A Febre Amarela, A Transferência Das Disciplinas

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Vírus, mosquitos e modernidade

a febre amarela no Brasil entre ciência e política

Ilana Löwy

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

LÖWY, I. Vírus, mosquitos e modernidade: a febre amarela no Brasil entre ciência e política [online].
Tradução de Irene Ernest Dias. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2006. 427 p. História e Saúde
collection. ISBN 85-7541-062-8. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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Vírus,mosquitosemodernidade
a febre amarela no Brasil entre ciência e política
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Coleção História e Saúde


Editores Responsáveis: Jaime L. Benchimol
Flavio C. Edler
Gilberto Hochman
Vírus, Mosquitos e Modernidade
a febre amarela no Brasil entre ciência e política

Ilana Löwy

Tradução: Irene Ernest Dias


Revisão técnica: Flavio Edler
Copyright © 2 0 0 5 da autora
Originalmente publicado em francês sob o título Virus,Moustiques et Modernité: la fièvre
jaune au Brésil entre science et politique (Éditions des Archives Contemporaines, 2001)
Direitos para a língua portuguesa reservados com exclusividade para o Brasil à
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ / EDITORA

ISBN: 8 5 - 7 5 4 1 - 0 6 2 - 8

Capa e projeto gráfico


Angélica Mello, Guilherme Ashton e Daniel Pose
Ilustração da capa
Turma do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela preparando-se para fumigação
com gás Clayton, usado no combate ao Aedes aegypti em sua forma
alada. Rio de Janeiro, entre 1 9 0 3 e 1 9 0 6 . Fotografia. Acervo da Casa
de Oswaldo Cruz.

Editoração eletrônica
Guilherme Ashton
Revisão técnica
Flavio Edler
Supervisão editorial
Irene Ernest Dias
Catalogação na fonte
Centro de Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
L922v Löwy, Ilana
Vírus, mosquitos e modernidade: a febre amarela no Brasil
entre ciência e política. / Ilana Löwy; [tradução, Irene Ernest Dias]. -
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2 0 0 6 .
4 2 7 p . il. (Coleção História e Saúde)

Tradução de: Virus, moustiques et modernité: la fièvre


jaune au Brésil entre science et politique.

1. Vetores de doenças. 2. Febre amarela-história. 3. Saú-


de pública-história. I. Título. Brasil.
CDD - 20.ed. - 6 1 4 . 5 4 1
2006
EDITORA FIOCRUZ
o
Av. Brasil, 4 0 3 6 - 1 andar - sala 1 1 2 - Manguinhos
2 1 0 4 0 - 3 6 1 - Rio de Janeiro - RJ
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Sumário

Prefácio 7

Agradecimentos 11

1. U m a Ciência q u e C i r c u l a , a M e d i c i n a T r o p i c a l 13

2 . A Febre A m a r e l a , a Transferência das Disciplinas Pasteurianas


p a r a o B r a s i l e o M o v i m e n t o S a n i t a r i s t a Brasileiro, 1 8 8 0 - 1 9 2 0 ... 4 9

3 . A Febre A m a r e l a e a "Saúde Pública" N o r t e - A m e r i c a n a :


a F u n d a ç ã o Rockefeller n o Brasil, 1 9 2 0 - 1 9 4 5 123

4 . T o r n a r o Invisível Visível:

v i a g e n s , c o l e t a s e análises de l a b o r a t ó r i o 197

5 . Estilos de C o n t r o l e : m o s q u i t o s , v í r u s e h u m a n o s 249

6 . Ciência e Risco:
o d e s e n v o l v i m e n t o da v a c i n a c o n t r a a febre a m a r e l a 317
7. Febre s o b C o n t r o l e :
a m e d i c i n a t r o p i c a l entre saber u n i v e r s a l e práticas l o c a l i z a d a s . . . 3 8 1

Bibliografia 413

Índice O n o m á s t i c o 423
Prefácio à Edição Οriginal

Hoje, m a l podemos imaginar a devastação que a febre amarela podia


provocar nas aglomerações da África e da América tropical, o u quando de
suas irrupções nos portos da Europa ou da América do Norte. A mortalida-
de era a s s u s t a d o r a em certas epidemias. Entre pessoas recém-chegadas à
zona endêmica, sobretudo, todos concordavam em observar particular sen-
sibilidade à doença. Durante muitos séculos, todos esses lugares têm u m a
h i s t ó r i a t r a g i c a m e n t e e n t r e m e a d a de terríveis d e v a s t a ç õ e s do " t y p h u s
amaril". A ignorância que, até os anos 1 8 8 0 , reinava quanto às causas da
doença e ao seu modo de propagação só podia agravar a situação, provo-
cando os mais fantasiosos rumores e alimentando terríveis polêmicas. Iso-
lando ainda mais as populações, interrompendo todo o comércio, as q u a -
rentenas e os cordões sanitários a s f i x i a v a m as cidades e a u m e n t a v a m a
angústia.
A h i s t ó r i a da febre a m a r e l a se inscreve f a c i l m e n t e na h i s t ó r i a da
teoria dos germes de Louis Pasteur. Entretanto, o que I l a n a L ö w y nos p r o -
põe não é u m a história da febre amarela no Brasil, m a s antes u m a refle-
x ã o sobre u m a fase crucial da história desta doença. Inicialmente, era de
fato importante e x a m i n a r as relações entre o saber científico universal e a
percepção da doença t a n t o pelos pacientes q u a n t o pelos médicos. Esta é
u m a reflexão e p i s t e m o l ó g i c a essencial. Na época a t r a n s f e r ê n c i a de c o -
nhecimentos e a circulação dos saberes não ocorriam a u t o m a t i c a m e n t e . Ε
isso ainda acontece nos dias de hoje. Em segundo lugar, trabalhando no
Brasil e nos Estados Unidos, Ilana L ö w y conseguiu obter em primeira m ã o
informações preciosas, até então adormecidas em relatórios de arquivos e
em d o c u m e n t o s de acesso freqüentemente difícil. Isso permite abrir u m
grande espaço para as percepções, pelas populações e pelos meios políticos,
das medidas de prevenção preconizadas e aplicadas pelos cientistas da Fun¬
dação Rockefeller e, naturalmente, para as oposições a essas ações desen-
volvidas no seio dessa sociedade brasileira multiétnica, que acolhia grande
n ú m e r o de imigrantes. É, de fato, essencial que se esteja em condições de
recolocar o a s s u n t o no contexto político e social da época.
É em 1 9 1 4 , após os s u c e s s o s a l c a n ç a d o s na luta contra a
ancilostomíase, que a Fundação Rockefeller entra em cena c o m b a t e n d o a
febre a m a r e l a n o B r a s i l , b a s e a n d o - s e , p a r a i s s o , no f a m o s o a r t i g o de
Wickliffe Ross que propõe a "teoria do foco-chave".
No Brasil, c o m o e m o u t r o s lugares, "os especialistas da F u n d a ç ã o
Rockefeller v i e r a m , p o r t a n t o , c o m u m a ciência de saúde pública p r o n t a ,
que não se modificou no c o n t a t o c o m seus colegas brasileiros". Tudo isso
m o s t r a bem que, em saúde pública, não se trata apenas de problemas de
pura técnica médica, m a s há m u i t o mais em j o g o .
Hoje, s a b e m o s que essa "teoria do f o c o - c h a v e " estava equivocada,
c o m o j á pensavam os pasteurianos e muitos outros; esta certeza absoluta
exibida pelos especialistas da fundação deveria, aliás, incitar a prudência
de todos aqueles que, ainda hoje, se apóiam unicamente, em m a t é r i a de
doenças t r a n s m i s s í v e i s , em considerações teóricas e modelos m a t e m á t i -
cos p a r a explicar as s i t u a ç õ e s epidemiológicas e prever as e m e r g ê n c i a s
futuras, sem se preocupar em levar em conta t a m b é m o impacto de vários
fatores, tão difíceis de quantificar, ligados à ecologia h u m a n a . A natureza
se recusa a se deixar encerrar em categorias e em fórmulas m a t e m á t i c a s .
Assim, as dificuldades encontradas na prática do controle do Aedes
aegypti são bem clássicas; elas persistem ainda hoje onde quer que se quei-
ra desenvolver esse tipo de ação.
Todavia, ainda que os avanços obtidos especialmente graças à intui-
ção e à energia de Soper, e que levaram inevitavelmente ao a b a n d o n o da
teoria do f o c o - c h a v e , t e n h a m desencadeado u m a m u d a n ç a m a r c a n t e da
política sanitária, observa-se que em n e n h u m m o m e n t o fala-se da possibi-
lidade de u m a permanência do vírus amarílico nas populações de mosquitos
por meio de u m a t r a n s m i s s ã o vertical, fenômeno no entanto demostrado
desde 1 9 0 5 pelos cientistas franceses em missão no Rio de Janeiro.
Graças a seus talentos de historiadora, Ilana Löwy soube recolocar a
ação médica no Brasil de então. É a s s i m que, ao ler esta obra, t o m a m o s
consciência dos fatos de que a instauração do regime autoritário de Getú¬
lio Vargas, n u m país onde a cultura da violência é onipresente, sem dúvida
alterou completamente a situação em matéria de saúde pública e de que a
"campanha contra a febre amarela empreendida pela Fundação Rockefeller
inseria-se perfeitamente naquele n o v o c o n t e x t o " . Esse fato político teria
sido decisivo para o s u c e s s o de Soper? Este teve, em todos os c a s o s , a
m a i o r liberdade de ação para acionar seu dispositivo de controle dos Aedes.
Por m a i s q u e t e n h a m aflorado o s b o n s e os m a u s a s p e c t o s dessa a ç ã o ,
n u n c a se terá dito o bastante sobre os controles incessantes, o rigor apesar
da r o t i n a , sobre a e x t r a o r d i n á r i a o r g a n i z a ç ã o q u a s e m i l i t a r da a d m i n i s -
tração que pode, aliás, ser vista c o m o u m "fanatismo quase religioso" n o
seio daquele " e x é r c i t o p e r m a n e n t e e m c a m p o " , segundo a e x p r e s s ã o de
Fred Soper. Ε foi m e s m o graças a esse "espírito m i s s i o n á r i o " que mais de
duas m i l casas p u d e r a m ser visitadas e m 1 9 3 0 e 1 9 4 2 .
Porém, m a i s tarde, o u t r o s dados v i e r a m m u d a r a situação: o
s u r g i m e n t o do DDT, a evidência da existência de u m reservatório a n i m a l
silvestre que t o r n a v a a erradicação da febre amarela t o t a l m e n t e irrealista,
o desenvolvimento de v a c i n a s .
De todo modo, o fato de que o Aedes aegypti tenha sido quase erradicado
da A m é r i c a Latina g r a ç a s a o s n o r t e - a m e r i c a n o s , m a s que estes m e s m o s
n o r t e - a m e r i c a n o s n ã o t e n h a m conseguido retirá-lo do próprio território
dos Estados Unidos, n ã o é o m e n o r dos paradoxos. C o m o n ã o retomar aqui
a frase de Soper: "O erradicador sabe que seu t r a b a l h o n ã o se mede pelo
que foi feito, m a s que o g r a u de seu fracasso se mede por aquilo que ainda
resta a fazer".
I l a n a L ö w y pôde reconstituir c o m m u i t o cuidado a história das pes-
quisas sobre a preparação da vacina antiamarílica. Os testes em h u m a n o s
e r a m praticados em condições que, hoje, dariam arrepios; elas certamente
n ã o estão afinadas c o m nosso atual "princípio de precaução". Ainda aqui,
é imperativo se recolocar n o contexto da época para apreciar a determina-
ção dos pesquisadores. Ε é preciso t a m b é m levar em conta os riscos que os
próprios pesquisadores c o r r i a m .
O desenrolar do fio da história, c o m seu cortejo de glórias e de m i s é -
rias, de perseverança e de reviravoltas, leva, pouco a pouco, à situação hoje
prevalecente. Ε que s i t u a ç ã o é essa? S a b e m o s c o m o , n o p l a n o técnico, é
possível e l i m i n a r o m o s q u i t o v e t o r Aedes aegypti, m a s , após os sucessos
alcançados na primeira metade do século X X , este v o l t o u a invadir, p r o -
gressivamente, a partir dos anos 1 9 7 0 , a maior parte da América tropical;
ele c o n t i n u a presente, especialmente n o Brasil, que se declara pronto para
relançar u m a m p l o p r o g r a m a nacional de eliminação; de fato, aos olhos de
m u i t o s e p i d e m i o l o g i s t a s , a A m é r i c a L a t i n a e s t á de n o v o gravemente
ameaçada. Dispõe-se de u m a vacina extremamente eficaz e bem tolerada e,
n o entanto, cerca de duzentos mil casos de febre amarela (em média) teriam
surgido atualmente, segundo as estimativas da O M S ; há aproximadamente
1 5 anos, epidemias importantes se m a n i f e s t a m n o continente africano. A
OMS m u d o u sua política: seus programas horizontais, baseados nos f a m o ¬
sos cuidados primários de saúde, visam não mais à "erradicação", m a s ao
"controle" das endemias, n u m contexto marcado pela falta de recursos fi-
nanceiros, falta de competências, falta de vontade política.
Decepcionante? S e m dúvida. Desesperador? Certamente não, m e s m o
que, por vezes, possamos ter a impressão de que a História é u m eterno
recomeço.

François Rodhain
Professor do Instituto Pasteur
Setembro de 2 0 0 0
Agradecimentos

Este livro se o r i g i n a de u m a c o r d o de c o o p e r a ç ã o entre o I n s e r m


(Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale) e a Fiocruz, que
m e pôs e m c o n t a t o c o m pesquisadores b r a s i l e i r o s da C a s a de O s w a l d o
Cruz (Rio de Janeiro) e m e familiarizou c o m as pesquisas sobre a história
da biologia, da medicina e da saúde pública no Brasil. Este trabalho c o n t o u
c o m o apoio e a ajuda de m e u s colegas da ex-unidade 1 5 8 do Inserm que
participaram do intercâmbio c o m o Brasil: François Delaporte, Anne-Marie
M o u l i n e Patrice Pinei. Ele n ã o teria sido possível sem o generoso apoio de
grande n ú m e r o de pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz. S o u especial-
mente g r a t a aos pesquisadores brasileiros que colocaram a m i n h a disposi-
ção suas pesquisas n ã o publicadas e que p a c i e n t e m e n t e m e a j u d a r a m a
m e familiarizar c o m a história e a sociedade brasileiras: J a i m e Benchimol,
Paulo Gadelha, Gilberto Hochman, Nísia Trindade Lima e Vera Portocarrero.
Beneficiei-me t a m b é m das discussões e trocas c o m colegas que estudam a
ciência e a medicina fora do Ocidente, o papel da Fundação Rockefeller e
a circulação dos saberes e das práticas científicas, médicas e técnicas. S u a
lista, m u i t o s e g u r a m e n t e i n c o m p l e t a , inclui: W a r w i c k A n d e r s o n , Bridie
Andrews, W i l l i a m B y n u m , Marie-Noëlle Bourguet, Anne-Emanuelle Birn,
M a r c o s Cueto, Andrew C u n n i n g h a m , Annick Guénel, Catherine J a m i , Lion
M u r a r d , M i c h a e l O s b o r d e , D o m i n i q u e Pestre, P a t r i c k Petitjean, J e a n -
François Picard, B a r b a r a Rosenkrantz, N a n c y Stepan, Lynette Schumaker,
Paul Weindling, Michael W o r b o y s e Patrick Z y l b e r m a n .
O t r a b a l h o n ã o poderia ter se realizado s e m a ajuda preciosa dos
arquivistas n a França, n o Brasil, n o s Estados Unidos e na G r ã - B r e t a n h a .
M i n h a gratidão a Denise Ogilvie e seus colaboradores no Arquivo do Institut
Pasteur e m Paris, a J u l i a Sheppard e seus colaboradores n o A r q u i v o de
M e d i c i n a C o n t e m p o r â n e a da W e l l c o m e L i b r a r y e m L o n d r e s , a D a r w i n
Stapleton, T h ó m a s Rosenbaum e seus colaboradores no Rockefeller Archive
Center e m T a r r y t o w n (Nova York) e a Fernando Pires Alves e seus colabora-
dores n o D e p a r t a m e n t o de Arquivo e D o c u m e n t a ç ã o da Casa de Oswaldo
Cruz, Fiocruz, n o Rio de J a n e i r o . As viagens e as temporadas de trabalho
necessárias à coleta de material de arquivo f o r a m financiadas pelo acordo
I n s e r m - F i o c r u z , p o r u m a b o l s a - v i a g e m do Rockefeller A r c h i v e Center e
u m a bolsa do Wellcome Trust. A n n i c k Perrot e Hélène Versavel n o Musée
P a s t e u r , M a r i a Teresa B a n d e i r a de M e l l o e P a u l o E l i a n n o S e r v i ç o de
I c o n o g r a f i a da C a s a de O s w a l d o C r u z e Michelle Hiltzik n o Rockefeller
Archive Center m e ajudaram a reunir as imagens que ilustram esta obra.
O l g a A m s t e r d a m s k a , C h r i s t o p h e B o n n e u i l , J e a n - P a u l Gaudillière,
Flavio Edler, J o h n Krige e Kapil Raj leram pacientemente e c o m e n t a r a m o
m a n u s c r i t o deste livro e m e ajudaram a clarificar m i n h a s idéias e a tornar
m e u t e x t o m a i s inteligível. Ocioso dizer que eles n ã o t ê m n e n h u m a res-
ponsabilidade pelas falhas e lacunas desta obra. Gostaria t a m b é m de a g r a -
decer a Nathalie e Norbert Tingeot por seu trabalho na forma do texto. Na
Editions des Archives Contemporaines, J o h n Krige encorajou e apoiou este
projeto, e Nathalie Fournier o levou a cabo.
A edição o r i g i n a l deste v o l u m e c o n t o u c o m o apoio da F o n d a t i o n
M a i s o n des Sciences de l ' H o m m e , por intermédio de u m p r o g r a m a da C o -
missão Européia (DGXII), "Ciência, políticas públicas e saúde n a Europa do
pós-guerra", n o â m b i t o do F ó r u m Europeu da Ciência e da Tecnologia.
Finalmente, m e u reconhecimento a Michael, que m e iniciou n a c u l -
t u r a brasileira, a Woody, que m e fez conhecer a dos Estados Unidos, e a
T â m a r a , Daniel, N a o m i e Rachel, por seu vigor híbrido e sua capacidade de
m e fazer rir.
Uma Ciênciaquecírcula, a Medicina Tropical

Uma Ciência que Circula


No o u t o n o de 1 9 0 1 , três pesquisadores do Instituto Pasteur, os d o u -
tores A. Taurelli Salimbeni, E. M a r c h o u x e P.-L. S i m o n d - estes dois eram,
então, m e m b r o s do corpo médico das colônias - partem para o Brasil. S ã o
incumbidos pelo Ministério das Colônias de verificar a conclusão dos t r a -
balhos desenvolvidos e m Cuba pela Comissão Reed ( 1 9 0 0 - 1 9 0 1 ) , c o m p o s -
ta por médicos militares americanos. S u a hipótese, segundo a qual a febre
amarela, e x a t a m e n t e c o m o a malária, seria transmitida por u m m o s q u i t o
n ã o deixaria, u m a vez confirmada, de ter importantes repercussões práti-
cas. A febre a m a r e l a havia sido considerada até então c o m o u m a doença
c o n t a g i o s a clássica, p r o p a g a d a fosse por c o n t a t o direto c o m u m doente,
fosse por c o n t a t o c o m suas roupas, alimentos e roupa de c a m a , o u ainda
c o m qualquer o u t r o objeto contaminado. O surgimento repentino da doença
n o s portos europeus que recebiam navios provenientes de países tropicais
havia reforçado a idéia de que a febre amarela era u m a doença contagiosa;
as epidemias o c o r r i d a s f o r a dos t r ó p i c o s - e m S a i n t - N a z a i r e ( 1 8 6 6 ) o u
S w a n s e a ( 1 8 6 5 ) - t i v e r a m , é verdade, c u r t a duração, m a s o desapareci-
m e n t o do foco epidêmico foi atribuído à fragilidade do agente (suspeitava-
se fortemente, n o fim do século X I X , de que este era u m m i c r o r g a n i s m o
1
patogênico) e à sua incapacidade de sobreviver n u m clima temperado.
A p o i a n d o - s e n a s o b s e r v a ç õ e s a n t e r i o r e s do m é d i c o c u b a n o Carlos
2
F i n l a y , as p e s q u i s a s dos médicos m i l i t a r e s n o r t e - a m e r i c a n o s m o d i f i c a -
r a m r a d i c a l m e n t e a p e r c e p ç ã o da febre a m a r e l a , a c r e s c e n t a n d o u m elo
s u p l e m e n t a r à s u a cadeia de t r a n s m i s s ã o . Segundo a expressão figurada
de Georges Canguilhem, tal descoberta acrescentou u m a n o v a representa¬
3
ç ã o à s figurações da M o r t e : a M o r t e q u e t e m a s a s . A descoberta dessa
n o v a f o r m a de t r a n s m i s s ã o podia ser percebida c o m o algo ao m e s m o t e m -
po inquietante e tranqüilizador; c o m efeito, é m a i s fácil evitar o c o n t a t o
c o m p e s s o a s a t i n g i d a s do q u e c o m m o s q u i t o s , onipresentes n o s c l i m a s
quentes, m a s os especialistas esperavam que o m o s q u i t o se revelasse o elo
fraco da cadeia, e que s u a eliminação levasse à erradicação da p a t o l o g i a
cujos agentes ele veicula.
As pesquisas dos especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s sobre a t r a n s m i s -
são da febre amarela interessaram vivamente os colonos franceses. Se b a s -
t a v a a t a c a r os m o s q u i t o s p a r a e x t i r p a r a doença, a q u a r e n t e n a , muito
onerosa, dos navios provenientes de portos em que a doença grassava dei-
x a v a de ser necessária. T r a t a v a - s e , n o e n t a n t o , de convencer o s serviços
militares da confiabilidade desses trabalhos, segundo os quais o agente da
febre amarela não se podia transmitir por c o n t a t o c o m mercadorias c o n t a -
minadas. A associação dos comerciantes franceses do Senegal, país d u r a -
m e n t e atingido por epidemias recorrentes, dirigiu-se em 1 9 0 0 ao governo
francês p a r a solicitar a criação de u m a c o m i s s ã o de especialistas encarre-
gada de confirmar o u invalidar os resultados obtidos pelos médicos a m e r i -
c a n o s e m C u b a . O p a r l a m e n t o francês, após subscrever o r e q u e r i m e n t o ,
e n c a m i n h o u - o ao I n s t i t u t o Pasteur e, e m 1 9 0 1 , três de seus especialistas
p a r t e m para o Rio de Janeiro, levando n a b a g a g e m o equipamento c o m p l e -
t o de u m laboratório de bacteriologia: microscópios, pipetas, corantes, meios
de c u l t u r a e estufas.
A p e s a r de a ciência b a c t e r i o l ó g i c a ser ainda e m b r i o n á r i a e m 1 9 0 1
(suas bases f o r a m estabelecidas a o l o n g o dos a n o s 1 8 7 0 - 1 8 8 0 ) , seu c o -
n h e c i m e n t o j á estava, então, relativamente b e m codificado, e isto g r a ç a s
às trocas realizadas n o s congressos internacionais, à atividade das publi-
cações especializadas, ao seu ensino e à circulação dos especialistas - p r o -
pícia à c o m p a r a ç ã o dos diferentes métodos de t r a b a l h o . A circulação dos
especialistas e dos laudos dos peritos n ã o se limitava, de resto, aos países
o c i d e n t a i s ; estendia-se, i g u a l m e n t e , a o s países t r o p i c a i s . N a a u r o r a do
desenvolvimento da bacteriologia, as colônias c o n s t i t u í r a m , p a r a os m é -
dicos europeus e o c a s i o n a l m e n t e n o r t e - a m e r i c a n o s , u m a das regiões p r i -
vilegiadas p a r a a elaboração da n o v a disciplina, a observação das doenças
infecciosas e de seus agentes, assim c o m o para a experimentação de t r a t a -
m e n t o s preventivos e curativos. Desse p o n t o de vista, a m i s s ã o do Institu-
t o Pasteur n o Rio de J a n e i r o diferia m u i t o p o u c o da m i s s ã o das demais
expedições de especialistas enviadas p a r a estudar u m a patologia local - a
n ã o ser pelo fato de o Brasil n ã o ser, à época, u m a colônia, m á s u m país
independente, d o t a d o de i n f r a - e s t r u t u r a s m é d i c a s e científicas a u t ô n o ¬
m a s , c o m o hospitais, faculdades de medicina o u instituições de pesquisa,
ainda que incipientes.
A transferência para o Brasil de u m laboratório bacteriológico m u i t o
aperfeiçoado para a época e cujo equipamento e funcionamento foram ri-
gorosamente copiados de u m centro de excelência europeu contribuiu para
o d e s e n v o l v i m e n t o de u m a tradição brasileira de pesquisa e m medicina
tropical e para a fundação, n o Rio de J a n e i r o , de u m c e n t r o de estudos
mundialmente reconhecido na área. Esse centro deve m u i t o à personalida-
de de seu fundador, O s w a l d o C r u z , médico brasileiro que fez c u r s o s de
b a c t e r i o l o g i a n o I n s t i t u t o Pasteur. De v o l t a a o Brasil e m 1 9 0 0 , ele foi
n o m e a d o diretor do I n s t i t u t o S o r o t e r á p i c o de M a n g u i n h o s , i n s t i t u i ç ã o
dedicada à fabricação de a n t i - s o r o e vacinas. C o m o diretor do Serviço de
Saúde do Rio de J a n e i r o em 1 9 0 2 , C r u z r e a l i z o u n o a n o seguinte u m a
c a m p a n h a de grande envergadura, cujo objetivo era a erradicação da febre
a m a r e l a . O sucesso dessa c a m p a n h a r e f o r ç o u sua posição política e lhe
p e r m i t i u obter os r e c u r s o s necessários à t r a n s f o r m a ç ã o do I n s t i t u t o de
M a n g u i n h o s (rebatizado, em 1 9 0 8 , c o m o Instituto Oswaldo Cruz) em u m
instituto de pesquisa em medicina tropical, que m u i t o rapidamente c o n -
q u i s t o u notoriedade i n t e r n a c i o n a l .
Os êxitos aleatórios do Instituto Oswaldo Cruz, seus triunfos precoces
e suas dificuldades ulteriores f o r a m analisados nos a n o s 1 9 6 0 - período
marcado pela confiança na capacidade da ciência e da tecnologia ocidentais
de melhorar o futuro das populações - c o m o experiência bem-sucedida de
4
transferência da ciência dos países industrializados para a periferia. Estu-
dos recentes s u b l i n h a m a ausência de ligações evidentes e lineares entre a
presença, n u m país em desenvolvimento, de pesquisadores que d o m i n a m
conhecimentos científicos de ponta e o sucesso local de operações práticas
baseadas nesse saber, nos campos da indústria, da c o m u n i c a ç ã o , da defesa
o u , ainda, da saúde. A história da luta c o n t r a a febre a m a r e l a n o Brasil
ilustra b e m a complexidade das relações entre c o n h e c i m e n t o s e práticas.
Por volta de 1 9 1 0 , os especialistas brasileiros h a v i a m adquirido os m e s -
m o s c o n h e c i m e n t o s em m a t é r i a de t r a n s m i s s ã o da febre a m a r e l a que os
m e l h o r e s especialistas da F r a n ç a , Inglaterra, A l e m a n h a o u Estados U n i -
dos, prevalecendo-se de u m a longa experiência prática nessa doença. Além
disso, c o n t a v a m em seu ativo c o m u m a c a m p a n h a de erradicação b e m -
sucedida. Os brasileiros d i s p u n h a m , p o r t a n t o , do saber necessário para
extirpar a febre amarela do seu país; na prática, contudo, a execução desse
p r o g r a m a revelou-se mais difícil do que esperavam.
C o m efeito, a eliminação da febre amarela na cidade do Rio de Janei-
ro não foi suficiente para livrar o Brasil desse flagelo. Apesar das tentati¬
vas de intervenção do Departamento Nacional de Saúde Pública brasileiro,
a doença perdurou nas cidades portuárias do nordeste do país. Foi então
que u m segundo grupo de cientistas estrangeiros interveio: os pesquisado-
res n o r t e - a m e r i c a n o s da Fundação Rockefeller, cuja c o n t r i b u i ç ã o c o m b i -
nava a i m p o r t a ç ã o de i n s t r u m e n t o s e técnicas de laboratório e a transfe-
rência de savoir-faire organizacional e administrativo, considerado por eles
u m c o m p o n e n t e indispensável na luta c o n t r a as doenças transmissíveis.
A primeira tentativa de erradicar a febre amarela no Brasil ( 1 9 2 3 - 1 9 2 8 )
resultou n u m fracasso. A ocorrência inesperada de u m a importante epide-
mia no Rio de J a n e i r o ( 1 9 2 8 - 1 9 2 9 ) , seguida da reaparição da doença em
várias localidades brasileiras, levou-os a repensar os princípios de base de
sua c a m p a n h a e a prestar maior atenção aos conhecimentos epidemiológicos
e patológicos a c u m u l a d o s pelos médicos brasileiros.
Por volta de 1 9 3 0 , a identificação do agente da febre amarela, a elabo-
ração dos modelos animais da doença e a perfeição dos métodos diagnósti-
cos l e v a r a m a u m q u e s t i o n a m e n t o radical dos c o n h e c i m e n t o s até então
considerados c o m o adquiridos. A febre amarela, que os especialistas da Fun-
dação Rockefeller só esperavam encontrar em a l g u m a s cidades portuárias
do Nordeste brasileiro, era a partir de então reconhecida c o m o u m a afecção
endêmica - u m a doença p e r m a n e n t e m e n t e presente - que atingia regiões
m u i t o extensas. A hipótese segundo a qual tratava-se de u m a doença que
a c o m e t i a os a n i m a i s da floresta, acidentalmente t r a n s m i t i d a ao h o m e m
por m o s q u i t o s , substituiu paralelamente a convicção precedente de que a
febre a m a r e l a era u m a doença e x c l u s i v a m e n t e h u m a n a . Desistindo da
erradicação da febre amarela, por ser esta patologia indissoluvelmente liga-
da à subsistência da floresta no Brasil, os especialistas decidiram, então,
privilegiar sua contenção por dois meios: o controle dos m o s q u i t o s que a
p r o p a g a m nas zonas de alta densidade habitacional e a produção de u m a
vacina capaz de proteger as pessoas em contato c o m os insetos da floresta.
Os especialistas da Fundação Rockefeller importaram, assim, para o Brasil o
savoir-faire administrativo capaz de orquestrar u m a campanha antimosquitos
de grande envergadura e o savoir-faire científico capaz de identificar os focos
de doença e produzir a vacina; depois, modificaram e adaptaram seu savoir-
faire no trabalho de c a m p o . O resultado foi o desaparecimento, nos anos
1 9 3 0 , da ameaça de epidemias de febre amarela no Brasil - triunfalmente
alardeado pelos especialistas da Fundação Rockfeller c o m o a "vitória contra
a febre amarela". M a s houve, realmente, "transferência de conhecimentos"
do centro para a periferia, o u aclimatação das práticas científicas ocidentais
a u m país em desenvolvimento? Qual foi o objeto da transferência, em que
direção ela se deu, e de acordo c o m que modalidades?
Aqui, trata-se de clarificar essa noção de "transferência dos conheci-
mentos e das práticas científicas" e, em termos mais gerais, o conceito de
u m a ciência que circula entre países desenvolvidos e em desenvolvimento,
c o m b i n a n d o métodos emprestados da história geral, da história da medi-
cina tropical, dos estudos sociais e culturais da ciência, e da antropologia.
Os trabalhos dedicados à medicina tropical - e, em termos mais ge-
rais, à propagação da ciência fora do Ocidente na época m o d e r n a e c o n -
temporânea - c e n t r a r a m o foco, na maioria dos casos, nos aspectos políti-
cos e administrativos dessa difusão da ciência, o u nas condições técnicas
da p r o d u ç ã o de c o n h e c i m e n t o s p o s t o s em c i r c u l a ç ã o ; m u i t o raramente
nos dois aspectos ao m e s m o t e m p o . Este t r a b a l h o pretende demonstrar
que as diferentes dimensões da transferência dos conhecimentos e práticas
científicos estão indissoluvelmente ligadas. Para a c o m p a n h a r u m a ciência
que se desloca, é necessário retraçar as ações que se desenvolvem em m ú l -
tiplos espaços: n o l a b o r a t ó r i o e em c a m p o , nos debates p a r l a m e n t a r e s e
deliberações m u n i c i p a i s , nas publicações especializadas e na grande i m -
prensa. Esses espaços não têm u m a hierarquia predeterminada. U m a m u -
dança de orientação pode ocorrer após u m a decisão política, sob a pressão
popular o u c o m a introdução de u m a n o v a técnica laboratorial, de u m a
m o d i f i c a ç ã o na o r g a n i z a ç ã o das i n s t â n c i a s profissionais, o u ainda pelo
d e s e n v o l v i m e n t o de f e r r a m e n t a s a d m i n i s t r a t i v a s m a i s aperfeiçoadas. O
estudo da transferência da ciência implica, portanto, a necessidade de cir-
cular permanentemente entre os múltiplos lugares em que ela se efetuou e
entre as c u l t u r a s nela envolvidas.

"Febre Amarela" ou "Febres Amarelas"?

Em voga entre os historiadores e os sociólogos da ciência nos anos


1 9 6 0 - 1 9 7 0 , o c o n c e i t o de t r a n s f e r ê n c i a unidirecional dos saberes e das
tecnologias do centro para a periferia se viu nuançado por estudos de casos
c o n c r e t o s que c o n s t a t a v a m que n ã o se t r a t a v a , em regra geral, de u m a
5
t r a n s m i s s ã o passiva, m a s antes de u m a verdadeira i n t e r a ç ã o .
Poderíamos reformular u m dos temas centrais deste livro da seguin-
te maneira: "Estudo da circulação dos saberes entre o centro e a periferia,
por meio do estudo de tentativas visando a controlar a febre amarela no
B r a s i l " . Esta frase pode, de início, parecer m e r a m e n t e descritiva. V i s t a
mais de perto, percebe-se que ela engloba, na realidade, u m grande n ú m e -
ro de noções problemáticas.
Em primeiro lugar, a dialética "centro" e "periferia". Os problemas
ligados à significação dos termos "ciência do centro" e "ciência da perife-
ria" estão no cerne dos debates sobre a ciência fora do Ocidente. Após ter
c o n s t a t a d o que as fronteiras entre " c e n t r o " e "periferia" estão longe de
serem estáveis o u b e m definidas, os pesquisadores se q u e s t i o n a r a m sobre
a validade heurística desta distinção e sobre os riscos ligados à definição
de u m lugar identificado c o m o "centro" o u "periferia". Tal debate u l t r a -
passa l a r g a m e n t e o escopo deste t r a b a l h o . Convém, entretanto, observar
que os pesquisadores franceses (do Instituto Pasteur) e n o r t e - a m e r i c a n o s
(da Fundação Rockefeller) que a t u a r a m no Brasil consideraram, de modo
geral, seu país de origem c o m o o "centro", o Brasil c o m o a "periferia", e a
maior parte de sua atividade c o m o u m m o v i m e n t o unidirecional de trans-
ferência dos saberes do centro para a periferia. Em compensação, os médi-
cos b r a s i l e i r o s que e s t u d a r a m a febre a m a r e l a t i v e r a m freqüentemente
u m a percepção mais complexa das relações científicas entre seu país e os
países i n d u s t r i a l i z a d o s . Eles h e s i t a r a m entre a v o n t a d e de " c i v i l i z a r " o
Brasil pela transposição dos novos conhecimentos científicos e tecnológicos
ocidentais e a vontade de desenvolver u m a a p r o x i m a ç ã o científica o r i g i -
nal, e entre o reconhecimento da existência de u m a ciência do "centro", a
única capaz de legitimar seus esforços (só se é reconhecido c o m o cientista
pela comunidade científica internacional, o u seja, na prática, a dos países
6
ocidentais) e a aspiração a relativizar sua i m p o r t â n c i a .
O t e r m o "Brasil" t a m b é m coloca u m problema. Alguns pesquisado-
res brasileiros a c h a r a m que seria mais exato falar dos "Brasis", para levar
em c o n t a as m ú l t i p l a s entidades que c o m p õ e m esse v a s t o país. Pode-se,
c o m efeito, dividir o Brasil segundo critérios geográficos e, desse m o d o ,
fazer distinção entre a Amazônia, o Sertão (as regiões semi-áridas do Nor-
deste), o interior, a costa, o Sul; ou em virtude de critérios econômicos: o
país da cana-de-açúcar, o país da borracha, o do café, da pecuária, ou da
indústria; pode-se igualmente enfatizar o a n t a g o n i s m o entre o Norte, p o -
bre e subdesenvolvido, e o Sul, mais rico e industrializado. Visto que u m a
parte deste livro se propõe a estudar u m serviço de saúde pública que de-
pende do g o v e r n o federal brasileiro, legitimado pelas leis do país e que
aplicou (ou pelo m e n o s se esforçou em aplicar) em todo o território os
m e s m o s métodos sanitários, a opção pelo t e r m o "Brasil" reflete a impor-
tância atribuída ao papel do Estado brasileiro na área da saúde pública,
e n q u a n t o que as diferenças locais e regionais aparecem através dos e s t u -
dos de caso específicos.
A terceira dupla de noções problemáticas é constituída por "saberes"
e "febre amarela", ou antes pelas relações que eles m a n t ê m . Esses concei¬
tos estão n o próprio cerne de nossa pesquisa, que, apoiando-se em noções
desenvolvidas pela tradição dos estudos sociais e culturais da ciência (science
studies), t e m c o m o objeto a gênese, o desenvolvimento, a multiplicação e a
c i r c u l a ç ã o das entidades produzidas pelos cientistas, tais c o m o a "febre
a m a r e l a " e suas conseqüências sociais, culturais e políticas. Essas entida-
des são moldadas a t r a v é s das interações entre c o n h e c i m e n t o s considera-
dos c o m o adquiridos (por exemplo, a definição da febre a m a r e l a , de seu
agente causal, o v e t o r que a t r a n s m i t e ) , as atividades concretas dos pes-
quisadores e dos médicos (notadamente os exames utilizados para estabe-
lecer o diagnóstico desta doença, os estudos de c a m p o sobre a dissemina-
ção, o i s o l a m e n t o e a c u l t u r a de seu agente etiológico, o t r a t a m e n t o das
doenças, a p r o d u ç ã o de u m a v a c i n a ) e a a ç ã o das a d m i n i s t r a ç õ e s e dos
poderes públicos (como, por exemplo, as reações das autoridades sanitárias
diante de u m a epidemia de febre a m a r e l a , a s a ç õ e s empreendidas para
prevenir futuras epidemias).
A q u i , i m p õ e - s e u m e s c l a r e c i m e n t o . A a f i r m a ç ã o de q u e a "febre
amarela" tal c o m o ela é percebida hoje em dia é, em grande medida, resul-
tado da atividade de cientistas n ã o significa que a doença n ã o exista o u
que ela seja m e r a "construção de especialistas". A doença, o sofrimento e a
m o r t e são fenômenos que pertencem à experiência c o m u m do gênero h u -
m a n o e que, por isso, t ê m u m a existência própria, fora de qualquer c o n -
t e x t o científico. No e n t a n t o , se todas as sociedades h u m a n a s se c o n f r o n -
t a r a m c o m a experiência da doença e todas elaboraram ferramentas práti-
cas e simbólicas para reagir a ela, tais ferramentas n ã o são idênticas. Os
trabalhos dos antropólogos, dos historiadores e dos sociólogos c o l o c a r a m
em evidência a enorme variabilidade nas interpretações do sofrimento e da
m o r t e , as diferentes percepções dos s i n t o m a s m ó r b i d o s p r o d u z i d o s p o r
sociedades diferentes, a s s i m c o m o a r i q u e z a das p r á t i c a s individuais e
coletivas desenvolvidas para se proteger das doenças. Para r e t o m a r a defi-
nição do historiador da medicina Charles Rosenberg,

a doença é ao mesmo tempo u m acontecimento biológico, u m reper-


tório de construções verbais que refletem a história intelectual e
institucional da medicina numa dada geração, u m aspecto da política e
uma legitimação desta política, uma entidade que potencialmente define
u m papel social, u m componente das normas culturais e u m elemento
7
que estrutura as relações médico/doente.

A doença pode, p o r t a n t o , ser descrita c o m o u m "fenômeno b i o c u l t u r a l " ,


u m a m i s t u r a de e l e m e n t o s independentes da v o n t a d e h u m a n a e de ele-
mentos elaborados pelos homens. Essa interpenetração e essa
interdependência de e l e m e n t o s m a t e r i a i s e c u l t u r a i s na percepção e na
c o m p r e e n s ã o das doenças t o r n a m problemática qualquer dissociação en-
tre a noção de doença e seu contexto histórico. No século X X , se é perfeita-
mente legítimo estudar os esqueletos de h o m e n s pré-históricos o u as m ú -
mias egípcias para tentar decifrar, utilizando a terminologia c o n t e m p o r â -
nea, de que males eles sofreram, tais estudos não dizem m u i t o sobre a
maneira c o m o u m h o m e m de C r o - M a g n o n percebeu seu "raquitismo", ou
8
u m sacerdote egípcio o seu "câncer nos o s s o s " .
A partir do século X I X , a "materialidade" da doença, ou seja, seus
aspectos biológicos e clínicos, destaca-se gradualmente da experiência di-
reta dos doentes; ela é percebida principalmente por meio das observações
9
feitas pelos pesquisadores e pelos clínicos. Tais o b s e r v a ç õ e s dependem,
por sua vez, do estágio dos conhecimentos e do savoir-faire n u m período e
n u m espaço determinados: o aspecto "bio" do fenômeno biocultural a que
10
c h a m a m o s "a doença" t a m b é m reflete u m a história b e m p r e c i s a . Além
disso, no século X X , a definição científica das doenças orgânicas baseava-
se m u i t a s vezes nos fenômenos estudados nos laboratórios e / o u observa-
dos com a ajuda de instrumentos e de técnicas específicas (o
eletrocardiograma torna visível u m a doença cardíaca, a tuberculose é re-
velada por u m a s o m b r a em u m a radiografia do pulmão, a imagem típica
de u m a bactéria se observa c o m u m microscópio, o diabetes é lido pela
medida do nível de açúcar no sangue e na urina, o diagnóstico definitivo
do câncer depende de u m exame citológico). Tais fenômenos são, segundo
o pioneiro da sociologia da ciência Ludwik Fleck, "tecno-fenômenos" que
dependem dos saberes e das práticas dos cientistas e das técnicas e instru-
11
m e n t o s que eles u t i l i z a m . Assim, a Aids era identificada, n u m primeiro
m o m e n t o , pela presença de n u m e r o s a s infecções o p o r t u n i s t a s , o u seja,
principalmente c o m base no sofrimento físico do paciente. A definição de
"Aids comprovada" baseou-se, em seguida, na enumeração do n ú m e r o de
linfócitos do tipo C D 4 + , método que demanda o emprego de instrumentos
m u i t o c o m p l i c a d o s (os separadores de células) e de reativos específicos
( a n t i c o r p o s m o n o c l o n a i s ) e, a p a r t i r de m e a d o s dos a n o s 1 9 9 0 , na
q u a n t i f i c a ç ã o - por técnicas o r i u n d a s da biologia m o l e c u l a r - da c a r g a
viral no sangue dos indivíduos infectados. A definição "tecnocientífica" da
"Aids comprovada" dissociou, dessa f o r m a , a doença da experiência subje-
12
tiva do indivíduo.
A redefinição da doença na linguagem da ciência não anula, no en-
13
tanto, a formulação advinda da experiência individual. U m paciente g r a -
vemente atingido não precisa, em regra, de u m profissional para disso se
conscientizar, e os doentes de hoje podem ocasionalmente reconhecer ele¬
m e n t o s de sua experiência nas descrições dos textos a n t i g o s . A definição
científica da doença pode, e n t r e t a n t o , modificar a percepção dos estados
a s s i n t o m á t i c o s ; assim, u m a pessoa que se imagina em perfeita saúde e a
q u e m se anuncia que ela está sofrendo de u m câncer ou u m a pessoa que
descobre sua soropositividade n u m e x a m e de rotina passarão, na maioria
dos casos, a perceber seus corpos de m a n e i r a radicalmente diferente. Ela
pode t a m b é m modificar a significação dos s i n t o m a s : hoje, u m a mulher
grávida provavelmente dará pouca i m p o r t â n c i a aos casos dos "temores"
o u dos s o n h o s ruins que a t o r m e n t a r a m as mulheres grávidas do século
XVIII, m a s em compensação ela estará atentíssima ao surgimento de c o n -
14
trações u t e r i n a s . Essa redefinição pode t a m b é m se integrar à experiência
subjetiva dos doentes. Por exemplo, u m a pessoa que recebe a notícia de que
sofre de hipertensão irá, por vezes, reinterpretar suas sensações corporais
em f u n ç ã o das f l u t u a ç õ e s de s u a p r e s s ã o a r t e r i a l e p r o v a r sintomas
adicionais provocados pelas "taxas ruins".
A integração das informações produzidas pela tecnologia médica às
sensações subjetivas dos doentes n ã o é, n o e n t a n t o , simples, n ã o se faz
a u t o m a t i c a m e n t e . U m doente de leucemia relata a confusão de seus sen-
t i m e n t o s diante da avalanche dos resultados de laboratório que s u p o s t a -
m e n t e descrevem o desenrolar de sua doença:

Nunca consegui sincronizar meus sentimentos com a informação


médica que eu acabava de receber. Cada fragmento de informação era
potencialmente capaz de bagunçar meus sentimentos sobre minha so-
brevivência, e modificar minha posição em relação a meu futuro, e
15
mesmo em relação ao presente [...]. Tive medo.

Nos países ocidentais, os doentes podem o u dar e x t r e m a i m p o r t â n -


cia aos resultados de seus e x a m e s médicos, o u decidir i g n o r á - l o s t o t a l -
m e n t e e fiar-se u n i c a m e n t e nas sensações de seu corpo, o u ainda oscilar
entre as duas atitudes. Os doentes dos países em desenvolvimento só dis-
põem do segundo p a r â m e t r o ; a quase totalidade dos doentes de Aids na
África sofre, assim, de "definhamento", e não da queda do n ú m e r o de seus
linfócitos C D 4 + o u de u m a u m e n t o do n ú m e r o de partículas virais em seu
sangue. A l é m disso, em certos casos patológicos, tais c o m o a e n x a q u e c a
ou as dores crônicas, n e n h u m método confiável permite estudar essa c o n -
dição por meio de medidas objetivas, desligadas do indivíduo. O médico
deve, portanto - às vezes a contragosto - se fiar nas descrições subjetivas
do doente para delas fazer o principal guia de sua intervenção terapêutica.
Essa impossibilidade de dissociar os s i n t o m a s e a pessoa é ainda m a i s
p a t e n t e n o c a m p o das d o e n ç a s m e n t a i s , a p e s a r do a r s e n a l de medidas
16
p r e t e n s a m e n t e "objetivas" desenvolvidas pelos p s i q u i a t r a s . Mas a maio-
ria das patologias h u m a n a s é percebida por meio dos métodos utilizados
p a r a t o r n á - l a s m a i s visíveis, e s u a h i s t ó r i a n ã o pode ser dissociada da
h i s t ó r i a do desenvolvimento destes m é t o d o s . A febre a m a r e l a pertence a
essa c a t e g o r i a .
Hoje, b a s t a a b r i r u m a enciclopédia médica, u m livro de m e d i c i n a
tropical o u m e s m o percorrer u m a obra n ã o especializada para saber que a
febre a m a r e l a é u m a doença viral induzida por u m vírus b e m definido e
transmitida ao h o m e m pela picada de u m m o s q u i t o . A definição científica
da d o e n ç a baseia-se, a n t e s de tudo, n a identificação de seu a g e n t e . Para
atestar que u m a pessoa que apresenta sintomas que sugerem a febre a m a -
rela está efetivamente atingida por esta doença, é preciso fornecer a prova
de que ele foi infectado pelo vírus em questão. A partir de 1 9 3 0 , testes de
l a b o r a t ó r i o p e r m i t i r a m u m diagnóstico baseado n a presença desse v í r u s ;
testes indiretos p r o c u r a m anticorpos específicos n o s a n g u e do doente, ao
passo que testes mais diretos d e m o n s t r a m a presença do vírus pela indução
de u m a doença típica n u m a cobaia na qual se injeta o sangue do doente.
A partir de meados dos a n o s 1 9 3 0 , t a m b é m se t o r n a possível cultivar o
vírus da febre amarela em ovos embrionados. M e s m o que a confiabilidade
dos testes tenha aumentado c o m o tempo, ela c o n t i n u a n ã o sendo a b s o l u -
ta. A l é m disso, as a m o s t r a s - sejam elas de s a n g u e o u de s o r o - devem
chegar e m b o m estado a u m laboratório c o r r e t a m e n t e equipado e dotado
de pessoal competente, condição nada óbvia n a maioria dos países e m que
a febre a m a r e l a está presente hoje. Todavia, n a ausência de identificação
f o r m a l do vírus, o diagnóstico da febre amarela fica incompleto; será, n a
m e l h o r das hipóteses, u m a forte conjectura.

A n t e s de 1 9 3 0 , e m c o m p e n s a ç ã o , a identificação da febre a m a r e l a
b a s e a v a - s e e x c l u s i v a m e n t e n o s sinais clínicos da doença ( o c a s i o n a l m e n t e
enriquecidos, a p a r t i r dos a n o s 1 9 2 0 , pela o b s e r v a ç ã o post mortem das
t r a n s f o r m a ç õ e s patológicas das células do fígado de pacientes falecidos) e
17
nos indícios epidemiológicos. Alexandre Humboldt descreveu e m 1 7 9 9 a
freqüência da febre amarela em Havana, e os médicos que h a v i a m partici-
pado da expedição de Bonaparte ao Egito relataram a presença de casos de
"febre amarela"; m a s todos estes observadores falam de u m a "febre a m a -
rela clínica", e n ã o se pode excluir a possibilidade de que a patologia que
o b s e r v a r a m fosse diferente da "febre amarela dos virólogos", o u seja, u m a
doença definida pela identificação de seu agente.
A q u e s t ã o da identidade da d o e n ç a c h a m a d a "febre a m a r e l a " n o s
séculos XVIII e X I X não é de modo a l g u m teórica, pois, segundo os especia-
listas, a febre a m a r e l a foi m u i t a s vezes confundida c o m o u t r a s doenças.
A l é m disso, c o m o v e r e m o s m a i s adiante, duas doenças q u e a p r e s e n t a m
s i n t o m a s clínicos semelhantes, a febre a m a r e l a (hoje definida c o m o u m a
doença induzida por u m vírus) e a leptospirose (hoje definida c o m o u m a
doença induzida por u m a bactéria), só f o r a m definitivamente dissociadas
pelos especialistas e m fins dos a n o s 1 9 2 0 . Antes disso, u m a pessoa que
tivesse s i n t o m a s de "febre amarela" poderia ter (segundo os critérios p o s -
teriores a 1 9 3 0 ) sofrido o u da "verdadeira febre amarela" o u de leptospirose,
o u ainda de u m a o u t r a doença a c o m p a n h a d a de febre, de a l b u m i n a n a
urina, e de icterícia. Os s i n t o m a s da febre amarela, sejam eles u m a febre
alta, icterícia - sinal de c o m p r o m e t i m e n t o severo do fígado - , o u m e s m o
v ô m i t o de sangue c h a m a d o "vômito-negro", n ã o são de m o d o a l g u m espe-
cíficos. Tal dificuldade n ã o escapou aos médicos que estudaram essa doen-
ça antes do advento das técnicas virológicas e i m u n o l ó g i c a s baseadas n a
identificação de seus agentes etiológicos. Os especialistas ingleses que ten-
t a r a m , e m 1 9 1 3 , atestar a presença da febre amarela n a África Ocidental
i n v e n t a r i a r a m u m n ú m e r o i m p r e s s i o n a n t e de d o e n ç a s freqüentemente
confundidas c o m a febre a m a r e l a c o m base nos sinais clínicos; entre elas
e n c o n t r a m - s e a m a l á r i a , a d e n g u e , a febre p a p a t a c i , a febre tifóide, a
paratifóide, a febre ondulante. E m seguida eles propuseram testes de l a b o -
r a t ó r i o c a p a z e s de d i s c r i m i n a r a l g u m a s - m a s n ã o todas - dentre elas.
Estavam plenamente conscientes do fato de que suas pesquisas, conduzidas
por especialistas e financiadas por u m o r ç a m e n t o especial, t i n h a m caráter
a b s o l u t a m e n t e e x c e p c i o n a l ; n a s condições h a b i t u a i s de t r a b a l h o de u m
médico n a s regiões tropicais, a probabilidade de se estabelecer u m diag-
1 8
n ó s t i c o e r r ô n e o era, s e g u n d o eles, m u i t o a l t a . Além disso, a doença
induzida pelo vírus da febre amarela é m u i t a s vezes "atípica" e pode a s s u -
m i r formas m e n o s severas. C o m base apenas nas observações clínicas des-
sas formas, m u i t a s vezes desprovidas de icterícia pronunciada, n ã o se p o -
dem distinguir o u t r a s doenças febris.

