelo salário de duas? No meio disso
tudo, a maior prejudicada seria eu, ganharia menos. Em vez de me
desesperar, me convenço de que será uma boa possibilidade de ter
mais tempo para arranjar um novo emprego, que pague mais. Ou,
de repente, um segundo emprego de meio turno. Eu ainda tenho
esperanças de não ser demitida.
Divido os atendimentos com a Carli, o que deixa o trabalho bem
mais rápido.
No entanto essa parceria só durará hoje, por ser o primeiro dia,
mas, a partir de amanhã, eu farei o turno da manhã, e ela, o da
tarde.
Preciso aumentar minha renda logo, pois meu prazo para quitar
minhas dívidas está acabando.

Faltando 15 minutos para meu horário de almoço, vejo o


homem de olhos verde-acinzentados que agora é familiar, passar
pela porta vindo até mim. Sinto as pernas tremerem. Percebo que a
conversa entre as meninas cessou e é provável que elas estejam
olhando para a mesma pessoa que eu. Olho por um instante para
elas, que em troca me dão um sorriso malicioso.
— Alice pediu que eu te desse uma carona; como meu
escritório é aqui perto e ela vive se perdendo, resolvi te buscar. — É
visível seu desagrado, ele realmente não gosta de mim.
— Ainda faltam 10 minutos para que eu possa sair — digo
olhando para o lado, vendo os sinais que as meninas fazem,
encenando um beijo.
Por que eu só tenho pessoas loucas ao meu redor?
— Me traga um café, vou te esperar na mesa. — Se vira, indo
sentar.
Ele é tão lindo e fica irresistível de terno. O de hoje é cinza. A
camisa branca, sem gravata, lhe dá um ar despojado. Vou até Ana e
peço o mesmo café que ele pediu da outra vez que veio aqui. Assim
que fica pronto, vou até a mesa, segurando a xícara com força e
cuidado para que não aconteça a mesma coisa; até dispensei a
bandeja para garantir que não ia derrubá-la.
Ele se levanta quando eu chego, afastando-se um pouco da
mesa.
— Dessa vez não vou derramar em você. Aqui está. — Ponho
na mesa. — Café com caramelo, pouco leite e meia pedra de
açúcar.
Ele olha para mim por longos segundos e depois volta a se
sentar.
— Já deu meu horário, quando terminar podemos ir, vou pegar
minhas coisas — digo com a voz trêmula.
Corro para o meu armário, tirando este avental horrível, e
arrumo os meus cabelos longos e escuros no rabo de cavalo.
— Deus, ele é mais gato pessoalmente, Thay — Carli fala e se
abana quando retorno para o salão.
Mas quem deu essa liberdade toda a ela?
— Tenho que concordar. Você é sortuda — Ana diz.
— Eu, sortuda? Não temos nada, ele apenas veio me buscar a
mando da irmã, tenho que ir — digo dando um breve aceno.
— Vamos — ele chama caminhando até um Audi R8 V10
Spyder branco e vermelho.
Como eu sabia disso? Meu pai era um italiano fissurado em
carros, sempre assistíamos a corridas juntos e eu acabei pegando
gosto. Nosso sonho era dirigir um desses, para testar a potência,
que era extraordinária.
Entramos no carro e tão logo meus cabelos voam me lembro do
acontecido de ontem, olhando instintivamente para o céu. Graças a
Deus, está bem azul e ensolarado. Aproveito que o carro está
parado no sinal vermelho para esclarecer uma questão.
— Por que não me falou que estávamos estampados em tudo
que era sites e revistas por um suposto romance? — pergunto
cruzando os braços e olhando para ele.
— Não achei importante. Nada que foi dito era verdade, então
não há com o que se preocupar.
— Sério? Não há com o que se preocupar? Você é um homem
que provavelmente vive trocando de mulheres. Minha reputação que
está em jogo, eram fotos nossas entrando naquele hotel de beira de
estrada.
— E qual é o problema? Vai me dizer que é virgem? — Ele olha
de relance para mim e eu coro no mesmo instante. — Pelo amor de
Deus, fala sério, você é uma caixinha de surpresas. — Gargalha.
— E você, um idiota.
Ele segura meu pulso apertando firme, não dói, mas é
incômodo ficar presa. A frieza de suas mãos causam uma
eletricidade ao meu corpo quente.
— Quando você vai parar com essa sua mania ridícula de
tentar me ofender? Tentando me irritar. Não brinca comigo, garota,
eu já estou sendo bonzinho demais com você. — Ele me solta e
arranca o carro com o sinal ainda vermelho, passando por entre os
carros em alta velocidade e desviando dos que vêm das outras
pistas.
— Você está louco? — grito me segurando no banco.
— Você não gosta de brincar, Walther? — pergunta acelerando
mais.
— EU NÃO GOSTO — grito de medo. — Para, por favor —
peço fechando os olhos.
Sinto a velocidade sendo reduzida.
— Espero que aprenda a lição — diz com a voz tão calma que
tenho vontade de socar a cara dele.
Passei o restante do caminho em completo silêncio, em parte
porque estava com medo, mas também por estar irritada e com
vontade de bater nele. Assim que o carro para na frente de sua
casa, eu desço, seguindo direto para a entrada onde uma moça
aguarda.
— Olá, senhorita Thayla, Alice pediu que eu a recebesse, pode
me acompanhar — ela diz com um sorriso largo no rosto e com a
voz calma.
— Oi, obrigada — agradeço retribuindo o sorriso.
Caminho com ela até o quarto de Alice, que me espera
eufórica, com a cama cheia de roupas.
— Oi, Ali — cumprimento e ela corre para me abraçar.
— Oi, Thay, acredita que eu já estava com saudades? — Ela
sorri e me aperta ainda mais em seus braços.
— Sério? Não faz nem 24 horas que saí daqui.
— Pois é. Por falar nisso, o que aconteceu com você e meu
irmão no motel? — ela pergunta me olhando, meu rosto fica
inteiramente vermelho.
— Não aconteceu nada, eu juro — digo nervosa.
— Damon me falou. — Ela dá risada.
— Então por que me perguntou? — Junto as sobrancelhas.
— Ele respondeu com muita facilidade e Damon costuma fugir
de perguntas, achei que ele estivesse mentindo.
— Entendo. Melhor focar nas roupas, só tenho uma hora de
almoço.
— Claro, que tal começarmos por este? — Ela me estende um
vestido vinho, com uns detalhes na cintura. — Veste!
Vou para o banheiro e, assim que visto, sei que não vai prestar.
Ficou tão apertado que me sinto um botijão prestes a explodir. Vou
para o quarto e a cara de reprovação de Alice me faz revirar os
olhos.
— Nem se você gostasse, eu usaria — digo voltando ao
banheiro.
— Graças a Deus. — Ela estende um outro vestido meio
estranho, mas visto.
Ainda bem que não ficou bom.
Nove
Depois de inúmeras tentativas e uma pilha de vestidos que
ficaram horríveis, eu já tinha perdido a paciência. Já estava até
trocando de roupa dentro do quarto, na frente de Alice para
economizar tempo.
— Acabei de me lembrar de outro, tenho certeza de que vai
ficar perfeito para você — ela diz dando pulinhos. — Espera aí, já
volto. — Sai correndo do quarto.
Tiro o vestido em que eu estava e me enrolo no lençol. Ouço
uma batidinha à porta e me levanto para abrir, mas meus pés se
enrolam no lençol e caio como um pacote embrulhado no chão. A
porta se abre revelando Damon, ele vira a cabeça para o lado e me
olha.
— Estabanada como sempre, não é mesmo? — fala me
analisando.
— O quê? Estou olhando a decoração do teto.
— Decoração do teto? Ok. Cadê Alice? — ele pergunta com
uma sobrancelha arqueada.
— Não sei, ela saiu do quarto.
Ele se vira para sair, mas antes olha para mim com um sorriso
malicioso nos lábios e diz: — Belos peitos por sinal. — Me dá uma
piscadela e fecha a porta.
Olho para baixo rápido e vejo que meus seios estão fora do
lençol. Mas que merda. Me cubro rápido, meu rosto queima de
vergonha. Odeio esse cara, como vou olhar para ele agora?
Levanto-me do chão e me sento na cama, alguns segundos
depois Alice aparece no quarto com uma capa preta na mão.
— Veste esse, vai ficar lindo em você, não tenho dúvidas.
Ela abre o zíper e me entrega o vestido. É lindo demais e
parece ser bastante caro também.
— De onde tirou este vestido?! — pergunto.
— Esse chegou esses dias, ganhei de presente pelo último
desfile que fiz antes de vir para cá — ela diz com os olhos brilhando
e um sorriso largo. — É da mais nova coleção da Prada. Está vendo
essas pedrinhas aqui? São cristais Swarovski. — Aponta para os
brilhos espalhados pelo busto do vestido.
Meus olhos se arregalam.
— Não posso usar um vestido caro desses.
— Para com isso, Thay, você vai a uma festa de gala com os
Lins. Vai vestir esse e acabou.
— E se eu estragar? Ou se eu roubar o vestido e desaparecer
no mundo? — pergunto tentando convencer a ela.
— Você não vai estragar e nem muito menos roubar. Né? —
pergunta.
— Não teria essa coragem — digo revirando os olhos.
— Ufa, por um segundo achei que você estava falando a
verdade. — Ela faz uma cara séria, depois se desmancha em uma
gargalhada. — Não mesmo. Agora veste.
Largo o lençol de lado e passo o vestido pelos braços, sentindo-
o cair perfeitamente sobre meu corpo. Alice fecha o zíper e me olha.
— Com certeza é esse o vestido. — Ela aperta minhas
bochechas e sorri.
Vou para a frente do espelho e vislumbro uma mulher
totalmente diferente. O vestido me deixou com um ar de poderosa,
como uma pessoa de alto escalão, deixando-me charmosa e com
um ar sexy. Ele se ajusta perfeitamente em meu busto e a cor creme
se destaca em minha pele bronzeada.
— Está perfeito — digo boquiaberta.
— Vai ficar ainda mais linda com um belo penteado e uma
maquiagem. — Ela me olha e sorri.
— Obrigada. — Abraço Alice apertado, apesar de acabar de
conhecê-la eu conseguia sentir que ela seria uma grande amiga.
— Não tem que me agradecer, sua boba. Vou pedir a Damon
ou John para te levar, senão você vai se atrasar para o trabalho.
— O seu irmão não, já basta de confusão. A namorada dele
deve estar louca pelas fofocas que estão rolando — uso essa
desculpa, porque não quero que ela saiba que o real motivo é que
eu não quero que ele me leve.
Quero ficar o mais longe possível daquele louco.
— Fiquei sabendo... — Ela chega mais perto de mim e
cochicha. — Que eles dois terminaram por causa de você, ela está
com ciúmes.
— Está vendo? Eu disse.
— Graças a Deus, porque ela é uma jararaca. Ela é
dissimulada, só meu irmão não vê. Prefiro você. Bem que poderiam
ficar juntos, aproveitar a onda da fofoca, sabe?!
— O quê? Tá doida? Quero distância dele. — Tiro o vestido
quase caindo no chão, sorte que Alice me segurou.
— Para com isso. Damon é lindo, charmoso e muito cavalheiro.
— Ela põe o vestido de volta na capa.
Deve estar falando de outro Damon, porque o que eu conheço
com toda certeza não é.
— Tenho que ir, poderia pedir ao John para me levar?
— Ok, vou lá embaixo falar com ele. Aqui está o seu vestido. —
Ela me entrega antes de sair do quarto.
Visto minhas roupas, arrumo o cabelo, pego minha bolsa, o
vestido e saio do quarto.
Apesar da pressa, paro uns instantes para observar os quadros
que há na casa, é um mais espetacular que o outro.
Desço as escadas e Alice avisa que o motorista vai me levar ao
trabalho e, na sequência, deixar o vestido na minha casa.
— Já que não conseguiu comer, pedi a Beth para preparar um
sanduíche. — Ela me entrega o pacote.
— Obrigada, Ali, até amanhã. — Dou um beijo em seu rosto e
me afasto dela, indo para o carro.
John pega minhas coisas e abre a porta para mim, o que acho
um grande exagero. Digo a ele os endereços e aproveito para puxar
conversa.
— E então, John, o senhor é casado? — pergunto ao simpático
motorista.
— Sim, sou casado há 14 anos, senhorita Walther. — Ele sorri.
— Não, por favor. Apenas Thayla. E meus parabéns, 14 anos é
muito tempo. O que um relacionamento precisa para durar tanto
assim? Tem filhos? — Sou curiosa mesmo, qual o problema?
— Tenho quatro. Três meninas e um menino. Acho que num
relacionamento é necessário ter cumplicidade, carinho, amor e
acima de tudo respeito. Não adianta amar se não há respeito entre o
casal, entende, Thayla?
— Espero um dia encontrar alguém que pense como o senhor
— digo olhando para a paisagem que passa pela janela.
— A senhorita já achou — ele responde sorridente e volta a
atenção para a estrada.
Não posso crer que também acredita nas fofocas, pelo jeito eu
sou a única a enxergar Damon como ele é , ou ele é arrogante e
prepotente apenas comigo.
Quando chego ao trabalho, as meninas me atacam com
perguntas. Como não almocei, dou essa desculpa para usar os
minutos que faltam para engolir o sanduíche, não dando tempo para
contar nada. A tarde passa correndo com a alta rotatividade de
clientes, e já é hora de ir embora. Meus pensamentos são tomados
pela lembrança daqueles intensos olhos verdes. Eu não entendo a
razão de pensar tanto nele. Tudo bem que ele me intrigava com sua
grosseria gratuita misturada a pequenos gestos de gentileza, mas
eu não deveria.
Vou para casa andando e observando as pessoas pelo
caminho.
Chego em casa e encontro minha mãe na cozinha.
— Oi, mãe — digo dando um beijo em seu rosto.
— Oi, filha, está com fome?
— Estou faminta. Como foi seu dia, já tomou seus remédios?
— O meu dia foi como todos, estou cansada de ficar em casa e
eu acabei de tomar meus remédios, pode ficar despreocupada.
Agora vá tomar banho para comer, vou pôr a mesa — diz mexendo
em uma panela.
Vou para o quarto e encontro o vestido em cima da cama,
aproveito para guardá-lo no guarda-roupas antes de ir para o banho
e lavar os cabelos.
Visto uma camisa larga e uma calcinha boxer, ficando o mais
confortável possível, e parto para a cozinha.
— Thay, aquele vestido quem te deu? Parece uma fortuna —
ela pergunta colocando uma jarra de suco na mesa.
— Andou bisbilhotando minhas coisas, dona Joana? É
emprestado, uma amiga está me intimando a ir a uma festa de gala
no sábado.
— Festa de gala? Desde quando você tem amigos ricos? — Ela
dá risada.
— Conheci faz algumas semanas — minto.
— Ah, tá, depois a traga aqui, quero conhecer.
— Certo, pode deixar — digo pondo fim na nossa conversa.
Aprecio minha comida em silêncio e, depois que termino,
desfaço a mesa, indo lavar as louças. Minha mãe está sentada
conversando comigo enquanto isso.
Ao terminar nos sentamos na sala para ver sua novela preferida
e, quando estou cansada o suficiente, eu me despeço dela e vou
para o meu quarto. Mal me deito e o sono toma conta do meu corpo.
Acordo com o barulho irritante do despertador. Dou um pulo da
cama, indo direto para o banho. Escolho uma roupa básica, calça
jeans, blusa vermelha e sapatilha preta. Arrumo os cabelos
deixando-os soltos, passo um gloss nos lábios e sigo para a
cozinha, onde a mesa para o café da manhã já está posta.
— Bom dia, mãe, como está se sentindo hoje? — pergunto
dando um beijo rápido nela.
— Bom dia, um pouco cansada, mas bem — ela fala e corta
uma fatia de bolo.
— Não faz nada hoje, descansa. Vou chegar cedo, então o
almoço é por minha conta.
— Nada disso, na minha cozinha você não mexe, da última vez
quase pôs fogo no prédio inteiro. — Ela me olha séria e eu só tenho
vontade de rir.
— Mas dessa vez prometo não botar fogo em nada, ok? Por
favor, você sabe que precisa de repouso.
Ela não responde nada, termino o iogurte e pego uma fatia de
bolo para arrematar.
— Agora tenho que ir, deita, assiste TV, lê um livro. Mas fica
quieta. — Solto alguns beijos no ar e saio.
Desço as escadas pulando os degraus de forma divertida. Na
saída dou de cara com o Sr. Amélio, respiro fundo e caminho até
ele.
— Bom dia, Thayla.
— Oi, Sr. Amélio, eu sei que o aluguel está atrasado, mas
prometo te pagar no final do mês.
— Assim espero, menina, sei que tem muita coisa sobre suas
costas, mas eu também preciso. Dinheiro até o final do mês, nada
mais que isso, caso contrário... — Ele olha para a porta e faz um
sinal como se estivesse me enxotando dali.
— Obrigada. — Sorrio amarelo e saio praticamente correndo.
É incrível como a cada dia que passa as coisas só se
complicam mais. Uma semana se passou e não consegui nem
mesmo um bico para ajudar nas contas. Minhas dívidas se resumem
a cinco mil, como vou arrumar isso de uma hora para outra? A
ingrata da Katy sumiu, não apareceu nem ligou mais, com uma
amiga dessas eu não preciso de inimigos. A dívida dela com o
senhor Lins também está enorme, maior que a minha, e eu temo
que sua conta sobre para mim.
Em meio a tantos pensamentos, quando vejo já estou na porta
do trabalho, cumprimento Ana sem muito ânimo e vou pegar meu
avental.
Dez
A parte boa do meu dia é saber que sairei em 20 minutos.
Entrego as panquecas com geleia a uma velhinha de sorriso meigo,
quando meu celular vibra.

Mensagem: On

Ali:
Oie, Thay, saudadeees! Vamos sair na sexta, não é?

Oi, Ali, também estou com saudades, não estou com ânimo
para sair.

Aaah, amiga... Vamos sair sim!!! Te pego na sua casa às 21h:p.

Fala sério, você é impossível.


Para onde vamos?

Surpresa, gata, mas ponha uma roupa provocante, haha.


Beijos, tenho compras a fazer.
Só não posso me meter em confusão, beijos, louca.

Mensagem: Off

Sei não, Alice parece atrair encrenca tanto quanto eu. Olho as
horas e vejo que já posso ir embora, pego minhas coisas antes de
me despedir de Ana e vou embora. Chego em casa e o cheiro de
comida exala pelo ambiente.
— Mãe? Eu não disse que eu iria fazer o almoço? Era para a
senhora estar descansando. Para de ser teimosa.
— Oi para você, eu estou doente, não morta. Ainda posso fazer
uma comida. E eu te disse que não quero você na minha cozinha.
Não quero morrer antes da hora, muito menos queimada — diz
séria, mas depois sorri.
— Que horror, mãe, acho que os remédios estão afetando sua
cabeça. De onde tirou esse absurdo? — digo tentando soar séria.
— Eu vou te mostrar a louca quando der com os cinco dedos na
sua bunda. Estou em perfeito estado de juízo. — Ela me aponta o
dedo e balança. — E já pro banho.
— Ok, dona Joana. — Levanto as mãos em rendição e saio
rindo.
O restante dos dias se passa lentamente. Durante o meu tempo
livre eu estou procurando por outro trabalho, deixando currículo em
lugares e procurando na internet por algo, mas tudo parece
complicado, e as pessoas parecem relutantes em me contratar.
São 20h47, estou vestida com um tubinho vermelho. Ninguém
diria, mas eu mesma fiz o modelo. Sei que a cor é clichê, mas era a
única em promoção quando fui comprar o tecido. Como é para estar
"provocante", este é a única opção, já que deixa as minhas costas à
mostra e o franzido no bumbum dá a impressão de ser maior.
O vestido exige uma maquiagem mais marcante, então
caprichei. Atraente poderia ser um sinônimo meu esta noite, meu
reflexo no espelho afirma.
Meu celular vibra com a mensagem de Alice dizendo que já
está lá embaixo. Pego minha bolsa, passo mais um pouco de
perfume e me despeço de minha mãe, descendo logo em seguida.
Do lado de fora avisto três carros luxuosos, dois Lamborghinis,
um vermelho metalizado, o outro preto com alguns detalhes
dourados; o terceiro carro é um Audi Q7 também preto. Todos os
três são lindos, mas a questão é, por que três carros?
O carro vermelho começa a buzinar para mim e vejo Alice me
chamando; ando até ela e sorrio.
Abro a porta e ocupo o meu lugar no carona.
— Nossa, você está linda — ela elogia.
Olho para minha amiga, que está com um vestido preto
decotado além de uma fenda generosa na perna. O corpo dela é de
dar inveja.
— Você está uma gata. — Sorrio enquanto ela olha para mim e
dá uma piscadela. — Por que há dois carros lá atrás? — pergunto
curiosa.
— Esqueci de falar, meu irmão veio também e os seguranças
dele — ela fala e revira os olhos.
— É o quê? — quase grito.
— É, eu sei, um saco. Mas ele é cauteloso, só anda com esses
pitbulls do lado — fala dando partida.
— Por que seu irmão vai? E para onde estamos indo?
— Ele não gosta muito de sair comigo, mas o dono do
estabelecimento é amigo dele e nos convidou para a inauguração
de uma de suas boates.
— Ai, meu Deus. Boate? Boate não! Da última vez que fui a
uma, não prestou.
— Só relaxa, Thay. Vamos curtir, que a noite é nossa.
— E eu só quero que você preste atenção na estrada — digo já
nervosa.
“Espero que ele fique bem longe de mim e que eu não arranje
nenhum problema.”
Deus, eu nunca te pedi nada. Olho para o céu suplicando, eu
até podia ouvi-lo dizer que minha lista já era enorme para quem
nunca pediu nada.
Desço do carro na porta da boate, que tem a fachada preta e
azul. O carro de Damon para atrás do nosso, enquanto os
seguranças dele já estão a postos, em seus devidos lugares.
É difícil não olhar para os Lamborghinis e não os admirar. Acho
fofo o fato de os irmãos terem carros exatamente iguais, mudando
apenas a cor. Pessoas normais vestem roupas iguais, fazem
penteados iguais... coisas desse tipo, mas não automóveis de luxo
iguais! Isso só podia ser coisa de rico.
Damon desce do carro tomando toda minha atenção para ele.
Não posso deixar de reparar em quão bonito ele está, vestindo uma
camisa branca com alguns botões abertos, mostrando um pouco do
peitoral, blazer preto, calça jeans e sapatos também pretos. Seus
cabelos estão penteados para trás e sua barba bem-desenhada só
mostra ainda mais os traços bonitos que há em seu rosto. Ele passa
os olhos pelo local, pairando-os sobre mim, analisando todo o meu
corpo. Quando seus olhos se encontram com os meus, fico
vermelha, ao ser pega olhando para ele.
Tento disfarçar, mas acabo focando em minhas mãos.
— Vamos, Thay. — Alice sai me puxando.
Os seguranças de Damon trocam algumas palavras com os
seguranças da boate, que liberam nossa entrada e nos guiam por
entre as pessoas. Olho para trás, vendo Damon vir com seus
seguranças.
— Ali, seu irmão vai passar a noite inteira com esses
seguranças do lado? — pergunto com a sobrancelha arqueada.
— Damon tem um sério problema em confiar nas pessoas,
então sim, ele vai passar a noite toda com eles do lado — ela diz
revirando os olhos.
— Mas por que toda essa segurança? Ele nem é tão importante
assim. — Que patético.
— Acho que você não andou pesquisando muito. Sério que não
sabe quem é Damon Lins? — Ela para e fica me olhando.
— E eu deveria? — Dou de ombros.
— Como assim? — Ela ri, voltando a andar. — Nossa família é
dona de uma rede de concessionárias de carros, Damon fica
responsável pelos designers e personalizações, ele é muito
procurado, já ganhou diversos prêmios, sem falar nos outros
empreendimentos dele. — Analiso o que ela diz, mas resolvo não
falar nada.
Subimos as escadas em direção a uma porta guardada por um
segurança. O rapaz abre a porta para passarmos e entramos em um
camarote reservado.
O espaço é grande, de paredes cinza, com sofás acolchoados
na cor branca. Ao lado, uma mesa com diversas comidas e um bar
exclusivamente nosso, com um barman que está pronto para nos
servir.
O desespero bate quando penso que ficaremos apenas eu,
Alice e o Sr. Ranzinza aqui.
Será complicado, muito complicado, ficar perto dele.
O som já estava a todo vapor. Ando até a sacada do camarote,
vendo o pessoal lá embaixo sacudindo o corpo no ritmo agitado da
música. Sinto uma mão em meu ombro e me viro para olhar.
— Toma, peguei para a gente — Alice fala.
— O que é isso? — pergunto olhando para a bebida azul, em
que sai fumaça.
— Só bebe, é uma delícia. — Dá risada.
Dou um gole e realmente é bom, tem um gosto de tutti frutti.
— Nossa, que gostoso.
— Eu disse. Se prepara que daqui a pouco vamos descer. —
Ela dá um sorriso malicioso e aponta para a pista.
— Certo. — Sorrio de volta.
Volto para o centro do camarote e pego alguns petiscos que
estão na mesa. Damon está sentado no sofá com um copo de
whisky em mãos, enquanto fala ao telefone. A conversa parece
estar ótima, pois sorri.
Com quem ele está falando? Érika? Será que voltaram?
Tomo tudo o que estava no meu copo e vou em busca de mais.
O barman me entrega um copo com a mesma bebida de antes.
Tomo um pouco e fico observando Alice cumprimentar as três
pessoas que entram no camarote. Pelo menos não ficaremos
sozinhos.
Os homens são morenos, quase da mesma altura, cabelos
pretos. São semelhantes demais, mas um tem olhos castanho-
claros, e o outro, olhos negros. Talvez sejam irmãos. Eles seguem
em direção a Damon. A mulher é muito bonita, tem o corpo
escultural. Sua pele negra combina com os cabelos escuros e
cacheados, os olhos amendoados chamam atenção. Bate papo
amistosamente enquanto Alice olha para mim e me chama com um
sinal.
— Thay, quero te apresentar Jessica, uma colega minha de
passarela.
— Prazer, sou Thayla. — Sorrio apertando sua mão.
Nunca fui boa em apresentações.
Jessica é ainda mais linda de perto, ela veste uma calça jeans
rasgada, salto alto, uma blusinha curta que deixa sua barriga à
mostra.
— Uau, amei seu vestido — diz me olhando dos pés à cabeça.
— Obrigada. — Sorrio.
— Vamos para a pista? — Alice fala fazendo uma dancinha
sensual.
— Vamos aproveitar que os meninos estão distraídos —
Jessica fala olhando para eles, que conversam animadamente.
Seguimos direto para a pista onde as pessoas dançam feito
loucas.
Entramos em sintonia com elas, mas o toque da próxima
música deixa Alice alvoroçada, dizendo que é a sua favorita.
— Não sabia que gostava de música latina — digo gritando,
para que ela me ouça.
— São as melhores — grita de volta.
Provavelmente aquela era a música favorita da maioria, porque
ficou claro o aumento na animação.
Onze
Quando a música acaba, eu já estou com os cabelos grudando
no rosto. Prendo-os em um coque no alto da cabeça, deixando as
argolas, que antes estavam escondidas, à mostra.
Outra melodia começa a tocar e volto a dançar animadamente.
Apesar de não conseguir fazer muito, dançar é uma das minhas
grandes paixões, junto a desenhar. Eu gosto muito de moda e amo
rabiscar modelitos. Tenho um portfólio inteiro apenas de roupas,
sem falar que tenho um apreço pela costura, com a falta de grana o
jeito é fazer eu mesma as minhas roupas. Até já pensei em, um dia,
quem sabe, ser uma estilista...
Seguimos o embalo das músicas conhecidas, mas, quando
começa a tocar uma que eu não reconheço, diminuo os movimentos
sentindo o ritmo envolvente. As primeiras batidas fazem com que
todo o meu corpo se arrepie.
Olho de relance para o camarote em que estávamos e encontro
Damon com os braços apoiados na sacada, segurando seu copo de
whisky. Ele está sem o blazer e olha para as pessoas que dançam
na pista.
Posso ver que dos seus lábios sai a letra da música que está
tocando. Me surpreendo por ele gostar.
— "Podemos começar?” — ele canta. — “Eu só quero te levar,
deveríamos sair dessa festa. E ir para algum lugar em que fiquemos
sem roupa e eu possa ver seu corpo.” — Ele passa o dedo sobre os
lábios devagar, e me pego hipnotizada pela cena, imaginando-o
cantando ao meu ouvido. — “Quantas doses eu preciso beber para
poder te ter sozinha, baby? É uma benção você ter vindo, então
quando você vir... Você já sabe o que tenho em mente e nós não
perderemos tempo.” — Um sorriso malicioso brota em seus lábios, é
como se soubesse que eu estou olhando, pois, na sequência, ele
me encara.
Não sei explicar como, mas neste momento consigo encará-lo
na mesma intensidade. Mas o destino sempre tem que me
atrapalhar, não é mesmo? Alguém mais desastrado que eu bate em
mim, me levando ao chão.
— Nossa, desculpa. Esses caras são uns idiotas — ele diz me
ajudando a levantar.
Olho para o camarote e ele já não está mais lá. Passo a mão no
meu vestido tirando qualquer resquício de sujeira.
— Não tem problema. — Sorrio.
O rapaz é bem simpático.
— Sou Pedro. — Ele estende a mão para mim.
— Prazer, Thayla. — Aperto sua mão.
— Vem, vou te pagar uma bebida como pedido de desculpas.
— Ele sorri.
— Não precisa, obrigada. — Sorrio amarelo.
— Vamos lá. — Ele revira os olhos.
Vejo as meninas se divertindo e fazendo sinal positivo para
mim.
— Tudo bem. — Eu me dou por vencida e vou até o balcão.
Ele pede duas doses de vodca. Brindamos e viramos de uma
vez. Varro os olhos pelo local e vejo o que não queria. Damon está
conversando com uma moça, sua mão pousa na cintura dela, e ela,
em toda oportunidade que tem, toca nele.
— Barman, quatro vodcas, por favor — peço e Pedro arregala
os olhos. — Vamos ver quem acaba com tudo primeiro. — Sorrio e
toco em seu braço demorando as mãos ali.
É infantil, eu sei, mas quero mostrar ao Sr. Ranzinza que eu
também posso pegar alguém, o que é patético demais, porque ele
pouco se importaria com isso.
O barman põe dois copinhos de vodca para mim e mais dois
para Pedro.
— Já que você quer... Só não chora na hora em que perder —
ele fala e dá risada.
— Veremos.
— Vamos no três! Um, dois, três...
Viro minha primeira dose, depois a segunda, meus olhos
lacrimejam por causa da ardência na garganta.
— Acabei primeiro — grito em comemoração. Mas olho para
Pedro, e ele já tinha acabado segundos antes que eu. — Poxa,
assim não vale. — Faço bico e me levanto do banquinho me
sentindo um pouco zonza.
Acho que bebi demais.
— Claro que vale. — Ele sorri largo por ser vitorioso.
— Não dá nem para brincar. — Dou um beijo no canto de seus
lábios. — Já que ganhou, um beijo como recompensa. — Dou de
ombros.
— Quer dançar? — ele pergunta.
— Claro.
Eu já perdi as meninas de vista faz bastante tempo. Então
começo a dançar no lugar que parece mais vazio, e Pedro me
acompanha.
Olho disfarçadamente para onde Sr. Ranzinza estava e o vejo
aos beijos com a menina com que estava conversando. Sinto a raiva
crescer em mim e fico me perguntando o porquê. Me aproximo de
Pedro e o beijo pegando-o desprevenido. Por que não aproveitar um
cara gato como este, em vez de ficar com uma raiva infundada? O
beijo dele é bom e quente. Abro os olhos e vejo que Damon, apesar
de ainda estar com a garota na sua frente, tem os olhos em mim.
Continuo o beijo e ao terminar olho para ele, dou um breve aceno.
Será que eu estou sendo abusada demais? Ele arqueia a
sobrancelha e depois volta a atenção para a mulher com que
conversava.
A música de Beyoncé invade os meus ouvidos e a vontade de
dançar aumenta ainda mais.
— Meu Deus, preciso dançar essa música — grito eufórica.
Puxo Pedro para a frente de um pequeno palco perto da pista e
encontro Alice com Jessica. — Meninas? — volto a gritar.
— Nossa você sumiu, onde estava? — Alice pergunta.
— Estava ali atrás com ele. — Aponto para Pedro. — Vou
dançar.
Vou para cima do pequeno palco, deixando as batidas lentas e
sexy da música envolverem meu ritmo. Como não se sentir sensual
dançando uma música dessas? O álcool me ajuda a ser leve e
ousada, então uso e abuso disso.
Passo a mão pelo meu corpo e me viro de costas para a minha
"plateia". Desço a mão por minha perna inclinando o quadril para a
frente, subindo devagar e repetindo o movimento na outra perna.
Passo a mão pelo cabelo e rebolo devagar, as pessoas começam a
se aglomerar em volta do palco, gritando e assobiando. Seguro o
cano de pole dance, que está no meio do palco, e ando em sua
volta sensualizando o máximo que consigo. Paro de costas para o
pessoal e de frente para o pole, agarro a perna direita nele e jogo a
cabeça para trás. Me solto ficando em pé novamente, procuro com
os olhos a pessoa de quem eu queria mesmo chamar atenção.
Ele está encostado na parede, de pernas cruzadas e mãos nos
bolsos, seus olhos fixos em mim, exala luxúria. Volto a escorregar
as mãos pelo corpo e, quando chegam no meu bumbum, bato de
leve, rebolando para um lado e depois para o outro. Faço mais
alguns passos iguais aos do videoclipe e dou graças a Deus por ter
assistido a ele diversas vezes.
A música por fim acaba e as pessoas gritam. Pedro, que está
boquiaberto, me ajuda a descer do palco.
— Uau, você dança muito bem — ele fala.
— Obrigada. — Sorrio.
Ele se aproxima de mim e me beija, apertando minha bunda.
Ouço alguém pigarrear atrás de nós dois. Viro-me e vejo
Damon de braços cruzados.
— Vamos embora — ele fala frio e autoritário.
— Você está com ele? — Pedro pergunta. — Mas é claro,
agora me lembro de você. É a menina que saiu nos sites. — Reviro
os olhos.
— Não vou embora com você, vou com Alice — respondo a ele.
— Alice passou mal, não está aqui. E como sempre fico
encarregado de ser sua babá — ele fala bravo. — Não me faça
perder a paciência, vamos.
— Está mal-humorado assim por quê? Apesar de estar sempre
com essa cara de quem comeu e não gostou — falo com desdém.
— Talvez, mas só talvez, seja porque não gosto nem um pouco
de você. — Ele me encara.
— Ok, já chega! Já disse, não vou com você. — Viro-me para o
lado, puxando Pedro.
Ouço-o suspirar alto, tudo acontece muito rápido e só percebo
quando estou no alto das costas largas do Sr. Ranzinza.
— Me larga, seu idiota — grito batendo em suas costas.
— Se não ficar quieta, vou ser obrigado a bater na sua bunda.
— Me põe no chão. Agora — digo me debatendo.
— Ei, solta ela — ouço Pedro gritar.
— Para seu bem, cai fora — Damon fala e posso vê-lo fazer um
movimento com a mão e os seguranças dele nos rodeiam
impedindo qualquer um de se aproximar de nós.
— Mas que saco, me desce daqui — exijo me esperneando.
Sinto o estalo ardido e quente em minha bunda me fazendo
gemer de dor, mas ao mesmo tempo causa uma leve excitação
senti-lo me tocar.
— Já falei, não vou repetir. Deixa de ser criança, garota — ele
rosna e eu fico quieta, sentindo o seu perfume forte e amadeirado.
Doze
Damon Lins

Jogo-a no banco do meu carro e posso ver que está bastante


irritada, não posso fazer nada em relação a isso. Quem manda ser
desobediente e tentar me desafiar?
Essa garota já passou dos limites. Não consigo me lembrar de
alguém que tenha me irritado tanto, normalmente uma vez é
suficiente para fazer a pessoa não chegar mais perto de mim. Mas,
na hora certa, ela me pagará por tudo isso, não tenho dúvidas. Vou
para o meu lugar assumindo o volante, dando partida logo em
seguida.
— Ponha o cinto — ordeno mantendo os olhos na estrada.
— Não estou achando nenhum cinto por aqui, é esse que está
na sua roupa? — ela diz e gargalha. — Seria muito ousada se
tirasse seu cinto, Sr. Ranzinza? — completa rindo, ela me chamou
de quê?
— Cala a boca, sua bêbada, e põe logo o cinto de segurança —
falo irritado.
Eu mereço mesmo cuidar de quem não sabe beber.
— É este aqui? — ela pergunta se enroscando no dispositivo de
segurança.
— Pelo amor de Deus, você é pior que uma criança. — Paro no
acostamento bufando de raiva.
Desfaço o que ela fez e ponho direito, enquanto me olha séria.
— O que foi agora? — pergunto fitando-a, dando o meu olhar
mais frio.
— E-eu acho que... — Ela para um pouco e depois continua. —
Eu acho que vou vomitar. — Assim que ela termina de falar, sinto o
jato quente em minha camisa.
Fecho os olhos e conto até dez, como meu terapeuta me
ensinou, mas não funciona nem um pouquinho.
Minha vontade é de expulsá-la do meu carro.
— Eu juro que foi sem querer — ela fala com medo.
Respiro fundo mais uma vez e não digo nada. Desabotoo minha
camisa, tirando-a, e me limpo com alguns lenços de papel. Jogo a
camisa numa lixeira do lado de fora. Lá se vão mil dólares fora.
Eu estava fedendo a vômito e estava pegajoso, o que me
deixava ainda mais colérico e com vontade de matá-la. Percebo que
ela está olhando para meu corpo com admiração. Patético.
— Uau! — fala tentando fazer uma cara sexy que mais parece
com uma careta.
Olho para ela de soslaio, mostrando que não estou para
brincadeira.

Ao longo do caminho, ela cantou, deu risada sozinha, falou


várias idiotices e por fim calou a boca. Nem ouso olhar para ela,
para não incentivar mais sandices.
Quando estaciono na porta de sua casa, descubro o motivo do
silêncio.
— Ótimo... Agora virou a Bela Adormecida.
Olho para ela, que está encolhida no banco do carro. O rosto
sereno não condiz com seu comportamento. Mas a minha maior
preocupação é como eu a colocaria dentro de casa. Ela não tem
bolsa e eu não vejo bolso algum em seu microvestido, sem falar que
eu não saberia qual é seu apartamento. Tento acordá-la, mas,
mesmo a sacolejando, o máximo que consigo são alguns murmúrios
inaudíveis. Decido ir para um hotel próximo. Essa interação toda me
deixou exausto e ainda demoraria até que eu chegasse em casa.

Atravesso o hall de entrada, indo direto até a recepção pedir um


quarto. Com o cartão-chave na mão, volto até o carro para a pior
parte, ter que levá-la para dentro. Pego-a no colo e, apesar de um
pouco mais pesada do que imaginei, consigo carregá-la sem
problemas. Sigo para o elevador agradecendo por não ter ninguém
nesse horário para assistir a essa cena ridícula.
Ela se aninha a mim e põe a cabeça na curvatura do meu
pescoço.
— Ainda é abusada.
Entro no elevador, fazendo malabarismo para marcar o andar, e
logo estamos no quarto.
Ela resmunga quando a ponho na cama, mas se aquieta. Tudo
de que preciso agora é de um bom banho, então arranco o resto da
roupa e me enfio debaixo da ducha para tirar qualquer resquício de
vômito.
Enquanto lavo os cabelos, sinto uma mão em meu ombro e me
viro, vendo aquela garota infernal na minha frente.
Baixo um pouco os olhos e posso ver que está nua. Merda.
— O que faz aqui? Saia do banheiro — digo focando-me em
seus olhos.
— Só quero tomar banho. — Ela não está em perfeito juízo e,
por mais miserável que eu seja, nunca faria nada com ela.
Respiro tentando me controlar e levanto seu rosto quando
percebo onde seus olhos estavam.
— Pare já com isso, se você quer tomar seu banho fique à
vontade. — Pego minha toalha, me enrolando.
— Não vai, vamos tomar banho juntos — ela diz e seu rosto
cora.
Não respondo nada a ela, não quero perder o autocontrole
vendo-a nua e me arrepender de fazer o que eu não devo e nem
quero.
Saio do banheiro a deixando para trás, amanhã eu a matarei de
vergonha. Me enrolo em um roupão e seco os cabelos. Pego um
cigarro, acendo e fumo até a metade, jogando o restante fora.
Vejo-a sair do banheiro vestida em uma toalha que mal cobre
seu corpo e me pergunto se ela não estaria fazendo isso apenas
para me provocar.
Ela volta para perto da cama, arrancando sua toalha, e por um
breve momento meus olhos veem seu corpo; devo admitir que é
espetacular, fecho os olhos e respiro fundo.
Vou até o armário de toalhas, tiro um roupão e ponho nela,
jogando-a na cama logo em seguida.
— Vê se dorme — digo.
Treze
Thayla Walther

Acordo com a cabeça latejando. Abro os olhos devagar


tentando me adaptar à luz, e as paredes brancas a minha volta me
causam dúvida sobre onde estou. Levanto o lençol para olhar meu
corpo... Estou vestida em um roupão, completamente nua por baixo.
— Não, não. Pra que eu fui beber? — digo baixinho.
— Não sabia que gostava dessas coisas de manhã cedo, se eu
soubesse tinha feito o serviço completo. — Damon está parado no
batente da porta de braços cruzados.
— Ah, não, pelo amor de Deus. Você não — digo me agarrando
ao lençol.
— Não foi isso que me disse na noite passada — ele fala e
caminha até mim. — Você gemeu tanto, achei que tivesse gostado
da nossa noite. — Senta-se ao meu lado na cama, meu rosto
queima com o que ele acabou de dizer.
— Não pode ser verdade. — Fecho os olhos respirando fundo.
— Com toda certeza, não é. — Ele gargalha alto me fazendo
agora queimar de raiva.
No impulso, viro a mão fechada em um soco certeiro no seu
nariz.
Minha mão lateja de dor e eu sinceramente não sei o que fazer,
se corro ou simplesmente o ajudo.
— Que merda, sua louca — sua voz soa nasalada.
— Se você me chamar de louca mais uma vez, lhe dou outro
soco na cara — digo me levantando.
— Mas que merda, garota. — Ele pega uma toalha no armário
segurando no nariz.
Que não tenha quebrado, amém.
— Você mereceu, quem manda ficar brincando com essas
coisas? — digo quase chorando. Ouço-o gemer baixo. Deve estar
doendo muito. — Desculpa, tá..., mas você brinca com coisas sérias
demais para mim. — Fecho os olhos torcendo para que isso
amoleça seu coração.
— Só cala a boca — ele diz.
Vou ao banheiro, pego papel higiênico, um copo com água e
mais outra toalha. Volto ao quarto e ele ainda está no mesmo lugar,
sentado.
— Deixe-me ver isso — peço me aproximando dele receosa.
— Você não sabe nem cuidar de si mesma — ele diz bravo.
— Larga de ser idiota antes que eu quebre seu nariz de
verdade — digo arrancando o pano de seu rosto.
Ele fecha os olhos com força sentindo dor, e eu me arrependo
instantaneamente.
Me aproximo dele devagar, como se ele fosse um leão a ser
domado, fico no meio das suas pernas e avalio o estrago. Está
começando a ficar roxo e lamento por isso.
Pego no osso de seu nariz com cuidado e vejo se está no lugar.
— Não está quebrado, só foram alguns vasos rompidos. Vou
estancar o sangue e limpar. Respire pela boca e continue com a
cabeça do jeito que está — digo colocando papel higiênico no seu
nariz, tentando não rir da situação, ele está engraçado.
Pego um comprimido de ibuprofeno na minha bolsa e o entrego.
— Toma... Para aliviar a dor. — Coloco o comprimido em sua
mão e pego uma garrafinha de água no frigobar, entregando-lhe.
Pego mais papel e umedeço no copo com água e limpo o
sangue que escorreu. Faço o mesmo processo por algumas vezes
até seu rosto ficar completamente sem vestígios de sangue. Depois,
molho a toalha de mão na água gelada e ponho em cima do seu
nariz.
— Daqui a pouco estará novinho em folha. — Sorrio amarelo.
Observo o rosto dele e mesmo nesse estado continua lindo.
Seus cabelos meio bagunçados o deixam sexy e uma vontade
incontrolável de passar a mão por eles me atinge. Levanto as mãos
devagar a fim de passar por seus cabelos escuros, mas sou parada
por suas mãos frias. Os olhos dele tentam decifrar o que eu queria
fazer.
— O que pensa que está fazendo? — pergunta afastando
minha mão dele e se levanta indo para longe de mim.
— Apenas iria colocar seus cabelos para trás, não está
incomodando? — dou a primeira desculpa que passa pela minha
cabeça.
Seus olhos verde-acinzentados me olham tentando encontrar
qualquer vestígio de mentira no meu rosto.
— Acho melhor se arrumar. Pedirei a John que a leve embora.
Esteja pronta em 20 minutos — ele fala antes de sair do quarto.
Respiro fundo e vou para o banheiro. Depois de tomar banho,
vou em busca de minha roupa, que estava dobrada em cima da
poltrona no quarto. Me visto e penteio os cabelos, desembaraçando
com as mãos com ajuda do secador de cabelo. Ponho meus saltos
e saio do quarto; ele está na antessala, com um curativo em cima do
nariz.
— A dor aliviou mais? — pergunto apertando os dedos.
— Sim — responde curto e grosso.
— Coloca gelo quando puder para diminuir o inchaço e a dor —
digo sem olhá-lo nos olhos.
— Pode deixar, doutora — fala sarcástico. — Mais alguma
coisa? Se não, já pode ir embora, John a está aguardando do lado
de fora — ele fala e sinto uma pontada no peito.
Não precisava ser tão grosso. Atravesso o espaço até a porta,
dando de cara com o senhor simpático que me levou para o trabalho
da outra vez.
— Oi, John. — Sorrio para ele.
— Bom dia, Srta. Thayla. — Devolve o sorriso.
— Como estão sua esposa e filhos? — pergunto enquanto
caminhamos para o carro.
— Ela está meio doente, mas vai ficar bem. Meus filhos estão
ótimos, obrigado por perguntar. — Ele aponta para que eu entre.
— Não tenho dúvidas — digo.

Dona Joana só faltou me matar pelo meu sumiço e, se eu


estivesse no lugar dela, também iria querer. Acabei gastando mais
tempo do que gostaria me explicando, chegando ao trabalho um
pouco atrasada. Me aproximo de Ana e a abraço.
— Bom dia, Aninha. — Sorrio e ela retribui.
— Bom dia, Thay, a noite foi ótima, hein? Está animada.
— Poderia ter sido melhor, mas alguém fez o favor de estragar
— digo revirando os olhos.
— Nossa, que pena, sua noite tinha tudo para ser maravilhosa,
ele até te carregou no colo — ela fala como se estivesse contando
uma história encantada.
— Me carregou no colo? — Tento me lembrar do que aconteceu
na noite passada, e os últimos flashbacks que tenho é de Damon
me jogando em seus ombros. — Ele me jogou no ombro dele e me
arrastou para fora da boate, aquele idiota.
— Caramba. Que romântico.
— Romântico o que, Ana? Do que você está falando e como
sabe dessas coisas?
— Thayla, você não viu de novo? — pergunta cruzando os
braços.
— Não vi o quê? — questiono perdida.
— Você vive em que mundo? Olha, eu até comprei. — Ela pega
de trás do balcão a revista e na capa está uma foto do Sr. Ranzinza.
— Vocês saíram na Celebrity News. Tem noção de que você
virou notícia na maior revista de celebridades dos Estados Unidos?
Olho o que está escrito e só pode ser brincadeira.

“Segredo? Pelo jeito não são apenas especulações. Após


uma noite de balada, Damon Lins adentra hotel de luxo
carregando sua pretendente nos braços. O que acham deste
ato tão romântico?”

— Segredo? Que capa mais tosca — digo irritada.