Portanto, se e s t a m o s falando de pessoas acometidas de "febre a m a -


rela", c o n v é m datar e s i t u a r esta c o n s t a t a ç ã o e explicitar a base sobre a
q u a l a afecção foi, a s s i m , definida: a f i r m a ç õ e s de não-especialistas, o p i -
nião dos médicos o u análises de laboratório. Na falta de a m o s t r a s de s a n -
gue, cortes histológicos de órgãos o u o u t r o s elementos que hoje s u s t e n t a m
u m diagnóstico de febre a m a r e l a , é impossível fazer c o m s e g u r a n ç a u m
diagnóstico retroativo. A questão n ã o t e m grande i m p o r t â n c i a q u a n d o o
objeto de estudo n ã o é a própria febre amarela; quando se lê n u m a descri-
ç ã o feita pelos médicos das c o l ô n i a s que as t r o p a s f o r a m atingidas p o r
u m a epidemia de febre amarela, o u quando u m relato de viagem menciona
que u m a p e s s o a foi afetada p o r esta p a t o l o g i a , p o u c o i m p o r t a que ela
t e n h a sofrido de leptospirose, de m a l á r i a , de febre tifóide o u de hepatite
aguda. O m e s m o n ã o ocorre quando a pesquisa é sobre a "febre amarela"
propriamente dita; neste caso, a definição e a delimitação da entidade "fe-
b r e a m a r e l a " pelas práticas dos médicos e dos pesquisadores n ã o são es-
t r a n h a s ao objeto da pesquisa.
A ciência, é ocioso dizer, pode ser estudada de diversas m a n e i r a s . O
estudo de François Delaporte sobre as origens da descoberta do papel do m o s -
quito na transmissão da febre amarela utiliza o t e r m o "febre amarela" para
descrever ao m e s m o tempo a entidade assim designada por volta de 1 9 0 0 (e
definida c o m base nos sinais clínicos) e a doença a que hoje este n o m e se
refere (definida c o m base e m testes que revelam a presença de u m v í r u s
19
específico). A utilização não problematizada do termo "febre amarela" pode
se explicar pelo objetivo perseguido pelo autor, que investiga as condições
que definem a possibilidade de emergência de u m novo c a m p o conceitual -
o s u r g i m e n t o dos vetores artrópodes n a medicina tropical. "A história da
febre a m a r e l a " representa uma abordagem enraizada na tradição
epistemológica francesa, que define a história das ciências c o m o "a análise
das e s t r u t u r a s teóricas e enunciados científicos, do m a t e r i a l c o n c e i t u a l e
dos campos de aplicação dos conceitos". U m a abordagem desse tipo facilita
20
os estudos focalizados n o desenvolvimento das idéias c i e n t í f i c a s .
O e s t u d o da ciência pode t a m b é m ser c o n s i d e r a d o de u m a outra
maneira, que veria a ciência n ã o c o m o u m sistema coerente de enunciados
sobre a estrutura do m u n d o natural, m a s c o m o o conjunto indivisível das
práticas materiais, sociais e discursivas dos cientistas. A história do c o n -
trole da febre a m a r e l a descrita neste t r a b a l h o apóia-se e m u m a a b o r d a -
g e m que apreende o s o b j e t o s da ciência p o r m e i o dos i n s t r u m e n t o s do
savoir-faire, das maneiras de ver próprias de u m a comunidade de especia-
l i s t a s , o b j e t o s q u e m u d a m c o m a e v o l u ç ã o desses i n s t r u m e n t o s , desse
savoir-faire e dessas m a n e i r a s de ver. Tal visão do m u n d o n a t u r a l através
das "lentes das práticas científicas" (observação, análise, e x p e r i m e n t a ç ã o
e intervenção) gera "fatos científicos" (conceitos, objetos, técnicas, c l a s s i -
ficações) que dependem do lugar e do tempo de sua produção, a s s i m c o m o
21
das redes nas quais estão inseridas e nas quais c i r c u l a m . Em tal ótica, as
m u d a n ç a s de definição da febre a m a r e l a entre 1 9 0 0 e 1 9 5 0 c o n s t i t u e m
22
para o historiador u m objeto essencial de i n v e s t i g a ç ã o .
A definição atual da febre amarela t e m suas origens n o fim do sécu-
lo X I X , c o m o advento da microbiologia e a afirmação do postulado segun-
do o qual cada doença infecciosa é induzida por u m m i c r o r g a n i s m o espe-
cífico. No princípio do século X I X , prevalecia u m a v i s ã o fisiológica q u e
sublinhava a unicidade das diversas patologias, igualmente percebidas c o m o
perturbações dos m e s m o s sistemas fisiológicos de base. Foi por v o l t a de
meados do século X I X que emergiu a idéia de u m a entidade "febres" c o m -
posta de unidades mórbidas muitos distintas, e desse modo diferenciou-se
a febre tifóide da difteria, da tuberculose o u ainda da pneumonia. Tratava-
se, de fato, da extensão às doenças endêmicas de hipóteses há m u i t o c o n -
23
sideradas válidas para n u m e r o s a s epidemias. Os médicos não e n c o n t r a -
v a m m a i s dificuldades em reconhecer que a pestilência que atinge u m a
localidade após outra era u m a unidade mórbida distinta ou que u m navio
24
proveniente dos trópicos era portador de u m a afecção bem determinada.
S e , p a r a l e l a m e n t e , r e c o n h e c e r a m a e s p e c i f i c i d a d e de c e r t a s d o e n ç a s
transmissíveis c o m o a varíola, eles tiveram, em c o m p e n s a ç ã o , mais difi-
culdade em admitir, por exemplo, que as chamadas febres "sazonais" (tais
c o m o a gripe, a pneumonia, a febre tifóide, antes classificadas c o m o subtipos:
febres "intermitentes", "estacionárias" etc.) não eram modalidades de e x -
pressão diferentes da ação do m e s m o agente causal em indivíduos de c o n s -
tituição dessemelhante o u cujas condições de vida diferiam.
A c o n v i c ç ã o de que as doenças infecciosas são distintas n a s c e u de
sua observação apurada ao longo do século X I X . A transformação do h o s -
pital em espaço importante para a pesquisa médica, seu rápido
florescimento, tendo por corolário o a u m e n t o do n ú m e r o de doenças (e de
cadáveres) que serviram aos médicos c o m o material de estudo e favorece-
r a m o d e s e n v o l v i m e n t o da a n a t o m o p a t o l o g i a e das observações clínicas
25
comparativas. As doenças f o r a m inicialmente repertoriadas a partir da
descrição fina dos s i n t o m a s das quais eram a c o m p a n h a d a s (a nosologia);
depois, logo que possível, a partir da presença de lesões típicas dos tecidos
(a patologia, e mais tarde a histologia). Após se haverem apoiado em u m a
categoria geral "febres", os médicos a p u r a r a m a distinção entre as diferen-
tes febres, diagnosticadas c o m base nos sintomas - sendo que os da pneu-
m o n i a não e r a m idênticos aos da febre tifóide. A patologia permitiu, de-
pois, que se c r i a s s e m classificações diferentes. Afecções m u i t o distintas
que atingiam os pulmões, os ossos, os intestinos foram, desse modo, reco-
n h e c i d a s , m u i t o a n t e s do a d v e n t o da b a c t e r i o l o g i a , c o m o o r i u n d a s da
m e s m a doença - a t u b e r c u l o s e - , c o m base na s e m e l h a n ç a de e s t r u t u r a
histológica dos tubérculos, lesões patológicas típicas desta doença.
O reconhecimento progressivo das doenças infecciosas c o m o entida-
des distintas levou os pesquisadores a supor que cada doença era induzida
por u m agente causal específico. A s s i m , a bacteriologia estendeu a noção
de especificidade das doenças a seus agentes: cada doença infecciosa dis-
tinta é induzida por u m m i c r o r g a n i s m o específico. Essa idéia foi c o m b a t i -
da por alguns médicos e biólogos que sugeriram que os m i c r o r g a n i s m o s
não formam espécies verdadeiras, e que todas as transformações
morfológicas representam apenas a adaptação de u m único o r g a n i s m o (ou
u m n ú m e r o m u i t o reduzido de o r g a n i s m o s primitivos) a condições de cres-
c i m e n t o diferentes. A credibilidade da n o v a disciplina b a c t e r i o l ó g i c a de-
pendia, p o r t a n t o , da capacidade dos especialistas de isolar m i c r o r g a n i s ¬
m o s patogênicos e da possibilidade de d e m o n s t r a r suas diferenças; donde
a i m p o r t â n c i a de técnicas tais c o m o as diluições seqüenciais, as c u l t u r a s
em m e i o sólido, as c o l o r a ç õ e s diferenciais e o c r e s c i m e n t o e m m e i o s de
26
c u l t u r a seletivos n o desenvolvimento e n a difusão da b a c t e r i o l o g i a . Tal
resultado foi obtido graças à homogeneização das condições de i s o l a m e n -
t o e de c u l t u r a dos micróbios, c o m o objetivo de limitar ao m á x i m o s u a
variabilidade n a t u r a l : "as espécies b a c t e r i a n a s t o r n a r a m - s e inteiramente
27
fixas, pois f o r a m utilizados m é t o d o s de investigação m u i t o r í g i d o s " . A
u n i f o r m i z a ç ã o das t é c n i c a s b a c t e r i o l ó g i c a s p e r m i t i u a h o m o g e n e i z a ç ã o
dos m é t o d o s de estudo dos micróbios e, p o r t a n t o , in fine, a aceitação da
existência de espécies estáveis de m i c r o r g a n i s m o s . O r e c o n h e c i m e n t o da
existência de espécies m i c r o b i a n a s estáveis, por s u a vez, reforçou a idéia
28
de que cada doença infecciosa t e m seu agente específico. A partir de en-
tão, a unidade das doenças infecciosas se f o r m o u através da unidade dos
agentes etiológicos: a sífilis e a gonorréia f o r a m definitivamente s e p a r a -
das, p o s t o que induzidas por m i c r o r g a n i s m o s diferentes, a o passo que a
tabe ( m a n i f e s t a ç õ e s n e u r o l ó g i c a s de sífilis terciária) foi, a c e r t a d a m e n t e ,
associada à entidade "sífilis" c o m base na presença da m e s m a bactéria.

U m a vez assumido o princípio da especificidade dos m i c r o r g a n i s m o s


patogênicos, a identidade do agente indutor de u m a doença transmissível
serviu c o m o princípio unificador dos sintomas. O desenvolvimento da b a c -
teriologia inverteu, assim, a ordem da prova: a etiologia tem, doravante,
primazia sobre os s i n t o m a s clínicos. A identificação do agente c a u s a l das
doenças transmissíveis assume grande importância para o pesquisador, m a s
t a m b é m para a epidemiologia, que ordena seu saber em função da identifi-
cação desses agentes; para o clínico, que aspira a aplicar em seus doentes
remédios específicos; e, enfim, para o especialista em saúde pública, que
baseia sua política em tentativas de impedir a difusão dos m i c r o r g a n i s m o s
patogênicos. M a s tal identificação - que pressupõe a "domesticação" de u m
agente patogênico e m laboratório, o u seja, sua cultura em tubo de ensaio e /
o u s u a i m p l a n t a ç ã o e m a n i m a i s - n e m sempre é fácil. A s t e n t a t i v a s de
m a n u t e n ç ã o do agente da febre amarela em laboratório só c h e g a r a m a u m
resultado inconteste após 5 0 anos de esforços ( 1 8 8 0 - 1 9 3 0 ) . Ao longo desse
tempo, os epidemiologistas e os clínicos multiplicaram as tentativas de abor-
dagem prática dessa doença, baseados e m conhecimentos incompletos.
U m a vez reconhecido, por volta de 1 9 3 0 , de maneira consensual que
o agente da febre a m a r e l a era u m vírus, a questão da identidade da febre
a m a r e l a n a África e n a A m é r i c a pôde ser resolvida. Até então fortemente
suspeita, a despeito das vozes dissidentes que se elevavam entre os especialis-
tas, essa identidade n ã o pudera ser evidenciada antes do desenvolvimento
dos m é t o d o s de estudo do agente e m laboratório. Foi a o l o n g o dos a n o s
1 9 3 0 - 1 9 4 0 q u e o s pesquisadores a p e r f e i ç o a r a m os m o d e l o s a n i m a i s da
febre amarela e desenvolveram o estudo imunológico desta doença (a pes-
quisa dos anticorpos específicos contra o vírus), antes de ajustar os m é t o -
dos de cultura de seu vírus em laboratório. A definição científica da febre
a m a r e l a c o m o u m a doença induzida por u m vírus específico se estabili-
z o u , antes de ser elevada à condição de "fato científico estabelecido". Tal
estabilização, hoje apresentada c o m o evidente e r e s u m i d a e m u m a frase
n o s m a n u a i s de bacteriologia ("Em 1 9 2 8 , Stokes e Bauer evidenciaram a
presença do v í r u s da febre a m a r e l a n o m a c a c o " ) , requereu, n o e n t a n t o ,
esforços permanentes de m u i t a s pessoas e m diferentes regiões - na África,
n a A m é r i c a Latina, na França, n a Inglaterra, n o s Estados Unidos; ela se
consolidou c o m a circulação dos especialistas, dos reagentes, dos i n s t r u -
m e n t o s e das técnicas, assim c o m o c o m a elaboração das políticas de s a ú -
de pública que incorporavam sua nova definição aos esforços de prevenção
da febre a m a r e l a .
Os s o c i ó l o g o s da ciência f o r j a r a m a e x p r e s s ã o " c o - c o n s t r u ç ã o da
29
ciência e da sociedade". Esta expressão, e m v o g a h á aproximadamente
2 0 a n o s , e s b a r r o u n a r e s i s t ê n c i a de a l g u n s p e s q u i s a d o r e s e m c i ê n c i a s ,
filósofos e historiadores da ciência interessados a c i m a de t u d o n o desen-
v o l v i m e n t o das idéias científicas, e que vêem a ciência c o m o o estudo da
n a t u r e z a i n a n i m a d a , independente da v o n t a d e h u m a n a . É i n t e r e s s a n t e
constatar, a esse respeito, que o conceito de existência de u m a "natureza"
separada e distinta da "sociedade" foi, recentemente, mais u m a vez posto
e m xeque pelos pesquisadores que poderiam, n o entanto, estar particular-
m e n t e interessados e m defendê-lo, o u seja, os historiadores da ecologia.
Assim, o historiador norte-americano W i l l i a m Cronon estudou a moldagem
m ú t u a da natureza (paisagens, plantas, animais, ecossistemas) pela socie-
dade e da sociedade pelas condições naturais, e a interdependência entre os
e l e m e n t o s n a t u r a i s e a o r g a n i z a ç ã o e c o n ô m i c a e s o c i a l das sociedades
3 0
humanas. A presença de terras férteis e s t i m u l a o desenvolvimento das
sociedades agrícolas; a de florestas, das sociedades fundadas sobre a e x -
ploração da madeira; e a de rios navegáveis, de cidades que centralizam o
comércio. A s m u d a n ç a s sociais e econômicas, por sua vez, afetam a n a t u -
reza: os c a m p o s podem ser t r a n s f o r m a d o s em terrenos de c o n s t r u ç ã o o u
e m parques, o u entregues aos agricultores; o leito dos rios pode ser modi-
ficado, eles podem ser secados, t r a n s f o r m a d o s e m canais de irrigação, em
estradas fluviais ou. e m espaços de n a v e g a ç ã o esportiva; as florestas p o -
dem ser q u e i m a d a s , desbastadas o u replantadas. Cada u m a dessas m u -
d a n ç a s , p o r s u a v e z , afeta as atividades h u m a n a s , e n q u a n t o q u e o r e -
sultado a longo prazo da interação complexa entre "meio ambiente" e " s o -
ciedade" é difícil de prever. Além disso, tal interação afeta t a m b é m profun-
31
damente n o s s a c o m p r e e n s ã o das entidades "floresta", " c a m p o " o u " r i o " .
A asserção segundo a qual as florestas de hoje ( c o m exceção de certas
partes das florestas tropicais) são resultado de u m a longa coabitação entre
as plantas, os animais e os h u m a n o s , o u o fato de observar que os h a b i -
tantes do norte do Canadá t ê m u m a relação c o m a floresta completamente
d i f e r e n t e da q u e t ê m o s p a r i s i e n s e s q u e p a s s e i a m n a f l o r e s t a de
Fontainebleau podem parecer m u i t o diferentes da afirmação de que a a t i -
vidade h u m a n a m o l d a entidades naturais c o m o o "vírus da febre a m a r e -
la", sendo afetado pela maneira c o m o se representa e se manipula o m u n -
do natural. A diferença, que efetivamente n ã o teríamos c o m o negar, entre
"floresta" e "vírus" se situa, contudo, n u m único nível: o da espessura das
mediações necessárias para t o r n a r u m a entidade visível e manipulável. A
entidade "floresta" pode ser apreendida d i r e t a m e n t e por todos; e m c o m -
pensação, são necessárias m ú l t i p l a s mediações para se apreender a e n t i -
dade "vírus". Tais mediações - aparelhos c o m o a u l t r a c e n t r í f u g a , o m i -
croscópio eletrônico o u o seqüenciador de nucleotídeos, reagentes q u í m i -
cos, animais e células, enfim, o saber especializado dos virologistas - tor-
n a m difícil a percepção da importância da intervenção h u m a n a n a f o r m a -
ção dos "vírus". Determinar a medida dessa intervenção n ã o quer e m a b -
s o l u t o dizer que o v í r u s da febre a m a r e l a "não existe"; significa apenas
que este vírus, c o m o a floresta de Fontainebleau, n ã o pode ser entendido
c o m o u m a entidade independente da atividade dos h o m e n s . A c o - c o n s t r u ¬
ção da n a t u r e z a e da sociedade se situa nesse nível.

Ainda que a aceitação da participação h u m a n a n a formação de enti-


dades c o m o os vírus tenha se tornado difícil pela importância e complexida-
de das mediações entre o "vírus" e a "sociedade", os mais ardorosos defenso-
res de u m a ciência neutra e objetiva provavelmente hesitarão e m estender
tal percepção à saúde pública, disciplina que alia diretamente as habilidades
técnicas da ciência e as políticas de saúde. É pouco provável que os especia-
listas nessa área se recusem a admitir que seu trabalho produz ao m e s m o
t e m p o conhecimentos científicos fundamentais e práticas sociais fundadas
sobre a aplicação deste saber. A f ó r m u l a " c o - c o n s t r u ç ã o da ciência e da
sociedade", longe de ser u m a noção exótica que os atrapalha, pode, a s s i m ,
ser vista por eles c o m o m e r a descrição de sua atividade cotidiana. Não é,
provavelmente, por acaso que a idéia de co-dependência entre o desenvolvi-
m e n t o dos conceitos e dos fatos científicos e o desenvolvimento das práticas
sociais tenha figurado pela primeira vez n u m estudo de 1 9 3 5 centrado n a
história de u m teste de detecção da sífilis - problema de saúde pública por
excelência - e voltado a emergir em 1 9 5 8 , o u seja, b e m antes do desenvol-
v i m e n t o das tendências recentes da história social da ciência, por meio das
propostas sustentadas pelo sociólogo Peter W i n c h sobre a bacteriologia:

A introdução do conceito de germe na linguagem da medicina foi [...]


a adoção, por pessoas que eram todas, direta ou indiretamente, ligadas
à prática da medicina, de uma maneira inteiramente nova de fazer as
coisas. U m a tentativa de dar conta da influência desse novo conceito
sobre a profissão médica não pode, portanto, ser separado de u m a
explicação de sua natureza e, inversamente, o conceito de germe torna-
se inteiramente incompreensível se for dissociado de suas relações com a
32
prática médica.

A inserção do saber sobre o germe na prática dos médicos e dos profis-


sionais da saúde tem u m significado bem preciso: o controle dos micróbios é
inseparável do controle dos humanos que os portam e os transmitem. A coe-
xistência estreita de fatores científicos e político-administrativos n o seio da
especialidade chamada "saúde pública" coloca, entretanto, u m problema: c o m o
se articulam as práticas de campo, que são necessariamente atividades loca-
lizadas, e as investigações de laboratório, tidas c o m o universalmente válidas
e independentes do lugar e do tempo de sua produção? A história da luta
contra a febre amarela n o Brasil ilustra as tensões entre o ideal de u m a ciência
médica universal e as práticas de saúde pública elaboradas localmente. Para
seguir essas tensões, será preciso debruçar-se inicialmente sobre as origens da
idéia - nascida no século X I X - de que o saber sobre as doenças é universal, e
pode ser facilmente transportado de u m a região para outra.

As Doenças Transmissíveis e a Universalidade da Ciência


O saber sobre as doenças sempre oscilou entre dois pólos: a unicidade
e a diversidade das m a n i f e s t a ç õ e s m ó r b i d a s . P r i m e i r o , a u n i c i d a d e : a
c o n s t a t a ç ã o de que todos os seres h u m a n o s partilham da m e s m a estrutu-
ra a n a t ô m i c a , t ê m os m e s m o s " h u m o r e s " e, c o n s t a t a ç ã o m u i t o mais t a r -
dia, de que t ê m os m e s m o s m e c a n i s m o s fisiológicos e bioquímicos de base
assim c o m o a observação das grandes epidemias que atravessaram os con¬
tinentes, a d v o g o u a universalidade de certas patologias h u m a n a s . Agora,
a diversidade: n u m e r o s a s afecções estiveram ligadas a sítios geográficos
precisos e / o u t i v e r a m r e p u t a ç ã o de e s t a r e m l i m i t a d o s a determinadas
s u b p o p u l a ç õ e s . Não se t r a t a , evidentemente, de distinções a b s o l u t a s : os
médicos sempre r e c o n h e c e r a m a existência de traços c o m u n s às afecções
h u m a n a s que p e r m i t e m classificações genéricas ("febres", "indigestões",
"inflamações"), assim c o m o a grande diversidade das manifestações m ó r -
bidas ligadas às diferenças de " c a m p o " individual, o u seja, à constituição
única do indivíduo doente, assim c o m o à variabilidade do meio. Entretan-
to, conforme as épocas e os lugares, a ênfase podia estar na unicidade ou
na diversidade. Os "sistemas médicos" do século XVIII - que se prolonga-
r a m no século X I X - se inclinaram para a unicidade, propondo explicações
monocausais ao conjunto de estados patológicos (a oposição estenia/astenia,
o excesso de sangue, a irritação do sistema digestivo). Essas causas únicas
demandaram r e m é d i o s u n i f o r m e s ; a s a n g r i a foi, a s s i m , p r e s c r i t a p o r
Broussais e seus alunos c o m o tratamento universal para todas as doenças.
E n q u a n t o os partidários dos " s i s t e m a s m é d i c o s " defenderam uma
causalidade única c o m expressões distintas em função da " c o n s t i t u i ç ã o "
do doente, os "teóricos climáticos" e raciais da doença, em voga nos sécu-
los XVIII e X I X , ressaltaram as profundas diferenças entre os grupos hu-
m a n o s . A emergência, em meados do século X I X , da n o ç ã o de "doenças
específicas" deu mais peso à tese da uniformidade; as lesões tuberculosas
serão e s s e n c i a l m e n t e as m e s m a s em doentes de c o n s t i t u i ç ã o diferente e
entre aqueles que m o r a m em lugares diferentes. Além disso, no século X I X
as doenças transmissíveis foram, m u i t a s vezes, divididas em dois grupos
principais: as doenças infecciosas (ligadas aos m i a s m a s , p o r t a n t o às c o n -
dições climáticas, às estações e aos lugares, cujo exemplo mais conhecido
c o n t i n u a a ser malária) e as doenças c o n t a g i o s a s , que se t r a n s m i t e m o u
por c o n t a t o direto c o m o doente, o u c o m os objetos (roupas de c a m a , lou-
ça, roupas) c o n t a m i n a d o s por suas secreções; a varíola é u m modelo in-
contestável deste último. Contrariamente às doenças infecciosas, as doen-
ças contagiosas podem ser transmitidas artificialmente, por inoculação. A
prática da " v a r i o l i z a ç ã o " ( i n o c u l a ç ã o das p ú s t u l a s v a r i ó l i c a s h u m a n a s )
pleiteou u m a certa universalidade para as doenças, posto que a inoculação
de u m a matéria contagiosa específica se revelara capaz de introduzir uma
33
proteção específica contra a doença determinada. A vacinação j e n n e r i a n a
(inoculação de matéria infecciosa de pústulas de vaca), praticada c o m s u -
cesso n u m grande n ú m e r o de países, pôde evidenciar a universalidade do
princípio do contágio.
O m o v i m e n t o e m direção à separação entre o indivíduo e a doença se
acelerou, n o fim do século X I X , c o m o advento da teoria m i c r o b i a n a das
doenças, que a f i r m o u u m a causalidade única nas doenças infecciosas e as
conseqüências (relativamente) h o m o g ê n e a s do e n c o n t r o entre u m indiví-
duo e u m patógeno específico. O papel da "localidade" n ã o foi, entretanto,
m i n o r a d o . A descoberta do fenômeno dos "portadores sãos", pessoas que
p o r t a m e são capazes de disseminar m i c r o r g a n i s m o s patogênicos sem se-
r e m atingidas pela doença (a thyphoid Mary, cozinheira n o r t e - a m e r i c a n a
acusada de provocar epidemias de febre tifóide pela contaminação da c o m i -
da proveniente dos lugares onde ela trabalhara, tornou-se u m emblema dessa
situação) de fato reativou a q u e s t ã o das relações entre o p a t ó g e n o e sua
34
"localidade". A f ó r m u l a , atribuída a Claude Bernard, segundo a qual "o
micróbio não é nada, o terreno é tudo", n u n c a perdeu sua pertinência para
u m g r u p o de clínicos, e a abordagem centrada mais n o doente do que na
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"doença" readquiriu, em certa medida, sua popularidade n o entre-guerras.
Tratava-se, de u m lado, de u m movimento holístico, em voga entre os clíni-
cos, e, de outro, de u m a tendência representada pelos epidemiologistas, es-
tatísticos o u biometristas, que se interessavam pela doença c o m o fenômeno
das populações. E m compensação, a rápida difusão das "ciências pasteurianas"
(bacteriologia, imunologia, parasitologia) no fim do século X I X e início do
X X e sua transferência dos centros de produção do saber para a periferia
reforçaram a idéia de que as doenças transmissíveis r e p o u s a m sobre u m a
base biológica partilhada, contribuindo, assim, para a consolidação do c o n -
ceito de s a b e r m é d i c o u n i v e r s a l . Esse d e s e n v o l v i m e n t o foi p a r a l e l o a o
florescimento do m o v i m e n t o pela universalidade da ciência e ao grande cres-
cimento do papel das trocas internacionais n a elaboração das modalidades
de intervenção n o c a m p o da saúde pública.
O m o v i m e n t o pela internacionalização da ciência desenvolveu-se por
v o l t a de 1 8 8 0 e m r e a ç ã o à f r a g m e n t a ç ã o e à a t o m i z a ç ã o da atividade
científica c o n s e c u t i v a s à potencial a s c e n s ã o dos n a c i o n a l i s m o s n o século
X I X . A partir de fins do século XVIII, cientistas e médicos se identificaram,
cada vez m a i s , s i m u l t a n e a m e n t e c o m s u a especialidade e s u a n a ç ã o . Os
especialistas e s t r a n g e i r o s e m u m a m e s m a disciplina p a s s a r a m , e n t ã o , a
ser vistos c o m o colegas e c o m o rivais em potencial. Essa a t o m i z a ç ã o levou
à perda da l i n g u a g e m c o m u m da ciência - que até o século XVIII foi o
l a t i m - e a o desaparecimento da comunidade internacional dos cientistas
da "república das letras". Ainda que o g r a u de cooperação entre os cientis-
tas nos séculos XVII e XVIII tenha sido, mais tarde, exagerado a ponto de
provocar a nostalgia de u m a "idade de ouro" mítica da ciência, o século X I X
viu se desenvolver u m a tensão permanente entre os particularismos nacio¬
nais e o universalismo científico alimentado por tradições profissionais e
36
considerações i d e o l ó g i c a s . O m o v i m e n t o de i n t e r n a c i o n a l i s m o científico
t e n t o u trazer respostas a tais tensões, centrando seus esforços n a unifica-
ção das nomenclaturas científicas e n a concentração das bibliografias, des-
tinadas a criar u m a língua universal da ciência. Antes de tudo u m m o v i -
m e n t o de idéias, ele tentou criar de c i m a para baixo u m a ciência internaci-
onal unificada. Animado por estudiosos militantes, prosélitos e verdadeiros
" p r o f i s s i o n a i s " do i n t e r n a c i o n a l i s m o c i e n t í f i c o , e s s e m o v i m e n t o de
universalização da ciência desenvolveu-se principalmente por meio da o r -
ganização de congressos, de grupos de trabalho, e dos esforços que visavam
37
a melhorar a circulação da informação científica.
O m o v i m e n t o pela investigação da saúde pública t e m origem n o t e -
mor, m u i t o concreto, das epidemias; tal apreensão s u s c i t o u tentativas de
implementação de políticas sanitárias c o m u n s . Mais tarde, c o m o advento
da teoria microbiana da doença, esse m o v i m e n t o promoveu u m esforço de
h o m o g e n e i z a ç ã o das práticas de laboratório utilizadas para reconhecer os
agentes das doenças transmissíveis. Ele se e s t r u t u r o u a t r a v é s das c o n f e -
rências sanitárias internacionais. A primeira aconteceu e m Paris em 1 8 5 1 .
Nove o u t r a s c o n f e r ê n c i a s se r e a l i z a r a m ao l o n g o do século X I X ( 1 8 5 9 ,
1 8 6 6 , 1 8 7 4 , 1 8 8 1 , 1 8 8 5 , 1 8 9 2 , 1 8 9 3 , 1 8 9 4 e 1 8 9 7 ) , quatro balizaram o
século X X ( 1 9 0 3 , 1 9 1 1 - 1 9 1 2 , 1 9 2 6 e 1 9 3 8 ) . A aceleração do r i t m o das
conferências a partir de 1 8 8 1 e sua freqüência nos anos 1 8 9 0 correspondem
ao rápido desenvolvimento da bacteriologia e à importância que esta disci-
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plina g a n h o u na luta c o n t r a as doenças i n f e c c i o s a s .
As conferências sanitárias internacionais c o n s t i t u í r a m i n i c i a l m e n t e
u m a resposta ao t e m o r de ver o cólera se difundir. O cólera asiático atinge
a fronteira da Europa pela primeira vez em 1 8 2 9 , chegando a Oranenburg,
na extremidade sudeste do império russo. E m 1 8 3 0 , a epidemia que irrompeu
durante a feira de Nizny-Novogrod chega a M o s c o u e, ao longo dos anos
seguintes, graves epidemias invadem a maioria das grandes cidades e u r o -
péias. C o m o a f o r m a de propagação do cólera era então desconhecida, os
poderes públicos t e n t a r a m estancar as epidemias c o m os m e i o s tradicio-
nais, o u , dito de o u t r a m a n e i r a , c o m a q u a r e n t e n a i m p o s t a aos navios,
39
pessoas e mercadorias provenientes de países onde a epidemia g r a s s a v a .
Essas q u a r e n t e n a s e n t r a v a r a m s e v e r a m e n t e o c o m é r c i o i n t e r n a c i o n a l e
reduziram os proventos dos comerciantes, sem que sua eficácia tenha sido
atestada. O objetivo das primeiras conferências sanitárias foi estudar e m
que medida era concebível suprimir a quarentena sem colocar e m risco a
saúde das populações. A Primeira Conferência Sanitária Internacional (Pa-
ris, 1 8 5 1 ) reuniu representantes de 11 Estados europeus (quatro dos quais
se t o r n a r ã o , mais tarde, províncias da Itália unificada). Cada país foi re-
presentado por u m médico e u m diplomata, dupla que representava a saú-
de pública i n t e r n a c i o n a l , nascida do e n c o n t r o da prática médica c o m a
política. Apesar da vontade declarada dos participantes de agir eficazmen-
te c o n t r a as epidemias, as primeiras conferências sanitárias tiveram u m
papel m e r a m e n t e c o n s u l t i v o , sem que os países participantes estivessem
c o m p r o m e t i d o s c o m suas decisões. Além disso, nas três primeiras confe-
rências os votos foram individuais e não por países, de modo que não era
r a r o que dois delegados de u m m e s m o país v o t a s s e m diferentemente. O
estatuto das conferências sanitárias internacionais m u d o u a partir da sexta
delas (Veneza, 1 8 9 2 ) , que elaborou o texto da primeira convenção sanitá-
ria internacional que os países participantes se c o m p r o m e t e r a m a respei-
tar (esse t e x t o foi modificado várias vezes pelas conferências seguintes).
D u r a n t e as primeiras conferências, os debates se c o n c e n t r a r a m na
noção do contágio do cólera, freqüentemente contestado à época. A m a i o -
ria dos participantes da primeira conferência era favorável à idéia de que
se t r a t a v a de u m a doença c o n t a g i o s a , e a q u a r e n t e n a foi r e c o m e n d a d a
para c o m b a t ê - l a . A febre amarela, m e s m o que não tenha sido vista c o m o
u m perigo para a saúde pública nos países europeus, foi, contudo, m e n -
cionada ao longo dos debates c o m o exemplo de u m a doença sobre a qual
ficara firmemente estabelecido - c o m base em observações epidemiológicas
- que pode se transmitir de u m a pessoa doente a indivíduos em b o m esta-
do de saúde. A contagiosidade do cólera foi aceita pela grande maioria dos
p r o f i s s i o n a i s p r e s e n t e s à Terceira C o n f e r ê n c i a S a n i t á r i a I n t e r n a c i o n a l
(Constantinopla, 1 8 6 6 ) , m a s os especialistas tiveram dificuldade em c h e -
gar a u m acordo quanto às medidas necessárias para conter sua propaga-
ção, dada a ausência de prova c o n v i n c e n t e da eficácia das quarentenas.
A l g u n s p a r t i c i p a n t e s i n s i s t i r a m na i m p o r t â n c i a das práticas s a n i t á r i a s ,
tais c o m o a fiscalização da água, a limpeza dos espaços de habitação, a
c a n a l i z a ç ã o n a s cidades e a higiene pessoal. Essa sensibilização para os
benefícios da higiene n ã o era necessariamente a c o m p a n h a d a da adesão às
teorias microbianas da doença o u da importância conferida aos novos da-
dos epidemiológicos. Os higienistas b r i t â n i c o s - especialmente lentos na
adoção das conclusões das pesquisas epidemiológicas nas rotas de difusão
do cólera, e por m u i t o tempo céticos quanto ao papel do micróbio na indução
desta doença - foram, contudo, os primeiros a livrar u m país europeu da
a m e a ç a das epidemias de cólera, e isso g r a ç a s à distribuição racional de
4 0
água pura e à evacuação sanitária das secreções h u m a n a s .
A revolução bacteriológica m u d o u a natureza das pesquisas sobre o
cólera, m a s sua influência sobre as modalidades de luta contra esta doen¬
ça foi m u i t o limitada. A descoberta do micróbio do cólera e de suas vias de
transmissão (o Vibrio cholerae foi descrito pelo bacteriologista alemão Robert
Koch em 1 8 8 8 ) não modificou essas p r á t i c a s . Os t r a b a l h o s dos
b a c t e r i o l o g i s t a s p u d e r a m , n o m á x i m o , l e g i t i m a r a posteriori as medidas
sanitárias que decorreram de observações empíricas p o r parte dos higie¬
n i s t a s , reforçadas pelo sucesso das p r i m e i r a s c a m p a n h a s de c o n t r o l e da
insalubridade nas cidades. A luta c o n t r a a peste foi, desse ponto de vista,
s e m e l h a n t e à que se t r a v o u c o n t r a o cólera: o i s o l a m e n t o do b a c i l o da
peste e a elucidação do papel da pulga do r a t o n a t r a n s m i s s ã o da doença
n ã o a l t e r a r a m grande coisa n a elaboração das medidas preventivas. Tais
medidas, estabelecidas antes da descoberta do micróbio, t i n h a m por obje-
tivo a destruição dos roedores, de realização m a i s prática do que a elimi-
n a ç ã o aleatória de seus parasitas. O destino da febre a m a r e l a foi c o m p l e -
t a m e n t e o u t r o . Os esforços p a r a e r r a d i c á - l a e s t i v e r a m , desde o fim do
século X I X , estreitamente ligados aos esforços de compreensão da etiologia
e da difusão da doença. As q u a r e n t e n a s e as c a m p a n h a s s a n i t á r i a s n ã o
específicas n ã o i n t e r r o m p e r a m sua difusão. A luta eficaz c o m e ç o u c o m a
descrição do papel do m o s q u i t o c o m o v e t o r i n c o n t o r n á v e l da doença. A
partir do c o m e ç o do século X X , a febre amarela foi, portanto, apresentada
c o m o a patologia que evidenciou a i m p o r t â n c i a da ciência médica para a
saúde pública. Donde o papel simbólico, e n ã o apenas prático, das c a m p a -
n h a s c o n t r a essa doença.
A febre amarela foi mencionada ao longo das primeiras conferências
sanitárias internacionais, sem que n o e n t a n t o t e n h a sido objeto de deba-
tes. Ao longo da Quinta Conferência (Washington, 1 8 8 1 ) , o médico c u b a -
n o Carlos Finlay apresentou, pela primeira vez, u m a teoria sobre a propa-
g a ç ã o da febre a m a r e l a f u n d a m e n t a d a n a presença de u m "agente cuja
existência é c o m p l e t a m e n t e independente da doença e do doente", e que é
necessário para t r a n s m i t i r a infecção de u m doente a u m h o m e m saudá-
vel. Seis meses depois, Finlay confirmava, c o m base em suas observações
epidemiológicas, que o m o s q u i t o Stegomyia fasciata (depois batizado Aedes
aegypti) era o v e t o r intermediário da doença. A intervenção de Finlay n ã o
teve desdobramentos. Os delegados exprimiram u m v a g o desejo de que as
n a ç õ e s m a i s d i r e t a m e n t e interessadas c r i a s s e m u m a c o m i s s ã o s a n i t á r i a
científica temporária, m a s esse v o t o n ã o gerou n e n h u m resultado prático.
a
A febre a m a r e l a foi n o v a m e n t e a b o r d a d a n a 1 1 C o n f e r ê n c i a S a n i t á r i a
(Paris, 1 9 0 3 ) , em função da presença, n a delegação dos Estados Unidos, do
general G o r g a s , responsável pela c a m p a n h a que v e n c e u a resistência da
febre a m a r e l a e m Havana e m 1 9 0 1 (Cuba), graças à destruição dos m o s -
quitos e a o i s o l a m e n t o dos doentes sob m o s q u i t e i r o s . Émile R o u x , então
diretor adjunto do Instituto Pasteur, resumiu - na qualidade de relator da
s u b c o m i s s ã o técnica da conferência - os resultados dos trabalhos da C o -
missão Reed, e depois pediu a Gorgas que completasse seu relatório. Este
sublinhou que a certeza recém-obtida de que a febre amarela só se propaga
por intermédio dos m o s q u i t o s Stegomyia tornava t o t a l m e n t e obsoletas as
medidas de quarentena prescritas c o n t r a esta doença.
A Convenção Sanitária Internacional que resultou da conferência inclui
pela primeira vez instruções sobre a febre amarela:

Recomenda-se aos países interessados que modifiquem seus regula-


mentos sanitários de maneira a relacioná-los com os dados atuais da
ciência sobre o modo de transmissão da febre amarela, e sobretudo sobre
41
o papel dos mosquitos como veículos dos germes da doença.

O papel reservado à ciência no estabelecimento das políticas que vi-


s a v a m a erradicar a febre a m a r e l a ainda c o n s t i t u i u u m elemento m a i o r
nos debates durante toda a primeira metade do século X X . A utilização de
u m a r g u m e n t o baseado na ciência na elaboração das práticas dos médicos
e dos higienistas não era de modo a l g u m evidente. O advento da bacterio-
logia legitimou os a r g u m e n t o s desenvolvidos pelos higienistas e reforçou
seu status: o desenvolvimento do soro antidiftérico foi visto por m u i t o s
médicos c o m o a prova potencial da capacidade que tinha a nova ciência de
42
contribuir para a solução de problemas m é d i c o s .
Mas, c o m exceção do tratamento da difteria, as abordagens bacterioló-
gicas só foram integradas à prática dos médicos muito gradualmente, e os
laboratórios de bacteriologia só se uniram aos hospitais nos anos 1 9 1 0 - 1 9 2 0 .
Do m e s m o modo, só bem tardiamente os higienistas se converteram
43
à prática da microbiologia. A lentidão na adoção das técnicas das "ciên-
cias pasteurianas" pelos clínicos, notadamente na França, c o n t r a s t o u c o m
o d e s e n v o l v i m e n t o m u i t o rápido da ciência b a c t e r i o l ó g i c a . A prática da
pesquisa nessa área foi codificada e difundida em escala internacional nos
anos 1 8 8 0 - 1 8 9 0 , o u seja, quase imediatamente após o s u r g i m e n t o dessa
n o v a especialidade, e os pesquisadores em b a c t e r i o l o g i a t i v e r a m muito
rapidamente à sua disposição j o r n a i s profissionais, manuais e fóruns para
44
a troca de idéias, c o m o as conferências i n t e r n a c i o n a i s .
V i m o s que u m a das condições importantes para a rápida difusão da
n o v a disciplina foi a h o m o g e n e i z a ç ã o das condições de i s o l a m e n t o e de
c u l t u r a de m i c r ó b i o s . A h o m o g e n e i z a ç ã o dos m é t o d o s de i n v e s t i g a ç ã o
bacteriológica incluiu a padronização da organização espacial de u m labo-
ratório de bacteriologia e a uniformização do material e das técnicas utili-
zadas pelos b a c t e r i o l o g i s t a s . A partir dos a n o s 1 8 8 0 , firmas comerciais
produziram vidraria, corantes e m e i o s de c u l t u r a para uso dos
bacteriologistas, e publicaram catálogos nos quais ofereceram grande v a -
riedade de produtos destinados especificamente à identificação e à cultura
dos micróbios. Tal homogeneização compreendia igualmente a padroniza-
45
ção dos gestos praticados pelos b a c t e r i o l o g i s t a s . C o m o u m dos maiores
p r o b l e m a s da investigação bacteriológica está na c o n t a m i n a ç ã o , só u m a
t é c n i c a c o r p o r a l b e m a p u r a d a p e r m i t e e v i t a r t a l r i s c o . Os futuros
bacteriologistas tiveram que aprender c o m o abrir u m tubo de ensaio perto
de u m a c h a m a de u m bico Bunsen, c o m o sustentar o tubo e o algodão que
o fecha n u m a m ã o e a pipeta Pasteur na outra, c o m o inocular o tubo c o m
u m a a m o s t r a testada e fechá-lo imediatamente, tudo isso c o m gestos pre-
cisos e rápidos a fim de evitar que as bactérias do ar penetrassem no tubo.
Foi, portanto, indispensável o aprendizado sob a supervisão de especialis-
tas reconhecidos para se adquirir o saber especializado do bacteriologista.
A partir dos anos 1 8 8 0 , tal ensino foi ministrado nos templos sagrados do
desenvolvimento da bacteriologia, o Instituto Pasteur em Paris e o Institu-
to de Higiene de Berlim, dirigido por Robert Koch.
O ensino sistemático da bacteriologia no Instituto de Higiene de Berlim
c o m e ç o u em 1 8 8 5 . O curso, centrado nas técnicas de laboratório, durava
u m mês. Os alunos, em grande parte médicos vindos do estrangeiro, prepa-
r a v a m seus próprios meios de cultura e, após u m mês de trabalho duro,
dominavam perfeitamente as técnicas de isolamento das bactérias, de colo-
ração e de observações microscópicas. Muitas vezes os alunos estrangeiros
c o m p r a r a m na Alemanha o equipamento necessário para construir u m la-
boratório de microbiologia em seu país. O principal obstáculo à reprodução
dos resultados fora de Berlim foi a dificuldade de obter meios de c u l t u r a
h o m o g ê n e o s e de c o n s t r u i r incubadores que m a n t i v e s s e m a t e m p e r a t u r a
c o n s t a n t e . Por volta de 1 9 0 0 , tais dificuldades puderam ser resolvidas na
Europa Ocidental e nos Estados Unidos graças à maior difusão dos meios de
46
cultura comerciais e ao desenvolvimento de incubadoras mais estáveis. O
"curso de microbiologia técnica" do Instituto Pasteur (também chamado "o
grande curso" ou "o curso de Monsieur Roux") começou em 1 8 8 9 , ano se-
guinte ao da fundação do instituto. As sessões foram mais longas do que as
do curso do Instituto de Higiene; no início, o instituto organizou três ses-
sões anuais, depois duas, e finalmente u m a única sessão, que durava todo o
a n o escolar. O ensino tinha u m importante componente prático: em Paris,
os alunos t a m b é m aprenderam o conjunto das técnicas bacteriológicas de
base, inclusive a preparação de meios de cultura, da vidraria, e a experimen-
tação em animais, mas receberam, além disso, u m ensino teórico avançado,
m i n i s t r a d o por pesquisadores do I n s t i t u t o Pasteur que a p r e s e n t a v a m os
últimos desenvolvimentos científicos em sua área de especialização. Os alu-
nos do "grande c u r s o " , entre os quais vários estrangeiros, e r a m em sua
47
maioria médicos, m a s t a m b é m veterinários e f a r m a c ê u t i c o s Entre eles,
Oswaldo Cruz, responsável pela eliminação da febre amarela do Rio de J a -
neiro entre 1 9 0 3 e 1 9 0 7 , que o seguiu em 1 8 9 6 . Sua carreira ilustra, assim,
a importância da circulação dos pesquisadores e do savoir-faire incorporado
na t r a n s m i s s ã o dos novos conhecimentos científicos. Cruz n ã o transferiu
passivamente para o Rio de Janeiro o saber bacteriológico adquirido em Pa-
ris: ele o adaptou ao estudo das doenças dos países quentes e o integrou a
49
u m a disciplina b e m definida: a medicina tropical.

A Medicina Tropical entre a Especificidade das Práticas e a


Especificidade das Políticas

A medicina tropical nasceu n o fim do século X I X da adaptação das


"ciências p a s t e u r i a n a s " às doenças dos países do S u l . O n a s c i m e n t o da
medicina tropical p r o p r i a m e n t e dita é g e r a l m e n t e associado à descrição
das doenças transmitidas por vetores intermediários (os insetos, os moluscos
ou os vermes). Essa especialidade tem u m "pai fundador" oficial: o médico
inglês Patrick Mason, que descreveu a importância dos vermes na filariose
(elefantíase) e que, mais tarde, estimulou os trabalhos de Ross sobre o papel
do m o s q u i t o na transmissão da malária. O elo existente entre as doenças
transmitidas por vetores invertebrados e a "medicina tropical" n u n c a foi
simples (a m a l á r i a n ã o se limita, de m o d o a l g u m , aos trópicos, e até a
Segunda Guerra Mundial esta doença foi u m grave problema de saúde públi-
ca na Itália e nos Estados Unidos; várias doenças hoje classificadas c o m o
"tropicais", c o m o o cólera, por exemplo, não têm hospedeiros intermediári-
os). O laço entre o estudo dos vetores e a medicina tropical se teceu princi-
palmente através dos desenvolvimentos institucionais. A fundação de insti-
t u t o s de pesquisa em medicina tropical e o estabelecimento de u m ensino
universitário dedicado à matéria - vejam-se os institutos de medicina tropi-
cal de Londres ( 1 8 9 9 ) , de Liverpool ( 1 8 9 9 ) , de Hamburgo ( 1 9 0 0 ) , de Bruxe-
las ( 1 9 0 6 ) - coincidem c o m a descrição (em fins do século X I X e início do
X X ) de n u m e r o s a s doenças das regiões quentes transmitidas por vetores.
Essa especificidade das doenças dos países quentes legitimou o desenvolvi-
mento de u m a subespecialidade médica focalizada no controle de tais doen-
ças p o r m e i o do c o n t r o l e de s e u s v e t o r e s e q u e a l i a p e s q u i s a s e m
microbiologia, e m parasitologia e em entomologia a pesquisas de c a m p o
48
concentradas nas interações dos organismos em seu ambiente natural.
O advento da medicina tropical, que pode ser descrita c o m o a adap-
tação das regras da "ciência pasteuriana" aos climas quentes, está estrei-
tamente ligado ao colonialismo, m a s não deve ser reduzido a ele. A expan-
são colonial é b e m anterior ao desenvolvimento das teorias m i c r o b i a n a s
da doença. Antes do desenvolvimento de u m a medicina tropical enraizada
nos estudos de laboratório, a abordagem médica d o m i n a n t e nas colônias
foi a da "medicina dos climas quentes". Tal abordagem acentuou a impor-
tância da a c l i m a t a ç ã o g r a d u a l dos n ã o - a u t ó c t o n e s aos t r ó p i c o s , os ele-
m e n t o s da vida que favoreciam tal a c l i m a t a ç ã o , c o m o u m a a l i m e n t a ç ã o
apropriada, o a f a s t a m e n t o de fontes de c o n t á g i o e a t e m p e r a n ç a , a s s i m
c o m o o valor da mestiçagem na adaptação dos colonos a seu novo a m b i -
50
ente. O historiador Philip C o u r t i n explica que a introdução sistemática
das regras de higiene, em particular o afastamento dos europeus dos luga-
res de contágio conhecidos, a observância das regras de limpeza pessoal e
de limpeza das m o r a d i a s , a fiscalização da á g u a e dos a l i m e n t o s , a s s i m
c o m o a utilização sistemática de mosquiteiros, levaram entre 1 8 4 0 e 1 8 6 0
- bem antes, p o r t a n t o , do desenvolvimento das teorias m i c r o b i a n a s e de
sua integração à prática dos médicos - a u m a diminuição importante da
mortalidade dos soldados dos exércitos coloniais. Essa mortalidade estabi-
lizou-se mais tarde e só teve redução importante por volta do fim do sécu-
lo X I X ; as estatísticas não revelam, assim, de modo algum u m efeito m a r -
cado da "revolução pasteuriana" na diminuição do c u s t o h u m a n o ligado
51
ao deslocamento das t r o p a s .
O desenvolvimento da microbiologia não teve efeitos imediatos sobre
a morbidade e a mortalidade nos países tropicais, m a s afetou o progresso
das ciências médicas neles verificado. Tais países foram vistos c o m o l u g a -
res particularmente favoráveis ao trabalho dos "caçadores de micróbios",
dadas a profusão de doenças transmissíveis, endêmicas e epidêmicas, e a
colaboração ativa das administrações locais. Nas colônias, os poderes pú-
blicos v i r a m as doenças tropicais c o m o u m o b s t á c u l o m a i o r à c o l o n i z a -
ção, e n q u a n t o nos países independentes elas c o n s t i t u í a m u m entrave ao
comércio internacional e à imigração. Além disso, as epidemias que a t i n -
g i a m a população nativa d e s o r g a n i z a v a m o trabalho, especialmente nas
plantações. Bacteriologistas de grande r e n o m e viajaram nos trópicos, ao
passo que os poderes públicos neles e s t i m u l a r a m a e x p e r i m e n t a ç ã o em
larga escala dos novos saberes adquiridos pela ciência. Os países tropicais
foram t a m b é m u m lugar privilegiado para testar as novas formas de pre-
venção e t r a t a m e n t o das doenças infecciosas. Várias vacinas e a n t i - s o r o s
foram testados nas colônias antes de serem empregados na metrópole, e
as primeiras c a m p a n h a s de v a c i n a ç ã o em m a s s a a c o n t e c e r a m nos países
5 2
coloniais, para proteger as tropas coloniais ou os trabalhadores nativos
I n s t i t u i ç õ e s dedicadas ao d e s e n v o l v i m e n t o da medicina t r o p i c a l f o r a m
construídas nas colônias: a importante rede dos institutos Pasteur de U l -
t r a m a r foi desenvolvida nas c o l ô n i a s francesas, e n q u a n t o os b r i t â n i c o s
c o n s t r u í r a m em suas colônias i n s t i t u t o s que respondiam a necessidades
precisas, c o m o o Instituto de Pesquisa Médica de Kuala Lumpur ou o Insti-
5 3
t u t o Bacteriológico de B o m b a i m . Tais instituições p e r m i t i r a m a circula-
ção das pessoas, do equipamento e dos conhecimentos e sua adaptação às
condições locais. As doenças tropicais e as instituições em que foram es-
tudadas c o n s t i t u í r a m objeto de debates nos congressos internacionais. O
Instituto de Soroterapia de M a n g u i n h o s (fundado por Oswaldo Cruz) foi,
a s s i m , premiado c o m a Medalha de O u r o da Higiene no 14º C o n g r e s s o
5 4
Internacional de Higiene e de Demografia (Berlim, 1 9 0 7 ) .
Além de seu interesse intrínseco (os trópicos eram tidos c o m o u m
lugar propício à inovação no estudo das doenças transmissíveis) e do inte-
resse prático (a medicina tropical tinha c o m o objetivo declarado tornar os
trópicos habitáveis - e rentáveis - para os europeus e norte-americanos), o
desenvolvimento da medicina tropical foi descrito c o m o u m meio, para os
ocidentais, de se apropriar dos trópicos (e não apenas neles assegurar sua
presença física). Essa apropriação passou pelo domínio dos corpos nativos
propriamente dito (disciplinar os corpos dos habitantes por meio da limpe-
za e o controle de si inculcando as virtudes da civilização ocidental) e pela
vigilância médica de seu meio a m b i e n t e . A medicina, e em particular a
saúde pública, tornaram-se, assim, u m meio de conhecer as pessoas e seu
meio a m b i e n t e , e depois c o n t r o l á - l a s . As viagens, a coleta de m a t e r i a i s
biológicos, a investigação do local e a utilização, indispensável, das técni-
cas de laboratório servem para descrever os nativos e inscrevê-los nos ro-
teiros desenvolvidos pelos cientistas ocidentais. Os métodos utilizados para
tal apropriação e a linguagem em que foram formulados m u d a r a m c o m o
t e m p o . O i n t e r v e n c i o n i s m o moderado da "medicina dos c l i m a s q u e n t e s "
s u p u n h a u m a "resistência racial" que só pode ser adquirida pelos h o m e n s
brancos lentamente, à custa de u m a aclimatação gradual, de u m modo de
vida saudável ( n u t r i ç ã o apropriada, repouso, e l i m i n a ç ã o de excessos), e
antes de tudo da miscigenação c o m os nativos, que permitiria a criação de
"raças resistentes". Essa percepção foi substituída, no c o m e ç o do século
X X , por u m "otimismo higienista" enraizado nos novos desenvolvimentos
científicos. A nova abordagem da medicina dos climas quentes sublinhou
a importância dos princípios científicos na luta contra os agentes das doenças
transmissíveis e seus vetores. A adesão aos princípios relativamente simples
c o m vistas a impedir o c o n t a t o c o m os agentes e os vetores das doenças
pode tornar os trópicos habitáveis para os europeus, sem que eles precisem
de u m a longa aclimatação, da adesão a u m modo de vida predeterminado
e, menos ainda, do desenvolvimento de u m a "raça resistente" por meio da
m e s t i ç a g e m . Se a a b o r d a g e m a n t i g a pregou a a d a p t a ç ã o "positiva" a o s
trópicos, por meio da modificação gradual das condições de vida, o ele-
m e n t o crucial da nova abordagem foi a adaptação "negativa": a vigilância
55
dos corpos, especialmente dos corpos nativos.
Nas colônias, a medicina tornou-se muitas vezes o lugar privilegiado
para os contatos entre a cultura ocidental e as culturas autóctones. Ainda
que dominados pelo sentimento de superioridade dos médicos e pesquisado-
res ocidentais, os contatos c o m as populações locais não eram necessaria-
m e n t e unilaterais; a resistência dos habitantes das regiões quentes, m a s
t a m b é m as práticas de saúde locais influenciaram, ocasionalmente, as prá-
ticas ocidentais. Além disso, as classes dominantes nos países do Sul por
vezes se apropriaram, em seu próprio interesse, das práticas e da imagem de
distinção da medicina ocidental - ou, em outras circunstâncias, das resis-
tências populares à medicina ocidental. A medicina e, mais largamente, a
ação sanitária, pode portanto ser descrita c o m o "uma zona de trocas" (de-
siguais, é verdade) entre as culturas, e c o m o u m espaço de debates sobre
56
objetivos políticos e práticas s o c i a i s Este papel de espaço de troca, assim
c o m o a a p r o p r i a ç ã o das ações sanitárias pelas elites locais para realizar
seus próprios objetivos, são p a r t i c u l a r m e n t e perceptíveis nos países que,
no fim do século X I X , não estiveram submetidos a u m regime colonial,
c o m o o Brasil.
Duas escolas de medicina (ou, antes, duas abordagens do estudo das
doenças tropicais) coexistiram no Brasil no século XIX: a do Rio de J a n e i r o
e a de Salvador, na Bahia. Médicos ligados a esta ú l t i m a desenvolveram,
na segunda metade do século X I X , reflexões originais sobre as doenças
tropicais. O p o n t o de partida dessas reflexões f o r a m as pesquisas de u m
médico a l e m ã o instalado no Brasil, o Dr. Otto Wucherer, sobre a origem
parasitária de a l g u m a s afecções tropicais. Em 1 8 6 6 - 1 8 6 8 , Wucherer pu-
blica, na Gazeta Médica da Bahia, os primeiros resultados de suas investi-
gações sobre o papel do v e r m e Anchylostomum duodenale na produção da
a n e m i a . Seus t r a b a l h o s insistem na causalidade única da a n e m i a , desta-
cando dessa f o r m a u m a doença tropical particular do c o n t e x t o geral das
reflexões sobre as afecções tropicais, que a s s o c i a r a m tais p a t o l o g i a s às
condições climáticas e à constituição dos indivíduos afetados. Era o início
do desenvolvimento da "Escola Tropicalista Baiana" ( n o m e proposto ulte¬
riormente pelos historiadores que estudaram esta escola), ativa entre 1 8 6 6
e 1 8 9 0 , e que publicou seus trabalhos na Gazeta Médica da Bahia. A origi¬
nalidade dessa escola está n o fato de que seus m e m b r o s - Otto Wucherer,
J u l i o de M o u r a , Pedro Severiano de Magalhães, Silva Araújo - c e n t r a r a m
s u a s i n v e s t i g a ç õ e s sobre as doenças t r o p i c a i s , a l g u m a s induzidas pelos
p a r a s i t a s (filariose, a n c i l o s t o m í a s e ) , e o u t r a s , tais c o m o o beribéri, p o r
u m a c a u s a então desconhecida (outros médicos brasileiros preferiram e s -
tudar as doenças freqüentes n o s climas temperados). S u a s pesquisas tive-
r a m por objeto as c a u s a s diretas das doenças típicas do Brasil, m a s t a m -
b é m a adaptabilidade das p e s s o a s às diversas c o n d i ç õ e s c l i m á t i c a s . Os
m é d i c o s da E s c o l a T r o p i c a l i s t a o p u s e r a m - s e simultaneamente ao
determinismo climático, freqüente n o pensamento médico europeu da épo-
ca, que v i u os trópicos c o m o u m l u g a r de inevitável degenerescência dos
seres h u m a n o s , e a qualquer determinismo racial. Sobre este ú l t i m o p o n -
t o , c o n v é m n o t a r q u e a sociedade da B a h i a era m e s t i ç a , e q u e m u i t o s
médicos da cidade eram negros o u m u l a t o s . A resistência dos m e m b r o s da
Escola Tropicalista a qualquer determinismo biológico lhes permitiu manter
u m a visão da flexibilidade e da maleabilidade dos seres h u m a n o s . Tal visão
sublinhou o papel da medicina n o fortalecimento das tendências positivas,
e n a n e u t r a l i z a ç ã o eficaz dos efeitos n e f a s t o s do c l i m a e da m i s t u r a de
raças. Ela permitiu, assim, aos médicos da Bahia afirmar sua fé na possibi-
lidade de transformar o Brasil em u m a nação civilizada, e sublinhar o lugar
da profissão médica e m tal t r a n s f o r m a ç ã o . Incidentalmente, tal percepção
correspondeu t a m b é m aos interesses de a l g u m a s camadas da burguesia da
Bahia confrontadas, na segunda metade do século XIX, c o m a rápida indus-
trialização da região, c o m a imigração em m a s s a e c o m a necessidade de
57
integrar e controlar seus trabalhadores.

Os m e m b r o s da c h a m a d a Escola Tropicalista B a i a n a f o r a m inicial-


mente vistos c o m o marginais, m a s suas idéias foram gradualmente incor-
poradas pela comunidade médica de sua cidade, e depois pelo conjunto dos
m é d i c o s brasileiros. Tal a c e i t a ç ã o está ligada, entre o u t r o s , a o c r e s c e n t e
r e c o n h e c i m e n t o da especificidade das afecções tropicais e à necessidade de
desenvolver n o B r a s i l u m a m e d i c i n a n a c i o n a l que se i n t e r e s s a s s e pelas
patologias locais. A i m p l a n t a ç ã o das "disciplinas p a s t e u r i a n a s " n o Brasil
e, notadamente, o papel exercido pelo laboratório decorriam da preocupa-
ção e m adquirir u m saber local sobre as doenças e em desenvolver u m a
ciência especificamente brasileira, integrando os c o n h e c i m e n t o s do saber
universal. A especialização dos pesquisadores ligados à Escola Tropicalista
Baiana a s s e g u r o u u m a b o a recepção dos médicos europeus a seus t r a b a -
lhos. Essa estratégia, que se revelou profissionalmente importante, encer-
rou, entretanto, os médicos brasileiros n o gueto do "tropicalismo", único
58
nicho aberto a o s médicos vindos da periferia. Os esforços empreendidos
no fim do século X I X ( 1 8 8 0 - 1 9 0 0 ) pelos cientistas brasileiros para desco-
brir o "germe da febre a m a r e l a " , a rápida i m p o r t a ç ã o e a adaptação das
conclusões da Comissão Reed sobre o papel do m o s q u i t o Stegomyia na t r a n s -
missão da doença, a c a m p a n h a de erradicação levada adiante por Oswaldo
Cruz n o Rio de Janeiro ( 1 9 0 3 - 1 9 0 7 ) , assim c o m o a luta c o n t r a esta p a t o -
logia ao longo dos anos 1 9 2 0 - 1 9 3 0 e sua inserção nas tentativas de criar
u m a n a ç ã o brasileira unificada, se inscrevem n a s características p a r t i c u -
lares do c o n t e x t o brasileiro; trata-se, c o m efeito, de u m país subdesenvol-
vido, m a s a u t ô n o m o e potencialmente rico, dotado de identidade e de c u l -
t u r a nacionais próprias, m e s m o que ela esteja reservada às camadas supe-
riores da população, elites locais que aspiravam a se t o r n a r t a n t o q u a n t o
possível semelhantes às dos países desenvolvidos, fazendo progredir seus
objetivos n a c i o n a i s .
Nesse tipo de região, a medicina tropical t e m u m estatuto complexo;
meio de integrar a comunidade internacional afirmando sua especificidade
nacional, ela é ao m e s m o t e m p o fonte de o r g u l h o e de e m b a r a ç o , c o m a
c o n t r i b u i ç ã o l a r g a m e n t e reconhecida dos cientistas a u t ó c t o n e s à ciência
mundial atraindo, contudo, a atenção para precária situação sanitária do
país e para a distância que o separa dos países desenvolvidos. A p r o x i m a -
ção que pode abrir aos especialistas (e aos políticos) estrangeiros possibili-
dades de intervenção e alargar a zona de influência dos especialistas (e dos
políticos) locais, ela constitui, enfim, u m meio de homogeneizar, de "civi-
l i z a r " e de " m o d e r n i z a r " as p o p u l a ç õ e s , de a d a p t á - l a s às exigências da
economia mundial, m a s t a m b é m de enquadrar e legitimar a especificidade
local. U m estudo que se interesse pela circulação dos conhecimentos cien-
tíficos entre países do Norte e países do Sul e ao destino da "ciência univer-
sal" nos trópicos deverá dar atenção t a m b é m aos múltiplos usos - políti-
cos, sociais, culturais e econômicos - da n o ç ã o de universalidade da ciên-
59
cia e das práticas de pretensões u n i v e r s a i s .
As c a m p a n h a s c o n t r a a febre a m a r e l a n o B r a s i l f o r a m moldadas
pelas complexas interações entre os saberes e as práticas desenvolvidas em
laboratório pelos bacteriologistas e virólogos e aquelas elaboradas e m c a m p o
pelos epidemiologistas e os especialistas em saúde pública, a s s i m c o m o
pelas múltiplas interações c o m o ambiente (social, cultural, político) des-
tas práticas. Tais interações estão no cerne desta obra. Seu tema está situa-
do n a interseção entre as pesquisas de l a b o r a t ó r i o e as investigações de
campo, entre as políticas de saúde e as práticas administrativas. Em conse-
qüência, este trabalho se apóia na rica tradição da história social da medici-
na, que desempenhou u m papel-chave no desenvolvimento dos estudos re-
centes sobre a medicina colonial, e na tradição dos estudos sociais e cultu¬
rais da ciência que se interessam de perto pelas práticas dos pesquisadores e
dos médicos, pelas culturas de laboratório, instrumentos, técnicas e regis-
tros, menos presente nas pesquisas sobre a medicina tropical e colonial.
O segundo e o terceiro capítulos propõem u m sobrevôo rápido pela
história dos esforços empreendidos n o Brasil para controlar a febre a m a r e -
la. O segundo capítulo é centrado na descoberta do papel do m o s q u i t o em
s u a t r a n s m i s s ã o , n a s atividades da m i s s ã o do I n s t i t u t o Pasteur n o Rio
( 1 9 0 1 - 1 9 0 5 ) e n a c a m p a n h a contra a febre amarela dirigida por Oswaldo
Cruz. O terceiro capítulo r e t o m a as atividades da Fundação Rockefeller n o
Brasil entre 1 9 2 0 e 1 9 4 0 e e x a m i n a detalhadamente dois períodos: o de
1 9 2 3 - 1 9 2 9 , dominado pelas c a m p a n h a s a n t i m o s q u i t o de alcance limitado
conduzidas n o Nordeste; e o de 1 9 3 0 - 1 9 3 6 , marcado pela organização de
u m a campanha de grande envergadura para a eliminação do mosquito Aedes
aegypti. Paralelamente, ele expõe o desenvolvimento do m o v i m e n t o sanitário
brasileiro que teve c o m o objetivo o "saneamento do país" e sua transforma-
ção em u m país moderno, e suas ressonâncias nas atividades dos especialis-
tas n o r t e - a m e r i c a n o s . O q u a r t o capítulo está v i n c u l a d o aos m é t o d o s de
visualização da presença da febre amarela no Brasil. Ele segue os relatos de
viajantes pelo interior do país, do princípio do século até os anos 1 9 4 0 , e
estuda a integração entre elementos (paisagens, pessoas doentes, m o s q u i -
tos, casas, cidades, vilarejos, florestas e campos) e habitantes nas descrições
da febre amarela fornecidas pelos pesquisadores brasileiros, franceses e nor-
te-americanos. Tem e m vista, mais especificamente, as m u d a n ç a s trazidas
à percepção da febre a m a r e l a pela introdução das técnicas de laboratório
(pesquisa de anticorpos específicos, exames patológicos) que t o r n a r a m pos-
síveis as investigações epidemiológicas de grande envergadura.

O quinto capítulo é dedicado à questão do controle dos m o s q u i t o s e


dos h u m a n o s . E s t u d a os l a ç o s e n t r e as percepções c i e n t í f i c a s da febre
amarela e o desenvolvimento da luta c o n t r a esta doença e analisa os m é -
todos utilizados n o Brasil para c o n t r o l á - l a , a p a s s a g e m do c o n t r o l e dos
mosquitos ao controle das populações, o quadro político n o qual tal passa-
g e m se insere - o regime autoritário de Getúlio Vargas - e as conseqüências
da generalização do modelo de controle das doenças transmissíveis pelos
insetos por meio da erradicação destes ú l t i m o s . O sexto capítulo relata o
d e s e n v o l v i m e n t o da v a c i n a a n t i a m a r í l i c a e as c a m p a n h a s de v a c i n a ç ã o
em m a s s a . U m a vacina pode ser apresentada c o m o a entidade transferível
p o r excelência, m a s é, efetivamente, m u i t a s vezes utilizada de m a n e i r a
distinta. Esse c a p í t u l o se v o l t a m a i s especificamente p a r a a g e s t ã o dife-
rencial dos riscos inerentes à v a c i n a ç ã o . As práticas vacinais desenvolvi-
das n o Rio de J a n e i r o c o n t r a s t a m c o m as advindas do laboratório central
da febre amarela da Fundação Rockefeller em Nova York, e c o m as aborda-
gens elaboradas n o m e s m o período pelos franceses nas c a m p a n h a s de v a -
c i n a ç ã o n a Africa.
O v o l u m e se conclui c o m o rápido a c o m p a n h a m e n t o das políticas de
saúde p ú b l i c a desenvolvidas a p ó s a S e g u n d a G u e r r a M u n d i a l c o m b a s e
nas tentativas levadas adiante n o período precedente, e c o m u m a discus-
são sobre o papel - ou, antes, sobre os papéis - das práticas científicas de
pretensões universais n o c o n t r o l e local das doenças t r a n s m i s s í v e i s .
As afecções induzidas por bactérias, por vírus o u por parasitos de-
r a m sólidos a r g u m e n t o s para se p r o c l a m a r a unidade do gênero h u m a n o e
a u n i v e r s a l i d a d e do s a b e r s o b r e a s d o e n ç a s . A p r o g r e s s ã o das d o e n ç a s
t r a n s m i s s í v e i s esteve estreitamente ligada a o desenvolvimento dos meios
de transporte - navio, t r e m o u avião - e à intensificação da circulação de
pessoas e de bens. A propagação de epidemias legitimou o desenvolvimen-
to de u m saber científico válido para todos os lugares que permita eliminar
as doenças epidêmicas onde quer que elas g r a s s e m (ou, n u m a versão mais
restritiva, proteger o " m u n d o civilizado" dos males vindos de o u t r a parte).
A c i r c u l a ç ã o dos saberes e das práticas relativas a o controle das doenças
t r a n s m i s s í v e i s foi inicialmente tratada c o m o u m a resposta à difusão dos
agentes de tais doenças e seus vetores entre as n o v a s populações (as dos
países ocidentais, os colonos); ela se estendeu até a vigilância das doenças
dos n a t i v o s . A difusão das técnicas de l a b o r a t ó r i o e, p a r a l e l a m e n t e , dos
novos m é t o d o s de gestão da saúde pública contribuiu, por sua vez, para
60
u m a certa homogeneização das populações h u m a n a s . Tal homogeneização
foi apenas parcial, pois esbarrou em múltiplos o b s t á c u l o s : a história das
t e n t a t i v a s de c o n t r o l a r a febre a m a r e l a pode e s t i m u l a r reflexões sobre a
possibilidade, a pertinência e os limites do desenvolvimento de u m saber
u n i v e r s a l s o b r e as doenças t r a n s m i s s í v e i s e das p r á t i c a s mundialmente
v á l i d a s de c o n t r o l e de t a i s d o e n ç a s . Reflexões s o b r e as modalidades de
t r a n s f e r ê n c i a de c o n h e c i m e n t o s e das p r á t i c a s científicas, médicas e a d -
m i n i s t r a t i v a s do c e n t r o p a r a a periferia, a s s i m c o m o as c i r c u l a ç õ e s n o
sentido inverso, adquirem hoje e m dia u m a gravidade especial n o c o n t e x t o
de u m crescente distanciamento entre os países industrializados e os paí-
ses e m d e s e n v o l v i m e n t o .

Notas
1
COLEMAN, W. Yellow Fever in the North: the methods of early epidemiology. Madison:
University o f Wisconsin Press, 1 9 8 7 .
2
U m médico francês, Louis-Daniel Beauperthy, publicou em 1 8 5 4 observações que
associam a transmissão da febre amarela aos mosquitos. No entanto, tais observações,
feitas antes do advento da teoria bacteriana da doença e anteriormente à descrição do
papel dos insetos c o m o "vetores intermediários" das doenças, não se ligaram direta-
mente aos trabalhos realizados em fins do século X I X . Sobre a crítica da noção de
"precursor desconhecido", ver CANGUILHEM, G. L'objet de l'histoire des sciences. In:
CANGUILHEM, G. Études d'Histoire et de Philosophie des Sciences. Paris: Vrin, 1 9 7 4 , p . 2 1 .
3
CANGUILHEM, G. Presentation. In: DELAPORTE, F. Histoire de la Fíèvre Jaune. Paris:
Payot, 1 9 8 9 , p . 1 3 . Apesar de elegante, a expressão é inadequada, pois muitos vetores
invertebrados das doenças tropicais descritos nesse período não têm asas; à imagem
da morte que voa poderia ser acrescentada a da morte que fervilha, que rasteja, ou
que gruda na pele.
4
BEN-DAVID, J . T h e implantation o f a scientific tradition in developing countries.
Minerva, 1 5 : 3 0 3 - 3 0 5 , 1 9 7 7 . "A periferia" é, entretanto, u m termo muito vasto, que
abrange países que apresentam graus de desenvolvimento muito variados: os proble-
mas de transferência de conhecimentos foram diferentes na Turquia e na África
subsaariana.
5
Por exemplo, W. H. GRUBER & D. G. MARQUIS (Eds.) Factors in Transfer of Technology.
Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1 9 6 9 .
6
GOODY, J . The East in the West. Cambridge: Cambridge University Press, 1 9 9 6 ;
PALLADINO, P. & WORBOYS, M . Science and imperialism. Isis, 1 9 3 9 , 8 4 : 9 1 - 1 0 2 ;
PYENSON, L. Cultural Imperialisms and Exact Sciences: German expansions overseas 1900-
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overseas expansion, 1830-1940. Baltimore: J o h n Hopkins University Press, 1 9 9 3 ;
POLANCO, X . Naissance et Développement de la Science-Monde. Paris: La Découverte,
1 9 9 0 ; MacLEOD, R. On visiting the 'moving metropolis': reflections on the architecture
of imperial science. In: REINGOLD, N. & RHOTENBERG, M. (Eds.) Scientific Colonialism:
a cross-cultural comparaison. Washington D.C.: Smithsonian Institute Press, 1 9 8 7 ,
p.217-250.
7
ROSENBERG, C. E. Disease in history: frames and framers. The Milibank Quaterly,
67(suppl.l), 1 9 8 9 .
8
LATOUR, B. Ramses Il est-il mort de la tuberculose? La Recherche, 3 0 7 : 8 4 , mars 1 9 9 8 .
9
JEWSON, N. D. The disappearance o f the sick-man from medical cosmology in 1 7 7 0 -
1 8 7 0 . Sociology, 1 0 ( 2 ) : 2 2 5 - 2 4 4 , 1 9 7 6 .
10
O livro de Keith Wailoo, Drawing Blood: technology and disease identity in Twentieth-
Century America (Baltimore: J o h n Hopkins University Press, 1 9 7 7 ) , é u m excelente
exemplo de estudo do papel das tecnologias na descrição das entidades mórbidas
(neste caso, as doenças do sangue).
11
FLECK, L. Genesis and Development of a Scientific Fact (trad. Fred Bradley e Thaddeus J .
Trenn). Chicago & London: The University o f Chicago Press, 1 9 7 9 ( 1 9 3 5 ) , p. 1 2 0 .
Allan Young usou c o m o argumento o papel das "tecnociências" no pensamento de
Fleck. YOUNG, A. The Harmony of Illusions: inventing post-traumatic stress disorder.
Princeton: Princeton University Press, 1 9 9 5 , p. 10.
12
CAMBROSIO, A. & KEATING, P. Interlaboratory life: regulating flow cytometry. In:
GAUDILLIÈRE, J . P. & LÖWY, I. (Eds.) The Invisible Industrialist: manufactures and the
production of scientific knowledge. London Macmillan, 1 9 9 8 .
13
FARMER, P. Aids and Accusation: Haiti and the geography of blame. Berkeley: University
of California Press, 1 9 9 2 .
14
DUDENM, Β. The Woman under the Skin. Cambridge, Mass.: Harvard University Press,
1992.
15
ROSENTHAL, T. How Could I Not Be Among You. New York: Avon Press, 1 9 7 9 , p. 7 3 .
16
O desafio que a dor crônica impõe à medicina contemporânea baseada na técnica é
explicitado por Isabelle Baszanger em seu livro Pour en Finir avec la Doulcur. Paris: Le
Seuil, 1 9 9 5 .
17
COLEMAN, W. Yellow Fever in the North, op. cit.
18
Relatório do subcomitê nomeado pelo Advisory Committee for Tropical Africa para
apresentar sugestões sobre a investigação da febre amarela na África Ocidental, 7 de
janeiro de 1 9 1 3 . Dossiê Ronald Ross, C G / 5 9 / A i , Wellcome Archives, Londres. Ross,
especialista em malária, foi nomeado membro da comissão porque esta doença foi
considerada a que mais freqüentemente se confundia com a febre amarela.
19
A concordância entre "febre amarela" de outrora e de hoje é aparentemente maior
quando os médicos descrevem uma epidemia entre os recém-chegados a um país.
Entre os adultos não-imunes encontram-se freqüentemente casos "típicos" de febre
amarela viral, e uma epidemia aumenta a probabilidade de que vários indivíduos
doentes sofram da m e s m a afecção. Por volta de 1 9 0 0 , foram descritos em Cuba
numerosos casos de febre amarela em soldados norte-americanos e em imigrantes,
mas também um certo número de casos entre os nativos.
20
DELAPORTE, F. Histoire de la Fièvre Jaune, op. cit., p.25, 1 5 1 .
21
FLECK, L. Genesis and Development of a Scientific Fact, op. cit.
22
Um estudo desse tipo é centrado na maneira de agir dos pesquisadores, e não na
questão de saber quantos casos "verdadeiros" de febre amarela puderam ser observa-
dos em um determinado momento histórico.
23
DELAPORTE, F. Les Épidemiés. Paris: Éditions de la C i t é des Sciences et d'Industrie, 1 9 9 5 .
24
COLEMAN, W. Yellow Fever in the North, op. cit.
25
Na França, tal conceito foi desenvolvido por Pierre Louis. ACKERKNECHT, Ε. La Médecine
Hospitalière à Paris (1794-1848). Paris: Payot, 1986; TEMKIN, O. The scientific approach
to disease: specific entity and individual sickness. In: TEMKIN, O. The Double Face of
Janus. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1 9 7 7 , p . 4 3 1 - 4 5 6 ; FANTINI, B. Le
rôle du concept de la spécificité dans la pensée médicale. In: BUCHET, A. (Ed.) Conférences
de l'lnstitut d'Histoire de la Médecine. Lyon: Fondation Marcel Mérieux, 1 9 9 4 , p . 7 3 - 8 3 .
26
KODELL CARTER, C. Koch's postulates in relation to the work of J a k o b Henle and
Edwin Klebs. Medical History, p . 3 5 3 - 3 7 4 , 1 9 8 5 ; KODELL CARTER, C. The development
of Pasteur's concept o f disease causation and the emergence of specific causes in
nineteenth century medicine. Bulletin of the History of Medicine, 6 5 : 5 2 8 - 5 4 8 , 1 9 9 1 .
27
FLECK, L. Genesis and Development of a Scientific Fact, op. cit., p.93.
28
Idem; GOESSEL, P. Ρ. Le besoin des méthodes standard: le cas de la bactériologie. In:
CLARKE, A. & FUJIMURA, J . (Eds.) La Matérialité des Sciences: savoir-faire et instruments
dans les sciences de la vie. Paris: Synthélabo, 1 9 9 6 ( 1 9 9 2 ) . (Les Empêcheurs de penser en
rond), p . 3 6 6 - 3 9 7 .
29
LATOUR, B. Les Microbes, Guerre et Paix. Paris: A. M. Métailié, 1 9 8 4 .
30
CRONON, W. Changes in the Land: i n d i a n s , colons and the ecology of New England. New
York: Hill and Wang, 1 9 8 3 ; CRONON, W. Nature's Metropolis: Chicago and the Great West.
New York, London: W. W. Norton & Co., 1 9 9 1 .
31
Uma interação desse tipo afeta não apenas as atitudes para com "entidades naturais"
profundamente transformadas pelos homens, mas também aquelas relacionadas
aos sítios relativamente pouco tocados pela atividade humana.
32
WINCH, P. The Idea of Social Science. London: Routledge & Paul, 1 9 5 8 .
33
MOULIN A.-M. & CHAUVIN, P. L'Islam au Péril des Femmes. Paris: Éditions Maspero,
1981.
34
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making o f the modern public health. Isis, 8 6 ( 2 ) : 2 6 8 - 2 7 7 , 1 9 9 5 .
35
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Greater than the Parts: holism and biomedicin, 1920-1950. Oxford, London: Oxford
University Press, 1 9 9 8 .
36
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Sciences et Langages en Europe. Paris: Centre Alexandre Koyré, 1 9 9 6 , p . 2 2 1 - 2 3 1 .
37
RASMUSSEN, A. L'Internationale Scientifique (1890-1914), 1 9 9 5 . Paris: Thèse de Doctorat
d'Histoire, École Pratique des Hautes Études.
38
HOWARD-JONES, N. Les Bases Scientifiques des Conférences Sanitaires Internationales,
1851-1938. Genève: Organisation Mondiale de la Santé, 1 9 8 5 . Ver também GOODMAN,
Ν. Μ. International Health Organizations and their Work. London: Churchill, 1 9 5 2 ; Annexe
J , Les conférences sanitaires Internationales, em: SALOMON-BAYET, C. (Ed.) Pasteur et la
Révolution Pasteurienne. Paris: Payot, 1 9 8 6 , p . 4 1 4 - 4 6 ; WEINDLING, P. Introduction. In:
WEINDLING, P. (Ed.) International Health Organizations and Movements, 1918-1939.
Cambridge: Cambridge University Press, 1 9 5 5 , p. 1-16.
39
A história da luta contra o cólera no século XIX foi relatada por Charles Rosenberg,
The Cholera Years. Chicago, London: The University o f Chicago Press, 1 9 6 2 ; Richard
Evans, Death in Hamburg: society and politics in the cholera years, 1830-1910. Oxford:
Clarendon Press, 1 9 8 7 ; François Delaporte, Le Savoir de la Maladie: essai sur le choléra de
1829 à Paris. Paris: PUF, 1 9 9 0 .
40
É preciso observar, entretanto, que os esforços britânicos para controlar o cólera na
Índia foram m u i t o menos eficazes. RAMASSUBAN, R. Imperial health in British
Índia. In: MacLEOD, R. & LEWIS, Μ. (Eds.) Disease, Medicine and Empire: perspective on
Western medicine and the experience of European expansion. London, New York: Routledge,
1 9 8 8 , p . 3 8 - 6 1 ; LÖWY, I. From guinea pigs to men: the development o f Haffkine's
anticholera vaccine. Journal of the History of Medicine and Allied Sciences, 1 9 9 2 , 4 7 : 2 7 0 -
th
3 0 9 . ARNOLD, D. Colonizing the Body: State medicine and epidemic disease in XIX Century
India. Berkeley: University o f California Press, 1 9 9 3 .
41
HOWARD-JONES, N. Les Bases Scientifiques des Conférences Sanitaires Internationales, op.
cit., p . 9 3 .
42
LATOUR, B. Les Microbes, Guerre et Paix, op. cit.
43
MURARD, L. & ZYLBERMAN, P. L'Hygiène dans la République. Paris: Fayard, 1 9 9 6 .
44
SALOMON-BAYET, C. Pasteur et la Revolution Pasteurienne, op. cit.
45
GOESSEL, P. P. Le besoin des méthodes standard: le cas de la bactériologie. In: CLARKE,
A. & FUJIMURA, J . (Eds.) La Matérialité des Sciences: savoir-faire et instruments dans les
sciences de la vie. Paris: Synthélabo, 1 9 9 6 ( 1 9 9 2 ) (Les Empêcheurs de penser en rond),
p.366-397.
46
GOSSEL, P. P. Le besoin des méthodes standard, op. cit
47
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L'InstitutPasteur: contributions à son histoire. Paris: La Découverte, 1 9 9 1 , p . 6 4 - 7 2 ; LÖWY,
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development o f microbiology in France. Studies in History and Philosophy of Science,
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48
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the Emergence of Scientific Disciplines. The Hague: Mouton, 1 9 7 6 , p. 7 5 - 9 8 .
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Fayard, 1 9 8 5 ; LÖWY, I. From guinea pigs to man, op. cit
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BENCHIMOL, J . L. (Ed.) Manguinhos, do Sonho à Vida: a ciência na Belle Époque. Rio de
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57
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1889, 1 9 9 0 . PhD Thesis, Columbia University; OLIVEIRA, C. R. Origem e Desenvolvimen-
to da Medicina Social no Brasil, 1 9 8 2 . Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Instituto
de Medicina Social da UERJ; para u m a visão diferente da Escola da Bahia, ver EDLER,
F. C. "A constituição da medicina tropical no Brasil: da climatologia à parasitologia
médica", projeto proposto ao IMS-Uerj, Rio de Janeiro, 1 9 9 7 .
58
PEARD, J . G. The Tropicalist School of Medicine of Bahia, Brazil, 1869-1889, op. cit
59
CUETO, Μ. (Ed.) El Regreso de las Epidemias: salud, cultura y sociedad en América Latina -
nuevas perspectivas históricas. Lima: Instituto de Estúdios Peruanos, 1 9 9 6 ; STEPAN, N.
L. Tropical medicine and public health in Latin América. Medical History, 4 2 ( 1 ) : 1 0 4 -
110, 1998.
60
Tais entidades que circulam entre as comunidades clínicos ("mundos sociais", "cole-
tivos de pensamento") e que são imperfeitamente "traduzidas" como estilos de práti-
ca diferentes foram estudados por Fleck e, mais recentemente, por sociólogos das
ciências vinculados à tradição do interacionismo simbólico. STAR, S. L. & GRIESEMER,
J . R. I n s t i t u t i o n a l ecology, ' t r a n s l a t i o n s ' and b o u n d a r y objects: a m a t e u r s and
professionals in Berkeley's M u s e u m o f vertebrate zoology. Social Studies of Science,
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A FebreAmarela, a TransferênciadasDisciplinas
Pasteurianasparao Brasil e o Movimento
sanitarista Brasileiro, 1880-1920

A Febre Amarela antes do Mosquito


A luta c o n t r a a febre amarela na América Latina mobilizou recursos
m u i t o importantes, cuja amplitude pode parecer excessiva. É verdade que a
mortalidade durante as epidemias de febre amarela era alta, em particular
nas cidades que a c o l h e r a m grande n ú m e r o de imigrantes, m a s esta p a t o -
logia estava longe de representar o problema mais grave de saúde pública
na A m é r i c a . Apesar de a tuberculose, a gastroenterite, a febre tifóide ou,
ainda, a difteria terem sido afecções m u i t o mais letais, os meios emprega-
dos para combatê-las durante a primeira metade do século X X foram c o n -
sideravelmente m e n o s elevados. Esse notável contraste entre o t r a t a m e n t o
da febre a m a r e l a e o das demais doenças transmissíveis pode se explicar
pelo fato de que a mortalidade associada a estas foi relativamente estável.
A m e d i c i n a t r o p i c a l , segundo o h i s t o r i a d o r inglês da m e d i c i n a M i c h a e l
W o r b o y s , não dava c o m b a t e a todas as doenças recenseadas nos trópicos,
m a s apenas àquelas que, periodicamente, engendraram u m a u m e n t o i m -
1
p o r t a n t e da mortalidade. O caráter i m e d i a t a m e n t e visível e preocupante
dessas variações exigia a intervenção sanitária.
Além de seu caráter epidêmico, a febre amarela atingia seletivamen-
te os n o v o s habitantes. Os nativos pareciam protegidos do "mal amarelo";
em c o m p e n s a ç ã o , os viajantes de passagem, as tripulações dos navios, as
tropas coloniais, os colonos civis e os imigrantes t i n h a m grandes chances
de sofrer sintomas característicos: febre alta seguida de u m a brusca queda
de temperatura, dores de cabeça, icterícia pronunciada, v ô m i t o - n e g r o , de-
lírio. Os doentes que sobreviviam a u m a t a q u e de febre amarela ficavam,
depois, protegidos de maneira permanente c o n t r a esta doença - ao m e n o s
de s u a s f o r m a s g r a v e s . A severidade das epidemias era, de resto, m u i t o
variável: em certos lugares e e m certos períodos, a mortalidade associada
aos casos comprovados de febre amarela não ultrapassava a 1 0 % ; em o u -
tros, p a s s a v a da metade.
As p r i m e i r a s descrições da febre a m a r e l a - o u , p a r a s e r m o s m a i s
precisos, do conjunto de sintomas clínicos reunidos sob este n o m e - d a t a m
de m e a d o s do s é c u l o X V I I . Elas v ê m da A m é r i c a C e n t r a l ( Y u c a t a n ) , do
Caribe (Cuba) o u das cidades portuárias da América do Norte; a doença foi,
c o m efeito, registrada em 1 6 6 8 em Nova York e em 1 6 9 1 em B o s t o n . Até
o início do século X X , a febre amarela foi tida c o m o u m problema m a i o r de
saúde pública n o s Estados U n i d o s , e m p a r t i c u l a r - m a s n ã o e x c l u s i v a -
m e n t e - n o sul do país. Nos países da África, da A m é r i c a C e n t r a l e da
A m é r i c a do S u l ela parecia estar presente de f o r m a q u a s e p e r m a n e n t e .
Epidemias enfeixadas sob a denominação "febre a m a r e l a " a t i n g i r a m t a m -
bém, ocasionalmente, os portos europeus. Apesar da anterioridade das des-
crições americanas dessa patologia, alguns pesquisadores v o l t a r a m - s e pre-
ferencialmente para a hipótese - desenvolvida pelo epidemiologista a m e r i -
c a n o H e n r y Rose Carter - de que a febre amarela, tal c o m o a definimos
hoje, era u m a doença de origem africana. Seu s u r g i m e n t o na América foi
associado ao comércio dos escravos africanos, que teria sido a c o m p a n h a -
2
do da importação involuntária do m o s q u i t o Aedes aegypti.
Poucos médicos contestaram, n o século X I X , a existência de u m c o n -
j u n t o de sintomas típicos, tais c o m o a febre violenta, a icterícia, a presen-
ça de a l b u m i n a na u r i n a e, e m estágio avançado, h e m o r r a g i a s múltiplas,
inclusive do e s t ô m a g o ("vômito-negro"), m a s aceitar a existência de u m a
entidade n o s o l ó g i c a d i s t i n t a , c o n d i ç ã o indispensável a o r e c o n h e c i m e n t o
do m o d o único de t r a n s m i s s ã o dessa patologia, s u s c i t o u m a i s dificulda-
des. W i l l i a m C o l l e m a n c o m p a r o u as investigações feitas pela prestigiosa
m i s s ã o francesa - investida pela A c a d e m i a de Medicina e c o m p o s t a por
Nicolas Chevrin, Pierre Louis e A r m a n d Trousseau - durante a epidemia de
febre a m a r e l a em Gibraltar ( 1 8 2 1 ) c o m as pesquisas feitas 4 0 a n o s m a i s
tarde pelo médico francês François Méliès, q u a n d o da epidemia de S a i n t -
Nazaire, em 1 8 6 1 , e a do médico inglês George B u c h a n a n sobre a epide-
3
mia de S w a n s e a , e m 1 8 6 5 . Os médicos franceses c h e g a r a m a G i b r a l t a r
n o inverno, q u a n d o a epidemia havia p r a t i c a m e n t e t e r m i n a d o . Aliás, as
epidemias observadas n a s cidades p o r t u á r i a s européias e n o r t e - a m e r i c a -
nas só d u r a r a m , em regra, o tempo da estação quente, apropriada à sobre-
vivência dos m o s q u i t o s Aedes aegypti. Os especialistas franceses, caídos de
pára-quedas tardiamente n u m país estrangeiro e n u m meio social que não
lhes era familiar, t i v e r a m dificuldades e m identificar r e t r o s p e c t i v a m e n t e
os casos de doença e em recolher informações epidemiológicas detalhadas.
A m i s s ã o aderiu à o p i n i ã o , s u s t e n t a d a p o r Chevrin, de que a epidemia
havia, p r o v a v e l m e n t e , resultado de u m a t r a n s f o r m a ç ã o m a l i g n a das fe-
bres locais, e recusou a idéia de que "febres" pudessem constituir entidades
distintas e específicas. Tal opinião foi majoritária entre os médicos france-
ses nos a n o s 1 8 2 0 . E m c o m p e n s a ç ã o , 4 0 a n o s depois, q u a n d o Méliès e
B u c h a n a n fizeram suas investigações sobre a febre amarela, a teoria sobre
a especificidade de certas entidades mórbidas tinha grande audiência entre
os especialistas. Méliès e B u c h a n a n c o n d u z i r a m suas pesquisas e m plena
epidemia e p u d e r a m colher t e s t e m u n h o s recentes. Os dois pesquisadores
associaram firmemente o s u r g i m e n t o da febre amarela na cidade p o r t u á -
ria à chegada de u m n a v i o proveniente de u m país onde g r a s s a v a u m a
epidemia, e t r a ç a r a m a difusão da doença a partir dos casos sintomáticos
oriundos do navio.
É fácil, hoje, t r a t a r c o m ironia a incapacidade de eminentes médicos
franceses (entre os quais Pierre Louis, que, é interessante observar, m a i s
tarde se t o r n a r á apóstolo da especificidade das "febres") de estabelecer que
a febre amarela de Gibraltar havia sido importada por navios. Não se deve
esquecer, entretanto, que além das dificuldades próprias a qualquer inves-
t i g a ç ã o n u m a grande cidade estrangeira ( S w a n s e a e S a i n t - N a z a i r e e r a m
portos menores, o que facilitou a enquete epidemiológica), os médicos fran-
ceses se c o n f r o n t a r a m c o m o problema da identificação unívoca de casos
de doença c o m o dependentes "da" febre amarela, identificação complicada
t a m b é m pela o b r i g a ç ã o de se apoiar n o t e s t e m u n h o dos médicos locais.
E m sua obra sobre as origens da febre amarela, o médico norte-americano
Henry Carter desfia u m a longa lista das doenças que poderiam ter sido (e
4
m u i t o provavelmente o f o r a m ) confundidas c o m a febre a m a r e l a . Entre
essas d o e n ç a s , p a t o l o g i a s c o m o a febre tifóide, a m a l á r i a o u a hepatite
viral teriam ocorrido em Gibraltar paralelamente a u m a epidemia de febre
5
importada dos trópicos. Não se pode afastar t o t a l m e n t e a eventualidade,
pressentida por Chevrin, de que alguns casos da "febre amarela" observada
em Gibraltar t e n h a m sido apenas f o r m a s m a l i g n a s de u m a "febre" local.
As enquetes epidemiológicas de B u c h a n a n e de Méliès estabeleceram
claramente u m elo entre a chegada de u m navio proveniente de u m porto
tropical, c o m u m a o u várias pessoas doentes a bordo, e o s u r g i m e n t o de
u m a epidemia de febre amarela no porto que o acolhera. Em compensação,
elas forneceram poucas informações sobre as causas da doença. O desem-
b a r q u e foi estabelecido c o m o o elemento desencadeador, m a s as enquetes
de B u c h a n a n e Méliès m o s t r a r a m t a m b é m a a p a r e n t e a u s ê n c i a de u m
m o d o direto de infecção: o c í r c u l o social das pessoas a t i n g i d a s n ã o foi
s i s t e m a t i c a m e n t e infectado, o fato de cuidar de u m doente n ã o parecia
colocar e m risco m a i o r os encarregados de assisti-los, e os pesquisadores
n ã o c o n s e g u i r a m evidenciar de m a n e i r a s i s t e m á t i c a o papel do c o n t a t o
direto (pessoa a pessoa) o u indireto (por meio dos objetos pertencentes ao
doente) n a t r a n s m i s s ã o da doença. Isso o c o r r e u especialmente e m S a i n t -
Nazaire, onde casos isolados de febre foram registrados em bairros afasta-
6
dos do p o r t o . Portando, os pesquisadores concluíram, c o m prudência, que
a febre a m a r e l a era, provavelmente, u m a doença de baixa contagiosidade;
eles n ã o a v a n ç a r a m especulações sobre as razões dessa baixa contagiosidade.
As dúvidas q u a n t o à c a u s a da febre a m a r e l a desapareceram c o m o
advento, nos a n o s 1 8 7 0 , da teoria m i c r o b i a n a das doenças. Os pesquisa-
dores que a ela aderiram acreditavam que cada doença transmissível origi-
nava-se de u m a bactéria específica. A febre amarela foi incluída sem hesi-
t a ç ã o nessa categoria, e m r a z ã o de seu evidente caráter epidêmico e dos
casos b e m d o c u m e n t a d o s de irrupção da doença após a chegada de u m a
pessoa c o n t a m i n a d a e m u m a localidade. Os pesquisadores dedicaram-se a
identificar e isolar o "bacilo da febre a m a r e l a " . A tarefa cabia especial-
m e n t e a o s b a c t e r i o l o g i s t a s europeus e n o r t e - a m e r i c a n o s que o c u p a v a m
p o s t o s t e m p o r á r i o s o u p e r m a n e n t e s n o s países da A m é r i c a Latina e aos
médicos l a t i n o - a m e r i c a n o s interessados na n o v a a b o r d a g e m . A l g u n s de-
les p u d e r a m se f a m i l i a r i z a r c o m e s s e n o v o s a b e r n o s laboratórios
r e n o m a d o s ; o u t r o s t r a b a l h a r a m c o m os cientistas europeus que v i v e r a m
na América do Sul; os autodidatas adquiriram seus conhecimentos b a c t e -
riológicos percorrendo os livros e j o r n a i s especializados. T i n h a m , e n t r e -
tanto, em c o m u m o fato de haverem centrado sua abordagem das doenças
infecciosas nos m i c r o r g a n i s m o s que as induziam. O interesse d e m o n s t r a -
do, até então, pelas características clínicas e epidemiológicas de u m a p a -
tologia transmissível foi substituído pelo interesse exclusivo por seu agente.
Seu i s o l a m e n t o , segundo os adeptos da n o v a ciência bacteriológica, leva-
ria rapidamente à adoção de medidas preventivas contra a doença induzida
por esse agente (especialmente a v a c i n a ç ã o ) , a s s i m c o m o à p r o d u ç ã o de
u m t r a t a m e n t o eficaz ( u m a n t i - s o r o c u r a t i v o ) . O slogan p r o p o s t o pelo
médico francês Paul Bert ilustra essa convicção: " U m a doença, u m m i c r ó -
bio, u m soro, u m a vacina". A s s i m , para u m adepto entusiasta da ciência
dos micróbios, a s o m a dos conhecimentos fundamentais sobre u m a doen-
ça transmissível pode se resumir ao conteúdo de u m t u b o de ensaio.
As primeiras tentativas de i m p l a n t a ç ã o de laboratórios de b a c t e r i o -
logia na América Latina r e m o n t a m aos anos 1 8 8 0 . E m 1 8 8 6 , a n o em que
Pasteur descreveu a v a c i n a a n t i - r á b i c a , o i m p e r a d o r do Brasil, Pedro II,
enviou a Paris u m j o v e m médico brasileiro, A u g u s t o Ferreira dos S a n t o s ,
para estudar "os m é t o d o s de i n o c u l a ç ã o elaborados por Pasteur", c o m a
idéia de abrir, mais tarde, u m instituto de t r a t a m e n t o da raiva no Rio de
7
Janeiro. Na época, vários pesquisadores brasileiros j á estavam envolvidos
na procura do "bacilo da febre amarela". O fato de tais investigações terem
acontecido no Brasil, particularmente no Rio de J a n e i r o , nada tem de es-
8
pantoso. Desde os anos 1 8 5 0 , a febre amarela encontrava-se em estado
endêmico nessa cidade, c o m recorrências epidêmicas regulares. Além disso,
a capital do Brasil era, em fins do século X I X , u m centro de pesquisa, de
estudos e de t r a t a m e n t o . A cidade tinha u m a faculdade de medicina, u m a
faculdade de engenharia, hospitais de ensino e u m a seção de seu M u s e u
N a c i o n a l era dedicada à pesquisa em ciências n a t u r a i s . Deve-se a J o ã o
Batista Lacerda, antropólogo e fisiologista, fundador de u m laboratório de
fisiologia no Museu Nacional, o primeiro relatório brasileiro sobre a desco-
berta do agente causal da febre amarela. Lacerda afirmava, e m 1 8 8 3 , ter
achado a causa do "veneno amarelo", ou seja, u m "fungo polimorfo" que se
encontra nos intestinos e nas secreções dos doentes e secreta u m a "toxina
9
zimótica". Esta toxina se a c u m u l a no fígado e induz u m a severa icterícia.
Lacerda publicou suas pesquisas em p o r t u g u ê s e em francês, e en-
viou suas culturas ao Dr. Babès em Paris, para que este confirmasse suas
observações. A reação dos especialistas foi reticente. O material enviado
por Lacerda c o n t i n h a efetivamente m i c r o r g a n i s m o s (que o Dr. Babès des-
creve c o m o bactérias p o l i m o r f a s , e n ã o f u n g o s ) , m a s após u m período
inicial de interesse, c h e g o u - s e à c o n c l u s ã o de que esses m i c r o r g a n i s m o s
não eram a causa etiológica da febre amarela. A escolha, por Lacerda, do
fungo c o m o candidato ao papel de agente etiológico da febre amarela foi
motivada por sua propensão a se propagar em atmosferas quentes e úmidas,
daí se haver estabelecido u m elo c o m as doenças específicas das regiões
tropicais. Tal escolha provavelmente contribuiu para o descrédito de seus
resultados. Nos a n o s 1 8 8 0 , a m u l t i p l i c a ç ã o das descrições de m i c r ó b i o s
responsáveis pelas doenças infecciosas (o bacilo da febre tifóide foi descrito
em 1 8 7 9 , o da lepra em 1 8 8 0 , os da pneumonia e da tuberculose em 1 8 8 2 ,
os da difteria e do cólera em 1 8 8 3 , o do tétano em 1 8 8 4 , o da febre de Malta
em 1 8 8 6 , o da meningite em 1 8 8 7 ) c h a m o u atenção para as bactérias c o m o
causas de patologias h u m a n a s . Entre 1 8 8 5 e 1 9 0 0 , todos os novos candi-
datos ao papel de "agente da febre amarela" foram bactérias.
Em 1 8 8 5 , o Dr. Domingos Freire, do Rio de Janeiro, anuncia em u m
a r t i g o ter d e s c o b e r t o o " b a c i l o da febre a m a r e l a " , o q u a l denomina
Cryptococcus xenogenicus. Ao c o n t r á r i o de Lacerda, cientista respeitado em
sua área m a s pouco conhecido pelos médicos, Freire, presidente da J u n t a
de Higiene do Rio de Janeiro, era u m a personalidade importante no m u n d o
médico brasileiro. Seu status profissional conferiu u m prestígio adicional a
suas a f i r m a ç õ e s . Freire, bacteriologista autodidata que, segundo o t e s t e -
m u n h o de a l g u n s de seus c o n t e m p o r â n e o s , c o m p e n s a v a c o m seu entusi-
a s m o a falta de conhecimentos técnicos (sua primeira visita a u m labora-
tório europeu de bacteriologia data de 1 8 8 7 ) , explicou que o Cryptococcus se
multiplica pela disseminação dos esporos que se desenvolvem n o interior
da bactéria, e que ele induz a doença por meio da produção das toxinas (as
"ptomaínas negras") responsáveis pelo "vômito-negro" e de u m p i g m e n t o
10
a m a r e l o q u e p r o v o c a a i c t e r í c i a . A l é m disso, Freire a f i r m o u que h a v i a
confirmado o n e x o causal entre seu Cryptococcus e a febre amarela aplican-
do os critérios propostos pelo bacteriologista alemão Robert Koch, que em
1 8 8 4 postulara que u m m i c r o r g a n i s m o pode ser reconhecido c o m o agente
infeccioso de u m a doença se ele puder, u m a vez isolado, induzir u m a p a -
11
tologia semelhante n u m a c o b a i a . Apenas u m a n o depois, Freire legitima
a a f i r m a ç ã o de que o Cryptococcus é o agente etiológico da febre a m a r e l a
c o m estudos que, segundo ele, d e m o n s t r a m que este bacilo induz s i n t o -
m a s típicos da febre a m a r e l a n o porquinho-da-índia e n o coelho. Fiel aos
e n s i n a m e n t o s de Pasteur, Freire i m e d i a t a m e n t e se dispôs a fabricar u m a
vacina a partir de cepas atenuadas de seu bacilo. E m m a r ç o de 1 8 8 3 , ele
o b t é m do ministro do Império autorização para produzir e testar sua v a c i -
na c o n t r a a febre amarela. E m 1 8 8 4 e 1 8 8 5 , Freire presume ter vacinado
c o m sucesso a p r o x i m a d a m e n t e 3 . 0 0 0 pessoas, e afirma que análises esta-
1 2
tísticas c o n f i r m a r a m a validade da p r o t e ç ã o conferida p o r sua v a c i n a .
U m o u t r o bacteriologista l a t i n o - a m e r i c a n o , M a n u e l C a r m o n a y Valle, da
Escola de Medicina da Universidade do México, publica resultados que c o n -
f i r m a m os de Freire - de q u e m , inicialmente, era c o n c o r r e n t e n a corrida
13
pela descoberta do g e r m e da febre a m a r e l a . As pesquisas de Freire lhe
v a l e r a m u m a c e r t a notoriedade n o B r a s i l . E m 1 8 9 0 , ele o b t e v e , a s s i m ,
recursos financeiros do Ministério da J u s t i ç a e Negócios Interiores b r a s i -
leiro para abrir u m instituto dedicado à produção e à difusão de sua vacina
14
c o n t r a a febre a m a r e l a .