— Não isso, olha o que a segunda página diz — ela fala
folheando a revista.
A matéria conjecturava sobre o relacionamento entre nós dois
baseando-se nas muitas vezes em que estivemos juntos. Além
disso, traz detalhes da minha vida, que eu não fazia parte de sua
classe social, e até onde eu trabalho. Há uma foto minha andando
na rua distraída, e outra com o avental da Coffee and Sweets, mas a
de maior exibição é de Damon me carregando em seus braços pelo
hall de entrada do hotel onde passamos a noite.
A vergonha me consome quando penso no estado em que
fiquei na frente dele. Fora que, agora, todos acham que tenho algo
com ele.
— Posso ficar? — pergunto balançando a revista.
— Pode sim. — Ela dá de ombros.
— Ei, vocês duas. Parem já de conversa e voltem ao trabalho
— Arthur esbraveja.
— Hoje a fera está solta — Ana diz num sussurro.
— Pelo jeito, sim — respondo de volta.
Pego meu bloquinho de notas, seguindo para a mesa de um
grupo de adolescentes que acabaram de entrar.
— Olá, o que desejam? — pergunto sorridente.
— Vamos querer donuts de chocolate e café médio com
chantilly.
— Então são quatro donuts de chocolate e quatro cafés médios
com chantilly? — confirmo.
— Isso mesmo. Ei, você não é a namorada do gostoso do
Damon Lins? — a menina pergunta me olhando dos pés à cabeça.
— Não acho que te diz respeito, mas não sou namorada dele —
rebato.
Nem espero pela resposta antes de me virar e dar de cara com
Damon.
— Vim trazer sua bolsa, estava com Alice — ele fala sem
emoção alguma na voz, estendendo-me a peça, por que ele sempre
tem que vir me entregar as coisas?
— Obrigada, como ela está? — pergunto ignorando que
estavam falando dele.
— Bem — ele fala.
— E você? Ainda está sentindo dor? — pergunto apontando
para seu nariz, dando um meio sorriso.
— Não. — Fecha os olhos por alguns segundos, ele parece
estar bem estressado, o que não seria novidade alguma para mim.
— Você viu as idiotices que saíram na revista? — pergunto
cruzando os braços.
— Sabia que poderia acontecer.
— E por que me carregou? Já que sabia.
— Você queria que eu te arrastasse pelo pé? Não tive muitas
opções — ele fala antes de se retirar, atendendo ao telefone que
tocava.
— Tchau para você também, mal-educado. — Reviro os olhos e
vou até o balcão entregar os pedidos das intrometidas.
Quatorze
Os dias passaram rápido e, hoje, finalmente será a festa de
gala. Eu estava muito ansiosa, principalmente porque não tive
notícias e nem vi Damon nesse tempo.
Minha dívida venceu há dois dias e ainda não tenho o dinheiro.
Soube que Katy já está na cidade e até então não veio me ver,
imagino que ela também não tenha como pagar. O que me deixa
mais intrigada é ela não ter me ligado mais. Poxa, nós somos
amigas e ela simplesmente me deixou sozinha no olho do furacão.
— Você vai sair agora de tarde? — minha mãe pergunta.
— Vou, Alice vai vir me buscar — digo sentada no sofá.
— Peça a ela para vir mais vezes aqui, gostei dela. — Chamei
Alice uns dias atrás para assistirmos a um filme e ela veio,
encantando minha mãe com o seu jeito. — E o que tanto a está
deixando pensativa? — pergunta sentando-se ao meu lado.
— Nada, mãe, só estou nervosa com essa festa, não precisa se
preocupar — digo e lhe dou meu melhor sorriso.
— Tudo bem.
Como não ficar preocupada com tantas coisas desmoronando
sobre minhas costas? O aluguel vencido há mais de dois meses,
remédios da minha mãe que já estão no fim, o tratamento que eu
não posso pagar, a dívida com Damon. Nem um trabalho eu
consegui.
Meu celular apita com uma mensagem de Alice dizendo que já
está lá embaixo. Me despeço da minha mãe e saio.
— Oi, Ali.
— Oi, amiga, pronta para nossa tarde da beleza? — ela
pergunta animada.
— Não.
— Credo, garota, mais animação — ela fala.
— Você falou igual ao seu irmão agora — digo fitando-a.
Ela cai na gargalhada.
— Nem me fale no Damon, ele estava todo irritadinho essa
semana. Agora vamos. — Ela entra no carro e eu faço o mesmo.
— Por que ele estava irritado? — Estou curiosa mesmo.
— Acho que dessa vez ele terminou de verdade com a mocreia.
Parece que ele gosta mesmo dela, viu. Nunca vejo meu irmão se
abalar com nada, mas dessa vez ele estava fora de si. — Parecia
até piada ela dizer que ele não se irritava por nada.
— Hum, que bom. Quero dizer... Que péssimo eles terem
terminado, mas que bom que aquele coração serve para algo além
de produzir gelo.
Alice dá risada e eu acompanho. Não demora muito para
chegarmos a um salão muito chique. Um homem com trejeitos
afetados nos recebe com um sorriso largo.
— Olá, meninas. Que bom revê-la, Alice — ele fala nos
mandando entrar.
— Aceitam alguma coisa? Temos água saborizada, prosecco,
café e suco de frutas vermelhas — ele pergunta.
— Eu quero aquela água saborizada divina de laranja com
blueberry — Alice responde.
— E a senhorita?
— O suco, por favor.
Ele fala com uma moça, que sai para buscar o que pedimos.
Alice acomoda-se em uma das cadeiras e acena para que eu faça o
mesmo na cadeira ao lado.
— Queremos penteados bafônicos, pois hoje teremos uma
festa de gala para ir.
— Vocês sairão daqui verdadeiras princesas. Mel, por favor! —
ele grita e uma menina vem com sua equipe nos atender.
Chego em casa me sentindo outra pessoa. Meus cabelos estão
partidos ao meio, presos em um coque baixo, com algumas mechas
soltas na frente, fazendo leves cachos.
A maquiagem com os olhos pesados e um batom nude-rosado
me dão um ar sofisticado que com toda certeza eu não tinha. As
unhas com um rosa-claro deixam minhas mãos delicadas.
— Uau, filha, está linda — ela me admira.
— Achou? — Sorrio.
— Claro, você é linda de todo jeito, meu amor. Melhor se
arrumar, você está em cima da hora — diz beijando minha testa.
— Obrigada, mãe.
Corro para o banheiro e a pior parte é ter que usar o
chuveirinho para não correr o risco de molhar o cabelo e a
maquiagem. É o banho mais estranho que já tomei. Capricho na
loção corporal, escolho uma calcinha de renda branca e coloco o
vestido com cuidado.
Escolho um salto alto de camurça quase no mesmo tom do
vestido e me sinto adorável com a combinação. Vejo refletida no
espelho a mesma moça da alta sociedade que vi da primeira vez
que pus o vestido. Para arrematar, passo o meu perfume e pego
minha bolsa de mão na hora em que minha mãe entra no quarto
segurando uma caixinha de joias.
— Você está linda e vai ficar ainda mais com isso. — Ela me
entrega um colar ponto de luz com a pedra solitária avermelhada. —
Quero que fique com ele, foi presente de seu pai quando fizemos 10
anos de casados.
Meus olhos se enchem de lágrimas. Nós não falamos muito
dele, pois é algo que ainda machuca muito nós duas.
— Sinto saudades dele — digo tentando segurar a emoção.
— Também sinto, bastante. Ele se orgulharia da mulher que
você está se tornando, Thay — ela fala me dando um abraço.
Me esforço para não desabar em sua frente e, quando meu
celular apita acabando com o clima, agradeço mentalmente.
— Acho que minha carona chegou. — Respiro fundo e coloco
um sorriso no rosto. — Pode me ajudar a pôr? — pergunto olhando
para o colar.
Ela pega de minhas mãos, colocando em volta do meu
pescoço.
— Agora está perfeita. — Sorri.
— Obrigada, mãe, qualquer coisa me ligue, que virei correndo.
— Beijo sua testa, saindo de casa.
Um Mercedes preto está parado na frente do prédio. Eu não sei
qual é o nome desse modelo, pois sempre fui mais fã dos carros
esportivos, mas admito que é um clássico muito bonito.
John está ao lado da porta esperando para abri-la.
— Olá, Srta. Thayla. Está muito bonita.
— Oi, John, obrigada. E o senhor também está muito elegante.
— Sorrio.
— Está linda — Alice berra.
— Obrigada, Ali, você também está incrível. Boa noite — digo
para Damon, que está sentado a nossa frente.
Ele não responde ao meu cumprimento. Em vez disso, apenas
me avalia. Seus olhos recaem no meu decote, depois na fenda da
minha perna, e em seguida retornam para o meu rosto, levantando
uma sobrancelha como se me questionasse. Desvio o olhar para
Alice, que tagarela sobre algo que eu malmente estava ouvindo.
Minha amiga está mesmo linda em um vestido de seda verde-
água, que realça ainda mais a cor da sua pele. O decote
escandaloso combina com a fenda profunda na perna.
Não levamos muito tempo até pararmos em frente a uma
mansão com um jardim estonteante todo iluminado.
Alguns fotógrafos aproveitam o momento para clicar os
convidados em busca de algum furo. Fico nervosa
instantaneamente, com receio de cair na frente de todas essas
pessoas.
Seria a notícia do ano "retardada tem encontro emocionante
com o chão."
— Fica calma — Alice sussurra para mim e aperta minha mão
dando conforto. — Vai dar tudo certo. — Ela sorri.
Apenas balanço a cabeça concordando.
John abre a porta, Damon sai e se vira para ajudar Alice.
Quando vou sair do carro, bato a cabeça no teto, fazendo barulho,
mas respiro aliviada por ninguém ter visto. Ajeito meus cabelos e
Damon estende a mão para me apoiar também.
Percebo que ele está preocupado em fazer papel de cavalheiro
na frente das pessoas, então entro na encenação e pego em sua
mão fria, que me guia para fora.
Os fotógrafos ficam agitados quando me veem, acho que minha
vinda a essa festa só alimentará ainda mais as matérias
especulativas sobre nós dois.
Alice entrelaça o braço no meu, cochichando em meu ouvido
para eu sorrir e andar ereta.
Os flashes disparam por todo o tempo que levamos para cruzar
a entrada, e escuto um dos repórteres perguntar a Damon, que
segue atrás de nós, quando irá assumir publicamente nosso
relacionamento.
A hostess nos cumprimenta e nos encaminha para a frente de
um painel onde fotógrafos aguardam. Ela explica que a revista VIP,
uma das maiores no setor de entretenimento, está cobrindo o
evento e por isso todos os convidados estão sendo fotografados.
Alice fica ao lado direito de Damon e a moça me põe ao lado
esquerdo dele.
— Sr. Lins, ponha a mão na cintura das meninas — ela fala e
eu congelo na mesma hora, sinto o aperto de seus dedos gélidos
em minha cintura.
Por que ele é tão frio?
Sem perceber, olho para ele tentando entender o motivo. Seu
rosto impassível me leva a crer que o coração é tão gelado que seu
corpo acompanha a temperatura.
O flash dispara chamando minha atenção de que fui pega no
flagra olhando para ele. Olho para a frente, dou o meu melhor
sorriso, e outra foto é tirada.
— Quero uma foto dos irmãos Lins juntos — a mulher diz.
Olho sem graça para ela e saio de perto deles sentindo uma
ausência que não faz sentido.
Depois das novas fotos, eles se preparam para sair, mas a
mulher fala:
— Esperem, a melhor parte vem agora. Não poderia faltar uma
foto do casal mais querido e falado do momento.
Será que eu poderia correr agora? Olho para Damon confusa e
ele está estatelado no mesmo lugar.
— Não somos um casal — digo para a mulher.
— Como não? Todos nós já sabemos disso, sei que vocês não
querem assumir, mas é só uma foto.
— Vocês já sabem? Vocês só sabem do que sai nessas
revistas e são todas matérias falsas. Fala, Damon — digo já ficando
irritada.
— Thay, relaxa — Alice fala chegando perto para poder
sussurrar. — Estamos na frente de vários jornalistas, agora não é o
momento.
— Tira logo essa foto para aproveitarmos a festa — ela
completa em um tom audível para todos.
Vejo um sorriso debochado no rosto de Damon antes de me
posicionar no lugar em que a mulher manda.
— Aposto que você está gostando disso, não é mesmo? — ele
sussurra em meu ouvido.
— Vou gostar mesmo é de quebrar esse seu nariz para valer e
sem arrependimentos — digo com um sorriso debochado.
Seu semblante se fecha e ele apenas fica parado enquanto o
fotógrafo coloca sua mão novamente em minha cintura, só que
desta vez eles me fazem ficar levemente na frente dele. Assim que
o clique é feito, eu me desvencilho de seu braço, seguindo com
Alice para dentro.
Quinze
Atravessamos um túnel de flores brancas e rosa tão encantador
que por mim ficaria aqui mesmo sentindo cheiro agradável das
flores. Mas o vasto salão cheio de lustres enormes e dourados, com
flores suspensas, rouba minha atenção.
Muitas pessoas param para olhar nossa entrada e me pergunto
se há alguma celebridade logo atrás de nós. Porém os olhos das
pessoas são para Damon e para mim.
— Odeio receber tanta atenção assim — digo para Alice, que
cai na risada.
— Amiga, com as últimas notícias, vocês são o centro das
atenções.
— Com certeza eles têm coisas melhores para fazer.
— Com toda essa fofoca que está rolando, não se iluda, rico
também acredita muito no que está na mídia. Mas não se importe,
vamos nos divertir. — Ela sai me puxando, um garçom nos oferece
champanhe e eu gentilmente aceito.
— Olá — uma voz grossa e rouca fala, cumprimentando a mim
e a Alice.
Me viro vendo um homem alto, cabelos loiros e olhos azul-
escuros, que exibe um terno caro e perfume forte, admito que é bem
charmoso.
— Oi — Alice responde e eu dou um aceno de cabeça.
Fico alheia à conversa deles, vendo Damon conversar com um
grupo de homens enquanto beberico meu champanhe.
— Vocês estão belíssimas — o homem elogia.
— Obrigada. Ali, vou procurar algo para comer. — Sorrio para
eles.
— Vi uma mesa cheia de guloseimas ali. — Ele me aponta a
direção e eu sigo.
Deparo com uma mesa suntuosa de doces finos. Deixo meu
olho me guiar na escolha e a cada mordida fico mais surpreendida.
— Merda — um rapaz ao meu lado reclama.
Observo que ele acabou sujando seu terno.
— Toma. — Apanho alguns guardanapos, entregando a ele.
— Obrigado. — Sorri pegando-os de minha mão e se afastando
para se limpar.
Um senhor se aproxima da mesa e fica olhando com certa
dúvida para os doces.
— Este aqui é ótimo. — Aponto para o brigadeiro red velvet.
— Por algum acaso não há nozes não, né? — ele pergunta em
dúvida.
— Não, é uma combinação de red velvet com trufa de cream
cheese. Pode comer tranquilamente, já provei vários e os com
nozes são estes aqui. — Aponto para o camafeu, brigadeiro e trufa,
que eram todos do fruto seco.
— Vou confiar, mas se eu morrer será responsabilidade sua. —
Ele me olha sério e depois cai na risada.
— Tudo bem. — Sorrio e ele dá a primeira mordida.
Depois de alguns segundos saboreando, começa a tossir.
— Deus, isso não tem nozes. — Bato nas costas dele e tento
abaná-lo. — O que eu faço? — Entro em desespero e ele cai na
gargalhada.
— O senhor quase me matou de susto. Olha, isso não se faz —
choramingo.
— Apenas me engasguei. Sou Leandro. — Ele estende a mão
para mim.
— Thayla. — Aperto e sorrio.
— Você se parece bastante com a minha mulher, ela vai adorar
conhecê-la.
— Adoraria. — Sorrio.
— Veio acompanhada por quem? — ele pergunta.
— Pelos Lins. — Sorrio de lado.
— Bom saber. Agora preciso cumprimentar outras pessoas,
mas falarei com Damon para marcar um dia para Celeste te
conhecer. — Ele faz um aceno breve e se retira sem ao menos me
dar tempo de responder.
— Posso falar com você? — a voz rouca e grave de Damon me
chama.
Viro-me devagar e o vejo parado com as mãos nos bolsos me
fitando.
— O que você quer? — soo um tanto grossa.
— O que o Sr. Jarbas queria contigo?
— Leandro? Nada. Por quê?
— Leandro? Quanta intimidade, não é mesmo? Quero saber o
que estavam conversando.
— Por que eu deveria lhe dizer? — pergunto cruzando os
braços. — Você nem ao menos me cumprimentou e agora vem me
encher de perguntas?
— Apenas negócios, Srta. Walther, responda a minha pergunta.
— Já disse que não foi nada, apenas o ajudei a escolher um
doce.
— Um doce?! Você conversou com o maior empresário de
Seattle no ramo de transporte de cargas sobre doces? — Ele respira
fundo.
— Não sabia que tinha obrigação de saber quem é cada
pessoa aqui. O que quer com ele? — pergunto curiosa. — Achei
bastante simpático.
— Simpático? Este homem não gosta de ninguém, muito me
admira que tenha conversado com você. — Ele me olha com
repulsa dos pés à cabeça.
— Conheço bem uma pessoa assim — digo me referindo a ele.
Ele vira as costas e vai embora. Qual é a desse cara? Alice
aparece me chamando para sentar para o jantar.
— Jantar? — Dou um sorriso largo.
— Vamos, comilona.
Caminhamos pelo salão até a mesa que está reservada para
nós. Além dos Lins e eu, outras cinco pessoas ficarão ali.
— Eles servem comidas maravilhosas. Quando quiser algo é só
apertar este botão a sua frente, que o garçom vem servir.
— Não era mais fácil apenas levantar o dedo?
— É sim, mas rico é cheio de idiotices.
— Você é rica.
— Sou, mas não idiota. — Ela cai na gargalhada.
— Só de vez em quando.
— Ei, não sou.
Damon se aproxima, sentando-se ao meu lado, ele e um senhor
entram em uma conversa enquanto as entradas começam a ser
servidas; escuto que é escargot, eu particularmente não sei nem o
que é.
— Ali, isso é bom? — pergunto.
— Eu amo, ainda mais com o molho que eles fazem — ela diz
lambendo os lábios, parece ser bem apetitoso.
Quando o homem está perto, toco meu botão e ele põe um
prato na minha frente.
— Ai, Deus — soo um pouco mais alto do que deveria e as
pessoas em volta olham para mim pelo canto dos olhos. —
Caracóis? — pergunto apavorada para Alice e Damon me avalia,
poderia até ver um vestígio de um sorriso em seus lábios.
— Desculpa, esqueci que nem todos estão familiarizados com
todos os tipos de comida. Escargots são caracóis, uma iguaria
francesa, prova um, são uma delícia.
Encaro aquele negócio estranho e admito que está com um
cheiro bom. Observo como Alice come aquele “negócio” antes de
fazer alguma besteira.
Ela pega o “bicho” com o alicate na mão esquerda e, com o
garfo na mão direita, tira o que tem dentro do casulo, comendo logo
em seguida. Olha para mim e sorri, pega uma colher de porcelana
grande, que até então eu não havia notado, e despeja o molho na
colher, levando à boca em seguida. Por último, pega um pedaço de
pão e come.
É muita coisa para minha cabeça, mas agora é minha vez de
tentar. Pego o alicate com a mão esquerda do jeito que a vi fazer e
pego o escargot. Ele escorrega, mas consigo segurar e pego o garfo
com a outra mão, tirando sua carne como vi Alice fazer. Com certo
receio, mas acabo achando bom.
— Hum, gostei.
— Está vendo, eu disse.
O garçom me oferece champanhe e eu aceito, mas, ao tentar
pôr na mesa, a taça vira sobre o colo de Damon. As pessoas à
mesa olham de olhos arregalados e eu também.
— Desculpe — digo apressada.
— Está tudo bem — ele diz deixando-me assustada, sei que só
está me tratando assim porque outras pessoas estão olhando.
Ele se levanta e eu vou atrás.
— Damon? — chamo e ele se vira para mim, então no mesmo
instante eu me arrependo por tê-lo seguido, aqui não há olhos sobre
nós.
— Por que você está sempre me atrapalhando? — ele fala
próximo a mim e posso sentir o hálito de champanhe soprar em meu
rosto.
— Eu não tive a intenção.
— Você nunca tem, porra. E mesmo assim continua
atrapalhando a minha vida, você sempre me tira do sério, garota. —
Segura em meu braço, seus olhos est ão em puro ódio.
— Eu estou sempre atrapalhando sua vida? Ou foi você que
chegou na minha virando tudo de cabeça para baixo? — Sinto meu
sangue borbulhar. — Isso é por causa dela? Por causa de Érika? —
pergunto e o seu maxilar trava.
— Não toque no nome dela. — Aponta o dedo em meu rosto.
— Por que não? Você está com raiva de mim porque ela
terminou e acha que a culpa foi minha?
— Você acha que não estaríamos juntos por sua causa? Que
piada. Se olhe em um espelho e perceba o quão estúpida é, você
realmente gosta de extrair o meu pior.
— Não ponha a culpa em mim se você é assim, se só sabe
pisar nas pessoas para se achar superior, você não passa de pouca
merda. — Dou um tapa estralado em seu rosto.
Ele fica em silêncio, com o rosto virado para o lado.
— Sua insolente, eu me acho superior? Eu sou superior. — Ele
me aperta na parede e dá um soco nela.
Não sei dizer por quanto tempo seus olhos ficam nos meus e
por um milésimo de segundo posso vê-los descer para meus lábios.
— Suma daqui — ele fala calmo demais e se afasta de mim. —
Antes que eu faça algo que me arrependa.
Levanto a barra da saia do meu vestido e saio apressada para
fora deste lugar. Assim que chego à rua, começo a correr, mas com
os saltos fica impossível. Sento-me no chão com os pés latejando e
tiro o sapato pensando no tempo que levaria para chegar em casa.
A lembrança das palavras lateja em meu peito e as lágrimas
chegam com tudo.
Me levanto e continuo andando descalça, sentindo como se
estivesse interpretando uma daquelas cenas de filme em que a
mocinha está devastada no meio da rua, andando sem rumo, com a
maquiagem borrada de tanto chorar e com os seus sapatos na mão.
A diferença é que eu não estou de coração partido... Ou estou?
— Senhorita? — Dou um pulo ao ouvir a voz de John. — O Sr.
Lins pediu que a levasse para casa.
— Obrigada, John, prefiro ir andando mesmo. Me recuso a ter
qualquer ligação com o sacripantas do seu patrão — digo ainda
chorando.
— Mas, senhorita Thayla, ele me mandou levá-la, só cumpro
ordens — ele diz.
— Desculpe, John, mas não entrarei nesse carro.
— Tudo bem... — Ele se dá por vencido e entra no carro.
Continuo andando e percebo que o carro me acompanha, será
assim a noite toda? Ando por quase meia hora e, sinceramente, eu
nem sei onde estou.
— Senhorita, se me permite dizer, está indo para o lado errado,
caso esteja tentando chegar em casa — John fala de dentro do
carro.
— Fala sério. — Jogo as mãos para cima e me sento no chão
na sequência, caindo no choro novamente. — Eu não fiz por querer,
John. Por que ele tem que ser desse jeito?
— Infelizmente ele evita fazer laços com as pessoas, para não
ter decepções, e sempre arranja um jeito de afastá-las dele, com
medo do que possa acontecer. Venha, levante-se desse chão, vou
te levar para casa.
Olho para aquele senhor distinto, que me lança um sorriso
reconfortante, estico as mãos e ele me ajuda a levantar. Depois abre
a porta para mim e eu entro sem falar nada. Já estamos em
movimento quando o telefone de John toca e, ao que ele atende,
escuto:
— Oi, senhor. Sim, já estou com ela, está bem — responde. —
Tudo bem! — e desliga.
Não pergunto nada, mantenho-me em silêncio olhando pela
janela, enquanto penso que, no dia seguinte, o meu nome e o nome
daquele crápula estarão estampados na revista, com as fotos que
tiramos no evento. Com a minha sorte, eles com certeza usarão
aquela em que eu saí com a cara de boba apaixonada. Isso só me
deixa com mais raiva, sem falar que ainda existe a possibilidade de
saírem pelos jornais e sites de fofoca especulações sobre nossa
possível briga.
Dezesseis
Alguns dias desde a festa já se passaram, e eu não tive notícias
dele. Alice veio me ver e pediu desculpas pelo irmão. Mas, sabe?
Eu não vou perdoá-lo assim tão fácil e, como sei que ele também
não irá me pedir desculpas, então... cada um em seu canto.
Levo os pedidos prontos para as mesas, servindo todos nesta
manhã exaustiva. Arthur está de mau humor, as pessoas não param
de entrar e eu não estou muito bem, ultimamente ando mais
desastrada que o normal.
Sento um pouco para descansar, enquanto Ana tagarela sobre
qualquer coisa que viu na televisão.
Vejo Katy passar pelas portas, é uma péssima hora para ela
chegar. Ela me vê e sorri fracamente enquanto se aproxima.
— Oi — diz sem graça. Cruzo os braços e olho para ela séria.
— Eu sei que você deve estar bastante chateada comigo, mas eu
tenho uma explicação para isso tudo. Eu só peço que me ouça —
diz segurando minhas mãos.
— Agora não, Katy, depois — digo irritada.
— Tudo bem, eu entendo. Mas te ligarei para marcarmos de
conversar — promete antes de sair.
Respiro fundo a fim de me acalmar, eu já estava irritada com
tudo, mas vê-la piorou. Para falar a verdade estou assim desde o
dia da festa. Nada justifica o que ele fez comigo e, na oportunidade
que eu tiver, socarei a cara dele com louvor.
— Thay, cliente — Ana me avisa.
Suspiro cansada.
— Ok.
Caminho para a mesa enquanto procuro meu bloquinho no
bolso esquerdo do avental junto com minha caneta. Anoto o número
da mesa e me aproximo.
— O que deseja? — digo olhando para a comanda em minhas
mãos.
— A princípio um café e se for possível preciso falar com você
— a voz fria de Damon atinge meus ouvidos, e levanto os olhos
instintivamente para fitá-lo, fazendo meu coração traíra palpitar.
Como uma pessoa pode ser linda, sexy e um idiota ao mesmo
tempo?
— Não tenho nada para falar contigo e se veio me pedir
desculpas perdeu seu tempo — digo.
Ele levanta uma das sobrancelhas e me olha.
— Garota, não sou do tipo que pede desculpas e com toda
certeza não vim para isso — ele responde sendo debochado.
— Então para que veio? — pergunto irritada. — Olha, acho bom
você sair daqui antes que eu soque sua cara e o deixe com um olho
roxo.
— Ora, ora, creio que temos alguém aqui de TPM, você irritada
parece um pinscher.
— Você está fazendo chacota da minha cara? — pergunto
apertando meu bloquinho.
— Não é do meu feitio, apenas vá pegar o meu café, esperarei
seu turno acabar. Quero conversar sobre nossas pendências, talvez
tenha uma solução que seja do seu interesse. — Me olha sério.
— Idiota — murmuro baixo, saindo de perto dele.
— Eu ouvi isso, Srta. Walther — ele fala firme e aparentemente
irritado, apenas continuo andando até o balcão.
— Ana, um café com caramelo, pouco leite e meia pedra de
açúcar — peço.
— Sabia que ele iria voltar — Ana diz batendo palminhas.
— Pelo amor de Deus, Ana, quantas vezes vou ter que dizer
que eu e ele não temos nada?
— Você pode dizer o que quiser, eu vejo outra coisa. — Reviro
os olhos.
— Então tá — digo dando um fim à nossa conversa.
Fico sentada no banco observando-o mexer no celular, ele está
vestido com um suéter preto sobre uma blusa branca e um blazer
preto por cima de tudo. Calça preta e sapato social na mesma cor.
Seus cabelos penteados para trás são um charme. Uma pena que
ele é tão irritante.
O café fica pronto, respiro fundo e vou até lá. Ponho a xícara na
mesa e saio sem falar nada. Faltam apenas alguns minutos para
terminar meu expediente e enfim ser livre, ou quase isso.
Ajudo Ana a limpar o balcão, depois recolho as coisas de cima
das mesas desocupadas, então olho de relance para Damon, que
ainda toma seu café distraído com a paisagem do lado de fora.
Checo novamente as horas no meu celular e já deu meu horário
há alguns minutos. Vou ao meu armário, tiro o avental e solto os
cabelos. Não estou com uma das minhas melhores roupas, mas até
que estou bonita. Pego minha bolsa, meus óculos e saio. Me
despeço de Ana e vou andando para fora. Damon, que estava
falando ao celular, me vê saindo e vem logo atrás.
— Me envie o relatório, estarei aguardando — ele diz e desliga
o telefone. — Venha, meu carro está ali — chama.
— Não vou a lugar nenhum com você, se quiser falar estou
ouvindo — respondo cruzando os braços.
— Larga de ser malcriada e anda logo, antes que minha
paciência se esgote, estou sendo educado até demais com você. —
Dá as costas, indo para o veículo.
A minha maior vontade é de deixá-lo sozinho e ir embora, seria
ótimo. Mas a minha curiosidade é ainda maior. Quero saber o que
pode me ajudar a saldar a dívida, no entanto caminho a passos de
formiga até o carro, só para deixar clara minha indignação.
— O que é agora? Virou tartaruga? — Bufa de raiva antes de
bater a porta.
Chego no meu tempo e tranquilamente me acomodo no banco,
passando o cinto. Sempre me incomoda estar em um espaço tão
pequeno com ele, parece sufocante respirar o mesmo ar, sentir o
perfume forte dele.
Meu rosto esquenta e minhas mãos ficam suadas.
— Por que está corando? — pergunta.
Posso ver em seu rosto vestígios de um sorriso.
— Estou com calor. E também não é da sua conta, que mania
de querer saber tudo — digo virando o rosto para a janela.
Ouço seu suspiro alto antes de o carro ganhar movimento.
Fico olhando a paisagem e pensando o quanto sou idiota por
estar aqui indo para sei lá onde com esse imbecil. Por que não
consigo resistir a ele? É como se fôssemos ímãs, sempre atraindo
um ao outro. Ou melhor, ele é o ímã sempre me atraindo, e eu, o
metal. Odeio não ter pulsos comigo mesma.
Eu ainda não esqueci o que ele me fez na festa, a mágoa é
grande, mas mesmo assim estou aqui. Me pego desejando um
pedido de desculpas. Quando o carro para, vejo que estamos em
frente a um restaurante. Ele desce e entrega as chaves ao
manobrista, enquanto eu o sigo até a entrada de um lugar de que
nunca ousei chegar perto, por ser um dos mais caros em Seattle.
A hostess nos recepciona amistosamente.
— Olá, Sr. Lins, Srta. Walther! Os levarei até a sua mesa — diz
passando na nossa frente.
Ele fez reservas para nós? — meu subconsciente pergunta
perturbado.
Ela nos indica a mesa e nos sentamos um de frente para o
outro. A moça sai dizendo que chamará um garçom para que nos
atenda.
— Fez reserva neste restaurante apenas para me importunar?
— Arqueio uma das sobrancelhas.
— Não é para tanto, apenas tenho reserva aqui às quartas.
— Então, creio que já pode me falar do que se trata o assunto
— apresso.
— Tenho uma proposta para lhe fazer, mas só depois que
comermos — ele diz e levanta o cardápio que já estava sobre a
mesa, olhando atento as opções.

Todo o nosso almoço foi silencioso. A curiosidade estava me


corroendo, mas eu permaneci fingindo tranquilidade. A comida
chegou e observei a forma elegante como ele segurava os talheres,
tão oposto a sua postura rígida e sua cara de mau. Me pergunto se
usa essa atitude como uma armadura. O que ele tenta esconder?
Quem será Damon Lins por debaixo de toda essa camada de
arrogância e egoísmo?
Ainda perdida em pensamentos, termino de comer e bebo o
restante do vinho branco em poucos goles, enquanto ele limpa os
lábios no guardanapo de pano.
Seus olhos se levantam encontrando os meus e uma
eletricidade corre pelo meu corpo, é agora que eu mato a minha
curiosidade. Ele apoia os cotovelos na mesa e me encara com
fervor.
— E então... O que tem para me dizer? — pergunto quebrando
o clima estranho.
— Preciso que vá comigo a um jantar — ele diz.
— E por que eu iria a algum lugar contigo? — pergunto.
— O porquê agora não importa, mas sim a proposta. Você me
acompanha e um terço da sua dívida comigo será quitada — ele
explica.
— Você está querendo que eu pague minha dívida indo a um
jantar com você, só isso? — pergunto arqueando uma sobrancelha.
Isso não tem lógica alguma.
— Não me diga que está achando que quero sair em um jantar
a dois contigo, está? — Ele sorri com deboche.
Para falar a verdade, eu tinha achado por um momento que ele
estava tentando se redimir. Mas o que me levou a pensar isso dele?
— Não, não mesmo. Só estou tentando entender a lógica disso
tudo. — Em partes não era tão mentira assim.
— Você é tão ingênua. — Ele balança a cabeça em negação.
— E então, aceita? Diga logo, já perdi muito tempo aqui.
— Não, obrigada. — Sorrio cínica.
— Não? — pergunta.
— Não! — confirmo.
— Tudo bem! — ele diz levantando-se e abotoando seu terno.
— Quer uma carona para seu trabalho? Tenho que conversar com o
Sr. Miller.
— Arthur? O que tem para conversar com ele? — pergunto.
— Sobre sua demissão. A propósito, ia me esquecendo... Já
que você está atrasada com o pagamento, sua dívida comigo
dobrou, sabe como são os juros. — Ele coloca algumas notas de
cem na mesa, vira as costas e segue para a saída.
— Mas o quê? — Eu o sigo. — Preciso desse emprego.
— Tivesse pensado nisso antes de recusar o que lhe propus.
— Você é mesmo um grande idiota — grito no meio do hall.
Algumas pessoas me olham, mas pouco me importa.
— Pare de ser infantil. — Ele se vira para mim. — Ou você vai
para a porra do jantar comigo ou perderá o seu emprego, não terei
dó de você — fala baixo, bem próximo ao meu rosto.
Creio que quem está olhando de fora poderia pensar que
estamos tendo apenas um momento “fofo”. Seguro as lágrimas para
não chorar, puxo meu braço do seu aperto e respiro fundo.
— Tudo bem — aceito por fim.
— Boa menina, foi inteligente voltar atrás. Vamos, te levarei ao
trabalho.
— Não trabalho mais hoje — digo.
— Que seja! — ele fala e segue para fora.
Quando o manobrista traz o carro, entro rápido, afivelando o
cinto. Ele assume seu lugar e, no caminho para casa, meu celular
toca.
— Alô? — atendo o número desconhecido.
— Srta. Thayla? — a moça de voz doce pergunta.
— Sim, ela.
— Sou Beatrice da Street Dance, estou ligando para avisar que
você foi selecionada para o emprego, poderia comparecer amanhã
por volta das 13h? Para acertarmos alguns detalhes e o dia do seu
treinamento?
— Claro. Muito obrigada, você não sabe o quanto estava
precisando desse emprego. Estarei aí amanhã — digo empolgada.
— Estaremos te aguardando! — se despede, desligando em
seguida.
Damon me olha com cara de poucos amigos.
— O quê? Consegui um trabalho na Street Dance — digo
alegre, mas ele faz pouco-caso.
Por que ele é tão grosseiro? Por que as coisas entre nós não
podem ser mais fáceis? São tantas perguntas que eu não sei
elucidar.
Ao parar na frente da minha casa, ele se volta para mim
dizendo:
— O jantar será amanhã à noite, providenciarei o que vestir.
John irá buscá-la e levar até minha casa. Você precisa ter aulas de
etiqueta antes de irmos. Se arrumará lá também, alguém de minha
confiança vai cuidar para que esteja bem-apresentável, não posso
correr o risco de você aparecer maltrapilha. — Ele aponta para mim
e me olha de cima a baixo.
A raiva me consome, e antes que eu faça qualquer besteira
resolvo responder:
— Pode deixar, Sr. Lins — digo ironicamente e saio do carro.
Entro em casa esbaforida, trancando a porta atrás de mim.
— O que houve? — minha mãe pergunta preocupada,
enxugando as mãos no pano de prato.
— Nada, só subi as escadas correndo — digo disfarçando com
um sorriso largo. — Como a senhora está?
— Bem. — Ela dá um sorriso amarelo.
Eu sei que não está nada bem, os remédios dela já estão no
finalzinho, tem apenas para dois ou três dias. E isso a está deixando
bastante preocupada, sem falar no tratamento de que ela tanto
precisa e não temos dinheiro para pagar. O tempo está correndo e,
quanto mais demorarmos, mais difícil será combater o câncer. Fico
com o coração partido por não conseguir fazer mais nada.
— Que ótimo, vou tomar um banho, estou exausta — digo
beijando sua testa e seguindo para o quarto.
Dezessete
Tiro minhas roupas de qualquer jeito e entro debaixo da água
fria. A vontade de chorar me envolve. O mundo está caindo ao meu
redor e eu não consigo fazer nada para impedir, absolutamente
nada.
O que me conforta é esse novo emprego, tenho fé de que as
coisas melhorem.
Termino meu banho, visto um baby-doll surrado, posso ser
amante de moda, sim, mas nada supera uma roupa velhinha e
confortável para ficar em casa. Deito-me na cama e fecho os olhos
para descansar um pouco. Ouço uma batidinha à porta e me viro
para olhar.
— Oi, mãe.
— Não vai almoçar?
— Não, já almocei. Obrigada! — digo sorrindo
— O que está acontecendo com você? Ultimamente está bem
tristinha.
— Não é nada, apenas impressão sua, estou bem.
— Ok, deixarei que descanse, qualquer coisa, estarei no meu
quarto. — Ela sorri antes de sair.
Fecho os olhos novamente para descansar, mas desta vez é
meu celular me impedindo. No visor o nome de Katy aparece e
penso por alguns segundos se eu realmente deveria atendê-la,
respiro fundo, mas não consigo me acalmar.
— O que é Katy? — pergunto irritada.
— Oi — ela responde em tom baixo. — Podemos conversar
agora?
— Para falar a verdade, não, estou querendo descansar.
— Por favor, eu só peço dois minutos.
— Seu tempo já está correndo.
— Obrigada — ela diz. — Então... eu viajei como disse, mas em
momento algum minha intenção era te deixar na mão. Fui em busca
de conseguir dinheiro para pagar a nossa dívida. Fiz coisas das
quais me arrependo e que acabaram comigo. E por isso fiquei tanto
tempo longe, porque precisei me recompor.
— Que tipo de coisas você fez? — pergunto sem entender.
— Coisas horríveis, Thay, eu sofri muito. — Ela começa a
chorar descontroladamente.
— Katy, o que você fez?
— Eu me prostituí. Achei que seria uma boa, sabe... Um
dinheiro rápido. Mas fui iludida, o homem que me fez a proposta
mentiu para mim. Depois que me levou para lá, me mantinha presa
e me batia todos os dias. Fui obrigada a fazer coisas que eu não
queria. Você entende a proporção disso tudo? Eu não podia voltar. A
polícia bateu na casa de prostituição e só assim eu consegui fugir.
Eu vivi um inferno. Precisei de uns dias para me recuperar e voltar.
— Apenas fico em silêncio, preciso digerir tudo. — Obrigada por me
escutar — ela diz e desliga.
É impossível pregar os olhos depois dessa ligação. Tento ao
máximo não pensar no que ela me disse, mas é impossível. Por que
ela não me procurou? Eu poderia tê-la ajudado. Não é para isso que
as amigas servem?
Levanto da minha cama e vou para a cozinha pegar um pouco
de suco. Depois tento ler um pouco jogada na cama. A noite chegou
com a campainha tocando. Abro a porta e vejo Alice parada com um
sorriso largo.
— Oi, Ali. — Dou um abraço apertado.
— Oi, Thay, estava por perto, decidi vir visitá-la. Fiz mal? — ela
pergunta.
— Não, claro que não, entra. Minha mãe vai amar vê-la aqui. —
Sorrio dando passagem a ela.
— Como está você? — ela pergunta sentando-se no sofá.
— Estou bem. — Sorrio fracamente.
— Não é o que seu rosto diz — fala me inspecionando.
— São só problemas bestas. Katy me procurou hoje... — digo
encostando a cabeça no sofá.
— O que aquela vaca queria? — Sorrio pela forma como ela
fala, Alice não gosta de Katy.
— Ela veio me explicar o porquê de não aparecer mais.
— E o que ela disse? — Alice pergunta curiosa.
Conto tudo a ela, é triste saber que passou por isso, mas, ao
mesmo tempo, eu estou bastante irritada com ela.
Alice fica boa parte da noite comigo e minha mãe, comemos e
conversamos sobre diversas coisas. Decidi não falar a ela sobre o
jantar, ele que explique para a irmã, amanhã, que me forçou e
ameaçou tirar meu trabalho por causa deste bendito evento.
Depois que ela vai embora tomo um banho rápido e me deito
decidida a dormir, mas meu celular toca. A contragosto pego, vendo
que é o número que me ligou mais cedo da Street Dance.
— Oi, Beatrice?
— Oi, senhorita. Perdoe-me pelo horário mas é que houve um
equívoco sobre a vaga, e ela já foi preenchida. Sinto muito, mas,
assim que abrir outra vaga, você será prioridade — ela diz e eu
tento digerir por um tempo.
— Tudo bem, obrigada. — Desligo o telefone.
Não consigo acreditar nisso, respiro fundo algumas vezes
expulsando a vontade de chorar e, exausta, adormeço em seguida.
Acordo assustada por causa do pesadelo que acabei de ter. No
sonho, eu via as atrocidades que um homem fazia com o corpo da
Katy. Sua história abalou completamente o meu psicológico.
Resolvo me levantar e vou direto para o banho, deixo que a água
gelada lave todas as sensações ruins, incluindo a perda do trabalho,
até porque, hoje o dia será tenso e estranho.
Seco os cabelos e prendo em um rabo de cavalo, visto minha
calça jeans de trabalho e uma blusinha branca com estampa de
flores. Ponho sapatilhas e passo meu perfume.
Quando chego à cozinha, minha mãe já está terminando de pôr
a mesa.
— Bom dia, dona Joana — digo dando um beijo em seu rosto
antes de me sentar.
— Bom dia, filha.
— Como você está se sentindo? — pergunto mesmo sabendo
que ela iria mentir.
— Estou bem. Não se preocupe. — Ela sorri.
Pego um pedaço de pão caseiro e um copo de suco de abacaxi.
— Terei um jantar hoje, quando terminar meu expediente irei
para casa de Alice, tudo bem?
— Ok, divirta-se.
Como tudo rapidinho, volto para o quarto para escovar os
dentes e pegar minhas coisas antes de me despedir de minha mãe
e seguir para o café.
Durante o percurso percebi que algumas pessoas me
reconheciam e me cumprimentavam com acenos de cabeça. É um
absurdo que achem que só porque saí em uma capa de revista elas
passam a ter familiaridade comigo.
Chego ao trabalho e a rotina se instaura.
As horas passam correndo, aproveito para mandar uma
mensagem para John avisando que pode me pegar assim que o
expediente acabar. Quando acaba tiro meu avental, pego minhas
coisas, me despeço de Ana e fico do lado de fora esperando John
vir me buscar. Aproveito para sentar em um banco debaixo de uma
grande árvore de ipê-amarelo, curtindo um pouco do dia, que apesar
de ser de céu límpido, traz um vento gelado.
Observo as pessoas caminhando e me pego presa a uma moça
empurrando o carrinho do seu filho. Imagino quando for a minha
vez, afinal sempre tive vontade de ser mãe. Ter um pedacinho meu
no mundo é algo que me deixa encantada.
Acordo do meu sonho quando ouço uma buzina. Vejo o
motorista saindo do carro para abrir a porta para mim.
— Oi, John. — Sorrio.
— Olá, Srta. Thayla.
— Sua esposa está melhor?
— Está sim, obrigado por perguntar. — Ele sorri.
Entro no carro e ele assume seu lugar, não via necessidade de
ir atrás, mas achei melhor não contestar.
Ao chegarmos em frente à mansão dos Lins, Damon está
parado na frente da casa e sua cara não está das melhores, para
variar.
— Obrigada por me trazer, John. — Sorrio para ele, que
assente.
Passo por Damon sem olhá-lo e entro na casa com uma
funcionária me acompanhando. Caminho para a sala de estar e me
sento em um dos sofás.
— Onde está Alice? — pergunto.
— Ela saiu, Srta. Walther, creio que só chegará à noite — ela
diz.
— Obrigada. — Pelo visto ficarei a tarde inteira com o Damon.
— Deseja algo? Uma água, café? — ela pergunta.
— Apenas água, por favor — digo retribuindo seu sorriso.
Ela sai da sala me deixando sozinha, observo alguns quadros
que há na parede e não me recordo de tê-los visto ali antes. São
deslumbrantes, tenho que admitir. Ouço passos e vejo Damon vindo
em minha direção.
— Você terá aulas de etiqueta agora. A Sra. Reusser também
te ajudará a se arrumar. Esteja pronta às 19h, sem atrasos —
enfatiza antes de virar as costas e sair.
Vejo a moça que me atendeu se aproximar com minha água.
Ela me estende o copo.
— Não ligue para ele — ela diz num sussurro.
— Ele é um idiota — digo irritada.
— Não o deixe ouvir você falando assim.
— Não seria a primeira vez — esclareço dando de ombros.
— E ele não fez nada? — ela se admira tampando a boca.
— Mais ou menos — digo me lembrando das coisas que ele já
fez.
— Então pelo visto ele... — Ela é cortada pela voz de outra
mulher.
— Ágatha, você não tem nada para fazer? Ande, saia daqui.
Que velha antipática, penso.
Ágatha sai praticamente correndo.
— Sou a Sra. Reusser. Vamos começar, pelo jeito terei bastante
trabalho e pouco tempo — ela fala me olhando da cabeça aos pés.
— Sou Thayl...
— Eu sei quem você é e não estamos aqui para fazer amizade
— diz me cortando.
Esse povo é sempre assim, tão ignorante? Vamos para a sala
de jantar, onde estão postos dois lugares, vamos comer?
— Sente-se, irei ensiná-la como usar os talheres e se portar à
mesa.
Reviro os olhos por tanta pompa.
— Vamos começar pelo básico, tudo o que for feminino sempre
tem que estar posto no lado direito, e tudo o que for masculino, a
sua esquerda.
— Não entendi — digo confusa.
— Claro que não — ironiza. — Tudo o que for denominado
feminino estará à sua direita, como a faca, a colher, a taça.
Entendeu? E masculino na esquerda, o garfo, o guardanapo — fala
mostrando os talheres bem-postos ao lado do prato.
— Agora entendi. — Sorrio fracamente.
— Ótimo, vamos para a próxima etapa. Nunca se esqueça de
pôr o guardanapo sobre o colo. — Imito a mulher colocando-o sobre
meu colo. — Com delicadeza, menina — ela diz me olhando feio,
dando um pequeno tapa em minha mão.
— Aí. — Olho para ela reprovando-a.
— Não me olhe assim, seja mais delicada, você é uma dama.
Repito o gesto sendo obrigada a usar uma "delicadeza" que eu
não tenho.
— Agora está melhor. Outra coisa muito importante, irei te
ensinar um pouco da etiqueta americana, e outro dia falaremos
sobre a francesa. Para cortar carne o garfo vai para a mão esquerda
e a faca para a mão direita, é estranho, mas é o correto. A faca
nunca descansa na beira do prato, e sim em cima do prato, na
borda, com a serra virada para dentro. — Ela me mostra. — Sempre
pegue no garfo e na faca com gentileza, são apenas talheres, não
pás. Quando terminar a refeição, junte os talheres no prato, assim
vão saber que você já acabou. Creio que esses são os pontos
principais. Já ia me esquecendo, não ponha os cotovelos na mesa,
isso é bastante feio. Quer descansar as mãos? Descanse em seu
colo. Nunca fale de boca cheia e lembre-se de, quando falar, limpar
a boca delicadamente com o guardanapo. — Ela bate palmas e uma
das empregadas traz um prato com comida. — Quero ver como se
sai na prática.
É muita coisa para assimilar, mas espero conseguir. Pego o
talher do jeito que ela me ensinou.
— O talher sempre vai a sua boca, e não sua boca que vai ao
talher. Você pode se inclinar um pouco, mas de forma elegante para
que não seja feio — ela fala e eu apenas assinto fazendo o que diz.
— A comida está boa? — pergunta.
— Sim — respondo terminando de comer.
— Errado, acabou de reprovar no teste. Come primeiro, depois
fala, nunca de boca cheia. — Ela me dá um tapa na mão.
Respiro fundo e continuo comendo.
— Precisa ter postura, ponha a barriga para dentro e o peito
para fora. Levante um pouco o queixo e vai estar maravilhosa.
Arrumo a postura e termino de comer. Não sei até quando
ficarei com as costas de forma certa, pois minha vontade é de
sentar com os ombros caídos, de forma confortável.
Depois que termina os puxões de orelha à mesa, ela me leva
até a sala, à área que tem mais espaço, perto da lareira.
— Agora vai aprender a andar de saltos.
— Mas eu já sei — retruco.
— Andar com elegância? Duvido muito.
As próximas horas são exaustivas em cima de saltos, andando
para lá e para cá com postura e elegância como a Sra. Reusser fala.
— Pode descansar, sua noite será longa — ela diz me
dispensando.
— Obrigada.
Ágatha me aguardava ao lado de fora da sala, ela me leva até o
quarto de hóspedes. Tiro minha roupa e tomo uma ducha de água
gelada, visto um vestido que trouxe em minha bolsa e me deito para
descansar por algumas horinhas.
Dezoito
Acordo com o grito eufórico de Alice. Ela pula em minha cama
dando risada.
— Oi, Thay.
— Oi. — Sento na cama arrumando os cabelos.
— O que faz aqui? Quando disseram que você estava aqui, vim
correndo para o quarto. — Sorri.
— É... eu e seu irmão vamos sair para um jantar — digo
mordendo os lábios, não sei o que ela vai achar de mim.
— Deus, você e o Damon?
— O quê? Não. Você sabe que eu nem gosto dele. — Bufo
dando de ombros.
— Hunrum, sei, então por que vão jantar?
— Sabe que eu ainda não sei? Talvez deva perguntar a ele —
digo desconversando. — Que horas são?
— Agora são 17h45.
— Tenho que me arrumar, seu irmão não quer atrasos. —
Reviro os olhos.
— Ele é bem chato com horários.
— Só com horários? — pergunto arqueando uma sobrancelha,
ela cai na gargalhada.
— Ele é um chato em tudo. Quer ajuda para se arrumar?
— Quero, sim — digo sorrindo fracamente.
— Cadê sua roupa?
— Não sei. Seu irmão disse que iria providenciar.
— Tudo bem, então deve estar no closet. Vai tomar banho, ouvi
dizer que Rony chegará em breve com sua equipe.
— Certo. — Dou um abraço rápido nela e sigo para o banheiro.
Depois do banho, passo o hidratante que vi em cima da
bancada para ficar com a pele cheirosa e sigo para o quarto
enrolada na toalha.
— Seu vestido — Alice fala apontando para a peça branca
sobre a cama.
Ele tem um decote bonito e as laterais na cintura são um pouco
abertas.
— Uau, é lindo. Estou delirando ou é da última coleção da Louis
Vuitton? — pergunto boquiaberta.
— Meu irmão tem bom gosto. O sapato e a bolsa são também
— ela fala abrindo as caixas.
Eu sou apaixonada pelas coleções da Vuitton.
Sento em frente ao espelho quando Rony chega. Alice dá
palpites sobre o penteado, chegando à conclusão de que será
melhor deixá-lo partido ao meio. A frente está fixada, com spray,
atrás da orelha, e o restante do cabelo, solto e bem liso. Chique e
sofisticado. A maquiadora faz um trabalho excelente deixando os
olhos mais carregados e a boca com um batom rosa-claro.
Por fim, ponho o vestido, que fica perfeito no meu corpo. Calço
os sapatos brancos com detalhes prata e arremato o visual com a
bolsa também prata. Tenho que concordar que ele tem muito bom
gosto. Fico conversando com Alice até que Ágatha vem me chamar
avisando que Damon me aguarda na sala de estar. Respiro fundo e
faço, em minha mente, o passo a passo de tudo o que a Sra.
Reusser me ensinou.
Ponho a barriga para dentro, o peito para fora e empino um
pouco o queixo.
— Uau, parece outra pessoa — Alice fala me olhando.
— Preciso parecer elegante. — Dou de ombros.
— E está parecendo, espero que tenha um bom jantar. — Ela
beija minha bochecha e me ajuda a descer as escadas.
Tento manter a calma pisando com "delicadeza" no chão. Meus
pés, sempre um em frente ao outro, fazem parecer que estou
desfilando. Lembro-me da Sra. Reusser me falar para não fazer
movimentos bruscos, pois assim pareceria desesperada, então faço
tudo com calma.
— Ali, não estou parecendo desengonçada, né? — pergunto
insegura.
— Não, claro que não. Até diria que você é uma mulher da alta
sociedade, que foi criada em berço de ouro. Tenho que admitir que
nem eu tenho toda essa elegância.
— Para de me iludir — digo e ela dá risada.
— Não estou te iludindo, sério mesmo, você está magnífica —
conclui.
Por fim chego à sala de estar, o Sr. Ranzinza está sentado em
uma poltrona, de costas para a gente, observando pela enorme
janela de vidro o lado de fora da casa. Alice caminha até ele e pega
em seu ombro.
— Hum, como você está lindo, se não fosse meu irmão com
toda certeza eu pegaria.
— Não é para tanto.
— Claro que sim, não acha, Thay? — ela me pergunta virando
a poltrona dele.
Fico estatelada, sem reação. Ele realmente está muito bonito.
Veste um terno de três peças preto, com uma camisa branca, e o
azul da gravata assume o posto de destaque na gama de cores das
peças de alfaiataria. Seus cabelos estão bem penteados para trás,
como sempre, e seus olhos estudam meu corpo por alguns breves
segundos antes de voltarem ao meu rosto.
— Gostei da roupa — é a única coisa que consigo dizer, mas o
que eu realmente queria responder é que ele está maravilhoso e
que sem ela deve ser ainda melhor.
Coro.
— Fala sério. — Alice revira os olhos.
— Alice, contenha-se. Estamos de saída. — Ele deposita um
beijo em sua testa.
— Tchau, amiga, boa sorte. — Ela pisca para mim.
— Não estamos tendo um encontro, Alice. — Me despeço dela
o acompanhando até o elevador.
Fico no canto tentando manter o foco em continuar com a
postura certa e andar elegantemente. Quando as portas de metal se
abrem, forço as pernas a seguirem Damon, que se aproxima de um
Lada Raven, que já estava posicionado para sair. O carro é de tirar
o fôlego, tem o designer meio futurístico, parece até uma
espaçonave.
— Não vamos com John?
— O que você acha? — pergunta debochado.
Não respondo, entro no carro e me acomodo no banco,
passando o cinto de segurança em meu corpo, e, quando ele faz o
mesmo, saímos da garagem subterrânea.
— Posso saber qual é o propósito do jantar? — pergunto.
— Negócios.
— Que tipo de negócios?
— Negócios que não são de sua conta — fala irritado.
— Se estou fazendo parte disso, então sim, são dá minha
conta.
— Eu não preciso que você entenda do assunto, só que esteja
presente e sorria — de forma grosseira dá um fim à conversa.
Encosto a cabeça na janela, mas sem prestar atenção ao que
se passa do lado de fora. Fico me perguntando o que estaria
fazendo agora se estivesse em casa, talvez presa em meu quarto
lendo algum livro, ou comendo.
Não tenho noção de quanto tempo levamos até chegarmos a
uma grande mansão.
Os portões se abrem e ele avança com o carro por volta de
uma fonte, parando em frente à entrada. Uma senhora muito bem-
trajada, em um vestido de seda azul-royal que transpassa seu
ombro, nos olha atentamente da varanda. Ouço Damon respirar
fundo.
— Espere — diz saindo do carro e dando a volta, abrindo minha
porta.
Olho para ele e, apesar de seu rosto continuar sério e taciturno,
estende a mão para mim.
Com muito receio, pego em suas mãos frias. Sinto uma
corrente elétrica passar por elas, provocando um pequeno choque
na ponta dos meus dedos, o que ele parece ter sentido também.
Faço menção de tirar a mão, mas ele a agarra me ajudando a sair
do carro, fechando a porta em seguida. Sua mão descansa na
curvatura das minhas costas me incentivando a andar.
Ele me confunde toda vez que tenta ser cavalheiro. Quando
começo a andar, suas mãos saem da minha cintura e me ajudam a
subir os poucos degraus da entrada. A senhora sorri para mim e
para ele.
— Olá, sejam bem-vindos — ela nos recebe, Sr. Ranzinza beija
sua mão e logo se põe ao meu lado. A mulher me dá um beijo de
cada lado do rosto. — Você deve ser Thayla, não é mesmo?
— Sim, sou eu. — Sorrio para ela sem entender muita coisa.
— Thayla, esta é Celeste, a esposa do Sr. Jarbas — ele diz.
Olho para ele em entendimento e depois respondo.
— É um prazer conhecê-la, seu marido me falou muito bem da
senhora. — Sorrio e ela retribui.
— Vamos, entrem, está frio aqui fora. — Chama com as mãos.
— Leandro está no banho, se atrasou na empresa. Vamos para a
sala de estar lá em cima. — Celeste passa por uma larga porta que
dá para uma sala com um bar e uma grande escada de mármore.
A anfitriã sobe os degraus comigo e Damon logo atrás. Olhando
tudo ao redor, acabo pisando em falso e perdendo o equilíbrio, mas
antes de cair sinto mãos em minha cintura me segurando forte. Abro
os olhos e estamos grudados, seus olhos me investigam, seu rosto
está bem próximo do meu.
— O que está fazendo? — pergunto baixo, sentindo que ele
conseguiu mexer comigo.
Ele se separa de mim arrumando sua roupa, e eu, a minha.
— Apenas conferindo que não vai encontrar o chão. — Ele olha
de relance para o alto da escada e depois para mim.
— Concordo com Leandro, você se parece muito comigo. —
Celeste ri. — Vocês dois fazem um belo par. — Pisca para mim e
continua andando.
Ela só pode ser louca.
O segundo andar é tão lindo quanto o primeiro, o piso de
mármore branco com veios dourados é pura sofisticação e os sofás
Off-White e largos aparentam ser bem aconchegantes. No teto, um
lustre pendente de cristal compõe o ambiente com muito glamour.
Sento-me próximo a Celeste enquanto Damon escolhe uma das
poltronas.
— Então... Como se conheceram? — pergunta.
Olho de relance para Damon, que parece curtir meu
constrangimento.
— É... Eu e uma amiga fomos a uma balada e... — Meu Deus,
que ridículo. Limpo a garganta e continuo. — Ela foi estacionar o
carro e bateu no dele. Entramos na boate e quando menos
esperávamos ele apareceu... — Me lembro da sensação que ele me
causou quando o vi de longe.
— E... — Celeste me incentiva.
Acordo do meu devaneio, corando no mesmo instante.
— E aí foi só desastre, porque Katy sugeriu fugirmos e eu a
segui. Me enfiei no basculante do banheiro e acabei entalada. Para
completar o cenário, acabei dando um chute no nariz dele quando
ele tentava me tirar de lá. — Dou de ombros e olho para Celeste,
que está horrorizada, com as mãos na boca, mas depois de uns
segundos ela solta uma bela gargalhada.
— Queria ter visto essa cena — ela diz.
— Não, você não ia querer — asseguro me lembrando de
quando fomos parar na sala dele.
— Consegui ouvir sua risada do nosso quarto, pelo visto estão
se divertindo — ouço a voz de Leandro.
— Você precisa ouvir a história desses dois. — Não, ele não
precisa, penso.
— Faço questão, continua tão bela como me lembrava — ele
diz e beija o dorso da minha mão.
— Obrigada, Sr. Jarbas. — Sorrio envergonhada.
— Ora, menina, apenas Leandro. — Ele sorri. — Não disse que
ela se parecia com você?
— Realmente parece, nosso jeito destrambelhado de falar o
que vem à cabeça é o mesmo. Só melhorei quando me casei com
Leandro. — Ela ri.
Vejo Damon se levantar.
— Sr. Jarbas. — Eles trocam um aperto de mão. — Obrigado
pelo convite.
Leandro assente.
— Vamos comer? Estou faminto — Leandro diz.
— Leandro, isso é jeito de se falar? — Celeste o repreende.
Vejo-o revirar os olhos devagar e prendo o riso.
Caminhamos para a sala de jantar onde uma mesa grande está
bem-posta.
O Sr. Jarbas senta-se à cabeceira, e sua esposa, ao lado
direito. Damon puxa a cadeira para mim antes de se sentar ao lado
esquerdo do anfitrião.
As empregadas vêm servir o jantar e escolho um pouco de
cada um dos pratos. Coloco o guardanapo no colo e pego meus
talheres da forma como a Sra. Reusser me ensinou.
— Sei que sua família tem concessionárias espalhadas pelos
Estados Unidos, mas soube que você tem sua própria empresa,
algo com designer, não é? — o Sr. Jarbas pergunta.
Olho para Damon aguardando sua resposta.
— Sim, preferi seguir para esse lado, mas hoje tenho
envolvimento em outros empreendimentos.
— Me explique melhor, como funciona, você atende
diretamente aos fabricantes? — Leandro pergunta.
— Tenho contrato de designer com algumas das principais
marcas automotivas, no entanto também faço personalização para
os clientes das concessionárias, fazendo troca de cores, acessórios
personalizados; na verdade, não existe limite, se o cliente quer, a
gente dá um jeito de fazer.
— Muito inteligente, não é à toa que está em destaque na
Forbes pelos últimos anos.
— Obrigado. — Damon coloca uma garfada de comida na boca.
— E a senhorita, com o que trabalha? — Sr. Jarbas pergunta
para mim.
— Trabalho na Coffee and Sweets. — Sorrio de lado.
— Você gosta de trabalhar lá?
— Gosto, apesar de ser estressante.
— Qual trabalho não é? — Celeste sorri.
— Verdade.
Como minha sobremesa quieta, percebendo os olhos de
Damon sobre mim, mas ele não diz nada, claro que ele não iria falar.
O jantar segue com conversas amenas e, quando terminamos,
Celeste me chama para dar uma volta no jardim e conhecer a
estufa, enquanto Damon fica na sala conversando sobre negócios e
bebendo Whisky com o Sr. Jarbas.
Dezenove
Já estava tarde e tanto eu quanto Celeste já estávamos com
sono. Voltamos para a sala de estar, encontrando os dois dando
risada e ainda bebendo, só espero que ele não esteja bêbado,
porque o Sr. Jarbas com certeza está!
Me aproximo de Damon com receio e me apoio em seu ombro
para falar em seu ouvido.
— Podemos ir embora? Estou com sono e frio — digo com
gentileza.
Ele olha para mim, seus olhos verde-acinzentados param em
meus lábios e depois voltam aos meus olhos.
— Tudo bem, pegue suas coisas — responde tirando minha
mão de seu ombro, o que é quase imperceptível aos olhos de
Leandro e Celeste.
Pego minha bolsa e me despeço do Sr. Jarbas. Damon faz o
mesmo e Celeste nos acompanha até a porta.
— Foi um prazer conhecê-la. Obrigada pelo jantar maravilhoso
— digo dando um abraço nela.
— Venham mais vezes, me diverti muito. — Ela sorri.
— Sra. Jarbas, muito obrigado, a senhora é uma mulher
encantadora. — Ele faz um aceno de cabeça e me ajuda a descer
os poucos degraus.
— Preciso fumar um cigarro — Damon diz arrancando seu
blazer e jogando por cima do carro.
Decido olhar a fonte com um anjo e uma moça esculpidos no
mármore, enquanto ele intoxica o corpo com nicotina.
Observo a água saindo da flecha, completamente hipnotizada.
Me lembro de quando era criança e meu pai me levava ao parque
central, onde havia uma fonte que eu adorava ficar olhando. As
lembranças enfeitam minha mente e não percebo quando Damon se
aproxima.
— Ei, vamos — ele diz tão perto de mim, que tomo um susto,
desequilibrando-me.
Seguro nele por reflexo, mas em vão, acabamos caindo os dois
dentro da fonte.
Não é exatamente funda, mas a sensação de que estou me
afogando é real. Levanto ao mesmo tempo que o Sr. Ranzinza me
puxa, bato a testa com a dele e caio sentada na água.
— É incrível como não consegue fazer nada direito. — Percebo
que ele está tentando ser calmo comigo.
— Desculpa, não fiz por querer. Você me assustou. — Tiro o
cabelo do rosto.
— Você é completamente desastrada, não consegue ficar com
os pés no chão nunca, sempre caindo, tropeçando e estragando as
coisas. — Ele respira fundo e passa a mão por seus cabelos
molhados. Olha para o tecido grudado no corpo, tenho que admitir
que agora eu estou tendo uma bela visão de seu corpo. — Estragou
minha roupa. — Ele parece estar bem bravo agora.
— Suas roupas não veem água? São lavadas com o quê?
Nunca vi água estragar roupa. — Levanto-me torcendo a barra do
meu vestido, que está encharcado.
— Não me faça perder a cabeça com você, não me teste — ele
diz em um tom frio, o que me deixa apavorada.
Saio de dentro da fonte, tiro o sapato dos meus pés e torço o
cabelo para tirar a água. Está frio demais e o vento gelado também
não ajuda. Começo a bater o queixo e alisar os braços numa
tentativa vã de me esquentar.
— Tire a roupa molhada e ponha isto. — Ele joga seu blazer.
— E onde vou me trocar? — pergunto.
Ele gesticula mostrando o lugar onde estávamos.
— E você vai ficar me observando? É isso? — Arqueio a
sobrancelha.
— Nada em você me interessa.
— Vai me dizer que é gay? Porque só assim para não se excitar
vendo o corpo nu de uma mulher — digo sem pensar.
Ele me olha com divertimento nos olhos, o que é estranho.
— Poderia lhe mostrar agora o quanto eu sou gay, te fodendo
com força até te deixar de pernas bambas. — Ele se aproxima de
mim como um felino. — Como eu disse, não tenho interesse em
você. Mas você tem razão, um homem sempre vai sentir desejo ao
ver o corpo nu de uma mulher, acontece que você ainda me parece
uma criança. — Ele vira as costas para mim, ficando de frente para
o carro.
Pega sua carteira de cigarros, fecha a porta e acende outro.
Criança é ele, que está sempre na defensiva e nunca me
encara de verdade. Vejo que esta é a minha deixa para tirar a roupa.
Fico de costas para ele, abro o zíper do lado e me certifico de que
não há ninguém por perto, ou alguém que possa me ver por alguma
janela. Tiro o vestido correndo, olhando para trás de vez em quando
para ver se Damon continua de costas, e ele está. Visto o blazer,
seu perfume forte está impregnado na peça. Aperto-o ainda mais
em meu corpo, absorvendo a sensação. Viro-me de volta para ele.
— Já acabei.
— O espelho retrovisor me dá uma boa visão do que acontece
às minhas costas. — Ele me dá uma olhada antes de abrir a porta
do carro, entrando em seguida, deixando-me do lado de fora,
sozinha e petrificada.
Ele me viu apenas de calcinha. Minha bochecha ganha a
coloração avermelhada de sempre, forço minhas pernas a
caminharem para o outro lado e entrarem no carro sem dizer nada.
Mas a minha maior vontade é de socar a cara dele. Recosto a
cabeça na janela, o carro está quentinho, deixando-me confortável.
Acordo assustada, olho para os lados e estou em um quarto.
Observo os detalhes e vejo que estou no quarto de hóspedes da
casa de Damon. Ele me trouxe no colo de novo? — meu
subconsciente indaga.
Estou vestida numa camisola de seda, que provavelmente deve
ser de Alice. Percebo que estou sem calcinha e fico me perguntando
se ele a tirou. Meu rosto cora no mesmo instante, mas saio do
quarto, indo devagar à última porta, a do quarto de Damon. Sei que
não devia estar aqui, mas quero tirar essa dúvida idiota da cabeça.
Ele tirou ou não a minha calcinha?
Abro a porta devagar e o vejo deitado. Me aproximo na ponta
dos pés para checar se está dormindo. Observo seu abdômen nu
subir e descer enquanto suas mãos descansam atrás da cabeça. A
visão de seu peitoral faz meus olhos brilharem. Analiso o resto do
seu corpo, que está enrolado da cintura até a coxa. Minha mente
divaga tentando desvendar se por baixo desse lençol ele veste algo.
Deslizo meus dedos com cuidado pelo seu peito, descendo pelo
caminho entre os gomos de sua barriga e parando bem próximo ao
lençol. Olho para o seu rosto sereno, ele é tão lindo e angelical
enquanto dorme, puxo um pouco o lençol e percebo que não está
de boxer; só mais um pouco e eu poderia ver tudo o que está ali
embaixo.
Suas mãos agarram com força a minha me dando um grande
susto.
— O que faz aqui? — ele grita contra meu rosto. Não sei o que
responder, estou envergonhada. — Você quer ver o que tem aqui
embaixo? — Ele arqueia a sobrancelha. — Então veja. — Tira o
lençol.
Acordo com a respiração acelerada e com o corpo quente,
Damon está a minha frente de braços cruzados e me olhando torto.
Estamos parados dentro da garagem de sua casa. Não acredito que
peguei no sono novamente no carro e ainda acabei sonhando com
ele.
— Pensei que não iria acordar — ele diz e sai andando para o
elevador.
Saio de dentro do carro e caminho até ele.
— Por que não me levou para casa? — pergunto achando
estranho.
— Sua casa é muito longe, amanhã pela manhã pedirei a John
que te leve. Por que estava chamando o meu nome enquanto
dormia? — Ele arqueia a sobrancelha e me olha do mesmo jeito que
no sonho.
Meu rosto inteiro fica vermelho.
— É... Tive um pesadelo — minto descaradamente.
O que eu realmente queria era que o sonho durasse só mais
um pouquinho. Ele me olha como se soubesse que eu estava
mentindo, mas não fala nada. O elevador sobe, parando na sala, até
que dessa vez não foi tão insuportável assim ficar com ele no
mesmo ambiente. Subo as escadas acompanhando-o, observando
os quadros como se eles fossem inéditos, mas é que a cada vez
que eu olho vejo algo que não havia reparado antes.
— Este é seu quarto. — Ele abre a porta.
— Obrigada — digo, é estranha esta situação. Ele vira as
costas e começa a caminhar. — Ei, espera. — Entro no quarto
correndo, tiro seu blazer me lamentando e visto o roupão. Volto à
porta e entrego a ele. — Aqui está. De novo, obrigada.
— Boa noite.
Entro no quarto com o coração acelerado, vou para o banheiro,
estendo o vestido no porta-toalhas torcendo para que ele seque e
tomo um banho quente, para aquecer meu corpo. Ponho o mesmo
vestido de mais cedo e seco meus cabelos. Puxo as cobertas da
cama e me aconchego nela cobrindo-me novamente, fecho os olhos
torcendo para que eu volte a sonhar de onde parei.
Vinte
Damon Lins