Fora do Brasil, os resultados de Freire f o r a m acolhidos c o m m u i t o


mais reserva. Os pesquisadores britânicos S u t t o n e Harrison p r o c l a m a r a m
que a a s s i m c h a m a d a "febre a m a r e l a " induzida pelo bacilo de Freire n o s
porquinhos-da-índia e nos coelhos era u m a reação tóxica não-específica a
15
u m a injeção m a c i ç a de b a c t é r i a s . O pasteuriano Félix le Dantec criticou
s e v e r a m e n t e as técnicas de i s o l a m e n t o e de c u l t u r a de m i c r ó b i o s utiliza-
das por Freire. Ele confessou, além disso, o fracasso de suas próprias t e n -
t a t i v a s feitas d u r a n t e a epidemia de febre a m a r e l a e m Caiena e m 1 8 8 4 -
16
8 5 , c o m vistas a isolar as bactérias do sangue dos d o e n t e s . A crítica às
técnicas laboratoriais de Freire - métodos de isolamento de bactérias - foi
d e v a s t a d o r a , pois a d e m o n s t r a ç ã o do papel de u m m i c r o r g a n i s m o n a
i n d u ç ã o de u m a doença dependia, e x c l u s i v a m e n t e , da qualidade técnica
17
dos m é t o d o s nela e m p r e g a d o s . Freqüentemente, os especialistas da n o v a
ciência b a c t e r i o l ó g i c a s u b l i n h a r a m a i m p o r t â n c i a decisiva de técnicas de
laboratório apropriadas, especialmente dos métodos de coleta de a m o s t r a s
e de c u l t u r a das b a c t é r i a s , p a r a a o b t e n ç ã o de resultados confiáveis. As
bactérias, segundo eles, "estão por toda parte" - donde o risco permanente
de c o n t a m i n a ç ã o acidental das culturas por bactérias que nada t ê m a ver
c o m a doença estudada. Esse risco é ainda mais agravado quando se cole-
t a m a m o s t r a s de u m cadáver. É n e c e s s á r i a u m a t é c n i c a e x t r e m a m e n t e
r i g o r o s a p a r a isolar o m i c r o r g a n i s m o responsável por u m a determinada
doença. N o s a n o s 1 8 9 0 , j o v e n s médicos brasileiros, m a i s familiarizados
c o m a s técnicas bacteriológicas e ao m e s m o t e m p o o p o s t o s aos métodos
de investigação científica de Freire e ao seu estilo mandarínico e m medici-
na, sublinharam a precariedade m e t o d o l ó g i c a de s u a s pesquisas,
n o t a d a m e n t e sua capacidade de preparar c u l t u r a s puras de bactérias. E n -
tre esses j o v e n s contestatários, a l g u m a s das personalidades m a r c a n t e s do
d e s e n v o l v i m e n t o da bacteriologia n o Brasil n a década seguinte: Eduardo
18
Chapôt-Prévost, Carlos Seild, Adolpho Lutz e Oswaldo C r u z .
A crítica do bacteriologista n o r t e - a m e r i c a n o George Sternberg t a m -
b é m se fundamentava n a precariedade das técnicas das pesquisas de Freire.
E m 1 8 8 7 , S t e r n b e r g foi i n c u m b i d o pelo g o v e r n o dos Estados Unidos de
conduzir u m a enquete sobre as descobertas de Freire e de C a r m o n a y Valle,
detendo-se n o s aspectos técnicos de seus t r a b a l h o s . U m a c a r t a do presi-
dente Cleveland, de 2 9 de abril de 1 8 8 7 , pede-lhe que v á ao Rio de Janeiro
e à cidade do M é x i c o p a r a estudar os m é t o d o s de c u l t u r a dos m i c r ó b i o s
descritos p o r Freire e C a r m o n a y Valle, os detalhes de seus m é t o d o s de
atenuação das bactérias e de preparação de u m a vacina antiamarílica, e os
19
resultados da v a c i n a ç ã o . Após u m a missão n o Rio e n a cidade do México
c o n d u z i d a e m 1 8 8 7 , seguida das i n v e s t i g a ç õ e s realizadas e m 1888-89
durante as epidemias de febre amarela na Flórida e em Havana, Sternberg
chega à c o n c l u s ã o de que o g e r m e da febre amarela permanece desconhe-
cido. Todos os seus esforços para isolar esse germe do sangue o u das secre¬
ções dos doentes f r a c a s s a r a m , e n e n h u m método de c o l o r a ç ã o conseguiu
revelar a presença de u m germe específico nos tecidos dos doentes m o r t o s
por essa patologia. Sternberg f o r m u l o u tal conclusão m u i t o a contragosto,
firmemente convencido de que a doença era induzida por u m "germe vivo,
capaz, e m condições favoráveis, de se multiplicar fora do o r g a n i s m o , e de
20
provocar n o v o s centros de i n f e c ç ã o " .
Sternberg considerou o fracasso de suas próprias tentativas de isolar
o "germe da febre a m a r e l a " c o m o prova suficiente de que o sucesso das
demais não poderia passar de ilusão. Afirmava que os trabalhos de Freire e de
C a r m o n a y Valle n ã o t i n h a m n e n h u m interesse científico, acrescentando:

Minha conclusão de que as afirmações de Freire são totalmente des-


providas de valor pode lhes parecer quase inacreditável, dados a exten-
são das pesquisas conduzidas pelo Dr. Freire n u m a localidade onde a
febre amarela é endêmica e o fato de que as estatísticas muito favoráveis
que ele publicou depõem a favor de seu método de inoculação. Mas
devo absolutamente lembrar-lhes que o desenvolvimento propriamen-
te espantoso de nossos conhecimentos sobre os microrganismos
patogênicos durante a última década foi acompanhado de vários anúnci-
os de pseudodescobertas nesta área. Uma lamentável confusão decorre
das publicações prematuras dos resultados experimentais produzidos
por pesquisadores entusiastas que não estão absolutamente familiari-
zados com os métodos da ciência moderna ou com as técnicas rigoro-
21
sas, as únicas que permitem evitar pseudodescobertas desse tipo.

Ele explica, portanto, c o m o auxílio de exemplos variados, que as técnicas


bacteriológicas de Freire f o r a m mais do que duvidosas, e suas medidas de
esterilização p r a t i c a m e n t e inexistentes, e t a m b é m põe e m dúvida a c a p a -
cidade de observação de Freire, que, segundo ele, " t o m o u glóbulos v e r m e -
lhos deformados, corpos lipóides originários do fígado e resíduos de c é l u -
22
las por m i c r o r g a n i s m o s " . S t e r n b e r g a c r e s c e n t o u que Freire d o t a r a seu
Cryptococcus de faculdades b a s t a n t e e s t r a n h a s , c o m o a possibilidade de
sobreviver à extração a éter o u de secretar pigmentos negros que tingem as
secreções dos doentes (outros especialistas explicaram que o " v ô m i t o - n e ¬
g r o " era resultado de hemorragias gástricas). Enfim, Sternberg considerou
os resultados de v a c i n a ç ã o fornecidos por Freire desprovidos de q u a l q u e r
23
valor estatístico.
Em seu relatório de 1 8 9 0 , Sternberg passa em revista toda u m a série
de t r a b a l h o s que p r o c u r a m identificar o agente c a u s a l da febre a m a r e l a .
Ele rejeita todas as bactérias propostas, m a s s u a atitude é m e n o s severa,
pois tais micróbios h a v i a m sido apresentados de maneira m e n o s afirmati-
v a do q u e o Cryptococcus de Freire. A s s i m , q u a n d o S t e r n b e r g invalida o
" t e t r a c o c o " p r o p o s t o pelo médico c u b a n o Carlos Finlay, ele apresenta os
t r a b a l h o s de "seu a m i g o " c o m o u m erro compreensível, e se apressa e m
acrescentar que Finlay emitiu dúvidas sobre o elo causal entre seu m i c r ó -
24
bio e a febre a m a r e l a . Ele m e s m o , acrescenta, cometeu certa vez u m erro
parecido, acreditando ter visto n o bacilo alfa que acabara de isolar o a g e n -
te da febre a m a r e l a ; a s u p o s i ç ã o n ã o r e s i s t i u a u m a i n v e s t i g a ç ã o m a i s
profunda. Declara, além disso, haver isolado recentemente u m o u t r o bacilo
dos casos de febre a m a r e l a observados em Havana. A l g u m a s característi-
cas desse "bacilo X " , rapidamente abandonado por Sternberg, correspondem
às de u m hipotético germe da febre amarela, m a s a prova está longe de ser
estabelecida e a prudência se i m p õ e . O r e l a t ó r i o de S t e r n b e r g serviu de
lição aos "aprendizes de bacteriologistas": ele sublinha a i m p o r t â n c i a da
adesão rigorosa às técnicas laboratoriais reconhecidas c o m o corretas pelos
especialistas e c o n v i d a à m o d é s t i a , e m v i g o r n a c o m u n i d a d e científica.
Freire, ao c o n t r á r i o de Finlay, n ã o merecia perdão, pois pecara a o m e s m o
t e m p o por incompetência e por arrogância.
A p ó s o relativo descrédito lançado sobre os t r a b a l h o s de Freire, de
Lacerda e de C a r m o n a y Valle, o u t r o s pesquisadores se l a n ç a r a m à b u s c a
do "germe da febre a m a r e l a " . E m 1 8 9 7 , duas publicações p r o c l a m a m si-
m u l t a n e a m e n t e a descoberta de tal germe. U m a , feita por u m médico do
Rio de J a n e i r o , W o l f Havelburg, supõe que o m i c r ó b i o da febre a m a r e l a
seja u m a bactéria que vive n o t u b o digestivo. Ele explica que isolou essa
bactéria do conteúdo do estômago dos doentes de febre amarela falecidos e
do " v ô m i t o - n e g r o " de tais doentes. Havelburg a f i r m a v a que, injetando o
conteúdo do e s t ô m a g o de u m doente sob a pele de u m porquinho-da-índia,
ele introduzira 2 1 vezes u m a doença experimental n o a n i m a l inoculado.
Dois porquinhos-da-índia, injetados c o m o conteúdo do estômago dos do-
entes falecidos por o u t r a s afecções que n ã o a febre amarela, c o n t i n u a r a m
25
vivos. Havelburg havia tentado, por sugestão de Émile R o u x , verificar se
o sangue dos doentes (que n ã o c o n t é m bactérias) c o n t i n h a u m a s u b s t â n -
cia tóxica. V i u que, injetando-se u m a quantidade m u i t o grande do sangue
3
dos doentes nos porquinhos-da-índia (35 c m por cobaia), obtinha-se u m a
doença febril ocasionalmente m o r t a l nos animais injetados. O micróbio da
febre a m a r e l a secretaria t o x i n a s . As características m o r f o l ó g i c a s do m i -
cróbio de Havelburg são semelhantes às das bactérias intestinais; por esta
razão, ele reconhece ter se preocupado por m u i t o tempo em diferenciar seu
b a c i l o daquele m a i s f r e q ü e n t e n a flora i n t e s t i n a l , o Bacillus coli (hoje,
Escherichia coli). Os dois m i c r o r g a n i s m o s diferem, n o entanto, pela c o r e
pela forma das colônias, e sobretudo por sua virulência; a que se atribui ao
s u p o s t o "germe da febre a m a r e l a " está m a i s p r ó x i m a do bacilo da febre
tifóide, doença igualmente introduzida por u m bacilo intestinal. Tal s e m e -
lhança reforça, segundo Havelburg, os a r g u m e n t o s em favor de seu bacilo,
pois a s m a n i f e s t a ç õ e s da febre a m a r e l a se a s s e m e l h a m às m a n i f e s t a ç õ e s
26
das doenças produzidas por bactérias i n t e s t i n a i s .
O m i c r ó b i o (sem n o m e ) de Havelburg desapareceu rapidamente das
publicações especializadas. O o u t r o candidato a o título de "bacilo da febre
a m a r e l a " teve u m a carreira m a i s longa e m a i s m o v i m e n t a d a , pois só foi
descartado q u a n d o se r a t i f i c a r a m as conclusões dos t r a b a l h o s de W a l t e r
Reed e seus c o l e g a s e m C u b a ( 1 8 9 9 - 1 9 0 1 ) . O n ú m e r o dos Annales de
l'Institut Pasteur n o qual Havelburg publicou seus t r a b a l h o s trazia t a m -
b é m o artigo do bacteriologista Giuseppe Sanarelli sobre o m e s m o a s s u n -
to. Dois o u t r o s artigos se seguiram, fornecendo descrições detalhadas das
características morfológicas e fisiológicas do suposto germe da febre a m a -
27
rela, c h a m a d o p o r Sanarelli de Bacillus icteroides. No m o m e n t o de s u a
primeira publicação sobre o germe da febre amarela, Sanarelli o c u p a v a o
c a r g o de diretor do Instituto de Higiene Experimental da Universidade de
Montevidéu. Ao contrário de outros descobridores do "bacilo da febre a m a -
rela" n a A m é r i c a Latina, Sanarelli beneficiou-se de u m ensino sistemático
da bacteriologia e m laboratórios de ponta franceses e alemães. S u a s publi-
cações são isentas de a f i r m a ç õ e s imprecisas e de descrições t é c n i c a s v a -
gas, e atestam u m nível de profissionalismo perfeitamente compatível c o m
os trabalhos de bacteriologistas renomados. Além disso, em 1 8 9 7 Sanarelli
j á publicara u m certo n ú m e r o de trabalhos científicos e conquistara a r e -
28
putação de ser u m experimentador c o n f i á v e l .
Sanarelli fez a maioria de suas observações n o Hospital São Sebastião,
n o Rio de Janeiro, onde colaborou c o m o diretor Carlos Seidl. Em 1 8 9 8 , ele
desenvolveu u m soro c o n t r a o Bacillus icteroides, que e m seguida experi-
29
m e n t o u n o Rio de Janeiro, e depois n o estado de São P a u l o . Estas últimas
experiências f o r a m realizadas e m c o l a b o r a ç ã o c o m Adolpho Lutz, diretor
30
do Instituto Bacteriológico de S ã o P a u l o . U m a c o m i s s ã o médica do esta-
do de S ã o Paulo t e n t o u verificar os resultados de Sanarelli por ocasião de
u m a epidemia de febre a m a r e l a na cidade de S ã o Carlos do Pinhal. Seus
m e m b r o s a f i r m a r a m ter conseguido isolar o Bacillus icteroides dos c a s o s
típicos de febre amarela; em compensação, a c h a r a m os resultados do t r a -
t a m e n t o c o m o s o r o a n t i a m a r í l i c o desenvolvido por Sanarelli difíceis de
31
avaliar. Lutz e seus colaboradores n ã o f o r a m o s únicos a c o n f i r m a r os
t r a b a l h o s de Sanarelli; J o ã o B a p t i s t a Lacerda havia, c o m efeito, a b a n d o -
n a d o seu "fungo p o l i m o r f o " p a r a se a l i n h a r c o m as idéias de Sanarelli.
Entre 1 8 9 7 e 1 8 9 9 , o Bacillus icteroides foi isolado dos casos de febre a m a -
rela n a Argentina, n o México, em Nova Orleans e pelos m e m b r o s da c o -
m i s s ã o da M a r i n h a a m e r i c a n a enviados a C u b a p a r a estudar a epidemia
que dizimou as tropas estacionadas na ilha (Cuba foi ocupada pelo Exérci-
to n o r t e - a m e r i c a n o na guerra entre os Estados Unidos e a Espanha).
Os q u e s t i o n a m e n t o s sobre a validade p r á t i c a do s o r o preventivo e
curativo de Sanarelli não puseram em dúvida a identificação de seu m i c r ó -
bio c o m o agente c a u s a l da febre amarela. Depois do breve período de oti¬
m i s m o que se seguiu à produção do soro antidiftérico, os bacteriologistas
se d e r a m c o n t a de que a identificação do m i c r ó b i o responsável por u m a
determinada doença n ã o era forçosamente seguida do desenvolvimento de
u m soro curativo eficaz. O apoio b e m mais a m p l o ao Bacillus icteroides do
que a o u t r o s candidatos a o papel de " g e r m e da febre a m a r e l a " pode se
explicar pela c o n f i a n ç a inicial dos bacteriologistas n a s capacidades t é c n i -
c a s de S a n a r e l l i , p e l a d e s c r i ç ã o c l a r a e e f i c i e n t e das c a r a c t e r í s t i c a s
m o r f o l ó g i c a s e fisiológicas deste m i c r ó b i o , pelas explicações convincentes
sobre a l i g a ç ã o entre estas c a r a c t e r í s t i c a s - tais c o m o a tendência a se
desenvolver nos lugares quentes e úmidos e a ser estimulada pela p r o x i m i -
dade de b o l o r - e certas características epidemiológicas da febre amarela;
enfim, e provavelmente o que mais pesava, pelo fato de os resultados de
Sanarelli t e r e m sido confirmados por o u t r o s especialistas. A s s i m , os p r o -
fessores Azevedo Sodré e Couto da faculdade de medicina do Rio de J a n e i -
ro, autores de u m livro sobre a febre amarela publicado n o Brasil em 1 9 0 1 ,
a f i r m a r a m q u e a p r o v a de que o Bacillus icteroides é o agente c a u s a l da
febre a m a r e l a é tão perfeita q u a n t o u m a prova pode sê-lo em bacteriolo-
32
gia. Por volta de 1 8 9 9 , a ligação entre o bacilo descrito por Sanarelli e a
febre a m a r e l a parecia aceito c o m o u m fato científico b e m estabelecido.
Entretanto, alguns problemas persistiram. Um deles foi a
epidemiologia atípica da febre amarela, j á sublinhada por Méliès e B u c h a n a n
nos anos 1 8 6 0 . As pessoas próximas a u m doente muitas vezes escaparam
ao contágio, ao passo o u t r a s sem qualquer c o n t a t o conhecido c o m os indi-
víduos infectados, seu meio o u objetos a ele pertencentes desenvolveram a
doença. Esse q u a d r o epidemiológico a f i n a v a - s e m a l c o m a s u p o s i ç ã o de
que a febre a m a r e l a era t r a n s m i t i d a por u m bacilo que prefere viver em
lugares quentes e úmidos. Por o u t r o lado, apesar de vários bacteriologistas
haverem confirmado os resultados de Sanarelli, alguns deles insistiram n o
m a l o g r o repetido de sua tentativa de isolar u m m i c r o r g a n i s m o do sangue
o u das secreções dos doentes. Trata-se especialmente do pasteuriano Félix
33
le Dantec e do médico norte-americano Frederick N o v y . George Sternberg
t a m b é m t i n h a dúvidas sobre o bacilo de Sanarelli. Ele n ã o estava c o n v e n -
cido pela confirmação dos resultados feita pela comissão da M a r i n h a a m e -
ricana, por isso enviou seu colaborador Aristides A g r a m o n t e (médico c u -
b a n o formado n o s Estados Unidos) a Cuba para realizar u m a enquete in-
dependente. A g r a m o n t e chegou à conclusão de que, se forem mantidas as
regras de esterilidade rígidas n o m o m e n t o da coleta das a m o s t r a s de doen-
tes de febre amarela, só m u i t o raramente se encontra o bacilo de Sanarelli.
E m c o m p e n s a ç ã o , pode-se e n c o n t r a r o bacilo e m doentes que sofrem de
outras afecções que não a febre amarela; sua presença nos casos de febre é,
portanto, provavelmente u m a c o n t a m i n a ç ã o secundária. Além disso, dois
outros colaboradores de Sternberg, Walter Reed e J a m e s Carroll, estimaram
em 1 9 0 0 que o Bacillus icteroides não era de modo algum u m microrganismo
recentemente descrito, m a s u m a bactéria j á conhecida: o agente infeccioso
34
do cólera dos porcos (Bacillus cholera suis).
Sanarelli reagiu violentamente às alegações de seus detratores. N u m a
série de artigos virulentos, a t a c o u Reed, A g r a m o n t e e Carroll, a c u s a n d o -
o s , por s u a vez, de i g n o r â n c i a e de i n c o m p e t ê n c i a t é c n i c a . A p o l ê m i c a
entre os defensores e os críticos viperinos de Sanarelli centrou-se no g r a u
de p r o f i s s i o n a l i s m o atribuído a u n s e a o u t r o s e na n a t u r e z a da prova
etiológica em bacteriologia. Em 1 9 0 0 , o crédito concedido à proposição de
que determinado germe é o "bacilo da febre amarela" dependia principal-
mente do g r a u de confiança que se tinha nos conhecimentos profissionais
do pesquisador que estivesse na origem de sua descrição, de sua destreza
m a n u a l , de suas capacidades técnicas e do rigor intelectual de seus traba-
35
lhos. U m a n o depois, o debate científico sobre a febre amarela se deslo-
c o u para u m terreno c o m p l e t a m e n t e diferente. A q u e s t ã o central n ã o é
mais o isolamento do agente infeccioso da doença, m a s a descrição de seu
modo de transmissão. U m novo ator passa a ocupar o centro do palco: o
m o s q u i t o Stegomyia fasciata (Aedes aegypti), identificado c o m o o único vetor
36
intermediário da febre a m a r e l a .

A Comissão do Exército Americano em Cuba: da etiologia


à epidemiologia da febre amarela

A Comissão Reed foi estudada por muitos autores. A História da Febre


Amarela de François Delaporte sublinha os problemas cognitivos colocados
pela passagem do conceito de transmissão direta das doenças à existência de
hospedeiros intermediários das doenças tropicais, ao passo que os autores
de língua inglesa se debruçaram mais sobre as questões políticas, lembran-
do que as investigações da Comissão Reed se desenrolaram no contexto tra-
dicional da medicina colonial - a ocupação de Cuba pelo Exército americano.
Os historiadores norte-americanos se interessaram pelas questões do c a m -
po da história social, tais c o m o o problema das experiências em seres h u m a -
nos suscitado pelos trabalhos da comissão do Exército americano, ou o pa-
pel que o "mito Reed" (glorificação do heroísmo e do sacrifício de si, de-
monstração da necessidade de rigor científico nas investigações
epidemiológicas) desempenhou no desenvolvimento da i m a g e m pública da
37
ciência nos Estados U n i d o s . A história da Comissão Reed será, portanto,
apenas brevemente mencionada neste trabalho, e sua descrição se limitará
aos elementos que t e n h a m tido prolongamentos diretos n o Brasil, seja por-
que foram reproduzidos por pesquisadores brasileiros e por m e m b r o s da m i s -
são do Instituto Pasteur, seja porque inspiraram medidas de saúde pública.
A Comissão Reed (do n o m e de seu diretor, o m a j o r Walter Reed) foi
nomeada pelo Exército americano para estudar as causas da febre amarela
e encontrar meios de conter a epidemia que atingia duramente os soldados
norte-americanos em Cuba. Vários de seus m e m b r o s - Reed, A g r a m o n t e e
Carroll - h a v i a m sido alunos de Sternberg. Após terem contribuído para o
descrédito do Bacillus icteroides de Sanarelli, eles p r o c u r a r a m n o v a s a b o r -
dagens para o problema da febre amarela. É plausível pensar que h a v i a m
atentado para as teorias, então recentes, que a t r i b u í a m aos invertebrados
o papel de hospedeiros i n t e r m e d i á r i o s n a t r a n s m i s s ã o das d o e n ç a s das
regiões q u e n t e s . Isso é t a n t o m a i s provável n a medida e m q u e u m dos
m e m b r o s da C o m i s s ã o Reed, Jesse Lazear, havia estudado a m a l á r i a logo
antes de partir para Cuba, e em que ele foi (com W o o l e y e T h a y e r ) u m dos
p r i m e i r o s p e s q u i s a d o r e s n o r t e - a m e r i c a n o s a c o n f i r m a r as p e s q u i s a s do
britânico Ronald Ross e do italiano Grassi sobre o ciclo de vida do parasita
38
da malária, o Plasmodium falciparum, n o interior do m o s q u i t o . As pesqui-
sas sobre i m p a l u d i s m o i n o v a r a m duplamente: elas c o n f i r m a r a m o papel
m a i o r dos invertebrados na t r a n s m i s s ã o das doenças das z o n a s tropicais
(demonstrado pela primeira vez por Patrick M a s o n em seus trabalhos sobre
a filariose de 1 8 7 9 ) e introduziram a noção de "hospedeiro intermediário",
que n ã o é o veículo passivo de t r a n s m i s s ã o dos agentes da doença, m a s
constitui u m a etapa indispensável n o ciclo de vida desse agente. Provavel-
mente, n ã o será exagero dizer que e m 1 9 0 0 os pesquisadores a t i v a m e n t e
engajados no estudo das doenças tropicais estavam em sua maioria abertos
à possibilidade de que u m a doença desse tipo tivesse u m hospedeiro inter-
mediário. A l é m disso, a teoria da existência de hospedeiros intermediários
permitiu reconciliar duas abordagens diferentes do estudo das doenças t r o -
picais: u m a baseada e m pesquisas de l a b o r a t ó r i o "clássicas", que reserva
u m l u g a r central à descoberta, seguida da d o m e s t i c a ç ã o dos agentes das
doenças infecciosas, e o u t r a mais "ecológica", interessada n o s climas, n o s
lugares e nos meios naturais. A descrição do papel dos vetores intermediá-
rios facilitou a j u n ç ã o dos dois: os agentes puderam ser estudados nas condi-
ções artificiais de u m laboratório e os vetores, em seu meio natural. O par
a g e n t e + v e t o r f a c i l i t o u u m a a r t i c u l a ç ã o eficaz entre o l a b o r a t ó r i o e o
c a m p o , e, conseqüentemente, a u m e n t o u entre os cientistas, os médicos e
os administradores da saúde pública o g o s t o pela medicina tropical.
A c o n f i r m a ç ã o do papel do m o s q u i t o n a t r a n s m i s s ã o da febre a m a -
rela se fez n u m m o m e n t o em que era crescente o interesse pelo papel de-
s e m p e n h a d o por este inseto n a t r a n s m i s s ã o da m a l á r i a , m a s a primeira
descrição de tal papel precede as pesquisas sobre esta doença (realizadas
n o s a n o s 1 8 9 0 , e que c u l m i n a r a m n o s ú l t i m o s a n o s do século X I X ) . A
partir de 1 8 8 1 , o médico c u b a n o Carlos Finlay associa de f o r m a explícita
o s u r g i m e n t o da febre amarela à presença do m o s q u i t o Aedes aegypti (em
seus escritos, Stegomyia fasciens). O a r g u m e n t o de Finlay é fundamentado
em o b s e r v a ç õ e s epidemiológicas: os dados s o b r e a p r o p a g a ç ã o da febre
amarela n ã o correspondiam nem a u m a c o n t a m i n a ç ã o por c o n t a t o n e m à
difusão dos germes n o ar, enquanto que a distribuição desta doença c o i n -
cide g e o g r a f i c a m e n t e e no t e m p o c o m a da atividade sazonal das fêmeas
Aedes aegypti. Ele estimou, portanto, que o m o s q u i t o estava implicado na
t r a n s m i s s ã o do hipotético agente da febre a m a r e l a que, explicava,

é uma substância material e transportável: pode ser u m vírus amorfo,


u m germe animal ou vegetal, uma bactéria etc., mas de todo modo
trata-se de u m a entidade tangível que deve ser transmitida dos doentes
39
aos indivíduos sãos para que a doença possa ser propagada.

François Delaporte, analisando a c o n s t r u ç ã o do a r g u m e n t o de Finlay,


c h e g o u à c o n c l u s ã o de que este, apesar de n ã o m e n c i o n á - l o e m seu pri-
meiro artigo, foi, provavelmente, influenciado pelas pesquisas de M a n s o n
sobre o papel dos insetos na t r a n s m i s s ã o da filariose, publicadas u m a n o
antes (hipótese a l t a m e n t e plausível, v i s t o que Finlay falava inglês fluen-
temente, tinha à sua disposição a revista Lancet em que M a s o n publicou
seu a r t i g o e cita a b u n d a n t e m e n t e o u t r o s t r a b a l h o s de M a n s o n e m suas
publicações). Finlay c o m u n i c o u s u a hipótese à Conferência S a n i t á r i a I n -
t e r n a c i o n a l de W a s h i n g t o n em fevereiro de 1 8 8 1 . Os delegados n ã o fize-
r a m objeções a sua c o m u n i c a ç ã o , m a s ela não teve desdobramentos. Entre
1881 e 1 9 0 0 , os repetidos esforços de Finlay de apresentar sua "hipótese
mosquito" em outros fóruns internacionais t a m b é m surtiram pouco efeito.
Ao longo dos anos 1 8 8 1 - 1 9 0 0 , Finlay se lança à procura do "germe
da febre amarela". U m a vez isolado, seu Miccrococcus tetragenus febris flavae
torna-se objeto de cerca de 2 0 artigos que descrevem sua morfologia, sua
fisiologia e seus efeitos nas c o b a i a s . Finlay p r o c u r o u t a m b é m fortalecer
seu a r g u m e n t o em favor do papel do m o s q u i t o n a t r a n s m i s s ã o da febre
amarela vacinando pessoas não-imunes (imigrantes recém-chegados a
Cuba) c o n t r a a febre amarela, expondo-os deliberadamente às picadas de
m o s q u i t o s que a l g u m a s horas o u a l g u n s dias antes h a v i a m sido a l i m e n -
tados c o m s a n g u e de u m doente. Ele a p o i o u suas tentativas de "vacina-
ção" na esperança de que u m a infecção controlada - u m a picada feita por
u m único m o s q u i t o previamente alimentado c o m o sangue de u m doente
a c o m e t i d o de u m a f o r m a b r a n d a da doença - induziria u m a doença de
gravidade restrita que poderia proteger os doentes de ataques mais severos
n o f u t u r o . F i n l a y b a s e o u s u a c r e n ç a n a s virtudes i m u n i z a n t e s de u m a
f o r m a leve da doença (que ele esperava obter c o m s u a "vacinação") e m
o b s e r v a ç õ e s epidemiológicas:

A imunidade dos adultos que sempre viveram em Havana foi atribu-


ída aos ataques leves da doença por eles sofridos na primeira infância.
Esses ataques não são, geralmente, reconhecidos como sendo febre ama-
rela. [...] Em suas formas mais moderadas, e mesmo em suas formas
severas que não têm sintomas típicos, muitas vezes é difícil distinguir a
40
febre amarela de outras doenças febris freqüentes.

Finlay viu o m o s q u i t o c o m o u m meio puramente mecânico de transferên-


cia do agente da doença de u m indivíduo a o u t r o (tal c o m o u m a seringa),
n ã o c o m o u m "vetor intermediário" deste agente, necessário para c o m p l e -
t a r o ciclo de vida de u m a g e n t e infeccioso. Considerou, p o r t a n t o , que
q u a n d o se quer t r a n s m i t i r artificialmente a doença, o t e m p o transcorrido
entre a picada de u m doente e a de u m indivíduo são deve ser curto. Finlay
a f i r m o u q u e s e u m é t o d o de " v a c i n a ç ã o " i n t r o d u z i u u m a leve "febre
i m u n i z a d o r a " e m u m q u i n t o das pessoas "vacinadas" (os o u t r o s quatro
quintos n ã o m o s t r a r a m qualquer reação).
Das 9 0 pessoas n ã o - i m u n e s que p a r t i c i p a r a m desses experimentos,
1 1 c o n t r a í r a m a febre a m a r e l a clínica m a i s tarde, e três m o r r e r a m da
doença, resultado considerado "encorajador" por Finlay, pois ele n ã o tinha
n e n h u m meio de verificar se as pessoas que n ã o m o s t r a r a m sinais clínicos
41
de febre h a v i a m sido i m u n i z a d a s .
Os m e m b r o s da C o m i s s ã o Reed f i z e r a m c o n t a t o c o m Finlay, que
lhes e x p ô s s u a s t e o r i a s e lhes e n v i o u o v o s e l a r v a s de m o s q u i t o Aedes
42
aegypti. Os pesquisadores n o r t e - a m e r i c a n o s t a m b é m t i v e r a m ocasião de
ser influenciados pelo e n c o n t r o c o m dois médicos da Escola de Medicina
Tropical de Liverpool, os doutores D u r h a m e M y e r s , em visita a Cuba. E m
1 9 0 0 , os pesquisadores p u b l i c a r a m u m a r t i g o (escrito a n t e s do c o m e ç o
das experiências e m seres h u m a n o s realizadas pela C o m i s s ã o Reed) q u e
sustenta fortemente a "hipótese m o s q u i t o " c o m base na análise de dados
epidemiológicos recentes e, em particular, n a s observações do Dr. H e n r y
43
Carter, do Exército a m e r i c a n o . Carter conduziu em 1 8 9 8 meticulosas in-
vestigações da epidemiologia da febre amarela em duas pequenas localida-
des do estado do Mississipi, Taylor e O r w o o d . Observou que havia t r a n s -
corrido u m intervalo de duas a três semanas entre o s u r g i m e n t o dos pri-
meiros casos "índices" da febre amarela em u m a localidade e o surgimento
de casos adicionais. Esse intervalo ultrapassava de longe o prazo de incuba¬
44
ção da febre amarela, estimado entre u m e sete d i a s . A existência de u m
lapso de tempo separando os "casos índices" de u m a irrupção mais impor-
tante levava a crer que o agente da doença devia passar por u m estágio de
desenvolvimento n o interior de u m hospedeiro intermediário invertebrado.
Além disso, a dificuldade de demonstrar a propagação da doença pelo c o n t a -
to direto, associada à existência de "casas infecciosas", e a observação, feita
por viajantes estrangeiros nos trópicos, de que estar n u m a zona epidêmica
n ã o é perigoso durante o dia, convergem para a hipótese da transmissão por
45
u m inseto ativo de dia e à noite. D u r h a m e Myers não conduziram pesso-
almente as pesquisas sobre a transmissão da febre amarela; em u m a obra
redigida em 1 9 0 1 , D u r h a m explica que eles reuniram todas as informações
sobre o assunto falando c o m Finlay e c o m os m e m b r o s da Comissão Reed.
Entretanto, seus argumentos contribuíram para a decisão de Reed e de seus
46
colegas de fazerem a verificação experimental de tal hipótese.
O principal elemento do sistema de verificação da "hipótese m o s q u i -
t o " c o n c e b i d o pelos m e m b r o s da c o m i s s ã o do E x é r c i t o a m e r i c a n o foi a
c r i a ç ã o de c o n d i ç õ e s c o n t r o l a d a s p a r a se t e s t a r a t r a n s m i s s ã o da febre
amarela em c a m p o . Na falta de modelo animal, sua t r a n s m i s s ã o só podia
ser testada n o h o m e m . O grande problema - u m a vez que os obstáculos de
n a t u r e z a técnica e ética p u d e r a m ser resolvidos c o m o r e c r u t a m e n t o de
v o l u n t á r i o s - foi a m a n u t e n ç ã o destes voluntários em u m ambiente c o n -
trolado, condição sine qua non de u m a prova científica rigorosa. C o m o a
febre amarela era endêmica em Cuba, ele era necessário para se provar que
u m a pessoa que houvesse manifestado os s i n t o m a s da febre a m a r e l a n ã o
havia sido infectada fora de qualquer m a n i p u l a ç ã o experimental. Tal c o n -
trole das condições naturais - a t r a n s f o r m a ç ã o do "campo" em "laborató-
rio" - foi visto, mais tarde, c o m o a inovação mais importante da C o m i s -
são Reed e c o m o o fator que t o r n o u seus resultados credíveis. Esse controle
das condições de experimentação faltou aos trabalhos de Finlay. O general
W. C. Gorgas, responsável pela c a m p a n h a sanitária que livrou Havana da
febre amarela, relatou, assim, que "o doutor Finlay faz n u m e r o s a s experi-
ências c o m o m o s q u i t o , m a s os resultados que obteve n ã o p u d e r a m ser
47
aceitos em parte a l g u m a c o m o prova de suas a f i r m a ç õ e s " . Os franceses
Chantemesse e Borel a v a n ç a r a m u m a r g u m e n t o parecido:

Ε a Carlos Finlay que cabe a honra de ter emitido pela primeira vez, em
1 8 8 1 , a hipótese segundo a qual o mosquito era o agente propagador
da febre amarela. Infelizmente, esse cientista, apesar de haver pressenti-
do a verdade, não conseguiu fornecer sua demonstração por meio de
48
suas experiências.
As palavras-chave figuram nesta citação: "fornecer a demonstração" e "por
meio de suas experiências". O m e s m o argumento - ausência de cientificidade
- foi utilizado por Carroll, em 1 9 0 3 , para negar a importância da contribui-
49
ção de Finlay à elucidação da transmissão da febre a m a r e l a .
Após a publicação dos resultados da C o m i s s ã o Reed, Finlay se deu
conta de que suas pesquisas sobre "o bacilo da febre amarela" e suas ten-
tativas de inoculação desta doença haviam se tornado m u i t o criticáveis à
luz dos novos desenvolvimentos. Em 1 9 0 2 , ele tentou defender a lógica de
seus procedimentos opondo as abordagens dos pesquisadores fundamen-
tais e dos clínicos, s u b l i n h a n d o seus objetivos divergentes, e declarando
estar preocupado a c i m a de tudo c o m as c o n s e q ü ê n c i a s práticas de seus
trabalhos:

Sobre este assunto, o ponto de vista de um cientista é muito diferente


daquele do especialista em saúde pública ( s a n i t a r i a n ) . A ciência é insaciá-
vel, e irá muito longe para tentar eliminar uma dúvida que parece
persistir em sua área. O especialista em saúde pública, pelo contrário, se
satisfaz com o cumprimento de seu objetivo principal: a proteção da
vida e da saúde humana. [...] Sabemos tão pouco sobre a vacina
antivariólica: não sabemos nem mesmo que germe ela contém, c qual é
a relação entre esse germe utilizado e o da varíola. No entanto, o especialista
em saúde pública está completamente satisfeito com a certeza de que
esse germe protege eficazmente contra a varíola e de que ele conseguiu
50
salvar milhões de v i d a s

Os m e m b r o s da C o m i s s ã o Reed, pelo c o n t r á r i o , l e g i t i m a r a m s u a
empreitada por seu rigor científico, não por sua utilidade. Assim, o general
Gorgas explica que essa investigação, tal c o m o foi concebida pelo Dr. Reed,
o responsável pela c o m i s s ã o ,

é a mais convincente por seu rigor matemático entre todas as pesqui¬


sas jamais feitas sobre temas médicos. Os resultados foram anunciados
na primavera de 1901, e foram, desde então, aceitos pelo conjunto da
1
comunidade científica/

Para obter condições controladas da experimentação em seres h u m a -


nos, os m e m b r o s da Comissão Reed conduziram todos os seus experimen-
tos n u m a c a m p a m e n t o situado na m o n t a n h a , n u m a zona naturalmente
protegida da febre a m a r e l a . Além disso, as pessoas foram r i g o r o s a m e n t e
protegidas dos insetos por mosquiteiros. Os voluntários que participaram
desses e x p e r i m e n t o s f o r a m em parte soldados e enfermeiros do Exército
a m e r i c a n o , e m parte r e c é m - i m i g r a d o s . Entre os v o l u n t á r i o s , dois m e m -
bros da Comissão Reed: o Dr. Carroll, que sobreviveu a u m ataque severo
de febre amarela experimental, e o Dr. Lazear, que, segundo a versão oficial
dos a m e r i c a n o s , recebeu u m a picada experimental de m o s q u i t o c o n t a m i -
nado sem desenvolver a doença, m a s morreu pouco depois em conseqüência
da febre amarela contraída na picada - esta acidental - de u m o u t r o m o s q u i t o
c o n t a m i n a d o . Todos os voluntários foram, segundo Reed, informados dos
objetivos do experimento e dos perigos a que estavam sujeitos.
Os v o l u n t á r i o s recrutados entre os imigrantes espanhóis a s s i n a r a m
u m a carta de consentimento (provavelmente o primeiro pedido de consen-
t i m e n t o a cobaias de u m experimento médico) que mencionava:

O abaixo-assinado entende perfeitamente que, se desenvolver febre


amarela, está colocando sua vida, em certa medida, em perigo, mas
como lhe é praticamente impossível evitar a infecção durante sua tem-
porada na Ilha, ele corre o risco de contrair a doença intencionalmente,
estando convencido de que receberá dos membros da Comissão os mais
atentos e competentes cuidados. Dois meses após o fim do experimento,
o abaixo-assinado receberá a soma de 1 0 0 $ US em ouro, e se ele contra-
ir febre amarela durante sua residência no acampamento, receberá 1 0 0
$ suplementares. Esta soma lhe será paga pessoalmente e, em caso de
morte, 2 0 0 $ serão pagos à pessoa por ele designada. O abaixo-assina-
do se compromete a não deixar o acampamento durante o período do
experimento, e renuncia a todos os benefícios enumerados neste contra-
52
to se não cumprir suas obrigações.

C o n v é m n o t a r que "os m a i s a t e n t o s e c o m p e t e n t e s cuidados" n ã o


eram de grande valia na ausência de meios terapêuticos capazes de modi-
ficar o desenrolar de u m a t a q u e de febre amarela. É possível que a frase
"como lhe é praticamente impossível evitar a infecção durante sua t e m p o -
rada na Ilha, ele corre o risco de contrair a doença intencionalmente" fosse
deliberadamente a m b í g u a : ela a f i r m a que os n ã o - i m u n e s não t ê m à s u a
disposição n e n h u m meio de evitar que c o n t r a i a m febre a m a r e l a - o que,
sem dúvida, era certo e m 1 9 0 0 - , m a s ao m e s m o tempo insinua que n e -
n h u m dos imigrados escapará da doença, o que diminui consideravelmen-
te a r e s p o n s a b i l i d a d e dos m é d i c o s q u e d e l i b e r a d a m e n t e lhes i n o c u l a m
patógenos letais, nada fazendo, assim, a l é m de acelerar u m processo ine¬
lutável. É difícil determinar ao certo qual era a c h a n c e de u m i m i g r a n t e
recém-chegado a Cuba contrair febre amarela, m a s pode-se supor que era
inferior a 1 0 0 % . Assim, entre os 9 0 imigrados "vacinados" por Finlay (por
u m método hoje visto c o m o desprovido de valor), 11 a c o n t r a í r a m m a i s
53
tarde, e três m o r r e r a m em conseqüência da d o e n ç a .
Segundo as fontes norte-americanas, a promessa de u m a recompen-
sa financeira importante facilitou o r e c r u t a m e n t o de voluntários. Por ou¬
tro lado, o j o r n a l c u b a n o La Discusión publicou u m vigoroso ataque contra
as experiências e m seres h u m a n o s realizadas pelos médicos a m e r i c a n o s ,
descrevendo-os c o m o "o caso mais m o n s t r u o s o de u m a selvageria ' h u m a -
54
nitária' j a m a i s vista". O relatório das pesquisas de Reed e seus colegas
feito pelo general Gorgas atribui u m a dimensão coercitiva às experiências
em seres h u m a n o s e m Cuba:

Eles (os membros da Comissão Reed) construíram uma estação expe-


rimental no campo, ali colocaram não-imunes sob controle militar para
assegurar que eles não deixariam o lugar, mantiveram-nos lá o tempo
suficiente para se assegurar de que não haviam contraído febre amarela
anteriormente, depois fizeram experimentos nesses não-imunes com o
mosquito indicado pelo Dr. Finlay como o responsável pela transmis-
55
são da febre amarela.

Segundo os relatórios da Comissão Reed, n ã o havia n e n h u m caso de febre


amarela letal entre os voluntários nos quais os médicos norte-americanos
induziram a febre amarela, m a s a ausência de mortalidade nessa série de
experimentos só pode ser atribuída à sorte: a febre amarela, experimental
o u não, é u m a doença m u i t o perigosa.
As experiências feitas por Reed e seus colaboradores c o n f i r m a r a m
que a febre amarela só é transmitida na natureza pela picada do m o s q u i t o
Aedes aegypti previamente infectado (em laboratório, a febre a m a r e l a pode
t a m b é m ser transmitida pela injeção direta do sangue de u m doente); que
a c o n v i v ê n c i a , m e s m o q u e p r o l o n g a d a , c o m o s doentes, n ã o a p r e s e n t a
perigo na ausência de m o s q u i t o s ; que a utilização de objetos que t e n h a m
pertencido ao doente (pratos, comida, roupas, t o a l h a s , a s s i m c o m o seus
dejetos e v ô m i t o s ) t a m b é m n ã o é perigosa q u a n d o o m o s q u i t o n ã o está
presente; que o doente só é capaz de infectar os m o s q u i t o s durante os três
primeiros dias da doença, enquanto que o m o s q u i t o só se t o r n a infeccioso
56
entre o décimo e o décimo segundo dia após o contato c o m o d o e n t e . Os
m e m b r o s da C o m i s s ã o Reed t e n t a r a m t a m b é m estabelecer a n a t u r e z a do
a g e n t e i n f e c c i o s o da febre a m a r e l a , e c h e g a r a m à c o n c l u s ã o de q u e se
tratava, provavelmente, de u m "vírus filtrável" - entidade infecciosa viva
capaz de atravessar os filtros de porcelana que detêm as bactérias c o m u n s ,
e que não pode ser cultivada em tubo de ensaio (na época, o t e r m o "vírus"
denotava unicamente a virulência de u m microrganismo; m u i t a s vezes ele
foi empregado de maneira intercambiável c o m o termo "micróbio patogênico").
Reed confessou, m a i s tarde, que a idéia segundo a qual o agente da
febre a m a r e l a podia ser u m "vírus filtrável" lhe havia sido sugerida por
William Welsh, da Universidade J o h n s Hopkins. Welsh havia, de fato, cha¬
m a d o a a t e n ç ã o de Reed p a r a o s t r a b a l h o s dos b a c t e r i o l o g i s t a s a l e m ã e s
Loeffler e Frosch sobre a febre aftosa dos bovinos. Esses pesquisadores o b -
servaram que u m filtrado de linfa de animais contaminados (que n ã o pode
m a i s c o n t e r bactérias) t a m b é m pode induzir s i n t o m a s da doença. Inicial-
mente, eles interpretaram essa observação c o m o u m a prova de que o agente
da febre aftosa secreta u m a t o x i n a responsável pelos s i n t o m a s mórbidos.
M a s as tentativas de diluição e de injeção de quantidades decrescentes n o s
animais produziram resultados no m í n i m o surpreendentes: os sintomas n ã o
f o r a m inversamente proporcionais às diluições injetadas; os bezerros que
h a v i a m recebido u m a p r e p a r a ç ã o diluída 4 0 vezes d e s e n v o l v e r a m uma
doença tão grave q u a n t o os que receberam preparações n ã o diluídas. Loeffler
e Frosch concluíram, portanto, que o líquido deve conter o r g a n i s m o s vivos
t ã o p e q u e n o s que sejam capazes de a t r a v e s s a r os p o r o s de u m filtro de
porcelana. Essa suposição foi confirmada pelo fato de que após seis passa-
g e n s em série p o r a n i m a i s , o filtrado g u a r d a i n t a c t a s u a capacidade de
induzir a doença, o que praticamente exclui a possibilidade de se tratar de
57
u m veneno, m e s m o que e x t r e m a m e n t e p o d e r o s o .
Os pesquisadores n o r t e - a m e r i c a n o s se i n s p i r a r a m n o s m é t o d o s de-
senvolvidos por Loeffler e Frosch para verificar se a febre amarela era b e m
transmitida por u m "vírus filtrado". Entretanto, é mais fácil fazer experi-
m e n t o s em bezerros do que em seres h u m a n o s , m e s m o c o m seu consenti-
m e n t o , especialmente quando se t r a t a de inocular u m a doença potencial-
m e n t e fatal. A s pesquisas de Reed e de seus colaboradores sobre esse a s -
sunto c o m e ç a r a m n a m e s m a época que as do médico c u b a n o Guiteras, o u
seja, em agosto de 1 9 0 1 . Guiteras tentou reproduzir os trabalhos dos pesqui-
sadores norte-americanos e desenvolver u m a vacina contra a febre a m a r e -
la; três dos sete primeiros v o l u n t á r i o s inoculados c o m o agente da febre
58
amarela faleceram. S u a s experiências f o r a m b r u s c a m e n t e interrompidas
5 9
após a m o r t e de u m a enfermeira européia, Clara M a a s . Nos comentários
de Guiteras sobre os casos fatais de febre amarela experimental, ele insiste
n o f a t o ( a l t a m e n t e plausível, dada a m o r t a l i d a d e m u i t a s vezes a l t a da
febre a m a r e l a ) de q u e a doença q u e ele induzira a r t i f i c i a l m e n t e era e m
todos os aspectos idêntica à febre amarela encontrada nas condições n a t u -
rais, e que não se tratava de u m a variante especialmente virulenta produ-
zida p o r condições artificiais:

Não há nada de anormal nas duas pequenas epidemias experimentais


produzidas em Havana pela Comissão do Exército americano e por
mim, salvo o fato de que foram provocadas sem restrições e foram
60
interrompidas com a última inoculação.
Os resultados do experimento conduzido por Guiteras, que, segundo
Reed, "foram relatados de m a n e i r a sensacional e deformadas e m u m dos
j o r n a i s de l í n g u a espanhola", r e d u z i r a m d r a s t i c a m e n t e as possibilidades
61
de r e c r u t a r v o l u n t á r i o s n ã o - i m u n e s entre os habitantes de H a v a n a . Os
pesquisadores n o r t e - a m e r i c a n o s c o n s e g u i r a m , f i n a l m e n t e , levar adiante
u m pequeno n ú m e r o de experiências suplementares. M o s t r a r a m que o s a n -
g u e dos doentes pode induzir a febre a m a r e l a ( u m c a s o ) , que o m e s m o
sangue, aquecido a 5 5 ° C durante dez m i n u t o s , n ã o induziu a doença (três
casos) e que u m sangue filtrado pode induzir a doença (dois casos positi-
vos e u m caso negativo). Para eliminar a eventualidade de que o ataque de
febre amarela tivesse sido produzido por u m a t o x i n a presente n o soro fil-
trado, os m e m b r o s da Comissão Reed t e n t a r a m t r a n s f o r m a r a doença em
série, o u seja, infectar u m novo voluntário c o m o sangue (filtrado) de u m a
pessoa adoecida pela injeção do soro filtrado. Esse procedimento foi t e n t a -
do apenas u m a vez, e os resultados se m o s t r a r a m de difícil interpretação;
c o m efeito, o voluntário em q u e m injetaram sangue de u m doente infectado
por soro filtrado permaneceu saudável durante nove dias. Foi então consi-
derado são e submetido a u m a n o v a injeção de sangue n ã o filtrado de u m
doente infectado por u m a picada de m o s q u i t o . Ele desenvolveu s i n t o m a s
de febre amarela 2 4 horas após a segunda infecção (em o u t r a s pessoas nas
quais se injetou sangue infectado, o período de incubação foi de dois a seis
dias). Reed e s t i m o u que era mais provável que se tratasse de u m a reação
retardada à primeira injeção do que de u m a reação precipitada à segunda
injeção. Ele i n t e r p r e t o u o c o n j u n t o desses resultados c o m o indicador de
que o agente da febre amarela é u m vírus filtrável. O pequeníssimo n ú m e -
r o de c a s o s n ã o p e r m i t i u , c o n t u d o , estabelecer c o n c l u s õ e s u n í v o c a s , e o
próprio Reed declarou que "as questões i m p o r t a n t e s suscitadas por essas
62
experiências só poderão ser resolvidas por observações u l t e r i o r e s " .