Não pude acreditar quando o Sr. Jarbas me ligou convidando a


mim e a Thayla para um jantar em sua casa. Há tempos tentava
sem sucesso me aproximar daquele velho, com o intuito de fechar
negócio com sua transportadora, e parecia brincadeira do Universo
essa aproximação ter acontecido justamente porque a mulher que
tem tornado meus dias um inferno caiu nas graças do homem. Mas
foi a primeira vez que consegui a chance de estar tão próximo dele,
então não poderia pensar em perder a oportunidade, até mesmo
porque era um processo, primeiro precisava ganhar a confiança
dele, depois o contrato. No entanto, pela primeira vez, eu me via
dependente de uma mulher para algo e não sei se dará certo. Afinal,
estamos falando de Thayla, nunca vi uma pessoa ser tão
desastrada, só faz coisa errada e tem o dom de me tirar do sério.
Quando ela está perto, o meu pior lado sobressai, minha
vontade é de corrigi-la e fazê-la ser obediente. Nenhuma pessoa me
deu tanta dor de cabeça em tão pouco tempo quanto essa garota.
Não há como não ser grosseiro com ela, é como se ela pedisse por
isso.
A maior prova foi o que aconteceu quando fui fazer a proposta
do jantar. Tentei ser gentil e chamá-la para almoçar, mas ela me
testa o tempo inteiro. Me esforço para manter o equilíbrio, no
entanto não demora para que me faça perder a cabeça.
O jantar ocorreu muito bem, Thayla não acabou com tudo como
eu esperava, até posso dizer que foi suportável estar perto dela,
apesar de suas insinuações.
Encerro a noite muito satisfeito por ter conseguido deixar o Sr.
Jarbas curioso em marcar uma reunião para saber o que posso
fazer pela empresa dele.
Saí desesperado por um cigarro. Não perdi tempo, acendendo
um enquanto Thayla se encantava com a fonte. Eu até pensei em
contar a história do Cupido e sua amada, Psique. Mas isso ficou
para trás quando ela caiu na fonte e me levou junto. Novamente
meu pior lado se sobressai, mas o que eu posso fazer se ela é uma
tola?
Quando me virei de costas para que ela trocasse de roupa, não
tinha intuito de vê-la apenas de lingerie, mas o reflexo no retrovisor
me chamou atenção. O vestido molhado deslizou por sua pele
revelando suas curvas, devo admitir que Thayla tem um corpo
bonito e pela segunda vez me via admitindo isso. Algo se agitou
dentro de mim, deixando-me quente e com vontade de provocá-la.
Na volta para casa, Thayla estava em um sono agitado, ela
parecia murmurar algo e, entre seus sussurros, consegui ouvir meu
nome, de forma baixa e suave, saindo de seus lábios. O jeito como
ela havia falado meu nome parecia me chamar e por um momento
senti vontade de saber para o que seria. Essa mulher ainda
acabaria comigo.

Thayla Walther

Esses últimos dois dias foram bastante tranquilos,


provavelmente porque não vi Damon ou Alice.
Passo pela farmácia e compro os dois remédios principais de
minha mãe, com os outros eu não terei como arcar, pois preciso
comprar algo para comer e pagar ao menos um mês de aluguel dos
três que estão acumulados.
Depois da farmácia vou direto ao mercado, pegando apenas o
essencial. Com tudo comprado, sigo para casa, mas passo antes na
porta do apartamento do Sr. Amélio e deixo o envelope com o
dinheiro debaixo da porta, com um bilhete dizendo que sei que não
estou cumprindo o nosso combinado, mas é o único dinheiro que eu
tenho no momento.
Apesar de cansada, guardo as compras e vou ao quarto da
minha mãe, onde a encontro tirando seu cochilo da tarde. Ponho
seus remédios na mesa de cabeceira, cubro-a direito e beijo sua
testa.
Tomo um banho rápido e me deito na cama a fim de descansar.
Fecho os olhos, mas o sono não vem, desisto de ficar rolando na
cama, sento e pego meu livro de cabeceira para ler. Gosto dos
romances clássicos, então tenho sempre um ao meu alcance.
Meu celular toca, busco com o olhar pelo quarto, vejo-o na
mesinha de computador e corro para atender.
— Alô.
— Sou eu — a voz grossa dele ecoa pelo celular.
— Damon? Como sabe meu número? — pergunto achando
estranho.
— Sei de tudo o que quero e preciso. E, no momento, preciso
falar com você — ele responde um tanto rude.
— O que quer agora? — digo irritada.
— Já lhe disse para não testar a minha paciência. Passarei em
sua casa daqui a vinte minutos, esteja pronta, caso contrário, a
levarei do jeito que estiver — fala e desliga.
Mas que porra, a vontade é ficar do jeito que estou só para
deixar claro que não quero ir a qualquer lugar com ele, mas prefiro
não arriscar a ser levada de pijama, seria humilhante. Com muito
custo deixo meu livro de lado e troco de roupa. Escolho uma legging
preta, uma blusa branca e um casaco de tricô que vai até a altura da
coxa. Penteio os cabelos e pego minhas coisas, arrumando dentro
da bolsa. Deixo um bilhete na porta da geladeira e desço as
escadas, indo para o lado de fora do prédio, dando praticamente de
cara com Damon. Do seu lado está parada uma Ferrari vermelha,
esses carros são de tirar o fôlego.
— Pensei que teria que ir buscá-la. — Ele joga seu cigarro no
chão e pisa para apagá-lo.
— Você me deu vinte minutos, me arrumei em quinze e estou
aqui, o que quer? — pergunto.
— Agora? Apenas que fique quieta e entre no carro.
Minha vontade é de rebater, mas sei que ele me tem nas mãos
enquanto eu não pagar o que devo.
Entramos no carro e, não muito longe, ele para em frente a uma
cafeteria requintada. Caminha para dentro com determinação, como
ele pode ser tão estonteante e voluptuoso ao mesmo tempo?
Sentamos a uma mesa mais separada das outras, e fico me
perguntando o que será que ele tem para me dizer desta vez.
Pedimos nosso café e ele olha para mim.
— Vai dizer o que é, ou vai ficar de mistério?
— Então, andei pesquisando algumas coisas sobre você, vi que
sua mãe está doente e que vocês estão passando por problemas
financeiros.
— Você o quê? Como pode invadir a minha vida desse jeito?
Isso não é da sua conta e você não tem direito de fuçar a minha
vida — digo um pouco mais alto.
— Uma vez que você está me devendo muito dinheiro, me dou
o direito de investigar o que eu quiser para ter certeza de que não
estou sendo enganado.
— O que quer com tudo isso, diga. — Cruzo os braços para não
cair na tentação de acertar sua cara.
— Tenho uma proposta pra te fazer. Você precisa de dinheiro, e
eu tenho — ele fala com um sorriso irônico nos lábios.
— E o que te faz achar que eu aceitaria? — Bufo.
— Sua necessidade. Sua mãe poderá ter o tratamento e os
remédios necessários, suas dívidas serão quitadas, tem coisa
melhor que isso?
— E qual a parte pior disso tudo? Porque uma coisa eu já
aprendi, você não ajuda os pobres e oprimidos a troco de nada —
digo.
— Não mesmo, mas agora vem a melhor parte, você me terá
como esposo. — Ele me olha cheio de cinismo.
— Casar? — Me engasgo com minha própria saliva.
— Sim, um casamento de fachada. — Ele me olha sugestivo.
— Você está maluco? Nos odiamos, arranje outra. Érika... Ela
seria ótima — digo perdida.
— Por isso mesmo é perfeito ser você; como nos odiamos, não
terei que lidar com sentimentos idiotas. — Ele me olha de cima a
baixo. — Você precisa de dinheiro, e eu, de uma esposa, não
teremos que lidar um com o outro. Será apenas da porta para fora,
por algum tempo, e depois nos separamos. Teremos um contrato
com absolutamente tudo estipulado, exigências, direitos e deveres.
— E por que precisa de uma esposa? — pergunto curiosa.
— Não é da sua conta — retruca.
— Ah... claro que não é. — Reviro os olhos. — Você quer me
colocar em toda essa situação às cegas?
— Já lhe disse, tudo para mim são negócios.
— Ninguém vai acreditar nisso — digo balançando a cabeça
negativamente.
— Como não? Saímos em diversos lugares como suposto
casal, só precisamos mostrar às pessoas que elas estão certas.
— Isso é ridículo. Já chega, quero ir embora.
Ele respira fundo e se levanta, deixando algumas notas em
cima da mesa antes de caminhar para fora. Levanto-me da mesa e
caminho sem muita pressa para o carro, abro a porta, entrando em
seguida.
Em silêncio ele me leva para casa, abro a porta do carro e,
antes de sair, ele fala:
— Um milhão, Thayla, é o que ganhará. Pense nisso.
Saio do carro sem nem olhar para trás. Entro em casa e
encontro minha mãe pondo a mesa.
— Oi, minha menina. Já voltou? — ela pergunta.
— Já sim. — Sorrio amarelo. — Mãe, desculpa, mas hoje não
vou acompanhar a senhora no café da tarde.
— Tudo bem. Obrigada pelos remédios. — Ela sorri.
— Não precisa me agradecer, estou fazendo pouco, a senhora
merece muito mais. — Dou um abraço apertado nela e vou para o
quarto.
Me jogo na cama em meio a um pensamento... Um milhão é
muito dinheiro! Eu poderia pagar todo o tratamento de minha mãe,
pagar o aluguel atrasado e ter a minha dívida com ele liquidada.
Mas me tornar a Sra. Lins acabaria com a minha sanidade. É
impossível ficar ao lado dele e continuar equilibrada. Mas agora é
hora de ser egoísta e me colocar em primeiro lugar, sabendo que
tudo poderia ser resolvido de um jeito um tanto simples? Me manter
sã ou tirar todo este peso das minhas costas?
Fecho os olhos e, apesar do duelo na minha mente, consigo
cochilar.
Acordo assustada com o barulho da chuva lá fora, levanto-me
da cama e fecho a janela. Olho as horas e vejo que já são quase
dez da noite. Vou à cozinha, me sirvo um pouco de suco de uva e
pego uma torrada.
Volto para o quarto enquanto termino de comer. Penso em ler,
mas está difícil me concentrar em algo além da conversa com
Damon.
Respiro fundo, pego meu celular e olho as últimas chamadas
recebidas em busca do seu número. Encaro o telefone por um
tempo até que decido ligar, no terceiro toque ele atende.
— Damon falando — sua voz faz com que meu corpo inteiro se
arrepie.
— Eu aceito — digo por fim.
O telefone fica mudo por um tempo, depois ele responde.
— Ok, nos vemos amanhã pela manhã. Vamos discutir o
contrato! — ele enuncia.
— Certo, boa noite — respondo, mas ele apenas desliga.
Deito na cama me sentindo mais leve por ter tomado uma
decisão, só espero que não tenha tomado a errada.
Vinte e um
Acordo ansiosa pelo que virá a partir de agora, dou graças por
estar de folga hoje, ou eu não seria capaz de aguentar até a tarde.
Tomo uma ducha, visto um suéter e calça jeans; prendo o cabelo em
um rabo de cavalo e ponho sapatilhas. Não sei a que horas ele virá
me buscar, por via das dúvidas já estou pronta. Ao sair do quarto,
ouço vozes, minha mãe parece contente em conversar com alguém.
Vou até a cozinha, me assustando ao vê-la servindo um café a
Damon.
— Não disse que ela era rápida? — Sorri para ele.
— Bom dia, mãe. — Beijo sua testa.
— Parece que a Bela Adormecida acordou. — Sorri para mim,
disfarçadamente me belisco para saber se não é um de meus
sonhos reais.
— Oi, Damon. O que faz tão cedo aqui? — pergunto sentindo
minha pele arder pelo beliscão.
— Já viu que horas são? — Olho meu relógio de pulso.
— São 09h30. Podemos ir?
— Sim. Senhora, obrigado pelo café — ele responde todo
cortês.
— Vocês nem tomaram café ainda — ela reclama.
— Combinamos de comer algo na rua. — Sorrio para ela.
— Tudo bem, apareça mais vezes, será bem-vindo. — Pelo
visto eles conversaram bastante antes de eu resolver aparecer.
— Obrigado. — Ele pega sua mão, deixando um beijo no dorso.
Assim que saímos pela porta, pergunto:
— Por que estava na minha casa? E ainda conversando com
minha mãe como se fossem conhecidos de longa data.
— Se essa merda de celular que você tem funcionasse, eu não
teria que ir lá. Liguei diversas vezes, já perdi muito tempo agora pela
manhã, terei que viajar pela tarde, então só tenho agora para
resolver — ele esbraveja.
— Se não está gostando da ideia, então por que está fazendo?
— Porque eu não tenho escolha — ele fala de um jeito contido.
— Já chega de perguntas tolas.
Caminho pisando duro até o carro, no meio do caminho meu pé
entra em um buraco na grama e eu caio no chão.
— Mas que merda. — Levanto rápido, tirando a grama da
roupa.
Entro no carro e Damon está olhando para mim, em segundos
seu rosto se transforma, e uma gargalhada estrondosa ecoa pelo
automóvel.
— Hahaha, que engraçado — digo cruzando os braços. — Meu
pé está doendo — choramingo.
É verdade? Nem tanto, mas talvez assim ele pare de rir.
— É uma pena. — Continua rindo, minha vontade é de bater
nele até que pare. — Não posso fazer nada, mas te asseguro que
não está quebrado, caso contrário você estaria gemendo de dor. —
Ele me olha por um tempo, voltando a ficar sério.
Levanta as mãos, trazendo-as até meus cabelos, me observa
por alguns breves segundos e depois se afasta, deixando que
algumas folhas da grama caiam sobre meu colo. Ele balança a
cabeça e tenta manter sua postura de sério, mas eu sei que está
querendo rir de mim. Volta a atenção para a rua e dá partida. Fico
quieta no meu canto, encosto a cabeça na janela enquanto observo
a paisagem e percebo que estávamos fazendo o caminho para sua
casa.
Saio do carro e o espero chegar do meu lado para entrarmos na
casa.
— Onde está Alice? — pergunto.
— Viajando.
— Viagem? Desde quando? — Ela não me disse nada.
— Uns três dias, chega hoje à noite — explica.
— Hum.
Ele continua andando, até chegarmos ao seu escritório, com
paredes cinza, uma mesa grande com tampo de vidro e uma
enorme estante de livros, que toma ponta a ponta da parede. Alguns
quadros adornam o local bastante sóbrio.
Damon dá a volta na mesa e se senta em sua cadeira,
indicando a posta em sua frente para eu me acomodar. Ele mexe
nas gavetas, tira de lá um envelope na cor branca e entrega a mim.
— Este é o contrato, não é muito arrevesado, pois você não
entenderia, leia tudo e conversaremos. — Ele sai do escritório,
fechando a porta atrás de si.
Ele me chamou de burra ou foi impressão minha?
Mas em que merda eu fui me meter?! Abro o envelope receosa
e começo a ler.

Contrato Particular

DAMON LINS, neste ato denominado Contratante, e THAYLA


WALTHER, denominada simplesmente Contratada, resolvem acertar
os termos abaixo mediante condições reciprocamente estabelecidas
e aceitas, regidas pelas cláusulas seguintes.

1— Do Contrato
1.1 É objeto deste contrato o casamento a ser realizado entre
as partes, em data a ser definida pelo Contratante.
1.2 A Contratada concorda que todos os atos praticados, bem
como a existência deste contrato, serão confidenciais.

2-Termos fundamentais

2.1 A partir da data em que se casarem, o Contratante e a


Contratada passam a morar sob o endereço: 3124 E Laurelhurst Dr
NE, Seattle, WA 98105.
2.2 O Contratante arcará com todas as despesas e
necessidades da Contratada no período de vigência do contrato.
2.3 Não haverá vínculo sentimental ou físico entre o contratante
e a contratada.

3-Obrigações das partes

3.1 A Contratada não deve se relacionar com outras pessoas


durante a vigência deste contrato.
3.2 A Contratada, em hipótese alguma, pode sujar a imagem do
Contratante.
3.3 A Contratada obriga-se a ir aos eventos nos quais o
Contratante solicitar sua presença.
3.4 A Contratada deve fazer com que as pessoas acreditem
que a união é motivada por amor.
3.5 O Contratante se responsabilizará pelo bem-estar físico e
mental de sua contratada.
3.6 O Contratante arcará com todas as despesas e dívidas
relacionadas à Contratada e sua mãe, a Sra. Joana Walther.

4-Remuneração

4.1 A Contratada receberá o valor de U$ 1.000.000,00 (um


milhão de dólares) e todos os itens que adquirir na vigência deste
contrato.

5-Vigência

5.1 O contrato vigorará por um período de 12 meses a partir da


data da assinatura, podendo ser findado em prazo diverso se assim
o contratante decidir.

6-Condições Finais

6.1 Todas as roupas usadas pela Contratada deverão ser


aprovadas pelo Contratante, que ficará responsável financeiramente
pelas compras de todas as peças necessárias para o cumprimento
das inúmeras atividades do casal.
6.2 A Contratada obriga-se a estar sempre apresentável, bem
como a ir ao salão de beleza com frequência, mantendo sempre o
cabelo, unhas e maquiagem impecáveis.
6.3 A Contratada deverá executar o plano de exercícios físicos
determinado por um treinador pessoal.
6.4 A Contratada não deverá correr riscos desnecessários e
andará sempre com seguranças.
6.5 A Contratada se compromete a não beber em grande
quantidade, nem usar qualquer tipo de drogas.

Assim, as partes acima identificadas assinam, entre si, justo e


acertado, o presente instrumento para as finalidades de direito.
Seattle, de de 2021.

________________________
Damon Lins
(Contratante)

________________________
Thayla Walther
(Contratada)
Vinte e dois
Depois de ler o contrato diversas vezes, fico me perguntando
que merda realmente eu estou fazendo da minha vida. Como assim
eu não poderei me relacionar com ninguém? Nem ao menos com
ele? Não que isso vá mudar em alguma coisa, até porque nunca tive
nada sério com ninguém, não seria diferente agora, seria?
É uma puta de uma sacanagem eu ter um "marido" desses em
casa e não poder usufruir dele. Mas o que eu estou pensando?
Afasto esses pensamentos da minha mente e me levanto para
procurá-lo.
— Já terminei — aviso quando o encontro fumando no jardim
de inverno.
Ele apaga o cigarro e segue junto comigo para o escritório.
— Tem algum objeção em relação ao contrato? — pergunta
com as mãos nos bolsos.
— Sim, algumas.
— Tudo bem. — Ele se senta e continua. — Pode falar.
— Não vou morar aqui com você — digo.
— Como não? As pessoas precisam acreditar que realmente
estamos casados.
— Não posso deixar minha mãe só.
— Sua mãe não ficará só. — Bufa. — Ela irá para a clínica mais
indicada pelos médicos, para que tenha o tratamento mais completo
possível. Sendo assim, você vai morar aqui. Mais alguma objeção?
— Sim. Nos termos fundamentais, o apêndice 2.4 diz que não
teremos nenhum vínculo e no 3.1 diz que eu não devo me relacionar
com ninguém.
— O que quer? Que tenhamos algo? — ele pergunta com a
sobrancelha arqueada, essa mania me irrita.
— O quê? Não. Quero dizer que eu não aceito. Lhe darei duas
opções... — Ele dá risada e meneia a cabeça para que eu continue.
— Vamos ter direitos iguais. Se você vai se relacionar com outras
mulheres, eu também poderei me relacionar com outros homens,
mas, se eu não puder, você também não. E teremos fidelidade um
com o outro. Mesmo que isso seja uma grande mentira, ao menos
respeito vamos ter. Você que escolhe.
— Como é?
— É isso mesmo o que você ouviu — mantenho minha decisão.
— Sou homem, tenho vontades. Além do que, eu preciso zelar
por minha imagem, pense numa matéria dizendo que minha
"esposa" estava saindo com outro — ele fala um tanto alterado.
— E você acha que, só porque eu sou mulher, não tenho
vontades e desejos? Agora pense, e se sair matéria de que "meu
marido" está me traindo? — pergunto tomando coragem. —
Podemos ter casos às escondidas, mas isso quem decide é você. —
Sorrio irônica.
— Tudo bem. — Ele me devolve o mesmo sorriso. — Então
nem eu, nem você.
— Quer dizer que não ficaremos com ninguém? — pergunto um
tanto decepcionada.
— Ora, gato preto, não era isso o que queria? — Não sei ao
certo se era, mas com certeza não queria ser a corna mais famosa
da cidade.
— Do que me chamou? — desconverso.
— Ô sim... Te chamei de gato preto. Mais alguma objeção?
— Por quê? Sou azarada demais? — Tento entender o motivo
do apelido, apesar de não achar que eles de fato são um sinal de
azar. — Creio que não — respondo a sua pergunta.
— Isso são só superstições, não acredito nisso. — Damon faz
as alterações do contrato no computador e imprime.
Leio tudo de novo e quando termino ele me estende a caneta.
Pego com as mãos trêmulas, respiro algumas vezes e por fim
assino, agora é para valer.
— Como vamos fazer isso? — pergunto.
— Uma pessoa cuidará de nossa vida social, ela saberá da
verdade sobre o casamento por conveniência e vai nos ajudar em
relação a isso. E você já pode começar falando com as pessoas de
seu convívio sobre mim. — Ele dá um sorriso sacana.
Reviro os olhos.
— Você fará o mesmo? — pergunto.
— Nunca fui de falar nada a ninguém, não seria agora. Apenas
deixo as pessoas perceberem quando eu quero.
— Ok, então. — Dou de ombros.
— Vamos deixar as coisas rolarem um pouco e as pessoas
perceberem, depois falamos que já estávamos juntos há um tempo
e que agora decidimos nos casar — ele fala.
Alice não vai acreditar nisso.
— Tudo bem, concordo com isso.
— John irá levá-la para casa, quando eu voltar de viagem
iremos conversar melhor, futura esposa. — Ele me olha cínico e sai
me deixando sozinha no escritório.
Sigo para a frente da casa e encontro John me esperando.
— Bom dia, senhorita — fala sorridente.
— Bom dia, John — retribuo. — Quando Alice volta?
— Agora à tarde. Ela foi para um evento de moda em Paris —
fala enquanto entro no carro, ele dá a volta e assume seu lugar.
— Nossa, que chique... Você que vai buscá-la? Queria muito
vê-la.
— Sim. A senhorita poderia ir junto.
— Sério? Então eu vou. — Sorrio.
Depois de combinarmos e eu já estar em casa, minha mãe
começa a me questionar sobre Damon e sou obrigada a começar a
mentir.
— Ele é bem bonito, o que é seu?
— Um amigo.
— Amigo, Thayla? Você está mentindo para mim — ela fala me
analisando.
Sim, eu estou, ele nem meu amigo é.
— Eu não sei, mãe, o que realmente somos — digo.
— Então está acontecendo algo entre vocês? — ela pergunta
com os olhos brilhando.
Nunca fui de realmente levar a sério namoro, já fiquei com
alguns caras, mas nada de realmente namorar, a maioria deles só
quer sexo e na verdade nunca houve química com eles para que eu
quisesse algo a mais, ninguém nunca me fez perder o juízo para
que isso acontecesse.
— Sim... — Realmente está acontecendo algo, mas não da
forma que ela está pensando.
— Deus ouviu as minhas orações. — Ela põe as mãos para
cima.
— Credo, mãe. — Eu estou tão necessitada assim?
— Por que não me apresentou a ele direito?
— Porque não era o momento, vou tomar um banho. — Saio
praticamente correndo da sala.
Vou direto para o banheiro, ao sair escolho um vestido branco
florido, arrumo os cabelos e me deito na cama, voltando à leitura de
O morro dos ventos uivantes.
Minha mãe entra em meu quarto tirando minha concentração da
trama trágica do livro.
— Aquele homem que trouxe o vestido pediu para avisá-la que
está lá embaixo te esperando.
— Certo, obrigada. Estou indo ao aeroporto buscar Alice.
Levanto, calçando os sapatos e pegando a bolsa. Dou um
abraço apertado em minha mãe, indo encontrar John, que está com
um sorriso largo nos lábios.
— Vamos, Srta. Thayla?!
— Vamos. — Sorrio.
Entro no carro e seguimos ao encontro de Alice.
No caminho penso em como contar a Ali sobre mim e o irmão
dela. Não faço ideia de como todos irão reagir ao saber desse
casamento.
— Chegamos — ele anuncia depois de estacionar próximo à
pista de pouso, o jatinho particular acaba de aterrissar, em poucos
segundos lá está ela.
— Não sabia que viria também — ela grita quando me vê no
carro.
— Fiz questão de vir quando soube que estava chegando.
John desce e abre a porta. Ela entra no carro enquanto o
motorista acomoda a bagagem na mala do carro.
— Mas e aí? Como foi o desfile?
— Foi maravilhoso, tirando aquelas magrelas amarelas que se
acham. — Ela revira os olhos, bufando.
— Mas você é magrela e amarela. — Dou um sorriso de
deboche, ela me olha como se estivesse me investigando.
— E então, vai me contar o que está acontecendo ou terei que
te torturar? — ela diz fingindo não ouvir o que eu falei.
— Você é ótima nisso. — Sorrio nervosa.
— É, eu sei, mas não mude de assunto, o que está
acontecendo?
Aproveito que John liga o carro para ganhar alguns minutos
enquanto tomamos o caminho para fora do aeroporto.
— Tenho algo para te contar, na verdade nem sei por onde
começar. — Reviro os olhos.
— Pode falar — me incentiva.
— É... Eu e seu irmão, você sabe.
— O quê? Não entendi.
— Eu e Damon estamos juntos. — Fecho os olhos.
— Deus, eu sabia. — Olho para ela espantada.
— Sabia? — Arqueio a sobrancelha.
— Damon te levando para jantar? Essa picuinha de vocês? Só
podia ser isso. Espera, agora você é minha cunhada. — Ela bate
palmas.
Vejo John olhar para mim pelo retrovisor e abrir um sorriso
largo.
— Alice... Só estamos ficando, não sei o que está acontecendo
de verdade.
— Estão há quanto tempo?
— Não sei exatamente. — Sorrio amarelo.
— Por que não dorme lá em casa? Damon viajou, só volta
amanhã. — Ela me olha com cara de cachorro que caiu da
mudança.
— Não acho uma boa ideia.
— Para com isso, vamos fazer a noite das meninas, passamos
em sua casa e pegamos roupa, aproveito e vejo a fofa da sua mãe.
— Reviro os olhos. — John, para casa de Thayla — ela decide e
pede que ele aumente o som do carro.
Vamos cantando o percurso inteiro até meu prédio.
Subo as escadas com Alice tagarelando, dizendo que faremos
várias coisas quando chegarmos à casa dela. Entramos e Alice já
vai correndo para a cozinha.
— Oi, Sra. Joana. — Ela dá um abraço apertado em minha
mãe.
— Oi, menina, pensei que não iria aparecer mais para me ver
— ela diz sorridente.
— Vamos nos ver recorrentemente, afinal somos da mesma
família agora — fala.
— Alice... — repreendo-a.
— Aquele homem bonito que veio aqui hoje é da família dela?
— minha mãe pergunta surpresa.
— Para ser mais precisa, é irmão dela. — Reviro os olhos.
— Hum... Damon veio aqui? — Alice pergunta, dando risada.
— Me poupem, vocês duas.
Vou para meu quarto e arrumo uma pequena mochila. Depois
de tudo arrumado, me despeço de minha mãe e arrasto Alice para
fora.
Tão logo chegamos em sua casa, Ágatha nos recebe e John
leva a mala dela para cima.
— Vou tomar um banho e depois a gente assiste a um filme,
pode ser? — ela pergunta.
— Certo, vou trocar de roupa, pôr uma mais leve.
— Ok, seu quarto você já sabe onde é — ela fala e dá risada.
Sim, eu já sei exatamente onde é o quarto de hóspedes. Subo,
ponho minhas coisas no closet e troco de roupa. Daqui a algum
tempo estarei morando aqui, não sei se estou preparada, ainda mais
tendo que conviver com Damon todos os dias, não vai ser nem um
pouco fácil. Desço as escadas, aguardando na sala até que Alice
aparece.
— Vamos.
— Pro seu quarto?
— Não, para a sala de cinema — ela diz como se fosse óbvio.
— Hum... não sabia que tinha uma aqui — digo seguindo-a,
esta casa é maior do que eu imaginava.
Passo pela porta e ela acende as luzes mostrando a ampla
sala, com poltronas cinza largas, um carpete vermelho e a enorme
tela na parede.
— Uau.
— Aqui do lado tem uma sala de jogos, quando terminarmos de
assistir ao filme, se você quiser, podemos jogar — Alice diz. —
Escolhe seu lugar, que vou preparar tudo. Ágatha daqui a pouco vai
trazer as guloseimas que pedi.
Escolho a poltrona da frente e aproveito a inclinação para ficar
praticamente deitada. Alice volta, as luzes se apagam e a tela se
acende.
— Gatos, fios-dentais e amassos — Alice fala.
— O quê? — pergunto sem entender.
— O nome do filme.
— Senhor... — Pelo título deve ser uma merda.
Depois de uma hora e meia, me arrependo de ter julgado
precocemente, apesar de o filme ser para adolescentes não deixa
de ser bom. A porta do cinema se abre revelando Damon trajando
seu terno cinza, me conserto na poltrona olhando para ele.
Vinte e três
— Dom, o que faz aqui? Não ia viajar? — Alice pergunta.
— O tempo está ruim para decolar — ele fala colocando as
mãos nos bolsos e me fitando.
Alice olha para mim e para ele.
— Oi — digo baixinho.
— Oi, Thayla — ele responde. — Vou subir, preciso de um
banho — anuncia e sai da sala.
— Vocês brigaram? — Alice pergunta.
— É... Não sei.
— Pelo visto sim, vai lá falar com ele.
— Quê? Não.
— Vai logo, Thayla. — Ela me puxa e me empurra até o lado de
fora.
Que merda. Vou andando me arrastando até o quarto dele, paro
em frente à porta e bato devagar. Espero que ele não ouça, assim
direi a ela que ele não quis abrir. Quando estou prestes a voltar para
a sala de cinema, a porta se abre, Damon está sem camisa, com a
calça aberta mostrando o cós de sua boxer preta. É impossível não
notar que as veias fazem desenho em seu corpo, e é de dar água
na boca.
— Vai ficar aí babando ou vai me dizer o que quer? — ele
pergunta ríspido.
Olho para ele, corando no mesmo instante.
— Não estava babando coisa alguma. Vim aqui porque sua
irmã está achando que brigamos e ela já sabe sobre "nós dois". —
Faço aspas. — Você sabe que se continuarmos desse jeito ninguém
vai acreditar nisso, não é mesmo?
— Não fale sobre isso assim, entre. — Ele me dá espaço na
porta, fico um pouco receosa, mas entro.
— Ou a gente vê um modo para que as pessoas acreditem ou
seu plano vai por água abaixo.
— Não sou nenhum idiota, Srta. Walther. Só não estou com
cabeça para teatro agora — ele fala.
Sim, você é um idiota.
— Desça com o melhor sorriso que você conseguir e diga que
está tudo bem, mais tarde descerei. — Ele abre a porta para que eu
saia.
Respiro fundo, voltando para a sala de cinema como uma
tremenda idiota, com um sorriso nos lábios.
— Hum... Pelo visto se acertaram, assim que eu gosto. — Ela
me abraça.
— Vamos jogar? — pergunto desconversando.
— Claro.
Entramos na porta ao lado e o lugar também é grande, a mesa
de bilhar tem um acabamento sofisticado na cor preta e pendentes
sobre ela também na cor preta. Em frente à enorme janela de vidro
com vista para o jardim, está uma outra mesa com pendente da
mesma cor, para jogos de tabuleiro e carteados. No outro lado há
uma sala confortável para, presumo eu, assistir a partidas de jogos
e videogames. Do lado esquerdo está a mesa de pingue-pongue e o
pebolim. Sem falar no bar no canto direito da sala.
— Pingue-pongue? — pergunto.
— Vou acabar com você — Alice fala.
— Tadinha, na época do colegial eu era a melhor — me gabo.
— Quero ver então. — Ela pega a bolinha, arremessando direto
na rede.
Começo a rir, pego a minha bola e me preparo também, não
conseguindo acertar a bolinha com a raquete. A gargalhada de Alice
foi tão alta que todos da casa devem ter ouvido, olho para ela de
soslaio e também dou risada.
— Esquece isso aqui, pelo visto nós duas somos péssimas —
assumo.
— Com certeza, vamos para a sinuca — Alice fala.
Ela pega um taco e me entrega, pegando outro para si. A vejo
passando giz e a imito. Alice arruma as bolas na mesa e dá a
primeira tacada, encaçapando algumas logo de cara. Ela segue a
jogada, mas acaba errando.
Me posiciono e dou minha tacada, que não encaçapa nenhuma
bola. Resumindo, Alice seguiu acertando as tacadas enquanto eu só
espalhava as bolas pela mesa.
— Parece que alguém aqui está levando uma surra — a voz
grossa e rouca de Damon ecoa pela sala.
— Estou mandando superbem, Thayla é ruim demais — Alice
fala caindo na gargalhada.
— Ei, você que é boa demais, não me dá uma chance — falo
como uma criança birrenta.
— Então tá, te dou duas chances, vai lá — ela me desafia.
Minhas mãos suam frio, mas não é pelo jogo, e sim porque
Damon está ali nos observando e eu farei feio na sua frente. Me
posiciono à mesa e o ouço dar risada.
— O que foi? Está me desconcentrando — falo olhando para
ele, que se aproxima de mim a passos lentos.
— Deixe-me ajudá-la. — Ele tira o taco da minha mão e troca
por outro. — Jogo sujo, Alice? Deu o pior taco para Thayla. — Olho
feio para ela, que dá risada.
Ele passa o giz em outro taco e me entrega. Me posiciono à
mesa novamente, sinto as mãos de Damon nas minhas costas
empurrando-me para baixo, fazendo com que eu fique mais próxima
da mesa.
— Você está fazendo errado, vou te ensinar — ele fala com a
voz serena, enquanto debruça sobre meu corpo, colando seu peito
em minhas costas me ajudando a segurar da forma correta.
Esta aproximação toda deixa o meu corpo quente e minhas
bochechas vermelhas.
— Imagine uma bola imaginária perto da que você quer acertar.
Veja se quando você bater nela vai conseguir encaçapar, se sim,
então vai em frente — ele sussurra perto do meu ouvido.
Quando levanta se afastando do meu corpo, miro na que quero
e dou a tacada.
— Consegui — grito eufórica, zoando com a cara de Alice.
Faço minha dancinha da vitória provocando minha amiga.
— Ainda estou ganhando, você só ganhou essa porque Damon
te ajudou.
— E daí? — Balanço o taco zoando com ela, quando menos
espero acerto a cabeça de Damon.
— Merda — ele reclama segurando a cabeça.
— Meu Deus, Thay. — Alice se aproxima dele.
— Eu juro que foi sem querer. — Solto o taco da mão como se
estivesse pegando em brasa. — Desculpa — falo baixinho.
Vejo-o respirar fundo diversas vezes, de olhos fechados.
— Acontece, eu estou bem — fala calmo.
Ele tira a mão do lugar e vejo um pequeno galo onde eu o
acertei; tampo a boca com as mãos e fico quieta.
— Acho melhor pôr gelo, não acha, Thayla? — Alice me olha
com os olhos arregalados.
— É... Claro. Vamos lá. — Seguro na mão de Damon e saio da
sala levando-o em direção à cozinha.
— Já pode me soltar. — Ele puxa a mão da minha. — Será que
você não pode ficar um minuto sem fazer alguma besteira? — fala
um pouco alto.
— Não fiz porque quis, tá legal?
— Claro que fez, você sempre faz, não é? Por que agora seria
diferente? — ele grita. Enterro meu dedo em seu galo. — MAS QUE
PORRA.
— Agora sim, eu fiz. — Sorrio cínica e volto a andar para a
cozinha.
Encontro uma moça cortando algumas frutas.
— Oi, licença. Poderia conseguir uma bolsa de gelo, por favor?
— peço a ela.
— Claro, senhorita. — Ela inclina a cabeça como se pedindo
licença e entra na outra parte da cozinha.
Olho para Damon, que está em pé de cara fechada. Sabe...
Olhando bem agora, ele não me faz tanto medo, estou me
acostumando com seu jeito ranzinza.
— Vai ficar aí em pé de cara fechada ou vai sentar?
— E isso lhe interessa, sua atrevida? — ele fala.
— Vamos, sente-se. Colabore.
— Você não manda em mim, garota, acorda.
— Não mesmo, mas um dia quem sabe eu não aprenda a
domar bichos?! — Sorrio.
No mesmo instante a moça chega com o saco de gelo e me
entrega.
— Obrigada — digo.
Pego a bolsa e jogo nele, saindo em seguida. Encontro Alice no
mesmo lugar, brincando com uma bolinha, jogando para cima.
— Como ele está? — ela pergunta.
— Ranzinza como sempre. — Sorrio de lado.
— A janta deve sair daqui a pouco, quer tomar banho? —
pergunta.
— Acho que sim, estou cansada — admito.
— Também estou, a viagem foi um pouco exaustiva — ela fala
quando saímos da sala.
— Como foi lá em Paris? — pergunto curiosa.
— Foi bem legal, desfilei para a Victoria's Secret — fala e minha
boca vai ao chão.
— Sou louca para ver algum desfile da VS.
— Terei outro, mas não definiram data, se quiser pode me
acompanhar. — Ela dá de ombros.
— Sério? — pergunto animada.
— Sim, sério. Organizo nossas passagens. — Ela sorri
animada.
— Obrigada. — Dou um abraço rápido nela, entrando no quarto
de hóspedes.
Resolvo me arriscar a tomar banho na banheira, abro as
torneiras e fico de vigia para não alagar o banheiro. Quando se
enche até um palmo acima da metade, resolvo fechar as torneiras
para evitar o risco de transbordar, então ponho um pouco de sais e
espuma de banho que encontro no vidrinho da prateleira ao lado da
banheira.
Tiro minhas roupas e as deixo dobradas na pia de mármore,
antes de entrar com cuidado na água. Relaxo o corpo apoiando a
cabeça na borda, fecho os olhos sentindo a água quente me
envolver. Poderia me acostumar com isso, sorrio com este
pensamento.
Aos poucos sinto meu corpo leve e a vontade de dormir me
consome, apenas me deixo levar sem problema algum.
Acordo com uma carícia em meus cabelos, ainda sonolenta me
recuso a abrir os olhos e a encarar a pessoa que está me
acordando.
— Acorda — ouço a voz irritada de Damon e abro os olhos de
supetão.
Vendo-o em pé me encarando, me levanto rápido para ficar
sentada e me arrependo amargamente quando me dou conta de
que os meus seios estão à mostra, portanto me deito novamente,
envergonhada.
— O que está fazendo aqui? — Tento pegar a minha toalha no
gancho ao lado da banheira, mas ele pega primeiro e põe sobre
seus ombros.
— Alice pediu que viesse chamá-la, afinal você sumiu. — Me
olha sério e depois dá um sorriso malicioso.
— E desde quando você obedece? Será que dá para devolver a
toalha?
— Ela acha que agora temos algo, então tenho que fazer meu
papel — diz como se fosse óbvio. — Quer sua toalha? Está bem
aqui, pegue-a. — Ele me estende a toalha, mas ela não está perto o
suficiente de mim para que eu pegue sem ter que mostrar meu
corpo.
— Está de brincadeira, não é? — Ele põe a toalha novamente
em seus ombros.
— Você não gosta de jogos? — pergunta um tanto sarcástico.
— Gosto, mas não um que me envolva nua e você me olhando.
— É uma pena, gato preto, pois se quiser pegar sua toalha terá
que sair da água. Pensei que a garota que me desafiou lá embaixo
gostasse de brincar. — O sorriso vitorioso brota em seus lábios.
Respiro fundo percebendo que ele ficará nessa até que eu
ceda, temerosa resolvo me levantar. Tinha certeza de que ele
analisaria todo o meu corpo, mas isso não acontece. Ele se mantém
olhando em meus olhos enquanto eu caminho até ele, molhando o
chão.
Pego a toalha de seu ombro e me enrolo sem quebrarmos o
contato visual.
— Boa garota — diz antes de sair do banheiro.
Solto a lufada de ar que prendia sem perceber, me olho no
espelho e percebo o quanto estou corada pelo acontecimento. Volto
ao quarto, pego um vestido preto junto com uma lingerie da mesma
cor e visto apressada.
Vinte e quatro
Arrumo os cabelos, passo meu perfume e desço ainda
desconcertada com o que aconteceu. Encontro, na sala de jantar,
Alice e Damon sentados à minha espera.
— Até que enfim, já estava em tempo de comer os talheres e a
toalha da mesa — Alice reclama.
— Precisa ser sempre tão dramática? — digo tentando
esquecer a presença de Damon à mesa, sento ao lado de Alice
ficando de frente para ele, o que não foi uma ótima decisão.
Olho de relance, e ele se diverte com o meu constrangimento.
Logo Ágatha aparece, servindo a comida.
— Onde está Beth? — pergunto para Alice.
— Está ajudando na casa de nossos pais, a governanta de lá
está doente — ela explica.
— Entendi. — Sorrio de lado.
Como em silêncio o conchiglione recheado com cream cheese
e bacon, ao molho branco. Observo Damon limpar a boca no
guardanapo de pano, deixando-o sobre a mesa, e se levantar.
— Estou indo para o quarto, estarei te esperando para dormir.
— Ele abre um sorriso encantador para mim me deixando
desconcertada.
É uma pena que tudo isso faz apenas parte de sua encenação.
— Certo.
Subo as escadas me arrastando, queria não precisar entrar
naquele quarto. Esvazio a mente quando chego em frente à porta,
bato devagar e entro assim que escuto seu chamado.
Vejo Damon sentado na varanda, fumando, e aproveito para dar
uma boa olhada no ambiente decorado em tons de preto e cinza,
assim como o restante da casa. A cama está com impecáveis
lençóis pretos, ao lado, as mesas de cabeceiras com luminárias. As
paredes são escuras e elegantes, perto da parede de vidro há um
sofá cinza com uma estante de livros.
— O que foi isso? — pergunto tentando não me concentrar no
homem a minha frente, sem camisa.
— O quê? — ele pergunta apagando o cigarro.
— Vai se fazer de idiota agora? — Cruzo os braços e ele me
olha de rabo de olho antes de responder.
— Você vai dormir no meu quarto sempre que Alice estiver
aqui. Mas não se preocupe, até o casamento ela se mudará e
dormiremos cada um em um cômodo.
— Era só o que me faltava. — reclamo.
Vou ao quarto de hóspedes, trocando meu vestido pela
camisola que eu trouxe, ao menos é comportada, e aproveito para
escovar os dentes antes de voltar levando minha mochila.
Me aproximo da cama e tiro os travesseiros, deixando apenas o
de uso. Deito-me na cama macia relaxando meu corpo, cubro as
pernas e fecho os olhos. Quando estou prestes a cair no sono, a
cama, ao meu lado, se afunda e o lençol se levanta.
Sinto seu calor próximo a mim, próximo até demais.
— Eu sei que está acordada — ouço sua voz rouca e grossa.
— E quem disse que eu estava dormindo? Estou tentando
dormir, não era para você estar no sofá? — pergunto virando um
pouco para ele.
— A cama é minha — ele fala curto e grosso.
— Você é um idiota — digo irritada me levantando da cama, ele
olha para minhas pernas nuas e depois olha para mim.
Pela primeira vez não sinto tanta vergonha, afinal ele já viu
muito mais que isso. Apanho o travesseiro e arranco o lençol em
que ele está enrolado, determinada a dormir no sofá. Ouço um
barulho do lado de fora, no corredor, Damon segura meu pulso e me
puxa para a cama.
— Tire a camisola — pede.
— O quê? — falo alto, ele tapa minha boca.
— Alice está no corredor e vai entrar no quarto a qualquer
momento, tire a camisola. — Olho para ele. — Nada que eu já não
tenha visto.
— Eu juro que um dia vou socar a sua cara — digo sentando-
me em sua barriga. — Feche os olhos — mando, ele me olha com
uma das sobrancelhas arqueadas e continua de olhos abertos, que
imbecil.
Tiro a peça de roupa tampando meus seios para que ele não
veja, chego meu corpo próximo ao dele e tiro minhas mãos, colando
meus seios em seu peitoral nu.
Contato físico demais, meu subconsciente grita.
— Vamos, gato preto, finja — ele fala de um jeito estranho.
Coloco meu rosto próximo a curvatura de seu pescoço e dou
um beijo tímido. Seu perfume invade minhas narinas me deixando
anestesiada e fantasiando coisas que não acontecerão aqui.
Ele aperta a minha cintura e depois leva a mão aos meus
cabelos, virando-os para o outro lado, deixando meu pescoço livre.
Sinto seu dente roçar no lóbulo de minha orelha, arrancando um
gemido de dor dos meus lábios.
— Agora sim. — Sinto-o sorrir no meu pescoço. — Preparada?
Quando vou lhe responder, sinto seu tapa na minha bunda,
fazendo com que eu gema alto.
No mesmo instante a porta é aberta e uma fresta de luz entra
no quarto, seria quase imperceptível se não soubéssemos que ela
iria de fato aparecer. Damon beija meu ombro arrancando suspiros
de mim, eu realmente estou gostando disso. Ele aperta minha
bunda de leve, passa o polegar na lateral de minha calcinha e vejo a
luz sumir. Levanto num pulo de cima dele, tapando os meus seios.
Pego a camisola e saio correndo para o banheiro, meu coração está
acelerado e meu bumbum ardendo. Olho no espelho, posso ver a
marca de seus dedos ali, meu rosto está vermelho como brasa.
Ponho a peça e lavo o rosto. Eu posso sentir seus lábios em meu
ombro, sinto um frio na barriga, não posso me envolver desse jeito.
Prendo os cabelos em um coque e volto para o quarto, não o
encontrando na cama. Pouco me importa onde ele está, deito e,
depois de muito tentar, consigo dormir.

Acordo ainda sonolenta, esfrego os olhos e abro devagar. Olho


para o lado não encontrando Damon, levanto e vou ao banheiro.
Escovo os dentes, lavo o rosto e arrumo os cabelos.
Saio do banheiro, vendo Damon sentado na sacada, distraído
olhando para algo lá fora.
— Como sabia que era ela? — digo me referindo a ontem,
vendo-a conversar com uma funcionária lá embaixo.
— Alice tem mania de entrar no meu quarto desde que éramos
pequenos.
— Então ela às vezes te pega nesses momentos? — digo
boquiaberta.
— Geralmente não, mas já aconteceu.
— Entendi.
Resolvo tomar um banho rápido, ponho um short, uma T-shirt,
arrumo o cabelo em um rabo de cavalo e saio do quarto. Não
encontrando Damon, desço as escadas, louca para comer algo.
— Bom dia, senhorita — Ágatha fala.
— Bom dia. — Sorrio. — Estou faminta — anuncio.
— Vou pedir a Grazy para servir o café. — Ela sorri para mim e
vai para a cozinha.
Sento-me na cadeira, ponho o guardanapo sobre meu colo e
aguardo ansiosa.
— Hoje tem alguém bem feliz — Alice fala atrás de mim.
— Oi, Ali. — Sorrio tímida para ela.
— Posso te acompanhar no café? — ela pergunta divertida.
— Claro.
— Damon não vai descer agora? — indaga.
— Ele... estava tomando banho — minto.
— Bom dia, família — ele fala em alto e bom som.
Família?
— Nossa, pelo visto a noite de vocês foi ótima. Bom dia, Dom.
— Terei que concordar. — Ele pisca para ela, coro no mesmo
instante ao me lembrar do que aconteceu.
Ele se aproxima de mim e beija meus cabelos.
— Bom dia, querida — fala suave.
— B-bom dia. — Sorrio de canto, será que irei me acostumar
com isso?
Grazy supre a mesa com diversas opções, mas escolho comer
apenas iogurte natural com frutas vermelhas e me sinto saciada.
— Queria pedir desculpas por ontem, papai queria falar contigo,
disse que ligou para seu celular, mas estava dando caixa — Alice
diz sem graça.
— Desliguei o telefone — Damon avisa. — Mas já falei com ele
agora pela manhã, obrigado.
Espero todos terminarem e me levanto da mesa.
— Thayla? — ouço Damon me chamar.
— Oi — respondo.
Ele se aproxima de mim e enlaça seu braço no meu,
caminhando comigo para o jardim.
— Preciso que venha para cá depois do trabalho, a Sra.
Campbell, que será responsável por nossa vida pessoal e social,
virá aqui — ele fala.
— Tudo bem, e Alice? — pergunto.
— Ela tem compromisso — explica.

Encaro a moça gordinha a minha frente, ela tem um corpo


bonito e veste roupas sofisticadas. Sua pele morena realça a cor
dos seus olhos castanho-claros, e os óculos dão um ar de séria a
ela.
— Bom dia, Sr. e Sra. Lins. — Ela aperta minha mão.
— Bom dia, apenas Thayla, ainda não casamos. — Sorrio
constrangida.
— Tudo bem — ela diz. — Sou a Sra. Campbell, formada em
marketing social, e a partir de hoje estarei responsável pela vida de
vocês, digamos assim. — Ela sorri e ajusta a armação no rosto.
Sento-me na poltrona enquanto ela fala.
— Farei de vocês o casal mais adorado de Seattle, mas para
isso precisam colaborar. Sei da real situação, mas precisam mostrar
a todos que estão completamente apaixonados, que não vivem um
sem o outro e todas essas besteiras do amor — ela explica. — Lá
fora vocês precisam fazer a encenação de família feliz,
independente das diferenças que vocês possam ter. Nada de brigas
na frente das pessoas, nem mesmo empregados da casa. Vocês
precisam mostrar que vivem como um daqueles comerciais de
margarina. — A mulher segue descrevendo como deveremos agir
perante tudo e todos.
Antes de se retirar, ela enfatiza que vai preparar tudo para o
anúncio oficial do nosso relacionamento.
Assim que ficamos sozinhos, Damon fala:
— Haverá um jantar com minha família, amanhã à noite.
Aproveitarei a oportunidade para anunciar nosso noivado.
Encaminharei um relatório com tudo o que deve saber sobre eles e
como se portar. Também providenciarei sua roupa para o jantar e,
antes que eu esqueça, hoje, às 19h vamos sair — ele fala de modo
desinteressado.
— Ok. Aonde iremos?
— Ainda não sei, mas faremos algo como o comercial de
margarina — diz imitando a Sra. Campbell. — Vista algo bonito, que
seja casual.
— Não sabia que você tinha senso de humor — digo, anotando
mentalmente sobre a roupa.
— Eu tenho muitas coisas. John está te aguardando para levá-
la em casa — ele fala e me dá as costas, subindo as escadas.
Tão... educado.
Ágatha leva minha mochila para o carro, me despeço dela e
comprimento John. Vamos o caminho inteiro batendo papo e,
quando chego em casa, não encontro minha mãe, apenas um
bilhete dizendo que ela saiu com a vizinha do andar de cima. Deixo
o bilhete de lado, indo para meu quarto. Sinto meu estômago criar
borboletas; apesar de tudo, eu começo a sentir o peso sendo
retirado das minhas costas e me permitindo até ficar feliz.
Daqui a duas horas sairemos, então corro para o banheiro,
tomo um banho bem caprichado, esfolio minha pele e o rosto,
deixando-os macios. Lavo os cabelos, depois os seco com o
secador e resolvo pintar as unhas de nude-rosado, além de fazer as
sobrancelhas. Depois de tudo feito, encaro meu armário,
escolhendo com cuidado o que vestir.
Como eu não sei aonde iremos, acho melhor escolher algo
esporte fino, visto uma blusa rosa-bebê de manga bufante e uma
saia branca midi, rendada na barra. Ponho um scarpin de salto alto
preto, faço uma maquiagem simples com máscara de cílios, blush e
batom.
Vinte e cinco
Olho o relógio e faltam 20 minutos para as 19h. Esta é a
segunda vez que sairemos sozinhos. Aproveito o tempo que me
resta para pesquisar sobre os gatos pretos, isso está rondando
minha mente desde que ele citou o apelido. Encontro uma matéria
extensa explicando que em algumas culturas os felinos de pelagem
escura são venerados, pois são animais de extrema sorte.
Aprofundo a leitura e descubro que na Pérsia antiga acreditava-
se que fazer mal aos gatos era a mesma coisa que estar
maltratando um espírito amigo, que foi criado em especial para fazer
companhia ao homem durante sua passagem na Terra. Entretanto,
as superstições começaram na Idade Média, e diziam que os
gatinhos traziam azar devido aos seus hábitos noturnos e pela cor,
que geralmente era associada à magia negra ou às trevas.
— Que povo idiota. Só por causa disso, agora quero ter um
gato preto.
Meu celular vibra com uma mensagem dele avisando que já
está me aguardando. Tranco a casa, depois de deixar um bilhete
para minha mãe, e desço pelo elevador para não chegar ao carro
suada. Do lado de fora, vejo um Audi R8 cinza parado.
Ao que parece, ele leva a sério essa coisa de colecionar carros,
e o fato de sua família ser dona de concessionárias ajuda muito.
— Boa noite — digo ao entrar no automóvel.
Ele não responde, apenas acelera nos levando para longe.
Fico em silêncio tentando repassar em minha mente o que
poderia ter feito de errado para ter aquele tratamento, mas nada me
parece justificar. Olho de soslaio para ele, que veste uma blusa
alaranjada com um sobretudo cinza e calça jeans.
Seus cabelos estão arrumados do mesmo jeito de sempre, mas
é tão bonito de ver. Minha maior vontade é bagunçá-los para saber
como ele ficaria com os cabelos desgrenhados.
Acordo dos meus devaneios quando o carro para em frente ao
cinema, há muito tempo eu não vinha aqui. Desço do automóvel e o
espero na calçada, enquanto termina de estacionar. Ele vem ao meu
encontro, passa o braço ao redor da minha cintura fazendo meu
estômago se contrair. Damon me guia pelo cinema, deixando a fila
para trás.
— Não vamos comprar o bilhete? — pergunto sem saber se ele
irá me responder.
— Não preciso, tenho passe livre. Vamos comprar pipoca — ele
fala terminando a conversa.
— Você sabe que, se continuarmos assim, ninguém nunca vai
acreditar que estamos juntos, não é? — digo, ele respira fundo e me
olha.
— Problemas demais. — Ele beija os meus cabelos, fico
estatelada tentando saber o que está fazendo. — Tem gente nos
olhando — sussurra em meu ouvido e logo depois sorri.
— Tudo bem. — Sorrio envergonhada.
Ele pega em minha mão e caminhamos para a bomboniere.
Peço um balde de pipoca metade doce, metade salgada, alguns
chocolates e jujuba.
— Você parece uma criança — ele diz com as mãos nos
bolsos.
— Vai me dizer que não gosta? — pergunto.
— De criança? Não — fala desconversando.
— Me referi às guloseimas. — Reviro os olhos.
— Não muito.
— Ah, para. — Dou uma cotovelada de leve e ele me olha feio.
— Não precisamos fazer isso de modo forçado, podemos realmente
nos divertir — digo me afastando com a pipoca nas mãos.
Ele não diz nada, apenas me segue carregando os meus
doces.
As luzes se apagam e o silêncio no cinema prevalece. Me ajeito
na poltrona acolchoada, tensa por ter o braço de Damon nos meus
ombros de um jeito carinhoso.
Ele escolheu um filme de horror, o que não me agradou em
nada, esse negócio de suspense não é para mim.
— Por que escolheu esse filme? — sussurro.
— Porque era esse ou um romântico.
— Qual o problema com romances? — pergunto.
Ele faz careta me fazendo dar risada.
— Muito melosos — ele diz.
— Ei, silêncio — ouço um homem gritar.
Damon olha para trás e depois volta a atenção para a frente.
— Esses caras não cansam — comenta irritado.
— Algum problema? — pergunto baixo.
— Tem um paparazzo a nossa esquerda e um logo atrás.
— Por que eles têm tanto interesse na sua vida? — pergunto
curiosa.
— Sou multimilionário, as pessoas gostam de saber sobre
minha vida. Toda chance que eles têm, me usam como matéria.
— Entendi, e o que vamos fazer? — pergunto.
— Vamos usá-los ao nosso favor. — Ele põe a mão gelada em
minha perna, acariciando devagar, meu corpo inteiro se arrepia com
o seu toque.
Sinto seu rosto se aproximar do meu, minha respiração começa
a ficar descompassada com sua aproximação repentina. Seus lábios
beijam o canto da minha boca e algo dentro do meu ventre se
comprime.
Quem estiver vendo pensará que estamos nos beijando pra
valer. Ele se afasta de mim com um sorriso de apaixonado e volta a
prestar atenção no filme no qual eu nem por um minuto sequer
prestei atenção.
Seu carinho constante em meu braço ouriça minha pele me
deixando irritada pela trairagem do meu corpo. Tento prestar ao
máximo atenção no filme para me distrair da mão fria em meu
corpo.
Na tela, o rapaz, que presumo ser o protagonista, acorda de
madrugada com sede. Ele desce as escadas e o barulho da madeira
estralando sob seus pés deixa o meu corpo tenso. Vai até a pia e
enche seu copo de água, olhando para a janela que dá para seu
quintal. Algo aparece entre as folhas e ele estreita mais os olhos
para poder ver. A coisa disforme se aproxima ainda mais e ele
continua olhando como se tentando descobrir o que é. Nunca que
eu ficaria ali para saber o que era, já teria corrido há muito tempo.
Ele fecha os olhos e sacode a cabeça, olha novamente e a criatura
sumiu. Respira fundo dando risada. Termina de beber a água, põe o
copo na pia e se vira para voltar ao quarto. Mas dá de cara com a
criatura horripilante na sua frente, fazendo não só o ator como todos
nós na sala gritarmos, e eu me encolher no ombro de Damon. Ouço
sua risada, olho feio para ele e dou um murro de leve em seu braço.
— Ai — ele diz e volta a rir.
— Não vou conseguir dormir essa noite.
— Tão medrosa — ele zomba de mim.
— Sou mesmo, e daí? — retruco.
Depois de diversos gritos, xingamentos e risadas... essa última
da parte de Damon, o filme acaba. Ele segura minha mão enquanto
saímos da sala.
— Você não presta — conferencio.
— Já me disseram isso antes.
— Ainda bem, não queria ser eu a lhe dar essa notícia. — Ele
me olha e sorri.
É estranho vê-lo assim, sorrindo para mim. Deixo as
embalagens dos doces e o balde de pipoca no lixo e seguimos para
fora.
Ele abre a porta do carro para mim, agradeço o gesto e entro
com ele segurando minha mão. Seria bom se não estivéssemos
apenas fingindo.
Ele segue em direção contrária à da minha casa, então
pergunto aonde estamos indo.
— Vamos à praia de Alki — anuncia.
— Fui lá apenas uma vez — digo olhando para ele.
— Iremos outro dia pela manhã.
Fico sem saber o que falar, então aproveito para ligar o som do
carro. A música invade o ambiente deixando o um clima mais
agradável, é difícil de acreditar que até agora não houve grosserias,
será que finalmente estamos nos entendendo?
Ele estaciona o carro perto da orla, consigo ouvir as ondas
quebrando na areia. Saio do carro sentindo a noite fresca. Damon
demora um pouco e aparece ao meu lado com uma cesta de vime
em mãos.
O calçadão está movimentado e percebo os diversos olhares
das mulheres para o belo homem ao meu lado. Seguro a sua mão
como forma de mostrar que ele é meu, de mentira, mas meu. Ele
olha de soslaio para mim e depois para nossas mãos unidas, dou de
ombros e começo a andar. Damon nos faz parar quando chegamos
a uma parte gramada próximo a várias árvores, com a lua
iluminando o local. Uma escolha curiosa para uma pessoa que não
gosta de romance.
Ele tira de dentro da cesta uma toalha e eu o ajudo a forrar o
chão.
— Quem te ajudou? Porque você não teria essa ideia.
— Na verdade fui eu, sim, que tive a ideia, só pedi ajuda a
Ágatha para fazer a cesta — ele diz um tanto grosseiro.
— Não quis te ofender — digo baixo.
Ele não responde nada, pega duas taças e uma garrafa de
vinho.
Damon acaba com a sanidade de qualquer mulher,
principalmente a minha. Ele enche as taças e me entrega uma. Dou
um pequeno gole apreciando o sabor, ele retira frutas e queijos da
cesta. Observo que dentro dela há minissanduíches, castanhas e
frutas secas.
Pego um morango e mordo, tomando um gole do vinho, isso é
uma combinação perfeita.
— Já olhou o que te enviei? — ele questiona.
— Me enviou? — pergunto sem entender.
— O e-mail sobre o que precisa saber para o jantar de amanhã,
pelo visto não. — Me encara.
— Eu nem tenho e-mail — digo sustentando seu olhar, é a
primeira vez que temos uma conversa agradável olhando um nos
olhos do outro.
— Pedi que fizessem um para você, enviei uma mensagem
passando o login e a senha, quando chegar em casa olhe. — Não
foi um pedido, mas uma ordem.
— Pode deixar, Antony — digo.
— Antony? — Ele olha para mim desconfiado.
— É o nome do meu pai. — Sorrio de lado, olhando para o céu.
É um assunto em que eu não toco muito, mas ele sempre está
presente em meus pensamentos.
— Onde seu pai está? — pergunta.
— No cemitério de Lake View. — Sorrio amarga ao falar o nome
do lugar em que meu pai foi enterrado.
— Desculpe-me, não sabia — ele fala com a voz suave, pela
primeira vez vejo sinceridade em suas palavras.
— Não precisa se desculpar, tudo bem. Quando nos
casaremos? — pergunto mudando o rumo da conversa.
— O mais rápido possível, talvez daqui a algumas semanas.
— Algumas semanas, quanto? — pergunto apavorada.
— Duas ou três. — Arregalo os olhos. — Estava pesquisando
algumas clínicas para sua mãe e achei uma bem interessante, com
avanços medicinais, e a maioria dos médicos são japoneses.
— Hum... Obrigada. Ainda tenho que conversar com ela sobre
isso, e o casamento — digo um pouco perdida. — Você deveria falar
com ela, posso fazer um almoço e vocês se conhecem. — Ele me
olha com a sobrancelha arqueada.
— Pode ser, tanto faz — diz e dá um gole no vinho.
Fico admirando a vista a minha frente, antes de perguntar:
— Por que um casamento arranjado, e não um de verdade?
— Pra quê? Se posso ter um que não envolva sentimentos,
traições e brigas? Já me decepcionei muito com pessoas que eu
achava amar e no fim só concluí que amor é apenas uma palavra
quando não tem ninguém para dar sentido a ela. É melhor e mais
fácil ser apenas um negócio do que realmente um relacionamento
— diz de um modo distante.
Alguém já pisou muito em seu coração.
— E... Érika? — pergunto.
— Você não deixa sua curiosidade um minuto sequer de lado —
sua voz soa irritada.
— Desculpa. — Sinto que acabei de estragar tudo.
— Já deu por hoje, a imprensa já deve ter fotos o suficiente
para uma matéria, vamos. — Ele se levanta e começa a colocar as
coisas dentro da pequena cesta, caminhamos para o carro em
completo silêncio.
Chego em casa um pouco desapontada pelo que ocorreu, não
foi minha intenção acabar com o clima legal que tínhamos
conseguido ter. Tiro minha roupa e a troco por um pijama
confortável.
Olho meu celular à procura da mensagem que ele me mandou
com e-mail e senha. Pego o notebook e abro a caixa de entrada,
encontrando a relação de duas páginas. Nela há fotos e nomes da
família Lins. Sua mãe é relativamente nova e linda. Seu pai também
é muito bonito, dá para entender agora de onde sua beleza vem,
apesar de eles não serem parecidos.
Leio todas as informações e imagino que eu vá decorar sem
problemas. Desligo o computador e me estico na cama pronta para
dormir.
Vinte e seis
Acordo com a porcaria do despertador gritando. Ainda
sonolenta, sigo para o banho e procuro uma roupa qualquer. Hoje
meu humor está péssimo, penteio o cabelo de qualquer jeito e o
prendo em um rabo de cavalo, antes de ir para a cozinha, onde
encontro minha mãe já colocando a mesa.
— Oi, sumida — cumprimento.
— Bom dia, Thay. — Sorri.
— Onde a senhorita estava? — pergunto sentando-me para
comer.
— Fui passear com a Josélia.
— Que bom. Mãe, estava pensando em chamar Damon para vir
qualquer dia desses aqui em casa para almoçarmos juntos e a
senhora conhecê-lo melhor — digo dando um sorriso amarelo.
— Nossa, seria ótimo. — Ela se anima me fazendo sentir mal
por estar mentindo para ela.
— Vou ver um dia que seja bom para ele.
— Maravilha.
Termino de comer, me despeço de minha mãe e vou para o
trabalho.
No caminho vejo, na banca de revistas, fotos minhas e de
Damon. Assim como ele esperava, nossa saída rendeu bastante
publicidade.
Nas fotos parecemos até um casal apaixonado. A imagem meio
escura do nosso "beijo" também está na matéria, acompanhada de
letras gritantes dizendo: Nosso queridíssimo casal é real.
É inacreditável, será sempre assim quando sairmos?!
O rapaz da banca me cumprimenta e sou obrigada a sorrir
largamente, mas continuo meu caminho para o trabalho antes que
surja algum comentário.
Quando chego à cafeteria, vejo toda uma movimentação na
frente da porta. O que está acontecendo?
Me aproximo e os vários jornalistas se viram para mim,
disparando diversas perguntas. Tento passar, mas eles não deixam.
Meu chefe ultrapassa o monte de abutres e me puxa pelo braço, me
tirando dali. Respiro aliviada quando estou dentro da cafeteria,
Arthur olha para mim como se reprovasse o que está acontecendo.
— Obrigada — digo baixo.
— Resolva isto, e logo. — Ele aponta para fora e passa as
mãos no cabelo mostrando o quanto está nervoso.
Cumprimento Ana, que me olha maliciosamente, saco meu
celular do bolso e procuro o número de Damon. Depois de muito
chamar, ele atende.
— Oi, gato preto — ouço-o dizer.
Ana fica me observando enquanto estou ao telefone.
— Oi... Amor. Preciso de sua ajuda — digo com a voz trêmula.
— Amor? Ok, entendi. — Ouço-o dar risada. — No que eu
preciso te ajudar?
— Estou no trabalho, há muitos jornalistas aqui na frente, está
uma loucura. — Ouço seu suspiro baixo.
— Já era de se esperar, quando cheguei também fui recebido
assim. Vou mandar dois seguranças para apaziguarem a situação e
ficarem de guarda até você sair — ele fala.
— Obrigada, até mais tarde. — Sorrio amarelo mesmo sabendo
que ele não me vê, desligo a ligação e me volto para Ana, que está
sorrindo largamente.
— Vocês são lindos juntos. — Ela me dá um abraço apertado.
— Ele vai resolver — desconverso.
— Que bom, Arthur está bem irritado.
— Quando ele não está? — pergunto sorrindo.
Guardo minhas coisas no armário e volto para começar a
atender as pessoas que já estão dentro da loja. Alguns minutos
depois, vejo os jornalistas saindo com a ajuda dos seguranças de
Damon, só então consigo ficar mais tranquila.
Mais clientes chegam. Me dirijo a uma moça que me parece
bem familiar e, quando ela levanta a cabeça, percebo quem é.
— Katherine — digo olhando em seus olhos. Ela está diferente,
mais magra, e seus cabelos estão cortados na altura dos ombros.
— Oi, Thay. — Ela sorri de lado.
— Já fez seu pedido? — digo, agora olhando para o cardápio.
— Só que me perdoe, por favor. — Ela pega em minha mão. —
Você é minha melhor amiga, e melhores amigas se perdoam, se
lembra do nosso juramento? — Vejo seus olhos se encherem de
lágrimas.
— Sim, me lembro. Mas melhores amigas também não
abandonam umas às outras quando mais precisam.
— Eu sei, eu sei. Mas, por favor, me desculpa, eu preciso de
você. — Vejo a tristeza em seus olhos, ela está sendo sincera.
— Tudo bem — digo.
O semblante de Katy muda completamente antes de ela se
levantar e me dar um abraço apertado.
— Sério mesmo? — pergunta dando pulinhos contidos.
— Sim, Katherine — respondo a contragosto.
— Não me chame assim, sabe que eu odeio. — Revira os
olhos.
— Thayla, de volta ao trabalho — ouço Arthur dizer.
— Vou indo. — Agora é minha vez de revirar os olhos.
— Ok, vamos fazer alguma coisa hoje de noite? — pergunta.
— Hoje não dá, tenho compromisso.
— Então... amanhã? — pergunta sugestiva.
— Pode ser. — Sorrio, ela me dá um abraço apertado e vai
embora.
Eu estava com saudades dela, Katy sempre foi minha melhor
amiga, apesar de eu ter ficado chateada por tudo o que fez, ela
também sofreu muito esse tempo todo.
Minha manhã passa correndo, na hora de sair os seguranças
me cumprimentam e me levam até o carro que Damon mandou,
deixando-me na porta de casa. Agradeço a eles e subo.
— Boa tarde — digo dando um beijo na testa de minha mãe.
— Oi, filha, vá tomar banho para almoçarmos. — Seu
semblante está cansado.
— Está tudo bem? Já tomou seus remédios hoje? — pergunto
preocupada.
— Estou bem, tomei cedo.
— Ok, hora de descansar um pouco. Vou trazer sua comida
aqui. — Ela suspira e vai para o quarto.
Acompanho-a e arrumo seus travesseiros para que ela se deite
confortavelmente, cubro-a com o lençol e saio do quarto.
Faço seu prato colocando um pouco das verduras e do
macarrão ao molho madeira, então levo para ela. Suspiro cansada,
indo para meu quarto, tomo um banho demorado e aproveito para
lavar os cabelos. Saio do banheiro bem mais relaxada. Vejo meu
celular tocando em cima da mesa de cabeceira e corro para atender,
batendo meu dedinho na quina da mesa. Gemo de dor e atendo ao
telefone.
— Oi. — Olho para meu pé, que está vermelho.
— Algum problema? — ouço a voz de Damon, baixa, estava
suave e rouca, nunca escutei seu tom dessa forma.
— Bati meu mindinho por sua culpa — reclamo.
— Minha culpa? O que posso fazer se você é desastrada? —
ele diz.
— O que foi?
— Irei te buscar daqui a 15 minutos, estou aqui perto — avisa.
— Por quê? O jantar não é à noite? — Olho as horas.
— Sim, mas a Sra. Reusser vai te dar mais algumas aulas de
etiqueta, e uma equipe vai te ajudar a se arrumar.
— Não gosto daquela velha — digo me lembrando do quanto
ela é chata.
— Não tem que gostar, apenas quero que aprenda. — Desliga.
Mas que ogro.
Coloco um vestido azul, deixo os cabelos soltos, ainda
molhados, engulo uma maçã e corro para escovar os dentes. Eu me
distraio pensando no homem de olhos verde-acinzentados, mas
uma batida à porta me faz acordar.
— Oi, mãe — digo enquanto enxáguo a boca.
— Se sua mãe se chama Damon... — a voz grossa me faz
tomar um susto.
— Mas que merda, como entrou aqui? — Seco as mãos na
toalha o encarando.
— Ora, anjo, é assim que fala com seu namorado? — responde
sarcástico.
Olho para ele com a sobrancelha arqueada e logo percebo que
minha mãe deve estar perto.
— Deveria ter me ligado, que eu desceria.
— Se olhasse o celular teria me poupado de vê-la babando.
— Só estava escovando os dentes.
— Vamos logo. — Ele põe as mãos nos bolsos e me olha.
Pego minha bolsa e saio do quarto com ele me acompanhando.
— Mãe, vou sair. Volto depois do jantar, por favor, descansa.
Nada de ficar se esforçando, ok? — Beijo sua testa.
— Tudo bem, pode deixar. — Ela sorri. — Menino, boa sorte —
fala para Damon e dá uma piscadela.
Olho para Damon de soslaio, sem entender.
— Pode deixar, Sra. Walther. — Ele pisca para ela de volta e
depois sorri.
— Do que estão falando? — pergunto olhando para minha mãe.
— O quê? — Ela olha para mim e dá de ombros.
— Nada, anjo, vamos. — Sorri forçado.
Me despeço mais uma vez e saio de casa, olho para Damon,
que anda ao meu lado no corredor.
— O que falou para ela?
— Falei que iria te pedir em casamento hoje e perguntei se ela
aprovava.
— Não deveria ter dito nada, eu queria ter conversado sobre
isso com ela — digo com uma enorme vontade de socar a cara dele.
No carro cada um assume seu lugar, e vamos direto para nosso
destino. Apesar de o vento bagunçar ainda mais os meus cabelos, o
silêncio no carro é reconfortante.
Paramos no sinal vermelho e fico olhando o semáforo com a
contagem de 45 segundos. Sinto a mão de Damon na minha e olho
em câmera lenta para ele, que já está próximo a mim. Ele põe o
rosto na curvatura do meu pescoço e me beija. Fico estatelada no
lugar sem entender de fato o que está acontecendo aqui. Ele passa
as mãos em meus cabelos, parando na minha nuca, afastando os
fios do pescoço, e sinto sua barba fazer cócegas enquanto
borboletas surgem em meu estômago dando uma sensação
estranha, mas boa... Muito boa. Seu rosto sai do meu pescoço e
vem beijando centímetro por centímetro da minha clavícula, até
perto da minha boca. Arfo por antecipação, seus lábios se
aproximam dos meus e, no instante em que ele vai me beijar,
buzinas ecoam acabando com todo o momento. Ele fecha o vidro da
minha janela e volta a atenção à estrada.
— Tinha um paparazzo do nosso lado.
Olho para ele por alguns segundos, claro que seria isso, por
que mais ele faria toda essa ceninha?
Não respondo nada a ele, fico prestando atenção à estrada.
Damon para em frente à sua casa e entrega as chaves a John
para guardar o automóvel na garagem. Desço do carro e caminho
para dentro.
— Bom dia, Srta. Walther.
— Bom dia, Ágatha. — Sorrio para ela. — A Sra. Reusser já
chegou?
— Sim, está a aguardando no salão — ela diz.
— Obrigada, está mais bonita hoje — elogio analisando-a, o
uniforme é o mesmo, mas ela está diferente. — Mudou a cor dos
cabelos... e passou maquiagem. Deveria fazer isso mais vezes. —
Sorrio observando-a corar.
— Obrigada, ninguém havia reparado. — Ela sorri de canto. Já
era de se esperar, me despeço dela e vou até a velha chata.
— Olá, Srta. Thayla, pronta para nossa aula? — Seu semblante
é sério.
— Sim. — Não, não estava.
Vinte e sete
Fiquei quase três horas com a Sra. Reusser, ela me ensinou
como me sentar com elegância, como cumprimentar as pessoas da
forma certa, como puxar assunto sem ser indesejável e diversas
outras coisas que, ao meu ver, eram tudo idiotices.
Subo as escadas com minha bolsa, indo para o quarto de
sempre, Alice está na casa da mãe ajudando com a decoração do
jantar.
Sento-me na cama pronta para descansar, mas alguém bate à
porta. Peço que entre, e Rony aparece com mais duas mulheres,
que entram puxando uma arara de roupas.
— Olá, Srta. Walther. Vim ajudá-la com o cabelo e a
maquiagem — diz.
— Por favor, apenas Thayla.
Ele assente e põe sua maleta sobre a penteadeira.
— Já tem noção do que quer vestir? — uma das mulheres me
pergunta.
— Não, nenhuma — digo.
— Tudo bem, vamos ver primeiro qual roupa a senhorita vai
usar e depois Rony decidirá seu penteado e a maquiagem para que
tudo fique harmonioso — a outra moça fala, apenas assinto.
— Todas essas roupas foram selecionadas a dedo pelo Sr. Lins,
então não precisamos nos preocupar se vai estar arrumada demais
ou não.
Olho para a arara com roupas em tons claros, e meus olhos
brilham ao reparar nas peças. Algumas eu diria que são demais
para minha personalidade. Vejo um vestido mais comedido
comparado aos outros, sem muitos segredos no corte, e sua cor
branca combinaria bastante com o momento.
— Quero este.
— Ótima escolha, é da mais nova coleção da Chanel, podemos
usar um salto vermelho do Christian Louboutin.
Meu queixo vai ao chão, é um sonho usar os sapatos dele.
Quem nunca sonhou em usar o sapato preto do solado vermelho de
sua famosa coleção que atire a primeira pedra.
— Maravilha — falo, agora empolgada. — Decidido.
— Ok, agora é comigo. — Rony bate palmas.
Sento-me na cadeira e ele começa com os trabalhos em meus
cabelos, que ainda estão úmidos. Ele seca, fazendo uma escova
poderosa, depois prancha os fios e os parte ao meio; odeio meu
cabelo dividido assim, mas deixei que ele concluísse seu trabalho.
Na sequência, faz babyliss dando um pouco de volume e
depois solta os cachos com os dedos. Tenho que admitir que está
muito bonito.
Quando finalmente termina, abro os olhos e vejo no espelho a
outra mulher que vive dentro de mim. Eu estou mais bonita do que
esperava. A sombra no tom dourado com um delineado gatinho dá
um ar requintado, ainda mais com os cílios postiços, e, para
completar, o batom vermelho é o destaque.
— Uau... Estou irreconhecível — digo analisando a maquiagem
e os cabelos. — Você é muito bom.
— Obrigada, mas você já tem a beleza, só a realcei — ele
elogia deixando-me envergonhada.
— Vamos, vá se vestir ou irá se atrasar — ele completa.
Levanto-me e vou ao closet junto com as meninas, que me
ajudam a pôr o vestido, depois os sapatos, então me olho no
espelho não acreditando que sou eu no reflexo.
— Nossa... — Vejo o vestido muito bem acentuado em meu
corpo e o sapato vermelho destacando-se junto com meu batom.
— Só está faltando isso. — A moça cujo nome eu ainda não sei
estende uma caixa para mim.
Vejo um colar de pingente vermelho e mais outras pedrinhas
brancas. Ela me ajuda a colocar no pescoço completando o meu
look. A mulher chique e de alta sociedade está presente novamente.
Passo o perfume que Damon pediu que eu usasse e agradeço a
ajuda deles, que se retiram na mesma hora. Arrumo os cabelos com
as mãos, olho o horário em meu celular e vejo que já está na hora
de descer. Pego a bolsa branca de mão, da Victoria's Secret e saio
do quarto.
Arrumo a postura como se deve e desço as escadas com toda
a elegância e sutileza possíveis. No final da escada, encontro
Ágatha, que me olha boquiaberta.
— A senhorita está magnífica, aposto que o Sr. Lins irá amar. —
Ela sorri me passando confiança.
— Obrigada, Ágatha, onde está ele? — pergunto ansiosa.
— Na sala de estar te esperando — ela diz.
— Ok. — Inclina a cabeça e sai.
Por que isso? Deixo de lado meus pensamentos quando me
aproximo de onde ele está; entro na sala dando passos confiantes,
confiantes até demais.
Não percebo o pequeno degrau e acabo me desequilibrando,
quase caindo no chão. Olho para onde Damon está e agradeço a
Deus por ele estar de costas e não perceber. Arrumo meu vestido e
o cabelo, voltando a andar, meu pé dói um pouco, mas nada que eu
não possa suportar.
— Vamos? — pergunto fazendo-o se virar para mim.
Seus olhos estudam toda a produção feita para o jantar; ele
analisa cada detalhe em mim, o que me deixa constrangida.
— Eles acertaram como sempre — ele diz ainda me olhando.
Como sempre?
Vejo sua roupa, ele também está com nuances de vermelho,
será destino ou apenas coincidência? Sua calça e blusa são
brancas, apenas seu colete e o blazer são vermelhos. Como sempre
está muito bonito. Seus cabelos bem penteados e seu aroma de
perfume amadeirado é fácil de sentir, enquanto seus olhos verde-
acinzentados me fitam por uns instantes.
— Podemos ir ou...?
— Claro — digo.
Caminho para fora da mansão, e John nos aguarda ao lado de
um Jaguar F-PACE preto. Cumprimento-o com um rápido abraço, e
ele acha estranho, mas logo sorri para mim. Entro no carro e me
sento em meu lugar, tentando manter uma certa distância de
Damon. Quando já estamos na pista, ouço sua voz.
— Se recorda das coisas necessárias, não é? Sobre o relatório
que te enviei? Eles precisam acreditar nisso.
— Lembro, sim — digo sem olhar para ele.
— Ótimo — ouço-o dizer e o silêncio prevalece.
Trinta minutos depois, o carro para em frente à uma linda
mansão, olho para Damon um pouco nervosa.
— Preparada?
— Não — digo sendo sincera.
— Ótimo, vamos — fala sem nem de fato ter prestado atenção
no que eu disse.
Ele sai do carro e estende a mão para me ajudar. Pego-a
sentindo suas mãos frias como sempre. Ele entrelaça seus dedos
nos meus e entramos na casa.
É estranho ficarmos tão perto um do outro e depois tão longe,
prefiro quando estamos assim, é reconfortante.
Vejo toda a decoração na casa, a Sra. Lins tem um ótimo gosto.
Damon cumprimenta algumas pessoas e me apresenta a elas.
— Damon? Você chegou. — Olho para trás, vendo a dona da
voz, sua mãe está muito bonita e elegante com um vestido longo na
cor dourada, seus cabelos estão presos em um coque bonito, e ela
anda como se nem ao menos tocasse o chão.
Damon me puxa pela mão gentilmente, para ficar ao seu lado.
— Cheguei há alguns minutos, como a senhora está? — ele
pergunta.
— Muito bem. Olá, querida. — Ela me olha sorridente e me
abraça.
— Boa noite, Sra. Lins. — Sorrio para ela.
— Por favor, não me chame assim, me sinto uma velha, apenas
Cristina. — Sorri. — Eu me lembro de você... — Estudando meu
rosto.
— Lembra? — pergunto tentando me lembrar se já a vi.
— Sim, você e Damon estavam se engalfinhando em frente à
loja em que eu estava; quando saí Damon me arrastou de lá tão
rápido que nem tive tempo de falar com você direito. — Me lembro
da situação, que vergonha.
— Me desculpe por isso, Damon às vezes é muito cabeça-dura,
a senhora o conhece muito mais que eu, então sabe como é. —
Sorrio amarelo, lembrando-me das coisas que a Sra. Reusser me
disse.
— E como eu sei. — Olha para ele.
— Se já acabaram, quero apresentar formalmente minha
namorada, Thayla. — Sorri para mim, e meu coração erra uma
batida, minha namorada...
Devolvo o sorriso.
— Ai, Deus, até que enfim. — Ela olha para cima como se
estivesse mesmo falando com Deus. — Seja muito bem-vinda,
Francis vai adorar saber disso — diz toda empolgada.
— Acertou na escolha, filho. Alice falou muito bem de você. —
Me analisa dos pés à cabeça e pisca para Damon, que ri.
Aperto seus dedos discretamente e ele para.
— Vou falar com meu pai e o restante da família — Damon
avisa.
— Tudo bem, vou ver como estão saindo as coisas e volto para
falar com vocês. — Solta alguns beijos no ar para nós e sai.
— Você nunca trouxe uma namorada para casa? — pergunto
curiosa.
— Sim, já trouxe. Mas não para conhecer meus pais — fala
com um sorriso malicioso nos lábios, fazendo-me corar no mesmo
instante.
Ele começa a andar pelo vasto salão, cumprimenta a todos e
me mostra como se eu fosse seu troféu. Por fim paramos perto do
pai, ele é ainda mais bonito do que na foto.
— Boa noite — fala chamando a atenção de todos.
— Thay — Alice fala vindo até mim, me dando um abraço
apertado. — Achei que não viria, nossa, você está muito bonita —
ela diz.
— Chegamos faz um tempinho, estávamos falando com sua
mãe. Boa noite! — digo para todos presentes.
— Então, essa é a tão falada Thayla, devo concordar que é
muito bonita — o pai de Damon fala.
— Obrigada, é ótimo enfim conhecê-lo, Damon falou muito bem
do senhor — digo sorridente, ele pega minha mão e deixa um beijo
entre meus dedos.
— É bom saber disso. — Ele olha para Damon e sorri. — Quer
dizer que essa bela moça é sua namorada? — pergunta.
— Sim. — Ele passa o braço em meu ombro e alisa a extensão
me deixando ainda mais perto do seu corpo.
— Dom? — Uma moça se levanta e caminha até ele. — Quanto
tempo, você continua lindo — ela fala o medindo dos pés à cabeça.
— Oi, Laura. — Ele sorri e a puxa para um abraço, bem íntimos
pelo visto. — Obrigado, e você também não fica atrás. — Olho para
ele tentando disfarçar o máximo minha vontade de bater nele depois
desta frase dirigida a outra mulher.
De fato ela é bonita, mas também muito atirada.
— Thayla, esta é Laura, minha prima — ele nos apresenta.
Ela me olha e sorri cínica, era só o que me faltava. Aperto sua
mão em um cumprimento educado e me afasto dela novamente.
— Ali, poderia me mostrar onde é a toalete? Se me derem
licença. — Sorrio.
— Claro, toda — o Sr. Lins diz.
Vejo um rapaz logo atrás sorrir para mim, devolvo o sorriso e
caminho com Alice para o banheiro.
— Laura é uma periguete e tanto, se eu fosse você ficava de
olho nela — Alice diz irritada.
— Confio no seu irmão — conto tentando passar essa imagem,
mas é uma grande mentira.
— Acho linda essa sua confiança nele, mas não faça o mesmo
em relação a ela.
— Tudo bem — digo dando um basta no assunto.
Uso a cabine com Alice tagarelando do lado de fora, sobre o
tanto de homem bonito que há no jantar.
— Aquele rapaz que estava perto do seu pai também é de sua
família? Ele é bem bonito, deveria investir.
— Ah, Matteo é nosso primo, até dei um beijo nele quando
éramos adolescentes, mas nada além disso, ele é certinho demais.
— Homem bonito e certinho? Difícil de acreditar.
— Pois é, Thay. — Ela sorri, termino de lavar minhas mãos e
saímos do banheiro.
Volto para o mesmo lugar, encontrando Laura ainda
conversando com Damon. Ela sempre faz de tudo para tocar nele e
dar risada. Ele também sorri de volta, o que me deixa ainda mais
irritada.
— Vai beber? — Alice pergunta.
— Por favor — imploro a fazendo dar risada.
— Vou buscar champanhe para a gente — ela diz dando uma
piscadela e sai.
Vinte e oito
Fico observando a decoração, pois, se eu prestar atenção em
Damon e Laura, ficarei com ainda mais raiva.
— Oi, Thayla, não é? — Olho para o lado, vendo Matteo.
— Sim. — Sorrio.
— Matteo, é um prazer conhecê-la. — Ele pega minha mão e
beija.
O rapaz é ainda mais atraente de pertinho, tem um olhar seguro
de quem sabe que pode ter qualquer mulher para si.
— Digo o mesmo. — Sorrio de lado.
Olho para Damon e Laura conversando animados, ele parece
ter se esquecido de mim.
— Não ligue para ela, ele seria um bobo se te trocasse pela
minha irmã — ele diz me fazendo arregalar os olhos. Irmãos?
— Confio nele — asseguro a mesma mentira de antes.
Matteo me olha por alguns segundos e depois volta a atenção
para a frente.
— Isso é... ótimo — diz, mas tenho quase certeza de que ele
queria dizer burrada.
— O que você faz? — pergunto mudando o rumo da conversa.
— Sou modelo, trabalho para algumas marcas conhecidas —
ele fala orgulhoso de si mesmo.
— Que legal, eu adoro moda e tudo o que envolva a ela —
digo.
— Gosto bastante desse meio também, tanto que criei junto
com a Dolce & Gabbana uma linha de roupas e óculos com meu
nome, para o público masculino.
— Nossa que sonho, uma pena ser apenas masculino, eu
gostaria de usar uma peça assinada por você. — Sorrio.
Se fosse feminino, também não usaria, não teria dinheiro para
comprar.
— Cheguei — Alice anuncia me entregando a taça de
champanhe. — Teo, por que você não tira sua irmã do pescoço do
meu irmão? — Alice diz.
— Vou fazer isso agora. — Ele dá risada e sai.
— Ele é uma gracinha, não é? — Alice pergunta.
— Sim, muito educado e gentil.
— Quer dar uma volta? Conhecer a casa enquanto o jantar não
é servido?
— Claro. — Vejo Damon me olhar, desvio os olhos e continuo
andando com Alice.
Vamos para o jardim e ela me conta que todas as flores foram
plantadas por sua mãe.
— Essa é minha preferida. — Aponto para a peônia.
— As minhas também — ouço a voz da Sra. Lins atrás de mim.
— Já cultivou alguma vez? — ela pergunta.
— Não, mas deve ser uma maravilha.
— É bem relaxante — diz. — Quero te mostrar uma coisa,
venha. — Ela me chama com a cabeça.
— Eu vou ficar aqui te esperando — Alice diz já sentada em um
banquinho.
— Ok.
Caminho com ela para dentro da casa, passamos por um
corredor e logo subimos as escadas. Na terceira porta ela abre e
entra em um quarto grande, bem-arrumado, mas o que me chama
atenção são os pôsteres com imagens de carros antigos
enquadrados.
— Esse era o quarto de Damon. — Seus olhos brilham ao falar
do filho. — Ele sempre foi uma criança tranquila, não era de gritar,
fazer birra, sempre entendia um não. Depois, quando virou
adolescente, ele mudou bastante, amava brigar no colégio. Sempre
chegava em casa machucado e com as roupas rasgadas. — Ela dá
risada ao se lembrar.
— Quando fui à escola para saber o que estava acontecendo,
entendi muita coisa, ele estava apaixonado por uma menina que
sofria bullying no colégio, e todas as vezes que isso acontecia ele a
defendia. — Eu não conhecia esse lado de Damon, talvez nem
exista mais. — O que eu quero dizer é que ele, quando ama, ama
de verdade, e vai fazer de tudo por você. Meu filho nunca nos
apresentou oficialmente uma mulher como sua namorada, então
presumo que você seja bem importante. — Meu coração parte por
estarmos mentindo para ela e para todos, sou obrigada a sorrir para
ela. — Então, por favor, não o machuque. — Se há alguém nessa
história que vai se machucar, esse alguém sou eu.
— Pode deixar, eu gosto muito do Damon, ele pode ser
egocêntrico, mandão, chato e outras diversas coisas. — Damos
risada. — Mas eu sei que por trás de tudo isso ele é um homem
excelente.
— Quero te mostrar isso. — Ela vai até a porta ao lado e abre,
revelando uma sala cheia de pinturas. — Todas foi ele que pintou.
— Ele nunca me disse que pintava — digo surpresa.
— Damon ama esconder suas habilidades, o que é uma pena,
porque ele pinta muito bem. Alguns dos quadros que tem na casa
dele foram pintados por ele.
— Realmente são muito bonitos. — Sorrio olhando alguns
desenhos em aquarela, entre eles vejo o rosto de uma jovem.
— Quem é? — pergunto apontando para a tela com o rosto da
mulher.
— Esta é a menina que ele defendia no colégio, Érika. —
Respiro fundo ao ouvir o nome dela.
— Hum... — Forço um sorriso.
— Vamos descer, o jantar já deve estar sendo servido.
— Claro! — digo saindo do quarto.
Vejo um vaso pintado, será que foi ele quem pintou também?
— Damon que pintou? — Aponto para o objeto, mas, como tudo
tem que dar errado para mim, bato com a mão e ele cai no chão se
quebrando em milhares de pedacinhos.
— Desculpa, estou sempre sendo desastrada — digo já quase
chorando.
— Não tem problema, querida, vi que não foi porque quis. —
Ela empurra com os pés os cacos para o canto.
— Me perdoe... Era muito caro? — pergunto com medo.
— Talvez... Mas não tem problema, está tudo bem. O
importante é que não se machucou, vamos, meu amor.
Como alguém pode ser tão amoroso depois de eu ter quebrado
um objeto estimado? Eu vejo muito minha mãe nela, simples,
amorosa e dedicada a tudo o que faz.
Descemos as escadas e nos juntamos às pessoas que já estão
sentadas para jantar; Damon se levanta e puxa a cadeira para mim.
Cavalheiro, não? Agradeço a ele e me sento.
A comida do jantar está maravilhosa, de entrada, canapé de
salmão, e o primeiro prato, um terrine de alho-poró. O segundo,
risoto de shitake com lagosta grelhada, e eu aguardo ansiosa pela
sobremesa quando Damon se levanta da cadeira e bate com a
colher na taça chamando a atenção de todos. Limpo os lábios com o
guardanapo de pano e olho para ele.
— Quero pedir alguns minutos da atenção de todos. — Ele
espera por silêncio e continua. — Como todos sabem, eu estou
namorando esta linda mulher que está ao meu lado. — Ele olha
para mim e sorri. Sinto minhas bochechas pegarem fogo. — Eu sei
que não é fácil estar ao meu lado, confesso que sou um pouco...
complexo. — As pessoas dão risada. — Que bom que todos
concordam, mas não é isso que vem ao caso. Tenho pensado
bastante e cheguei à conclusão de que eu não quero mais ninguém
que não seja você. Então escolhi este momento, na presença de
toda a minha família, para te fazer um pedido. — Ele olha para mim
e me estende a mão.
Levanto-me ficando a sua frente. Ele retira uma caixinha de
veludo preta de dentro do bolso e se ajoelha em minha frente, ouço
gritos de alegria de Alice e sua mãe.
— Thayla Walther, aceita se casar comigo? — ele pede.
Olho para os lados e todos esperam minha resposta. Volto a
atenção para Damon, que continua sua farsa, mas me olha com a
sobrancelha arqueada.
— É claro que eu aceito — digo um pouco anestesiada, sorrio
para ele e ouço todos batendo palmas.
Ele abre a caixinha e põe o anel no meu dedo. Se levanta e
sorri para mim.
— Pensei que não fosse aceitar — ele faz graça e as pessoas
continuam rindo.
— Agora tem que beijar — a Sra. Lins fala, me engasgo com
minha própria saliva e tento disfarçar para ninguém perceber.
— Beija, beija, beija... — Alice puxa e o pessoal a segue, olho
para ele assustada.
Balanço a cabeça negativamente, sentindo minhas bochechas
ficarem vermelhas. Ele se aproxima de mim me deixando
paralisada, respiro fundo procurando me acalmar, e quando está
perto o suficiente Damon me beija. Olho para ele sem acreditar que
acabou de beijar a ponta do meu nariz. Me afasto dele e todos ficam
reclamando por não ter sido o beijo esperado.
— Thayla é muito tímida — ele fala sorrindo para todos, olho a
cara debochada de Laura, que dá risada.
— Na verdade, estou me sentindo confortável na frente de
todos, afinal seremos parte de uma mesma família — falo sorrindo e
olho para Damon o desafiando.
— Isso aí, Thay — Alice fala.
— Vai, filho — é a vez de Francis incentivar.
Me aproximo dele e passo as mãos em seu ombro.
— Estou começando a achar que você realmente é gay —
sussurro em seu ouvido.
Sabia que isso era perigoso, mas duvidava que ele acabaria
com toda nossa farsa. A intensidade do seu olhar me alcança. Eu
posso ver raiva, mas o sorriso malicioso em seus lábios me diz que
ele tem gostado da provocação mais do que pode admitir.
Então, ele põe a mão em minha nuca e me puxa para um beijo.
Seus lábios tocam os meus suavemente. Sinto minha boca formigar
e meu corpo se aquecer.
Ele me beija com calma, um beijo sem língua, o que me deixa
um pouco frustrada, mas só de senti-lo tão íntimo a mim já é um
avanço. Ele morde o meu lábio devagar, sinto o gosto do whisky
misturado com seu gosto, e vai parando aos poucos, finalizando o
beijo chupando meu lábio inferior. Sorrio meio sem graça e Alice
vem me abraçar.
— Estou tão feliz — ela diz. — Agora você é minha cunhada
oficialmente. — Pega minha mão olhando o anel em meu dedo, é
muito bonito.
O design cruzado apresenta fios entrelaçados cheios de
pequenas pedras, que se fundem tornando-as em uma só. A pedra
central possui um corte redondo, brilhante e bem chamativo.
Todos nos parabenizam, inclusive Laura, que não dirigiu a
palavra a mim, apenas a Damon.
— Meus... parabéns? — Matteo fala parando em minha frente.
— É isso o que as pessoas dizem. — Dou risada e ele me
acompanha.
— Parabéns, espero que ele te faça muito feliz — diz com
sinceridade, algo nele me faz acreditar que já nos conhecemos há
anos, seus olhos são tão familiares.
— Pode deixar, que eu a farei muito feliz — Damon interfere em
nossa conversa, passando a mão em meu ombro.
— Ah, mas é claro que vai — Matteo fala um pouco sarcástico,
Damon sustenta o olhar dele, como uma guerra silenciosa.
Depois do jantar, a Sra. Lins me puxa para conversar.
— Amanhã vamos nos reunir na piscina, deveria vir — ela fala
empolgada, agora eu sei a quem Alice puxou.
— Amanhã eu trabalho, só se for pela tarde — digo.
— Ótimo, vamos te esperar. Vou pedir a Beth que faça uma
torta de maçã para você — ela revela.
— Ei, para mim ninguém faz — Alice faz charme se juntando a
nós.
— Desculpa, mas vim para ficar no seu lugar — digo zoando-a
e Cristina cai na risada.
Uma música conhecida começa a tocar, balanço os pés no
ritmo da batida. Nossa conversa é interrompida por Matteo, que olha
com uma cara de pidão para Cristina.
— Ah, não, nem vem — ela diz dando risada.
— Vamos dançar, tia — ele insiste sorrindo.
— Meus pés estão me matando, chame Alice. — Ele olha para
a prima como se estivesse suplicando.
Eu já sei onde tudo isso irá dar.
— Eu também não, deveria chamar Thayla, ela sabe dançar
muito bem. — Alice o joga para mim.
— Eu n... — Sou cortada.
— Vai, Thayla, não faz mal dançar — Sra. Lins diz.
Suspiro cansada e me levanto, caminhando para perto de
Francis, que dança com Laura, e dos tios de Damon.
A música não é tão agitada, então ele pega em minha cintura
enquanto eu seguro seus ombros e nos balançamos para lá e para
cá, no ritmo exato.
— Tenho a sensação de te conhecer — digo estudando seu
rosto, eu me lembraria se eu o conhecesse.
— Sabe que eu também? Mas eu me lembraria de uma mulher
linda como você — assevera fazendo-me corar, e desvio de seus
olhos, olhando para outro lado, vendo Damon atento aos nossos
movimentos.
Ele dá um último gole no seu whisky antes de se aproximar com
a postura ereta, cheio de elegância.
— Poderia devolver minha noiva agora? — Olha para Matteo
sugestivo.
— Sim. Nos falamos depois, Thay — ele diz e deixa um beijo
em minha mão.
Quando o primo está longe o suficiente, Damon me olha feio.
— O que foi? — pergunto.
— Não me importo que fique perto dele, mas ao menos disfarce
seu interesse, não vai pegar bem para mim.
— Interesse? Pelo amor de Deus. — Reviro os olhos.
Outra canção se inicia e me animo por ser um ritmo quente.
— Amo essa música. — Balanço os quadris ignorando o olhar
torto do meu noivo.
— “Eu sou apenas um pouquinho tímida, mas eu poderia ser
muito boa para você.” — cantarolo dançando devagar, no ritmo da
música.
— Vai ficar parado me olhando? — pergunto a ele. — Pensei
que fosse dançar comigo... — completo.
Ele não me diz nada, apenas me observa. Remexo os ombros
devagar, no compasso da música.
— “Você poderia me ensinar todas as regras. Sim, eu sou uma
boa menina, é verdade. Mas eu quero ser muito má com você.” —
continuo cantando e ele me olha com uma de suas sobrancelhas
arqueada.
— “Veja, você poderia me ter na varanda da frente ou me levar
para o seu quarto... Vá em frente, deixe-me ser muito má, má, má,
má. Oh, baby, isso poderia ser um amor estranho, me faça gritar de
dor, amor. Eu estou realmente esperando que você sinta o mesmo.”
— Viro de costas para ele e colo o meu corpo no seu dançando
devagar.
Sua mão vai para minha cintura, apertando forte e me
separando dele, sorrio achando graça disso.
— Já chega, vamos embora — diz acabando com minha
brincadeira.
Nos despedimos de todos antes de seguirmos para o carro, e
ao entrar Damon olha para mim muito sério.
— Nunca mais faça isso — diz contendo a voz.
— Isso? O quê? — pergunto sem entender.
— Não se faça de sonsa. Fui bem claro no contrato, não vamos
ter aproximação física real.
— E por que, Damon? Você acha que as pessoas vão acreditar
em nós se nem ao menos nos beijamos, ou ficamos juntos?
— Isso não vai mais acontecer, sem beijos — ele diz.
— Posso saber o porquê?
— Se você quiser sexo, você terá, é menos sentimental que um
beijo — diz de forma rude, é inacreditável.
— Você é louco, isso sim. Não entendo por que essa
palhaçada, procure alguma puta e ela lhe dará sexo, ou quem sabe
a Laura, talvez a Érika — esbravejo irritada, fazendo-o lançar um
olhar mortal para mim.
— Se eu fosse você, mediria as palavras, e não fale na PORRA
DESSA MULHER.
Não respondo, apenas viro o rosto para a janela sentindo os olhos
arderem. Sou uma idiota por achar que ele vai mudar comigo
alguma hora.
Vinte e nove
Damon Lins