Os resultados dos t r a b a l h o s da C o m i s s ã o Reed tiveram u m a c o n s e -


qüência prática imediata: o estabelecimento de u m vasto p r o g r a m a de eli-
m i n a ç ã o dos m o s q u i t o s aegypti em H a v a n a . Os t r a b a l h o s de s a n e a m e n t o
conduzidos sob a égide do general W i l l i a m Gorgas i m p l i c a r a m u m nível
significativo de coerção dos m o r a d o r e s da cidade, obrigados a se adaptar
às diretivas do Exército a m e r i c a n o (a população local foi, e m sua grande
m a i o r i a , i m u n i z a d a c o n t r a a febre a m a r e l a : esta doença a m e a ç a v a antes
de t u d o a s t r o p a s n o r t e - a m e r i c a n a s e s t a c i o n a d a s n a cidade e os n o v o s
i m i g r a n t e s ) . A s c a m p a n h a s de s a n e a m e n t o p r e c e d e n t e s , r e a l i z a d a s e m
H a v a n a e m 1 8 9 9 e 1 9 0 0 , h a v i a m visado à m e l h o r a geral da limpeza da
cidade e reduzido a morbidade e a mortalidade gerais da população. Entre-
t a n t o , a mortalidade devida à febre a m a r e l a c o n t i n u a v a inalterada. Logo,
era u n i c a m e n t e à sua redução que as c a m p a n h a s sanitárias conduzidas
pelo Exército a m e r i c a n o v i s a v a m , presumindo-se que tais c a m p a n h a s a s -
61
s e g u r a v a m a p r o t e ç ã o dos cidadãos dos Estados U n i d o s . A eliminação
sistemática dos m o s q u i t o s e de suas larvas e o i s o l a m e n t o dos doentes,
introduzidos a partir de 1 9 0 1 , permitiram, c o m efeito, u m a rápida queda
do n ú m e r o de c a s o s de febre a m a r e l a em H a v a n a : 1 6 6 c a s o s fatais da
doença foram recenseados no inverno de 1 8 9 9 , 3 0 2 em 1 9 0 0 , 5 em 1 9 0 1 -
6 4
1 9 0 2 (após o início da c a m p a n h a de G o r g a s ) e n e n h u m em 1 9 0 2 . A
partir de 1 9 0 1 , fortes suspeitas se inclinavam, portanto, em favor da "hi-
pótese m o s q u i t o " . A despeito do sucesso das medidas sanitárias t o m a d a s
por Gorgas em Havana, e apesar da grande publicidade dada a tais medi-
das pelos americanos, tentativas de indução artificial da febre amarela no
h o m e m foram repetidas em 1 9 0 2 e 1 9 0 3 em três lugares: em Vera Cruz
(por médicos norte-americanos), em São Paulo (por pesquisadores brasilei-
ros) e no Rio de Janeiro (pela delegação do Instituto Pasteur). Essa repeti-
ção de experiências m u i t o perigosas (perigo difícil de ignorar após a publi-
cidade dada aos três c a s o s fatais do Dr. Guiteras) a t e s t a a i m p o r t â n c i a
dada à prova experimental do modo de transmissão de u m a doença infec-
ciosa. U m a prova desse tipo poderia ter sido considerada c o m o mais c o n -
vincente do que a prova baseada em considerações epidemiológicas, t a m a -
nho o sucesso prático da c a m p a n h a de Gorgas.
U m dos mais ardorosos defensores da "hipótese m o s q u i t o " ( c h a m a -
da na América Latina de "hipótese de Finlay") no Brasil foi o diretor do
Serviço S a n i t á r i o do Estado de São Paulo, Emílio Ribas. Em 1 8 9 8 , Ribas
conseguiu eliminar u m a epidemia de febre amarela na cidade de Campinas
c o m medidas s a n i t á r i a s " c l á s s i c a s " : limpeza da cidade e v i g i l â n c i a das
á g u a s . Ele tinha dificuldade em compreender por que medidas sanitárias
tão eficazes em Campinas não tiveram o m e s m o efeito em o u t r a s locali-
dades. A publicação dos primeiros resultados obtidos pela Comissão Reed
forneceu-lhe u m a explicação plausível: as operações sanitárias em C a m -
pinas incluíram (acidentalmente) a secagem dos principais pontos de pro-
liferação dos m o s q u i t o s . Em 1 9 0 1 , Ribas publicou u m relatório entusias-
m a d o sobre os t r a b a l h o s da c o m i s s ã o do Exército n o r t e - a m e r i c a n o . Ao
m e s m o t e m p o , Adolpho Lutz, diretor do Instituto Bacteriológico de S ã o
Paulo, a partir daquele m o m e n t o t a m b é m m u i t o interessado nos trabalhos
dos pesquisadores n o r t e - a m e r i c a n o s em Cuba, pede ao governador do es-
tado de S ã o Paulo, Rodrigues Alves, p e r m i s s ã o para repetir no Brasil os
experimentos em seres h u m a n o s da Comissão Reed. As experiências leva-
das adiante por Lutz e seus colaboradores c o m e ç a r a m em 1 9 0 2 no Hospi-
tal de I s o l a m e n t o (especializado em doenças infecciosas) em S ã o Paulo,
tendo c o m o objetivo "a utilização de u m método científico rigoroso a fim
de d e t e r m i n a r se a febre a m a r e l a é t r a n s m i t i d a por m o s q u i t o s " ou, em
outros termos, a confirmação dos resultados da Comissão Reed. As experi-
ências se limitaram a essa confirmação. Os pesquisadores brasileiros c o n -
seguiram induzir a febre amarela em três voluntários saudáveis e m o s t r a -
r a m , usando o u t r o s voluntários, que a doença não pode ser transmitida
pelo vestuário o u pela roupa de c a m a que tenha pertencido a u m doente.
Tais resultados foram interpretados c o m o a prova de que "a t r a n s m i s s ã o
da febre amarela pelos mosquitos é, a partir deste m o m e n t o , u m fato cien-
tífico bem estabelecido". Lutz insistiu no fato de que todos os participan-
tes dessas experiências (todos brasileiros) haviam sido voluntários devida-
mente informados sobre os riscos do experimento, e consentido "para fa-
zer a ciência avançar e ajudar a libertar o país do flagelo da febre a m a r e -
65
la". A verificação dos trabalhos da C o m i s s ã o Reed por pesquisadores de
São Paulo legitimou u m a grande c a m p a n h a de eliminação dos m o s q u i t o s
6 6
conduzida pelo Serviço Sanitário do Estado de São Paulo a partir de 1 9 0 3 .

A Missão do Instituto Pasteur no Rio de Janeiro, 1901-1905

Em 1 9 0 0 , u m a epidemia de febre amarela grassou no Senegal, atin-


gindo colonos e soldados. Em Dakar, 1 3 8 soldados e 3 3 oficiais e m e m b r o s
de suas famílias foram atingidos; 4 5 morrem das conseqüências da doença.
As autoridades sanitárias coloniais reagiram com a ajuda dos meios tradici-
onais de luta contra u m a epidemia: quarentenas, isolamento das localida-
des atingidas pela doença e imposição de u m cordão sanitário. Essas medi-
das impostas pelos franceses suscitaram a desconfiança das populações lo-
cais; houve incidentes, tais c o m o o rompimento, à força, dos cordões sani-
tários e ataques contra os soldados que os vigiavam. Os comerciantes fran-
ceses da colônia t a m b é m opuseram u m a certa resistência às medidas sani-
tárias que entravavam a liberdade de comércio e geravam u m prejuízo con-
siderável. Enviaram várias cartas ao governador da colônia, pedindo a sus-
67
pensão das quarentenas, que prejudicavam gravemente os negócios.
U m a c o m i s s ã o consultiva do governo francês foi, portanto, enviada
ao Senegal em fevereiro-março de 1 9 0 1 . Presidida pelo médico principal, o
Dr. Grall, entre seus m e m b r o s estava o pasteuriano Émile M a r c h o u x . A
comissão entrega seu relatório em abril de 1 9 0 1 . Este sublinha que a febre
amarela atingiu apenas os colonos brancos; os nativos pareciam dispor de
u m a "resistência r a c i a l " i n a t a c o n t r a a d o e n ç a . C o n s e q ü e n t e m e n t e , as
68
medidas a serem tomadas deviam visar à proteção dos europeus no Senegal.
A proteção dos c o l o n o s passou por medidas sanitárias clássicas, c o m o a
limpeza das cidades e o saneamento das águas e das moradias, m a s t a m -
bém pela imposição de restrição de m o v i m e n t o s aos nativos, suspeitos de
e s t a r e m implicados na d i s s e m i n a ç ã o da doença. C o m efeito, os médicos
franceses supuseram que os nativos podiam sofrer formas m u i t o a t e n u a -
das da febre amarela, e propagar o germe sem que estivessem verdadeira-
69
mente infectados. Na virada do século, u m a "resistência n a t u r a l " a o s
germes patógenos foi, muitas vezes, vista mais c o m o a qualidade inata de
u m grupo (por exemplo, presença permanente das enzimas que destroem
determinado m i c r o r g a n i s m o , ausência de "portas de entrada" para tal m i -
c r o r g a n i s m o ) do que c o m o u m traço adquirido ( f o r m a ç ã o de anticorpos
específicos após u m c o n t a t o prévio c o m o agente da doença). Essa "resis-
tência n a t u r a l " havia inicialmente sido proposta c o m o explicação para as
diferenças de sensibilidade das espécies animais aos micróbios patogênicos.
Nesse c o n t e x t o , a atribuição de u m a "resistência racial aos p a t ó g e n o s " a
populações nativas pressupõe a existência de u m a diferença biológica fun-
d a m e n t a l (que pode ser c o m p a r á v e l a u m a diferença de espécie) entre o
h o m e m branco e o h o m e m negro.
Em abril de 1 9 0 1 , quando a comissão francesa entrega seu relatório,
os resultados preliminares dos trabalhos da Comissão Reed já são conheci-
70
dos. Os cientistas franceses não m e n c i o n a r a m explicitamente a "hipóte-
se m o s q u i t o " , m a s há referências implícitas em seu relatório. A s s i m , o
c o n t á g i o foi associado, ao m e s m o tempo, aos m o v i m e n t o s das tropas e
dos a u t ó c t o n e s , aos objetos c o n t a m i n a d o s pelos doentes e à presença de
insetos capazes de picar os h o m e n s . A hipótese da t r a n s m i s s ã o da febre
a m a r e l a por insetos foi, aliás, relacionada c o m a da c o n t a m i n a ç ã o pela
roupa de c a m a e v e s t i m e n t a s usadas: de fato, o relatório estima que os
insetos podem ajudar a disseminar o agente do mal oculto nas roupas, no
mobiliário e nas r o u p a s de c a m a infectados. Os pesquisadores franceses
evocaram a existência de u m período de latência que pode separar o pri-
71
meiro caso de febre amarela do surgimento de casos adicionais. Observa-
r a m , além disso, que a doença se t r a n s m i t e q u a n d o da permanência em
lugares contaminados, m a s não no c o n t a t o direto c o m os doentes:

O contato passageiro com doentes, mesmo que diário, mesmo que


repetido com freqüência ao longo do dia, não é perigoso [...] Os locais
são tanto mais perigosos quanto sua limpeza deixe a desejar [...] Somos
levados a admitir, a título de explicação de reserva e de conclusão provi-
sória, que é preciso haver entre os dois casos um elo intermediário que
parece ser um ou outro dos parasitas que pululam nas casas. Esses
insetos atacam o homem e lhe inoculam o germe que, por sua vez,
pegaram do sangue do doente ou em seus dejetos. Em alguns casos
podem ser mosquitos; mais freqüentemente, podem ser u m a das tão
numerosas variedades de pulgas dos países tropicais. É preciso a todo
custo se proteger desse mundo daninho que o soldado americano define,
em uma palavra, como Vermes'. I...] Compreende-se, desse modo, que
o percurso da febre amarela se faça bastante lentamente, que ele possa
ser limitado, que a limpeza, o conforto individual e o conforto domés-
72
tico tenham sobre seu desenvolvimento u m a ação preponderante.

A hipótese da t r a n s m i s s ã o do agente por qualquer inseto capaz de


picar o h o m e m foi, a s s i m , inserida n o q u a d r o tradicional que associa a
73
doença à sujeira, à falta de higiene e à p u t r e f a ç ã o . Tal q u a d r o n ã o de-
m a n d a a verificação rigorosa das hipóteses concernentes ao m o d o de t r a n s -
missão da doença e m condições controladas. As medidas ditadas pelo b o m
senso higiênico poderiam ser m a i s do que suficientes. As recomendações
feitas pelos m e m b r o s da m i s s ã o n o Senegal m e s c l a r a m as medidas h a b i -
tuais de higiene geral, c o m o a esterilização a vapor das roupas dos doen-
tes, das roupas de c a m a e dos cobertores, e a organização de u m a lavande-
ria p a r a os militares, c o m a r e c o m e n d a ç ã o de proteger as m o r a d i a s dos
parasitos e as pessoas dos m o s q u i t o s por meio da utilização sistemática e
74
obrigatória dos m o s q u i t e i r o s .
Entre abril de 1 9 0 1 , data da publicação do relatório da missão fran-
cesa n o S e n e g a l , e j u l h o de 1 9 0 1 , d a t a da decisão oficial t o m a d a pela
Assembléia Nacional de enviar u m a missão do Ministério das Colônias ao
Brasil para estudar a febre amarela, operou-se u m a m u d a n ç a n a percepção
da febre a m a r e l a : de u m " m a l " ligado de m a n e i r a v a g a a o s "vermes" e
combatido por diferentes meios, a doença tornou-se objeto de u m a investiga-
ção circunscrita e u m a área aberta a u m a intervenção baseada n a ciência.
A e s p e r a n ç a de c h e g a r a u m a s o l u ç ã o eficaz d e s e m p e n h o u u m papel
d e t e r m i n a n t e n o envio da m i s s ã o do I n s t i t u t o Pasteur ao Rio de J a n e i r o .
Os comerciantes do Senegal, sempre descontentes c o m a m a n u t e n ç ã o das
quarentenas, s o u b e r a m que pesquisadores n o r t e - a m e r i c a n o s h a v i a m a t r i -
buído a difusão da febre amarela exclusivamente aos m o s q u i t o s . Pediram,
então, ao governo francês que nomeasse u m a missão especial para c o n d u -
zir pesquisas sobre a febre amarela, e m especial para e x a m i n a r a "hipótese
m o s q u i t o " , e se d e c l a r a r a m p r o n t o s a participar do f i n a n c i a m e n t o dessa
missão. O ministro das Colônias, Sr. Decrais, fez u m a proposta n o m e s m o
sentido em m a r ç o de 1 9 0 1 . Após u m debate n o interior da Comissão das
Colônias, o p a r l a m e n t o v o t o u , e m 1 2 de j u l h o de 1 9 0 1 , pela criação de
u m a c o m i s s ã o de especialistas encarregada de estudar a febre a m a r e l a . A
despesa a s s i m feita foi justificada pelo perigo que a febre a m a r e l a repre-
senta para os colonos; o objetivo da missão é definido c o m o se segue:
A perfeição dos conhecimentos sobre a natureza do agente infeccioso
da febre amarela, seus meios de transmissão habituais e a prevenção e
tratamento dessa doença. A elucidação dessas questões, que continuam
obscuras, poderá ajudar a salvar os europeus, que são u m a presa fácil
75
do typhus amarelo.

A c o m i s s ã o foi instalada sob a direção científica do Instituto Pasteur, e u m


o r ç a m e n t o de 1 5 0 . 0 0 0 francos foi alocado, aos quais mais tarde vieram se
acrescentar créditos do Ministério das Colônias.
Os m e m b r o s da missão, os doutores Émile M a r c h o u x , Albert Taurelli
Salimbeni e Paul Louis S i m o n , f o r a m escolhidos pelo diretor do I n s t i t u t o
Pasteur, Émile Roux. Os três são bacteriologistas competentes, c o m experiên-
cia n o estudo das doenças dos países quentes. S a l i m b e n i especializou-se
em i m u n o l o g i a e t r a b a l h o u c o m Elie Metchnikoff. Participou da elabora-
ção de u m soro anticólera, e t e s t o u as propriedades curativas desse s o r o
durante u m a epidemia de cólera em Portugal. M a r c h o u x , médico das c o l ô -
nias que ocupava u m posto de segunda classe, foi enviado ao Senegal em
1 8 9 7 para estudar a m a l á r i a e a doença do sono, e depois, c o m o v i m o s ,
participou da missão que estudou u m a epidemia de febre amarela. Simond,
t a m b é m médico das colônias, m a s de primeira classe, foi diretor do Insti-
t u t o Pasteur de S a i g o n entre 1 8 9 8 e 1 9 0 1 . Estudou e m 1 8 9 8 a epidemia
de peste na China e na Indochina, e foi o primeiro a realizar experiências
que p u s e r a m em evidência (ainda que de maneira incompleta) o papel da
pulga na t r a n s m i s s ã o desta patologia. Foi, portanto, especialmente sensi-
bilizado para os estudos do papel dos vetores invertebrados na t r a n s m i s -
76
são das d o e n ç a s .
De acordo c o m o relatório oficial da Missão Pasteur, seus m e m b r o s
7 7
c h e g a r a m ao Rio de Janeiro e m novembro de 1 9 0 1 . Trouxeram na b a g a -
g e m o equipamento completo de u m laboratório de bacteriologia: m i c r o s -
78
cópios, vidraria e meios de c u l t u r a dos m i c r o r g a n i s m o s . Acatando u m a
recomendação do Dr. Pedro Afonso, diretor do Serviço de Higiene municipal,
a comissão estabeleceu seu quartel-general no Hospital São Sebastião, espe-
cializado no tratamento, no Rio de Janeiro, de casos de febre amarela. O hospi-
tal pôs à disposição dos pesquisadores franceses u m pavilhão n o qual eles
p u d e r a m i n s t a l a r s e u l a b o r a t ó r i o . O diretor do Hospital S ã o S e b a s t i ã o ,
Carlos Seidl, e seus colegas, os doutores Leão de Aquino, Antonio Ferraro e
Zepherino Meirelles, participaram das investigações feitas pelos
79
pasteurianos. O Dr. Salimbeni logo precisou deixar o Rio de Janeiro, por
p r o b l e m a s de saúde, m a s os doutores S i m o n d e M a r c h o u x c o n t i n u a r a m
suas investigações até 1 9 0 5 , c o m u m a interrupção de a l g u n s m e s e s e m
1 9 0 3 , para u m a viagem à França. Os pesquisadores franceses se interessa¬
ram por diversos aspectos da etiologia, da patologia e da epidemiologia da
febre amarela, da ecologia de seu vetor, o mosquito Aedes aegypti, assim c o m o
80
por duas doenças veterinárias, a espirilose das galinhas e o g a r r o t i l h o . O
desenrolar da missão não foi de modo a l g u m tranqüilo: as relações entre
Simond e M a r c h o u x foram ocasionalmente tempestuosas, a ponto de, em
1 9 0 3 , colocarem em risco o prosseguimento de suas pesquisas. Mais tarde
81
essas arestas foram aparadas, e as pesquisas prosseguiram até março de 1 9 0 5 .
A febre amarela grassava no Rio, e qualquer estrangeiro corria risco
de c o n t r a i r a doença. S i m o n d nota, assim, que durante os seis meses ao
longo dos quais a febre a m a r e l a pairava sobre a cidade, o Hospital S ã o
Sebastião recebeu em torno de 1 5 0 doentes por semana, quase todos imi-
grantes recém-chegados ao país, oriundos, portanto, de u m a categoria que
c o n t a v a a p r o x i m a d a m e n t e 1 0 . 0 0 0 pessoas. "Você não a c h a que haveria
razões suficientes para qualquer estrangeiro desanimar de pôr os pés no
82
Rio?" Para m i n i m i z a r esse perigo para eles próprios, os pesquisadores
franceses, que a c h a v a m que o Aedes aegypti só picava à noite, instalaram-
se na cidade de Petrópolis, situada a aproximadamente 4 0 quilômetros do
Rio, a 8 0 4 metros de altitude. Essa cidade foi poupada pela febre amarela,
pois o m o s q u i t o Aedes aegypti não sobrevivia ao clima local. Quando traba-
l h a v a m no Hospital São Sebastião, os pesquisadores franceses p e g a v a m
diariamente o b a r c o a vapor para o Rio de J a n e i r o , depois u m a chalupa
para chegar até o hospital (o trajeto de ida e volta durava três horas, sobra-
vam-lhes aproximadamente cinco horas diárias para o trabalho de labora-
tório). Eles t o m a v a m a precaução de nunca dormir na cidade ou nela ficar
à noite. A m u l h e r de S i m o n d , que veio c o m ele para o Rio ( h a v i a m - s e
83
casado em 1 9 0 1 , antes da partida para o Brasil), morava em Petrópolis.
Os pesquisadores da M i s s ã o Pasteur t e n t a r a m , n u m primeiro m o -
mento, cultivar o germe da febre amarela a partir do sangue dos animais;
eles c o n f i r m a r a m as conclusões de Dantec e Novy q u a n t o à ausência de
tal m i c r o r g a n i s m o e validaram as observações precedentes sobre o desen-
v o l v i m e n t o clínico e a patologia da febre amarela. Além disso, t e n t a r a m
infectar c o b a i a s c o m o s a n g u e dos doentes (inclusive c i n c o espécies de
m a c a c o s ) , m a s todas as tentativas de desenvolver u m modelo animal de
febre amarela fracassaram. O h o m e m parecia ser o único hospedeiro pos-
sível, o que, segundo eles, legitimava a necessidade de fazer experimentos
em seres h u m a n o s . Os pesquisadores franceses, a partir de então, adota-
r a m os trabalhos de Reed e Carroll sobre a t r a n s m i s s ã o da febre amarela
aos v o l u n t á r i o s saudáveis. Foi i n s t a l a d o u m c a m p o de i s o l a m e n t o em
P e t r ó p o l i s , f o r a de u m a á r e a e p i d ê m i c a . P e s s o a s n ã o - i m u n e s foram
infectadas pela febre amarela, seja pela picada de u m m o s q u i t o Aedes aegypti
c o n t a m i n a d o , seja pela injeção do s a n g u e de u m doente. Paralelamente,
o u t r a s pessoas n ã o - i m u n e s f o r a m convidadas a passar vários dias n u m
q u a r t o no qual havia r o u p a s de c a m a s e v e s t u á r i o usados por doentes
amarelentos; tratava-se de c o n f i r m a r que o c o n t a t o c o m as secreções dos
doentes n ã o é perigoso. Essa parte do experimento assumiu, contudo, i m -
portância restrita nos trabalhos da Missão Pasteur, centrados na caracteri-
z a ç ã o m a i s fina da contagiosidade da febre a m a r e l a e n o estudo de seu
agente. M a r c h o u x , Salimbeni e S i m o n d explicaram que

a experimentação no ser humano só nos parecia legítima se devesse


conduzir a resultados novos e importantes. Assim, pareceu-nos inútil
repetir as experiências tão demonstrativas quanto as de Cuba e de São
Paulo. Limitamos nossa verificação a três experiências que nos servi-
84
ram de ponto de partida para as outras.

No relatório oficial da missão, M a r c h o u x , Simond e Salimbeni m e n -


c i o n a r a m os r e s u l t a d o s de experiências feitas em 2 7 indivíduos, todos
imigrantes recentemente desembarcados no Rio de Janeiro. Todos os partici-
pantes "foram prevenidos, diante de testemunhas, dos riscos que c o r r i a m ,
e todos aceitaram livremente se submeter a nossas tentativas" (o relatório
não fala de voluntários, apenas de "homens submetidos a nossas experi-
85
ências" e, ocasionalmente, de "homens de boa vontade"). O relatório de-
talha as experiências feitas em cada u m dos participantes. A maioria deles
c o n t r a i u a febre a m a r e l a experimental, m a s n e n h u m dos casos descritos
86
no relatório se m o s t r o u f a t a l . U m dos objetivos fundamentais do experi-
m e n t o foi o de verificar quanto tempo o soro permanecia contagioso, e isto
c o m a finalidade de produzir u m a vacina (com u m a pequena quantidade
de agente infeccioso) ou, alternativamente, u m soro protetor. Por se tratar
de experiências feitas em h o m e n s , era difícil repeti-las; as conclusões f o -
ram, portanto, tiradas de u m n ú m e r o limitado de casos, o que necessaria-
m e n t e reduz seu a l c a n c e . A s s i m , u m a ú n i c a experiência em cada c a s o
serviu de base às afirmações de que u m soro de doente, aquecido por dez e
m e s m o por cinco m i n u t o s a 5 5 ° C , torna-se inofensivo, de que 1 ml de soro
induz u m a doença mais forte do que 0,1 ml (conclusão que os autores do
relatório não consideravam evidente, visto que, ao se injetar o sangue de
u m doente, podia-se injetar ao m e s m o t e m p o u m a g e n t e da doença e
anticorpos que o neutralizavam), e de que o agente da febre amarela passa
através dos filtros de porcelana. Esta última experiência, dada sua impor-
tância, foi repetida duas vezes: u m soro passado através de u m filtro de
porcelana mais fino não induziu a doença, m a s faltava a prova de que o
indivíduo submetido a tal experimento era realmente suscetível, visto que
ele não pôde ser infectado por outros meios.
E m u m a o u t r a série de experiências, u m a p e q u e n a q u a n t i d a d e de
soro proveniente de casos benignos foi introduzida sob a pele de duas pes-
soas n ã o - i m u n e s : u m a n ã o c o n t r a i u a doença, a o u t r a desenvolveu u m
c a s o b a s t a n t e g r a v e de febre a m a r e l a . Essa experiência foi i n t e r p r e t a d a
c o m o a indicação de que a quantidade de substância infecciosa e a gravi-
dade do caso inicial n ã o p e r m i t e m predizer o desenvolvimento da doença
n o receptor. A partir de então, essa linha de pesquisa foi abandonada. E m
outras manipulações, os indivíduos n ã o - i m u n e s foram injetados c o m s a n -
g u e desfibrinado. Essas experiências pareciam indicar - n o v a m e n t e , apoi¬
ando-se e m u m n ú m e r o m u i t o reduzido de casos - que o agente c o n t i n u a
ativo após cinco dias, m a s perde sua virulência após oito dias. U m a o u t r a
série de experiências c o n f i r m o u que o sangue do doente n ã o é m a i s capaz
de infectar u m o u t r o indivíduo o u u m m o s q u i t o Aedes aegypti a partir do
q u a r t o dia da doença. Pesquisadores franceses t e n t a r a m proteger os indi-
víduos n ã o - i m u n e s c o m o soro dos convalescentes. Os resultados indica-
v a m que u m a proteção desse tipo era possível, e que os indivíduos injeta-
dos c o m u m s o r o sofreram apenas u m a doença leve; m a s tais resultados
e s t a v a m longe de ser c o n c l u s i v o s , dado o pequeno n ú m e r o de casos e a
grande variabilidade da gravidade da febre a m a r e l a e x p e r i m e n t a l . A l é m
disso, a injeção do soro de convalescente, seguida por u m a pequeníssima
quantidade de vírus, parecia conferir (novamente, e m u m caso) u m a p r o -
87
teção completa c o n t r a a picadura dos m o s q u i t o s infectados. Finalmente,
o s estudos e m h o m e n s d e m o n s t r a r a m que, e m l a b o r a t ó r i o , o m o s q u i t o
fêmea pode transferir o agente da febre a m a r e l a a seus descendentes pela
via da infecção dos o v o s - t r a n s m i s s ã o vertical que pode, t e o r i c a m e n t e ,
pressupor u m a l o n g a t r a n s m i s s ã o desse agente n a n a t u r e z a s e m p a s s a r
pelos h u m a n o s . A eventualidade e a freqüência de u m a t r a n s m i s s ã o desse
88
tipo ainda estavam por ser p r o v a d a s .
As experiências feitas em seres h u m a n o s foram apresentadas no rela-
tório da comissão de maneira ordenada e sistemática, apresentação que dá a
impressão de u m a investigação feita segundo u m a ordem preestabelecida e
lógica. Os cadernos de laboratório de Simond revelam u m quadro diferente:
u m a atividade i n t e n s a e caótica conduzida d u r a n t e u m período relativa-
m e n t e c u r t o (março-junho de 1 9 0 2 ) , tentativas de aproveitar cada ocasião,
experiências nas quais a m e s m a pessoa recebeu vários tipos de tratamento,
pesquisas e m que n e m sempre fica claro se quiseram demonstrar infecção
o u proteção, dificuldades de dominar todos os parâmetros do experimento e
interpretações incertas. Por exemplo, a cobaia n° 6, u m imigrante português
c h a m a d o Paes, foi injetada em 2 3 de abril c o m u m soro de doente filtrado
n u m filtro de Chamberland, vela A . O indivíduo n ã o m o s t r o u sinais de
doença. E m 5 de m a i o ele recebeu o soro de u m o u t r o doente, desta vez
adicionado de 5 v o l u m e s de água e filtrado n u m filtro de Berkfield, e em 6
de m a i o teve u m a t a q u e de febre a m a r e l a . A rapidez do s u r g i m e n t o da
febre amarela n ã o permitiu concluir pela existência de u m elo causal entre
a injeção de soro e u m a doença surgida n o dia seguinte. S i m o n d m e n c i o -
n o u e m seu caderno a possibilidade de que a segunda injeção tivesse a t i v a -
do a primeira, o u ainda que ele tivesse sido picado, p o r engano, por u m
m o s q u i t o Aedes aegypti em u m local do hospital onde ele dormira fora da
área das experiências. O u t r o exemplo, a cobaia nº 9, u m imigrante alemão
c h a m a d o Hocheiner. E m 3 0 de abril injetaram-lhe u m sangue velho, de 1 2
dias, sem que tenha ocorrido n e n h u m a reação. E m 2 1 de maio, ele recebeu
s a n g u e desfibrinado de o i t o dias, a p ó s o que c o n t i n u o u a n ã o m o s t r a r
reações patológicas. E m 6 de j u n h o , foi picado por três m o s q u i t o s infectados,
e em 1 0 de j u n h o adoeceu. O caso foi considerado leve, e sua febre b a i x o u
depois de dois dias. O aspecto brando da doença foi atribuído à proteção
p r o p o r c i o n a d a pela p r i m e i r a injeção do s o r o envelhecido. A c o b a i a nº 4
(Hoeffer) recebeu três injeções de s o r o aquecido; n ã o r e a g i u m a i s tarde,
n e m à injeção do soro virulento, n e m à picada dos m o s q u i t o s infectados,
m a s S i m o n d observou que n ã o se exclui a possibilidade de que o indivíduo
fosse i m u n e n o começo, e que é difícil concluir, de seu caso, que o soro dos
doentes protege da febre a m a r e l a . A finalidade das experiências por m e i o
das quais se t e n t o u i m u n i z a r o u proteger indivíduos n ã o - i m u n e s c o m a
injeção do soro aquecido, filtrado o u envelhecido proveniente de u m doen-
te n e m sempre era evidente. O soro dos doentes podia conter s i m u l t a n e a -
m e n t e agentes da doença e seus anticorpos (o sangue dos doentes n ã o era
infeccioso para o m o s q u i t o após o terceiro dia da doença, m a s era difícil
excluir a possibilidade de que estivesse isento de agentes da febre amarela,
vivos o u m o r t o s ) . A injeção do soro aquecido o u envelhecido teve, assim,
c o m o objetivo a v a c i n a ç ã o ( e s t i m u l a ç ã o de p r o d u ç ã o de a n t i c o r p o s pelo
o r g a n i s m o por agentes infecciosos enfraquecidos o u m o r t o s ) o u a soroterapia
passiva t e m p o r á r i a (proteção passiva por anticorpos específicos presentes
89
n o soro injetado).
Os p a r t i c i p a n t e s das experiências c o n d u z i d a s pela M i s s ã o Pasteur
receberam u m a r e c o m p e n s a financeira (o ú n i c o v a l o r m e n c i o n a d o é o de
5 0 . 0 0 0 réis pagos a u m a pessoa) e se c o m p r o m e t e r a m a p e r m a n e c e r n o
local de experimentação, e m Petrópolis. As notas de S i m o n d dão notícia de
3 0 pessoas que participaram das experiências, enquanto o relatório oficial
da M i s s ã o Pasteur recenseia apenas 2 7 . Os casos " s o b r e n u m e r á v e i s " s ã o
as pessoas m o r t a s ao longo da experimentação. A cobaia nº 2 2 , imigrante
alemão c h a m a d o S. Borcach, m o r r e u depois de u m ataque de febre a m a r e ¬
la induzido pela injeção do soro de u m doente. Seu soro, coletado no início
da d o e n ç a , foi i n j e t a d o em o u t r a s c o b a i a s . U m i t a l i a n o de 3 8 a n o s ,
Raimundo Geronimo, desenvolveu em 17 de j u n h o u m a febre amarela e x -
perimental. Dois dias depois, talvez delirando, ou suportando mal a doen-
ça, o encerramento e o isolamento, fugiu do a c a m p a m e n t o de Petrópolis e
pegou u m trem para o Rio de Janeiro:

Este homem desce para o Rio no trem das 7 horas; chegando a Raiz da
Serra, ele sai do vagão com sua mala e segue ao longo da via. Após
algumas centenas de metros, pára. É levado por empregados à estação,
onde morre ao fim de três horas.

Finalmente, perto do n o m e do terceiro caso, a cobaia nº 1 8 , u m imigrante


espanhol chamado J u a n Soller (por duas vezes, na descrição das experiên-
cias e em sua recapitulação), figura u m a nota lacônica: "assassinado em 3
de j u n h o " . O destino destes dois últimos participantes (Geronimo e Soller)
parece indicar a existência de tensões entre as pessoas que passaram pelo
a c a m p a m e n t o de Petrópolis. Entre abril e j u n h o de 1 9 0 2 , o a c a m p a m e n t o
hospedou cerca de 3 0 pessoas - homens, em sua maioria j o v e n s e necessi-
tados, de origens étnicas diferentes, que, todos r e c é m - c h e g a d o s ao país,
provavelmente tiveram dificuldades para falar entre si e para se c o m u n i -
car c o m os pesquisadores que dirigiam o a c a m p a m e n t o . Além disso, as
tensões no a c a m p a m e n t o se exacerbaram pelo fato de que todos as pesso-
as que por ele passavam teriam u m destino incerto. As conseqüências da
infecção experimental c o m o agente da febre amarela (todos os participan-
tes foram repetidamente infectados até o surgimento da doença) eram u m a
verdadeira "roleta russa": podiam levar t a n t o a u m a ligeira indisposição
q u a n t o à morte.
As experiências em seres h u m a n o s feitas pela M i s s ã o Pasteur n ã o
t r o u x e r a m u m a c o n t r i b u i ç ã o m u i t o original aos c o n h e c i m e n t o s sobre a
febre amarela. Alguns j o r n a i s estamparam o título, quando do retorno da
Missão Pasteur, Ά febre amarela vencida", e os jornalistas a f i r m a r a m que
os trabalhos dos pesquisadores franceses haviam permitido elucidar o " m i s ­
tério da febre a m a r e l a " ; os m e s m o s j o r n a l i s t a s r e c o n h e c e r a m , c o n t u d o ,
que o verdadeiro interesse das pesquisas feitas no Rio de Janeiro estava na
90
repetição dos resultados obtidos pela Comissão Reed. Além da c o n f i r m a -
ção do papel do m o s q u i t o Aedes aegypti na transmissão da doença, os pes-
quisadores franceses puderam m o s t r a r n o v a m e n t e que o agente da febre
amarela estava presente no soro dos doentes durante os três primeiros dias
da doença, que se t r a t a v a de u m o r g a n i s m o frágil, o qual a t r a v e s s a os
filtros de porcelana, e que o calor de 5 5 ° C mantido durante cinco minutos,
ou sua conservação por oito dias à temperatura ambiente, podia m a t á - l o .
Estas últimas observações consolidaram a hipótese segundo a qual o agente
da febre a m a r e l a era u m "vírus filtrável", e n q u a n t o que a l g u n s índices
sugeriram a presença de anticorpos protetores c o n t r a este vírus no soro.
Entretanto, os limites intrínsecos à experimentação em seres h u m a n o s e a
ausência de métodos de visualização do suposto agente da febre amarela
t o r n a r a m difícil a i n t e r p r e t a ç ã o de m u i t a s das experiências feitas pelos
pesquisadores franceses. As a q u i s i ç õ e s científicas m a i s i m p o r t a n t e s da
M i s s ã o Pasteur estão em o u t r o p o n t o : em parte, n o próprio fato de os
especialistas em bacteriologia equipados c o m u m laboratório de bacterio-
logia de ponta terem permanecido q u a t r o anos no Rio de J a n e i r o , e em
parte no fato de seus estudos epidemiológicos sobre a febre amarela terem
se baseado nas observações de seus colegas brasileiros.
Q u a n t o à transferência dos métodos de laboratório, os primeiros pes-
quisadores no Brasil que se i n t e r e s s a r a m por esses t r a b a l h o s - Lacerda,
Freire e seus colegas - e r a m a u t o d i d a t a s . Dada a i m p o r t â n c i a do saber
implícito no trabalho de bacteriologista (gestos apropriados, o r g a n i z a ç ã o
do espaço de t r a b a l h o , r e c o n h e c i m e n t o visual das " f o r m a s típicas" dos
microrganismos), não é de espantar que seus esforços não tenham chega-
do ao desenvolvimento de pesquisas reconhecidas pela comunidade inter-
nacional dos bacteriologistas. O segundo grupo de pesquisadores atraídos
pela bacteriologia (Adolpho Lutz, Oswaldo Cruz) estudou em laboratórios
europeus de r e n o m e e adquiriu c o n h e c i m e n t o s de ponta e o savoir-faire
bacteriológico. Há, entretanto, u m a diferença entre o saber e o saber-fazer
adquirido por u m único investigador e o deslocamento de u m laboratório
inteiro c o m seus especialistas, em p a r t i c u l a r numa área c o m o a
microbiologia em seus primórdios, que comportava u m forte componente
prático. Os m e m b r o s da Missão Pasteur, ofereceram, assim, aos pesquisa-
dores brasileiros u m a demonstração direta e que podia ser repetida confor-
m e as necessidades dos métodos de trabalho próprios a esta disciplina, no
m o m e n t o das investigações bacteriológicas clássicas realizadas paralela-
mente às suas pesquisas sobre a febre amarela - d e m o n s t r a ç ã o mais efi-
caz do que os t e x t o s o u discursos. Carlos Seidl, diretor do Hospital São
Sebastião e colaborador p r ó x i m o dos pesquisadores franceses, explicou que
os bacteriologistas brasileiros que c o s t u m a v a m concluir rapidamente c o m
base em conceitos definidos a priori, sem esperar até que dispusessem de
provas experimentais suficientes, ficaram espantados c o m a lentidão c o m
que os pesquisadores franceses c o n s t r u í r a m seus sistemas experimentais,
com o grande número de testes que estes j u l g a v a m necessário para confiar
nos resultados obtidos, e com o cuidado c o m que se certificavam de ter feito
todos os controles necessários antes da publicação de seus resultados. Os
m e m b r o s da M i s s ã o Pasteur m o s t r a r a m , por seus atos, "a futilidade das
91
deduções p r e m a t u r a s , desprovidas de bases experimentais s ó l i d a s " . De-
r a m , a s s i m , u m a lição de profissionalismo a seus colegas brasileiros. As
investigações em medicina tropical conduzidas pelos pesquisadores b r a s i -
leiros n o princípio do século X X , e m particular as realizadas n o Instituto
Oswaldo Cruz, s u s c i t a r a m o reconhecimento internacional. Este aconteci-
m e n t o único - o desenvolvimento de u m centro de excelência científica em
u m país periférico n o início do século X X - pode ser relacionado à presença
9 2
de u m laboratório-modelo n o Brasil entre 1 9 0 1 e 1 9 0 5 .
No que diz respeito à epidemiologia da febre a m a r e l a , o interesse
dos p e s q u i s a d o r e s f r a n c e s e s p o r e s t a q u e s t ã o foi, é i m p o r t a n t e subli-
n h a r , de o r d e m p u r a m e n t e c i e n t í f i c a . Eles n ã o t i v e r a m a i n t e n ç ã o de
i n t e r v i r n a o r g a n i z a ç ã o da saúde pública n o Brasil, n e m de dar c o n s e -
l h o s a o s m é d i c o s b r a s i l e i r o s c o m os quais m a n t i v e r a m estreita c o l a b o -
r a ç ã o . O s u c e s s o dessa c o l a b o r a ç ã o pode se e x p l i c a r pelo f a t o de que
v á r i o s m é d i c o s b r a s i l e i r o s , a s s i m c o m o o u t r o s m e m b r o s da b u r g u e s i a
u r b a n a , f a l a v a m francês f l u e n t e m e n t e , a d m i r a v a m a c u l t u r a e a civili-
z a ç ã o francesas e t i n h a m u m m o d o de vida s e m e l h a n t e ao dos p e s q u i -
sadores v i n d o s de Paris. Esses médicos f o r a m considerados pelos m e m -
b r o s da M i s s ã o Pasteur c o m o colegas, t a n t o que os especialistas f r a n c e -
ses t o m a r a m as o b s e r v a ç õ e s epidemiológicas feitas pelos m é d i c o s b r a -
sileiros c o m o p o n t o de partida de s u a s p r ó p r i a s i n v e s t i g a ç õ e s .
U m dos problemas importantes no estudo da epidemiologia da febre
a m a r e l a foi saber por que esta doença atingia de preferência as pessoas
chegadas ao país havia pouco tempo. As outras questões a serem elucidadas
eram a sobrevivência do agente patógeno da febre amarela entre as epidemias
e a potencial existência de zonas endêmicas. Essas questões foram resolvi-
das p o r investigações sobre a febre a m a r e l a e m crianças pequenas. C o m
efeito, se a febre amarela se mostrava freqüente e pouco severa entre crianças
novas, isto podia explicar ao m e s m o t e m p o a suposta "resistência racial"
das populações autóctones (de fato protegidas pela doença infantil), a m a -
n u t e n ç ã o p e r m a n e n t e e invisível da febre a m a r e l a n a s populações locais
(as crianças serviam de reservatório inesgotável do vírus) e o caráter endêmico
da febre amarela em a l g u m a s regiões do país (a doença se propagava por
intermédio das crianças). Simond e M a r c h o u x , seguindo seus colegas brasi-
leiros (especialmente os doutores Seidl e Teixeira), aceitaram a hipótese de
trabalho segundo a qual a febre amarela era mais freqüentemente u m a do-
ença da primeira infância - raramente reconhecida c o m o tal, visto que na
criança os sintomas são, muitas vezes, os de u m a "febre" banal.
Para a t e s t a r essa hipótese, os pesquisadores franceses e x a m i n a r a m
as estatísticas sobre a morbidade e a mortalidade da febre amarela no Rio
de J a n e i r o (fornecidas pelo chefe do Serviço de E s t a t í s t i c a S a n i t á r i a da
cidade do Rio, o Dr. Bulhões de Carvalho) e c o n s t a t a r a m que casos de febre
a m a r e l a típica e r a m o c a s i o n a l m e n t e descritos entre bebês e crianças n o -
vas. Entre as crianças estrangeiras, os casos de febre a m a r e l a eram, em
geral, bem menos sérios do que entre os adultos, e a gravidade tendia a ser
diretamente proporcional à idade da criança, o que permitia presumir que
a doença seria ainda menos grave entre crianças autóctones atingidas ain-
da m u i t o n o v a s . A l é m disso, entre h a b i t a n t e s da região, c o n s t a t a v a - s e
baixa ocorrência da febre amarela (visível) na criança m u i t o pequena, u m a
freqüência mais o u m e n o s elevada entre os adolescentes, particularmente
entre os que haviam estado fora da cidade do Rio em temporadas prolon-
g a d a s , e f i n a l m e n t e u m a freqüência ínfima entre a d u l t o s . Esse q u a d r o
epidemiológico foi interpretado c o m o indicador de u m a i m u n i z a ç ã o na
primeira infância que podia ser reforçada por encontros repetidos c o m o
agente da doença durante a adolescência, induzindo u m a imunidade q u a -
93
se completa na idade adulta.
A descrição, m e s m o que imperfeita, do agente da febre amarela, e a
possibilidade - por mais limitada que fosse - de induzir essa doença expe-
rimentalmente permitiram, segundo Simond e M a r c h o u x , estabelecer c o m
certeza a existência de casos leves e atípicos de febre a m a r e l a . A n t e r i o r -
mente, os médicos h a v i a m hesitado em estabelecer u m diagnóstico de fe-
bre amarela nos "casos a b o r t i v o s " ou incompletos (os s i n t o m a s c a r a c t e -
rísticos, tais c o m o a icterícia o u o v ô m i t o - n e g r o , e s t a v a m a u s e n t e s ) . A
partir do m o m e n t o em que a doença pôde ser reproduzida de forma c o n t r o -
lada, os pesquisadores c o n s t a t a r a m que a infecção artificial pelo agente da
febre amarela (seja por u m a picada de m o s q u i t o infectado, seja pela inje-
ção do soro de u m doente) podia induzir u m amplíssimo espectro de m a n i -
94
festações mórbidas, das mais leves às mais g r a v e s . Para verificar a s u p o -
sição de que casos de febre amarela leve podem intervir em circunstâncias
naturais, os pesquisadores franceses selecionaram q u a t r o casos de "febre"
suspeita sem sintomas típicos entre as populações recém-chegadas ao Brasil
e que estivessem no círculo de pessoas que sofriam de febre amarela c a -
racterizada. U m a vez curadas, essas pessoas foram submetidas a u m a pica-
da de Aedes aegypti infectados, sem que tenham sofrido efeitos adversos. Isso
tendia a provar, aos olhos de Simond e Marchoux, que essas pessoas haviam
sido imunizadas por u m ataque leve de febre amarela. Eles concluíram que

hoje seria impossível negar, estando o fato baseado em experiências,


que os casos de febre amarela que escapam à estatística de uma epidemia
em razão da dificuldade de diagnóstico são infinitamente mais numero-
95
sos do que poderíamos supor no passado.

A febre amarela, eles sublinharam, "evolui na criança m u i t o nova de


modo discreto [...] o acesso brando de febre amarela infantil confere i m u -
nidade. A duração e a solidez dessa imunidade variam conforme os indiví-
96
duos; elas podem ser mantidas pelas recidivas". A imunidade contra essa
doença n ã o depende de m o d o n e n h u m da raça, m a s u n i c a m e n t e de u m
encontro precoce c o m o agente da doença. Simond e M a r c h o u x assim des-
crevem dois casos mortais de febre amarela característicos em pessoas de
raça negra chegadas ao Rio de J a n e i r o de regiões nas quais a doença não
existe. A endemicidade se m a n t é m pela infecção das crianças novas: "Esse
c o n t i n g e n t e infantil, i n c e s s a n t e m e n t e r e n o v a d o , é o e l e m e n t o principal
que cria e conserva a epidemia". As epidemias são estimuladas pela chega-
da de pessoas n ã o - i m u n e s à região acometida pela febre a m a r e l a e pelas
mudanças ecológicas do mosquito Aedes aegypti. Somente o contato preco-
ce c o m o agente da doença pode conferir imunidade; as populações nativas
têm esse contato há gerações, o que produziu "a lenda da imunidade n a t u -
97
ral à febre a m a r e l a " . A febre amarela descrita por S i m o n d e M a r c h o u x
muda, portanto, radicalmente de caráter: de doença epidêmica de gravidade
excepcional, relativamente rara, e que acomete de maneira seletiva o h o -
m e m branco, ela se torna u m a infecção banal de infância, largamente di-
fundida nas zonas endêmicas, e pouco perigosa para as pessoas de todas as
raças e origens que tenham nascido e crescido nessas zonas.

Em 1 9 0 8 , Simond faz parte da comissão instalada pelo governo fran-


cês para e s t u d a r u m a epidemia de febre a m a r e l a surgida na M a r t i n i c a
(figura 1); ele participou da elaboração das medidas preventivas baseadas
na e l i m i n a ç ã o dos m o s q u i t o s . Os m e m b r o s da m i s s ã o fizeram t a m b é m
observações sobre a epidemiologia da doença. Suas conclusões reforçaram
as da M i s s ã o Pasteur no Rio de J a n e i r o : a febre a m a r e l a é u m a doença
e n d ê m i c a q u e infecta p r i n c i p a l m e n t e c r i a n ç a s p e q u e n a s . A "resistência
racial" contra essa doença é o resultado de u m encontro precoce c o m seu
agente, e é provavelmente mantida por repetidas reinfecções. Na Guiana e
nas Antilhas, uma doença sazonal chamada "febre inflamatória"
correspondia, de fato, em m u i t o às supostas características da febre a m a -
rela m o d e r a d a . Os doentes sofrem de v ô m i t o s , por vezes de icterícia, e
f r e q ü e n t e m e n t e t ê m a l b u m i n a na u r i n a ( u m dos sinais típicos da febre
amarela, cujo agente perturba a função normal dos rins); a imagem clínica
se parece c o m a que se observa em a l g u n s pessoas infectadas artificial-
mente pelo agente da febre amarela. Também, as epidemias de febre a m a -
rela são a c o m p a n h a d a s de u m a u m e n t o i m p o r t a n t e de c a s o s de "febre
inflamatória". Fora dos períodos epidêmicos, a "febre inflamatória", esti-
m a r a m S i m o n d e seus colegas, ajuda a m a n t e r o caráter endêmico da febre
amarela. Ela é, provavelmente, responsável t a m b é m por u m certo n ú m e r o
de óbitos: "Temos boas razões para afirmar que u m b o m n ú m e r o de casos
esporádicos de febre a m a r e l a m o r t a l escapa à observação e à estatística".
De a c o r d o c o m as c o n c l u s õ e s da m i s s ã o , a febre a m a r e l a , s e m dúvida,
g r a s s o u n a M a r t i n i c a b e m a n t e s da epidemia de 1 9 0 8 sob a f o r m a de
98
casos leves ditos "inflamatórios" e, por vezes, de graves casos i s o l a d o s .

Em u m tratado sobre a febre amarela escrito em 1 9 1 2 , Simond resu-


m i u s u a "teoria unitária", que p o s t u l a a identidade da "febre i n f l a m a t ó ¬
ria" e da febre amarela, e explica que esta ú l t i m a é endêmica em m u i t o s
pontos, onde os nativos se t o r n a m imunes por infecção precoce. Ele subli-
nhou, além disso, o elo entre as epidemias de febre amarela e a presença de
indivíduos não-imunes:

A observação desses fatos levou-nos a considerar as epidemias de


febre a m a r e l a m a n i f e s t a e m t e r r i t ó r i o s e n d ê m i c o s c o m o
indissoluvelmente ligadas à presença de elementos estrangeiros. Se su-
primirmos esses elementos, suprimiremos as epidemias severas, mas
99
nem por isso suprimiremos a febre amarela.
E m 1 9 0 0 , M a r c h o u x e seus colegas v i r a m n o s n e g r o s , que t i n h a m uma
"resistência racial" c o n t r a a febre amarela, u m a fonte i m p o r t a n t e de risco
e os c o n s i d e r a r a m responsáveis pela disseminação da febre a m a r e l a . Essa
v i s ã o foi p a r t i l h a d a pelos especialistas ingleses, que p r e c o n i z a r a m a s e -
gregação de b r a n c o s e negros c o m o a m a n e i r a mais eficaz de proteger os
100
colonos das doenças n a t i v a s . E m 1 9 1 2 , S i m o n d a p r e s e n t o u o s colonos
brancos c o m o o elemento que perturbava o equilíbrio natural entre os h a -
bitantes das regiões quentes, os m o s q u i t o s e o agente da febre amarela, e
que está n a origem das epidemias. É evidente que Simond, médico de pri-
meira classe das colônias, não recomendou, por isso, que se pusesse fim à
colonização. A última parte de seu tratado sobre a febre amarela é dedicada
à descrição das medidas sanitárias que permitem u m a proteção eficaz dos
h o m e n s b r a n c o s n o s c l i m a s q u e n t e s . E n t r e t a n t o , s u a s idéias s o b r e a
epidemiologia da febre amarela abriram, paralelamente, a porta para u m a
percepção radicalmente diferente da "maldição dos trópicos".

Laboratório e Política: a campanha de Oswaldo Cruz


contra a febre amarela no Rio de Janeiro e a criação do
Instituto de Manguinhos

E m 1 9 0 2 , Simond escreveu a seu amigo, o doutor Charrin:

Quanto ao trabalho, posso, sem indiscrição, dizer-lhe que os resulta-


dos até aqui são antes modestos e muito desproporcionais (no sentido
de inferioridade) ao esforço que fizemos durante a importante epidemia
que a muito custo está acabando. Se há algo que nos falta, em todo
101
caso, não são os doentes.

Simond e seus colegas assistiram impotentes à m o r t e de grande n ú m e r o de


doentes n o Hospital São Sebastião, para cuja autópsia f o r a m convidados. A
frustração c o m a inação diante de u m a epidemia grave diminuiu, entretan-
to, a partir de 1 9 0 3 , c o m o início da campanha sanitária de Oswaldo Cruz
contra as doenças epidêmicas que grassavam n o Rio de Janeiro.
Oswaldo C r u z fez seus estudos de medicina n a Faculdade do Rio de
J a n e i r o . M u i t o cedo, ele desenvolveu u m interesse pela b a c t e r i o l o g i a e,
quando ainda era estudante, assistiu o Dr. Rocha Faria n o Instituto Nacio-
nal de Higiene. S u a tese de medicina, relativa aos micróbios que vivem na
água, saiu e m 1 8 9 2 . No m e s m o ano, o Instituto Nacional de Higiene, u m
dos r a r o s p o n t o s de pesquisas e m bacteriologia n o Rio, foi t r a n s f o r m a d o
em Instituto D o m i n g o s Freire, dedicado à produção de u m a vacina contra
a febre a m a r e l a . C r u z perdeu, a s s i m , a possibilidade de c o n t i n u a r suas
pesquisas científicas, fato que talvez explique o fato de ele figurar, em
meados dos anos 1 8 9 0 , entre os m u i t o s j o v e n s cientistas que q u e s t i o n a -
r a m os c o n h e c i m e n t o s bacteriológicos de D o m i n g o s Freire. Entre 1 8 9 6 e
1 8 9 8 , graças à ajuda financeira de seu sogro, rico comerciante do Rio de
Janeiro, Cruz vai a Paris para aperfeiçoar seus conhecimentos em bacteriolo-
gia. Em 1 8 9 6 , ele faz o "Grand Cours" do Instituto Pasteur, eficiente meio
de adquirir sólidas bases na nova disciplina, e depois, em 1 8 9 7 e 1 8 9 8 ,
trabalha no laboratório municipal da cidade de Paris, onde cuida das a n á -
1 0 2
lises bacteriológicas da á g u a .
De volta ao Rio de Janeiro em 1 8 9 9 , Cruz m o n t a u m laboratório de
análises clínicas, o p r i m e i r o do gênero na capital brasileira. No m e s m o
ano, eclode u m a epidemia de peste. O governo brasileiro decide abrir u m
l a b o r a t ó r i o dedicado à f a b r i c a ç ã o de s o r o a n t i p e s t o s o (os p a s t e u r i a n o s
Calmette e Yersin h a v i a m produzido u m soro deste tipo, a f i r m a n d o que
fora testado durante u m a recente epidemia de peste na índia e na Indochina),
a s s i m c o m o à p r o d u ç ã o de o u t r o s soros e v a c i n a s . O n o v o l a b o r a t ó r i o ,
instalado em M a n g u i n h o s , na periferia do Rio de J a n e i r o , é dirigido por
Oswaldo Cruz, inicialmente nomeado diretor técnico e depois, a partir de
1 9 0 2 , diretor-geral. O ex-governador de São Paulo, Rodrigues Alves, é en-
tão eleito presidente do Brasil. Em São Paulo, Alves aprova e a c o m p a n h a
c o m interesse as experiências de Ribas e de Lutz sobre a t r a n s m i s s ã o da
febre amarela por mosquitos. Ao chegar ao Rio de Janeiro, Alves inicia u m
p r o g r a m a a m b i c i o s o de r e c o n s t r u ç ã o e s a n e a m e n t o da capital do Brasil.
Nomeia Oswaldo Cruz para o c o m a n d o da Diretoria Geral de Saúde Públi-
ca (DGSP) e lhe confia a tarefa de livrar a capital das doenças epidêmicas.
O v a l o r s i m b ó l i c o dessa tarefa ia b e m além da i m p o r t â n c i a p r á t i c a (de
modo a l g u m desprezível em si m e s m a ) do controle das epidemias, pois sua
persistência na capital do Brasil foi vista c o m o símbolo do atraso do país e
c o m o u m a afronta a suas aspirações a participar da família das nações
civilizadas. A febre amarela foi particularmente sentida c o m o u m a doença
que empanava a imagem do Brasil, c o m sua presença no Rio prejudicando
o comércio (os navios estrangeiros procuram evitar o porto, enquanto que
as tripulações e as mercadorias brasileiras devem se submeter às q u a r e n -
tenas); além disso, ela pôs u m freio na imigração, a qual era, entretanto,
e s s e n c i a l p a r a o c r e s c i m e n t o e c o n ô m i c o do país desde a a b o l i ç ã o do
e s c r a v i s m o em 1 8 8 8 .
A c a m p a n h a s a n i t á r i a conduzida por O s w a l d o Cruz entre 1 9 0 3 e
1 9 0 7 concentrou-se em três doenças: a peste, a febre amarela e a varíola.
Para e l i m i n a r a varíola, Cruz t e n t o u fazer u m a c a m p a n h a intensiva de
vacinação. A erradicação das duas outras infecções passou principalmente
pelo controle de seus vetores (os ratos no caso da peste, e os mosquitos no
caso da febre amarela), acompanhado de medidas de isolamento dos doen-
tes (figura 2 ) . O isolamento dos doentes de febre amarela e a vigilância das
pessoas n ã o - i m u n e s (crianças novas e estrangeiros) nos bairros atingidos
pela doença foram efetuados por destacamentos especiais de polícia sani-
tária. Essas medidas f o r a m postas em prática em abril de 1 9 0 3 c o m a
criação do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela. Para reduzir o n ú m e r o
de m o s q u i t o s Aedes aegypti na cidade, Cruz recorreu principalmente à fu¬
migação de gás sulfuroso nas casas, atividade realizada por trabalhadores
recrutados para esta finalidade, os " m a t a - m o s q u i t o s " . A cidade foi dividi-
da em dez setores, cada u m gerenciado separadamente e fiscalizado por
u m a estrutura central - método emprestado dos militares e aplicado pela
103
primeira vez em Cuba pelo general G o r g a s .

Essas medidas s a n i t á r i a s , de a l t o c u s t o , p u d e r a m ser financiadas


graças a u m a lei específica votada pelo Congresso do Brasil em dezembro
de 1 9 0 3 . Após u m debate exaltado, o parlamento brasileiro decidiu desti-
n a r u m o r ç a m e n t o de cinco milhões e meio de mil-réis à luta c o n t r a a
febre amarela. O dinheiro deveria servir, sobretudo, para remunerar gran¬
de n ú m e r o de inspetores sanitários e para financiar o e q u i p a m e n t o e o
material necessário às fumigações. Os " m a t a - m o s q u i t o s " - identificáveis
por seus uniformes e apresentados c o m o combatentes da guerra contra a
febre amarela - t e n t a r a m t a m b é m destruir os locais de multiplicação das
larvas de Stegomyia, m a s esta tarefa foi considerada secundária em relação
104
àquela, a l t a m e n t e visível, da fumigação. A atividade desenvolvida nos
bairros modestos foi m u i t o diferente da que se conduziu nos bairros n o -
bres. O pasteuriano M a r c h o u x filmou a ação do pessoal encarregado do
saneamento durante a c a m p a n h a contra os m o s q u i t o s : u m a equipe sani-
tária entra n u m a casa situada n u m b a i r r o popular, rapidamente coloca
u m a pessoa doente n u m a m a c a e, a toda velocidade, a leva para u m h o s -
pital de isolamento. N u m a segunda seqüência, vê-se u m grupo de h o m e n s
vestidos de branco que chegam a u m a mansão, gesticulam para isolar u m
quarto e o t r a n s f o r m a m em u m s u n t u o s o casulo de tule branco em cujo
centro reina a c a m a do doente. É surpreendente o contraste entre o indiví-
duo arrancado de seu ambiente familiar e aquele para quem se criam c o n -
dições apropriadas para que a doença não venha a perturbar seu conforto
105
pessoal. Esse contraste, pouco visível nos documentos de época, pode ter
sido u m a das fontes da oposição popular às c a m p a n h a s de Cruz.
A c a m p a n h a de Oswaldo Cruz foi, mais tarde, elevada à categoria de
s í m b o l o nacional. Seu sucesso foi descrito c o m o a vitória das forças das
luzes, da ciência e da razão, e c o m o a encarnação do poder civilizador do
Estado brasileiro, ao passo que a resistência à c a m p a n h a foi apresentada
c o m o a expressão do o b s c u r a n t i s m o , da ignorância e da incapacidade de
certas pessoas e grupos de e n x e r g a r além de seus interesses particulares
1 0 6
para agir em n o m e do b e m c o m u m . De fato, a c a m p a n h a de Oswaldo
Cruz encontrou resistência de muitos tipos. Primeiro, por parte da catego-
ria médica. A oposição à hipótese de que a transmissão da febre amarela se
faz exclusivamente pela mediação das picadas de m o s q u i t o Aedes aegypti se
o
cristalizou durante do 5 Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia (Rio
de Janeiro, j u n h o de 1 9 0 3 ) . Os contrários à teoria do m o s q u i t o apresenta-
r a m dados epidemiológicos que pareciam contradizer a hipótese da e x c l u -
sividade da t r a n s m i s s ã o pelo m o s q u i t o , e c o m o nos Estados Unidos a l -
g u n s médicos c o n t i n u a v a m a c o n t e s t a r tal hipótese, os brasileiros n ã o
107
deviam, portanto, ser mais realistas do que o r e i .
A oposição da categoria médica à "hipótese m o s q u i t o " foi liderada
pelo Dr. Nuno de Andrade, predecessor de Oswaldo Cruz no posto de dire-
tor da DGSP. Em u m a série de artigos publicados no Jornal do Commercio e
mais tarde reunidos na b r o c h u r a A Febre Amarela e o Mosquito, Andrade
criticou d u r a m e n t e os pesquisadores que
seguem novas doutrinas com u m entusiasmo digno dos apóstolos e
a intolerância de uma seita" e muitas vezes, como era o caso de Adolpho
Lutz - que foi, nos anos 1 8 9 7 - 9 8 , colaborador de Sanarelli e defensor de
seu Baríllus icteroides - com "o entusiasmo sem limites dos recém-con¬
108
vertidos.

Andrade n ã o se o p u n h a à idéia de que o m o s q u i t o podia transmitir a febre


a m a r e l a , m a s à idéia de que este era o ú n i c o m o d o de t r a n s m i s s ã o da
doença. Ele se revoltou c o n t r a "a tirania das novas doutrinas científicas".
Para os pesquisadores que s u s t e n t a v a m a hipótese do m o s q u i t o ,

os novos desenvolvimentos científicos são sempre a soma dos conhe-


cimentos humanos em determinado período. Se algumas pessoas se
recusam a se perfilar de maneira disciplinada atrás das últimas conquis-
tas da ciência, só nos resta ter pena delas, pois estão escolhendo ficar fora
de seu tempo.

Nuno de Andrade opôs-se a u m a visão da ciência que considera que "só os


desenvolvimentos mais recentes são dignos de serem levados em considera-
ção, visto que se baseiam nos métodos de investigação que correspondem ao
estado presente do desenvolvimento da ciência". U m a atitude desse tipo,
explicou, t o r n a caduca qualquer experiência anteriormente acumulada. Ele
denunciou t a m b é m mecanismos institucionais, c o m o as resoluções de c o n -
gressos i n t e r n a c i o n a i s de medicina, que a m p l i f i c a m a s idéias e m v o g a e
109
impossibilitam a expressão de opiniões divergentes. N u n o de Andrade de-
fendeu o ponto de vista segundo o qual os mosquitos são responsáveis pela
maioria - m a s não pela totalidade - dos casos de febre amarela. Sustentou
que em casos b e m documentados de infecção por meio de vestimentas c o n -
t a m i n a d a s g u a r d a d a s e m a r m á r i o s fechados d u r a n t e a n o s e m condições
que t o r n a m altamente improvável a sobrevivência dos ovos de mosquitos, a
febre a m a r e l a foi transmitida s e m a mediação de u m inseto. Ele concluiu
que o abandono completo de todas as medidas tradicionais de proteção c o n -
tra a febre amarela havia sido u m ato irresponsável. Além disso, a Comissão
Reed não conseguira provar, afastando qualquer dúvida possível, que o agente
da febre amarela era u m vírus filtrável e que a doença não decorria da ação
de u m a t o x i n a bacteriana; neste último caso, as medidas de destruição dos
objetos pessoais do doente eram justificáveis. N u n o de Andrade contestou,
i g u a l m e n t e , o v a l o r das experiências e m seres h u m a n o s conduzidas pela
C o m i s s ã o Reed, e depois pelos pesquisadores brasileiros e franceses. Essas
experiências foram feitas em localidades onde a febre amarela não existe em
estado natural para evitar u m a contaminação acidental, fora das condições
experimentais. Isso permitiu experiências b e m controladas e e m c o n f o r m i ¬
dade c o m as n o v a s r e g r a s da ciência b a c t e r i o l ó g i c a , m a s realizadas e m
condições m u i t o distantes daquelas em que ocorre o s u r g i m e n t o n a t u r a l
da doença, e sem levar em c o n t a elementos antes considerados i m p o r t a n -
110
tes, tais c o m o as condições c l i m á t i c a s .
É fácil v e r n a s idéias de N u n o de Andrade apenas u m c o m b a t e de
retaguarda travado por u m médico incapaz de se adaptar às novas m a n e i -
ras de pensar e de agir, e que se aferra tenazmente a suas antigas convic-
ções. É a l t a m e n t e provável que sua resistência à teoria do m o s q u i t o e, de
m o d o m a i s geral, às n o v a s modalidades de prova n o estudo das doenças
t r a n s m i s s í v e i s ateste, de f a t o , s u a dificuldade e m se a d a p t a r a o s n o v o s
desenvolvimentos e m medicina. M a s o a r g u m e n t o de que a febre amarela
pode ser transmitida por o u t r o m o d o que n ã o a picada de m o s q u i t o Aedes
aegypti era fundamentalmente absurdo? É verdade que, à luz dos c o n h e c i -
m e n t o s atuais, a doença febre amarela, o u seja, a infecção por u m vírus
b e m definido, é t r a n s m i t i d a e x c l u s i v a m e n t e pelos m o s q u i t o s . M a s , e m
1 9 0 3 , u m a doença etiquetada c o m o "febre amarela" c o m base u n i c a m e n t e
e m sinais clínicos e patológicos pôde facilmente ser confundida c o m o u -
tras doenças que induzem a icterícia e a febre. Os conselhos de N u n o de
Andrade de n ã o c o n t a r unicamente c o m a destruição dos m o s q u i t o s , e n ã o
a b a n d o n a r i n t e i r a m e n t e as medidas s a n i t á r i a s tradicionais, tais c o m o o
isolamento das doenças e a destruição das vestimentas e da roupa de c a m a
sujas n ã o eram totalmente desprovidos de b o m senso, ao m e n o s quando se
tratava de reagir aos casos isolados de "febre amarela" fora de u m a epide-
m i a maior.
A oposição de N u n o de Andrade e seus colegas à "teoria do mosquito"
reuniu-se à oposição popular e à resistência de certos setores profissionais
às medidas sanitárias i m p o s t a s por Oswaldo Cruz. Essa oposição se cris-
talizou em t o r n o da resistência à vacinação obrigatória c o n t r a a varíola e
às medidas destinadas a eliminar os m o s q u i t o s Aedes aegypti e suas larvas;
as c a m p a n h a s de destruição dos ratos e de limpeza das r u a s organizadas
n o quadro da prevenção da peste foram, e m geral, b e m aceitas pelos habi-
tantes do Rio de Janeiro. A vacinação obrigatória encontrou u m a resistên-
cia p a r t i c u l a r m e n t e forte, vinda s i m u l t a n e a m e n t e dos m e i o s populares e
das classes m a i s educadas. A igreja positivista (inspirada pelos escritos de
A u g u s t e Comte, e influente no Rio n o início do século X X ) opunha-se c o m
vigor s i m u l t a n e a m e n t e àquilo que seus porta-vozes c h a m a v a m de "a i l u -
são vacinai", o u seja, a substituição da percepção da saúde c o m o estilo de
vida por u m a fé em atos técnicos isolados, à intervenção do Estado na vida
privada dos cidadãos e à restrição das liberdades individuais. Paralelamente,
o j o r n a l de esquerda Emancipação sustentou a idéia de que os poderes públi¬
cos, que a f i r m a v a m proteger toda a população, n a realidade p r o t e g e r a m
apenas os interesses das camadas privilegiadas, e se desinteressaram c o m -
pletamente dos problemas que n ã o a m e a ç a v a m os ricos, tais c o m o as m á s
condições de trabalho e a escandalosa insuficiência do salário dos operários:

O governo ficou muito interessado na saúde pública, está pronto a


gastar dinheiro do contribuinte quando se trata de combater doenças
epidêmicas, nocivas aos rendimentos, mas, por outro lado, mostra
111
total indiferença aos nossos sofrimentos.

A resistência à v a c i n a ç ã o c u l m i n o u e m n o v e m b r o de 1 9 0 4 , c o m a
"revolta da vacina" - m o t i n s nas r u a s do Rio de Janeiro e u m a rebelião n a
112
academia m i l i t a r da Praia V e r m e l h a . O a r g u m e n t o principal dos o p o -
nentes à vacinação, e de modo mais geral às regras de higiene impostas do
alto foi que "seu aspecto forçado é u m atentado c o n t r a a dignidade h u m a -
na. Persuasão e convicção, sim. Coerção, j a m a i s . Ela é arbitrária e despóti¬
113
ca - u m a verdadeira ditadura s a n i t á r i a " . M e s m o profissionais da medi-
cina a c h a r a m a lei excessivamente arbitrária; a Revista de Medicina Tropical
de 2 2 de m a r ç o de 1 9 0 4 publica, a s s i m , u m a r t i g o e m p r o t e s t o c o n t r a
u m a lei draconiana de Oswaldo Cruz, que perturba de maneira inaceitável
114
os hábitos de u m a cidade. A revolta é produto de u m a aliança heterogê-
nea entre a igreja positivista, os alunos da Escola Militar da Praia V e r m e -
lha, os adversários políticos do presidente Rodrigues Alves e do prefeito
Pereira Passos e os habitantes dos bairros pobres do centro do Rio de J a n e i -
ro. Estes, após a demolição de suas casas, são obrigados a se instalar nos
115
morros que cercam a cidade. A "revolta da v a c i n a " a c a b o u c o m u m a
vitória provisória: o presidente Rodrigues Alves foi obrigado a abolir a lei
116
que instaurava a vacinação obrigatória c o n t r a a v a r í o l a .
A resistência popular às medidas tomadas contra a febre amarela foi
m e n o s estruturada. A imprensa do Rio de J a n e i r o criticou v i g o r o s a m e n t e
"as tendências ditatoriais da nova administração" traduzidas por u m a m i s -
t u r a de "violência política direta e violência sustentada pelas novas medidas
sanitárias". Os j o r n a i s l a m e n t a r a m especialmente a "implementação brutal
das n o v a s medidas, s e m levar m i n i m a m e n t e e m c o n s i d e r a ç ã o as n o v a s
medidas sanitárias". Os moradores do Rio de J a n e i r o "são v í t i m a s de u m
poder tentacular que limita sua liberdade nas ruas, em suas casas, n o exer-
117
cício de sua profissão e em seus direitos de proprietários". Os artigos p u -
blicados na imprensa n o início da c a m p a n h a sanitária (verão de 1 9 0 3 ) são
o r e f l e x o do r e s s e n t i m e n t o p o p u l a r ligado a o f a t o de que o presidente
Rodrigues Alves e o prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, aproveitaram
a c a m p a n h a sanitária lançada por Oswaldo Cruz para modernizar a capi¬
tal brasileira. As principais v í t i m a s desse esforço de m o d e r n i z a ç ã o f o r a m
os moradores dos bairros pobres situados n o centro da cidade. S u a s casas
e r a m m u i t a s vezes demolidas, seus m ó v e i s j o g a d o s fora, o c o m é r c i o de
rua, importante fonte de g a n h o s nesses bairros, foi banido, e seu m o d o de
vida tradicional t o r n o u - s e impossível. A oposição à c a m p a n h a sanitária,
m a i s tarde apresentada c o m o expressão da i g n o r â n c i a da p o p u l a ç ã o , n a
verdade teve razões econômicas e sociais b e m precisas. Ela foi vista prin-
cipalmente c o m o u m a t o político e c o m o u m a advertência endereçada ao
poder contra qualquer tentativa de impor medidas arbitrárias sem pesqui-
118
sa prévia sobre a concordância da p o p u l a ç ã o .
Os emissários do Instituto Pasteur a p o i a r a m s e m reservas as medi-
das decretadas por Oswaldo Cruz. E m u m a recepção dada pelo presidente
Rodrigues Alves e m j u l h o de 1 9 0 3 em h o m e n a g e m aos m e m b r o s da M i s -
são Pasteur antes de s u a partida para a F r a n ç a , onde p a s s a r i a m a l g u n s
meses, os pesquisadores franceses a f i r m a r a m que a erradicação dos m o s -
quitos era a única maneira de eliminar a febre amarela da capital brasilei-
ra. S u a intervenção pública foi criticada pelos j o r n a i s do Rio de J a n e i r o ,
indignados c o m o a p o i o à "ditadura s a n i t á r i a da n o v a a d m i n i s t r a ç ã o " .
Não havia n e n h u m a r a z ã o especial, segundo os j o r n a i s , para aceitar sem
reagir as opiniões de pesquisadores estrangeiros, posto que essas m e s m a s
119
medidas e r a m criticadas por alguns pesquisadores brasileiros de r e n o m e .
N u n o de Andrade explicou que o g o v e r n o francês n ã o tinha de m o d o a l -
g u m pressa e m adotar as medidas propostas pela Missão Pasteur nos terri-
tórios por ele governados. Advertiu seus colegas c o n t r a os perigos da ado-
ção cega das novas doutrinas científicas que, de todo modo, t ê m vida m u i t o
curta, e propôs que se prestasse mais atenção à longa tradição brasileira de
120
estudos epidemiológicos da febre a m a r e l a .
O presidente Rodrigues Alves n ã o n e g o u apoio a Oswaldo Cruz, e a
c a m p a n h a de eliminação dos m o s q u i t o s do Rio de J a n e i r o c o m e ç o u a dar
resultados tangíveis. E m 1 9 0 3 , a mortalidade devida à febre a m a r e l a n o
Rio de J a n e i r o era de 5 8 4 pessoas (o que corresponde à mortalidade anual
média, fora da epidemia aguda); em 1 9 0 4 ela se reduz a 4 8 pessoas, a u -
m e n t a n o v a m e n t e em 1 9 0 5 , c o m 2 8 9 pessoas, e volta a cair rapidamente:
1 2 1
4 2 mortos em 1 9 0 6 , 3 9 em 1 9 0 7 , 4 em 1 9 0 8 e nenhum em 1 9 0 9 . A
"vitória sobre a febre amarela", perceptível desde 1 9 0 7 , t o r n o u - s e o sinal
m a i s visível do sucesso da c a m p a n h a sanitária, e seu diretor foi rapida-
122
mente promovido a herói n a c i o n a l . Oswaldo Cruz apoiou-se em sua
popularidade recém-adquirida, a s s i m c o m o e m seus sólidos laços c o m o
poder federal, p a r a c o n s e g u i r e m 1 9 0 6 a a n u ê n c i a p a r a t r a n s f o r m a r o
Instituto Soroterápico de M a n g u i n h o s (que ele c o n t i n u o u a dirigir) em u m
instituto de pesquisa a u t ô n o m o em medicina tropical subvencionado pelo
Estado. O novo instituto, segundo Cruz, seria criado nos moldes do Insti-
t u t o P a s t e u r de P a r i s . E m 1 9 0 8 , o i n s t i t u t o r e c e b e p e r m i s s ã o para
123
comercializar soros e vacinas, a fim de a u m e n t a r seu o r ç a m e n t o . O Ins-
tituto de M a n g u i n h o s c o m b i n o u investigações de laboratório em bacterio-
logia e parasitologia c o m estudos epidemiológicos de c a m p o . Foi concebi-
do c o m o u m a i n s t i t u i ç ã o dedicada p r i n c i p a l m e n t e à p e s q u i s a . Todos o s
seus m e m b r o s efetivos eram brasileiros. Alguns deles, c o m o Cruz e Adolpho
Lutz, fizeram seus estudos na Europa; o u t r o s se f o r m a r a m em sua terra.
O Instituto de M a n g u i n h o s manteve laços estreitos c o m a ciência européia
graças às longas temporadas de pesquisadores estrangeiros (nos anos 1 9 1 0 ,
p r i n c i p a l m e n t e a l e m ã e s ) , à ida dos pesquisadores brasileiros aos c e n t r o s
de pesquisa em bacteriologia, parasitologia e medicina tropical da Europa,
à p a r t i c i p a ç ã o b r a s i l e i r a n o s c o n g r e s s o s i n t e r n a c i o n a i s e, f i n a l m e n t e , à
abertura de u m a biblioteca de alto nível e m M a n g u i n h o s , c o m os princi-
124
pais periódicos científicos e médicos do m u n d o .
O Instituto de M a n g u i n h o s foi rapidamente elevado pela c o m u n i d a -
de internacional à condição de centro ineludível de pesquisa em medicina
tropical, fato sem precedentes em u m país periférico. O 4º Congresso Mundial
de Higiene e Demografia (Berlim, 1 9 0 7 ) lhe conferiu a Medalha de Ouro de
Higiene. E m 1 9 0 9 , u m pesquisador do instituto se celebrizou ao descrever
u m a n o v a doença das regiões quentes, a "doença de C h a g a s " , patologia
que i m o r t a l i z o u seu n o m e . Carlos Chagas (aluno de Oswaldo Cruz) t o r -
n o u , a s s i m , p a t e n t e a c o n t r i b u i ç ã o de seu país a o d e s e n v o l v i m e n t o dos
n o v o s c o n h e c i m e n t o s em medicina tropical n o início do século X X . Esse
desenvolvimento, contudo, n ã o teve c o m o desdobramento u m a interven-
ç ã o eficaz e m m a t é r i a de saúde p ú b l i c a . Os m e m b r o s do I n s t i t u t o de
M a n g u i n h o s (rebatizado por decreto presidencial em 1 9 0 8 c o m o "Institu-
to Oswaldo Cruz") e r a m antes de tudo pesquisadores, e a instituição dedi-
c o u - s e às investigações fundamentais. A separação dos estudos de finali-
dade m a i s prática n u n c a foi, é verdade, completa: pesquisadores do Insti-
t u t o Oswaldo Cruz o r g a n i z a r a m expedições sanitárias ao interior do país,
p u b l i c a r a m artigos sobre a luta c o n t r a doenças transmissíveis, dois deles
(Oswaldo Cruz e Carlos Chagas) até m e s m o o c u p a r a m o c a r g o de diretor
do Departamento Nacional de Saúde Pública (cargo mais honorífico do que
propriamente dotado de poder de fato, dada a ausência de recursos finan-
ceiros do d e p a r t a m e n t o ) . Entretanto, o r e n o m e internacional do Instituto
Oswaldo Cruz e o alto nível profissional das pesquisas lá realizadas tive-
r a m poucos efeitos na solução das questões de saúde pública n o Brasil. A
febre amarela c o n t i n u o u sendo u m problema maior.
Nos a n o s 1 9 1 0 , a febre a m a r e l a c o n t i n u a v a , de fato, presente no
Brasil, especialmente nas cidades portuárias do norte do país. Os poderes
sanitários brasileiros reagiam c o m ações isoladas às irrupções pontuais da
doença, n o t a d a m e n t e c o m pulverizações locais de inseticida. Seu modelo
de ação contra a febre amarela era a c a m p a n h a de Oswaldo Cruz no Rio de
J a n e i r o . Ocasionalmente, esse modelo p r o v o u sua eficácia; pesquisadores
de Harvard que visitaram a Amazônia em 1 9 1 6 c o n s t a t a r a m que a c a m -
panha contra os m o s q u i t o s Aedes aegypti em Belém (Pará) realizada sob a
direção de Cruz em 1 9 1 0 - 1 1 havia efetivamente eliminado a febre a m a r e -
125
la da c i d a d e . M a s ele não era de modo a l g u m aplicável ao c o n j u n t o de
u m país subdesenvolvido, dotado de u m orçamento para a saúde e x t r e m a -
mente reduzido e cujo território era, em sua maioria, praticamente despro-
vido de estruturas estatais. Além disso, a drástica redução do n ú m e r o de
mosquitos Aedes aegypti em u m a cidade revelou-se u m meio eficaz de ces-
sar u m a epidemia de febre a m a r e l a , m a s n ã o de e l i m i n a r a a m e a ç a de
f u t u r a s epidemias.
Em 1 9 1 3 , r u m o r e s persistentes deram notícia da presença da febre
a m a r e l a n o Rio de J a n e i r o . O c ô n s u l b r i t â n i c o n e s s a cidade, E r n e s t
H a m b l o c h , r e l a t o u e m m a r ç o q u e u m n a v i o a v a p o r p r o v e n i e n t e de
Pernambuco havia chegado ao porto do Rio c o m vários doentes a bordo. O
que, em si, não constituía razão para alarme, escrevia ele, m a s c o n s t a t a -
ra-se recentemente u m preocupante a u m e n t o do n ú m e r o de mosquitos na
cidade, atribuído ao fato de que os m e m b r o s da "brigada dos m o s q u i t o s "
126
estavam há meses sem receber seus s a l á r i o s . Em j u l h o , Hambloch anexa
à sua carta u m recorte do j o r n a l Correio da Manhã de 11 de j u l h o de 1 9 1 3 ,
no qual se afirma que dois casos de febre amarela haviam sido e n c o n t r a -
dos em Engenho Novo, perto do Rio de Janeiro, e se c h a m a a atenção para
a insuficiência dos salários pagos aos empregados da brigada antimosquito,
"esses humildes funcionários que no c o m e ç o foram odiados pelo público,
m a s que, quando os habitantes se c o n v e n c e r a m de sua utilidade, a c a b a -
r a m por ser aceitos". H a m b l o c h acrescentou que, ainda que alguns afir-
m a s s e m que u m serviço a n t i m o s q u i t o não era mais necessário no Rio de
Janeiro, ele era de opinião contrária: enquanto não se houvesse eliminado
a fonte de c o n t a m i n a ç ã o (e segundo H a m b l o c h , "a febre a m a r e l a estará
latente no Brasil enquanto houver negros no país"), não se poderia relaxar
127
a vigilância. Com efeito, nos anos 1 9 0 0 - 1 9 2 0 , o problema da febre a m a -
rela no Brasil foi n o v a m e n t e associado ao problema racial, em particular
através do p r o b l e m a da i n t e g r a ç ã o do interior do país, cujos habitantes
eram, em grande parte, negros, índios o u mestiços.
O Interior do Brasil, a Questão Racial e a Febre Amarela
As c a m p a n h a s c o n t r a a febre a m a r e l a estiveram inicialmente l i g a -
das ao problema do comércio e da imigração, atingindo as grandes cidades
p o r t u á r i a s , Recife, B a h i a e, a n t e s de t u d o , a c a p i t a l , Rio de J a n e i r o . A
cidade do Rio n ã o conhece a febre amarela antes da metade do século X I X .
E m 1 8 4 9 - 5 0 , u m a epidemia n a cidade teria feito, o f i c i a l m e n t e , 4 . 0 0 0
vítimas (o balanço real foi, provavelmente, m u i t o mais dramático). A epi-
demia foi atribuída pelos médicos locais ao comércio de escravos. O vene-
n o da febre a m a r e l a , s u s t e n t a v a m eles, r e s u l t a v a da a c u m u l a ç ã o dos
m i a s m a s devidos às condições m a l s ã s que r e i n a v a m a b o r d o dos n a v i o s
128
que traziam os e s c r a v o s . O cataclismo n ã o se repetiu por 2 0 anos, ainda
que pequenas irrupções da doença t e n h a m ocasionalmente sido registradas
n o Rio. C o n t u d o , m e s m o após a epidemia de 1 8 4 9 - 5 0 , a febre a m a r e l a
n ã o foi considerada u m problema m a i o r de saúde pública. A doença p o u -
p a v a as elites locais, nascidas n o país, e o s escravos " a c l i m a t a d o s " . Por
v o l t a de 1 8 5 0 , u m a patologia que atingia seletivamente os r e c é m - c h e g a -
dos ao país era tratada c o m o u m m a l m e n o r (para alguns, c o m o o meio de
livrar o país dos estrangeiros indesejáveis).
A s i t u a ç ã o era c o m p l e t a m e n t e o u t r a d u r a n t e a s e g u n d a epidemia
m a i o r de febre a m a r e l a n o Rio de J a n e i r o , em 1 8 7 0 . C o m o comércio de
escravos declarado ilegal, e c o m o os proprietários das plantações antecipa-
r a m a abolição do e s c r a v i s m o (que foi finalmente abolido em 1 8 8 8 , u m
a n o antes da proclamação da República), o trabalho passava a se basear na
chegada r e g u l a r de m ã o - d e - o b r a i m i g r a n t e . A i m i g r a ç ã o era i g u a l m e n t e
i m p o r t a n t e para o desenvolvimento da agricultura nas novas regiões (em
particular no Sul e n o Centro) e para o lançamento de u m a indústria nacio-
nal. U m a doença que atingia seletivamente os imigrantes era vista, além
disso, c o m o u m grande obstáculo ao p r o g r a m a , avançado por alguns polí-
ticos brasileiros adeptos das teorias raciais, de " e m b r a n q u e c e r " o Brasil
129
por meio do estímulo à imigração européia. O senador Rui Barbosa, u m a
das figuras centrais da política brasileira do início do século X X , apresen-
t o u u m a v e r s ã o e x t r e m a desse p o n t o de v i s t a em seu elogio p ó s t u m o a
Oswaldo Cruz:

Poupando o elemento africano, exterminando os europeus, a febre


amarela, negrófila e xenófoba, atacou a própria existência da nação.
[...] A imigração veio purificar nossas veias de nossa mistura de raças
original, e a febre amarela nos apresentou aos olhos do mundo civiliza-
130
do como o abatedouro da raça b r a n c a .
A c a m p a n h a sanitária de Oswaldo Cruz e os trabalhos dos m e m b r o s
da m i s s ã o do I n s t i t u t o Pasteur e n f a t i z a r a m o c o n t r o l e da febre a m a r e l a
por meio do saneamento das cidades e da cessação das epidemias que atin-
g i a m os imigrados. Os médicos brasileiros e seus colegas franceses r e c o -
nheceram a presença endêmica da febre amarela em vastas regiões do país,
m a s consideraram tal presença c o m o u m problema relativamente m e n o r
de saúde pública (a m a i o r i a dos habitantes dessas zonas f o r a m i m u n i z a -
dos n a infância) que, além disso, não podia ser resolvida pelos meios exis-
tentes. Essa atitude foi partilhada pela m a i o r i a dos especialistas brasilei-
ros em saúde pública. Nos anos 1 9 2 0 e 1 9 3 0 , os especialistas n o r t e - a m e -
ricanos da Fundação Rockefeller empreenderam, p o r iniciativa própria, e
c o m o apoio do governo brasileiro, a erradicação da febre amarela no B r a -
sil. Suas c a m p a n h a s c o n t r a a doença f o r a m descritas ulteriormente c o m o
u m a i n t e r v e n ç ã o s a n i t á r i a i n o v a d o r a q u e teve e n t r e seus efeitos m a i s
m a r c a n t e s a presença do Estado central brasileiro n o s lugares m a i s a f a s -
131
tados do p a í s . Os esforços para controlar a febre amarela por parte dos
especialistas da Fundação Rockefeller i a m a o e n c o n t r o do esforço e m p r e -
endido pelas elites brasileiras ao longo do século X X - e ilustrado de m a -
neira particularmente impressionante pela transferência da capital do Brasil
do Rio de Janeiro para Brasília - para integrar o vasto interior do país e as
1 3 2
zonas desenvolvidas do litoral e do S u l .
A separação entre o litoral e o interior brasileiro, segundo Claude Lévi-
Strauss, foi produto da industrialização, do desenvolvimento do comércio e
da c o n s t r u ç ã o das estradas do século X I X . Nos séculos XVII e XVIII, as
cidades brasileiras eram menores, m a s m e l h o r distribuídas. Segundo ele,

o abandono em que o Brasil central caiu no início do século XIX não


refletia de modo algum a situação inicial: era o preço pela intensificação
do povoamento e das trocas nas regiões costeiras, em razão das condi-
ções de vida moderna que nelas se instauravam; ao passo que o interior,
porque nele o progresso era difícil, regredia ao invés de seguir o movi-
133
mento no ritmo desacelerado que lhe é próprio.

No fim do século X I X , o abandono do centro do Brasil é u m fato c o n s u m a -


do, e os habitantes das cidades da costa vivem, de modo geral, n u m a total
ignorância sobre as coisas do interior. A "descoberta" do interior do Brasil
pelas elites das cidades é atribuída a u m acontecimento preciso: a publica-
134
ção, em 1 9 0 2 , do livro de Euclides da Cunha, Os Sertões. Este livro teve
grande influência nos meios literários, m a s também no conjunto das c a m a -
das instruídas da sociedade brasileira. Euclides da Cunha, ex-aluno da Esco-
la Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, dela foi expulso por razões
políticas (apoiou tendências republicanas) em 1 8 8 8 . Após a proclamação da
República, em 1 8 8 9 , ele é reintegrado ao corpo dos engenheiros militares,
m a s em 1 8 9 6 deixa definitivamente o Exército, para se t o r n a r j o r n a l i s t a .
Em 1 8 9 7 , é enviado para seguir a c a m p a n h a do Exército brasileiro contra
u m a revolta camponesa no estado da Bahia, dirigida por u m místico reli-
gioso, A n t ô n i o Conselheiro. A c a m p a n h a , que, imaginava-se, seria breve,
durou u m ano (outubro de 1 8 9 6 - outubro de 1 8 9 7 ) , e acabou c o m o m a s -
sacre (após u m longo cerco) dos seguidores de Conselheiro, entrincheirados
135
na cidade de C a n u d o s .
Euclides da C u n h a seguiu a c a m p a n h a m i l i t a r c o n t r a os aliados,
descobrindo, na o c a s i ã o , as paisagens físicas e h u m a n a s do interior do
país. Seu relato da "guerra de Canudos" procura fazer u m a análise cientí-
fica dos laços existentes entre a região e seus habitantes, valendo-se das
teorias c l i m á t i c a s e raciais. Ele é influenciado pelo p o s i t i v i s m o que i m -
pregnava sua educação na escola militar, e fascinado pelas ciências n a t u -
rais e sociais (tais c o m o as teorias sociológicas e antropológicas de Ludwik
G u m p l o w i c z ) . U m dos elementos c o n s t i t u t i v o s da força de seu livro é a
tensão permanente entre o quadro teórico construído e suas percepções e
sentimentos que nele não se encaixam. O ponto de partida de Euclides da
C u n h a foi a c o n v i c ç ã o de que os seguidores de Conselheiro são pessoas
"selvagens" e "degeneradas", que travam u m combate retrógrado, ao pas-
so que o Exército (da j o v e m República brasileira) representa a civilização e
o p r o g r e s s o . Após ter sido t e s t e m u n h a da tenacidade e da c o r a g e m dos
rebeldes, de sua fidelidade à sua fé religiosa e da selvageria dos massacres
136
perpetrados pelo Exército, Euclides da C u n h a perdeu suas c o n v i c ç õ e s .
Seu livro reflete a oscilação entre a condenação do fanatismo dos rebeldes
e a a d m i r a ç ã o de seu idealismo, a confiança nos ideais republicanos e a
reticência diante dos atos c o m e t i d o s por seus representantes oficiais. O
livro termina c o m u m a descrição da e x u m a ç ã o do cadáver de Antônio C o n -
selheiro pelos soldados, e sua decapitação:

Restituíram-no à cova. Pensaram, porém, depois, em guardar a sua


cabeça tantas vezes maldita - e como fora malbaratar o tempo exuman-
do-o de novo, uma faca jeitosamente brandida, naquela mesma atitude,
cortou-lha: e a face horrenda, empastada de escaras e de sânie, apareceu
ainda uma vez ante aqueles triunfadores... [...] Trouxeram depois para
o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele crânio. Que a ciência
dissesse a última palavra. Ali estavam, no relevo de circunvoluções ex-
pressivas, as linhas essenciais do crime e da loucura... É que ainda não
137
existe um Maudsley para as loucuras e os crimes das nacionalidades...
As descrições dos h a b i t a n t e s do sertão são m a r c a d a s pela m e s m a
atitude ambivalente: a ciência deve "dar a ú l t i m a palavra", m a s há mais
de u m a forma de utilizar o saber científico. Euclides da Cunha começa sua
descrição do interior do Brasil c o m a convicção de que ele é povoado de
pessoas "degeneradas". Essa "degeneração", explica ele, tem dupla origem:
o clima e a m e s t i ç a g e m . O clima, m a l s ã o para o h o m e m b r a n c o , destrói
suas forças vitais e provoca m u d a n ç a s hereditárias irreversíveis:

O calor úmido das paragens amazonenses, por ex., deprime e exaure.


Modela organizações tolhiças em que toda a atividade cede ao perma-
nente desequilíbrio entre as energias impulsivas das funções periféricas
fortemente excitadas e a apatia das funções centrais: inteligências
marasmáticas, adormidas sob o explodir das paixões; inervações
periclitantes, em que pese a acuidade dos sentidos, e mal reparadas ou
refeitas pelo sangue empobrecido nas hematoses incompletas... [...] A
aclimação traduz uma evolução regressiva. [...] o português no Ama-
zonas, se foge ao cruzamento, no fim de poucas gerações tem alterados
os caracteres físicos e morais de uma maneira profunda, desde a tez, que
se acobreia pelos sóis e pela eliminação completa do carbono, ao tempe-
138
ramento, que se debilita despido das qualidades primitivas.

O u t r a s raças se a d a p t a r a m m e l h o r a u m a m b i e n t e difícil: Ά raça


inferior, o selvagem branco, domina-o; aliado ao meio, vence-o, esmaga-o,
a n u l a - o na concorrência formidável à malária, ao hepatismo, às pirexias
139
esgotantes, às canículas abrasadoras, e aos alagadiços m a l e i t o s o s " . Da
Cunha não adere de modo a l g u m à teoria, avançada por alguns adeptos da
"medicina dos climas quentes" do século X I X , que vê na mestiçagem u m a
solução para o problema da adaptação do h o m e m branco aos climas h o s -
tis. A mestiçagem é u m problema, não u m a solução:

A mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial.


Ante as conclusões do evolucionismo, ainda quando reaja sobre o pro-
duto ou influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas
da inferior. A mestiçagem extremada é um retrocesso. [...] De sorte que
o mestiço - traço de união entre as raças, breve existência individual, em
que se comprimem esforços seculares - é, quase sempre, um desequili-
brado. [...] menos que um intermediário, é um decaído, sem a energia
física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais
140
superiores.

Euclides da C u n h a encontra, no entanto, dificuldades em c o n f i r m a r


seus conceitos teóricos em c a m p o . Durante os dois anos que passou obser-
vando aquela população composta quase exclusivamente de mestiços ( m u ¬
latos, m i s t u r a de brancos e negros, caboclos, mistura de índios e brancos,
e cafuzos, mistura de negros e índios), ela não exibiu nenhum dos sinais de
degeneração esperados. O sertanejo ( h a b i t a n t e das planícies do interior),
constata Euclides da Cunha, é particularmente bem adaptado ao seu meio
físico e à sua ocupação de vaqueiro. Ele se vê, a partir de então, obrigado a
e n c o n t r a r u m a explicação teórica para tal a n o m a l i a :

Entretanto a observação cuidadosa do sertanejo do norte mostra ate-


nuado esse antagonismo de tendências e uma quase fixidez nos caracteres
fisiológicos do tipo emergentes. Este fato, que contrabate, ao parecer, as
linhas anteriores, é a sua contraprova frisante. Com efeito, é inegável
que para a feição anormal dos mestiços de raças mui diversas contribui
bastante o fato de acarretar o elemento étnico mais elevado mais eleva-
das condições de vida, de onde decorre a acomodação penosa e difícil
para aqueles. Ε desde que desça sobre eles a sobrecarga intelectual e
moral de uma civilização, o desequilíbrio é inevitável. A índole incoeren-
te, desigual e revolta do mestiço, como que denota um íntimo e intenso
esforço de eliminação dos atributos que lhe impedem a vida num meio
mais adiantado e complexo. [...] É que neste caso a raça forte não destrói
a fraca pelas armas, esmaga-a pela civilização. Ora os nossos rudes
patrícios dos sertões do norte forraram-se a esta última. O abandono
em que j a z e r a m teve função benéfica. Libertou-os da adaptação
penosíssima a um estádio social superior, e, simultaneamente, evitou
que descambassem para as aberrações e vícios dos meios adiantados.
[...] É u m retrógrado; não é um degenerado. Por isto mesmo que as
vicissitudes históricas o libertaram na fase delicadíssima da sua forma-
ção, das exigências desproporcionadas de uma cultura de empréstimo,
preparam-no para a conquistar um dia. [...] Aquela raça cruzada sur-
ge autônoma e, de algum modo, original, transfigurando, pela própria
combinação, todos os atributos herdados; de sorte que, despeada afinal
da existência selvagem, pode alcançar a vida civilizada por isto mesmo
que não a atingiu de repente. [...] - nos sertões a integridade orgânica do
mestiço desponta inteiriça e robusta, imune de estranhas mesclas, capaz
de evolver, diferenciando-se, acomodando-se a novos e mais altos desti-
141
nos, porque é a sólida base física do desenvolvimento moral ulterior.

Por u m a curiosa reviravolta, o mestiço abandonado à própria sorte


n u m a região selvagem torna-se u m modelo de desenvolvimento físico r o -
b u s t o . Livre dos vícios da civilização, dotado de saúde sólida, c a p a z de
progresso moral, o sertanejo de sangue misturado torna-se, assim, o ícone
do futuro do Brasil:

Não t e m o s unidade de raça. Não a teremos, talvez, n u n c a .


Predestinamo-nos à formação de uma raça histórica em futuro remo¬
to, se o permitir dilatado tempo de vida nacional autônoma. Inverte-
mos, sob este aspecto, a ordem natural dos fatos. A nossa evolução
biológica reclama a garantia da evolução social. Estamos condenados à
142
civilização. Ou progredimos, ou desaparecemos.

Partindo de teorias biológicas, climáticas e raciais deterministas, Euclides


da C u n h a c h e g a à c o n c l u s ã o de que o brasileiro está condenado ao p r o -
gresso social que será o m o t o r de seu progresso biológico futuro. Ele for-
m u l o u suas idéias n a l i n g u a g e m das teorias raciais. M u i t o s a n o s depois,
u m a geração de higienistas brasileiros r e f o r m u l a as teses de m e l h o r i a da
raça, a p o i a n d o - s e n a idéia de a p e r f e i ç o a m e n t o da saúde da p o p u l a ç ã o e
substituindo u m a eugenia "dura", baseada n a existência de traços prede-
terminados, por u m a eugenia "leve", que sublinha a importância do meio
1 4 3
a m b i e n t e n a c o n s t i t u i ç ã o dos c a r a c t e r e s físicos e m o r a i s . Fortemente
influenciados por Os Sertões, eles acrescentaram ao t e m a do isolamento do
sertanejo que, segundo Euclides da C u n h a , é "estrangeiro e m sua própria
terra", o t e m a de seu c r i m i n o s o a b a n d o n o , especialmente pelos poderes
144
públicos.
O desejo de u m a intervenção central mais enérgica do Estado na vida
dos habitantes do interior do país foi influenciado pelas teses desenvolvi-
das p o r Manoel Bonfim e m seu livro A América Latina: males de origem,
1 4 5
publicado e m 1 9 0 5 . Bonfim abandonou a profissão de médico para tor-
nar-se educador e escrever livros didáticos. E m Males de origem, ele atribui
os g r a v e s p r o b l e m a s da s o c i e d a d e n o s p a í s e s l a t i n o - a m e r i c a n o s ao
parasitismo social, enraizado no passado colonial. Os cidadãos desses paí-
ses são, todos eles, produto de tal fenômeno, que degrada simultaneamen-
te os "parasitas" e os "parasitados". A herança desse p a r a s i t i s m o leva ao
imobilismo social sob a m á s c a r a da ideologia superficial do "progresso" e
do falso o t i m i s m o o s t e n t a d o pelas classes dirigentes. Esse " m a l de o r i -
gem", p r o p õ e B o n f i m , pode, c o n t u d o , ser t r a t a d o . R o m p e n d o c o m o
determinismo biológico o u climático em v o g a entre alguns pensadores la-
tino-americanos, Bonfim explica que o parasitismo social, ao contrário do
p a r a s i t i s m o b i o l ó g i c o , n ã o é u m a s i t u a ç ã o i m u t á v e l : ele é c u r á v e l pela
educação. Para "construir u m a nação próspera e livre a partir de u m a m a s -
sa de população desfibrada, embrutecida, inapta, ignorante", será preciso
fazer u m esforço intenso de educação em todos os níveis da sociedade. S ó
o Estado pode fazer tal esforço de educação popular. Infelizmente, na m a i -
oria dos países da América Latina, "o Estado só existe para atrapalhar. [...]
O Estado é o inimigo, o opressor e o ladrão; n e n h u m a idéia de b e m o u de
útil é ligada ao conceito de Estado; os únicos sentimentos que ele inspira
são o medo e a desconfiança". U m imenso esforço é necessário para t r a n s ¬
f o r m a r u m Estado assim em u m a instituição que sirva aos interesses da
sociedade. Tal esforço é, entretanto, a condição para que os países da A m é -
146
rica Latina se libertem de seus "males de o r i g e m " .
Os dirigentes do m o v i m e n t o sanitarista brasileiro, que atingiu o apo-
geu de sua atividade nos anos 1 9 1 6 - 1 9 2 0 , fazem u m a análise semelhan-
te. S u b l i n h a r a m a amplitude do desastre provocado pelo abandono do povo
pelas classes dirigentes c o r r o m p i d a s e a i m p o r t â n c i a da i n t e r v e n ç ã o do
Estado na cura dos males da sociedade. Para eles, contudo, o t e r m o "cura"
não era de modo a l g u m empregado c o m o metáfora. Tratava-se de suscitar
u m a intervenção enérgica do Estado na área da saúde pública, porque a
alta prevalência das doenças crônicas em vastas regiões do país foi vista
c o m o a principal fonte dos o u t r o s males sociais.