Depois do atrevimento dela, tive que beijá-la. Era estranho ter


que fazer isso, apesar de achá-la bonita e um pouco atraente, ou eu
só não queria admitir que é muito atraente, mesmo assim não me
enchia os olhos. Devo admitir que o beijo foi bom, mas eu não quero
ter que me apegar a ninguém, meus objetivos são outros.
Fico observando de longe Matteo conversar com ela, eles pelo
visto se deram muito bem, o que me deixa irritado; não por eles
estarem conversando, mas sim pelo rápido entrosamento.
Sou dominador, gosto de ter controle sobre tudo, e ela não
consegue fazer nada do que peço. O problema está em mim, ou
nela, que não segue nem o que mando?
Vejo alguns olhares em cima deles dois e decido me aproximar,
sei que nossa falta de "química" é perceptível e precisamos fazer
algo em relação a isso.
Quando peço para dançar com ela, as coisas fogem do meu
controle. Ela canta para mim e dança de forma sexy, talvez sejam
apenas os copos de whisky fazendo efeito em minha mente.
Quando ela cola o corpo no meu, tento ao máximo manter o
equilíbrio, já faz dias que eu não sei o que é sexo. Para que porra fui
aceitar as condições dela?
Querendo ou não, isso mexeu comigo. A afasto de mim e
vamos para o carro, onde tento explicar pacificamente que aquilo
não acontecerá mais, são as minhas condições e eu tenho os meus
motivos.
No momento em que ela toca no nome de Érika, perco todo o
controle, pensei ter deixado claro que não tocasse no nome dessa
mulher, mas ela tem prazer em fazer isso.
O caminho é silencioso e eu agradeço por isso, deixo-a na
porta de casa e a espero subir. Respiro fundo saindo para minha
boate no centro de Seattle, estaciono o carro e só então tomo
consciência dos seguranças que me acompanham em outro carro.
— Metade aqui fora e a outra metade dentro da boate — digo
acionando o alarme do carro e entrando.
A música alta faz meu coração bater mais rápido, as pessoas
sacodem os corpos na pista de um jeito desengonçado e estranho.
— Oi, lindo — uma loira fala pegando em meu ombro.
Olho para mão dela em mim e volto para seu rosto; ela é bonita
e tem um corpo de tirar o fôlego, mas não estou aqui pra isso.
— Hoje não. — Tiro sua mão de mim. — Onde está Paolo? —
pergunto a um segurança da boate.
— Área VIP, senhor.
Subo as escadas, encontrando meu amigo rodeado de
mulheres, ele me vê e logo as dispensa.
— Fala, Damon. — Ele aperta minha mão. — A fim de beber?
— E muito. — Respiro fundo.
— O que foi? É ela, não é? — pergunta me arrastando para o
bar.
Fico em silêncio.
— Cara, eu sabia que isso não ia dar certo, eu te falei, essa
garota vai acabar com seu juízo, ela deve ser muito gostosa para te
tirar do sério assim, você nunca perde a cabeça — completa.
— Vai à merda, Paolo — digo irritado. — Whisky, por favor —
peço ao barman.
— Olha aí, já está até defendendo a noivinha. — Cai na
gargalhada, o que me deixa furioso. — Ei, cara, relaxa. Sabe do que
você está precisando? De sexo.
Só de lembrar, a raiva aumenta e, quando minha bebida chega,
tomo tudo de uma única vez.
— Traz mais outra. — Ponho o copo no balcão. — Não posso.
— Por que não? — ele me pergunta assustado. — Cara, vi
umas mulheres aqui de tirar o fôlego.
— Concordamos que teríamos fidelidade — digo suspirando
baixo.
— Isso está saindo mais caro que um casamento de verdade. E
o que você vai fazer? Aguentar um ano sem sexo?
— Cala a porra da boca um minuto, Paolo.
— Cara, essa mulher está acabando com você, eu só te vi
assim estressado duas vezes. No dia em que ela ficou entalada no
banheiro e o outro quando...
— Eu vou fazer um estrago nessa sua carinha de playboy se
você não calar a porra dessa boca.
Ele levanta as mãos em rendição. Peço uma dose de conhaque
enquanto termino de beber meu whisky, e quando estou bêbado o
suficiente peço a um dos seguranças para me levar para casa. Ao
chegar me jogo na cama do jeito que eu estou.
Acordo cedo como costume, e vou direto para um banho frio. A
água ajuda a aliviar a dor de cabeça, mas quando saio tomo um
comprimido e começo a me arrumar para ir ao trabalho. Ponho uma
blusa social branca e calça preta, penteio os cabelos para trás e
desço para tomar café. Alice continua na casa de nossa mãe e eu
agradeço o silêncio no ambiente.
— Senhor, só para lembrar, precisa contratar uma nova
governanta — Ágatha avisa.
— Ok. — Beth ficará trabalhando na casa de minha mãe. Mais
um problema para resolver. — Peça a Beth que envie uma pessoa
da confiança dela.
Ela assente e sai da sala de jantar.
Depois de tomar café, saio rumo à empresa, tenho uma reunião
logo pela manhã com o Sr. Jarbas, enfim fecharemos negócio.
— John, retorne ao meio-dia em ponto, preciso buscar Thayla
no trabalho — digo.
— Ok, senhor. — Pego minha maleta de suas mãos e sigo para
dentro.
Alguns funcionários me cumprimentam pelo caminho, mas não
tenho vontade nem interesse em respondê-los, hoje não é um bom
dia.
Subo para minha sala, encontro Endy lixando as unhas
enquanto dá risada alta ao telefone, com os pés cruzados em cima
da mesa.
Me aproximo dela e tiro o telefone de seu ouvido, fazendo-a
tomar um grande susto. Ela se endireita na cadeira e guarda a lixa.
— Aqui não é SPA, se quer ficar tão à vontade deveria ir para
casa — digo calmo e frio.
— Não, Dê, desculpa.
— Quero todos os relatórios para a reunião com o Sr. Leandro
na minha mesa em dez minutos — digo antes de bater a porta.

Thayla Walther

Hoje o dia está bem puxado na cafeteria, uma movimentação


fora do normal, não sei de onde saiu tanta gente. Atendo as mesas
e sirvo os pedidos tentando não ser grosseira com os clientes que
insistem em me perguntar sobre meu relacionamento com Damon.
As pessoas acham que, porque ele está sempre na mídia, elas se
tornam íntimas e podem invadir minha privacidade, um saco.
Já não basta eu ter que mentir para minha mãe, agora preciso
manter a farsa para o mundo. É cansativo. Ontem mesmo, ao
chegar em casa, tive que mostrar o anel para ela como se fosse a
coisa mais importante para mim. Parece que não existe mais
nenhum refúgio.
Olho para o símbolo de nosso compromisso em meu dedo. A
pedra chama atenção mas eu gostaria bem mais dele se tivesse
uma verdadeira história por trás.
Tiro cinco minutos de descanso para ir ao banheiro e beber
uma água, olho o celular e vejo uma mensagem de Damon.

"Bom dia, assim que eu sair da empresa irei te buscar no


trabalho."
DL

Tinha esquecido que teria que vê-lo hoje também, guardo o


telefone e volto ao trabalho.

Agradeço pelo excesso de movimento, assim não vi o tempo


passar e a manhã acabou sem eu perceber. Pego minha bolsa e me
despeço de Ana, encontrando Damon sentado do lado de fora me
aguardando. Seu olhar distraído deixa-o tão atraente que é difícil
continuar chateada com ele. Pensando bem, agi errado ontem,
apesar de que ele também não estava certo, então farei a minha
parte. Seus olhos caem sobre mim e um sorriso pequeno surge em
seus lábios. Sorrio de lado e me aproximo.
— Vamos?
— Sim! — digo e ele se vira, seguindo para o carro. — Damon?
— chamo-o baixo.
— Oi. — Ele para olhando para mim.
— Queria pedir desculpas por ontem, sei que... — Me corta.
— Também lhe devo, vamos esquecer isso por ora — diz me
deixando surpresa, ele realmente está se desculpando?
Ele me ajuda a entrar no carro e se senta ao meu lado, o que
aconteceu com ele?
— Oi, John. — Sorrio para o senhor que me olha pelo
retrovisor.
— Boa tarde, Srta. Walther.
— Apenas Thayla, já conversamos sobre isso. Como estão sua
mulher e seus filhos?
— Estão muito bem, obrigado. — Sorri.
— Não trouxe nada? — Damon pergunta.
— Não sabia que viria me buscar — explico.
— Tudo bem — diz com a voz firme. — John, para casa de
Thayla.
Em minutos estamos parados em frente ao meu prédio, desço
do carro com a ajuda de John.
— Não vai subir? — pergunto a Damon. — Minha mãe quer vê-
lo.
Ele olha por um tempo para mim e por fim sai do automóvel.
Ando com ele me seguindo, sem dizer nada, abro a porta de
casa, vendo minha mãe sentada na sala, rindo de um programa na
televisão.
— Mãe. — Vou até ela e a beijo.
— Oi, Thay. — Ela me beija de volta. — Damon, que bom vê-lo
novamente.
Deixo os dois para trás e sigo para o quarto.
Tiro minha roupa e corro para tomar um banho rápido, ponho
um vestido cinza, com um cinto e tênis brancos.
Pego meus óculos, guardo na bolsa, uma muda de roupa e um
biquíni preto.
Saio do quarto e encontro Damon rindo com minha mãe,
tomando café.
— Podemos ir? — pergunto a ele.
— Claro. — Sorri para mim.
Fico olhando para ele congelada naquele sorriso.
— Minha menina está tão apaixonada, fico feliz que estejam
juntos — minha mãe diz me deixando vermelha de vergonha.
— Agradeço, Sra. Walther. — Ele a cumprimenta com um beijo
na mão.
— Tchau, linguaruda — digo baixinho em seu ouvido, ouço sua
risada.
Beijo sua testa e saio.
Trinta
Chego à casa dos pais de Damon e já vejo o pessoal reunido à
beira da piscina. O carro para próximo e desço com a ajuda de
John. Cristina e Alice vêm nos cumprimentar.
— Oi, nora linda.
— Oi, Sra. Lins — digo abraçando-a.
— Se não parar de me chamar de senhora, vai ter um grande
problema comigo. — Estreita os olhos.
— Mãe, a senhora é velha. — Alice revira os olhos. — Oi, Thay.
— Me abraça apertado.
— Oi, Ali. — Dou um beijo em seu rosto.
Damon cumprimenta a mãe, e logo em seguida, sua irmã.
— Vai trocar de roupa, já está todo mundo na piscina — Alice
fala me puxando para dentro da casa. — Matteo estava
perguntando por você. — Olha para mim de soslaio e dá risada.
— Gostei dele, parece ser uma boa pessoa. — Sorrio.
— E é, mas quando se trata de Matteo e Damon a rivalidade é
grande; não que eles se odeiem, mas sempre querem ganhar um do
outro, é como se fosse um jogo — ela me explica revirando os
olhos.
— Que idiotice. — Subo as escadas com ela.
— Não é? E o pior é que você está no meio disso tudo. — Dá
de ombros.
— Sabe... Até que eu estou disposta a jogar com eles. — Sorrio
maliciosa.
Alice dá uma gargalhada.
— Você é ótima, mas não sei se Damon vai gostar disso.
— Ele nem vai saber. — Reviro os olhos.
Chego ao quarto com Alice tagarelando sobre Damon e Matteo;
vou ao banheiro, coloco meu biquíni preto e um short de praia.
— Tá, Alice, eu já entendi — digo não prestando de fato
atenção em nada que ela falou, quem nunca?
— Vamos descer, mamãe pediu a Beth pra fazer a torta de
maçã e não deixou ninguém tocar, um absurdo. — Ela me bate de
leve e eu dou risada.
Descemos as escadas indo para a área da piscina, e
cumprimento o Sr. Lins, que também está aqui, além dos outros
convidados.
Damon conversa com uma mulher que eu não conheço e a
Laura.
Tiro os olhos dele quando me olha de volta e sigo para
cumprimentar Matteo.
— Oi — digo.
— Olá, Thay. — Ele pega minha mão e deixa um beijo
demorado. Sorrio sem graça. — É ótimo revê-la.
— Obrigada, também é ótimo estar aqui.
— O almoço vai ser servido agora, vamos comer. — Ele me
oferece o braço, demoro um pouco para aceitar, mas não vejo por
que não.
Caminhamos até a mesa posta debaixo do pergolado no jardim,
ele puxa uma cadeira para mim e eu me sento. Aos poucos as
pessoas vão se sentando. Fico conversando com Matteo sobre sua
profissão, as vantagens e desvantagens de ser modelo. Enquanto
ele fala, observo os traços finos de seu rosto, o maxilar bem
marcado, as sobrancelhas grossas, a barba bem desenhada e os
cabelos bem penteados, ele de fato é lindo e seu sorriso é de
derreter qualquer coração.
— Thayla? — Acordo do meu devaneio com a voz de Damon
logo atrás de mim.
— Oi — digo virando-me para ele. — Não vai se sentar? —
pergunto apontando para o assento ao meu lado.
Ele respira fundo antes de tomar o assento.
— Deveria disfarçar um pouco, não acha? — sussurra ao meu
ouvido.
— Do que está falando?
As empregadas aparecem trazendo a comida, que elas passam
servindo à moda inglesa, indo a cada convidado e montando o prato
no gueridom, um carrinho próprio para essa função, não acredito
que eu gravei mesmo o que a Sra. Reusser me ensinou.
— Boa tarde, Srta. Thayla — Beth me cumprimenta.
— Boa tarde, Beth — digo sorrindo.
— Temos bavette verde com lula ao pomodoro basílico e
alcaparras — ela diz.
Antes que eu responda, Damon se antecipa.
— Ela não pode comer, é alérgica a lula. — Olho para ele
confusa, como ele sabe disso?
— Oh, querida, me perdoe, não sabia que era alérgica,
providenciarei outra coisa para você — diz sem graça e se retira,
não me dando tempo de falar qualquer coisa.
— Obrigada — digo baixo.
Matteo dá risada ao meu lado.
Não demora muito para que Beth surja com uma segunda
opção para mim, bavette al pesto, então posso me juntar a todos na
degustação da refeição.
Depois do almoço, parte de nós voltou para a piscina enquanto
outra se espalhou pela casa. Deito-me em uma das
espreguiçadeiras, na sombra, aproveitando o dia.
— Mamãe pediu para lhe perguntar se quer que sirva a torta de
maçã agora?
— Sim.
Vejo ao longe Matteo sentado em uma cadeira, sem camisa me
olhando, enquanto sua irmã tagarela sobre algo. Tiro os olhos dele,
ficando sem graça.
— Ele é bem bonito, né? — Alice sorri.
— Ele, quem? — Damon aparece ao nosso lado, ela fica
parecendo uma estátua, e me viro para ele, ficando do mesmo jeito,
não por ele ter nos pego em flagra falando de outro homem, mas
sim por vê-lo tão próximo apenas com um short vermelho.
Seu abdômen definido é de encher os olhos, desço as vistas
por seu corpo.
— De quem mais estaríamos falando se não fosse de você? —
digo sentindo meu rosto quente por ter dito isso.
— Claro que era sobre mim — diz sabendo que é mentira.
— É... Eu vou avisar a minha mãe sobre a torta. — Sorri sem
graça e praticamente corre daqui me deixando com meu demônio
particular.
Olho para ele, que me observa dos pés à cabeça.
— Não é muito pequeno esse biquíni? — pergunta com a
sobrancelha arqueada, maldita mania.
— Este é o mais decente que tenho — brinco com ele.
— Espero que não os use tão cedo, colocarei na minha lista
para comprar peças novas. — Senta-se na espreguiçadeira ao meu
lado.
— Lista? — pergunto curiosa.
— Não sabe o que é? — rebate fazendo-me rir.
— Deveria ser legal mais vezes, sabia? Fica mais bonito —
digo e me arrependo em seguida.
— Mais bonito... — analisa minhas palavras. — Não se
acostume, não sou sempre assim. — Seus olhos verde-
acinzentados me fitam.
— Posso me acostumar com isso.
Depois de uma tarde regada a muitos mergulhos na piscina e
até uma brincadeirinha de Damon comigo, me senti mais próxima
dele. Saio da piscina pela milésima vez e me deito novamente,
acabada.
— Nunca vi alguém gostar tanto de água como você — Damon
comenta deixando seu livro na mesa ao lado da espreguiçadeira.
— Amava quando meu pai me levava aos domingos para nadar.
— Sorrio lembrando.
— Sente muita falta dele?
— Sinto, muita. Eu e meu pai éramos muito próximos.
— Imagino sua dor. — Suspira. — Que tal se aos domingos eu
te levar para nadar? — pergunta me deixando surpresa.
— Não está mentindo, está? — pergunto desconfiada.
— Por que eu estaria? — Me fita.
— Sei lá, só é estranho — digo, por fim arrancando um meio
sorriso dele. — Ei, vamos tirar uma foto bem casalzinho? Quero
postar no meu perfil — sugiro zoando.
É agora ou depois que ele irá surtar?
— Cadê seu celular? — ele pergunta.
— O que aconteceu com você? — pergunto medindo sua
temperatura.
— Vai logo, antes que eu mude de ideia. — Ele estende a mão.
Sem nem pensar duas vezes, o entrego. Sorrimos para a tela e
em seguida ele me entrega o celular. Observo seu sorriso e o
quanto parece ser sincero.
Fico observando as pessoas que estão ali presentes e no lugar
em que eu estou. Quando foi que eu pensei que estaria noiva de um
multimilionário e que meu cotidiano seria luxo e coisas caras?
Damon está conversando com seu pai em algum lugar da casa
e eu agora estou sentada em sua cadeira vendo as proezas que
acontecem na piscina.
Observo Alice brincar na piscina de galo de briga, nas costas de
um amigo da família, e Laura, nas costas de Matteo. Por um
momento penso que minha cunhada vai perder, mas ela agarra os
cabelos da prima e a derruba na água. É uma cena bela de se ver,
tenho que admitir.
A risada de Alice ecoa por todo o jardim, já Laura está com cara
de poucos amigos por ter sido derrubada na água pela terceira vez.
Vejo Damon aparecer no jardim conversando com sua mãe,
seus cabelos agora estão secos e desgrenhados, o que o deixa
ainda mais bonito.
O vento bate em seu rosto fazendo os fios caírem nos olhos,
ele passa a mão jogando para trás e dá risada de algo que sua mãe
fala. Fica tão lindo e sexy descontraído, seus sorrisos são um mais
encantador que o outro.
Ele me olha e arqueia uma das sobrancelhas, sorrio para ele,
que revira os olhos, ele está realmente revirando os olhos? Depois
de um tempo, vem ao meu encontro, sentando-se na cadeira ao
lado da espreguiçadeira em que eu estou.
— Quer ir embora? — pergunta.
— Você que sabe.
— Podemos ficar mais um pouco, amanhã teremos uma
reunião com a Sra. Campbell, pedirei ao John para te buscar.
— Ok — digo encerrando o assunto. Matteo e Laura se
aproximam de nós.
— Oi, Dom. — Ela senta entre as pernas do meu noivo.
Seu corpo está colado no dele, olho essa cena e decido não
prestar atenção.
— Há outras cadeiras aqui, Laura — ele reclama.
— Eu sei, mas prefiro sentar aqui — diz com um sorriso
malicioso brincando em seus lábios. — Como nos velhos tempos —
ela completa, olho de relance e a pego me fitando.
Damon percebe o que está acontecendo e se levanta.
— Se quer tanto se sentar aí, fique à vontade — diz apontando
para o lugar de onde acaba de se levantar.
— Ah, Dom, você entendeu. — Revira os olhos.
— Questo non succederà più, Laura (Isso não vai mais
acontecer, Laura) — Damon diz com um sotaque forte.
Por que ele está falando em italiano com ela?
— Perché no? Questa mucca non ti soddisfa (Por que não?
Essa vaca não vai lhe satisfazer) — fala irritada.
— Non sono affari tuoi (Não é da sua conta) — fala tentando
manter a voz calma. Matteo se aproxima mais, ficando ao lado da
irmã. — So cosa stai facendo, faresti meglio a uscire. Lei è la mia
donna, non tua, che hai già perso (Eu sei o que está fazendo, é
melhor sair fora. Ela é minha mulher, não sua, isso você já perdeu)
— ele fala apontando para Matteo.
— È quello che pensi (É o que você pensa) — diz piscando o
olho para Damon.
— O que vocês estão falando? — pergunto olhando para
Damon.
— Nada de mais — Matteo diz.
— Pensi che io sia stupido? Mi sottovaluti troppo (Vocês acham
que sou idiota? Vocês me subestimam demais) — digo me
levantando da cadeira, pego minhas coisas e vou para longe.
Alguém não fez o dever de casa direito. Visto meu short e
ponho uma blusa, amarro os cabelos e saio à procura de John. O
encontro na garagem conversando com os outros motoristas.
— Senhorita? — diz vindo até mim.
— Poderia me levar para casa? — pergunto.
— É claro, o Sr. Lins não vem? — pergunta olhando na direção
da piscina.
— Não, não agora.
— Tudo bem. — Abre a porta do carro e eu entro, em segundos
já estamos saindo da propriedade.
Encosto a cabeça na janela e respiro fundo.
— Desculpe perguntar, mas aconteceu algo? — o motorista
pergunta com a voz baixa.
— John, Damon e Laura já tiveram algo? — questiono
buscando seus olhos pelo retrovisor, ele volta a atenção para a
estrada e fica em silêncio. — Por favor — insisto.
— Eu não sei dizer se eles de fato tiveram algo além do sexo.
— Já imaginava.
Trinta e um
Fico olhando para a tela do celular na esperança de que ele
mande alguma mensagem ou me ligue, mas isso não acontece.
Guardo meu livro na mesa de cabeceira, me acomodo na cama e
trato de dormir.
Acordo com uma sensação diferente, eu estava ansiosa para
ver Damon novamente. Tomo banho e me arrumo colocando uma
calça jeans e uma blusa preta, saio de casa mais cedo e dou uma
volta no parque, tomando um café quente.
Quando dá meu horário, vou para o trabalho. A agitação toma
conta da manhã como sempre. Quando meu expediente já está para
acabar, sou chamada na sala do Sr. Arthur.
— Thayla? Por favor, entre — diz sentando-se na cadeira de
seu escritório.
Entrei aqui poucas vezes e em todas não houve coisas boas.
— Olha, eu não fiz nada de errado, não dessa vez. Tá bom que
eu coloquei sal em vez de açúcar no café de um senhor que tinha
provavelmente pressão alta, mas ele não passou mal nem nada.
— Não é nada disso... Você fez o quê?
— Ah, é claro, só estava brincando. — Sorrio nervosa. Ele
estreita os olhos para mim. — O que quer falar?
— Haverá um evento para empresários do ramo alimentício e
eu gostaria que você e Ana fossem comigo.
— Que dia?
— Daqui a dois dias. Vai ser pela noite, posso te dar folga em
troca. — Ele me olha esperando uma resposta.
Não seria nada mal uma folga.
— Tudo bem. — Sorrio.
— Ok, conversamos sobre os detalhes depois. — Ele me libera
de sua sala.
Vejo, pela janela do salão, John na calçada me esperando,
pego minhas coisas e vou embora.
— Acho melhor avisar a senhorita de que o Sr. Lins não está
nos melhores dias — John me fala assim que abro a porta para sair
do carro.
— Quando ele não está? — faço chacota.
Entro na casa sendo recebida por uma mulher diferente, ela
veste um tubinho preto justo, saltos muito altos da mesma cor e
cabelos penteados em um coque elegante.
— O que está fazendo aqui? A entrada dos empregados é lá
atrás — diz batendo palminhas, olho para ela por algum tempo e
respiro fundo.
— Não sou empregada.
— Não? — Me mede dos pés à cabeça.
— Não, onde está Damon? — pergunto já ficando irritada.
— Damon está no escritório — ela diz com sua voz irritante.
Damon? Quanta intimidade.
— Quem é você? — pergunto.
— A nova governanta da casa.
— Ok, então presumo que para você seja o Sr. Lins — digo
passando por ela.
Idiota.
— Oi, Ágatha — cumprimento e vejo que, estranhamente, está
limpando o chão.
— Por que está aí?
— Olá, senhorita. Nova função. — Ela sorri fracamente.
— Damon? — pergunto.
— Não. — Ela olha de soslaio para a mulher atrás de mim.
— Tudo bem, volto já. — Caminho decidida para o escritório.
Bato à porta e ele permite minha entrada. Vejo-o sentado
balançando seu copo de whisky e massageando a têmpora com a
outra mão. Ele olha para mim e sua cara não está nada boa.
— Oi — digo sentindo toda minha coragem indo embora.
Ele não me responde, apenas me encara por longos segundos.
— Posso saber o que merda passou na sua cabeça ontem? —
pergunta num tom calmo extremamente falso, sei que ele está
irritado.
— Antes de falarmos sobre isso... Por que você tem uma nova
governanta? — pergunto fugindo dele.
— É sério isso? — interpela passando as mãos nos cabelos.
— Sim, porque ela acabou de ser extremamente grossa
comigo. E ainda colocou Ágatha para esfregar o chão, isso é função
dela? — pergunto.
— Ela é a governanta, faz as mudanças que quiser — diz um
pouco alto.
— Mas com sua autorização — retruco.
— Ok, Thayla. Você não será a Sra. Lins? Responsabilidade
sua resolver essas coisas, então resolva...
— Mas a casa é sua, não minha — digo o olhando duro.
— Será sua pelo tempo que permanecermos casados. — Ele
cruza os braços e me encara.
— Isso não passa de um contrato, não tem nada meu aqui.
— Por que complicar, Thayla? Não estou com paciência. A Sra.
Campbell deve chegar em uns 20 minutos, enquanto isso vá
resolver os seus problemas, que irei resolver os meus. — Dá a volta
na mesa e se senta em sua poltrona, tomando um novo gole do
whisky.
Caminho de volta para a sala, encontrando com a espanta-
assombração dando diversas ordens. Sento-me no sofá e fico
observando o modo grosseiro dela com as meninas.
— Isso ainda está podre, tem que esfregar mais — grita para
Ágatha, levanto e caminho devagar até elas.
— Ágatha, qual era a sua função? — pergunto vendo-a se
matando no chão, que já está branco até demais.
— A função dela é limpeza — a governanta fala.
— Qual seu nome? — pergunto a ela.
— Ambrósia — diz.
Parece nome de verme.
— Por um momento achei que seu nome também fosse Ágatha
— digo e volto a atenção para a garota agachada. — E então?
— Eu arrumo os quartos, recolho as roupas sujas e ajudo na
cozinha — diz de cabeça baixa.
— Pois bem, levante-se e volte às suas funções anteriores —
digo, vendo o alívio no rosto dela.
— A governanta aqui sou eu — Ambrósia diz batendo os pés
freneticamente.
— Exato, uma funcionária da casa, ninguém aqui é melhor que
ninguém. Por favor, comece a tratar suas colegas de trabalho
melhor.
— Eu não sou qualquer uma, trato como eu quiser, não vai ser
você a mudar isso.
— Então não deveria estar aqui. Se quiser continuar, terá que
ser assim, caso contrário a porta é logo ali — digo firme.
Ela dá risada da minha cara, continuo séria.
— Cadê Damon? Isso é inadmissível — desdenha de mim.
— Mas o que está havendo aqui? Posso saber?
Estou tentando trabalhar, e vocês estão me atrapalhando. —
Damon aparece saindo no corredor, enfurecido.
— Ah, que ótimo. — Se aproxima dele.
— Ótimo mesmo — digo cruzando os braços. — Esta mulher é
desrespeitosa com as funcionárias e comigo. — Encaro Damon, que
me olha de volta com seus olhos verde-acinzentados.
— Só estou tentando discipliná-las — retruca.
— Discipliná-las? Aqui é alguma escola? Ou você é mãe dos
empregados? Faça-me o favor, você é uma pessoa extremamente
arrogante.
— Damon? Vai deixá-la falar assim comigo? Faço meu trabalho
e ainda sou humilhada? — Ela está se fazendo de vítima?
A minha vontade é de voar na cara dela, mas me contenho.
— Mas que porra, calem a boca. — Ele massageia a têmpora.
— Ambrósia, não quero saber de suas idiotices, lhe pago para
trabalhar, e não ficar tratando mal meus empregados e a minha
noiva — diz fazendo-a me olhar de soslaio um pouco surpresa, mas
não diz nada.
— Thayla, resolva essa situação da maneira que achar
necessária; se quiser despedi-la, faça. Mas me deixem trabalhar,
caso contrário não serei tão simpático da próxima vez. — Nos dá as
costas e sai da sala.
Ambrósia fica estatelada no lugar, sem acreditar no que ele
disse, e eu de certo modo também não estou acreditando.
— E então? — pergunto.
— Ok — ela diz. — Ágatha, por favor, volte a sua antiga função.
A mulher assente e sai da sala praticamente correndo.
— Pedirei que façam um uniforme para você.
Ela me olha com raiva, mas assente.
— Onde está Alice? — pergunto.
— Ela foi ao Centro, logo retornará. Licença — pede com
gentileza e se retira, parece até outra mulher.
Um tempinho depois a Sra. Campbell aparece.
— Desculpe a demora, tive um imprevisto. Onde está o Sr. Lins
para começarmos? — pergunta.
— Vou chamá-lo. — Sorrio.
Passo pelo corredor e o jardim de inverno, encontrando o
escritório dele. Bato à porta e logo em seguida entro.
— Damon? A Sra. Campbell já chegou.
Ele para de assinar os documentos e olha para mim. Sua
expressão não está muito boa, ele passa as mãos nos cabelos e
umedece os lábios para falar, que visão...
— Ok, já estou indo. — Suspira baixo e massageia a têmpora.
— Já tomou algum remédio? — pergunto fitando-o.
— Não e nem vou. Odeio remédios.
— Parece uma criança, onde é o banheiro? — pergunto.
— Ali. — Ele aponta para uma porta do mesmo tom que a
estante de livros, quase não dá para perceber.
Caminho até lá, procuro no kit médico remédio para dor de
cabeça. Volto para o escritório, pego uma garrafa de água e um
copo em cima do frigobar e, quando estou próximo da sua mesa, tiro
o copo de whisky de perto dele, atraindo seus olhos para mim.
Derramo todo o líquido na lixeira, ele para totalmente o que estava
fazendo e me encara.
— Sabe quanto custa a garrafa desse whisky? — Cruza os
braços, descansando as costas no encosto da cadeira.
— Não e nem quero, toma. — Estendo remédio para ele.
— Não vou tomar isso, Thayla — diz se levantando, seguro seu
ombro fazendo-o sentar novamente.
— Vai sim, anda. — Sento na mesa em frente a ele e observo
seu rosto corado.
Damon está com vergonha? Ponho a mão em seu rosto e vejo
que eu estava totalmente errada.
— Damon, você está queimando em febre. Vamos agora para o
hospital.
— Não vou a lugar algum.
— Que turrão. — Bufo irritada. — Ou você vai ao hospital ou
você toma a porcaria do remédio. — Ele me olha por alguns
instantes e pega o remédio de minhas mãos. — Bom garoto. —
Sorrio de lado. — Já chega de trabalho por hoje, vai tomar um
banho e descansar, se não quer ir ao médico.
— É impressão minha ou você está querendo mandar em mim?
— Você deveria ser menos ranzinza, nem doente dá uma
trégua.
— E por que eu deveria? — Levanta me prensando contra a
mesa, põe uma mão de cada lado do meu corpo, ficando perto de
mim.
— Porque no momento você precisa de ajuda, mas não
colabora — digo um pouco receosa pela sua aproximação.
— Ok.
— Ok? O quê? — pergunto confusa.
— Eu deixo você cuidar de mim. — Pisca me deixando
desconcertada.
— Pelo visto já está delirando de tanta febre. — Ponho a mão
em sua testa quente.
— Entenda como quiser. — Se afasta de mim, caminhando
para longe da mesa.
— Então vai tomar banho? — pergunto.
— Só se for comigo — ele diz e olha para trás.
— É-é o quê? — gaguejo.
— Você é surpreendente. — Dá risada.
— Hum... Vou pedir a Sra. Campbell para vir outro dia — digo
passando por ele praticamente correndo, meu coração está
acelerado como nunca, por que ele está brincando tanto comigo?!
Respiro fundo diversas vezes.
— Desculpa a demora, mas é que Damon não está se sentindo
bem. Podemos deixar para outro dia? — pergunto sorrindo amarelo.
— Sem problemas, estimo melhoras, agendarei outro horário
com a secretária dele.
— Obrigada. — Aperto sua mão e a espero sair.
Ágatha passa apressada com algumas roupas na mão.
— Ágatha? — chamo.
— Oi, Srta. Walther.
— Damon comeu alguma coisa hoje?
— Não quis comer nada — ela diz, já era de se esperar.
— Pede na cozinha para fazer algo leve para ele, por favor?
— Certo. E obrigada por mais cedo — diz tímida, e sorrio para
ela, que logo sai.
Trinta e dois
Ouço o barulho do chuveiro ligado, então desço para ver se a
comida já está pronta. Entro na cozinha ouvindo as cozinheiras
fofocarem.
— Se acha só porque o Sr. Lins já transou com ela — uma
delas diz.
— Uma pena ela achar que ele é exclusivo dela — a outra fala
e cruzo os braços sentando-me numa cadeira ao lado da mesa,
para saber um pouco mais dessa história, de quem elas estão
falando.
— Não é? Tadinha, mas eu os ouvi mais cedo, as coisas não
parecem estar muito boas para ela.
— De quem estão falando? — interrompo, uma grita colocando
a mão na boca e a outra me olha assustada.
— Senhorita, está aí há quanto tempo? — a mais velha
pergunta com a mão agora no coração.
— Tempo suficiente — digo. — De quem estão falando?
— Srta. Ambrósia — a outra diz.
— Então eles têm um caso? É isso? — pergunto fingindo
irritação.
— Não, não mais — ela diz desesperada. — Pelo que eu o ouvi
falar com ela mais cedo, ele não quer mais nada com ela, em
respeito à senhorita — ela diz e a outra assente com a cabeça
repetidas vezes.
— Ok. Esqueçam o que me contaram, que eu esqueço o que
ouvi, agora parem de ficar fofocando. A comida já está pronta? —
pergunto.
— Sim — dizem em uníssono.
— Eu vou levar para ele — digo e elas preparam uma bandeja.
Encontro-o vestido num conjunto de moletom, secando os
cabelos na toalha. Seu corpo treme pelo frio, mas ele tenta disfarçar.
— Vai ter que tomar um antitérmico — digo colocando a
bandeja na cama e indo até ele.
— Mais remédio? — questiona com a voz rouca.
— Quer ir ao hospital? — pergunto e ele congela.
Ponho a mão em sua testa e vejo que está mais quente,
arranco a toalha de suas mãos e começo a secar seus cabelos. Ele
me olha de um jeito estranho, mas fica quieto. Depois que já estão
secos, coloco a toalha no cesto e ele se deita na cama se cobrindo
com o cobertor.
— Agora você precisa comer — digo pegando a bandeja,
colocando no colo dele, e destampo revelando uma sopa muito
cheirosa.
— Estou sem fome!
— Precisa comer do mesmo jeito, será que vou ter que lhe dar
na boca e fazer aviãozinho? — pergunto já segurando a colher.
— Me dá isso aqui. — Ele pega o talher de minha mão e
começa a tomar a sopa.
— Onde está o John? — pergunto.
— Resolvendo algumas coisas da empresa que pedi, por quê?
— Preciso falar com ele, me empresta seu celular?
Damon me entrega o aparelho, procuro o contato do John e
tento ignorar as inúmeras mensagens de mulher no seu telefone.
Pelo visto ele não respondeu a nenhuma delas, mas é estranho ver
isso.
Ligo para John e peço para ele trazer alguns remédios e um
termômetro também.
Enquanto ele come, resolvo me sentar no lado vago na cama,
fico besta ao notar algo em sua mesa.
— Quem diria que o livro de cabeceira do Grandioso Damon
Lins é nada mais, nada menos que Orgulho e Preconceito, da Jane
Austen — zombo, Damon é uma caixinha de surpresas.
Ele não me diz nada, apenas continua tomando a sopa, abro o
livro onde está marcado e leio um pequeno trecho.
— "Ela é tolerável, mas não bela o bastante para me tentar.
Não estou com ânimo no momento para consolar jovens rejeitadas
por outros homens."
— Isso eu tenho que concordar — comenta presunçoso.
— Devo te chamar agora de Sr. Darcy? Vocês são irmãos
separados por séculos, são iguais até na arrogância — digo caindo
na risada.
— Tão engraçadinha — ele diz deixando o prato de lado e se
ajeitando na cama.
— Agora saia do quarto, minha médica disse que preciso
descansar — fala com desdém.
— Não mesmo, pode descansar, vou ficar aqui lendo seu livro.
— Balanço o livro no ar, ele me olha como se eu fosse uma louca e
vira-se de costas para mim.
— Ok, Lizzy — ouço-o dizer baixo.
Sorrio com suas palavras, poderia interpretar de um modo
diferente, mas prefiro não ficar me iludindo.
Alguns minutos depois, John adentra o quarto com o que eu
pedi, e agradeço a ele, que logo se retira.
Me aproximo de Damon vendo-o dormir tranquilamente, seus
cabelos ainda úmidos estão caídos no rosto. Passo a mão por eles
tirando os fios. É difícil decidir qual lado de Damon é melhor, podem
me chamar de louca, mas não tenho como escolher um. Sua versão
demônio tem um jeito dominador, sexy e elegante que exala puro
poder; já o anjo eu conheço tão pouco, mas sei que no fundo é
muito mais que isso.
Ponho a mão em seu rosto ainda quente e minha vontade é de
passar o tempo que for necessário apenas observando cada traço
de seu rosto e guardá-los na memória.
Eu quero estar enganada, preciso estar enganada em relação
aos meus sentimentos, não posso crer que estou apaixonada por
ele... Como isso foi acontecer?
Esse é um dos motivos principais desse contrato, não termos
sentimentos um pelo outro, mas é difícil resistir a ele. Acaricio seu
rosto lentamente, sentindo sua pele macia em meus dedos, alguns
segundos se passam até que ele abre os olhos que eu amo ver.
— Precisa tomar o remédio — digo baixo sem sair ainda do
meu lugar.
Tiro a mão devagar e me levanto. Pego o remédio e o entrego
com um copo de água, ponho o termômetro debaixo de seu braço e
depois de um tempo ele apita.
— 38.3 — digo. — Se não abaixar, teremos que ir ao hospital
de qualquer forma.
Ele assente ainda sonolento e volta a dormir.
Resolvo tomar um banho e, quando termino, coloco uma blusa
de Damon. Arrumo os cabelos em um coque, saio do quarto levando
a bandeja para a cozinha e encontro Alice conversando com John.
— Oi, ia lá em cima agora, acabei de chegar. Como ele está?
— ela pergunta preocupada.
— Com febre, tomou um remédio e agora está dormindo. —
Sorrio a tranquilizando.
— Tudo bem, se quiser ir para casa eu fico com ele, sem
problemas.
— Não vou conseguir ir para casa, não com ele desse jeito. —
Suspiro cansada. — Dormirei aqui e, caso ele não melhore, vou
levá-lo ao hospital — digo e ela me olha estranho. — O que foi?
— Damon tem pavor de hospital desde que...
— Desde que o quê?
— Esquece isso, desculpa, mas é algo que não cabe a mim
falar. — Ela sorri fracamente, beija meu rosto e sobe as escadas.

Acordo na madrugada um pouco assustada, não vi a hora em


que adormeci. Olho para o lado não encontrando Damon, onde ele
está?
— Damon? — chamo.
Levanto-me da cama e aperto sua camisa mais no meu corpo.
Está um pouco frio, a porta da varanda está aberta, vou até lá e
fecho. No quarto ele não está, saio corredor afora e desço as
escadas procurando por ele. Ouço um barulho na cozinha, encontrei
você.
Caminho devagar até lá e encontro Damon em frente à
geladeira, ele está inclinado olhando o que há e fala algo baixo. Eu
me encosto no batente da porta e cruzo os braços, observo suas
costas largas e o quanto é bonito.
— Sentiu minha falta na cama? — pergunta fazendo-me tomar
um susto.
— Como sabia que eu... Esquece. — Reviro os olhos. — Na
verdade não, mas eu queria saber como estava meu paciente, então
vim te procurar — digo sorrindo.
— Mente tão mal — ele desdenha. — Estou bem.
— Bem mesmo? — Arqueio uma sobrancelha. — Por que não
está na cama?
— Não é óbvio? Estou com fome — diz sarcástico.
— Ok, Sr. Ranzinza — digo levantando as mãos.
Vou até a geladeira e pego algumas coisas para fazer um
sanduíche. Faço um para mim e um para ele, pego a jarra de suco
de laranja na geladeira e ponho nos nossos copos.
— Prontinho — digo colocando tudo em sua frente. — Se
estiver ruim, acho melhor dizer que está bom, e muito bom.
Ele pega o sanduíche e dá uma mordida, alguns segundos
depois começa a tossir.
— O que colocou aqui? — ele pergunta.
— Queijo, pasta de amendoim...
— Sou alérgico a amendoim — fala rouco, sua respiração fica
pesada e ele começa a tossir muito.
— Por que merda não me falou isso antes? — pergunto
desesperada. — Vou ligar para a emergência — digo levantando-me
do banco pronta para correr, mas a risada alta e grossa de Damon
ecoa pela cozinha me fazendo parar. — Seu cretino, você quer me
matar do coração? — Bato em seu peito com força. — Você não
morreu com essa pasta de amendoim, mas agora vai morrer com
minhas mãos. — Dou outro soco nele ainda irritada.
— Ai — ele geme de dor quando acerto seu braço, mas
continua rindo da minha cara. — Faz parte do tratamento bater nos
pacientes? Vou te demitir — ele diz segurando minhas mãos.
— Eu vou quebrar esses seus dentes perfeitos se você brincar
comigo de novo desse jeito. — Puxo as mãos bruscamente e me
sento no banco.
— Mas que esse sanduíche está ruim... está — ele diz dando
de ombros. — Isso pode matar alguém de verdade. Como você
consegue estragar um sanduíche? — Ele me olha intrigado.
Nunca fui boa na cozinha, sempre fui desastrada, colocava os
temperos errados, minha mãe tem trauma até hoje e não gosta que
eu nem em sonho chegue perto da cozinha dela.
— Nem é para tanto, deixa de ser ingrato. — Bufo irritada.
— Sua boca está suja — ele fala me olhando.
— Onde? — Dou risada e passo a mão.
— Aqui. — Ele passa o dedo no canto da minha boca limpando.
Paro de sorrir aos poucos e ele me olha no fundo dos olhos. É
como se ele pudesse ver minha alma, fico absorta, perdida nesses
olhos. Seu dedo acaricia meu lábio inferior, e fecho os olhos
sentindo a sensação do seu toque gélido no meu rosto. Abro os
olhos e aproximo meu corpo do seu, ficando a poucos centímetros
de nos tocarmos. A cor dos seus olhos se escurece e o cinza
predomina me deixando ainda mais fascinada por ele.
— Por favor — digo baixinho, sentindo meu rosto esquentar.
Eu quero ser dele e, como se minhas palavras fossem o que
faltava, ele gruda seu corpo no meu. Junto as mãos em volta de seu
ombro, ele aperta minhas coxas e me levanta, fazendo-me enlaçar
as pernas em torno de sua cintura. Beija meu pescoço seguindo o
rastro do meu ombro até o lóbulo da orelha, onde morde devagar
me fazendo gemer baixo, enquanto sua mão aperta minha cintura
forte, trazendo um arrepio para o meu corpo. Suas mãos sobem por
minha camisa e seu polegar roça o meu seio, então me coloca
sentada no balcão, afastando-se para me olhar.
— Tem certeza? — ele pergunta, sua voz está rouca e baixa.
— Sempre fui insegura para minha primeira vez, mas... nunca
tive tanta certeza como agora.
— Primeira vez? Não achei que fosse verdade — fala confuso.
— Sim — sussurro tão baixo que nem eu mesma consigo ouvir
minha voz.
— Eu não posso, Thayla. — Nega com a cabeça e se afasta de
mim.
— Mas por quê? — pergunto mais confusa que ele.
— Por que não, isso mudaria tudo. Desculpe-me — ele diz e sai da
cozinha.
Trinta e três
Acordo no quarto de hóspedes, achei melhor dormir aqui. Não
vi Damon depois que saí da cozinha e a porta de seu quarto estava
fechada.
Vejo minha roupa dobrada na poltrona no canto do quarto, ela
não estava ali antes, Damon veio aqui? Levanto-me e vou ao
banheiro. Depois da higiene básica, coloco minha roupa e saio do
quarto. Caminho pelo corredor e observo uma nova pintura ali, será
que foi ele quem pintou?
É a metade do rosto de uma mulher, a pintura é muito bonita e
sofisticada, apesar das poucas cores. Os olhos são castanhos como
os meus, seus lábios estão bem marcados, com uma cor rosada, e
seus cabelos cobrem um pouco do seu rosto. Apesar de não saber
de quem se trata, eu sei que minha mente a liga a alguém muito
familiar.
As íris manchadas indicam seu choro, a pintura transmite tanta
emoção que minha vontade também é de chorar.
— Licença — ouço a voz de Damon logo atrás de mim.
Fecho os olhos me lembrando da noite anterior e dou um passo
para a frente dando espaço para que ele passe.
— Bom dia — digo baixo. — Está melhor? — pergunto sem
olhar para ele.
— Sim — responde. — Você não tinha obrigação de ficar e
cuidar de mim.
— E você queria que eu fizesse o quê? Fosse embora e te
deixasse aqui doente? Não sei se sabe, mas eu tenho um coração.
— Sorrio amarga e o encaro.
— Pois não deveria ter, para seu bem — fala um tanto ríspido e
caminha me deixando sozinha no corredor.
Recupero o fôlego e sigo escada abaixo; cumprimento alguns
dos empregados e pergunto sobre John.
— Ele está do lado de fora aguardando a senhorita — Ágatha
me responde.
— Obrigada — digo indo até lá.
Alice ainda está dormindo, então não irei me despedir, me
aproximo de John, que sorri para mim.
— Bom dia, poderia me levar para casa? Ainda preciso
trabalhar — digo revirando os olhos.
— Bom dia, Thayla. Claro, estava apenas aguardando a
senhorita. — Ele abre a porta para mim.
Quando vou entrar, ouço Damon me chamar, olho para trás
encontrando-o parado com as mãos nos bolsos do terno, sua
postura ereta e o semblante sério lhe dão um charme particular.
— Oi — respondo, ele faz um sinal com a cabeça me
chamando para perto, e meio temerosa caminho até ele. — O que
quer?
— Apenas comunicar que nosso casamento está marcado para
daqui a quatro dias — fala com a maior naturalidade.
— Quatro dias? Isso é pouco tempo — digo nervosa.
— Com dinheiro tudo é fácil de se resolver. Minha mãe te ligará
para conversarem sobre isso, ela vai te ajudar em tudo. Se caso
perguntar o porquê da pressa, invente algo — sugere.
— Ah, claro, não se esqueça que essa merda de contrato não
traz apenas benefícios para mim, mas para você também. Não irei
me casar sozinha, então faça o favor de me ajudar — digo
apontando o dedo em seu peito.
— Qual o teu problema, garota?
— Eu que pergunto qual é o seu problema? Você me deixou
plantada ontem na cozinha e correu como se fosse um garotinho
para sua cama — respondo tentando conter minha raiva, eu queria
estapeá-lo, mas ele pega em meu braço e me puxa.
— Você não faz o tipo de mulher que eu costumo ter na cama.
Entenda — sua voz faz meu corpo vibrar, ele está muito irritado. —
Você não me atrai, não sinto desejo por você, acorda, garota. Se
está insatisfeita com isso tudo, é só desfazer o contrato, mas eu
aposto que você tem muito mais a perder do que eu. — Ele solta
meu braço me afastando dele. — Já ia me esquecendo de um
detalhe, toda a papelada da clínica de tratamento da sua mãe está
pronta, se quiser amanhã mesmo ela pode se internar — diz e entra
me deixando aqui, sem ter muito o que dizer.