O "Movimento Sanitarista" dos Anos 1916-1920

A partir do início do século X X , os médicos brasileiros participam


com entusiasmo dos projetos de modernização do país. Eles se aliam, especi-
147
almente nas cidades, aos engenheiros e aos educadores. Sua ação engen-
drou, no início, resistências, c o m o a "revolta da vacina" de n o v e m b r o de
1 9 0 4 , que exprimiu a oposição à aliança entre o higienista e o engenheiro.
Mais tarde, a oposição à idéia de modernização por meio da aliança entre
médicos e engenheiros se atenuou consideravelmente. O triunfo da c a m p a -
nha c o n t r a a febre a m a r e l a no Rio de J a n e i r o s u s c i t o u a glorificação do
sanitarista c o m o salvador do povo. A convicção de que a medicina é u m
elemento central do progresso do país se concretizou mais tarde no m o v i -
m e n t o sanitarista dos anos 1 9 1 6 - 1 9 2 0 , e depois na criação do Serviço de
Profilaxia Rural ( 1 9 1 9 ) e do Departamento Nacional de Saúde Pública ( 1 9 2 0 ) .
Esse movimento foi promovido e dirigido por dois médicos, ambos vindos do
140
círculo de Oswaldo Cruz: Arthur Neiva e Belisário Penna.
Penna, o mais ativo dos dois, é de origem aristocrática (seu pai é o
visconde de Carandaí). Depois de seus estudos de medicina na Bahia, ele
ingressa, por concurso público, na Diretoria Geral de Saúde Pública (dirigida
por Oswaldo Cruz); participa, ao lado de Cruz, da c a m p a n h a de erradicação
da febre amarela em Belém (Pará) e das tentativas de dominar a malária na
149
região da c o n s t r u ç ã o da estrada de ferro M a d e i r a - M a m o r é . Em 1 9 1 2 ,
viaja c o m A r t h u r Neiva, do Instituto Oswaldo Cruz, ao norte do estado da
Bahia, ao sul do Piauí e ao estado de Goiás. A viagem, feita a pedido do
inspetor geral do Serviço da Seca, durou de m a r ç o a o u t u b r o e cobriu apro-
ximadamente 7 . 0 0 0 k m . Os dois pesquisadores, que viajam principalmente
a cavalo o u e m l o m b o de m u l a , são a c o m p a n h a d o s por u m assistente e
u m fotógrafo (este desempenhou i m p o r t a n t e papel na d o c u m e n t a ç ã o dos
f e n ô m e n o s descritos nos diários de v i a g e m ) . Penna e Neiva se familiari-
z a m , assim, c o m a pobreza e o estado sanitário degradado do interior; essa
v i a g e m c o n s t i t u i u u m poderoso estímulo a seu e n g a j a m e n t o ulterior no
150
movimento sanitarista.
Penna e Neiva ficam impressionados c o m a miséria das regiões que
visitam. Nem toda miséria é atribuída às doenças; razões p u r a m e n t e eco-
n ô m i c a s d e s e m p e n h a m i m p o r t a n t e papel na s i t u a ç ã o degradada das p o -
pulações locais. Por exemplo, Penna e Neiva n o t a m que os trabalhadores
das p l a n t a ç õ e s são m a n t i d o s n u m s i s t e m a s e m e l h a n t e ao e s c r a v i s m o .
Obrigados a c o m p r a r sua comida, por u m preço alto, do proprietário, eles
rapidamente se endividam e se vêem impossibilitados de sair da p l a n t a -
ç ã o . Se t e n t a m escapar, são e s p a n c a d o s sem piedade; se r e s i s t e m , são
m o r t o s . O s i s t e m a era e s p e c i a l m e n t e eficaz para r e c r u t a r adolescentes,
atraídos por promessas falsas, e, acrescentam Neiva e Penna,

os proprietários das fazendas são sempre amigos do governo e prote-


gidos pelos representantes do poder. O governo faz aliança com esses
escroques diabólicos. Durante nossa estada em Parnaguá, quatro ope-
rários fugiram da plantação e pediram às autoridades locais proteção
contra as atrocidades que o patrão lhes havia feito sofrer. Logo atrás
deles chegaram os emissários enviados pelos proprietários da planta-
ção, e os quatro jovens trabalhadores foram entregues pelas autorida-
131
des ao emissários.

Penna e Neiva d e r a m a t e n ç ã o especial à elevadíssima prevalência


das doenças. A m a l á r i a está em toda parte. A tuberculose ( c h a m a d a na
região de "magra") e a sífilis são mais freqüentes do que as doenças "tra-
dicionais" das regiões quentes, c o m o a lepra ou a leishmaniose. Os habi-
tantes sofrem, t a m b é m c o m freqüência, de varíola, conjuntivite e o u t r a s
doenças dos olhos, e de a s m a . A mortalidade infantil é alta, principalmen-
te por causa das gastrenterites c da malária. Os pesquisadores do Instituto
Oswaldo Cruz f i c a m particularmente impressionados com a elevada freqüên-
cia de doenças mentais. Delas, destacam especialmente duas: "a doença da
sufocação", caracterizada por crises de riso e de asfixia e pela impossibili-
dade periódica de engolir a comida, e a "melancolia", doença que se expri-
me por ataques de silêncio e de imobilidade. Penna e Neiva ( c o m o , antes
deles, Euclides da Cunha) ficam, entretanto, impressionados c o m a vitali-
dade de a l g u n s sertanejos:

apesar de sua "puxeira", como eles chamam (um nome popular da


asma), da "melancolia", a "doença da sufocação" e os ataques periódicos
de impaludismo após o inverno, são indivíduos resistentes, alguns deles
têm u m a bela envergadura atlética e corpo robusto - pessoas resigna-
das e estóicas, indiferentes à morte e perfeitamente adaptadas à natureza
152
hostil de sua terra.

O sertanejo r o b u s t o n ã o é encontrado e m todos os lugares. E m sua


travessia do estado de Goiás, Neiva e Penna descrevem t a m b é m vilarejos
"decadentes" ao e x t r e m o , cuja população, c o m p o s t a de negros e mestiços,
está t o t a l m e n t e destruída pela doença de C h a g a s .

Nenhuma dessas aglomerações tem mais de 4 0 0 habitantes. Há tam-


bém lugarejos de meia dúzia de casas. Os habitantes destas últimas são,
em geral, vítimas de tireoidite, ancilostomíase e impaludismo. [...] A
falta de força e de iniciativa das pobres pessoas reflete o extremo abando-
no em que vivem, e as deficiências físicas e intelectuais que resultam de
uma doença degradante e destrutiva. A doença de Chagas é a principal
153
maldição dessas regiões.

Os h a b i t a n t e s das regiões visitadas l e v a r a m m u i t o a sério o grave


veredicto dos sanitaristas. O j o r n a l Norte de Goiás (publicado n a cidade de
Porto Nacional) escreveu em 15 de dezembro de 1 9 1 2 , depois de u m a visi-
ta de Penna e Neiva à região:

Há pouco tempo, u m dos cidadãos de Porto Nacional recebeu de u m


dos membros da missão científica do Instituto Oswaldo Cruz notícias
muito tristes: 90% dos habitantes de Goiás que vivem na região entre
esta cidade e a capital do estado estão contaminados pela doença de Cha-
gas em suas formas mais graves. A doença de Chagas, ou tireoidite
parasita, ou tripanossomíase sul-americana, é u m a doença incurável.
[...] Aqueles que conhecem o norte de Goiás e observaram o imenso
número de cretinos, idiotas, deficientes motores, surdos-mudos e pes-
soas com papeira que povoam as cidades e vilarejos da região serão
facilmente convencidos de que as regiões atravessadas por membros da
ilustre missão científica não são as únicas contaminadas. Infelizmente,
grandes extensões do norte são atingidas pela doença, e o percentual de
pessoas doentes nessas zonas não é, provavelmente, menor do que o
154
observado no caminho desta cidade até a capital.

Neiva e Pena o b s e r v a r a m a falta de consciência da existência de u m a


n a ç ã o brasileira:

Raras são as pessoas que sabem o que é o Brasil. Seu país é o Piauí, o
Ceará é u m a outra região. Para esses marginais, o governo é u m h o -
mem que dita às pessoas o que elas devem fazer, e sabe-se da existência
de u m país porque há uma pessoa que vem lhes tomar dinheiro sob a
forma de impostos. Quando lhes perguntamos se todas aquelas terras
(Piauí, Ceará, Pernambuco etc.) não estão ligadas, se não constituem
u m a nação, disseram que não compreendem o que isto quer dizer. Para
eles, nós somos 'gringos', grandes senhores, estrangeiros notáveis. A
155
única bandeira que conhecem é a do Espírito S a n t o .

Esse desconhecimento da existência da n a ç ã o pode ser explicado pelo fato


de eles t e r e m sido esquecidos pelas instituições do país. Os habitantes do
centro do Brasil "vivem abandonados, sem n e n h u m a ajuda, s e m estradas,
sem polícia, s e m escolas, s e m cuidados médicos n e m higiênicos. [...] S a -
156
b e m que são governados apenas porque estão cheios de i m p o s t o s " . Penna
e Neiva c o n c l u e m seu relatório c o m esta c o n s t a t a ç ã o :

Estamos consternados com o fato de que, à exceção dos estados do Sul


[...], de algumas capitais estaduais e das grandes cidades, o resto do país
é composto de vastíssimos territórios abandonados por nossos dirigen-
tes, nos quais as populações vegetam na miséria e no obscurantismo.
[...] Nossas crianças, que aprendem na escola que a vida simples em
nossas terras selvagens é cheia de poesia e de encantamento graças à
saúde robusta de seus habitantes, à riqueza da terra e à generosidade da
natureza, deveriam antes aprender que essas regiões devem ser apre-
sentadas como u m inferno na terra que só Dante poderia ter descrito
157
adequadamente.

Os r e l a t ó r i o s das expedições s a n i t á r i a s feitas pelos p e s q u i s a d o r e s


do I n s t i t u t o O s w a l d o C r u z , e s p e c i a l m e n t e o d e t a l h a d í s s i m o r e l a t o da
expedição de Penna e Neiva, t o r n a r a m m a i s difícil para as elites das cida-
des do litoral i g n o r a r a situação do interior do país. E m o u t u b r o de 1 9 1 6 ,
o presidente da A c a d e m i a N a c i o n a l de Medicina, o professor M i g u e l Pe-
reira, p r o n u n c i a u m discurso sublinhando a i m p o r t â n c i a do s a n e a m e n t o
do i n t e r i o r do p a í s . Ele c r i t i c a a f a l t a de u m a a ç ã o eficaz do g o v e r n o
c e n t r a l n a área da saúde:

Fora do Rio de Janeiro, a capital, mais ou menos saneada, e algumas


outras cidades nas quais há vigilância sanitária, o Brasil é u m imenso
hospital. Em u m impressionante acesso de oratória, u m ilustre parla-
mentar proclamou à Câmara dos Deputados que ele irá de montanha
em montanha mobilizar os habitantes do interior.

Depois de tão extremoso zelo patriótico, uma grande decepção se


seguirá a sua generosa e nobre iniciativa. Essa brava gente não se ergue-
rá: inválidos, exangues, estropiados, enfraquecidos pela ancilostomíase
e pela malária, degradados pela sífilis e a lepra, devastados pelo alcoolis-
mo, mirrados pela fome, ignorantes, abandonados, sem ideal, iletrados,
como esses pobres indigentes podem responder ao chamado dos clarins
de guerra? [...] Ε se, como fantasmas, se erguerem, não conseguirão
compreender por que a Pátria, que lhes recusou a esmola da alfabetiza¬
ção, agora pede sua vida, e lhes coloca nas mãos uma arma antes de
158
colocar u m livro.

O discurso de Pereira abre u m a i m p o r t a n t e polêmica na imprensa,


tornando, desse modo, público u m debate sobre as conclusões das missões
científicas n o interior, até então essencialmente reservado aos acadêmicos
e publicado n a i m p r e n s a médica especializada. À época, a s atividades da
Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) l i m i t a m - s e quase exclusivamente
à vigilância dos portos e a u m a intervenção pontual e m caso de epidemia.
A a u t o n o m i a das e s t r u t u r a s de cada estado da federação brasileira e das
i n s t â n c i a s m u n i c i p a i s , g a r a n t i d a pela C o n s t i t u i ç ã o , reduz as possibilida-
159
des de u m a intervenção estatal n a área da saúde p ú b l i c a . Entre n o v e m -
b r o de 1 9 1 6 e j a n e i r o de 1 9 1 7 , o j o r n a l Correio da Manhã publica u m a série
de artigos de Belisário Penna, incitando a u m a grande c a m p a n h a de sanea-
m e n t o do Brasil. Paralelamente, o Correio Paulistano publica em 1 9 1 7 arti-
g o s b a s e a d o s n o r e l a t o de v i a g e m de Penna e Neiva, que a p r e s e n t a m a
m i s é r i a e o a b a n d o n o dos h a b i t a n t e s do Nordeste e s u a s c o n s e q ü ê n c i a s
160
nefastas para a s a ú d e . O debate público sobre a saúde do país teve c o m o
resultado a criação, e m 11 de fevereiro de 1 9 1 8 (primeiro aniversário da
m o r t e de Oswaldo Cruz), da Liga P r ó - S a n e a m e n t o . Entre seus m e m b r o s ,
havia professores da Faculdade de Medicina do Rio de J a n e i r o , a n t r o p ó l o -
gos do M u s e u Nacional, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, m e m -
bros da Academia de Ciências, militares, educadores, j u r i s t a s e, finalmen-
161
te, o presidente da República, W e n c e s l a u B r á s . A existência, a partir de
1 9 1 6 , de u m p o d e r o s o m o v i m e n t o s a n i t a r i s t a n o B r a s i l t a m b é m c r i o u
condições especialmente propícias à i m p l a n t a ç ã o da Fundação Rockefeller
n o Brasil. A r t h u r Neiva, nomeado e m dezembro de 1 9 1 6 diretor do Serviço
Sanitário do Estado de S ã o Paulo, é particularmente favorável às ativida-
162
des p r o m o v i d a s pelos especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s .

A Liga P r ó - S a n e a m e n t o é dirigida p o r seu m i l i t a n t e m a i s a t i v o ,


Belisário Penna. S u a obra é essencialmente de propaganda para p r o m o v e r
u m serviço n a c i o n a l c a p a z de se e n c a r r e g a r da saúde n a s z o n a s r u r a i s .
Seus m e m b r o s o r g a n i z a m conferências, distribuem b r o c h u r a s e panfletos,
e exercem u m lobby político intensivo entre os m e m b r o s do parlamento em
favor da c r i a ç ã o de instâncias nacionais de saúde pública. Ao l o n g o dos
a n o s 1 9 1 8 - 1 9 1 9 , os principais j o r n a i s brasileiros reservam espaço i m p o r -
t a n t e p a r a os debates sobre a necessidade de u m s a n e a m e n t o das áreas
rurais. A Liga P r ó - S a n e a m e n t o publica t a m b é m u m a revista, Saúde, que
difunde as idéias do m o v i m e n t o . Belisário Penna resume as principais idéias
do m o v i m e n t o e m seu livro Saneamento do Brasil (publicado pela primeira
vez e m 1 9 1 8 ) . O livro apresenta o Brasil c o m o u m país de analfabetos e
inválidos. O povo brasileiro, explica Penna, encontra-se em u m estado de
latência que o embrutece: Ά bestialização t o r n a - s e permanente, agravada
a cada dia pela m i s é r i a , pela g e n e r a l i z a ç ã o da doença e pelo a l c o o l i s m o
incontrolável de u m povo ignorante". Penna atribui esse estado da popula-
ç ã o às conseqüências da abolição da escravatura, conduzida às pressas e
em m á s condições; ao e s m o r e c i m e n t o dos esforços, constatado n a p a s s a -
g e m da M o n a r q u i a à estrutura federal da República, para se criar u m Esta-
do centralizado e responsável; ao desenvolvimento das ferrovias, que, p a -
radoxalmente, condenou vastas regiões do país à marginalização, e à a u -
1 6 3
sência de q u a l q u e r e s t í m u l o à atividade e c o n ô m i c a n o c a m p o . Penna
opôs-se à visão que favorece a u r b a n i z a ç ã o e a industrialização c o m o os
únicos motores do desenvolvimento nacional. Criticou as cidades e l a m e n -
tou a importação dos "vícios urbanos", álcool, j o g o e sífilis, para os sertões.
Ele não era, entretanto, partidário de u m a visão pastoril do c a m p o , e não
recomendou u m retorno aos valores do passado. Defendia o desenvolvimen-
to de u m a "indústria natural" que transformasse os produtos da terra. A s -
sim, a revista Saúde publicou o elogio de u m a empresa criada por Delmiro
Gouveia n o sertão de Alagoas: u m a grande fazenda de cultivo de algodão
que utiliza energia hidrelétrica para alimentar u m a usina têxtil construída
n o local. Delmiro Gouveia, apresentado c o m o u m "empreendedor nacional",
de u m novo gênero, e c o m o u m modelo a ser imitado, tinha u m a virtude
164
importante: era u m autêntico caboclo (mestiço do interior do p a í s ) .

A negligência política nas regiões levou, explica Penna, a u m a degra-


dação importante das condições de saúde nos campos e ao desenvolvimen-
t o das grandes endemias r u r a i s : a a n c i l o s t o m í a s e (que, s e g u n d o Penna,
atinge 7 0 % da população rural), a malária e a doença de Chagas. Seu cole-
ga Acácio Pires explicou que nas regiões rurais da Paraíba "cada pessoa é
u m verdadeiro j a r d i m zoológico, e a cada região de seu corpo corresponde
165
u m a fauna diferente". Os poderes públicos t ê m u m a tendência a agir
c o n t r a as doenças agudas, tais c o m o a varíola, a peste o u a febre amarela,
m a s negligenciam as doenças crônicas, que m a t a m as pessoas lentamente
e c a u s a m dano a populações inteiras. Estas últimas é que devem ser c o m -
batidas prioritariamente. Penna propôs c o m e ç a r as c a m p a n h a s sanitárias
c o m u m esforço de eliminação da ancilostomíase. Ele calculou que a p r o -
dutividade dos t r a b a l h a d o r e s brasileiros era de apenas u m terço de seu
potencial. A l é m disso, u m país empobrecido, doente e i m p r o d u t i v o não
pode atrair u m a imigração de qualidade, enquanto que os imigrados pas¬
s a m , após sua chegada, por u m processo de "brasilianização", que se e x -
p r i m e pela infecção p o r p a r a s i t a s locais. Se a l g u n s políticos brasileiros,
influenciados pelas teorias raciais, p r o p u s e r a m remediar os m a l e s do B r a -
sil c o m u m a i m i g r a ç ã o européia que traria "sangue de b o a qualidade" (o
" b r a n q u e a m e n t o " do Brasil), Penna, que percebe o problema n ã o c o m o li-
g a d o à r a ç a o u à d e g e n e r a ç ã o , m a s c o m o a o n i p r e s e n ç a das d o e n ç a s
t r a n s m i s s í v e i s , s u s t e n t a que n a falta de u m a a ç ã o sanitária v i g o r o s a , o
166
imigrado irá, literalmente, pegar o " m a l b r a s i l e i r o " .
O u t r o s intelectuais a p r o v a r a m a m e n s a g e m de Penna, cuja expres-
s ã o m a i s m a r c a n t e se e n c o n t r a , p r o v a v e l m e n t e , nos t e x t o s do e s c r i t o r
M o n t e i r o Lobato. A participação dos escritores n o m o v i m e n t o sanitarista
reflete u m a c o n v e r g ê n c i a entre d i s c u r s o m é d i c o e d i s c u r s o a r t í s t i c o n o
Brasil durante as primeiras décadas do século X X . Os intelectuais brasilei-
ros p r o c u r a r a m desenvolver u m discurso identitário apoiado s i m u l t a n e a -
m e n t e n a ciência, especialmente n a biologia e n a medicina (que vai expli-
car a "verdadeira natureza do Brasil") e na literatura que, por meios m u i t o
167
diferentes, t a m b é m pode exprimir as verdades essenciais do p a í s . As duas
verdades f o r a m v i s t a s c o m o c o m p l e m e n t a r e s . C i e n t i s t a s , t a i s c o m o os
m é d i c o s Afrânio Peixoto, M i g u e l C o u t o e O s w a l d o C r u z , f o r a m eleitos
m e m b r o s da Academia Brasileira de Letras, enquanto u m dos autores mais
venerados da época, Euclides da C u n h a , é engenheiro. Esses intelectuais
rejeitaram a noção da "arte pela arte" e a f i r m a r a m a importância de inser-
ção da literatura n a sociedade de seu t e m p o . Os Sertões se inscreve n u m a
tradição que procura descobrir as leis que g o v e r n a m as sociedades h u m a -
nas, leis tão precisas q u a n t o as que g o v e r n a m a natureza. Nos anos 1 9 1 0
e 1 9 2 0 , o c a m p o literário brasileiro é invadido pela área médica, e vice-
v e r s a . A l i t e r a t u r a e a medicina t o r n a r a m - s e os veículos dos p r o b l e m a s
n a c i o n a i s , e a m b o s t e n t a r a m e n c o n t r a r "remédios" p a r a o s " m a l e s " do
168
país, e meios de c u r a r "um o r g a n i s m o social d o e n t e " .
Lobato - u m médico que se t o r n o u escritor - era o m a i s m a r c a n t e
169
dos militantes diretamente engajados na luta pelo "saneamento do p a í s " .
Ele via a higiene c o m o o único meio de salvar a nação:

Nosso estado de profunda degeneração física e de decadência moral


provém exclusivamente da falta de higiene. Nosso povo foi transplan-
tado da Europa em u m período de parcos conhecimentos científicos, e
foi invadido por uma vida microscópica tropical; ficou cheio de vermes,
sem que tenha percebido a extensão do mal. Mas, agora, nós somos
capazes de fazer u m diagnóstico da doença, e temos uma solução cien-
tífica para o problema de nossa nação.
Lobato c o n c l u i u :

Há u m programa patriótico, mais que patriótico, humano, e apenas


um: sanear o Brasil. A guerra contra a Alemanha é apenas uma: sanear
o Brasil. A reforma eleitoral é apenas uma: sanear o Brasil. O esforço da
produção é apenas um: sanear o Brasil. A campanha cívica é apenas
uma: sanear o Brasil. O serviço militar obrigatório é apenas um: sanear
o Brasil. Saneemos o país, antes que o estrangeiro venha fazê-lo por
170
conta própria e com seus próprios objetivos.