Agora à noite acontecerá o tal evento para o qual Arthur me


convocou junto com Ana. Queria muito ter dito não, pois estou muito
cansada depois de ter corrido dois dias com Cristina e Alice para
acertar detalhes do casamento. A ornamentação e o local para a
festa até que foram fáceis, considerando o pagamento exorbitante
da taxa de urgência, difícil estava sendo a igreja. Tive que dar a
minha melhor cara de mulher apaixonada quando o padre me
perguntou o porquê da pressa de nos casarmos.
Amanhã iremos a um estilista para tirar as medidas para o meu
vestido, que Damon já pré-selecionou.
Além disso ainda iremos fazer a degustação do menu da
recepção.
Eu acho um grande desperdício de dinheiro ter que fazer uma
festa grande assim.
Se ele tivesse pedido a minha opinião, ia descobrir que eu
preferiria uma cerimônia pequena, sem muitas extravagâncias. Pelo
menos foi o que sempre pensei para o meu real casamento, mas
essa não é a situação em que me encontro.
Além disso, os Lins nunca realizariam um casamento ou
qualquer outra coisa do tipo de forma simplória.
Fito meu corpo no espelho, pela terceira vez me certificando de
que o vestido preto com corte simples, mas decotado, é apropriado.
Faltando dois minutos para Arthur chegar, decido que é com este
mesmo que eu irei. Meus cabelos já estão arrumados e meu rosto
maquiado, então calço as sandálias e pego a bolsa para descer.
Encontro minha mãe na sala, dando risada de um programa
culinário, vai entender?!
— Mãe, vou descer — aviso e ela me olha de relance.
— Uau, está linda, vai sair com o Damon? — pergunta e posso
ver o brilho em seus olhos.
— Não... Irei a um evento com o Sr. Arthur — digo tentando
parecer tranquila, não vejo Damon desde o episódio na casa dele.
— Ah, sim, tudo bem. Tenha cuidado — ela pede.
Sorrio com suas palavras, aproximo-me dela e beijo sua testa
antes de sair, é impossível não amar essa mulher. Conversei com
ela sobre sua internação e mamãe preferiu ir depois do casamento.
Mesmo sendo tudo uma mentira, eu quero minha mãe ao meu lado,
entrando comigo na igreja. Então ela me prometeu que no dia
seguinte irá para a clínica.
Desço pelo elevador, chego ao térreo e encontro Fred sentado,
lendo seu jornal.
— Fred, quanto tempo. Senti sua falta — digo ao senhor de
cabelos grisalhos que sorri para mim.
— Olá, Srta. Thayla, estava de férias. Mas confesso que
preferia ter vindo trabalhar, estava com saudades de vocês — ele
comenta como se fosse um segredo.
Dou risada.
— Imagino — digo e ouço a buzina de um carro parado na
porta do prédio.
Vejo Arthur sair de um Audi R8 e parar ao lado da porta para
abri-la para mim.
Uau. Ele está muito bonito, muito bonito mesmo, em um terno
azul-marinho. Seus cabelos estão muito bem penteados, e a barba
dá um toque diferente nele. Seus olhos verdes me fitam e logo sorri.
— Tchau, Fred, até mais tarde — despeço-me e ele acena.
Caminho para fora e sigo até o carro.
— Boa noite, está linda — diz com a voz suave, me fazendo
corar.
— Boa noite, senhor, obrigada — agradeço timidamente.
— Não estamos no trabalho, Arthur já está de bom tamanho.
Entre, ou iremos nos atrasar — ele diz com a voz aveludada.
Parece um homem totalmente diferente daquele que conheço
da loja, está mais tranquilo e relaxado. Tenho que admitir, a cafeteria
não é fácil de administrar, ainda mais quando ela é uma das
melhores da cidade.
— Onde está Ana? — pergunto quando ele entra no carro.
— Não pôde vir, a avó não estava muito bem e Ana precisou
ficar cuidando dela — explica ligando o carro e indo para a pista.
— Entendi — digo pensando que agora seremos apenas nós
dois e talvez isso seja um pequeno problema; se a imprensa me vir
com ele e tirar fotos, especulará mil e uma coisas.
Suspiro baixo.
— O que foi? — ele pergunta tirando os olhos da estrada por
alguns segundos, me fitando.
— Nada. — Sorrio amarelo. — Posso te fazer uma pergunta?
— Se eu puder responder, sim — ele diz calmo.
— Quantas tatuagens você tem? Vi as que você tem no braço
— digo ao me recordar do desenho de um lobo e outro de uma
caveira.
— Não sei ao certo, mas em torno de trinta, nunca parei para
contar. — Ele sorri, meus olhos e meus pensamentos me traíram ao
tentar imaginar onde essas tatuagens estariam. — Qualquer dia
desses, quem sabe, possa te mostrar e você me ajuda a contá-las.
— Ouço sua risada rouca. — Ficaria encantada com a que tenho
próximo à virilha — diz como se fosse a coisa mais natural do
mundo.
Meu rosto esquenta e é bem provável que esteja inteiramente
vermelho.
— Não seria apropriado. Então não, obrigada. — Sorrio para
não soar grosseira.
— Estou apenas brincando, não me leve a mal. — Ele sorri de
lado. — Chegamos — anuncia parando na porta do evento com
alguns jornalistas.
Merda.
Eu já deveria imaginar que seria coberto por algum jornal, já
que é um evento anual. Arthur deixa o carro e segue até minha
porta, respiro fundo. Ele abre a porta e estende a mão para mim.
Aceito sua ajuda para sair do carro e, assim que estou em pé ao seu
lado, solto sua mão. O jornalista se aproxima de Arthur, perguntando
se poderia dar uma entrevista, já que ele é o dono de uma das
maiores cafeterias de Seattle. Ele concorda e o rapaz faz um
questionário perguntando o que ele acha sobre a feira e sua
importância. Assim que termina e eu consigo entrar no evento,
respiro aliviada.
— Você está bem? — pergunta, parece preocupado.
— Hum, sim. Estou bem. — Sorrio fracamente.
— Ótimo, vamos, preciso assistir a uma palestra importante. Já
deve ter começado.
Assinto e caminho ao seu lado.
O evento é para mostrar as novas tendências e inovações do
mundo no meio alimentício. É bastante interessante, diversos
expositores apresentando todo tipo de produtos, desde maquinários
de café expresso Até novas embalagens com tecnologia de menos
agressão ao meio ambiente.
Não estou nem um pouco a fim de assistir à palestra, mas não
estou aqui para fazer só o que quero, então vou com ele. Entramos
na sala escura, apenas a imagem que passa no telão a clareia, e
um homem de meia-idade está lá na frente explicando o que se
passa no slide.
Trinta e quatro
Sento-me na última fileira e ele me acompanha. Sinto-me
estranha com ele perto de mim.
— Amo esse cara — ele diz entusiasmado.
— Nem sei quem é — admito.
— Você é surpreendente, alguém já te disse isso? — Ele cai na
risada.
Damon... Damon já me disse isso.
— Hum... Não — minto. — Deveria prestar atenção na palestra
— digo revirando os olhos e ele se cala olhando para a frente.
Eu apenas fico perdida em meus pensamentos e não percebo o
tempo passar nem muito menos a hora em que a palestra termina,
as luzes se ascenderam e as pessoas começaram a se levantar.
— Vou falar com o palestrante, se incomoda de esperar um
pouco? — Arthur pergunta.
— Não, vou te esperar lá fora — digo e ele sorri.
Quando vejo uma brecha entre as pessoas, saio da fileira em
que eu estava me enfiando no meio de um monte de homem; há
algumas mulheres, mas a grande maioria do público é masculina.
Sigo o fluxo de pessoas até o lado de fora da sala. Quando me
aproximo da porta, esbarro em alguém, quase caio no chão, mas ele
me segura com força.
— Opa, está tudo bem? — a voz grossa me pergunta.
Fito o rosto do homem à minha frente, tão próximo de mim.
— Sim, desculpe — digo constrangida e me solto reparando
melhor nele, que veste um terno cinza de lapela, justo no corpo.
Seus cabelos loiros são ondulados, dando uma aparência
angelical ao seu rosto, e seus olhos azuis penetrantes são de matar.
— Não deve pedir desculpas. — Sorri e pega minha mão. —
Sebastian Lytiner — se apresenta dando um beijo em minha mão.
— Thayla Walther. — Sorrio para ele.
— A mesma Thayla que vai se casar com o Lins? — pergunta
com a sobrancelha arqueada.
— Sim, a própria. — Sorrio por sua descoberta.
— É uma pena que irá se casar, mas nada impede que eu
participe da sua despedida de solteira — diz e eu caio na
gargalhada.
— Thayla? — ouço a voz de Arthur. — Vamos, querida? — ele
chama calmo.
— Vamos — respondo.
Sebastian nos olha e Arthur aperta sua mão.
— Vixe, a concorrência para a despedida de solteira já está
enorme. — Cai na risada. — Cara, posso passar na sua casa e
vamos nós dois, o que acha? — pergunta a Arthur.
— Do que estão falando? — Arthur pergunta.
— Da despedida de solteira dela, precisamos ir lá animar. —
Arthur dá risada e balança a cabeça negativamente.
— Ela não vai ter despedida de solteira, e eu irei me certificar
disso — uma voz irritada ecoa atrás de nós e eu tenho certeza de
quem se trata, mil vezes merda.
Meus músculos ficam rígidos, viro-me devagar, ficando a
poucos centímetros de distância dele.
— Damon... — Sorrio nervosa para ele. — O que faz aqui? —
pergunto trêmula, eu morrerei agora ou depois?
— Eu que te faço essa pergunta, o que faz aqui? — Me olha
duro, e em seguida, para Sebastian e Arthur logo atrás de mim.
— Não se lembra? Falei contigo que viria ao evento com meu
chefe. — Aperto meus dedos que já estavam gelados.
— Você não me disse absolutamente nada.
— Devo ter me esquecido — digo exasperada, por que merda
ele está fazendo isso?
— Sr. Lins. — Arthur estende a mão para Damon, que o olha.
— Arthur — responde, mas não aperta a mão dele, é visível a
irritação em seu rosto.
Arthur abaixa a mão, sem graça.
— E você garoto? Deveria ter mais cuidado com o que fala —
Damon diz a Sebastian, que está branco como papel, é bom saber
que não sou apenas eu a ficar assim na presença de Damon.
— Foi apenas uma brincadeira, senhor — explica.
— Não tolero esse tipo de brincadeira com minha noiva — diz
bravo.
— Amor? — chamo com a voz trêmula, ponho a mão em seu
ombro e ele me olha. Será que fiz certo em chamá-lo assim? — Foi
apenas uma brincadeira, poderíamos conversar a sós? — pergunto
a Arthur e Sebastian.
— Claro — Sebastian diz e Arthur assente.
— Obrigada, me desculpem — digo constrangida.
Espero que eles saiam e me viro para Damon.
— Por que está aqui? E ainda sem me avisar? — pergunta
impaciente.
— Arthur pediu que eu o acompanhasse no evento, e eu acabei
me esquecendo de te falar quando ficou doente — digo cabisbaixa.
— Você não está me traindo, está? Porque, se eu descobrir,
você estará ferrada comigo — diz passando as mãos nos cabelos,
seus olhos estão escuros de raiva.
— O quê? Como estou te traindo se não temos nada? E eu não
sou qualquer uma.
— Realmente não temos nada, mas você impôs fidelidade, ou
eu estou errado? Caso contrário, irei atrás de alguém agora, já que
na primeira oportunidade que teve você saiu com outro, só porque
recebeu uma recusa.
— Está doido? Eu estou aqui a trabalho, não sei com quem
você andou se relacionando esse tempo, mas eu não sou ela, está
muito enganado se pensa isso. Apesar de isso aqui não ser
verdadeiro... — mostro o anel em meu dedo —, levo a sério o nosso
contrato, então testa ir atrás de outra e você vai me conhecer.
Arranjarei um que não recuse o que eu quero e aí você estará
ferrado; talvez o Arthur ainda esteja disposto a me mostrar suas
tatuagens, então vá em frente. — Empurro seu peito e ele me olha
irritado.
— Vamos embora — diz segurando meu braço.
— Não vou a lugar nenhum com você, vim com o Arthur, então
voltarei com ele. — Me solto de sua mão. — Até mais, noivo —
enfatizo a última palavra.
Caminho a passos firmes para longe dele e sinto seus olhos
queimando as minhas costas, mas não me importo. Passo por um
grupo de homens que me olha dos pés à cabeça, viro-me para trás
vendo-os ainda me secando. Um deles acena e pisca o olho, sorrio
sem graça e volto a olhar para a frente, pois tudo o que eu menos
quero agora é cair ou fazer alguma cagada.
— Ei. — Arthur acena e eu vou até ele. — Tudo bem?
— Ah, sim, está tudo bem. Ele só estava com ciúmes — tento
soar debochada.
— Já era de se esperar, eu também ficaria. — Ele sorri, engulo
em seco.
— Cadê o rapaz? — mudo de assunto.
— Não sei, creio que já foi embora. Vamos visitar a exposição?
— Arthur segura em minha mão e me puxa para caminhar.
Sei que Damon está vendo isso e agora pouco me importa, já
estou ferrada mesmo.
Depois de visitarmos toda a feira, ouço Arthur conversar com
um expositor sobre a possibilidade de fazer uma compra de
produtos para a cafeteria.
— Arthur. — Toco em seu ombro e ele me olha. — Vou ao
banheiro.
— Certo, estarei aqui. — Ele sorri e volta a conversar.
Procuro pelo banheiro e sigo direto para a cabine me aliviar.
Lavo as mãos na pia e observo meu reflexo no espelho. Meu cabelo
está um pouco desgrenhado e o batom já não existe mais nos
lábios, seco as mãos e arrumo os fios antes de retocar o batom.
— Terei que levá-la daqui caminhando ou por cima dos meus
ombros? — ouço a voz no fundo e meu coração acelera.
— O que ainda faz aqui? — pergunto assustada.
— Você acha mesmo que eu não iria ficar para dar o troco? —
Ele sai da parte mais escura e caminha até mim, devagar demais,
com as mãos dentro dos bolsos e a gravata levemente frouxa.
— Por que você é tão infantil? — pergunto.
— Eu sou infantil? Você está quebrando a Cláusula 3.2 de
nosso contrato, está sujando minha imagem, gato preto. E eu sou
infantil? — Ele se aproxima mais e, apesar de sua voz estar calma,
seus olhos entregam o quanto está puto de raiva.
Recebo tanto esse olhar, que já sei de cor e salteado.
— Sabe qual é seu problema? É que você não aguenta me ver
em paz e feliz, que quer destruir tudo. Só vive infeliz, de cara
amarrada, nunca é gentil com ninguém, estou pouco me lixando
para você, Damon. Meu mundo não gira em torno do seu. — Jogo
tudo para fora, posso me arrepender depois, mas é exatamente isso
o que eu quero falar.
— Ok, você pediu por isso. — Ele tira as mãos dos bolsos e
vem até mim; fico tentando entender o que pretende fazer, mas
nada me vem à mente.
Em um movimento repentino estou no ar, debruçada sobre seu
ombro.
— Me desce daqui agora, Damon. De novo isso? — Bato nele
com minha bolsa.
— Agora vai ficar aí — diz e sai do banheiro. — Precisa comer
menos, está bem pesada.
— Vai à merda, eu vou te matar. — Me debato em seus
ombros.
— Se não ficar quieta, seu vestido vai subir e eu não farei nem
um pingo de questão de descê-lo de volta — diz fazendo meu rosto
ficar mais quente do que já estava.
— Eu juro que vou arrebentar o seu nariz — grito batendo em
suas costas, e vejo que estamos indo pelo lado contrário de onde eu
vim. — Pra onde está me levando? Isso é sequestro, me põe no
chão agora ou eu vou começar a gritar.
— Pode ficar à vontade — sua voz é calma.
Vejo um rapaz sair com uma bandeja de dentro da cozinha.
— Ei, me ajuda. Este homem está me sequestrando — digo
alto.
E o rapaz para nos olhando.
— Oi, Sr. Lins, Srta. Walther. — Ele assente tímido e dá risada.
— Ela gosta de fantasiar coisas antes do sexo — Damon diz. —
É mais prazeroso — completa e eu abaixo a cabeça, escondendo o
rosto em suas costas, não podendo deixar de reparar em seu
cheiro.
É sério que ele fez isso? Recordo-me de quando fez o mesmo
na boate, principalmente do tapa que deu em minha bunda, aquilo
foi bem interessante.
— Damon, será que você pode me pôr no chão? — pergunto
fingindo estar calma. — Irei com você, mas me desce daqui, minha
cabeça vai explodir daqui a pouco. — Suspiro cansada.
— Se fizer alguma gracinha, será pior — ameaça, mas me
desce. Fico um pouco tonta, então me encosto na parede.
Quando me recupero, ando por onde ele acaba de passar,
talvez nem perceba que eu estou voltando.
— Pro-lado-de-cá — fala alto e pausadamente.
— Nossa, que cabeça a minha. — Bato em minha testa de leve.
— Estava indo pro lado errado, né?! — Sorrio amarelo, voltando a
andar em sua direção.
Vou na frente e ele logo atrás, que homem chato.
— Deveria parar de me ver como uma criança, sei lidar com
tudo isso. — Movo o dedo no ar fazendo um círculo.
— Se você não se comportasse como uma, quem sabe. Sabe
lidar? Com o quê? Até então não vi nada disso — diz e eu paro.
— Eu sei que no fundo você sente algo por mim, nem que seja
atração, não adianta ficar mentindo para si mesmo. Você acha que
eu não consigo lidar com você, mas é você que não consegue lidar
comigo, não percebe? — O desafio com o olhar. — É sempre você
quem está irritado ou reclamando de algo. — Dou risada.
— Eu? Acorda, menina. O que quer com tudo isso? — pergunta
sarcasticamente.
— Que você transe comigo, não estou pedindo que me ame ou
que se case comigo, porque afinal já vamos nos casar. Então qual o
problema disso tudo? De curtirmos o corpo um do outro? —
pergunto cruzando os braços, eu realmente queria entender isso.
— Problema? Existem vários. Não quero ter que lidar com seus
sentimentos depois, é melhor não nos envolvermos, já disse — fala
grosso.
— Você acha que, só porque vamos transar, irei me apaixonar
por você? Sério isso?
— Você ainda é virgem, Thayla, serei seu primeiro, você sabe o
que significa isso? — pergunta perdendo o autocontrole e passa as
mãos nos cabelos bagunçando-os.
— Sei sim, que não serei mais virgem. Qual o problema? Se
não for com você, será com outro, isso é um absurdo, Damon.
— Porra, entenda. Eu não quero que você seja mais uma
sofrendo ao meu lado, Thayla. Estou fazendo isso para o seu bem,
pare de ser tola. Se quiser fazer com outro, então faça, mas eu não
quero ser responsável por tal ato — despeja tudo em mim, enquanto
um homem passa pelo corredor e nos olha atônito, no mínimo ouviu
o que estávamos falando.
— Está vendo que absurdo? — pergunto ao homem. — Meu
noivo não quer transar comigo só porque tem disfunção erétil —
faço-o pagar na mesma moeda.
— Conheço um ótimo médico, poderia te ajudar — o homem
fala pegando um cartão dentro de sua carteira e entrega a Damon,
que o olha com raiva.
— Obrigada. — Sorrio para o homem. — Talvez agora ele me
queira. — Volto a andar e encontro uma porta que dá para os
fundos, saindo para um jardim.
Pego meu celular e envio uma mensagem rápida para Arthur,
dizendo que já estou indo embora.
— Tudo bem. Você quer? Então terá.
Trinta e cinco
O caminho para casa de Damon foi silencioso, minhas mãos
estavam suando e algo em meu ventre crescia, era difícil de
entender. Quando o carro para em frente à sua casa, demoro um
pouco para sair, é realmente isso que eu quero? Com toda certeza.
Abro a porta e saio do carro, Damon caminha na minha frente
em todo seu louvor, deveria ser proibido um homem ser tão atraente
e sexy assim, isso é pecado. Ele abre a grande porta e eu passo por
ela sem olhá-lo, não sei como me comportar nessa situação. Fico
esperando próximo à escada, as luzes da casa ainda estão acesas
e alguns funcionários ainda arrumam algumas coisas. Damon vem
até mim e põe a mão em minha cintura, impulsionando-me a subir
as escadas, e, quando já estamos no topo, ele me guia pelo
corredor, até o seu quarto. A cada passo dado, meu coração se
acelera ainda mais, a qualquer momento ele se descolará do meu
peito não tenho dúvidas.
Entro no quarto e a chama consome meu corpo, eu estou
quente, minhas bochechas devem estar vermelhas. Damon olha
para mim e termina de afrouxar a gravata antes de tirá-la junto com
o terno.
— Tome banho e venha para o quarto apenas de toalha, não
passe nenhuma loção ou perfume, quero sentir seu cheiro — fala
desabotoando sua camisa de linho.
Não digo nada, apenas vou para o banheiro, tiro minha roupa e
entro no chuveiro, deixando a água abaixar a temperatura do meu
corpo. Depois que termino, saio do boxe e me seco. Saio do
banheiro encontrando-o sentado na beira da cama, apenas de calça
de moletom, ele também tomou banho, e em sua mão está um copo
de whisky. A visão que eu tenho dele é incrível, seus cabelos estão
um pouco desgrenhados e molhados, e ele passa a mão neles,
dando um gole na bebida me olhando. Fico parada tentando saber o
que eu farei agora e aperto mais a toalha em meu corpo, quando se
levanta largando o copo na mesa de cabeceira, caminhando em
passos curtos até mim. Seu semblante está calmo, ao contrário do
meu, que deve estar apavorado.
Agora muito perto, ele caminha devagar em volta de mim, como
se eu fosse uma presa que a qualquer momento fosse ser atacada e
devorada.
Ele para atrás de mim e afasta meus cabelos, deixando-os cair
em meu colo. Minha respiração fica acelerada quando seu nariz
roça no meu ombro nu, seguindo um caminho até minha nuca e
depois para minha orelha, onde ele dá uma pequena mordida,
fazendo com que eu estremeça.
Seu calor esquenta as minhas costas, seu peito está encostado
na minha pele não coberta pela toalha, enviando choques ao meu
corpo. Sua língua passa da ponta da minha orelha até o alto e
depois ele desce chupando o lóbulo. Gemo por antecipação e sinto-
o sorrir contra minha pele.
— É tão fácil brincar com você — fala baixo em meu ouvido.
Suas mãos criam caminho por meus ombros, indo até as
minhas, que estão sob o nó da toalha. Ele as segura e as separa
fazendo com que a toalha se afrouxe no meu corpo, desfazendo o
nó, fazendo com que o tecido caia sobre os meus pés.
Suas mãos passeiam pela lateral do meu corpo, parando em
minha cintura; ele aperta forte e me traz para próximo dele. Minha
bunda fica colada em seu quadril, sinto sua ereção roçar em mim,
causando calor em meu ventre.
Ele beija meu pescoço enquanto sua mão sobe pela minha
barriga, parando em meus seios, seu polegar massageia o bico,
deixando-o aceso. Arfo quando ele beija meu ombro. Suas mãos
envolvem meus seios por completo, apertando-os.
Sua respiração quente acaricia minha nuca, sinto um
formigamento entre as pernas e o desejo me toma. Ele me guia até
a cama ainda de costas e me deita virando-me de barriga para cima,
seus olhos analisam meu corpo fazendo minha pele queimar.
Minha vontade é de esconder meu rosto entre as mãos, mas
isso seria infantil, então o encaro do mesmo jeito e analiso seu
corpo.
O abdômen marcado denuncia suas horas de exercícios, suas
veias grossas enfeitam sua pele. Observo o caminho marcado em
seu quadril, descendo para o que mais me chamou atenção, sua
ereção, querendo saltar da calça, não é nem de longe pequena.
Ele sobe na cama e vem até mim, abre minhas pernas e me
analisa devagar. Suas mãos correm por entre minhas coxas me
arrancando suspiros, e quando se aproxima da minha feminilidade
meu corpo se estremece. Vejo um meio sorriso em seus lábios
antes de se encaixar por entre minhas pernas e deitar seu corpo no
meu.
Sua boca quente alcança meu pescoço, chupando devagar.
Gemo baixo quando sua língua desce em direção ao meu seio
direito, ele lambe a ponta do meu bico e então o suga, me
arrancando um gemido alto e manhoso. O outro seio ele massageia
e aperta me causando grandes espasmos, sua língua passa entre
eles, brincando com o esquerdo, mordendo e chupando. Remexo-
me debaixo dele, isso é a loucura para uma pessoa sã. Estou
gostando da brincadeira, meu corpo, ainda mais.
Damon sabe exatamente o que fazer e onde tocar para me dar
prazer, poderia dizer facilmente que ele conhece meu corpo há
bastante tempo e mais do que a mim mesma.
Suas mãos passeiam pela minha pele, parando em minhas
pernas, onde ele aperta e as levanta mais, encaixando nossos
quadris. Sinto-o duro como pedra perto do meu sexo, com apenas o
pano de sua calça moletom nos separando um do outro.
Ele faz uma trilha de beijos do meu seio até a minha barriga,
onde morde e chupa, fazendo meu corpo estremecer.
— Fique quieta. — Me olha por breves instantes e volta ao que
estava fazendo.
Sinto-o se aproximar ainda mais do meu sexo pulsante e
agradeço por nunca ter gostado de pelos; mesmo sem ter a
necessidade de deixar a depilação em dia, sempre o faço. Ele
levanta mais minhas pernas e beija a parte interna da minha coxa,
sua barba ouriça minha pele trazendo uma sensação gostosa.
Quando sua língua toca meu clitóris, sinto meu corpo se
desmanchar, isso é incrivelmente bom. Com movimentos circulares,
sua língua causa um formigamento delicioso quando brinca na
minha entrada. Ele enterra a língua em mim, fazendo-me gemer
alto. Minhas mãos vão para seus cabelos e eu os aperto,
arrancando um suspiro de seus lábios.
Seu polegar movimenta meu clitóris, enquanto sua língua me
penetra, e fecho os olhos com força, jogando a cabeça para trás.
Minha vontade é de rebolar em seu rosto até fazer sumir toda essa
vontade que só cresce em mim. O dedo me abandona, mas a língua
toma o seu lugar, sua mão sobe e acaricia meu seio, brincando com
meus sentidos. Parece uma mentira, não consigo acreditar que eu e
Damon estamos de fato fazendo isso.
Já estou louca de prazer, tudo é intenso demais, o quarto
parece estar pegando fogo. Seu dedo alcança meu lábio.
— Chupe — diz e eu abro os lábios devagar. — Mostre como
você faria comigo. — Sorri contra meu sexo e morde meu clitóris,
fazendo-me gemer.
Mordo os lábios tentando conter outro gemido. Passo a língua
na ponta, enquanto ele ainda me chupa, e ponho seu dedo em
minha boca, chupando-o.
— Boa garota — diz retirando o dedo de minha boca e me
pegando de surpresa ao introduzi-lo em mim gentilmente.
Seus lábios me chupam com uma agilidade incomum, enquanto
seu dedo ainda está dentro de mim, aos poucos ele começa a
movê-lo, para a frente e para trás, estocando em mim.
— Damon... — gemo seu nome, é uma súplica para que ele
acabe com isso.
Sua língua brinca comigo novamente, me arrancando suspiros,
meus olhos a qualquer momento explodirão de tanto apertá-los, é
inevitável.
Fico sem ar quando sinto outro dedo dentro de mim, ele fecha e
abre os dedos me fazendo uivar de prazer. Quando suga meu
clitóris com mais força, sinto meu corpo flutuar e todo o tesão se
dissipar. É essa a sensação? Por que demorei tanto para provar?
Damon se levanta da cama e remexe na gaveta do criado-
mudo. Pega um pequeno envelope prateado e o rasga, tirando a
camisinha; tomo um susto quando ouço batidas à porta e uma voz
masculina chamar pelo nome de Damon.
— Merda, o que ele está fazendo aqui? — ouço-o dizer baixo.
— Damon? — O homem bate à porta novamente.
— O que está fazendo aqui esse horário, Paolo? — Damon
pergunta visivelmente irritado, quem diabos é Paolo?
— Preciso falar com você, cara, tive um problema, preciso da
sua ajuda agora — ouço o homem suplicar do outro lado da porta,
Damon olha por um tempo para mim.
— Me espere — diz e se levanta da cama, buscando uma blusa
em seu closet e saindo logo em seguida do quarto.
Relaxo meu corpo na cama decidida a esperar, mas antes que
eu perceba o cansaço me vence.

Damon Lins

Saio do quarto, encontrando Paolo roendo as unhas.


— Vamos lá para baixo — digo irritado. — Mas que porra,
Paolo, deveria me ligar e não vir a minha casa a uma hora dessas.
— Qual o problema? Nunca reclamou disso — diz enquanto
descemos as escadas.
O problema é que eu acabei de deixar Thayla nua e pronta para
mim na minha cama, para vir atender esse merda.
— Se não for urgente, vou arrebentar sua cara e não vai ser
bonito — aviso.
— Preciso de dinheiro — diz na cara de pau.
— Dinheiro? O que aconteceu com o seu? — pergunto
tentando entender.
— Minhas contas foram bloqueadas pela polícia federal, estão
fazendo uma varredura e estou sem dinheiro.
— E você não podia me pedir amanhã? — pergunto com uma
vontade imensa de matá-lo.
— Eu preciso pagar um cara para aliviar minha barra na polícia,
eu sei que não há nada de errado, não devo nada a eles, mas você
sabe como é... Pode demorar meses para eles liberarem tudo — ele
me explica.
Decido não indagar mais nada, mesmo estando com o pé atrás.
— De quanto precisa?
— 50 mil — ele diz.
Respiro fundo.
— Vamos ao escritório.
Depois de dar um cheque a Paolo, praticamente o expulso da
minha casa, subo as escadas e sigo para o quarto. Abro a porta,
vendo Thayla dormindo, fico frustrado e irritado ao mesmo tempo.
Seu corpo nu está exposto e a luz que vem de fora deixa sua pele
dourada.
Tenho de admitir que é uma bela visão, não sei se fico irritado
por ter pedido a ela que me esperasse e simplesmente dormiu, ou
se fico aliviado por não termos feito nada de que venhamos nos
arrepender.
Era sexy a forma como me pedia para transar com ela,
tentador, muito tentador. Mas eu não posso fazer isso, Thayla é uma
mulher pura, humilde, com diversos valores, não quero carregar a
culpa de estragar mais uma pessoa.
Me aproximo dela e cubro seu corpo com o lençol, me livro da
camisa que eu estava vestindo e me deito no espaço vago da cama,
deito sentindo-me frustrado, não conseguirei dormir tão cedo.
Trinta e seis
Thayla Walther

Acordo assustada e as lembranças de ontem me vem à mente


fazendo meu rosto corar violentamente. Olho ao lado, para ele, que
dorme tranquilamente, pelo visto ainda é bem cedo. Levanto-me
devagar, segurando o lençol sobre meu corpo. Vou atrás do meu
vestido no banheiro, colocando-o rapidamente, prendo o cabelo em
um coque e pego meus saltos, saindo do quarto na ponta do pé.
Desço as escadas à procura de John, encontrando-o no lugar de
sempre.
Ao chegar em casa, percebo que ainda é muito cedo, ainda
daria para dormir novamente, se eu conseguisse, é claro.
Tomo um banho demorado e lavo os cabelos, a cada passada
de mão em meu corpo eu me lembro dos toques de Damon.
Imagino se tivéssemos chegado nos finalmentes o que seria de nós
agora; não que eu esperasse ser acordada com flores e café da
manhã, não é o estilo dele. No mínimo, eu acordaria e ele não
estaria mais na cama, e me ignoraria até que precisasse falar
comigo.
Ainda assim, seria um estúpido e arrogante como sempre. Com
toda certeza o tal Paolo foi um anjo enviado por Deus. Saio do
banho e me enrolo na toalha, escovo os dentes olhando meu reflexo
no espelho.
— Mas que merda é essa? — digo ao perceber uma pequena
mancha entre meus seios. — Filho de uma mãe.
Vou ao meu guarda-roupa e coloco uma blusa branca de
manga curta e uma calça jeans de lavagem clara. Arrumo os
cabelos deixando-os soltos para secar e me deito na cama, quero
descansar um pouco antes de ver o vestido. Graças a Deus,
consegui folga hoje.
Tento me distrair com meu livro de cabeceira, mas ora ou outra
me pego pensando em Damon e em como eu reagiria a ele depois
de ontem.
O toque do meu celular me chama atenção, atendo direto, sem
nem mesmo prestar atenção ao visor.
— Oi — digo.
— Estamos aqui embaixo — ouço a voz de Alice.
— Certo, estou descendo. — Encerro a ligação.
Passo as mãos no cabelo arrumando e saio do quarto.
— Não sabia que já havia chegado — minha mãe diz sorrindo.
— Cheguei cedo, vou ver o vestido, por que não vem com a
gente? — pergunto.
— Ah, não, estou cansada. E você já tem a ajuda da dona
Cristina e Alice, que me mostraram ter um ótimo gosto ontem.
— Mas, mãe, vai ser meu vestido de casamento, a senhora tem
que ir — faço drama e ela dá risada.
— Ok, vou pegar minha bolsa. — Ela vai ao quarto, voltando
alguns segundos depois.
Tranco a porta e descemos pelo elevador, encontrando-os na
calçada.
— Olá, querida, preparada para hoje? — Cristina me pergunta
empolgada.
— Muito — finjo empolgação. — Oi, Ali. — Sorrio e a beijo.
Minha mãe as cumprimenta, e entramos no carro.
— Já sabem onde vão passar a lua de mel? — Cristina
pergunta.
— Acho que não vamos ter lua de mel, Damon é muito ocupado
— minto.
— Entendo, os negócios de Damon o consomem — diz olhando
pela janela, e apenas assinto, mesmo sabendo que ela não está
vendo.
Alice começa a conversar com minha mãe e a dar risada de
algo, Cristina entra na conversa também. Elas se conheceram
ontem, mas pareciam já ter intimidade de muito tempo. Eu apenas
fico à parte me lembrando dos acontecimentos da noite anterior.
Depois de um tempo, o carro para em frente a uma fachada
elegante de espelhos, é de encher os olhos.
— Chegamos — Alice diz animada.
John abre a porta e todas nós saímos seguindo para dentro da
loja.
Um homem alto e muito bem-arrumado aparece para nos
receber com um sorriso enorme no rosto.
— Como é bom revê-las. — Deixa um beijo na mão de Cristina
e de Alice. — Você deve ser a mais nova Sra. Lins. — Sorri. — Me
diz como é ter aquele pedaço de mau caminho colado em você? —
sussurra e logo em seguida dá risada. — Brincadeiras à parte,
vamos entrar. — Cumprimenta minha mãe e nos guia para uma
sala.
Pela quantidade de mulheres experimentando vestidos, dá para
notar que esta loja é uma das mais procuradas entre as noivas.
Sento-me em uma poltrona e relaxo o corpo ao lado de minha
mãe. Ela está muito feliz, uma pena esse casamento não ser real.
— Como a Sra. Lins já havia falado comigo, tomei liberdade de
fazer uma pré-seleção de vestidos. Renda nunca sai de moda,
então separei alguns também para olhar.
Ele puxa a arara com uma variedade de modelos enquanto eu o
sigo até o provador. Todo mundo dá palpite quando experimento.
Alguns são extravagantes demais ou não fazem meu estilo, mas o
último me encanta assim que o visto. Com um decote em v, é justo,
marcando meu corpo até os joelhos, abrindo-se sutilmente até o
chão. No centro do vestido um rendado floral é o destaque. A parte
mais charmosa do vestido é seu véu de ombro a ombro fugindo do
convencional.
— Uau, é esse — Cristina diz.
— Caramba, ficou divino — comenta Alice.
Vejo minha mãe com os olhos marejados, sorrio para ela.
— Você está perfeita, minha menina — fala enxugando o canto
dos olhos e meu sorriso se abre ainda mais.
Por um momento até posso me esquecer que este casamento é
por conveniência.
— Então será este — digo.
— Arrasou, vamos fazer alguns pequenos ajustes e estará
perfeito, te garanto que daqui a dois dias pela manhã será entregue.
Volto ao provador e com a ajuda de uma mulher tiro o vestido.
Quem diria que eu vou me casar daqui a dois dias?
Nos despedimos do estilista que nos atendeu, indo para fora
conversando amenidades. Ao chegar à calçada, vejo Damon parado
ao lado do carro, fazendo meu coração acelerar. Cristina se apressa
para falar com ele.
— Thayla com toda certeza será a noiva mais falada do século,
o vestido está lindo.
— Não tenho dúvidas. — Dá um pequeno sorriso e me fita. —
Por que não me esperou? — pergunta e todos me olham, tem que
ser agora?
— Estava cansada, acabei dormindo — digo sem graça.
— Não falei em relação a isso, acordei pela manhã e você não
estava mais na cama — fala com a maior naturalidade.
Minha mãe me olha e dá risada.
— Hum... Eu precisava vir ver o vestido e lá na sua casa ainda
não tem roupa minha. — Sorrio forçado, minha vontade é de
espancá-lo.
— Entendo. Mãe, você já falou com a Genevieve? — ele
pergunta mudando o rumo da conversa.
— Oh, sim, esqueci de te avisar. Ela entregará tudo amanhã
pela tarde.
— Ótimo, obrigado. Vamos, ou iremos nos atrasar — diz, agora
falando comigo.
— Para onde? — pergunto perdida.
— Consegui uma vaga hoje para a degustação do buffet.
— Ótimo. — Sorrio tentando soar empolgada.
Ele se despede e eu faço o mesmo em seguida.
Damon para ao lado da porta abrindo-a para mim. Entro e ele
dá a volta, assumindo seu lugar no volante.
Fico calada e ele também. Olho-o de soslaio e percebo que até
então não fez nada, apenas está sentado com as mãos no volante.
— Algum problema? — pergunto me referindo ao carro, ele olha
para mim e continua calado.
Levanto uma das sobrancelhas para ele.
— Nenhum. — Ele gira a chave e segue para a pista.
O restante do caminho é silencioso como sempre, mas hoje é
diferente, parece que o que fizemos ontem roda em minha cabeça e
aposto que na dele também, mas o que ele deve estar pensando
sobre isso? Eu deveria me desculpar pelo meu comportamento de
ontem? Ou apenas ficar quieta? Respiro fundo resolvendo falar.
— Damon... Queria pedir desculpas por ontem — digo tão baixo
que talvez ele não tenha ouvido.
Ele continua olhando para o trânsito e seu semblante continua o
mesmo.
— Você não gostou? — pergunta com a voz calma.
— Não é isso. Só não foi certo meu comportamento, você já
deixou claro que não vamos ter nada e eu forcei a barra — digo,
agora caindo na real, ele não quer nada comigo.
— Então não peça desculpas por algo que foi prazeroso e
proveitoso para ambos — diz me olhando por breve segundos.
Prazeroso e proveitoso para ambos? Meu subconsciente grita
para mim, mas resolvo não responder nada. Algum tempo depois o
carro para em frente ao Canlis, um restaurante bastante chique a
que já tive, diversas vezes, vontade de vir.
— É aqui? — pergunto animada.
— Sim, gosta? — Sai do carro e abre minha porta.
— Não sei se gosto, nunca vim aqui. Mas já tive vontade, muita
vontade. Meu pai e eu tínhamos combinado de vir aqui no meu
aniversário de 23 anos, mas não deu. — Sorrio fracamente.
— Pelo visto teremos várias primeiras vezes. — Sorri fazendo
meu rosto corar.
— Podemos entrar? — questiono tirando os olhos dele,
observando o grande restaurante de vidro escuro e madeira na
minha frente.
— Sim, já estamos atrasados — diz e segura em minha cintura,
isso está virando um hábito ou é impressão minha?
Sua mão faz minha pele queimar, seu toque faz meu corpo ter
lembranças.
— Por que está vermelha?
— Tenho problema com rosáceas — minto.
— Deveria aprender a mentir melhor — diz encerrando o
assunto.
Observo a decoração rústica do lugar, as colunas de pedra
branca dando charme ao local.
— Boa tarde. Por aqui, já estávamos aguardando-os — um
rapaz muito bem-vestido diz e nos guia até uma sala mais
reservada, com vista para o Lake Union. Bateu nostalgia em lembrar
das tantas vezes que andei de caiaque quando era pequena.
Sentamos um de frente para o outro, enquanto o garçom
informa que vai chamar o chef.
— Um Grande Année Rosé — Damon diz.
— Qual o ano do Bollinger, senhor? — o rapaz pergunta, e fico
à parte da conversa, nem sei o que é esse Grande sei lá o quê.
— 1999.
— Ok. — O rapaz assente.
— E então, preparada para o casamento? — pergunta
quebrando o silêncio.
— Se eu dissesse que não, mudaria alguma coisa?
— Não.
— Pois é, mas penso que talvez possa ser bom, sabe? Nem
sempre precisamos ser rivais um do outro. Eu não sou tão chata
assim e você... Bem, posso me acostumar com seu jeito.
Poderíamos começar a nos conhecer e fazer o contrato dar certo,
sem sermos frios e distantes um do outro, afinal serão 12 meses.
Ele olha pela janela de vidro parecendo pensar no que eu disse.
— Oi — o homem fala ao se aproximar. — Sou o chef e
proprietário do Canlis, Nathan. É uma honra tê-los aqui. — Ele tem
uma estatura mediana, vesti seu dólmã branco com o nome do
restaurante e carrega na mão o champanhe que presumo ser o que
Damon pediu.
— Obrigado — Damon diz e aperta sua mão.
— Senhorita — me cumprimenta e eu lhe estendo a mão,
tomando cuidado para que meus dedos estejam apontados para
baixo como a Sra. Reusser me ensinou.
— Thayla, por favor. — Sorrio e ele beija o dorso da minha
mão.
Logo em seguida, abre a garrafa fazendo o barulho oco do
estouro.
O líquido rosa e borbulhante é servido em taças de cristal e
entregue a nós.
— Felicidade aos noivos — deseja.
Damon bate gentilmente sua taça na minha, dou um gole na
bebida sentindo seu gosto leve e frutado.
— Dividirei a degustação de vocês nas três etapas do menu do
casamento. Primeiro começarei com as opções para o coquetel — o
chef explica e as sugestões são colocadas na nossa frente, todas
bem sofisticadas e bonitas. — Aqui temos bom-bocado de bacalhau,
rolinho de berinjela com ratatouille de legumes, bruschetta de queijo
brie com pesto e maçã verde, tortilha de alho-poró com vinagrete de
lula. — Quanta coisa.
— Está perfeito, exceto pela tortilha. Terá que substituir a lula,
Thayla é alérgica e não quero correr riscos. — Me encara, dando
um gole no champanhe.
Quem vê até pensa que se importa.
— Claro, perdão. — O chef rapidamente tira o petisco da mesa.
Na sequência, os garçons trazem os pratos para o jantar e o
chef segue sua apresentação. Salada waldorf, vitela ao vinho tinto,
arroz de amêndoas e uvas verdes, salmão com molho de maracujá,
linguini negro com vieiras e fagiolini ao molho pesto à genovese.
Por último, ele sugere que as sobremesas sejam o bolo e os
doces, trazendo três opções de massa branca com recheios
diversos e uma infinidade de docinhos.
Depois de provar um pouco de tudo, estou me sentindo um
porco cevado, pronto para o abate.
Damon segue o dono do restaurante até a adega para definirem
os vinhos para o jantar, enquanto eu permaneço sentada pensando
em tudo.
Poderia dizer que ele e eu estamos "bem", cada um do seu
jeito. Nada parece ter mudado depois de ontem, o que é um pouco
decepcionante, devo dizer. Mas é melhor assim, não?
Pouco depois saímos da degustação e novamente o silêncio
impera entre nós.
O carro para na porta do meu prédio, abro a porta e olho para
Damon antes de descer.
— Obrigada. — Sorrio fracamente e ele assente. Quando
percebo que não vai dizer nada, saio do carro em direção à portaria.
— Boa noite, Fred.
— Boa noite, Thay, como você está? — o porteiro pergunta.
— Bem cansada, hoje o dia foi cheio. E o senhor, como está?
— Estou bem, vá descansar.
— Vou mesmo. — Sorrio. — Tchau, Fred. — Solto um beijo no
ar e pego o elevador.
Entro em casa com as luzes apagadas. Não é tarde, passa de
umas 19h30, então vou ao quarto da minha mãe, percebendo que
ela não está; provavelmente está com a vizinha novamente.
Trato de ir para o banho. Depois de escolher uma blusa branca
que cobre metade da minha bunda e uma calcinha rosa bem vovó,
as mais confortáveis para se dormir, deito na cama, apagando sem
muito esforço.
Trinta e sete
Acordo pela manhã com o barulho chato da campainha, cadê
minha mãe? Levanto-me ainda sonolenta e vou até a sala. Não vejo
nem sinal dela, apenas meu café da manhã posto na mesa indica
que ela passou por aqui.
Caminho até a porta e a abro, dando de cara com Damon sem
seu terno, com os cabelos bem penteados para trás, trajando uma
blusa de manga curta preta, com alguns detalhes, bermuda jeans de
lavagem clara e tênis brancos.
Seus olhos analisam meu corpo e então me encara com uma
sobrancelha arqueada. Abaixo a vista ao recordar a merda de roupa
que eu estou usando e a minha calcinha de vovó. Merda, só podia
ser eu. Fecho a porta em sua cara e corro para meu quarto, vendo
minha imagem no espelho. Meus cabelos estão horríveis. Pior que
ninho de passarinho, quem manda dormir de cabelo molhado?
Faço um coque de qualquer jeito e ponho um short jeans,
voltando para a sala correndo. Escorrego no tapete e, quase caindo
de cara no chão, olho para cima, encontrando-o sentado no sofá.
— O que está fazendo aqui? — pergunto assustada, com as
bochechas vermelhas por ele ter me visto daquele jeito e agora
quase presenciar uma quase queda.
— Está se referindo a eu ter vindo até aqui? Ou estar dentro de
sua casa? — Cruza os braços. — É assim que você costuma
dormir? — Dá risada. — Bastante atraente.
— Tão discreto... O que veio fazer na minha casa?
— Pensei ter prometido a minha noiva levá-la aos domingos
para nadar. — Me encara.
— Pensei que...
— Que eu estava brincando? Eu prometi, tenho palavra. —
Cruza os braços.
— Não, só achei que tivesse dito para me sentir melhor. — Não
esperava isso vindo dele.
— Vá se ajeitar e você escolhe o lugar. — Damon volta a
encarar o telefone em suas mãos.
— Agora — digo sorridente, indo para o quarto.
Tiro minha roupa e corro para o chuveiro.
De banho tomado, pego um maiô azul-marinho com decote,
observo no espelho a marca roxeada entre meus seios, pego base e
a disfarço, agora sim. Arrumo os cabelos em um coque, pego um
quimono de praia e visto. Essa é a melhor época do ano em Seattle,
como eu amo o verão.
Coloco um short por baixo, arrumo algumas coisas na bolsa e
volto para a sala, encontrando Damon com um porta-retrato nas
mãos.
— Este é seu pai? — pergunta ao me notar no ambiente.
— Sim. — Sorrio ao ver a foto. — Minha mãe tirou todas as
fotos dele da casa, não gosta de lembrar o que aconteceu, mas
deixa essa guardada no quarto, ela deve ter esquecido aqui na sala.
— Então alguém está sentindo muito a falta dele.
— Ela se faz de forte e tenta evitar conversar sobre ele, mas sei
que isso é para não me entristecer. — Sorrio fracamente.
Analiso a foto, foi tirada no estádio de futebol, ele estava feliz
por seu time ter ganhado, seus olhos brilhavam e o sorriso largo no
rosto que eu tanto amava estava presente. — Podemos ir. —
Respiro fundo me recuperando.
— Vai assim? — pergunta com uma sobrancelha arqueada.
— Vou, algum problema? — pergunto.
— Nenhum, por que não está de biquíni? — Sorri cínico.
— Preferi pôr um maiô. — Sorrio amarelo. — Podemos ir? —
mudo de assunto.
— Ok.
Tranco a porta de casa e pego o elevador com Damon.
Observo o Lamborghini Veneno Roadster dourado estacionado.
Uau. Deve valer todos os meus órgãos e mais um pouco.
— Gostou? — pergunta. — Comprei essa semana.
— Esse carro é uma maravilha — digo admirando. — Como o
conseguiu? A Lamborghini só produziu nove desses. — Passo a
mão pela lataria.
— Ora, ora. Parece que temos uma amante de carros aqui. —
Encosta-se na porta, cruzando os braços. — Sou rico, consigo tudo
o que quero.
— Parece que sim — digo para ambas respostas.
— Quais marcas você mais gosta? — pergunta.
Respondo ao entrarmos no automóvel.
— Gosto de vários, BMW, Ferrari e Alfa Romeo.
— Alfa Romeo? — pergunta me olhando de relance, antes de
voltar a atenção à estrada.
— Sim, não gosta?
— É um dos meus preferidos. Só não achei que fizesse seu
tipo.
— Gosto de carros clássicos, teria um na minha sala. — Dou
risada. — Como pode dizer que não faz meu tipo se nem me
conhece direito?
Ele fica em silêncio por alguns instantes.
— Faz sentido... Tenho alguns clássicos, inclusive o Alfa
Romeo, qualquer dia desses posso te mostrar. — Dá de ombros.
— SÉRIO? — grito e ele me olha feio. — Desculpa, acho que
me empolguei.
— É... Quem sabe, gato preto. — Sorri me deixando vidrada
nele.
— Deveria sorrir mais vezes.
— É desnecessário. Tenho que entregar esses documentos a
Paolo — diz ao parar na porta de um grande prédio. — Já volto.
Aproveito para ligar o som. Penso que, se ele continuar sendo
legal, nossa convivência depois de casados será bem agradável.
Vejo Katy passar pela calçada, ainda é difícil de acreditar que
nossa amizade se resumiu a essa estranheza. Lembro o quanto ela
me ajudou quando meu pai morreu e penso que talvez esteja sendo
egoísta não levando em consideração tudo o que ela passou. Sem
pensar muito mais a respeito, apenas sigo meu coração, gritando
seu nome.
Aceno para ela, que sorri ao me ver, vindo em minha direção.
— Oi, que carro legal — observa, Katy também gosta de carros,
como eu, e é impossível não ver o brilho em seus olhos.
— Sim... Como você está? — pergunto meio sem jeito.
— Acho que bem, e você?
— Acho que bem também. — Sorrio de lado.
— Como estão indo os preparativos para o casamento?
— Está uma correria — admito. — Mas espero que dê tudo
certo no final.
— Vai sim, você merece — diz sorridente.
— Obrigada.
— É melhor eu ir — fala sem graça.
— Tudo bem, tchau — digo e ela acena para mim, voltando a
caminhar. — Katy? — chamo-a novamente e ela se vira. — A mãe
de Damon está planejando fazer uma despedida de solteira para
mim, você poderia ir — sugiro.
— Sério? Vai ser ótimo.
— Eu te passo uma mensagem quando estiver tudo certo. —
Sorrio.
— Ok, obrigada, Thay — fala e vai embora.
Damon volta para o carro a tempo de ver Katy se afastando.
— Aquela não é sua amiga? — pergunta vendo-a seguir ao
longe.
— Sim — digo não querendo falar sobre esse assunto.
— Para onde iremos?
— Poderia me deixar dirigir... — digo animada.
— Melhor não, quem sabe um dia.
— Vamos para o Lake Union — respondo emburrada e ele me
olha sério.
Levanto as mãos em rendição.

Em alguns minutos chegamos ao grande lago, o lugar é


nostálgico, me lembra de ótimos momentos que passei aqui.
Forro a grama com uma toalha e me sento, Damon faz o
mesmo ao meu lado.
— O que é isso? — pergunto a ele observando uma cesta.
— Alice me obrigou a trazer, disse que seria romântico — diz e
eu caio na gargalhada.
— Sempre Alice, mas vai ser de grande utilidade, estou com
fome. — Sorrio sem graça e ele me estende a cesta. Pego um
sanduíche natural e uma garrafinha de suco de maçã. — Não vai
comer?
— Não, obrigado — diz simpático, olho de soslaio.
Ele disse mesmo obrigado? Talvez eu ainda esteja em casa
dormindo e estou achando que tudo é realidade. Não é possível...
Belisco minha coxa.
— Ai — digo esfregando a mão no lugar.
— O quê?
— Formiga... — Sorrio.
Depois de comer chamo Damon para andarmos de caiaque;
depois de eu muito implorar ele aceita. Tiro meu short e meu noivo
me observa.
— Até seus maiôs são indecentes? — ele pergunta.
— Indecente? Só pode estar doido.
— Deveria vestir algo que mostre menos, não acha, Sra. Lins?
— enfatiza suas últimas palavras, olho para os lados e ninguém
nem está reparando em mim.
— Eu ainda não sou a Sra. Lins e talvez uma burca seja mais
apropriada — digo revirando os olhos.
— Seria muito melhor — concorda arrancando sua roupa do
corpo.
Que comece a tortura... Damon segue na minha frente apenas
de sunga boxer preta, isso deveria ser proibido. Com certeza ele
pegou toda a beleza do mundo apenas para si, sua pele dourada é
de tirar o fôlego.
Ele apanha um colete salva-vidas e se vira para mim me dando
uma bela visão de seu corpo. É impossível não reparar em seu
membro marcado no tecido de lycra, o que é aquilo? Uma pena não
ter visto em nosso pequeno momento de diversão. Ele coloca o
colete em mim, fechando na parte da frente, e seu dedo roça no
meu seio, mas tento não pensar que talvez tenha sido proposital.
— Obrigada. — Ele assente e se afasta para colocar o seu.
Damon está sendo muito gentil, e eu pretendo aproveitar este
momento raro. Ele empurra o caiaque para a água e quando vejo
que dá para entrar me impulsiono para dentro. Posiciono os remos
na horizontal, colocando a pá em contato com a água. A sensação
de liberdade é tão grande que meu sorriso se torna enorme.
— Nunca pensei que você ficaria tão feliz em apenas andar de
caiaque — diz ao meu lado.
— Ah, eu gosto daqui, me traz paz, e me sinto próximo do meu
pai. — Sorrio.
— Você é mais apegada a seu pai do que a sua mãe —
observa.
— Desde pequena, acho que é normal que a filha tenha mais
afinidade com o pai. Ele sempre foi meu porto seguro e me conhecia
como ninguém, sabia quando eu estava irritada, triste, ou até
mesmo quando iria aprontar algo. — Dou risada lembrando.
Ele fica um tempo em silêncio me encarando.
— O que foi? — pergunto.
— Nada, talvez você não seja tão fútil como eu pensei — ele
diz e começa a remar.
Isso foi um elogio?
Depois de ficar quase uma hora remando, resolvo dar um
mergulho. Aproveito para ficar boiando, curtindo a sensação de
leveza de um dia muito agradável, e eu agradeço por isso.
Depois de quase ficar enrugada, saio da água e caminho até
onde Damon está sentado me observando cuidadosamente. Seus
olhos verde-acinzentados encontram os meus, forçando-me a sorrir
envergonhada.
— Estão todos olhando — diz de forma brava.
— Não tenho culpa. — Dou de ombros. — Devem estar
pensando "Olha a louca que vai se casar com aquele cara chato e
arrogante" — digo e ele fecha os olhos controlando a raiva. — Por
que está se casando assim? Você poderia ter arranjado alguém de
quem gostasse. — Mesmo achando que esse coração de pedra não
ame alguém. — E tentar fazer dar certo.
— Porque as coisas não são tão simples assim no meu mundo.
As pessoas sempre estão com você por interesse, pelo seu
dinheiro, pelos seus bens. E eu não quero isso, já tenho muitos
problemas, para ter que lidar com mais esses sentimentos.
— Então por que quer se casar? Poderia estar solteiro e livre
para fazer o que quiser.
— Porque eu preciso me casar — diz.
— Por quê? — pergunto querendo dar continuidade.
— Porque preciso das ações do meu avô para assumir a
presidência do grupo. São as condições dele. É uma empresa
familiar, a diretoria é composta apenas pelos Lins, e ele acha, por
alguma razão, que se eu estivesse solteiro e na presidência não
teria total comprometimento com os negócios, correndo o risco de
nos falir — ele diz sarcástico.
Fico com vontade de perguntar por que quer tanto ser
presidente de uma empresa que em partes já é dele. Com certeza
não é pelo dinheiro.
— Alguém sabe que somos uma farsa? — pergunto receosa.
— Não e nem deve. — Ele me olha. — Principalmente meu pai,
que é um homem à moda antiga, acredita em amor e todas essas
baboseiras. Ele não aceitaria isso bem se soubesse — diz olhando
agora para o lago.
— Não são todos que se perderam nesse mundo de interesses,
ainda existe amor de verdade — afirmo com convicção.
— E o que você sabe sobre o amor? — pergunta com escárnio.
— Já passou horas do seu dia pensando em alguém? Já se viu com
essa pessoa pelo resto de sua vida? Se não, ainda não conhece e
não sabe o quanto ele pode mudar alguém, o quanto é
decepcionante quando as coisas dão erradas e aquela pessoa não
é nem o terço do que você imaginou e merece; até então só vi o pior
lado disso tudo.
Fico sem saber o que responder, então permaneço em silêncio,
apenas respeitando seu momento de desabafo.
Olho a cesta ao meu lado e pego a caixa de morangos,
provando um. Vendo o quanto está doce, estendo para que ele
possa aproveitar também. Seus lábios se fecham no morango e ele
chupa uma parte antes de morder, que visão... Me lembro da nossa
noite e meu rosto esquenta.
— Por que me deixou marcada? — pergunto criando coragem,
ele continua olhando para o lago e vejo seu sorriso brotar nos
lábios.
— Não sei do que está falando — diz cínico.
— Claro que sabe — insisto. — Tenho um chupão no meio dos
seios — digo baixo.
— É bom saber disso. Não foi minha intenção. — Me olha com
deboche e depois dá risada.
— Cínico — digo olhando para ele.
— Deveria me agradecer por não ter te acordado, caso
contrário iria te foder até nosso corpo se esgotar — diz com a voz
serena e com toda naturalidade possível.
Meu corpo se arrepia e por um momento me imagino deitada na
cama, de quatro com ele se movimentando atrás de mim, sentindo
tapas estralados e ardidos em minha bunda. Não disse que ele
acaba com a mente de boas garotas?
Não dou uma resposta a ele, apenas fico em silêncio.

Depois de ter passado quase todo o dia no lago, resolvemos ir


embora, quando o sol começa a se pôr.
— Toma — ele diz e joga as chaves para mim.
Arregalo os olhos.
— Vai me deixar dirigir? — pergunto eufórica.
— É o que parece... — diz entrando no carro pela porta do
passageiro.
Pulo feito uma criança antes de tomar assento. Ok... preciso me
concentrar ao máximo para não bater o carro ou fazer alguma
cagada. Entro no carro e em um impulso o abraço.
— Obrigada — digo sorridente, ele me olha estranho e me
separo dele percebendo o que fiz. — Desculpa.
— Para com essa mania de sempre estar se desculpando —
ele fala ríspido.
— Ok, não está mais aqui quem falou.
Ponho meu cinto de segurança e ele também. Ligo o carro no
painel e acelero ouvindo o ronco do motor, isso é música para meus
ouvidos. Saio do estacionamento e, assim que pego a estrada, vou
ganhando velocidade, isso que chamo de diversão.
Corro pela pista sentindo o vento bater no rosto e meus cabelos
ficarem bagunçados.
— Quanto custa este carro? — pergunto tendo certeza de que
se eu bater não terei dinheiro para pagar.
— Aproximadamente 9 milhões — revela deixando-me de olhos
arregalados.
— Ok, acho que já chega de diversão — digo parando no
acostamento.
Ouço a risada gutural e rouca de Damon, fazendo meu corpo
vibrar em animação.
— Não se preocupe com isso.
— Não, acho melhor você ir dirigindo. — Sorrio e saio do carro,
trocando de lugar com ele.
— Tudo bem — concorda assumindo seu lugar no volante e
voltando para a pista. — Está com fome?
— Um pouco — digo.
— Vamos a um restaurante aqui perto — ele fala. — Amanhã
haverá um jogo do Washington Redskins contra Eagles, quero que
vá comigo, preciso fechar um negócio.
— Fechar negócio num jogo de futebol americano? — pergunto.
— É menos formal — diz explicando.
— Tudo bem.
Trinta e oito
Termino de limpar uma mesa e paro alguns minutinhos para
tomar uma água e me sentar. Esta manhã foi terrivelmente agitada,
toda hora entrava alguém, graças a Deus meu turno já está
acabando. Sinto um friozinho na barriga ao me lembrar de que
amanhã será o meu casamento e que por fim eu e Damon
estaremos, aos olhos de todos, casados.
Como será ter que conviver com ele todo esse tempo?
São tantas incertezas, e a possibilidade de viver sem minha
mãe pertinho de mim me causa aflição, mas será por uma boa
causa.
Também estou agitada por conta da minha despedida de
solteira, que acontecerá hoje à noite na casa da minha “sogra”. Alice
me ligou para passar os detalhes e conversei com ela sobre levar a
Katy. A princípio, ela ficou irritada dizendo o quanto eu sou idiota,
mas por fim cedeu.
Vejo Arthur me olhar por detrás do vidro de sua sala, dou um
breve sorriso e ele apenas faz um menear de cabeça para me
chamar. Caminho até lá e entro.
— Oi — cumprimento.
— Oi, eu sei que já faz uns dias, mas queria saber se ficou tudo
bem com vocês, já que saiu da feira sem nem se despedir — diz
arrumando os papéis em cima da mesa.
— Oh, sim, Damon teve uma crise de ciúmes mas foi tudo
contornado. Desculpe por não poder voltar. — Sorrio fracamente.
— Tudo bem, entendo — ele diz e me fita por um tempo, seus
olhos verde-escuros varrem meu rosto, descendo seu olhar para
meus lábios.
É impressionante como, de repente, eu pareço ter despertado o
interesse dele. Me assusto quando ouço uma batida estridente no
vidro, o que atrai a minha atenção. Encontro Damon me encarando
do lado de fora, ele me chama com o dedo depois de cumprimentar
Arthur com a cabeça.
— Vou indo, obrigada por perguntar. — Sorrio envergonhada e
saio de sua sala. — Oi, Damon — cumprimento.
— Oi, já encerrou seu expediente? — pergunta sério.
— Já sim, vou pegar minhas coisas — digo passando por ele,
indo ao vestiário.
Tiro meu avental e passo uma água no rosto, pego minha bolsa,
me despeço de Ana e saio da loja.
Damon está parado na calçada, uma de suas mãos está
descansando no bolso e a outra segura o cigarro. Ele dá uma última
tragada e apaga, deixando-o no lixo.
— Isso ainda vai te matar — digo.
— É... Você já me disse — responde caminhando para o carro.
— Não quero você trabalhando aqui — diz abrindo a porta.
— Por que não?
— Porque agora será uma Lins, todas as suas despesas serão
arcadas por mim, não quero mais motivos de fofoca. E para sua
segurança será melhor não ficar em local público assim.
— Não quero sair do meu trabalho. Você pode deixar
seguranças comigo, mas não vou deixar de trabalhar.
— Veremos — diz e se concentra no caminho.
Depois de alguns minutos chegamos à sua casa, desço do
carro, e ele também.
— Deixei no quarto uma sacola com a roupa que deve vestir —
diz. — O almoço vai ser servido em 20 minutos.
— Ok. — Caminhamos para dentro da casa.
Subo as escadas e vou para o quarto de hóspedes que eu tanto
conheço.
Me livro das roupas e tomo uma chuveirada. Saio do banheiro
revigorada, me seco e vou até a sacola que está em cima da cama.
Vejo a blusa vinho com o símbolo do índio do Washington Redskins,
uma calça skinny de lavagem clara e salto preto.
— Pra que tudo isso? — digo olhando as roupas.
Não vamos apenas ao jogo? Quem vai de salto a um jogo de
futebol americano? Monto o visual e devo admitir que ficou muito
bom. Escovo os cabelos e faço uma maquiagem leve apenas com
máscara de cílios, lápis e gloss.
Eu estou muito bonita, não nego, mas ficarei desconfortável se
as mulheres em volta estiverem menos arrumadas.
Pego meu perfume na bolsa e passo, deixando o cheiro exalar
pelo quarto.
Guardo tudo e desço as escadas até a sala de jantar.
Damon ainda não está aqui, sento-me e fico aguardando-o, até
que aparece trajando uma blusa igual a minha e calça jeans escura.
Ele me olha por breves segundos e se senta à mesa. Algumas
empregadas aparecem para nos servir.
Vejo Ambrósia de longe, apenas observando o trabalho das
meninas, sua cara fechada e seu olhar duro sobre elas me causam
incômodo, que mulher amarga.
— Cadê Alice? — pergunto quebrando o silêncio.
— Está na casa de minha mãe, disse que tinha algumas coisas
para resolver lá — ele diz, deve ser a despedida de solteira.
Isso me lembra de que tenho que mandar mensagem para
Katy, pego meu celular e digito o horário e o local. Damon observa o
que eu estou fazendo, de cara feia.
— O que foi? — pergunto.
— Nada — ele diz voltando a atenção ao prato.
Depois do almoço seguimos direto para o estádio, escoltados
pelos seguranças, e de longe já posso ver o tanto de gente que
espera apenas para entrar. Damon desce do carro e abre a porta
para mim. Ele entrega a chave para um segurança e os outros nos
acompanham pela multidão. Com um pouco de dificuldade,
ultrapassamos os portões e somos direcionados pela área VIP. O
espaço é amplo e muito aconchegante, com um enorme buffet e
grande variedade de bebidas, além de ficar de frente para o campo.
Nunca tive a oportunidade de assistir a um jogo do Washington
Redskins e estou achando tudo o máximo.
Damon segura a minha mão me causando um grande
formigamento nos dedos pelo toque repentino. Ele me guia até um
casal, o homem, apesar da idade avançada e os cabelos grisalhos,
tem um físico de dar inveja a muito garotinho. A mulher nitidamente
mais nova é muito bonita, cabelos longos e loiros, olhos castanhos
bem claros e um corpo de parar o trânsito.
— Senhor e Senhora Fontenele. — Ele pega na mão do homem
apertando e logo em seguida pega na mão da mulher, deixando um
beijo em seu dorso.
— Damon, quanto tempo. Até que enfim iremos fechar negócio,
vejo que finalmente encontrou alguém — ele diz sorridente.
— Esta é minha noiva, Thayla — diz simpático.
— É uma satisfação conhecê-la. — Pega minha mão e beija.
A mulher me lança um sorriso e nos cumprimentamos com um
breve abraço.
— Obrigada. — Sorrio.
— E então, vamos lá para baixo? O jogo já vai começar,
podemos conversar sobre os negócios no intervalo — o Sr.
Fontenele fala.
— Por mim tudo bem — Damon diz.
Seguimos para a arquibancada reservada, estes assentos
devem custar uma fortuna, e sento-me ao lado de Damon. Um
garçom vem recolher nossos pedidos.
— Quero um Romanée-Conti — Damon pede.
— Só vendemos a garrafa, senhor — o homem diz.
— Quero a garrafa — Damon fala esbanjando toda a humildade
que não tem.
— Ok.
— Eu quero uma pipoca — digo e todos me olham.
O quê?
— Nesta área não temos pipoca, como posso dizer... Aqui só
coisas mais sofisticadas — o garçom explica um tanto debochado.
— Dê um jeito — Damon diz e o rapaz assente, saindo de
nossa frente.
— Não sabia disso — sussurro para ele.
— Não se preocupe.

Fico tentando entender o porquê da existência do futebol


americano, são pessoas praticamente se matando por conta de uma
bola, é extremamente agressivo e sem noção. Por fim o primeiro
tempo acaba e posso respirar melhor, isso tudo estava me deixando
angustiada. Damon e o Sr. Fontenele começam a conversar sobre
negócios, enquanto a mulher dele encara o celular e dá risada de
algo. Levanto-me e decido ir ao banheiro antes de passar no buffet
para pegar algo para beber. Volto para meu lugar bebericando meu
suco de abacaxi e aproveito para observar alguns jogadores ainda
em campo bebendo água, ou apenas jogados na grama. Também
ficaria assim se jogasse algo do tipo.
— Eeeeii — ouço o grito fino da Sra. Fontenele. — Olha, são
vocês. — Ela aponta para o telão no campo, vejo a mim e Damon
dentro de um coração com uma chamada para a câmera do beijo1.
Minha cara de espanto é perceptível, tento sorrir e disfarçar
para a câmera, olho o rosto de Damon também surpreso. Um coro
de toda a arquibancada começa.
— Beija, beija, beija, beija...
Olho para Damon nervosa. Ele respira fundo e sorri forçado.
Vira-se para mim e me olha por alguns segundos antes de pôr a
mão na minha nuca e, quando eu menos percebo, seus lábios estão
nos meus, enviando uma corrente de choque pelo meu corpo.
Sua língua invade minha boca e entro no ritmo do beijo.
Quando ele se afasta, consigo ouvir o barulho das pessoas
eufóricas pelo nosso beijo. Ele me olha e sorri, mas eu sei que é
encenação por estarmos na frente de diversas pessoas.
Trinta e nove
O jogo acaba e, assim que o senhor e a senhora Fontenele se
despedem, pergunto se podemos ir.
— Sim — ele responde e segura em minha cintura.
Os seguranças de Damon que estavam espalhados se
reagrupam e nos guiam até o carro.
Os Eagles ganharam do Redskins com 28 pontos de diferença,
mas não vi nem um pouco de tristeza ou decepção em Damon.
— Por que veio ao jogo? — pergunto curiosa.
— Já falamos sobre isso.
— Não, isso eu entendi, só não entendi por que num jogo de
futebol se você nem gosta — digo e ele me olha por um tempo.
— Porque ele não desmarcaria seus compromissos por
negócios.
— Deveria fazer o mesmo, você nem tem lazer.
— Negócios e...
— Interesses, blá-blá-blá — imito-o. — Isso não passa de uma
mentira, é o que você usa como argumento para se isolar do
mundo. — Reviro os olhos e ele continua me olhando agora com
uma sobrancelha arqueada. — O que foi? Estou apenas falando a
verdade. — Dou de ombros.
— Você deveria ter cuidado com o que fala — diz em tom
ameaçador.
— Não tenho medo de você, acho que precisa de mais pessoas
na sua vida que lhe digam verdades, e não o que você quer ouvir —
digo o enfrentando, estou me divertindo com isso.
— A única coisa que eu tenho certeza é de que você deveria ter
medo de mim, Thayla. Você não viu nem dois por cento do quanto
eu posso ser ruim — afirma me fazendo engolir em seco, antes de
dar partida e seguir para sua casa.
Chegando ao nosso destino, vejo o carro de Alice parado na
entrada da casa. Mal desembarcamos e já sou recebida por ela com
um abraço apertado.
— Por que essa animação toda? — pergunto.
— Nada... Só estava com saudades. — Ela sorri e pisca o olho
para mim. — Oi, Dom. — Se afasta de mim, fica na ponta dos pés e
beija o rosto dele.
— Alice. — Ele sorri fracamente.
— Quer carona? Estou indo para o lado de lá — ela me
pergunta.
— Claro, só vou pegar minhas coisas — digo e ela me
acompanha.
— Ele nem desconfia de nada, melhor assim, Damon ama ser
estraga-prazeres — diz cochichando.
— Já era de se imaginar. — Dou de ombros.
Troco apenas a blusa, recolho minhas coisas e ponho na bolsa.
Quando voltamos para a sala, encontramos Damon ao telefone,
conversando sobre algum contrato empresarial.
— Tchau, Dom — Alice se despede e ele acena.
— Até mais, amor — digo me aproximando dele, beijo seu rosto
e me afasto rápido, indo para fora sem ter ao menos visto sua
reação.
Quando entramos no carro, Alice comenta:
— Vocês dois são tão estranhos juntos.
— Estranhos? Como assim? — pergunto nervosa.
— Nunca vejo vocês tendo afeto um com o outro, nunca estão
juntinhos como qualquer outro casal fica, sei lá.
— Seu irmão não faz demonstrações públicas de afeto, ele
prefere manter nossos momentos juntos reservados — minto.
—É, Damon nunca foi de demonstrar afeto. Então, mudando de
assunto, tomei a liberdade de chamar sua amiga do trabalho para
sua despedida — diz empolgada.
— Que bom e, ela vai? — pergunto um pouco animada.
— Sim e vai levar uma tal de Carli.
— É a outra funcionária, ela é “super” gente boa — falo.
— Então, estava pensando, minha mãe está fazendo sua
despedida de solteira, mas é a coisa mais sem graça que eu já vi na
minha vida, sem gogo-boys, sem bebidas, sem homem saindo do
bolo ou música alta. — Cai na risada. — É uma coisa bem de velha,
vamos dizer assim, tomar chá e bater papo, fazer umas brincadeiras
sem graça e pronto.
— Credo, que filme de terror — digo fazendo careta.
— Pois é. — Gargalha. — Estive pensando, minha mãe tem
uma agência de publicidade, eu poderia dizer que o sócio dela está
precisando urgentemente que ela vá lá e, quando ela sair, vamos
para uma balada secreta, chamei umas amigas minhas também —
conta superempolgada.
— Balada secreta? — pergunto sem entender.
— Sim, você vai ver como é. Quando chegarmos lá, você vai
vestir a roupa que eu mesma separei, sem reclamações. Confia em
mim que vai ser ótimo.
— Da última vez que me falaram isso, eu me meti em uma
confusão das grandes — digo ao me lembrar do dia em que conheci
Damon.
— Eu sou uma Lins, não me meto em confusão — argumenta
cheia de convicção e eu a olho de soslaio.
— Realmente não, só faltou me matar atropelada no dia em que
nos conhecemos.
— Hum... Tinha me esquecido disso. — Ela sorri sem graça.
Chego à casa dos pais de Alice e vejo o pergolado decorado
com balões e a mesa cheia de comida. Ana, Carli e até Katy já
chegaram, além de outras mulheres que eu não conheço. Cristina
conversa alegremente com todas e veste um lindo robe de seda,
assim como as outras.
— Ok, vamos entrar e nos ajeitar. — Assinto e saio do carro.
Entramos na casa e ela me leva para o que presumo ser o
quarto dela.
— Essa roupa é para agora e essa para mais tarde. — Separa
a sacola e põe em cima da poltrona.
— Não posso ver? — pergunto.
— Não, agora vai tomar banho. — Ela revira os olhos.
— Tá bom, mãe — faço chacota, recebendo um soco de leve.
Entro no banheiro, tomo um banho rápido e saio para vestir
minha roupa. Olho na sacola e vejo um body branco, na região do
busto tá escrito bride, o que eu achei uma gracinha, e para
completar, uma saia de tule da mesma cor. Visto tudo e dou risada.
— Sério que vou ter que aparecer assim? — digo saindo do
banheiro. — Quem não sabe que eu sou a noiva? — Reviro os
olhos.
— Você ficou linda. Só precisa de uma maquiagem no rosto e
um belo rabo de cavalo. Senta aqui. — Bate na cadeira e vou até
ela praticamente me arrastando.
— Damon vai ter despedida também? — pergunto curiosa.
— Então, não era para você saber, mas sim.
— E por que não era pra eu saber?
— Minha mãe disse que era melhor não contar, porque eles
deveriam ir para alguma balada, e você podia ficar chateada, só que
eu tenho é pena do Damon agora. — Dá risada.
— Interessante.
Ele nem iria me falar nada. É bem provável que eu nem saberia
se não fosse por Alice. Fico quieta e espero-a terminar de me
arrumar.
— E você? Não vai se ajeitar? — pergunto a ela.
— Vou sim, só preciso trocar de roupa. — Vai ao banheiro e
volta um tempo depois com um body igual ao meu, mas com
estampa de flores na cor rosa e a saia de tule rosa também.
— Pelo menos eu não vou pagar mico sozinha. — Dou risada
dela.
— Para, vai ser legal. E está bonito. As meninas lá embaixo
também estão vestidas assim. A sua amiguinha achou incrível. —
Ela revira os olhos.
— Alice... Por favor. Você disse que iria tentar — digo
lembrando seu juramento de não quebrar a cara de Katy nos
primeiros minutos.
— Tá legal. — Ela levanta as mãos em rendição.

Depois de Alice enrolar a mãe dela, subo correndo junto com


Ana, Carli e Katy. O clima está um pouco estranho, mas estamos
tentando fazer dar certo.
— Ok, cadê minha roupa? — pergunto a Alice e ela me passa a
sacola de papel da Dolce & Gabbana. Tiro o vestido e observo. —
Você está de brincadeira, né? Mas não vou vestir isso aqui nunca —
digo.
Ana e Carli dão risada.
— Para de coisa, o vestido é lindo — Alice diz tentando me
convencer.
— Vestido? Vou estar praticamente nua.
— Thay, acho que vai ficar lindo em você — ouço Katy dizer.
— Eu também — Ana fala e Carli assente.
— Aí, está vendo! Vai logo vestir, sem mais. — Alice me
empurra para dentro do banheiro, fechando a porta.
Fala sério.
Contra minha vontade, visto-me e me olho no espelho, o
vestido é de um rosa bem clarinho, supercurto com pedraria por
cima. Confesso que fiquei sexy, mas não sei dizer se gostei ou não.
Abro a porta e elas param de se ajeitar me olhando.
— Ficou ótimo — Alice diz dando pulinhos e as meninas
assentem. — Vou retocar sua maquiagem. Está faltando mais uma
coisa — Alice acrescenta batendo palmas e pega uma faixa, vindo
até mim e passando-a pelo meu braço.
Eu pareço uma modelo que acaba de ganhar uma premiação
com as letras "A noiva mais sexy" estampada em letras douradas.
Dou risada e elas também.
— Acho que combinaria mais “atrapalhada” no lugar de sexy —
Ana comenta.
— Sou obrigada a concordar — digo e elas caem na risada.
Olho no relógio e já são 21h. Não sei por qual motivo, mas
estou um pouco ansiosa, talvez seja por causa do meu "casamento"
daqui a algumas horas.
— Vamos, meninas, já está mais do que na hora de a gente se
jogar na pista — Alice diz dando uma risada meio maléfica.
Caminhamos até a porta e já estou me sentindo pelada debaixo
dessa renda. Alice nos leva para os fundos e saímos o mais rápido
possível. Para não perder o costume, tropeço em uma pedra e elas
riem de mim, enquanto observo a limusine estacionada nos
esperando.
— A noite é nossa — Alice fala ao entrar no carro. — Animada?
— Claro que sim, já estou entrando no clima, só não estou
convencida desta roupa sexy demais.
Mal pisquei os olhos e já estávamos na porta de um prédio todo
espelhado.
Descemos do carro e nos ajeitamos antes de entrarmos por
uma porta de vidro. Em frente ao elevador, um cara alto, bem-
vestido e forte, pega uma lista e pergunta nossos nomes. Depois de
confirmar, ele entrega máscaras na mão de Alice e nossa passagem
é liberada.
— Esta é sua. — Minha cunhada me entrega uma no estilo
veneziana, de pedras brancas, bem delicada, que cobre meu rosto.
A delas é parecida, mas na cor dourada.
Ao entrar Alice aperta o botão "S", alguns breves segundos
depois o elevador apita e as portas se abrem, dando em um
estacionamento no subsolo. Caminhamos até outra porta e
passamos por um vasto corredor.
— Chegamos? — pergunto a Alice meio desconfiada.
Ela me olha e diz que sim.
Passamos por uma cortina preta e logo recebemos um
superjato de fumaça. A iluminação é de primeira, ambiente à meia-
luz, dando a possibilidade de ver o rosto mascarado de todos. Muita
gente bebendo e dançando completa o cenário. Os lustres
pomposos, abajures, móveis antigos, pinturas de paisagens e o pé-
direito baixo me lembram uma casa que vi pouco tempo atrás em
um blog.
Um garçom passa com uma bandeja repleta de shot de tequila.
— Venham, vamos esquentar o sangue — Alice fala pegando
um copinho enquanto nos incentiva a fazer o mesmo.
Tomo o meu, sentindo a garganta arder.
Quarenta
Damon Lins

As luzes coloridas enfeitam o lugar, mulheres seminuas dançam


no palco instigando os homens.
— Imagine essa mulher na cama — Paolo comenta olhando
para uma garota que esfrega a bunda com prazer na barra de pole
dance.
— Deve ser uma delícia — Matteo retruca.
Prefiro não comentar sobre isso.
Uma garçonete fantasiada de policial sexy traz mais outra dose
de whisky para mim, os seios dela são perfeitos. Pego o copo da
bandeja e ela se vira de costas me dando uma bela visão de seu
bumbum e de sua calcinha fio-dental azul de renda. Passo o dedo
sobre meu lábio inferior contendo meu sorriso, eu estou adorando
este lugar, o jeito como as mulheres me olham e me desejam me
deixa louco.
A minha mente traz o rosto de uma mulher de cabelos escuros
e olhos castanhos, destemida e que não tem medo de mim. Tenho
que admitir que Thayla nesses últimos tempos tem me surpreendido
muito, mas por que merda ela está em meus pensamentos?
— Damon, você está calado demais — Paolo fala ao meu lado.
— Se diverte, cara, é sua despedida. Que tal irmos ali na frente?
Vamos lá — ele diz e se levanta.
— Também vou. — Matteo segue na frente.
— Ok. — Vou para perto de algumas garotas dançando.
— Sentem-se — a anunciante fala. — As garotas vão dançar
para vocês, mas terão que se controlar, mocinhos — a mulher avisa,
eu e os rapazes nos sentamos nas cadeiras e nossas mãos são
algemadas para trás.
— Assim não dá — Paolo reclama, fazendo-me rir.
Uma música lenta e sensual começa a tocar, uma mulher
caminha em volta da minha cadeira, fazendo questão de balançar o
quadril. Parando na minha frente, ela põe uma mão de cada lado da
minha cadeira me dando uma ótima visão de seus seios. Desço os
olhos cuidadosamente para seu decote, nada mal. Suas mãos
passam pelo meu corpo e param em minha coxa, então ela se senta
em meu colo, com uma perna de cada lado, remexendo lentamente
em mim. Meus sentidos se aguçam, ela se levanta e vira as costas
rebolando a bunda. Senta em meu colo novamente e repete o
movimento, a tensão em meu corpo é evidente. O tempo acaba e
ela se levanta, dando um sorriso de lado. Apesar de ter gostado, eu
nunca transaria com ela, coisa fácil não tem valor e nem graça,
gosto da conquista, da tensão sexual apenas pelo olhar.
— Cara, isso foi uma maravilha — Paolo fala se levantando da
cadeira. — Mas eu quero te levar a um outro lugar — diz.
— Que lugar? — pergunto.
— Uma balada secreta.

Thayla Walther

Danço animada junto com as meninas, não tarda e as amigas


de Alice se juntam a nós. A faixa no meu corpo indicando que sou
noiva não afasta os olhares dos homens, até eu olharia se estivesse
no lugar deles, uma mulher seminua numa boate chama atenção.
Muitos chegam em mim e eu apenas os afasto; se Damon souber
que estou aqui, com toda certeza amanhã eu estarei morta, então
acho que devo me divertir antes que isso aconteça.
— Thay, está gostando da noite? — Alice me pergunta.
— Estou sim, poderíamos fazer isso mais vezes — respondo.
— Então se joga, porque amanhã você será uma Sra. Lins e
esse meio não vai te pertencer mais.
— Sim, serei.
Observo todo o ambiente e quando percebo minha futura
cunhada já está nos braços de um cara alto, de cabelos claros, e
pelo visto bem bonito, a máscara não me deixa ver seus traços.
— Como nos velhos tempos. — Katy me entrega uma taça de
champanhe sorrindo para mim.
— Aos velhos tempos. — Brindo com ela, tomando um gole do
champanhe. — Vamos dançar. — Pego em sua mão e a levo para o
meio da pista, onde está o restante das meninas.
Uma música toca lenta e sensual. Começo a me balançar no
ritmo da batida, rebolo a bunda devagar e passo a mão pelo meu
corpo. O rapaz ao meu lado me encara com os lábios um pouco
abertos, pelo menos sei que consigo seduzir alguém.
Olho fixamente em seus olhos e rebolo meu quadril
acompanhando as batidas da música; ele me olha como se eu fosse
um pedaço de "carne", queria ser vista assim por outros olhos.
Mexo os quadris lentamente, deixando as mãos escorregarem
pelo meu corpo. De repente sinto como se estivesse sendo
observada, e levanto os olhos, encontrando o motivo da minha
sensação. A uma curta distância, um homem de terno está com os
olhos vidrados em mim. Percebo outros dois rapazes junto dele e,
apesar de tão bem-vestidos quanto, não têm a mesma expressão
poderosa que o primeiro emana. Eu sei que deveria cortar a
conexão, mas simplesmente não consigo parar de olhá-lo de volta.
Um deles vem até mim, seu andar é confiante, sua máscara
desenha seu maxilar mostrando toda a sua masculinidade.
— Tenho que concordar com meu amigo, só que de perto você
é ainda mais linda. — Ele sorri galanteador.
— Obrigada, e você é um gato. — Eu falei isso mesmo? E
ainda para um estranho?
— São apenas os seus olhos — ele diz me olhando de cima a
baixo. — Você está na sua despedida de solteira?
— Sim — falo sem graça ao me lembrar.
— Meu primo também está, talvez ele queira te conhecer — diz
e faz um aceno para seus amigos.
Observo-o caminhar com as mãos dentro dos bolsos, sua
máscara cobre parte de seu rosto dando um ar de mistério.
— Ei, cara, hoje também é a despedida de solteira dela — ele
fala animado. — Quando você se casa? — o empolgadinho me
pergunta, creio que ele já está bêbado.
— Amanhã — falo por cima da música.
— Sério? Ele também vai se casar amanhã. — Aponta para o
cara misterioso.
— Que legal, prazer, sou a Srta. Thayla Walther, mas daqui a
algumas horas serei a Sra. Lins. — Estendo a mão para o homem a
minha frente e ele fica estático, então me aproximo mais e vejo seus
olhos verde-acinzentados, não pode ser...
Ele tira a máscara revelando seu rosto irritado. Meu corpo
inteiro se arrepia com seu olhar, eu estou muito, mas muito,
encrencada.
— Mas o que porra você está fazendo aqui? — berra e eu
respiro fundo.
— O mesmo que você — respondo não deixando me intimidar.
— Eu por acaso estou dançando no meio de uma boate
chamando a atenção de todos? Ou me esfregando em alguma
mulher? — ele diz furioso.
— Estou apenas me divertindo. Agora me explica, o que está
fazendo aqui também? E por que estava me olhando se nem sabia
que era eu? — digo incomodada.
— Parem vocês dois, a culpa foi minha, quis dar uma
despedida digna a ela. — Alice para entre nós dois e põe a mão na
cintura olhando para ele.
— Claro, só podia ser você, não é? Vamos. Acabou essa
palhaçada, e ai de você se não vier comigo ou se vocês me
impedirem. — Ele olha para mim e depois para os outros ao nosso
redor.
Pega em minha mão e começa a andar.
— Eu não quero ir embora — digo sendo levada por ele.
— Mas você vai — ordena e eu me calo.
Dou um aceno breve para todos que deixei para trás e caminho
com ele. Saio da boate andando pelo corredor vazio.
— Mas que merda de roupa é essa? Você está praticamente
nua. — Ele me olha e tira o blazer, irritado, jogando-o em mim.
— Não é para tanto, por que está tão irritado? — Sinto seu
cheiro tomar conta de mim quando me cubro com sua peça de
roupa.
— Quantas vezes terei que explicar para você? Isso não é
brincadeira, Thayla. Você não pode sujar minha imagem desse jeito.
Parece que a merda do contrato não vale de nada, você quebra
todas as regras sempre. Porra, me escuta pelo menos uma vez,
garota — ele fala irado.
— Eu estava tomando cuidado — digo baixo. — Não tinha
como ninguém saber que era eu.
— Não, você não estava. Está completamente bêbada, quase
nua com essa merda de roupa, com um cara do seu lado doido para
te comer — ele grita para mim. — Você percebe o grau disso? Se
alguém te reconhece? Você será minha mulher, então se comporte
como tal.
— Eu não estou bêbada — digo cruzando os braços brava. —
Você também se esquece de que isso é um contrato e quer mandar
em mim. Mas não é bem assim, sei que errei em ter vindo para cá,
mas você também está errado. Você pode sair, fazer o que bem
quiser, e eu não? Por que tenho que prezar pela sua imagem,
enquanto você não faz o mínimo e eu saio como a corna? —
Levanto as mãos dramaticamente e começo a andar em sua frente,
fazendo questão de rebolar a bunda.
Bato em uma parede e perco um pouco do equilíbrio, quase
caindo. Me seguro na parede e sinto as mãos de Damon em minha
cintura.
— Estou bem. — Olho para ele, que continua irritado, me
soltando.
— Estou vendo.
Volto a caminhar e saio para a garagem, Damon aponta para
um carro prata e eu ando até lá.
— Por que a gente não pode se pegar então?! Tipo de
verdade? — pergunto curiosa e ele fica calado.
Entro no automóvel, e ele também.
— Se for começar com essas coisas, vai para casa andando —
avisa e eu fico quieta.
Ele sai cantando pneus em alta velocidade pelas ruas, vejo uma
Range Rover logo atrás de nós nos acompanhando.
— Damon... Tem alguém nos seguindo.
— Pelo amor de Deus, Thayla, são os seguranças — diz,
respirando fundo.
— Hum... — Me ajeito no banco novamente, sem graça.
Talvez eu esteja realmente bêbada. Ligo o som do carro e
Damon me olha com a sobrancelha arqueada.
— O que foi? Não me olhe assim, porque agora eu sou uma
Lins. Tenho poderes, sou rica e egocêntrica — sigo sendo irônica,
imitando a voz dele, o que não saiu nenhum pouco parecido.
— Você precisa ser tratada urgentemente. Com toda certeza, é
louca — diz baixo.
— Eu ouvi isso. — Estreito os olhos para ele, que faz menção
de desligar o som, e eu bato em sua mão.
— Está doida? — Me olha feio.
— Não.
— Cala a porra da boca ou vou te largar aqui — fala apertando
o volante, deixando os nós dos dedos brancos.
— Seria uma honra — digo provocando-o.
Ele me olha de soslaio e volta a atenção à estrada. Encosto a
cabeça na janela e começo a cantar a música que toca na rádio,
não sei muito a letra então acabo me calando. Mexo no porta-luvas
do carro, encontrando alguns documentos de compra do veículo, um
Bugatti La Voiture.
— Puta que pariu, por esse preço eu dava para você de graça.
Mas, se recebesse esse valor, não seria de graça, seria pago, né?
Então, por esse preço, eu só te dou — digo entretida nos papéis e
no valor absurdo do carro. — Como você tem coragem de pagar 18
milhões de dólares num carro? Com esse valor, eu teria um monte
de lambretas de todos os jeitos e cores. Ou ônibus, seria
interessante ter um ônibus.
— Para que você iria querer um ônibus? — Damon pergunta.
— Para a gente passear. — Dou de ombros. — Eu, você e os
nossos cem filhos, apesar de que eu acho que não caberiam todos,
sabe? Precisaríamos de algo maior. — Olho para ele, que me
encara como se eu fosse uma maluca.
Decido ficar quieta e colocar os papéis de volta no porta-luvas.
Em um piscar de olhos, eu estou em sua casa. Damon para o
carro e abre a porta, me pegando pelo braço. Subo as escadas com
sua mão em minha cintura, me sinto quente com ele por perto.
Percorremos o corredor e observo os quadros na parede.
— Você que pintou? — Aponto para a figura da mulher
chorando.
— Sim — diz curto e grosso.
— Você pinta muito bem. E eu desenho muito bem, deveria
ver... alguns pauzinhos, uma bola na ponta e eu consigo fazer
alguém. — Sorrio. — Deveria me ensinar qualquer dia desses.
— É, quem sabe...
Volto a andar, parando em frente ao quarto de hóspedes.
— Esse vai ser o meu quarto mesmo? — pergunto curiosa.
— Podemos ver isso depois, entre — diz abrindo a porta.
Olho para ele por alguns segundos e num ato repentino deixo
um beijo em seus lábios, sentindo toda a vibração do toque em mim.
Ele não recua e nem eu me separo dele, até que entro no quarto.
— Até amanhã, esposo. — Fecho a porta sem olhá-lo nos
olhos, deixando-o do outro lado.
Tiro minha roupa e vou para o banho. Removo toda a
maquiagem do rosto, lavo os cabelos e visto um roupão, deitando-
me na cama.
Quarenta e um
Acordo desorientada, sem saber onde estou, aos poucos
minhas lembranças vão voltando e me recordo das loucuras de
ontem. Damon deve estar muito puto comigo. Respiro fundo
algumas vezes sentindo a dor latejar em minha cabeça, vejo uma
bandeja de comida do meu lado e uma caixinha com remédio para
dor. Pego o comprimido e tomo. Como praticamente tudo o que
estava na bandeja e, depois de saciar a minha fome, levanto-me.
Tomo um banho e ponho o roupão novamente. Saio do quarto e o
silêncio pelos corredores prevalece, o único barulho emitido é dos
meus pés tocando no chão frio, até que desço as escadas e
encontro Ambr ó sia.
— Bom dia — digo. — Onde está Damon?
— Damon saiu — sua voz enjoada deixa meu estômago
embrulhado.
— Pensei já ter conversado sobre isso com você. — Sorrio
cínica.
— Desculpe. Alice está te aguardando na área da piscina. —
Ela faz uma breve reverência e sai.
Ando pelo jardim de inverno e saio pela porta que dá para a
área externa, vendo Alice ao longe, com óculos escuros, sentada na
sombra.
— Bom dia — ela diz. — Como está?
— Bom dia. Com dor de cabeça, mas bem. E você? —
pergunto.
— Com uma ressaca terrível — choraminga. — Seu vestido já
chegou, quer provar?
— Pode ser mais tarde? — Sento-me na cadeira.
— Não está animada? — Ela tira os óculos revelando as
olheiras.
— Estou... é só a dor de cabeça mesmo — minto.
— Então tá, Damon saiu, a casa é nossa. Vocês só irão se ver
agora na igreja. Ele está bem animado. — Ela sorri.
— Está? — pergunto assustada.
— Sim! Disse que hoje é o melhor dia da vida dele — explica.
Com certeza não é por causa do nosso "casamento".
— Hum, que bom. Também estou animada para hoje,
finalmente vamos nos casar. — Sorrio fingindo estar realmente
animada.
— Que tal tomarmos sol e você fazer uma marquinha para a lua
de mel? — sugere levantando as sobrancelhas e meu rosto
erubesce.
— Não vamos ter lua de mel, Damon vai continuar aqui por
causa do trabalho.
— Mas pelo menos vão curtir a noite. Vamos procurar um
biquíni para você, ficamos aqui até os maquiadores e os
cabeleireiros chegarem, nossa mãe e as garotas vão vir para cá
também.
— Que bom.

Depois de algum tempo no sol, eu realmente estava com


marquinha, o que era uma maravilha.
— Uau, você se bronzeou bem — Alice diz afastando o biquíni
da minha pele e conferindo. — Por que não tira uma foto?
— Pra quê?
— Vai, tira uma foto, não é sempre que se consegue uma
marquinha assim.
— Tá. — Pego meu celular e tiro a bendita.
— Deixe-me ver. — Alice pega o celular de minha mão e olha
por um tempo. — Prontinho. — Ela sorri maliciosamente.
— O que você fez?! — pergunto olhando no celular. —
Aliceeee.
Ela gargalha alto. A foto foi enviada para Damon com a legenda
"Apenas para você".
— Eu vou te matar — digo e ela corre, pulando na piscina.
Mergulho atrás dela fingindo que vou afogá-la.
— Sua louca. — Ela gargalha.
— Louca é você.
— Tudo isso só por causa de uma foto, ele já viu muito mais. —
Ele já me viu nua, mas não há essa intimidade entre nós dois.
Ouço meu celular apitar e fico apreensiva. Saio da piscina e
pego o aparelho, vendo que ele respondeu, então abro a
mensagem.

Mensagem: On
Ainda bêbada? — Damon.

Não fui eu. — Thayla.

Alice... — Damon.

Sim, sempre ela. — Thayla.

Até daqui a pouco. — Damon.


Até. — Thayla.

Mensagem: Off
Sorrio para o celular e Alice joga um pouco de água em mim.
— Senhoritas, o pessoal já chegou. — Ágatha sorri para mim e
sai logo em seguida.
— Vamos lá. — Alice se levanta de sua espreguiçadeira e eu
faço o mesmo, seguindo-a para o pergolado onde foi montado um
minissalão, no jardim.
— Bom dia. — Sorrio.
— Bom dia, preparamos um banho de rosas e leite para vocês
duas ao lado da sauna.
— Obrigada — digo.
Corro para lá, vendo o quanto será bom este dia.
Entro na água, relaxando o corpo, descanso a cabeça na borda
e respiro devagar. Alice deita-se na banheira de hidromassagem.
Taças com água saborizada são servidas a nós.
— Isso é para a senhora. — Uma mulher entra carregando um
buquê de rosas.
— Para mim? — pergunto e ela assente. — De quem são?
— Do seu noivo, senhora — ela diz como se fosse óbvio.
— Oh, claro. — Sorrio. — A que horas minha mãe vai vir?
— Ela já deve estar chegando — Ágatha fala.
— Obrigada.
Ela abaixa as luzes e deixa nós duas a sós.
— Daqui a pouco teremos massagem — Alice fala baixinho.
— Que maravilha.
Depois de uma meia hora na banheira, visto o roupão e vou
para o jardim, onde macas foram montadas para a massagem.
Deito-me em uma e logo a massoterapeuta se aproxima com suas
mãos hábeis, sabendo exatamente onde tocar para me deixar
relaxada. Com o corpo ainda mole, tomo uma chuveirada para tirar
os óleos do corpo.
Sento-me na cadeira do cabeleireiro e a ajudante começa a
lavar meus cabelos, enquanto duas manicures começam a pintar
minhas unhas. Alice também está recebendo o mesmo tratamento.
Minha mãe chega pouco depois de Cristina, ambas estão tão
felizes que é contagiante.
Com o penteado feito, é hora da maquiagem. A profissional
capricha no esfumado dos olhos e, antes de passar o batom rosado
em mim, eu como uma salada com frango.
Os retoques no cabelo são feitos antes de uma tiara ser
colocada em minha cabeça.
— Agora a hora do vestido. Vamos lá, já está um pouco
atrasada.
— Ok.
Seguimos para meu quarto, mais conhecido como o de
hóspedes, onde uma caixa grande está sobre a cama. Abro-a com
cuidado e vejo o vestido.
— É tão lindo — comento.
— Vai ser a noiva mais comentada por séculos — Alice fala.
A modista vem até mim, tirando o vestido da caixa e me
ajudando a vesti-lo.
O tecido se molda ao meu corpo perfeitamente, me fazendo
ficar alguns minutos me olhando no espelho sem acreditar.
De fato, a ficha de que eu irei me casar está caindo; sendo de
fachada ou não, é um casamento com toda pompa e circunstância.
Já dentro da limusine com minha mãe, Alice e Cristina, vamos
em direção à igreja. De repente me vejo nervosa, minhas mãos
suam e eu tento pensar que é apenas por conta do calor, mesmo
estando com o ar-condicionado no máximo.
— Ei, não precisa ficar nervosa, apenas respire. — Minha mãe
aperta minha mão. — É tão bom saber que ao menos irei vê-la se
casar. — Sorri alegre.
— A senhora irá ver muitas coisas ainda, e vai embora apenas
quando estiver bem velhinha — digo sentindo meus olhos se
encherem de lágrimas e meu coração se apertar por estar mentindo
em relação ao casamento, ela não merece isso, não mesmo.
— Deus te ouça — diz. — Você está linda como nunca, lembro
quando eu e seu pai nos casamos, foi uma emoção tão forte. Ele iria
amar levá-la para o altar.
— Sei que sim. — Sorrio fracamente.
Quando menos espero já estamos parados em frente à grande
e luxuosa igreja. Contudo o casamento não acontecerá dentro dela,
e sim na área externa, o final da tarde está lindo e o sol já está
baixo, prestes a se pôr.
Alguns colunistas se amontoam em frente à limusine, flashes
são disparados. Quando os seguranças param do lado de fora do
carro, John abre a porta e me ajuda a sair, os seguranças me
acompanham. Quando chego dentro da igreja, a cerimonialista me
avisa sobre uma pequena sessão de fotos para alguns dos jornais
mais importantes, que receberam o convite para cobrir o casamento.
Faço algumas poses e assim que termino me despeço, indo para o
jardim.
Sou posicionada em frente a um arco com flores brancas e
rosadas que fazem o caminho para o altar. Minha mãe segura em
meu braço e, quando a música de entrada começa a tocar,
caminhamos sobre pétalas brancas jogadas no chão. Os passos
são lentos, mas meu coração bate rápido e minhas mãos suam.
Muitas pessoas me olham com adoração, não conheço a terça
metade delas, mas sorrio de volta. Foco a atenção na pessoa a
minha espera lá na frente. Damon está sério e me olha fixamente.
Reparo em seus cabelos bem penteados para trás e no smoking
azul-marinho que molda muito bem seu corpo. Ele sorri de lado me
deixando sem graça.
Quando por fim chegamos perto dele, minha mãe o abraça e eu
lhe entrego meu buquê. Ele pega em minha mão e deixa um beijo
rápido no dorso, belo teatro.
— Você está linda — fala em meu ouvido.
— Obrigada — digo baixinho.
A cerimônia começa, o padre explica como é a vida a dois e as
obrigações de um casamento, o que eu acho particularmente um
saco. Finalmente chega a parte dos votos, falo os meus e Damon
também, na sequência trocamos as alianças.
— Se alguém tem algo contra este casamento, fale agora ou
cale-se para sempre — o padre diz em alto e bom som, mas o
silêncio prevalece e nos viramos para ele novamente.
Ouço barulhos de saltos no chão, viro para trás, vendo três
mulheres com roupas pretas. Duas delas são morenas e uma é
loira. A loira me olha de um jeito estranho, posso sentir a energia
negativa dela de onde eu estou. O aperto de Damon em minha mão
se intensifica, quem é ela?
Todos ficam olhando para elas, não demora muito e se sentam.
— Com o poder conferido a mim, eu os declaro marido e
mulher, pode beijar a noiva — o padre diz e eu me viro para Damon,
sentindo meu coração bater rápido no peito.
Ele põe a mão em minha nuca e me puxa para si. Ele está me
beijando mesmo? Seus lábios estão nos meus, fazendo minha boca
formigar. Sinto sua língua em minha boca brincando comigo, sua
mão aperta a minha cintura e por fim nos separamos. Fico um
pouco estática tentando absorver tudo o que acabou de acontecer,
as pessoas aplaudem e sorriem para nós.
Com a ajuda de Damon, saímos do altar direto para o carro.
Apesar de já termos nos beijado antes, essa vez senti que era
diferente. Era como se nós dois fôssemos feitos um para o outro.
Pode ser que apenas eu tenha sentido, mas, que tinha sido um beijo
diferente, disso eu não tinha dúvidas.
Quarenta e dois
De volta à limusine, fico sem saber o que fazer. Olho de soslaio
e percebo Damon com o olhar perdido.
Chegamos à recepção e fico na expectativa, já que tudo foi
organizado por Alice e Cristina.
A festa acontecerá a céu aberto, já que não há previsão de
chuva nessa semana.
Damon está apreensivo ao meu lado, nunca o vi desse jeito.
— Está tudo bem? — pergunto, mas ele não me responde.
Respiro fundo e fico quieta. Aos poucos o carro vai parando,
Damon sai na frente e vai falar com o chefe da segurança.
John me ajuda a sair do carro e eu fico observando meu
marido, de longe, falar com autoridade, mostrando sua irritação ao
chefe de segurança, que apenas assente antes de se juntar aos
outros.
Ele caminha a passos firmes em minha direção e segura em
meu braço, sua respiração está ofegante e descompassada.
— Damon? — chamo.
— Sim — responde um tanto grosseiro.
— Está acontecendo algo?
— Não. Vamos entrar logo.
Ele passa as mãos nos cabelos, colocando-os no lugar.
Talvez sejam apenas coisas da minha cabeça, mas tudo indica
que ele está assim por causa daquelas mulheres que entraram na
igreja vestidas de preto.
Entro no iate clube onde acontecerá a festa, o lugar é lindo e
cheio de árvores. A arrumação em tons de rosa e branco ficou um
charme, a vista é incrível para o Union Lake.
— Ficou mais bonito do que eu imaginei — digo olhando os
mínimos detalhes.
— Tenho que concordar que minha mãe caprichou — admite
deixando-me surpresa. — Eu também sei elogiar.
— Disso eu sei, mas sua arrogância não deixa. — Sorrio cínica.
— Deveria ter cuidado com a língua se não quer ficar sem ela.
— Ele me devolve o sorriso.
— Ogro — digo baixo e ele me olha torto.
Vejo a prima de Damon conversando com o irmão, que parece
estar irritado enquanto ela apenas sorri. O que deu nesse povo
hoje?!
— Você está tão linda — a Sra. Jarbas fala aparecendo em
minha frente, ela está com um vestido floral elegante.
— Celeste — digo empolgada, puxando-a para um abraço. —
Que bom que pôde vir. Está linda como sempre. — Sorrio. — Onde
está o Sr. Jarbas?
— Está na mesa de doces como sempre. — Ela dá risada.
— Como não adivinhei? — digo brincando.
— Damon, como você está? A cerimônia foi linda — comenta.
— Estou muito bem. — Ele me olha e sorri. Falso. — Minha
esposa tem um ótimo gosto. — Pega minha mão e deixa um beijo
no dorso, sorrio de volta.
— Você tem uma grande sorte. — Ela pega na mão dele e sorri.
— Olha quem está vindo ali. — O Sr. Jarbas vem conversando com
um rapaz que eu não conheço. Eu estou no meu próprio
"casamento" e não conheço a terça metade das pessoas presentes.
Ele se despede do rapaz e vem até nós.
— Você está magnífica — ele diz sorrindo.
— Obrigada. — Sorrio amarelo.
— E então, Damon, feliz pelo casamento?
— Sim — ele responde curto e grosso.
— Tenho que dar atenção aos outros convidados também, se
importa, querida? — Damon pergunta.
— Não. Daqui a pouco irei também.
Ele se despede de todos e sai.
Observo-o caminhar até seus amigos com aquele ar sexy e
acabo me perdendo nos pensamentos. E se fosse verdade?! E se
esse fosse um casamento para valer, e se todos que estão aqui
fossem meus amigos e familiares?
— Thay?— ouço uma voz longe me chamar e acordo do meu
transe.
— Oi, Ali — digo voltando à realidade.
— Amiga, tá na hora do buquê — avisa.
— Ah, sim, vamos. — Peço licença ao casal Jarbas e sigo
minha cunhada.
Alice pega uma caixa acrílica na mão da cerimonialista e chama
a atenção de todas.
— Vamos lá, meninas, a hora mais esperada pelas solteiras
chegou. Só que essa não vai ser convencional — Alice faz
suspense e as mulheres se juntam a nossa frente. — O buquê vai
para dentro desse acrílico e será trancado. Diversas chaves serão
distribuídas e cada uma tentará a sorte. Quem conseguir destrancar
a fechadura levará o buquê para casa.
Enquanto isso entrego as flores para a cerimonialista, que a
lacra antes de começar a distribuir as chaves. As tentativas
começam, e assim uma por uma vai gerando maior expectativa para
descobrir a mais nova desencalhada da cidade. Depois de muitas
tentativas, a mesma mulher que entrou na cerimônia atraindo a
atenção de todos vem até a caixa e click, a caixa se abre. Todos
ficam olhando. Damon fica com os olhos escuros e o rosto
vermelho, pelo visto essa mulher mexe com ele.
Ela sorri com o buquê nas mãos e todos batem palmas. Os
seguranças vêm na direção dela e falam algo próximo ao seu
ouvido; ela sorri mais uma vez e acompanha os homens. Mas quem
é essa mulher?
Vou decidida até Alice perguntar quem ela é, mas o senhor e a
Sra. Lins me interrompem.
— Gostaria da atenção de todos, por favor — o Sr. Lins fala ao
microfone. — Queremos dar um presente a minha nora e ao meu
filho. Sabemos que ele é completamente focado no trabalho. Por
isso decidimos lhe dar uma folga. Já está tudo combinado na
empresa para que vocês possam desfrutar de alguns dias em
viagem de lua de mel para as Ilhas Maldivas, e nem adianta dizer
não. — Ele sorri e pisca para mim; Cristina também está empolgada
ao seu lado.
— Obrigada — digo de longe e ela apenas assente. Damon não
está com uma cara muito boa, mas é um sonho viajar para as
Maldivas, eu nunca teria dinheiro para conhecer um lugar desses.
— Eles são maravilhosos. — Minha mãe me abraça de lado.
— São mesmo. — Sorrio.
— Agora estou mais tranquila, por saber que você está em
boas mãos.
— Com certeza ela está — Damon fala.
— Obrigada — ela diz e o puxa para um abraço.
Damon fica sem jeito, mas retribui.
— Se me permite, gostaria de dançar com sua filha.
— Mas é claro — ela responde.
Beijo seu rosto e seguro na mão de Damon, que me leva para o
meio do salão.
Os acordes profundos de All of me, de John Legend, são
reproduzidos no salão e conseguem mexer com os meus sentidos
enquanto nosso corpo se balança. Neste momento tudo a nossa
volta parece não existir mais, somos apenas eu e ele.
Com uma intimidade que não temos, coloco a cabeça em seu
peito, sentindo e ouvindo seu coração bater regularmente.
— Por que você não gosta de mim? — pergunto de repente.
— Não entendi — ele fala.
— Por que me mantém tão distante de você?
— Não gosto de criar laços com ninguém. São apenas negócios
— explica.
— Você não quer ir a essa viagem, né?!
— Na verdade, quero. Já estava planejando tirar alguns dias da
empresa, preciso descansar um pouco e resolver algumas coisas
agora que já estamos casados.
— Quando iremos? — pergunto.
— Amanhã. Pedirei ao John para pegar seus pertences no
apartamento em que você morava, pela manhã, e levar sua mãe
para a clínica.
— Mas você vai deixar que eu me despeça dela, não é?
Ele assente com a cabeça e suspiro baixo olhando para minha
mãe, que se diverte com Alice.
Ao final da festa seguimos direto para casa de Damon, onde
agora também será minha casa. Quando eu me imaginaria casada
com alguém rico e importante?
Sempre me imaginei casando por amor, construindo uma
família e sendo feliz da nossa forma. Eu realmente me casei por
amor, mas por amor a minha mãe, e não à pessoa que estava ao
meu lado. Sei que sinto algo por Damon, mas não posso dizer que é
amor. Ao menos ainda não, mas com certeza vai além da atração
física.
Observo-o mexer no celular, seu semblante sério mostra que
ele está resolvendo algo; alguns minutos se passam e chegamos.
John abre a porta para mim e me ajuda a sair do carro, Damon
enlaça seu braço no meu e começamos a caminhar, quando irei me
acostumar com essas aproximações dele?
— Seu quarto já está pronto, e as araras de roupas já
chegaram, esqueça suas antigas roupas e tudo o que era de sua
antiga vida, apenas seus pertences pessoais serão trazidos para cá,
tudo bem?
— Sim — digo, não tinha nada mesmo.
— Ágatha irá te ajudar a fazer a mala para amanhã, esteja
pronta às 8h. Mas antes disso quero te mostrar uma coisa — ele
fala e me leva até a garagem.
Entre os diversos carros estacionados, um em especial me
chama a atenção, um Alfa Romeo preto com um pompom de fita em
cima.
Olho para Damon e ele me estende a chave do carro.
— É seu.
— Meu? — Olho boquiaberta. — Não posso aceitar — digo
parando de sorrir.
— Por que não? — pergunta intrigado.
— É demais para mim, não posso aceitar um carro de presente,
eu já aceitei todas as outras coisas, joias caras, roupas de marca.
— Falei que todas as suas despesas seriam arcadas por mim,
se eu estou te dando é por minha vontade, então apenas aceite —
ele diz e joga a chave em minha direção. — Se não quiser andar
nele, já é contigo, mas ele é seu. Caso queira, podemos fazer
alguma personalização, é só me avisar, que mandamos para a
oficina. No entanto, nunca saia sozinha. Você pode dirigir, mas
nunca sem os seguranças, isso não está aberto a negociações,
estou impondo para sua própria segurança. — Ele dá uma piscadela
e sai.
Viro-me para o carro e observo todos os seus detalhes. Como
resistir a essa tentação?
— Senhora? — Ágatha me chama fazendo-me tomar um susto.
— Pelo amor de Deus, que susto.
— Desculpa, é que o Sr. Lins pediu que viesse buscá-la para
arrumar a mala.
— Só Thayla, e não precisa se desculpar — digo sorrindo.
Olho uma última vez para o carro, antes de segui-la.
— É este aqui. — Ágatha aponta para a porta e eu entro. O
quarto é muito maior do que aquele em que eu sempre ficava. A
cama toma boa parte do espaço do ambiente, uma escultura em
formas geométricas enfeita a parede e há uma varanda para o lado
da piscina, além do vasto verde de fundo.
O closet está cheio de roupas separadas por cor, bolsas e
sapatos também, tudo de que preciso e até demais.
— Então... Maldivas é bem tropical, aconselho roupas leves,
vestidinhos, shorts, muitos biquínis e algumas roupas mais formais
para o caso de vocês irem jantar ou fazer algo mais social — Ágatha
fala.
— Se importa de fazer para mim? Estou cansada.
— Não, senhora, quer dizer, Thayla. — Ela sorri e pega minha
mala para arrumar.
— Obrigada, mas antes me ajuda a tirar o vestido, preciso
tomar banho.
Me deparo com um banheiro todo em mármore, com uma
parede em vidro dando vista para o jardim. Na bancada, todos os
tipos de produtos para um skincare profissional.
Ágatha com muito cuidado me ajuda e, assim que estou livre da
peça pesada, me enrolo no roupão para tirar a maquiagem.
Tiro a infinidade de grampos do cabelo, deixo a tiara em cima
da pia e sigo para uma chuveirada.
A água morna relaxa meus músculos enquanto lavo os cabelos
tirando todo o laquê usado para o penteado.
Quando saio para o quarto, Ágatha está colocando as últimas
coisas dentro da mala.
— Se não se importar, separei este vestido para viajar, vai ficar
lindo. — Ela me estende a peça na cor azul-clarinha, com um
decote bonito, que ressaltará meu tom de pele.
Deixa a roupa pendurada em um cabide antes de se retirar do
quarto.
Não sei exatamente o que fazer agora, mas decido sair à
procura de Damon. Quando não o encontro no seu quarto, desço as
escadas já sabendo onde ele estará. Bato à porta do escritório antes
de abrir e encontro Damon assinando alguns papéis.
— O que está fazendo? — questiono ao me sentar na poltrona,
em frente à mesa.
— Adiantando alguns assuntos antes de viajarmos. — Me olha
e volta aos documentos. — O que quer?
— Não queria ficar sozinha.
— E o que pretende fazer? — Volta a deixar os papéis de lado
me encarando.
— Podíamos estar aproveitando a lua de mel — digo e seu
rosto se fecha. — Mas, como eu estou brincando, poderíamos
assistir a um filme. — Sorrio cínica.
— Deveria descansar, amanhã sairemos cedo e o dia hoje foi
cansativo. — Encerra o papo digitando algo em seu notebook.
Levanto-me sem dizer nada, voltando desanimada para o
quarto, o que me resta mesmo é dormir.

Olho para minha mãe com os olhos cheios de lágrimas.


— Tem certeza de que a senhora não quer que eu fique para
acompanhar o início do tratamento? — pergunto triste por deixá-la
na clínica.
— Sim, tenho. Já estou sendo muito bem tratada e aqui ainda é
melhor que nosso apartamento — diz brincando. Mas com toda
certeza é verdade. — E, afinal, mesmo se ficasse não poderia estar
aqui comigo toda hora, vou ficar bem, tenha uma ótima viagem.
— Por favor, se precisar de qualquer coisa me liga e eu venho
correndo para cá — digo a olhando fixamente, Damon está
encostado na janela apenas nos observando.
— Tudo bem, agora vá. — Ela beija minha mão e sorri. —
Divirtam-se e me deem bastantes netos. — Ela olha para Damon,
ele pigarreia e responde.
— Pode deixar. — Chega mais próximo e aperta seu ombro.
— Acho que está muito cedo. — Sorrio amarelo,
completamente corada.
— Nada é cedo ou tarde demais, cada um tem seu tempo.
— Senhora, pode ficar tranquila, qualquer coisa ligaremos para
vocês — a enfermeira simpática diz.
A clínica é linda e aconchegante, parece mais uma mansão.
Damon segura em minha mão e agradece a profissional antes de
me levar embora.
Saio da clínica com o coração pesado, mas minha mãe precisa
e, se Deus quiser, sairá de lá logo, logo.
John abre a porta do carro para nós e os seguranças entram
em sua Range Rover, fazendo nossa escolta até o aeroporto.
O silêncio no carro prevalece, tento puxar conversa.
— Você já foi para lá? — pergunto.
— Não, primeira vez — ele responde prestando atenção ao
trânsito.
— Estou ansiosa para conhecer, nunca saí de Seattle. Você
viaja muito?
— Então teremos mais uma primeira vez — ele diz debochado.
Fico vermelha. — Sim, viajo bastante.
— E eu vou ficar naquela casa enorme sozinha sempre? —
pergunto.
— A algumas viagens levarei você — fala tamborilando os
dedos na perna.
— Hum.
— Quando voltarmos, você precisará fazer aulas com Sra.
Reusser, de etiqueta, e não pense que me esqueci dos exercícios.
— De novo? Ela é muito chata. E exercícios pra quê? Não
estou gorda.— Reviro os olhos.
— A prática leva à perfeição e exercícios são saúde.
— Então tenho que praticar várias coisas. — Dou risada,
ignorando seu comentário sobre os exercícios.
— Concordo — diz sarcástico.
— Ei. — Bato de leve em seu ombro e ele sorri.
Fico quieta observando as árvores passarem rapidamente pela
janela do carro, pensando no quanto Damon parece estar mais leve
e descontraído nos permitindo momentos legais.
Em alguns minutos chegamos à pista privada do aeroporto,
parando ao lado do jatinho particular. Que nossa viagem comece.
Quarenta e três
Depois de 24 horas dentro do avião, finalmente chegamos ao
aeroporto de Malé.
É possível ver a água cristalina por toda a extensão em volta do
aeroporto, Damon me ajuda a descer e caminha até um homem de
terno preto, com fone em um ouvido. Só tinha visto guarda-costas
assim em filmes. Troca algumas palavras com ele e vem até mim.
— Vamos, o hidroavião já está pronto — fala colocando seus
óculos escuros no rosto.
Um encarregado pega nossas malas e leva para o pequeno
avião estacionado na água.
— Por que precisamos de seguranças até aqui? — pergunto
olhando os homens vestidos de terno escuro ao nosso redor.
— Nunca sabemos o que pode acontecer, preste atenção em
outras coisas e nem perceberá a presença deles — ele diz e me
lança um sorriso.
Arqueio as sobrancelhas provocando sua curiosidade.
— Não é por nada não, mas você está gentil demais, isso é
estranho — digo não sabendo se é exatamente o certo a fazer.
— Só estou querendo aproveitar a viagem e, se é a sua cara
que vou ter que ficar vendo por uma semana inteira, precisamos
estar bem — responde o óbvio.
— Talvez você não se lembre, mas não vai ver minha cara só
por uma semana, e sim por um ano inteiro, então se acostume,
querido. — Pisco o olho e ponho meus óculos de sol.
Ouço sua risada baixa e rouca. Olho para ele espantada, ele
realmente está rindo? E por minha causa? Fito seus dentes brancos
e seus lábios ligeiramente rosados e repuxados pelo sorriso; tento
gravar os mínimos detalhes dessa cena, raramente acontece isso.
Volto a atenção para a frente antes que ele me pegue no flagra.
Entro no hidroavião sendo seguida por Damon e em poucos
minutos já estamos novamente no ar.
O verde se destaca lá embaixo.
Fico tão absorta que nem ouço Damon falando comigo.
— Desculpa. O que estava falando? — pergunto.
— Estava falando para parar de babar na janela do avião — ele
diz.
— Olha só, ele tem senso de humor. — Dou uma gargalhada
forçada e reviro os olhos. — Do que estava falando?
— Que vai poder nadar todos os dias agora.
— Verdade. — Sorrio.
Maldivas é encantador, parece um lugar mágico. Os grandes e
belos coqueiros enfeitam toda a ilha, os pássaros voam no céu azul
e ensolarado, e o barulho da água batendo calmamente sobre o
deque é como a sinfonia de Beethoven. Encho os pulmões do ar
puro e os solto devagar. Estar neste lugar é libertador. Somos
recebidos por vários funcionários no ancoradouro cantando e
batendo palmas como é de praxe, eles são bem receptivos com
todos. Ganho uma coroa de flores, e Damon também.
— Que lugar incrível — digo.
— Concordo, vamos fazer nosso check-in no hotel. — Entramos
na recepção do hotel, uma grande estrutura de madeira, vidro e
palha.
O lugar é muito bem-arrumado e de decoração rústica. A
enorme piscina está bem localizada no deque de madeira, com a
praia mais à frente e cadeiras e mesas bem-postas sobre a areia.
— Bom dia, tenho uma reserva — Damon fala e a mulher o
observa encantada, pelo menos não é só comigo que ele mexe.
— Bom dia, senhor, no nome de quem? — pergunta.
— Damon Lins — ele diz e a mulher olha para mim.
— Oh, sim, sua reserva para a lua de mel, desejo felicidades ao
casal. — Sorri sem jeito.
— Obrigada — digo achando graça de seu desconforto.
— O Sr. Francis solicitou uma programação especial para
vocês, como podem verificar neste folheto. Pode ser feita quando
quiserem, mas aqui está o programa da semana. Nosso concierge
irá levá-los até a Villa Presidencial. Espero que aproveitem bastante
a sua estada — fala sendo totalmente profissional.
— Obrigado — Damon diz pegando os folhetos da mão dela.
Um homem de blusa havaiana e calça branca nos direciona para
nosso quarto. — Meu pai sempre me surpreendendo — comenta
analisando os papéis.
— O que ele programou? — pergunto curiosa.
— Mergulho, reserva no restaurante, SPA, cinema e jantar
romântico na praia — debocha e eu gargalho.
— Seu pai é um fofo — digo ainda rindo. — Deveria agradecer
pela família que tem. — Ele não faz nenhum comentário.
O carrinho elétrico nos leva pelo cais de madeira até o bangalô
completamente isolado pela água do mar. Na entrada, o sofá branco
gigante, com almofadas de cores claras, se destaca sobre o chão de
vidro que permite ver a água verde passando por baixo da sala.
Atravessando o ambiente, vem o quarto, com a cama voltada
para o mar. Vou amar dormir aqui, a noite deve ser melhor ainda
que a vista.
Não posso deixar de reparar no lado de fora, na grande piscina,
no deque, com borda infinita, passarei muito tempo ali.
— Nossa, é mais bonito do que eu imaginei. — Sorrio
encantada. — Uma pena que você não vai dormir aqui.
— Não? — ele pergunta com a sobrancelha arqueada.
— Não, vai dormir na sala, ou, se quiser, no chão. — Sorrio.
— Ah, mas é claro. Se você estiver incomodada de dormir ao
meu lado, pode ficar à vontade em ir para o sofá ou chão. — Ele me
devolve o sorriso.
— Cadê o cavalheirismo? — Pelo visto essa semana será longa
e intensa. — Estou com fome.
— Vou pedir nosso café da manhã. — Ele pega o interfone,
fazendo a ligação.

— O que iremos fazer agora? — pergunto terminando de comer


e limpo a boca com o guardanapo de pano, observando-o, sentado,
olhando para o mar. — Podíamos seguir a programação que seu pai
fez — sugiro.
— É, talvez não seja uma má ideia. Vou tomar um banho, me
acompanha? — Ele dá risada e se afasta.
— Idiota. — Reviro os olhos.
— Estou te ouvindo — reclama.
— Mas foi para ouvir — retruco.
Fico sentada sentindo a brisa do mar bater em meu rosto, quem
diria que um dia eu estaria aqui? Levanto e caminho pelo deque,
molhando a ponta dos pés na água da piscina. Volto o olhar para o
bangalô, me engasgando com minha própria saliva, pela visão a
minha frente. Como as paredes são de vidro, consigo ver Damon do
outro lado tomando banho. A água desce por suas costas nuas,
largas e bem malhadas. Reparo na tatuagem entre seus ombros
percebendo que é do Homem Vitruviano. Enquanto ele ensaboa o
corpo, vejo sua bunda redonda, e logo imagino se a parte da frente
é tão bonita de se admirar também. Ele passa as mãos nos cabelos
lavando-os, suas mãos descem pelo abdômen e tocam sua
virilidade, seu rosto se vira devagar e seus olhos encontram os
meus. Vejo o resquício de um sorriso em seus lábios, o que me diz
que ele sabia que eu estava aqui observando-o. Quando ele faz
menção de virar-se, olho para outro lado, voltando para dentro do
quarto.
Abro minha mala, pegando um biquíni qualquer e uma saída de
praia, meu rosto está quente e não sei por que tanto desconforto
agora, já que na hora em que eu estava olhando me parecia tão
apropriado.
— Existe uma palavra chamada privacidade — declara
fazendo-me tomar um susto.
— Sério? Não sabia. — Viro-me para ele, encontrando-o
apenas com a toalha amarrada na cintura, as gotas de água que
caem de seu cabelo rolam por seu peitoral me dando uma visão
completamente sexy. Engulo em seco. — Mas para quem tinha me
convidado para tomar banho, te olhar foi o de menos.
Seus olhos verde-acinzentados me fitam por longos segundos,
deixando-me desconcertada.
— Não adianta se fazer de durona, consigo ver e sentir seu
medo de mim de longe e, sabe o que é mais engraçado? É que isso
me atrai, estou começando a rever meus conceitos. Talvez
devêssemos abrir uma exceção no contrato, aproveitar que estamos
aqui e curtir um pouco, podemos entrar em um novo acordo — diz
ainda me fitando.
— Acordo? — pergunto curiosa. — Que acordo?
— Eu fico com algumas estrangeiras e você com quem quiser...
— fala cruzando os braços. — Essa tensão sexual está me
matando.
— Está de brincadeira, né?! Você é inacreditável. — Por que
não gastar essa tensão sexual comigo? — Por mim você morre,
estou muito bem sozinha. — Pego minha roupa, passo por ele e
entro no banheiro.
Fecho a cortina ganhando privacidade, me livro de minhas
roupas e entro no chuveiro, deixando a água levar toda a tensão do
meu corpo. Me seco e coloco o biquíni branco e rosa. Percebo que
é mais comportado do que os que eu tinha e me dou conta de que
ele realmente não estava brincando quando comentou sobre isso.
Completo o look com a saída de praia. Quando saio do banheiro,
vejo o ranzinza em pé, de frente para a piscina, com um copo na
mão tomando seu whisky. Ele pode ser até egocêntrico e idiota, mas
tenho que admitir que é gostoso.
— Já está pronta? — Me olha por cima dos ombros.
— Sim, podemos ir. — Pego minha bolsa, e ele, uma camiseta,
então caminhamos até a recepção, onde um homem passa
instruções de como vestir a roupa de mergulho e como se comportar
na água.
— Vocês também estão aqui em lua de mel? — uma mulher
alta, magra e de cabelos ruivos nos pergunta.
— Estamos — dizemos em uníssono.
— Que lindo, falam até igual. — Ela sorri. — A maioria dos
casais aqui também estão, são poucos os que vieram só para curtir.
Este é meu esposo, Antonelli, e eu sou Gioh — ela nos apresenta
um homem mais baixo que ela, de cabelos escuros e sorriso bonito.
— Desculpem-na, ela às vezes fala demais — diz me fazendo
sorrir.
— É bom conhecê-los. — Aperto a mão deles e Damon
também.
— Quando se casaram? — a Gioh pergunta.
— Anteontem — dizemos novamente juntos, olho para ele, que
sorri de canto.
— Não são lindos? — ela comenta com Antonelli, que concorda
com um menear de cabeça. — Já estão indo para a lancha, vamos?
Seguimos todos para o barco, onde o instrutor nos entrega as
roupas de mergulho. Começo a vestir a minha, mas claro que me
enrolo toda.
— Deixa eu te ajudar — ouço a voz rouca e grave em meu
ouvido, o sopro quente das palavras em minha orelha me deixa em
alerta.
Suas mãos vão para minhas costas subindo o zíper, seu dedo
passa em minha pele deixando-a ouriçada.
— Pronto. — Ele pega em minha cintura dando um aperto forte
e se afasta vestindo sua roupa com agilidade e perfeição, o tecido
se ajusta desenhando todo o seu corpo.
Faço um esforço para não descer os olhos.
— Você já fez isso quantas vezes? — pergunto.
— Várias, por quê?
— Nada, dá para perceber. — Sorrio.
— Quando estivermos na água, não saia do meu lado — avisa.
— Não preciso de guarda-costas debaixo d’água. — Não
entendo.
— Você é desastrada, não quero ficar viúvo no terceiro dia de
casado. — Pisca o olho.
— Alguém aqui está levando isso muito a sério — digo.
— Não deveria? — pergunta.
— Existem motivos para levar? — retruco.
— Isso aqui não é só uma brincadeira, Thayla, temos deveres e
obrigações e uma delas é ter que levar a sério isso tudo — explica
totalmente sério.
— Se você diz... — Dou de ombros.
Depois de um tempo, já estamos deslizando pelas águas,
parando em um lugar estratégico. O instrutor passa as últimas dicas
e todos pulamos no mar. Não é muito profundo e através da água
clara dá para ver todos os peixes, surreal.
Quarenta e quatro
Depois de me maravilhar com o mergulho, andamos de Jet Ski,
caiaque e praticamos stand up paddle.
Almoçamos em uma ilha desabitada e agora estávamos
voltando para o hotel. Já passava das 17h, haveria um luau e por
milagre consegui convencer Damon a irmos.
Até tinha feito amizade com a doidinha da Gioh, e Damon
pareceu se dar bem com o marido dela, afinal só conversavam
sobre negócios; para mim era uma merda, mas ele adorava.
Percebia algumas vezes o olhar dele em mim, era diferente,
com uma pitada de malícia, só não sabia o que significava.
— Ele é um homem muito bonito — Gioh fala me tirando dos
meus pensamentos.
— É sim. — Sorrio olhando para ele, que percebe e me olha
com uma sobrancelha arqueada.
Tiro os olhos dele, prestando atenção na Gioh.
— Nos vemos mais tarde no luau? — pergunta.
— Sim, já estou empolgada. — Eu realmente estou.
— Até lá. — Ela sorri e vai até o marido, que a ajuda a descer
da lancha.
Passo por Damon sem olhar para ele, e um rapaz me auxilia
para descer. Quando estou no chão, começo a andar até o nosso
quarto.
Estou louca por um banho, tirar a água salgada dos cabelos
seria uma maravilha. Assim que entro, Damon me indaga: — É
impressão minha ou está tentando me ignorar? — Ele para na porta
com as mãos nos bolsos.
— Equívoco seu, vou tomar um banho, me acompanha? — digo
imitando-o.
Pego minha toalha e vou para o banheiro, coloco a banheira
para encher e despejo os sais na água morna. Depois que enche,
tiro a roupa e entro na água, prendendo os cabelos em um coque
alto, encostando a cabeça na borda. Pego o pequeno controle ao
lado, diminuo a intensidade das luzes e ligo o som do banheiro.
Uma música calma começa a tocar me deixando ainda mais
relaxada, fecho os olhos curtindo tudo, até que sinto a água se
mexer e abro os olhos rapidamente.
— O que está fazendo aqui? — Tapo os seios instintivamente,
mesmo que não dê para vê-los por debaixo da espuma.
— De todas as coisas, ao menos surdo eu não sou. Você não
me convidou? Estou aqui. — Ele se ajeita na água, ficando sentado
na minha frente.
— Falei sendo irônica e a banheira é pequena demais para nós
dois — digo vermelha.
— Me parece ter o tamanho ideal — se opõe acendendo um
cigarro.
— Pode apagar, por favor, e sair daqui, quero tomar banho.
— Você poderia ser mais divertida — diz apagando o cigarro,
deixando-o na borda da banheira.
— E você poderia ser menos pé no saco — retruco.
— Já avisei para ter cuidado com essa boca suja.
— Pareço uma criança? Porque você fala comigo como se eu
fosse uma — reclamo, seu pé roça meu quadril devagar me
deixando em alerta.
— Prefiro você de boca calada, é mais interessante.
— Gilipollas 2 — digo revirando os olhos.
— Es tan valiente, pero me insulta en otro idioma, pensando
que no lo sabré3 — responde me trazendo um arrepio ao corpo pelo
seu sotaque.
— Já devia saber — digo olhando ainda para seus lábios. —
Você fala muito bem — admito.
— Tive que aprender para os negócios, e você, como
aprendeu? — pergunta curioso.
— Fiz alguns cursos de idiomas, nada de mais. — Dou de
ombros.
— Você tem belos seios — fala lentamente, de um jeito sexy.
Abaixo o olhar vendo que estão à mostra, desço mais na água
cobrindo-os.
— Você é tão irritante — digo e ele sorri sacana.
Não é fácil me acostumar com esses sorrisinhos, cada um
deles é de enlouquecer, sou levada ao inferno todas as vezes, me
sinto quente e úmida.
— Talvez você se irrite demais. Apenas relaxe. — Ele segura
meu pé esquerdo apertando-o devagar, sua mão escorrega pelo
dorso, subindo pela minha perna; sua mão macia e molhada desliza
facilmente por minha pele, mordo os lábios reprimindo a vontade de
gemer.
Sua mão retorna ao meu pé apertando devagar e
massageando, por que isso é tão erótico?
— Por que está fazendo isso? — pergunto com a respiração um
pouco acelerada.
— Não posso dar um agrado a minha esposa? — ele fala
pausadamente, intercalando seus apertos em meu pé e sua voz.
— Isso é tão estranho — digo sentindo meu corpo me traindo e
meus olhos querendo se fechar para apreciar a massagem.
— Me diga que não sente prazer apenas nisso? — pergunta
com a voz baixa e rouca. Balanço a cabeça timidamente. — Quero
ouvir sua voz, diga. — Ele aperta meu pé um pouco mais forte,
fazendo-me gemer baixo, ele olha para meu pé.
— Sim... — digo, finalmente admitindo.
— Interessante, não? Porque eu poderia te fazer gozar apenas
massageando seus pés — ele me olha de forma perturbadora e
sexy. Sinto suas mãos apertarem um ponto mais forte e
instantaneamente minhas partes se contraem.
Seus lábios vão até o dorso do meu pé deixando um beijo,
minha pele queima com seu toque me deixando imaginar este beijo
lá embaixo. Sinto um pequeno tremor nas pernas e uma sensação
estranha e boa brotar em meu ventre.
Sua mão pega meu outro pé, brincando com meus dedos,
apertando cada centímetro da sola.
— Vamos brincar um pouco com a sua imaginação — ele fala
baixo. — Me veja ao seu lado, acariciando os seus cabelos, falando
coisas que você quer ouvir... Sacanagens sem pudor, apenas eu e
você estamos nesta brincadeira. Minhas mãos correm pelo seu
corpo, parando em seu seio, acariciando-os bem lentamente, seus
lábios estão entreabertos e sua vontade de gemer é tão grande que
você deixa escapar. Seus gemidos ecoam te deixando com ainda
mais tesão, eu mordo o lóbulo de sua orelha e depois sussurro o
quanto estou ansioso para saber se você já está molhada o
suficiente para mim, se está pronta para me receber inteiro. —
Minha respiração se acelera ao construir toda essa cena. — Então
eu desço minha mão, passando por sua barriga e chegando onde
você tanto queria, tocando seu clítoris até você ficar de pernas
bambas. Você geme alto e essa é minha deixa, deslizo meu dedo
para dentro de você, te sentindo quente e molhada para mim. Entro
e saio de você, sentindo o quanto você é apertada e, quando já não
aguenta mais toda a pressão, goza em meus dedos. — Ele termina
de falar e os espasmos tomam conta do meu corpo, fazendo-me
gozar, fecho os olhos fortemente, sentindo a sensação boa entre
minhas pernas.
— Isso é o que terá de mim por enquanto, quem sabe até o fim
desta viagem não saiba se você é realmente quente e apertada. —
Ele sai da água me dando uma visão gloriosa de seu membro duro,
o momento foi breve, mas minha mente registrou até os mínimos
detalhes.
Saio da água tentando processar o que acabou de acontecer,
eu realmente gozei apenas com as palavras dele. Entro no chuveiro
e tiro todo o sabão do corpo, aproveitando para lavar os cabelos
também. Visto um roupão e saio do banheiro envergonhada. Pelo
menos no quarto ele não est á , pego um conjunto de cropped e saia
longa branca. Arrumo os cabelos e faço uma maquiagem leve. Vejo
um bilhete em cima da mesa.

Estarei te esperando no luau.


Damon

É até melhor não ver a cara dele por enquanto, faço os últimos
retoques na maquiagem e calço as sandálias de tiras. Saio do
quarto caminhando pelo cais, em direção à praia, o salto da sandália
fica preso entre uma madeira e outra.
— Porcaria — digo tentando entender como consegui a
façanha.
— Precisa de ajuda? — ouço uma voz grossa perguntar.
— Minha sandália ficou presa — digo ainda olhando para meu
pé.
— Deixe-me ajudá-la. — Ele se abaixa e eu consigo ver suas
costas e ombros largos na camisa azul-escura.
Seus cabelos são castanhos, mas não vejo o seu rosto. Em
poucos segundos ele me solta e se levanta, arrumando a camisa no
corpo. Seus olhos são azuis, dando um contraste em sua pele clara,
a barba desenhada e o cabelo despenteado o deixam charmoso.
— Sou Léo. — Ele estende a mão para mim e eu a aperto.
— Thayla. — Sorrio sem jeito, vendo-o observar a aliança em
meu dedo.
— Onde está seu marido? — Léo pergunta.
— Foi na frente, ele diz que eu demoro demais para me
arrumar — minto e ele finge acreditar.
— Se me permite dizer, está belíssima, deixe-me acompanhá-la
até lá — fala me deixando envergonhada.
— Obrigada. O que faz aqui? Não parece estar em uma lua de
mel — digo e ele dá risada.
— Não. — Gargalha. — Vim a trabalho, estou pensando em
comprar uma ilha vizinha.
— Parece que temos alguém muito rico aqui — digo. — O
máximo que consegui comprar até hoje foi uma bicicleta, que por
sinal está parada há um bom tempo, com o pneu furado. — Dou de
ombros.
Ele gargalha.
— Você não me parece ser de baixa renda — diz.
— Mas sou.
— Para mim não há problema algum. — Ele pisca o olho. —
Por que estamos falando sobre isso mesmo?
— Talvez porque você disse que iria comprar uma ilha? — Finjo
estar pensando.
— Vamos esquecer isso. — Ele sorri.
— Gostei de você. — Sorrio de volta.
— Pois é, eu também.
— Algum problema? — Damon para a nossa frente.
— Por quê? Parece haver algum problema? — Léo pergunta o
encarando.
— Damon, por favor, isso é jeito? — digo sem graça, ele me
olha de soslaio, parecendo estar irritado.
— Então este é seu marido... Até breve, Thayla. — Ele pega
minha mão e beija propositalmente em cima da minha aliança.
— Até — respondo vendo-o se afastar.
Damon olha para mim irritado.
— Quanta intimidade. — Ele me encara.
— O que foi? Não deveria estar tão irritado, não somos casados
de verdade. — Sorrio para ele e caminho até uma mesa de
coquetéis, pego um de cor azul e sigo pela areia, passando pelas
pessoas.
— Oi, Gioh — cumprimento-a.
Ela veste um vestido na cor laranja, justo no corpo.
— Oi, você está linda. — Ela me abraça.
— Você também não está atrás. — Sorrio. — O pessoal está
bem animado, né? — Observo as pessoas dançando na areia.
— Estão sim, Antonelli está ali se acabando de dançar. — Ela
dá risada e eu acompanho ao vê-lo dançando de um jeito
engraçado.
Noto Damon sentado em uma poltrona na areia, em uma mão
ele segura seu copo de whisky e a outra está apoiada no braço da
poltrona, com a mão no queixo, seus olhos estão em mim, me
olhando fixamente. Volto a atenção ao meu copo, tomando tudo de
uma vez só.
— Vou pegar outro coquetel — digo antes de ir para o bar.
Escolho um drink vermelho quando escuto a voz agradável do
Léo.
— Sua língua vai ficar colorida.
— Será? — pergunto olhando para ele e colocando a língua
para fora, fazendo-o rir.
— Eu disse. — Ele dá de ombros.
Beberico o líquido colorido, sendo surpreendida quando ele me
pergunta o que me atraiu no Damon.
— Ele parece ser um pé no saco.
— Ele só é um pouco fechado, mas tem um bom coração. —
Tento acreditar nas minhas próprias palavras.
— Se você diz... E então, quando se casaram? — Ele dá um
gole no vinho, deixando seus lábios rosados.
— Há dois dias.
— Hum... Está gostando daqui? Sou apaixonado por este lugar,
da próxima vez quero trazer a família — explica.
— Nossa, que legal, então é casado? — pergunto curiosa.
— Já fui casado, mas não aguentei toda a pressão, ela era
surtada. Mas me deu a melhor coisa do mundo, que foi meu filho,
Benjamin. — Sorri ao falar.
— Quantos anos ele tem?
— 1 ano. — Leo pega o celular, mostrando a foto de um bebê
gorduchinho de olhos azuis e cabelos loiros.
— Que coisa mais linda, tenho vontade de ser mãe. Deve ser
uma experiência incrível — digo imaginando ter em meus braços
uma criança de olhos verde-acinzentados e cabelos escuros.
Sorrio boba.
— Ele não quer ter filhos? — pergunta.
— Ainda é cedo para pensar nisso.
— Sua opinião me parece estar muito bem formada para
alguém achar que é cedo. Você é linda, espero que eles nasçam
com sua cara, porque se for a dele... — diz dando risada.
— Você é terrível — afirmo também rindo.
— Tem uma coisa no seu cabelo. — Ele se aproxima e eu fico
em alerta.
— O que é? Um bicho? Tira de mim. — Começo a me sacudir
derramando um pouco da minha bebida em sua blusa.
— Calma, é só uma flor. — Ele tira de meus cabelos,
entregando em minha mão, e põe uma mecha do meu cabelo atrás
da orelha.
— Acabei te molhando. — Me desculpo pegando um
guardanapo de papel e passo em sua camisa sentindo o seu
abdômen duro.
— Eu acho que ele tem mão, pode se limpar. — Damon pega o
guardanapo de minha mão e joga para Léo, que segura
rapidamente. — Há algumas mulheres solteiras por aí, deveria ir
atrás delas, porque esta aqui já é comprometida — ele diz com a
voz extremamente grossa.
— Ela não me parece comprometida, já que o marido não faz
questão de estar ao seu lado. — Nos dá as costas, indo para longe.
Um sorriso brota em meus lábios instintivamente.
— Do que está rindo? — Damon questiona irritado. — Tá
achando graça do cara dando em cima de você, Thayla?
— Não sei por que você se incomoda tanto com isso, mas
estava pensando no que você me falou e estou de acordo, você fica
com suas estrangeiras e eu fico com quem eu quiser, talvez o Léo.
— Sorrio e pego outra bebida.
É bom saber que eu consigo irritá-lo.
— Ei, vocês precisam jogar também, venham. — Gioh me puxa
pela mão e eu a acompanho.
Quarenta e cinco
Alguns casais já brincam quando nos juntamos. De costas uns
para os outros, têm que responder, ao mesmo tempo, às perguntas
sobre o parceiro.
É engraçado quando erram, e eu já estou imaginando a merda
que será na nossa vez. Depois de Antonelli e a Gioh, chega a nossa
vez, sento-me na cadeira de costas para ele e o jogo começa.
— Qual a comida favorita? — a mulher pergunta e eu não sei o
que responder, nos conhecemos tão pouco.
— Podemos pular essa? — pergunto tímida.
— Claro, lugar preferido? — indaga, penso por um tempo e
consigo pensar em apenas um lugar. — Podem falar — ela diz e nós
falamos ao mesmo tempo.
— Empresa — digo.
— Em casa.
— Em casa? Por que seria meu lugar preferido? — pergunto
tentando entender.
— Ok, vamos para o próximo. Lazer. Podem dizer.
— Não tem — falo gargalhando e ele me olha feio.
— Nadar — diz.
Até que é verdade.
— Medo? — a mulher pergunta. — Podem falar...
— De deixar de ser arrogante e egocêntrico — falo em voz alta.
— Acho melhor parar com a brincadeira por agora — a mulher
diz sem graça e as pessoas ficam nos olhando.
— O quê? Só falei a verdade — digo me levantando da cadeira,
tomo mais um coquetel.
— Agora já chega dessa palhaçada. — Ele me segura e em um
piscar de olhos estou em seu ombro.
— Damon, me desce daqui agora, as pessoas estão olhando.
— Foda-se — esbraveja.
Aos poucos vai se distanciando e percebo que estamos
fazendo o caminho de volta para o quarto.
— Não quero voltar, me solta — digo batendo em suas costas
com força.
Quando entramos no quarto, Damon me põe no chão
rapidamente.
— Que se dane, Thayla — fala vindo em minha direção,
colando nossos lábios em um beijo quente e ávido, fazendo meu
corpo formigar.
Seguro-me em seus ombros e retribuo, sua língua explora
minha boca e pela primeira vez sinto que está sendo de verdade.
Suas mãos apertam a minha cintura, ele me prende na parede com
seu corpo e continua a me beijar. Segura meus cabelos com força e
morde meu lábio inferior, inclina minha cabeça para o lado e lambe
o meu pescoço. Sua língua me explora e brinca com meu lóbulo,
deixando-me arrepiada. Minhas mãos estudam seu corpo, sentindo
seus músculos rígidos e sua pele macia, é uma experiência
inexplicável estar tão próximo e o sentindo assim com tanta
intimidade. Roço minha perna na sua e ele aperta a minha bunda,
arrancando de mim um gemido baixo. Acaricio os seus cabelos
enquanto ele ainda morde meu pescoço. Suas mãos passeiam em
meu corpo, parando em meus seios, onde massageia por cima da
minha roupa. Sinto seu membro rígido roçar em mim, ele está
excitado por mim, não pode negar. Segura em minhas pernas,
fazendo-me enlaçá-las em sua cintura, caminha me guiando até a
cama, onde nos deita com cuidado. Seus lábios continuam em meu
pescoço, chupando e mordendo. Sua boca desce deixando beijos
em meu ombro, ele abaixa a alça do meu cropped e beija o V do
meu decote, arrancando de mim suspiros. Abaixa mais um pouco,
liberando meu seio de dentro da roupa, e passa a língua no bico,
lambendo com movimentos circulares. Fecho os olhos aproveitando
a sensação que ele me proporciona. O prazer me deixa inerte, ele
morde o bico me fazendo gemer, chupando devagar em seguida,
torturando-me aos poucos. Abaixa completamente a peça deixando
meus seios expostos, massageia os dois e aperta os bicos
levemente com a ponta dos dedos. Abaixa as mãos, tirando minha
saia de maneira hábil, seus olhos encontram os meus e o cinza-
escuro predomina. Um sorriso brinca em seus lábios e, ainda
olhando em meus olhos, ele se abaixa, puxando minha calcinha
para o lado. Sinto a respiração próximo de mim quando ele passa a
língua quente no meu clitóris fazendo-me jogar a cabeça para trás e
desejar por mais dele. Sua língua brinca comigo, fazendo
movimentos circulares intercalados com sucção, minha maior
vontade é de pedir por mais. Ele desce para minha entrada e me
penetra, fazendo-me esquecer de tudo o que eu achava ser mais
prazeroso até o momento. Os movimentos de vai e vem me fazem
contorcer debaixo dele. Sua língua reveza entre movimentar meu
clitóris e me penetrar.
— Quero que você se masturbe para mim — sua voz grossa
ecoa pelo quarto. Ele se levanta da cama e aos poucos começa a
desabotoar as mangas da camisa. — Vamos, faça o que lhe pedi —
fala firme.
Timidamente, ponho meu dedo médio em cima do clitóris e
começo a manipular rodando o dedo, enquanto ele assiste ao que
eu faço.
— Nunca fez isso, Thayla? — pergunta e eu fico vermelha. —
Responda.
— Não.
— Interessante — diz. — Se toque, se dê prazer, sinta. Relaxe
o corpo, respire devagar e movimente seus dedos, ganhe a sua
própria confiança — ele manda, pega uma cadeira e se senta em
frente à cama.
Faço o que pede, passo a mão pelo meu corpo e timidamente
aperto os seios. Desço a mão para minha intimidade novamente e
brinco com os grandes lábios. Meu corpo vai criando vida e por um
momento me esqueço de que ele está aqui me avaliando, foco em
apenas me dar prazer. Faço movimentos circulares no clitóris e olho
para Damon mordendo meu lábio inferior devagar. Rebolo o quadril
lentamente, deixando-me levar pela sensação, sinto meu corpo
inteiro vibrar e esquentar. Respiro fundo tentando manter a calma,
mas é impossível. Ele se levanta me dando visão de seu corpo, dá a
volta na cama e pega uma camisinha na mesa de cabeceira; põe ao
meu lado na cama e vem para cima de mim.
— Irei com calma, porque é a sua primeira vez. Mas depois não
te garanto isso — fala se posicionando entre minhas pernas, sua
voz é sexy e aveludada.
Minha mente fica presa a suas palavras, teremos outras vezes?
Seu polegar roça meu clitóris com destreza e suavidade, arqueio o
corpo sentindo os efeitos, fecho os olhos curtindo o prazer. O tesão
cresce novamente, ele se inclina por cima de mim e lambe meu
seio, aumentando o ritmo de seu dedo.
— Goze — ele diz e é como se fosse disso que eu precisasse,
de sua autorização.
Sinto meu corpo se retesar e o gozo vir arrepiando meu corpo
inteiro. Damon abre o botão de sua calça revelando sua rigidez
marcada na boxer. Depois de se livrar da calça e da cueca
revelando seu membro grosso e grande, ele pega o envelope,
abrindo e colocando a camisinha em si.
— Só relaxa, ok? Se te incomodar, avisa.
— Tudo bem — digo baixo.
Ele se posiciona entre minhas pernas, seu membro pincela
minha entrada, e em frações de segundos sinto-o entrar devagar.
Gemo baixinho. Prendo meus olhos nos seus, seus lábios estão
entreabertos e sua respiração está irregular. Ele vai me invadindo
aos poucos, causando ardência. Fecho os olhos quando ele entra
mais um pouco e sinto uma dor mais aguda.
— Dói muito? — Sinto sua mão alisar meus cabelos
suavemente e eu abro os olhos.
— Um pouco, mas está tudo bem.
Ele assente se movendo vagarosamente até estar
completamente dentro de mim. Um gemido escapa de sua boca.
— Você está me sufocando — murmura umedecendo os lábios.
Damon começa a se movimentar dentro de mim, devagar e
ritmado, fazendo com que eu me acostume. Não conseguiria
explicar qual é a sensação, eu me sinto preenchida. Aproximo seus
lábios dos meus, beijando-o, mordo gentilmente e ele geme em
minha boca, fazendo com que uma bomba se arme dentro de mim,
pronta para explodir a qualquer momento. Passo a mão em seus
cabelos macios e por suas costas largas, arranhando levemente.
Ouço sua respiração forte em meu ouvido, enquanto ele deixa
alguns beijos em meu pescoço, e suas estocadas aumentam. O
barulho dos corpos se chocando um contra o outro fica mais alto e
se mistura com nossos gemidos e respirações. Ele sai de mim, se
deitando ao meu lado e me puxando por cima.
— Mostre-me o que sabe fazer.
Beijo seu pescoço e arranho seu peitoral, enquanto me
movimento sobre ele. Desço a mão até seu membro e o masturbo
devagar, já vi alguns vídeos e agora agradeço por isso. Monto nele
nos encaixando, descendo devagar; vejo-o fechar os olhos e jogar a
cabeça para trás. Meus movimentos começam devagar, mas depois
aumento o ritmo. Rebolo em seu membro e aperto os meus seios
cavalgando nele. Quando penso que estou no comando, ele me
vira, ficando por cima novamente e estocando em mim em um ritmo
mais acelerado. Meu corpo dá sinais de um formigamento mais
intenso e longo, fazendo-me gozar intensamente, levando-o comigo
dessa vez.
Damon descansa o corpo ao meu lado recuperando o fôlego,
fico quieta ouvindo nossas respirações descompassadas e o
barulho da água batendo no deque, adormecendo.
Acordo com o corpo dolorido e ainda sonolenta, estou nua
debaixo do lençol. Procuro por Damon, mas ele não está na cama.
Respiro fundo olhando para o imenso mar na minha frente e o
sorriso é inevitável em meus lábios.
— Que bom que já acordou, bom dia — ele fala enquanto
beberica seu café, meu rosto cora quando me lembro das coisas
que fizemos ontem.
— Bom dia.
— Já passa das 10 horas, perdemos uma manhã inteira — fala
sentando-se à mesa do lado de fora.
— Deve ter sido o cansaço da viagem e o fuso horário. — E o
sexo.
— Também demorei para levantar. Se quiser, podemos
continuar com a programação do meu pai hoje — diz.
Levanto-me da cama cobrindo meu corpo, pego a camisa dele
que estava jogada na poltrona, vestindo-a. Caminho até ele, à
mesa, do lado de fora.
— E então, como está se sentindo? — pergunta.
— Estou um pouco dolorida, mas bem. — Olho para ele sem
graça e tenho certeza de que estou com o rosto vermelho.
— Gostou? — pergunta me fitando, fico em silêncio, para que
essa pergunta? Sinto meu rosto esquentar. — Te fiz uma pergunta,
gostaria de uma resposta...
— Sim. — Tenho quase certeza de que ele realmente está
fazendo isso apenas para me deixar desconcertada.
Será que ele estava falando sério ontem? Teremos mesmo
mais noites como essa?
— Agora tome o seu café e se troque. Vou te esperar na praia.
— Depois de ontem, é só isso o que ele tem a me dizer?
A esperança de que as coisas irão mudar murcha dentro de
mim, mas eu tenho a convicção de que até o final desta viagem tudo
mudará e, quem sabe, Damon não esteja totalmente rendido no
final?!

Continua em Aliança por amor...


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As três transformam a vida da garota em um verdadeiro inferno e mesmo sofrendo
constantes humilhações, ela não se deixa desanimar e encara tudo de cabeça erguida.
A garota anseia pelo dia em que completará dezoito anos para, então, ir embora do país e
viver uma vida tranquila, bem longe da sua nem tão querida família.
Em Mirabelle, a monarquia absolutista resistiu ao longo dos séculos e em pleno século XXI
ainda é governado por reis e rainhas. Todo o reino aguarda ansiosamente para descobrir
quem é o príncipe e futuro herdeiro do trono que será apresentado na festa de seu 18°
aniversário.
Todas as jovens solteiras estão em polvorosa e sonham em se tornar rainhas. Para tal
feito, precisam conquistar Sua Alteza Real e derreter o coração do jovem príncipe.
Mas Hannah não se encaixa no perfil. Ela não está nem aí para títulos, reinados e coroas.
Entretanto, como a vida parece possuir uma varinha mágica, os caminhos dela se cruzarão
com o do jovem herdeiro do trono. Antes mesmo que possam se dar conta, seus destinos
serão entrelaçados.
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O Doutor Brian Powell, ou Doc como era conhecido pelos amigos, acompanhava de perto o
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suficiente para dar apoio, no entanto isso não a desmotivaria a alcançar seu objetivo.

O primeiro contato que Valentine teve com um dos membros do Moto Clube foi explosivo,
mas Doc estava determinado a ser um aliado, além de um bom amante. Ele já a queria
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Ele, um médico dedicado ao trabalho humanitário; Ela, uma advogada que luta pela justiça
em favor das mulheres que sofrem com violência doméstica; ambos solteiros e dedicados
as suas profissões. Em uma festa de casamento decidem que um relacionamento casual
seria uma ótima forma para lidar com a química visível. Cinco anos depois eles se
reencontram, o momento não podia ser pior, mas descobrem que aquela química ainda
ardia como fogo em palha seca. Entre encontros e desencontros, esse casal vai enfrentar
os dramas da vida em busca do resgaste ao amor.

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