O m o v i m e n t o sanitarista apresentou resultados concretos m u i t o r a -


pidamente. A partir de 1 9 1 7 , u m a comissão da Academia Nacional de M e -
dicina, nomeada para e x a m i n a r a situação sanitária das áreas rurais, reco-
menda a criação, pelo Ministério da Saúde, de u m serviço público ú n i c o
destinado a esta tarefa. Os debates políticos sobre o assunto c o n t i n u a m em
1 9 1 8 , tendo c o m o fim a decisão sobre o g r a u desejável de a u t o n o m i a para
u m serviço desse tipo, e suas articulações institucionais. Em 1 9 1 8 , obteve-
se u m a declaração de princípios sobre a criação de u m serviço de profilaxia
rural subordinado à DGSP (em 1 9 1 9 ele será ligado ao Ministério da Justiça,
e em 1 9 2 0 ao DNSP). A epidemia de gripe espanhola, que fez m u i t a s víti-
m a s entre o u t u b r o e dezembro de 1 9 1 8 , e que revelou a incapacidade dos
poderes públicos diante de u m desastre sanitário, reavivou o interesse pelas
e s t r u t u r a s c e n t r a l i z a d a s de saúde pública. O n o v o presidente do Brasil,
Epitácio Pessoa, a p o i o u o projeto de criar u m D e p a r t a m e n t o Nacional de
Saúde Pública (DNSP), o qual entrou em vigor no fim de dezembro de 1 9 1 9 .
A Liga Pró-Saneamento, que perdeu, desse modo, sua razão de exis-
tir, é dissolvida, e Penna é nomeado diretor do Serviço de Profilaxia Rural.
A palavra de ordem que ele escolheu para o serviço foi: "Sanear o Brasil é
171
povoá-lo, enriquecê-lo e m o r a l i z á - l o " . O DNSP definiu para si objetivos
i m p o r t a n t e s , m a s s u a realização e s b a r r o u n a precariedade dos r e c u r s o s
1 7 2
dedicados à saúde p ú b l i c a . Os l i m i t a d o s r e c u r s o s do D N S P f o r a m
prioritariamente utilizados na luta c o n t r a as doenças que constituíam u m
problema grave de saúde pública, tais c o m o a ancilostomíase, a malária, a
tuberculose o u a doença de Chagas. A febre amarela, cujo perigo era visto
mais c o m o potencial do que real, n ã o esteve entre os objetivos das c a m p a -
nhas de saúde do DNSP No m e s m o período, os pesquisadores n o r t e - a m e -
r i c a n o s da F u n d a ç ã o Rockefeller e s t a v a m c o n v e n c i d o s de ter a s o l u ç ã o
definitiva para o problema da febre amarela: u m método científico de luta
c o n t r a os m o s q u i t o s e os focos da doença que permitiria, a u m custo rela-
t i v a m e n t e modesto, erradicar rapidamente esta patologia do c o n j u n t o do
continente a m e r i c a n o e livrá-lo da a m e a ç a de epidemias futuras. O Brasil
foi u m dos lugares escolhidos para testar esse método.
Notas
1
Michael W o r b o y s , "Colonial medicine and tropical imperialism: a c o m p a r a t i v e
perspective", c o m u n i c a ç ã o apresentada na Conferência realizada em Amsterdã em
setembro de 1 9 8 9 sobre o tema da medicina tropical holandesa.
2
WARREN, A. J . Landmarks in the conquest o f yellow fever. In: STRODE, G. K. (Ed.)
Yellow Fever. New York, London, Toronto: McGraw-Hill Book Company, 1 9 5 1 , p . 5 - 3 7 ;
CARTER, H. R. Yellow Fever: an epidemiological and historical study of its place and origins.
Baltimore: William and Wilkins, 1 9 3 1 .
3
COLEMAN, W. Yellow Fever in the North: the methods of early epidemiology. Madison: The
University o f Wisconsin Press, 1 9 8 7 .
4
CARTER, H. R. Yellow Fever: an epidemiological and historical study of its place and origins,
op. cit., p . 4 9 - 7 8 .
5
Os detalhes sobre a epidemiologia de Gibraltar relatados por Coleman deixam pouca
m a r g e m a dúvidas sobre o fato de que a febre amarela "clássica" tenha ocorrido
nessa cidade em 1 8 2 8 ; o problema, no entanto, é saber quantos dos 5 9 7 doentes
compilados retroativamente c o m o atingidos pela "febre amarela" podem ter sido
vítimas de outras doenças.
6
GORDON SMITH, C. Ε. & GIBSON, Μ. Ε. Yellow fever in South Wales, 1 8 6 5 . Medical
History, 3 0 : 3 2 2 - 3 4 0 , 1 9 8 6 ; COLEMAN, W. Yellow Fever in the North, op. cit.
7
READERS, G. Pedro II e os Sábios Franceses. Rio de Janeiro: Atlântica Editora, 1 9 4 4 . O
imperador Pedro II foi grande admirador de Pasteur. Em u m a célebre carta, Pasteur
pediu-lhe autorização para experimentar suas vacinas em prisioneiros brasileiros. O
imperador recusou. Carta de Pasteur a Pedro II. Pasteur, correspondência.
8
A tese de J a i m e Benchimol, Dos Micróbios aos Mosquitos: febre amarela no Rio de Janeiro
(1880-1903) UFF, 1 9 9 6 , é dedicada às pesquisas sobre a febre amarela feitas no Rio de
Janeiro entre 1 8 8 0 e 1 9 0 0 , especialmente as de Freire e de Lacerda. Ela traça u m rico
p a n o r a m a do meio médico na capital do Brasil em fins do século X I X e situa as
controvérsias sobre a febre amarela e, de modo mais geral, a introdução das "ciências
pasteurianas" no Brasil em seu contexto científico, institucional, cultural e social.
9
J o ã o Baptista Lacerda, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 1 8 8 3 ; idem, Gazette des
Hôpitaux, 1 8 8 3 , p . 8 3 1 .
10
FREIRE, D. La Doctrine Microbienne de la Fièvre Jaune. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1 8 8 5 . O fisiologista Lacerda atribuiu a icterícia que ocorre em u m ataque de febre
amarela à existência de u m a toxina que age seletivamente sobre o fígado.
11
KOCH, R. Die Aetiologie der Tuberculose. Mitt k. Gesundheitsamte, 2 : 1 - 8 8 , 1 8 8 4 ; CARTER,
Κ. C. Koch's postulates in relation to the w o r k o f J a c o b Henle and Edwin Klebs.
Medical History, 1 9 8 5 , 2 9 , p . 3 5 3 - 3 7 4 .
12
FREIRE, D.; GIBIER, P. & REBEURGEON, C. Résultats obtenus par l'inoculation préventive
du virus attenué de la fièvre j a u n e à Rio de Janeiro. Comptes Rendus de l'Académie des
Sciences, 1 0 4 : 1 . 0 2 0 - 1 . 0 2 2 , 1 8 8 7 ; BENCHIMOL, J . Dos Micróbios aos Mosquitos: febre ama-
rela no Rio de Janeiro, op. cit., p . 6 8 , 1 0 0 - 1 0 3 .
13
CARMONA Y VALLE, M. Leçons sur l'Étiologie et la Prophylaxie de la Fièvre Jaune, México
D.F.: Gráfica do Ministério de Obras Públicas, 1 8 8 5 . Carmona y Valle reivindicou a
prioridade na descoberta do criptococo. Antes de se alinhar aos resultados de Freire,
ele havia pensado que o agente etiológico da febre amarela era u m cogumelo da
família dos oósporos.
14
BENCHIMOL, J . Dos Micróbios aos Mosquitos: febre amarela no Rio de Janeiro, op. cit.,
p . 2 8 1 - 2 8 9 . O instituto continuou a produzir a vacina de Freire ao longo dos anos
1 8 9 0 , com um pico de atividade em 1 8 9 1 - 1 8 9 2 .
153
STUTTON, J . H. & HARRISSON, J . B. The microrganism o f yellow fever. The Lancet,
1:405-406, 1 8 8 5 .
16
BÉRANGER-FÉRRAUD, J . - B . Traité Théorique et Clinique de la Fièvre Jaune. Paris: Octave
Dion, 1 8 9 0 , p. 7 0 4 - 7 4 8 .
17
LATOUR, Β . Les Microbes: guerre et paix. Paris: A. M. Métailié, 1 9 8 4 .
18
BENCHIMOL, J . Dos Micróbios aos Mosquitos: febre amarela no Rio de Janeiro, op. cit.,
p.368-386.
19
STERNBERG, G. M . Report on Etiology and Prevention of Yellow Fever. Washington:
Government Printing Office, 1 8 9 0 , p . 1 1 - 1 2 .
20
Idem, p.17.
21
Ibid., p . 1 8 .
22
Ibid., p . 1 6 1 . Essa passagem evidencia a importância do "aprendizado autorizado"
(pelo contato direto c o m pessoas consideradas competentes na área) para a trans-
missão dos conhecimentos em bacteriologia. Os especialistas sublinharam que os
métodos específicos da bacteriologia, que incluem técnicas corporais e o treinamento
do olhar, não podem ser adquiridos por meio da leitura das publicações especializadas.
23
Ibid, p.26.
24
Ibid., p. 1 6 4 - 1 6 6 .
2 5
O pequeno número de animais testados (dois) e a extrapolação a partir de u m n ú m e -
ro limitado de casos foram típicos da experimentação bacteriológica da época, inclu-
sive em laboratórios renomados.
26
HAVELBURG, W. Recherches expérimentales et anatomiques sur la fièvre j a u n e . Annales
de l'Institut Pasteur, 1 1 : 5 1 5 - 5 2 2 , 1 8 9 7 . U m a outra versão desse trabalho foi publicada
em alemão: Experimentalle und anatomische Untersuchungen über der Wessen und
die Ursachen des gelbens Fiebers. Berlin, klin. Wschr., 3 4 : 4 9 3 - 6 , 1 9 8 7 .
27
SANARELLI, G. Étiologie et pathologie de la fièvre jaune. Annales de l'Institut Pasteur,
1 8 9 7 , 11(6) Premier mémoire, p . 4 3 3 - 5 1 2 ; Deuxième mémoire, p . 6 7 3 - 6 9 8 ; Troisième
mémoire, p. 7 5 3 - 7 6 6 .
28
U m ano depois de sua primeira publicação sobre "o micróbio da febre amarela", Sanarelli
descreveu u m "agente filtrável" da m i x o m a t o s e do coelho; tratava-se de u m a das
primeiras descrições de u m a doença provocada pelo vírus. SMITH-HUGUES, S. The
Virus: a history of a concept. London: Heineman Educational Books, 1 9 7 7 , p . 6 7 - 6 8 .
29
SANARELLI, G. Relatório sobre as experiências clínicas de seroterapia antiamarílica.
Revista Médica de São Paulo, 1(11):214-218, 1 8 9 8 ; SANARELLI, G. Premieres expériences
sur l'emploi du sérum curatif et préventif de la fièvre j a u n e . Annales de l'Institut
Pasteur, 1 2 : 3 4 8 - 3 6 0 , 1 8 9 8 .
30
LUTZ, A. Relatório dos trabalhos do Instituto Bacteriológico de São Paulo. Revista
Médica, 1 : 1 7 5 - 1 8 1 , 1 8 9 8 . Lutz, u m dos pioneiros da bacteriologia brasileira, adquiriu
seus conhecimentos bacteriológicos em u m a longa temporada na Alemanha e era
reconhecido c o m o u m profissional de bom nível.
31
LUTZ, A. Relatório dos trabalhos do Instituto Bacteriológico de São Paulo. Revista
Médica, 2, 1 8 9 8 .
32
AZEVEDO SODRÉ, A. A. & COUTO, M. Das Gelbfieber. Vienne: Alfred Holder, 1 9 0 1 .
33
NOVY, F. The etiology of yellow fever. Medical News, 1 8 9 8 , 7 3 , p . 3 2 6 - 3 3 1 , 3 6 0 - 3 6 9 .
Novy, que também trabalhou no Instituto Pasteur, foi chamado por Émile Roux para
verificar as pesquisas de Sanarelli.
34
REED, W. & CARROLL, J . A c o m p a r a t i v e s t u d y o f the biological c h a r a c t e r and
pathogenesis o f Bacillus X (Sternberg) and the hog cholera bacillus (Salomon and
Smith). Journal of Experimental Medicine (Baltimore), 1 9 0 0 , 5 ( 3 ) : 2 1 5 - 2 7 0 .
35
WARNER, M. Hunting the yellow fever germ: the principle and practice of etiological
proof in the late Ninettenth century América. Bulletin of the History of Medicine, 5 9 : 3 6 1 -
382,1985.
35
Os textos escritos antes dos anos 1 9 3 0 empregam geralmente (mas nem sempre) o
termo Stegomyia fasciata. Aqui, recorremos unicamente ao termo Aedes aegypti (exceto
nas citações) para evitar confusão.
3 7
BEAN, W. B . Walter Reed and the ordeal o f h u m a n experiences. Bulletin of the History
of Medicine, 5 1 : 7 5 - 9 2 , 1 9 7 7 ; STEPAN, N. The interplay between socio-economical
factors and medical science: yellow fever research in Cuba and in the United States.
Social Studies of Science, 8 : 3 9 7 - 4 2 3 , 1 9 7 8 ; WARNER, J . H. & LEDERER, S. " T h e m y t h of
Walter Reed", c o m u n i c a ç ã o apresentada na Conferência Medicine and the Colonies,
Oxford, j u l h o de 1 9 9 6 .
33
McGEHEE HARVEY, A. Research and Discovery in Medicine: contributions from Johns Hopkins.
Baltimore, London: The J o h n s Hopkins University Press, 1 9 7 6 , p . 3 4 - 3 8 .
39
FINLAY, C. El mosquito hypoteticamente considerado c o m o agent de la transmisión
de la fiebre amarilla, reproduzido em FINLAY, C. Trabajos Selectos. Havana: Secretaria
de Sanitad y Beneficencia, 1 9 1 2 , p . 2 8 - 2 9 .
40
FINLAY, C. Yellow fever: immunity, modes o f propagation, mosquito theory. Anais do
Oitavo Congresso Internacional de Higiene e Demografia, Budapeste, 1 8 9 4 , reproduzido em
FINLAY, C. TYabajos Selectos, op. cit., p . 2 6 4 - 2 6 8 , p . 2 8 8 . Os médicos que trabalharam em
áreas em que a febre amarela era endêmica (Cuba, Brasil) reconheceram a dificulda¬
de de diagnosticar as formas atípicas desta doença.
41
FINLAY, C. Estatística de las inoculationes con mosquitos contaminados en enfermos
de la fiebre amarilla. Ann. R. Acad. Cienc. Med. Fis. Nat. (Havana), 2 7 : 4 5 9 - 4 6 9 , 1 8 9 0 .
FINLAY, C. Yellow fever: immunity, modes of propagation, mosquito theory, op. cit.
As únicas informações que temos sobre as experiências são as que ele mesmo forne-
ceu; segundo ele, sua "vacinação" não induziu nenhum caso clínico de febre amarela.
A se acreditar nessas afirmações, a explicação estaria ligada ao curtíssimo prazo
observado entre a "picada infectante" e a vacinadora. Segundo as concepções em
vigor desde 1 9 0 0 , u m mosquito que tenha se alimentado do sangue de u m doente só
pode infectar outros indivíduos de 1 0 a 14 dias (normalmente após pelos menos 12
dias) após a picada infectante; as picadas ocorridas algumas horas o u alguns dias
(raramente mais de dois dias) após a infecção do inseto deixam de ser perigosas. Se
Finlay praticou fielmente o que está registrado nesse protocolo, ele não conseguiu
"imunizar" os indivíduos submetidos às picadas de mosquitos infectados, mas, feliz-
mente, também não os infectou. Carroll, membro da Comissão Reed, usou em 1 9 0 3 esse
argumento para desacreditar o papel de Finlay na descoberta do modo de transmissão
da doença, e atribuir sua paternidade unicamente aos membros da comissão do Exér-
cito americano. CARROLL, J . The transmission of yellow fever. Journal of the American
Medical Association, 2 3 . m a i o . 1 9 0 3 , reproduzido em OWEN, M. (Ed.) Yellow Fever: a
compilation of various publications. Washington: Government Printing Office, 1 9 1 1 .
42
Finlay não rompeu suas relações amigáveis com Sternberg, apesar de este ter critica-
do as pesquisas realizadas por seu amigo sobre o Micrococcus tetragenus. STERNBERG,
G. Resultato de los experimentos comparativos hechos sobre el Micrococcus tetragenus
versatilis para los doctores Finlay y Delgado. An. R. Acad. Cienc. Med. Fis. Nat. (Havana),
26, 1889.
43
DURHAM, Η. Ε. & MYERS, J . Transmission o f yellow fever: a preliminary report.
British Medical Journal, 1 9 0 0 , II, p . 6 5 6 - 6 5 7 .
44
CARTER, H. C. New Orleans Medical and Surgial Journal, May 1900.
45
DURHAM, Η. E. & MYERS, J . Transmission o f yellow fever: a preliminary report., op.
cit. Ο tempo decorrido entre casos "primários" e "secundários" de febre amarela em
u m a localidade - atribuído por Durham e Myers ao necessário estágio intermediário
de desenvolvimento do agente no hospedeiro intermediário - foi, mais tarde, explica-
do pela necessidade de u m a concentração suficientemente elevada de vírus nas glân-
dulas salivares do mosquito. Os vírus, ao contrário dos agentes das doenças tropicais
protozoárias, não têm "ciclos de vida", e o mosquito não é u m verdadeiro "hospedeiro
intermediário".
46
DURHAM, Η. Report of Yellow Fever Expedition to Para. The University o f Liverpool
Press, 1 9 0 2 . Myers morreu de febre amarela no Pará, em janeiro de 1 9 0 1 . No primeiro
relatório sobre os resultados da comissão do Exército americano, os autores afirmam
que ficaram impressionados c o m as observações de Henry Carter ( 1 8 9 8 ) sobre o
intervalo entre os casos primários e secundários de febre amarela, e acrescentam:
"observamos que os membros da comissão da Escola de Medicina Tropical de Liverpool,
os doutores Durham e Myers, a quem havíamos tido o prazer de submeter os resul-
tados de Carter, ficaram igualmente impressionados com sua importância". Walter
Reed, J a m e s Carroll, Aristides Agramonte & Jesse Lazear, "The etiology o f yellow
fever - a preliminary note", comunicação apresentada no 2 8 ° Congresso da Associ-
ação Americana de Saúde Pública, Indianápolis, em outubro de 1 9 0 0 , reproduzida em
OWEN, M. (Ed.) YeUow Fever: a compilation of various publications, op. cit., p . 5 6 - 6 1 , à
página 5 9 .
47
GORGAS, W. C. Recent experience o f the United States A r m y with regard to sanitation
of yellow fever in the tropics. The Journal of Tropical Medicine, 6 : 4 0 - 5 2 , 1 9 0 3 .
48
CHANTEMESSE A. & BOREL, F. Moustiques et la Fièvre Jaune. Paris: J . - B . Ballière et Fils,
1 9 0 5 , p.8.
49
CARROLL, J . The transmission o f yellow fever, op. cit. Carroll valeu-se das pesquisas
de Finlay sobre o "tetracoccus" e suas tentativas de "vacinação" por meio das picadas
de m o s q u i t o s ; não menciona de modo a l g u m suas investigações epidemiológicas,
baseadas na hipótese sobre o papel do mosquito na transmissão da febre amarela.
50
FINLAY, C. "Methods o f stamping out yellow fever suggested since 1 8 9 9 " , comunica-
ção apresentada na conferência dos Conselhos de Saúde Estatais e Regionais dos
Estados Unidos, New Haven, Connecticut, 2 8 de outubro de 1 9 0 2 , reproduzido em
FINLAY, C. Trabajos Selectos, op. cit., p . 4 2 3 - 4 2 7 . A declaração de Finlay pode também
ser interpretada c o m o a defesa das pesquisas epidemiológicas, apresentadas c o m o
tão válidas quanto as pesquisas de laboratório. Com efeito, seria possível argumentar
que se as conclusões das observações epidemiológicas de Finlay tivessem sido aceitas
desde 1 8 8 0 , e se tivesse havido possibilidade de convencer a municipalidade de Hava-
na a fazer u m a grande campanha de eliminação dos mosquitos, os resultados práti-
cos de tal c a m p a n h a poderiam ter validado a hipótese de Finlay sem recorrer aos
experimentos em humanos. Trata-se, entretanto, de u m a situação altamente hipoté-
tica; historicamente, a aceitação da hipótese m o s q u i t o esteve ligada a dois fatos
distintos: um científico - a descrição do papel do mosquito na transmissão da malária
- e outro político: a chegada das forças de ocupação norte-americanas a Cuba.
51
GORGAS, W. C. Sanitation o f the tropics with special reference to malaria and yellow
fever. The Journal of American Medical Association, 1 9 0 , 5 2 ( 1 4 ) : 1 . 0 7 5 - 1 . 0 7 7 .
52
BEAN, W. Β. Walter Reed and the ordeal o f human experiments, op. cit.
53
Finlay, C. Estatística de las inoculationes con mosquitos contaminados en enfermos
de la fiebre amarilla, op. cit. Trata-se do número de pessoas que sofreram de febre
amarela clinicamente identificável; é possível que algumas tenham sido imunizadas
por um ataque leve (e não diagnosticado) da doença.
54
BEAN, W. B. Walter Reed: a biography. Charlottesville: Virginia University Press, 1 9 8 2 ,
p. 1 4 7 . Benn refuta as acusações contra Reed, e afirma que os imigrantes espanhóis
rapidamente se dispuseram a participar das experiências - mas, por outro lado, ele
sublinha em diversas ocasiões a grande sorte que os pesquisadores norte-america-
nos tiveram, pois nenhuma das pessoas que sofreu de febre amarela experimental
morreu desta doença.
55
GORGAS, W. C. Recent experience of the United States Army with regard to sanitation
of yellow fever in the tropics, op. cit., p.50.
56
REED, W. CARROLL, J . AGRAMONTE, A. & LAZEAR, J . The etiology of yellow fever -
a preliminary note, op. cit.; REED, W. Recent researches concerning the etiology,
propagation and prevention of yellow fever by the United States Army Comission.
The Journal of Hygiene, 1 9 0 2 , reproduzido em OWEN, M. (Ed.) Yellow Fever: a compilation
of various publications, op. cit., p.161-1 74. A indução de uma doença experimental por
meio de injeção do sangue dos doentes mostra que o vírus não deve necessariamente
passar pelo mosquito para ser infeccioso. A idéia de Finlay de que o mosquito age
como uma seringa, inexata na prática, não estava errada em seu fundamento - uma
seringa é de fato um meio eficaz de transmissão da doença.
57
LOEFFLER, F. & FROSCH, P. Bericht des Komission zur Erforschung der Maul und
Klauenseuche bei dem Institut fur Infectionskrankheiten in Berlin. Centrallblat fur
Bacteriology um Parasitenkunde, Band XXIII, 1 5 - 1 6 , p . 5 6 9 - 5 8 0 .
58
GUITERAS, J . Experimental yellow fever at the innoculation stations of the sanitary
deparment of Havana with a view of producing immunization. American Medicine, 2 3
nov. 1 9 0 1 , p . 8 0 9 - 8 1 9 .
59
BEAN, W. B. Walter Reed..., op. cit., p. 1 6 8 .
60
Idem, p . 8 1 5 .
61
REED, W. The etiology of yellow fever: a supplementary note, op. cit.; REED, W. Recent
researches concerning the etiology, propagation and prevention of yellow fever by
the United States Army Commission, op. cit.
62
REED, W. The etiology of yellow fever: a supplementary note, op. cit; REED, W. Recent
researches concerning the etiology, propagation and prevention o f yellow fever by
the United States A r m y Commission, op. cit.
63
Essa preocupação continuou presente depois de 1 9 0 1 . Cuba conquistou sua indepen-
dência em 1 9 0 2 , desde que (emenda Platt) os Estados Unidos pudessem intervir caso
se considerassem ameaçados por problemas de saúde pública que atingissem a ilha.
Com efeito, os soldados norte-americanos reocuparam Cuba entre 1 9 0 6 e 1 9 0 9 e lhe
impuseram um regime sanitário adaptado a suas prioridades (luta contra as doenças
transmissíveis, não contra os problemas de saúde ligados à pobreza). STEFAN, N. The
interplay between socio-economical factors and medical science: yellow fever research
in Cuba and in the United States, op. cit.
64
GORGAS, W. C. Recent experiences of the United States Army with regard to sanitation
of yellow fever in the tropics, op. cit.
65
Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, Le moustique considéré comme agent de la
propagation de la fièvre jaune, São Paulo, Diário Official, 1 9 0 4 , p . 3 8 - 4 4 ; TELAROLLI
JR., R. Poder e Saúde: as epidemias e a formação dos serviços de saúde em São Paulo. São
Paulo: Editora Unesp, 1 9 9 6 , p . 1 1 5 - 1 1 7 .
66
RIBAS, E.; BARRETO, L. P.; SILVA RODRIGUES A. G. da & BARROS, A. de. Travaux
touchant à la prophylaxie de la fièvre jaune. São Paulo, Diario Official, 1 9 0 4 ; RIBAS, E.
Rapport sur l'état sanitaire des ports du Brésil (manuscrit), 13 fév. 1 9 0 3 , Archives de
l'Institut Pasteur, Paris.
67
A intervenção sanitária francesa no Senegal foi estudada por Papa Amadou Gaye em
sua tese Diffusion Institutionnelle du Discours sur le Microbe au Sénégal sous la Troisième
Republique, Université de Paris VII, 1 9 9 7 .
68
A questão da sensibilidade dos negros à febre amarela foi longamente debatida no
século XIX e início do X X . Vários especialistas, entre os quais Henry Carter, susten-
taram que os negros têm uma "imunidade racial" contra essa doença. Essa opinião
foi majoritária até os anos 1 9 3 0 . Entretanto, outros especialistas apontaram as difi-
culdades em observar os sinais típicos de febre amarela, especialmente a icterícia, em
indivíduos de pele escura, e mencionaram a possibilidade de que nas regiões onde a
febre amarela é endêmica as populações autóctones fossem imunizadas por um
contato precoce com o agente da doença.
69
Rapport de la mission sanitaire au Sénégal, 1901, Archives de l'Institut Pasteur, Paris.
Dossiê Simond, Sim. 9, p. 1 9 - 2 2 . A percepção do negro como propagador da febre
amarela não pode ser atribuída unicamente ao racismo dos franceses, pois, segundo
Margaret Humphreys, ela não existia no sul dos Estados Unidos, lugar que dificil-
mente pode ser descrito como isento de racismo contra negros. Margaret Humphreys
explica que, no século XIX, os poderes públicos do Sul viram o negro como inofensi-
vos, posto que incapazes de desenvolver e, portanto, transmitir formas graves da
doença. Eles mudaram de opinião com o advento da teoria do mosquito, que parecia
indicar que uma quantidade muito pequena de matéria contaminante é suficiente
para tornar o mosquito perigoso, e que um indivíduo que sofra de uma forma atenuada
da doença não é menos perigoso do que um indivíduo atingido por uma forma grave.
HUMPHREYS, Μ. Yellow Fever and the South. New Brunswick: Rutgers University Press,
1992, p.165-166.
70
O relatório da missão do Instituto Pasteur no Rio menciona, em seu preâmbulo, que
"em fevereiro de 1 9 1 0 , a comissão militar americana de Havana informava que o
vírus da febre amarela está presente no sangue dos doentes, e é transmitido ao
homem saudável por intermédio de um mosquito". MARCHOUX, E.; SALIMBENI Α. T.
& SIMOND, J . p. La fièvre jaune: rapport de la mission française. Annales de l'Institut
Pasteur, 1 7 : 6 6 5 - 7 3 1 , 1 9 0 3 , à página 6 6 5 .
71
Rapport de la mission sanitaire au Senegal, 1 9 0 1 , op. cit., p . 2 3 .
72
Idem, p.24.
73
A suposição de que os nativos tinham uma "resistência natural" à febre amarela
permitiu que se mantivesse o quadro de reflexão que associa a febre amarela à sujeira
e aos animais pestilentos, sem tentar impor medidas de higiene entre os habitantes da
região.
74
Ibid., p . 2 6 - 2 9 .
75
Lei n° 2 . 2 4 0 , proposta pelo Sr. Décrais, ministro das Colônias, em 7 de março de 1 9 0 1
e votada em 12 de j u l h o de 1 9 0 1 . Câmara dos Deputados, sétima legislação, sessão de
1 9 0 1 . Archives Nationales, Paris, Document no F-l 7 - 1 3 0 5 2 .
76
MARCHOUX, É. Le rôle du pneumocoque dans la pathologie de la maladie du sommeil.
Annales de l'Institut Pasteur, 1 3 : 1 9 3 - 2 9 8 , 1 8 9 9 ; CALMETTE, Α. & SALIMBENI, Α. Τ. La
peste d'Oporto. Annales de l'Institut Pasteur, 1 2 : 6 2 5 - 6 6 2 , 1 8 9 8 ; SIMOND, Ρ. L. Comment
fut mis en evidence le rôle de la puce dans la transmission de la peste. Revue d'Hygiène,
5 8 : 5 1 7 - 5 2 8 , 1 9 3 6 ; WOECKEL, J . La vie et l'ceuvre de Paul Louis Simond. Médecine Tropicale,
2 3 : 4 2 9 - 4 4 1 , 1 9 6 9 ; CRAWFORD, Ε. E. Paul. Louis Simond and his work on plague.
Perspectives in Biology and Medicine, 3 9 ( 3 ) : 4 4 6 - 4 5 8 , 1996; PLOUCHON,P.Histoire des Médecins
et des Pharmaciens de la Marine et des Colonies. Paris: Privat, 1 9 8 5 , p . 3 8 6 - 3 8 8 .
77
MARCHOUX, E.; SALIMBENI A. T. & SIMOND, J . Ρ. La fièvre j a u n e : rapport de la
mission française., op. cit. Na mesma data, está registrado nos cadernos de laborató-
rio, que se abrem da seguinte maneira: "Chegada ao Rio de Janeiro nos primeiros dias
do mês de novembro de 1 9 0 1 " . Archives de l'Institut Pasteur, fundo Simond. Sim. 9.
Papa Amadou Gaye contesta essa data com base em documentos conservados pelo
Arquivo Nacional do Senegal, que, segundo ele, indicam que o navio que transporta-
va os membros da Missão Pasteur fez escala em Dacar em novembro e em dezembro
de 1 9 0 1 . GAYE, Ρ. A. Diffusion Institutionnelle du Discours sur le Microbe au Sénégal sous la
Troisième République, op. cit.
78
Tal equipamento figurou como exceção no Rio de Janeiro. Em 1 9 0 3 , o professor de
microbiologia na Escola de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro queixou-se de
ter apenas um microscópio para dar aula para 1 5 0 estudantes. STEPAN, N. Initiation
and survival o f biomedical research in a developing c o u n t r y : the Oswaldo Cruz
Institute of Brazil, 1 9 0 0 - 1 9 2 0 . Journal of the History of Medicine, 8 : 3 0 3 - 3 2 5 , 1 9 7 5 , a
página 3 0 9 .
79
SIMOND, J . p. Diário, Archives de l'Institut Pasteur, Dossiê Simond, Sim. 9; SEIDL, C.
Renascença: a Missão Pasteur, Rio de Janeiro, 1 9 0 5 .
80
La garotilha. Annales de l'Institut Pasteur, 1 7 : 5 6 4 - 5 6 8 , 1 9 0 3 ; MARCHOUX E. &
SALIMBENI, Α. T. La spirilose des poules. Annales de l'Institut Pasteur, 1 7 : 5 6 9 - 5 8 0 , 1 9 0 3 .
81
Carta de Roux a Simond de 5 de maio de 1 9 0 3 ; carta de Mensil a Simond de 17 de
dezembro de 1 9 0 3 ; carta de Roux a Simond de 2 0 de março de 1 9 0 5 . Archives de
l'Institut Pasteur, dossiê Simond, Sim. 9.
82
Carta de Simond ao Dr. Chanin de Valence, de 9 de setembro de 1 9 0 2 . Archives de
l'Institut Pasteur, dossiê Simond, Sim. 9. Em 1 9 0 2 , a mortalidade por febre amarela foi
aproximadamente três vezes mais alta do que a dos anos precedentes.
83
Carta de Simond a Chanin, op. cit.
84
MARCHOUX, E. SALIMBENI Α. T. & SIMOND, P. L. La fièvre j a u n e : rapport de la
mission française, op. cit., p . 6 6 6 .
85
Idem, p . 6 7 1 .
Ibid. Em um artigo precedente, escrito antes que os cadernos do laboratório da Missão
Pasteur tenham sido postos à disposição dos pesquisadores, afirmei imprudentemen-
te (apoiando-me no relatório publicado nos Annales de l'Institut Pasteur e em sua
versão manuscrita) que, "felizmente, não houve nenhum caso mortal entre os indi-
víduos que contraíram a febre amarela experimental". LÕWY, I. Yellow fever in Rio de
Janeiro and the Pasteur Institute mission ( 1 9 0 1 - 1 9 0 5 ) : the transfert of science to the
periphery. Medical History, 3 4 : 1 4 4 - 1 6 3 , 1 9 9 0 , à página 1 5 5 .
87
Idem, p.671-679. Tal afirmação fundamentou-se em um único caso, e os autores do
relatório observam, por outro lado, que uma picada de mosquito infectado não induz
obrigatoriamente a doença. A proposta de proteger os indivíduos por meio de uma
injeção de soro imune, seguida da injeção de uma pequena quantidade de agente
infeccioso, foi retomada mais tarde e serviu de base ao desenvolvimento da vacina
contra a febre amarela pelos pesquisadores da Fundação Rockefeller em 1 9 3 0 .
88
A transmissão vertical do vírus da febre amarela foi, durante muito tempo, tida como
um fenômeno marginal, observado (provavelmente) nas condições artificiais de um
laboratório. Em 1 9 7 7 , pesquisadores demonstraram que tal transmissão pode ocor-
rer também na natureza, no Aedes azgypti, inaugurando, assim, o debate sobre sua
importância putativa na epidemiologia da febre amarela. F. RODHAIN, comunicação
pessoal.
89
Normalmente, pode-se fazer com facilidade a distinção entre a vacinação, ou seja, a
injeção de microrganismos debilitados, modificados ou mortos, e a soroterapia -
injeção do soro que contém os anticorpos específicos contra os microrganismos ou
seus produtos, c o m o o soro antitetânico. Tal distinção era, no entanto, difícil de se
estabelecer ao se injetar o soro aquecido de um doente, que poderia conter simulta-
neamente agentes da doença debilitados ou mortos e anticorpos específicos.
90
Le Journal, 2 de j u l h o de 1 9 0 5 ; Le Matin, 1 de outubro de 1 9 0 5 . Recortes de imprensa.
Archives de l'Institut Pasteur, Dossiê Simond, Sim. 4 .
91
SEIDL, C. A missão Pasteur, op. cit.
92
Ben David explica que o Instituto Oswaldo Cruz representa um caso único de desen-
volvimento de um centro de pesquisa de um país periférico reconhecido universal-
mente, no início do século XX. BEN DAVID, J . The implantation of scientific tradition
in developing countries. Minerva, 1 5 : 3 0 3 - 3 0 5 , 1 9 7 7 .
93
MARCHOUX, E. & SIMOND, P. L. É t u d e s sur la fièvre j a u n e : Troisième mémoire,
Annales de l'Institut Pasteur, 2 0 : 1 0 4 - 1 4 8 , 1 2 5 - 1 4 7 , 1 9 0 6 . Tal suposição foi formulada
em 1 8 9 4 pelo médico c u b a n o Guiteras, em La fiebre amarilla considerara c o m o
infermidad de la infância. Crônica Medico-quirurgica de la Habana, 1 8 9 4 .
94
MARCHOUX, E. & SIMOND, Ρ. L. Études sur la fièvre jaune: Troisième mémoire, op.
cit., p . 1 3 3 - 1 3 4 . Na falta de meios de visualização do agente da febre amarela, a prova
ficou incompleta, e teria sido possível inverter o argumento e dizer que os casos de
febre atípica surgidos após uma picada de mosquito infectado, ou a injeção do soro de
um doente, não eram de modo algum febre amarela, mas urna outra doença, contraída
por acaso. Simond e Marchoux tinham, no entanto, confiança em seu método expe-
rimental. Eles a f i r m a r a m que os casos leves "não apresentam, ao exame clínico,
nenhum sintoma característico que tenha permitido apoiar o diagnóstico. Tal d i a g -
nóstico só pode ser certificado porque a doença foi determinada por uma inoculação
experimental".
95
MARCHOUX, E. & SIMOND, P. L. Études sur la fièvre jaune: Troisième mémoire, op.
cit., p . 1 3 4 - 1 3 7 ; citação p.137. Os cientistas franceses não comentam as circunstâncias
dessa experimentação no homem, nem o perigo que corriam as pessoas submetidas
às picadas de mosquitos infectados.
96
MARCHOUX, E. & SIMOND, Ρ.. L. Études sur la fièvre jaune: Troisième mémoire, op.
cit., p.148.
97
MARCHOUX E. & SIMOND, P. L. Études sur la fièvre j a u n e : Quatrième mémoire,
Annales de l'Institut Pasteur, 2 0 : 1 6 1 - 2 0 5 , 1 9 0 6 ; citações p.163 e p . 1 6 6 .
98
SIMOND, R. L.; AUBERT, Ρ. & NOC, F. Contribution à l'étude de l'épidémiologie amarile:
origines, cause, marche et caracteres de l'épidémie de la fièvre j a u n e de la Martinique
de 1908. Annales de l'Institut Pasteur, 2 3 : 8 9 4 - 9 1 0 , nov. 1 9 0 9 .
99
SIMOND, J . - L . Fièvre Jaune. Paris: Librairie J . - B . Ballière et Fils, 1 9 1 2 ; citação p.66.
100
Ao longo dos debates da comissão britânica encarregada de estudar a febre amarela
na África Ocidental, o Dr. Rice afirmou que a separação das raças seria a maneira
mais eficiente de preservar a saúde dos europeus, mas tratava-se de uma medida
pouco popular, com os comerciantes recusando-se a arcar com o custo da construção
de alojamentos separados para seus empregados, fora dos bairros comerciais. Minu-
a
tas da 4 5 reunião do Advisory Committe for Tropical Africa, 5 de novembro de 1 9 1 2 .
Dossiê Ronald Ross, C G / 5 9 / A I , Wellcome Archives, Londres. Em 1 9 4 1 , o britânico
Findlay também explicou que a segregação racial era u m dos meios mais eficazes de
proteger os europeus da febre amarela e de outras doenças dos nativos. Memorandum
of Yellow Fever in Africa (manuscrito, 1 9 4 1 ) . Dossiê Findlay, C G / 5 9 / A I , Wellcome
Archives, Londres.
101
Carta de Simond a Charrin, 9 de setembro de 1 9 0 2 , Archives de l'Institut Pasteur,
dossiê Simond, Sim. 9.
102
GUERRA, Ε. Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Vecchi Editores, 1940; BENCHIMOL, J. Dos
Micróbios aos Mosquitos, op. cit., p . 4 8 9 - 5 0 6 .
103
BARBOSA Ρ. & REZENDE C. Β. (Eds.) Os Serviços de Saúde Pública no Brasil, especialmente
na Cidade do Rio de Janeiro, de 1808 a 1907. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1 9 0 9 ;
OLIVEIRA, O. G. de. Oswaldo Cruz e suas Actividades na Direção da Saúde Pública Brasilei-
ra. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
1 9 5 5 ; SILVA JÚNIOR, M. As grandes campanhas sanitárias no Rio de Janeiro. In:
SODRÉ, J . (Org.) Quatro Séculos de Cultura no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. Univer-
sidade do Brasil, 1 9 6 6 , p . 4 5 5 - 4 6 8 ; STEFAN, Ν. The Beginning of Brazilian Science: Oswaldo
Cruz medical research and policy, 1890-1920. New York: Science History Publications,
1976, p.84-91.
104
CRUZ, O. G. The sanitation o f Rio. The Times, 2 8 dezembro de 1 9 0 8 , reproduzido em
CRUZ, O. G. Opera Omnia. Rio de Janeiro: Imprensa Brasileira, 1 9 7 2 , p . 5 5 6 - 5 6 2 .
105
Filme documentário sobre a campanha de Oswaldo Cruz realizado por E. Marchoux,
Archives de l'Institut Pasteur, Paris.
106
BRITTO, N. A. Oswaldo Cruz: a construção de um mito na ciência brasileira. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 1 9 9 5 .
107
BENCHIMOL, J . Dos Micróbios aos Mosquitos, op. cit., p . 4 9 6 - 5 0 6 .
108
ANDRADE, Ν de. Febre amarela e o mosquito, Rio de Janeiro, Jornal do Commercio,
1 9 0 3 , p.34 e p.54.
109
Idem, p . 3 4 - 3 5 ; p . 5 6 .
110
lbid., p . 9 - 1 3 ; 1 4 - 1 6 ; 2 0 - 2 8 .
111
Citado por CHALHOUB, S. Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1 9 9 6 , p . 5 8 .
112
CARONE, Ε. A Primeira República, 1889-1930: texto e contexto. São Paulo: Difusão Euro-
péia do Livro, 1 9 7 3 , p . 4 2 - 4 6 ; CHALHOUB, S. Cidade Febril, op. cit; SEVCENKO, Ν. A
Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Brasiliense, 1 9 8 4 .
113
ARAÚJO, C. da S. A Vaca Imortalizada: a vacina antivariólica, as vacinas de Wright no
Brasil. Rio de Janeiro: Continente Editorial, 1 9 7 9 , p . 2 9 .
114
Revista de Medicina Tropical, 22 de março de 1 9 0 4 , citado por Myriam Bahia Lopes em
sua dissertação de mestrado, Práticas Médico-sanitárias e Remodelação Urbana na Cida-
de do Rio de Janeiro, IFCH-Unicamp, 1 9 8 8 .
115
SCHWARTZMANN, S. A Formação da Comunidade Científica no Brasil. São Paulo: Edito-
ra Nacional, 1 9 7 9 , p . 1 3 0 - 1 3 1 ; CHALHOUB, S. Cidade Febril, op. cit., p . 9 2 - 1 0 2 . A expul-
são dos pobres do centro da cidade do Rio de Janeiro e sua instalação nos morros
vizinhos deram origem a favelas, ainda presentes no Rio.
116
BARBOSA, P. & BARBOSA DE REZENDE, C. (Eds.) Os Serviços de Saúde Pública no Brasil,
especialmente na Cidade do Rio de Janeiro, de 1808 a 1907, op. cit. Em 1 9 0 8 , u m a impor-
tante epidemia de varíola eclodiu no Rio, e a iminência do perigo diminuiu considera-
velmente a resistência à vacinação antivariólica.
117
A Notícia, 10 de j u l h o de 1903; A Tribuna, 9 de j u l h o de 1 9 0 3 ; O País, 11 de j u l h o de 1 9 0 3 ;
Jornal do Commercio, 2 2 de j u l h o de 1 9 0 3 . Dossiê de imprensa da campanha de Oswaldo
Cruz, Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.
118
SCHWARTZMANN, S. A Formação da Comunidade Científica no Brasil. São Paulo: Edito-
ra Nacional, 1 9 7 9 , p . 1 3 0 - 1 3 1 ; LOPES, Μ. B. Práticas Médico-sanitárias e Remodelação
Urbana na Cidade do Rio de Janeiro, op. cit.
119
O País, 11 de j u l h o de 1 9 0 3 ; A Tribuna, 9 de j u l h o de 1 9 0 3 . Dossiê de imprensa da
campanha de Oswaldo Cruz, Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.
120
Notícias, 13 de j u l h o de 1 9 0 3 . Dossiê de imprensa da campanha de Oswaldo Cruz,
Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Nuno de Andrade não estava
c o m p l e t a m e n t e errado quando afirmou que a administração francesa não tinha
pressa em introduzir medidas profiláticas contra a febre amarela. Uma epidemia de
febre amarela eclodiu em 1 9 0 2 na colônia penitenciária da Guiana; a única medida
proposta pela administração colonial foi a distribuição de "fortificantes" - vinho e
café - aos prisioneiros. GARN1ER, M. A. La Fièvre Jaune au Brêsil avant 1902 et l'Épidémie
de 1902. Paris: Doin, 1 9 0 3 .
121
CRUZ, O. The sanitation of Rio, op. cit. p . 5 6 2 .
122
O processo de transformação de Oswaldo Cruz em herói nacional é descrito no livro
de N. A. Britto, Oswaldo Cruz: a construção de um mito na ciência brasileira. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 1 9 9 5 .
123
OLIVEIRA, O. de Oswaldo Cruz e suas Atividades na Direção da Saúde Pública Brasileira, op.
cit., p . 2 6 - 3 0 .
124
O livro de N. Stepan, The Beginning of Brazilian Science: Oswaldo Cruz, medical research
and policy, 1890-1920, op. cit. relata a história dos primeiros anos do Instituto
Manguinhos.
125
COUNCILMAN W. Τ & LAMBERT, R. A. The Medical Report of the Rice Expedition to Brazil,
Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1 9 1 8 , p . 3 7 - 4 0 e 5 3 - 5 4 ; ARAÚJO, Η. C.
de S. A Prophylaxia Rural no Estado do Pará. Belém: Livraria Gillet, 1 9 2 2 , p . 4 5 - 4 6 .
126
Carta de Ernest Hambloch, cônsul-geral da Grã-Bretanha no Rio de Janeiro, a Sir
Eduard Bart, de 6 de março de 1 9 1 3 . Wellcome Archives, dossiê Ronald Ross, G C / 5 9 /
Al (documentos da Subcomissão da Febre Amarela).
127
Carta de Hambloch a Bart de 6 de março de 1 9 1 3 . Wellcome Archives, dossiê Ronald
Ross, G C / 5 9 / A I (documentos da Subcomissão da Febre Amarela).
128
Teorias mais recentes associam a febre amarela também ao comércio de escravos,
através da importação de um mosquito africano, o Aedes agypti, para o continente
americano. WARREN, A. J . Landmarks in the conquest of yellow fever. In: STRODE,
G. K. (Ed.) Yellow Fever. New York, London, Toronto: McGraw-Hill Company, 1 9 5 1 ,
p.5-3 7; CARTER, H. R. Yellow Fever: an epidemiological and historical study of its place and
origins. Baltimore: Williams and Wilkins, 1 9 3 1 .
129
CHALHOUB, S. Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 1 9 9 6 .
130
BARBOSA, R. Oswaldo Cruz. Revista do Brazil, 1 9 1 7 , 5 ( 1 9 ) citado por CHALHOUB, S.
The politics of disease control: yellow fever and race in Nineteenth century Rio de
Janeiro. Journal of Latino-American Studies, 2 5 ( 3 ) : 4 4 1 - 4 6 3 , 1 9 9 3 .
131
SCHWARTZMANN, S. (Org.) Estado Novo, um Auto-retrato. Brasília: Editora Universi-
dade de Brasília, 1 9 8 2 , p . 4 0 5 - 4 0 7 .
132
Sobre as relações entre a Fundação Rockefeller e o movimento sanitarista brasileiro,
ver CASTRO-SANTOS, L. A. de. A Fundação Rockefeller e o Estado nacional. Revista
Brasileira de Estudos da População, 1 9 8 9 , 6 ( 1 ) : 1 0 5 - 1 1 0 ; FARIA, L. R. de. Os primeiros
anos da reforma sanitária no Brasil e a atuação da Fundação Rockefeller, 1 9 1 5 - 1 9 3 0 .
Physis, 5 ( 1 ) : 1 0 9 - 1 3 0 , 1 9 9 5 ; GADELHA, P. Conforming strategies o f public health
c a m p a g n e s to disease specificity and national c o n t e x t s : Rockefeller Foundation's
early campaigns again hookworm and malaria in Brazil. Parassitologia, 40(1-2):159-
175,jun.l998.
133
LÉVI-STRAUSS, C. Tristes Tropiques. Paris: Plon, 1 9 5 5 , p. 1 2 6 .
134
CUNHA, Ε. da. Os Sertões (Hautes Terres) Paris: Métailié, 1 9 9 3 ( 1 9 0 2 ) . Sobre o pensa-
mento de Cunha, ver SEVCENKO, N. Literatura como Missão: tensões sociais e criação
cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1 9 8 3 .
135
O livro de Euclides da Cunha, de alto teor dramático, não permite, contudo, perceber
que o centro da rebelião, a cidade de Canudos, era a segunda cidade do estado da
Bahia e contava, no fim do século XIX, com aproximadamente 2 5 . 0 0 0 habitantes; e
que a b a t a l h a de Canudos foi "o m a i o r m a s s a c r e de população civil na história
brasileira"; GÓES DE PAULA, S. Canudos: u m relato de viagem. Estudos de História da
Saúde, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, 5 de janeiro de 1 9 9 3 .
136
Segundo Leopoldo Bernuci, a descrição da revolta de Canudos feita por C u n h a é
inspirada n o livro de Victor Hugo, Quatre-vingt-treize; o título original de sua obra era
Os Sertões - a nossa Vendee. BERNUCCI, L. A Imitação dos Sentidos: prógonos, contemporâ-
neos e epígonos de Euclides da Cunha. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1995.
137
CUNHA, E. da. Os Sertões, op. cit., p . 4 9 0 - 4 9 1 (grifos meus). Henry Maudsley, médico
psiquiatra inglês nascido em 1 8 3 5 , expôs suas teorias sobre as relações entre a loucu-
ra e o crime em Le Crime et la Folie: la pathologie de l'esprit et la responsabilité dans les
maladies mentales, p . 5 2 3 - 5 2 4 .
138
CUNHA, E. da. Os Sertões, op. cit., p . 7 0 - 7 2 .
139
Idem, p. 7 3 .
140
Ibid, p . 9 5 .
141
Ibid, p.97-98.
142
Ibid, p.66-67.
143
STEPAN, N. The Hour of Eugenics: race, gender and nation in Latin América. Ithaca, London:
Cornell University Press, 1 9 9 1 , p . 1 5 3 - 1 6 9 . Os médicos franceses desenvolveram abor-
dagens semelhantes. Cf. GAUDILLIÈRE, J . - P Le syndrome nataliste: étude de l'hérédité,
pédiatrie et eugénisme en France ( 1 9 2 0 - 1 9 6 0 ) . Médecine/Sciences, 1 3 : 1 . 1 6 5 - 1 . 1 6 7 , 1 9 7 7 .
144
LIMA, Ν. Τ & HOCHMAN, G. Condenado pela raça, absolvido pela medicina: o Brasil
descoberto pelo m o v i m e n t o sanitarista da primeira república. In: MAIO, M. C. &
VENTURA, R. V. S. (Coords.) Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
1 9 9 6 , p . 2 3 - 4 0 , à página 2 9 .
145
O livro de Bonfim é u m a resposta à corrente nacionalista que proclamava o orgulho
nacional, marcado por ingenuidade, dos brasileiros: deve a expressão "ufanismo" ao
livro de Afonso Celso, Porque me Ufano de meu País, publicado em 1 9 0 1 , que glorifica a
terra brasileira e seus habitantes, e defende u m nacionalismo agressivo.
146
BONFIM, Μ. A América Latina: males de origem. Rio de Janeiro: Topbooks, 1 9 9 5 ( 1 9 0 5 ) ;
KROPF, S. P. Manoel Bonfim e Euclides da Cunha: vozes dissonantes aos horizontes do
progresso. Manguinhos, 11(1):80-98, 1996.
147
HERSCHMANN Μ. M. & PEREIRA, C. Α. Μ. O imaginário moderno no Brasil. In:
HERSCHMANN Μ. M. & PEREIRA, C. Α. Μ (Orgs.) A Invenção do Brasil Moderno: medici-
na, educação e engenharia nos anos 1920-1930. Rio de Janeiro: Rocco, 1 9 9 4 , p . 9 - 4 1 .
148
O livro de Gilberto Hochman, A Era do Saneamento: as bases da política da saúde pública
no Brasil (São Paulo, Hucitec, 1 9 9 8 ) , é centrado nos fatos políticos que levaram à
fundação do DNSP Ver também LABRA, Μ. Ε. O Movimento Sanitarista nos Anos 20: do
contexto internacional à especificidade da saúde pública no Brasil, 1 9 8 5 . Dissertação de
Mestrado, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
149
LIMA, Ν. T. Um Sertão Chamado Brasil: intelectuais e representação geográfica da identidade
nacional. Rio de Janeiro: Iuperj/Ucam, 1 9 9 9 .
150
The scientific expeditions o f the Oswaldo Cruz Institute, in: THIELEN, Ε. V. et al.
Science Heading for the Backwoods: images of the expeditions conducted by the Oswaldo Cruz
Institute scientists to the Brazilian Hinterland, 1911-1913. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo
Cruz, 1 9 9 1 , p . 6 - 8 .
151
PENNA, B. & NEIVA, A. Viagem científica pelo norte da Bahia, sudoeste de Pernambuco,
sul do Piauí e norte e sul de Goiás. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 8 : 7 4 - 2 2 4 , 1 9 1 6 ,
à página 1 9 9 .
152
Idem, p . 1 9 6 . Hoje, os pesquisadores brasileiros acreditam que a "doença da sufocação"
é u m a das manifestações digestivas da doença de Chagas. Science Heading for the
Backwoods, op. cit., p . 6 0 .
153
Ibid, p . 9 1 .
154
Citado em Science Heading for the Backwoods, op. cit., p . 1 8 . Hoje, o bócio não é mais
atribuído à doença de Chagas.
155
PENNA, B . & NEIVA, A. Viagem científica pelo norte da Bahia, sudoeste de Pernambuco,
sul do Piauí e norte e sul de Goiás, op. cit., p . 1 9 1 . A descrição dos pesquisadores do
Instituto Oswaldo Cruz c o m o "gringos" (norte-americanos) é eloqüente. Ela pode
explicar a relativa a u s ê n c i a de hostilidade c o n t r a os especialistas da F u n d a ç ã o
Rockefeller; para os habitantes pobres do interior do Brasil, um profissional da medi-
cina vindo do Rio de Janeiro não é menos estrangeiro do que u m que venha de Nova
York.
156
Idem, p . 1 9 9 .
157
Ibid, p . 2 2 1 - 2 2 2 . A conclusão do relatório da expedição à Amazônia de Carlos Cha-
gas, Pacheco Leão e J o ã o Pedro Albuquerque m e n c i o n a o estado de abandono à
própria sorte dos habitantes da Amazônia por parte dos poderes públicos, aliados dos
proprietários das plantações. Cf. "Rapport sur les conditions médico-sanitaires dans
le bassin d'Amazonie", apresentado ao Ministério da Agricultura, da Indústria e do
Comércio, escritório da Divisão da Borracha, 1 9 1 3 , citado em Science Heading for the
Backwoods, op. cit., p . 1 2 3 .
158
PEREIRA, M. Revista de Medicina, São Paulo, 3 ( 2 2 ) : 3 - 7 , 1 9 2 2 . Citado por HOCHMAN, G.
A Era do Saneamento, op. cit., p . 5 8 . O discurso de Pereira foi pronunciado em outubro
de 1916,. no contexto de u m debate sobre o serviço militar obrigatório. Pereira atacou
o discurso do deputado de Minas Gerais, Carlos Peixoto, cuja declaração testemunha-
va sua ignorância do Brasil: Peixoto havia afirmado, c o m efeito, que, em caso de
invasão, ele iria aos sertões para mobilizar os caboclos para a defesa de seu país.
159
LIMA, Ν. T. & HOCHMAN, G. Condenado pela Raça, Absolvido pela Medicina, op. cit.;
LABRA, Μ. Ε. O Movimento Sanitarista dos Anos 20, op. cit; HOCHMAN, G. A Era do
Saneamento, op. cit
160
Esses artigos foram reunidos, mais tarde, em u m panfleto. TAUNAY, A. d'E. Une
expédition scientifique importante: les voyages de Νeiva et Penna, coletânea de arti­
gos publicados no Correio Paulistano em 1 9 1 7 , citado em Science Healding for the Backwoods,
op. cit., p . 6 0 .
161
LIMA, Ν. Τ. & HOCHMAN, G. Condenado pela Raça, Absolvido pela Medicina, op. cit.;
HOCHMAN, G. A Era do Saneamento, op. cit.,
162
FARIA, L. N. de. Os primeiros anos da reforma sanitária n o Brasil e a atuação da
Fundação Rockefeller ( 1 9 1 5 - 1 9 2 0 ) , op. cit.
163
PENNA, Β. O Saneamento no Brasil. Rio de Janeiro: Editora dos Tribunais, 1 9 2 3 ( 1 9 1 8 ) .
O livro é u m a coletânea dos artigos publicados por Penna no j o r n a l Correio da Manhã.
LIMA, Ν. Τ & HOCHMAN, G. Condenado pela Raça, Absolvido pela Medicina, op. cit.
164
CAVALCANTI, P. A Cannan sertaneja. Saúde, 5-6:265-321, 1918, citado por LIMA, N.
T. & HOCHMAN, G. Condenado pela Raça, Absolvido pela Medicina, op. c i t . LIMA, Ν. Τ Um
Sertão Chamado Brasil, op. cit., p. l 4 7 . Maria Eliana Labra caracteriza Belisário Penna
(originário da aristocracia agrária de Minas Gerais) como u m "intelectual reacioná-
rio", aliado aos oligarcas agrários que celebram os "homens e a terra" e querem
modernizar os campos. LABRA, Μ. Ε. O Movimento Sanitarista nos Anos 20, op. cit.
165
Citado por HOCHMAN, G. A Era do Saneamento, op. cit., p . 6 4 .
166
A percepção do brasileiro do interior c o m o mestiço degenerado foi tenaz. No livro
clássico do antropólogo Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala, publicado em 1 9 3 3 , o
autor lembra que durante a temporada que passou em Nova York (para estudar com
Franz Boas) ele ficou surpreso ao ver u m grupo de marinheiros brasileiros, o que o
leva a falar em "the fearfully mongrel aspect o f population". Foi preciso u m esforço
para que ele se lembrasse de que aqueles não eram simplesmente de mestiços, mas
mestiços doentes. Citado por LIMA, Ν. T. & HOCHMAN, G. Condenado pela Raça,
Absolvido pela Medicina, op. cit., p. 3 7 .
167
Sobre as contradições da modernização do Brasil, ver SCHWARTZ, R. Misplaced Ideas:
essays on Brazilian culture. London: Verso, 1 9 9 2 , p . 1 9 - 3 2 .
168
HERSHMANN, Μ . M. A arte do operatório, medicina, naturalismo e positivismo,
1 9 0 0 - 1 9 3 7 . In: HERSHMANN, Μ. Μ. & PEREIRA, C. A. M. (Orgs.) A Invenção do Brasil
Moderno: medicina, educação e engenharia nos anos 1920-1930. Rio de Janeiro: Rocco,
1994, p.43-65.
169
SKIDMORE, Τ Ε. Black Into White: race and nationality in Brazilian Thought. New York,
London: Oxford University Press, 1 9 7 4 , p. 1 8 0 - 1 8 4 .
170
LOBATO, Μ. Urupês. São Paulo: Brasiliense, 1 9 5 7 ( 1 9 1 8 ) citado por LIMA, Ν. T. Um
Sertão Chamado Brasil, op. cit., p . 1 2 8 ; p.137. Penna e Neiva não parecem partilhar dessa
desconfiança do estrangeiro.
171
LIMA, Ν. T. & HOCHMAN, G. Condenado pela Raça, Absolvido pela Medicina, op. cit.;
LABRA, Μ. Ε. O Movimento Sanitarista nos Anos 20, op. cit.;. HOCHMAN, G. A Era do
Saneamento, op. cit; LIMA, Ν. T. Um Sertão Chamado Brasil, op. cit. Penna deixou o cargo
em 1 9 2 2 , por divergências políticas. Em seguida ofereceu seus serviços a diversos
governos federais; em 1 9 2 8 , chegou a pedir a Henry Ford que lhe confiasse o sanea-
mento de suas plantações de borracha no Pará. Dois anos depois, Penna participava
da "revolução" de Vargas, antes de dirigir o DNSP até 1 9 3 2 , e de, mais tarde, pedir
demissão por divergências políticas. Nos anos 1 9 3 0 , Penna foi membro de u m movi-
m e n t o de extrema direita, a Aliança Integralista Brasileira, criada nos moldes dos
partidos fascistas europeus. Ele morreu em 1 9 3 9 .
172
HOCHMAN, G. A Era do Saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil, op. cit.
AFebreAmarelae a"Saúdepública"Norte-Americana:
a Fundação Rockefeller no Brasil, 1920-1945

A Saúde como Chave do Progresso: os primórdios da


Fundação Rockefeller

A Fundação Rockefeller é u m a instituição beneficente, criada em 1 9 1 3


por J o h n D. Rockefeller, c o m u m a doação de 5 0 milhões de dólares em
ações da Standard Oil, companhia petrolífera que fez a fortuna da família
1
Rockefeller. O objetivo da fundação era

promover a civilização e ampliar o bem-estar dos povos dos Estados


Unidos da América, de seus territórios e suas possessões, assim como
daqueles dos países estrangeiros, por meio da aquisição e disseminação
do saber, da prevenção e do alívio do sofrimento, e a promoção de todos
2
os elementos do progresso humano.

Segundo os diretores [trustees] da época, o meio mais eficaz de atingir esses


objetivos consistia em melhorar a saúde pública no m u n d o graças à pes-
quisa médica e à educação em saúde. O diretor das c a m p a n h a s financia-
das por Rockefeller, Frederick Gates, explica que "a doença é a desgraça
suprema da vida h u m a n a , e a principal fonte de todos os outros males -
tais c o m o a pobreza, o crime, a ignorância, o vício, a incapacidade o u as
3
taras hereditárias". Essa citação r e s u m e de m a n e i r a sucinta a ideologia
que se estendeu sob a a ç ã o da F u n d a ç ã o Rockefeller na área da saúde:
c o m o a doença é a principal fonte da pobreza, a melhoria da saúde das
populações torna-se o meio mais eficaz de eliminar os problemas e c o n ô -
m i c o s e sociais.
O interesse pelas c a m p a n h a s financiadas pela Fundação Rockefeller
em m a t é r i a de saúde pública r e m o n t a a 1 9 0 9 , a n o da f o r m a ç ã o de u m a
c o m i s s ã o (The Rockefeller S a n i t a r y Comission) dedicada à erradicação da
4
ancilostomíase n o sul dos Estados Unidos. Essa comissão era dirigida por
Wickliffe Rose, a n t i g o d e c a n o do Peabody College e da Universidade de
Nashville, diretor do Peabody Fund e secretário do S o u t h e r n E d u c a t i o n
B o a r d . Rose, personalidade e m i n e n t e do m u n d o da educação n o sul dos
Estados Unidos, havia adquirido considerável experiência a d m i n i s t r a t i v a ,
inclusive n a a d m i n i s t r a ç ã o de o r g a n i z a ç õ e s beneficentes. E m c o m p e n s a -
ção, seus c o n h e c i m e n t o s em m e d i c i n a , b i o l o g i a o u n o c a m p o da saúde
pública e r a m m u i t o limitados, se n ã o inexistentes. A escolha de u m p r o -
fissional da educação para dirigir a C o m i s s ã o S a n i t á r i a (e, mais tarde, o
I n t e r n a t i o n a l Health Fund da Fundação Rockefeller) atesta a i m p o r t â n c i a
conferida, na c o m i s s ã o , à educação e m saúde durante o primeiro período
da i n t e r v e n ç ã o sanitária da Fundação Rockefeller.
A escolha da a n c i l o s t o m í a s e c o m o ú n i c o c a m p o de i n t e r v e n ç ã o da
Comissão Sanitária foi motivada por várias razões. A ancilostomíase é u m a
doença induzida por u m verme que sobrevive nos intestinos, que enfraquece
consideravelmente os indivíduos atingidos e reduz sua capacidade de t r a b a -
lho. A preguiça n a t u r a l das populações das regiões quentes, sua falta de
entusiasmo para o trabalho, especialmente nas plantações, encontrou, des-
se modo, u m a explicação científica e a esperança de u m t r a t a m e n t o eficaz.
Os ovos do verme que induz essa doença estão presentes nos excrementos e
podem sobreviver n o solo; a contaminação ocorre, portanto, principalmente
quando se anda descalço. Para os médicos, a solução do problema da trans-
missão da ancilostomíase era simples: administração de u m medicamento,
o timol associado a sais purgativos (os sais de Epsom) para curar as pessoas
infectadas, seguida da introdução de meios preventivos capazes de evitar a
r e c o n t a m i n a ç ã o das latrinas e, finalmente, o u s o de calçados. Mais tarde,
u m medicamento considerado mais eficaz (ainda que ocasionalmente t ó x i -
co), o óleo chenopódio, substituiu o timol.
A c a m p a n h a c o n t r a a a n c i l o s t o m í a s e conduzida pela C o m i s s ã o S a -
nitária da Fundação Rockefeller reuniu vários dos elementos constitutivos
da fundação: 1) a convicção de que a pobreza está ligada antes de tudo à
ignorância e à m á saúde, e pode ser eliminada pela educação; 2 ) a estreita
a s s o c i a ç ã o entre a capacidade de t r a b a l h o dos indivíduos, seu estado de
saúde e seu bem-estar; 3 ) a importância da difusão da civilização por meio
da m u d a n ç a de hábitos e o a b a n d o n o do estado de selvagem p r ó x i m o da
natureza (donde a importância atribuída ao u s o de calçados e à utilização
das latrinas, a m b o s s í m b o l o s de progresso); 4 ) a pureza c o m o ideal, p o r
oposição à sujeira: eliminação da m a t é r i a fecal c o m o equivalente m o r a l e
simbólico da erradicação da doença.
A c a m p a n h a c o n t r a a ancilostomíase n o sul dos Estados Unidos foi
considerada u m sucesso. A ação sanitária empreendida pelos responsáveis
por essa c a m p a n h a foi, s e g u n d o o h i s t o r i a d o r J o h n Ettling, calcada n o
e v a n g e l i s m o n o r t e - a m e r i c a n o . N o c e n t r o da c a m p a n h a c o l o c o u - s e o
dispensário, lugar de conversão da comunidade, que correspondia à tenda
do pregador a m b u l a n t e (revivalist tent). Segundo u m dos responsáveis pela
c a m p a n h a da c o m i s s ã o sanitária, os resultados dos t r a t a m e n t o s conduzi-
dos nesse dispensário são "tão rápidos e t ã o impressionantes, que f o r a m
5
comparados aos milagres narrados n o Novo Testamento". O o u t r o objeti-
v o prioritário, a educação para a saúde, foi perseguido através da publica-
ç ã o de a r t i g o s n a i m p r e n s a , da c o n f e c ç ã o de c a r t a z e s e b r o c h u r a s ( c o m
perguntas e respostas estruturadas c o m o n o catecismo), da difusão de in-
formações nas escolas e por meio de conferências públicas.
O p r o g r a m a de u m a festa realizada em 1 9 1 4 n u m a pequena cidade
da Geórgia (reproduzido por Ettling) ilustra a integração da educação para
a saúde em u m a m i s t u r a heteróclita de "cultura", "educação" e "diversão".
0 p r o g r a m a era o seguinte:

1 - U m concerto de piano - Harriet Martin


o
2 - Declamação - os alunos do 2 ano
3 - A mosca e o mosquito - Dr. E. S. Davies
4 - Quarteto - Srs. Ruddick e Davis; Sras. Herring e Eliot
5 - Como organizar a limpeza de primavera? - Sras. Stokes e Herring
6 - Duo - Senhoritas Gibson e Davis
7 - U m conto - Sr. Fuerton Jr.
8 - Solo - Sra. Bullard
9 - O saneamento de uma casa rural - Sra. W. W. Wilson
10 - U m a canção - alunos do 2° ano
11 - O dever dos homens de negócios de preservar a saúde da comunidade - Sr.
Cummings e Sra. Stokes
12 - Quarteto - C. Davis, S. Waddel, R. Fullerton e C. Waddel
13 - Declamação - R. Waddel
14 - A desinfecção como u m meio de prevenir doenças e promover a saúde - M. Ranz
e Dr. Davis Intermezzo - anedotas
6
15 - Stéréopticon: uma conferência sobre a ancilostomíase - Dr. A. W Wood
Os t r a b a l h o s da C o m i s s ã o Sanitária t e r m i n a r a m em 1 9 1 3 . De dois
milhões de pessoas que h a v i a m sofrido de ancilostomíase n o sul dos Esta-
dos Unidos antes de sua intervenção, quinhentos mil teriam sido tratadas
c o m sucesso por seus empregados. A l é m disso, as medidas educativas di-
fundidas n o conjunto do território atingido pela doença deviam levar rapi-
d a m e n t e a o seu c o m p l e t o desaparecimento. Essa asserção revelou-se de-
m a s i a d o o t i m i s t a , e a a n c i l o s t o m í a s e residual persistiu n a região até os
anos 1 9 6 0 . A freqüência da doença, entretanto, diminuiu, graças sobretu-
do às atividades da Comissão Sanitária: p r o m o ç ã o da construção de latrinas,
difusão eficaz da educação sanitária, associada à ideologia do progresso.
Uma c a n ç ã o e s c r i t a p a r a c o m e m o r a r o fim dos t r a b a l h o s da c o m i s s ã o
n u m a cidade de Carolina do Norte a s s i m apresenta a a s s o c i a ç ã o entre a
limpeza e u m futuro melhor:

Brushing, brushing til we're fainting


Washing, scrubbing, rubbing, painting
See, we're cleaning, what's the meaning
7
Opportunity!! Model Community!!

O t r a b a l h o da C o m i s s ã o S a n i t á r i a a r t i c u l o u , pela primeira vez, os


elementos-chave da ideologia da Fundação Rockefeller na área da saúde: a
estreita associação entre a ciência da saúde pública e a gestão racional das
sociedades (social engineering), sendo o c o n j u n t o financiado pelos rendi-
m e n t o s do petróleo. A International Health C o m m i s s i o n (IHC, m a i s tarde
transformada n o International Health Board, IHB, e depois na International
Health Division, IHD) foi fundada e m 1 9 1 4 , c o m o objetivo explícito de
a m p l i a r a l u t a c o n t r a a a n c i l o s t o m í a s e n o s o u t r o s países em q u e esta
doença grassava, por meio da "difusão dos princípios de saúde pública e da
8
p r o m o ç ã o do c o n h e c i m e n t o das teorias da medicina científica". Os países
visados p o r essa c a m p a n h a f o r a m , inicialmente, as ilhas do Caribe (sob
d o m í n i o b r i t â n i c o ) , e depois os países da Asia e da A m é r i c a Latina. Nas
A m é r i c a s Central e do Sul, a fundação c o o r d e n o u s i s t e m a t i c a m e n t e s u a
intervenção e m c a m p o c o m os governos locais e o Departamento de Estado
americano. Na época, os governos dos países da América Latina e n c o n t r a -
v a m - s e em plena fase de extensão da legitimidade do poder do Estado a
todo o território nacional. Estavam, em regra, interessados na intervenção
da Fundação Rockefeller, suscetível de facilitar a cobertura das regiões até
então p o u c o atingidas pela ação sanitária e pelas infra-estruturas de saú¬
9
de p ú b l i c a . A p r i m e i r a c a m p a n h a c o n t r a a a n c i l o s t o m í a s e na A m é r i c a
Latina teve o Brasil c o m o palco. A escolha foi influenciada pela impressão
favorável produzida pela c a m p a n h a sanitária de Oswaldo Cruz no Rio en-
tre os especialistas a m e r i c a n o s , e as ó t i m a s relações existentes entre os
governos brasileiro e a m e r i c a n o (o que contrastava, por exemplo, c o m as
tensões entre o g o v e r n o m e x i c a n o , suspeito de radicalismo político, e os
Estados Unidos). Além disso, os especialistas da Fundação Rockefeller c o n -
sideravam as elites brasileiras suficientemente ocidentalizadas para apre-
ciar o valor das inovações vindas dos Estados Unidos. Entre j a n e i r o e maio
de 1 9 1 6 , u m a m i s s ã o da Fundação Rockefeller equipa 1 5 localidades b r a -
sileiras c o m dispensários volantes, voltados antes de tudo para a detecção
e o t r a t a m e n t o da ancilostomíase. A despeito da ó t i m a impressão causada
na população local, os enviados da Fundação Rockefeller não estavam em
condições de conferir u m caráter permanente a essa c a m p a n h a nas locali-
dades que visitaram. Em geral, a luta contra a ancilostomíase na América
Latina revelou-se m u i t o mais complicada do que nos Estados Unidos. Na
falta de i n f r a - e s t r u t u r a s sanitárias n o c a m p o , os enviados da F u n d a ç ã o
Rockefeller não puderam limitar sua ação à demonstração das medidas de
higiene apropriadas. Para serem eficazes, esses especialistas deviam c u m -
prir, em parte, as funções dos serviços de saúde locais, tarefa que se m o s -
10
trava, freqüentemente, m u i t o difícil.

A partir de 1 9 1 4 , a F u n d a ç ã o Rockefeller desenvolveu u m a outra


atividade determinante no domínio da saúde pública: a erradicação da fe-
bre amarela. U m dos fundadores da Fundação Rockefeller, o general William
G o r g a s , t o r n o u - s e célebre pela o r g a n i z a ç ã o da c a m p a n h a de erradicação
da febre a m a r e l a em H a v a n a em 1 9 0 1 , e da c a m p a n h a empreendida na
região da c o n s t r u ç ã o do Canal do Panamá em 1 9 1 2 - 1 9 1 4 . Em 1 9 0 9 , Gorgas
afirma que c o m a aplicação das medidas sanitárias adequadas e a elimi-
n a ç ã o s i s t e m á t i c a dos focos de doença, "a febre a m a r e l a desaparecerá do
11
hemisfério ocidental em dois a n o s " . Em 1 9 1 4 , Gorgas e Wickliffe Ross
m a n t i v e r a m longas conversações c o m o Dr. Henry Carter (cujos estudos
epidemiológicos c o n t r i b u í r a m para d e t e r m i n a r o papel do m o s q u i t o na
t r a n s m i s s ã o da febre amarela) e o Dr. J o s e p h W h i t e , a m b o s m e m b r o s do
Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos (PHS). Em o u t u b r o de 1 9 1 6 ,
Ross publicava u m m e m o r a n d o intitulado "A febre amarela: a factibilidade
de sua erradicação", traçando as grandes linhas de u m a campanha mundial
12
de e l i m i n a ç ã o da febre a m a r e l a . Esse m e m o r a n d o esboça pela primeira
vez os c o n t o r n o s da "teoria do foco-chave" (key focus theory), elaborada prin¬
cipalmente por Carter. Essa teoria afirmava que o agente da febre amarela
se m a n t é m e n t r e d u a s e p i d e m i a s e m u m n ú m e r o l i m i t a d o de s í t i o s
endêmicos (focos-chave), em geral as cidades e m que o n ú m e r o de indiví-
duos n ã o - i m u n e s é suficiente para assegurar a t r a n s m i s s ã o do agente da
febre amarela de u m indivíduo a o u t r o pelos m o s q u i t o s :

Os centros endêmicos são os disseminadores sem os quais uma epide-


mia não é absolutamente possível. Se os centros de disseminação forem
destruídos, a doença desaparecerá por si mesma de todos os outros
lugares. Felizmente, esses centros são muito pouco numerosos. U m a
cidade pequena não pode apresentar condições endêmicas, a menos que
nela haja u m número excessivamente elevado de visitantes vindos de
fora ou de turistas, pois é preciso u m aporte constante de não-imunes
para manter a infecção do mosquito. O mosquito pode ser contamina-
do unicamente por pessoas infectadas, e a duração de sua vida é de 3 0 a
1 8 0 dias [... ] Atualmente há apenas cinco a seis focos endêmicos conhe-
13
cidos, e estes são os únicos lugares que devem atrair nossa atenção.

Até 1 9 2 9 , a teoria do foco-chave serviu de base a todas as atividades


c o n t r a a febre amarela levadas a cabo sob a égide da Fundação Rockefeller.
Os especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller g u i a r a m - s e pela c o n v i c ç ã o de
que a eliminação dos m o s q u i t o s Aedes aegypti de u m pequeno n ú m e r o de
"focos-chave" levaria ao desaparecimento da febre amarela na América Lati-
na. Essa convicção estava em contradição c o m as idéias avançadas por muitos
médicos l a t i n o - a m e r i c a n o s (Finlay, Teixeira, Seidl), retomadas e p o p u l a r i -
zadas pelos trabalhos dos médicos da Missão Pasteur, Simond e M a r c h o u x .
Esses médicos a c h a v a m que entre duas manifestações epidêmicas, a febre
a m a r e l a se m a n t i n h a e m v a s t a s áreas de endemicidade "silenciosa", n a s
quais o conjunto das crianças novas abrigava u m reservatório quase ines-
14
gotável do agente da d o e n ç a . Estudiosos britânicos t a m b é m sublinharam
a importância do diagnóstico de casos pouco virulentos de febre amarela,
15
considerados c o m o essenciais para a sobrevivência da d o e n ç a . Os especia-
listas da Fundação Rockefeller, convencidos de que d e t i n h a m os c o n h e c i -
m e n t o s científicos mais avançados sobre a epidemiologia da febre a m a r e -
la, n ã o levaram e m c o n t a essas opiniões. Carter descreveu os pesquisado-
res que a c h a v a m que a febre amarela era endêmica em grandes extensões
da A m é r i c a Latina c o m o defensores de teorias arcaicas:

Não temos, evidentemente, por que levar em consideração a velha


teoria segundo a qual o organismo da febre amarela se mantém nos
"fomites" dos doentes e pode atacar pessoas que forem expostas a estes
fomites". Ε, no entanto, estou convencido de que uma parte dessa idéia,
a da permanência da febre amarela, sobrevive no conceito da "febre ama-
rela latente", uma doutrina desenvolvida pela missão do Instituto Pasteur,
segundo a qual a febre amarela se mantém indefinidamente em focos
16
endêmicos por meio dos ataques recorrentes entre os nativos.

Da m e s m a maneira, os especialistas da Fundação Rockefeller envia-


dos à América Latina j u l g a r a m que, "segundo [sua] experiência, a teoria da
endemicidade de que a febre a m a r e l a é mantida principalmente pelos j o -
vens, e em particular pelos recém-nascidos, não pôde ser confirmada pelos
17
fatos". As asserções dos médicos l a t i n o - a m e r i c a n o s segundo as quais a
febre amarela estava presente em grandes áreas do continente l a t i n o - a m e -
ricano, onde ela se m a n t é m graças à t r a n s m i s s ã o entre as crianças, não
18
foram mais levadas em c o n t a . Essa convicção repousava, no entanto, em
observações epidemiológicas, tais c o m o a coincidência entre as epidemias
de "febre gástrica" em crianças e o s u r g i m e n t o da febre amarela em u m a
determinada região, e na experiência clínica dos médicos l a t i n o - a m e r i c a -
nos, que os familiarizara c o m as f o r m a s intermediárias a s s u m i d a s pela
doença. Os pesquisadores da Fundação Rockefeller, para atestar a existên-
cia de "focos-chave", a p o i a v a m - s e em cálculos de probabilidade baseados
na o b s e r v a ç ã o da d i n â m i c a de d i s s e m i n a ç ã o da febre a m a r e l a e de seu
d e s a p a r e c i m e n t o e s p o n t â n e o de u m foco epidêmico. Esses c á l c u l o s leva-
r a m em consideração o t a m a n h o das aglomerações, a densidade das popu-
lações e a p r o p o r ç ã o de r e c é m - i m i g r a d o s na comunidade, para c h e g a r a
u m a fórmula matemática. Seu a r g u m e n t o parecia apresentar mais garan-
tias de rigor científico do que as disparatadas observações epidemiológicas
19
dos c l í n i c o s .
A convicção dos especialistas norte-americanos de que a febre a m a -
rela poderia facilmente ser erradicada pela eliminação de mosquitos de u m
n ú m e r o relativamente limitado de "focos-chave" a u m e n t o u o interesse que
a ação sanitária da Fundação Rockefeller dedicava à doença. A febre a m a -
rela j á estava classificada, c o m a ancilostomíase e a malária, na categoria
das "doenças demonstrativas", ou seja, apropriadas para demonstrar a s u -
perioridade do saber norte-americano na área da saúde. De início, os diri-
gentes da Fundação Rockefeller decidiram não determinar os alvos de sua
intervenção sanitária na América Latina em função da a m e a ç a represen-
tada pela doença em t e r m o s de saúde pública, m a s investir preferencial-
mente c o n t r a as doenças cuja causa era conhecida, que podiam ser elimi¬
nadas rapidamente e de maneira espetacular, e que - elemento indispensá-
vel - n ã o exigissem que os p r o b l e m a s e c o n ô m i c o s e sociais i m p o r t a n t e s
f o s s e m a t a c a d o s p a r a q u e p u d e s s e m ser c o m b a t i d a s . U m a d e c l a r a ç ã o
programática pública da Fundação Rockefeller o c o n s t a t o u explicitamente:

Outras doenças, como a tuberculose, continuam sendo problemas


graves de saúde pública, mas a tuberculose presta-se mal a demonstra-
ções: os programas de luta contra esta doença são complicados, o tra-
balho é muito caro, os resultados são lentos, difíceis de medir, e não
20
instigam a imaginação.

E m c o m p e n s a ç ã o , a febre amarela, suscetível, segundo a teoria do "foco-


chave", de ser erradicada r a p i d a m e n t e e de m a n e i r a espetacular, surgiu
c o m o u m a doença ideal para a demonstração da superioridade da aborda-
g e m n o r t e - a m e r i c a n a e m m a t é r i a de saúde pública.
O u t r o s fatores d e s e m p e n h a r a m papel i m p o r t a n t e n a escolha da f e -
21
bre a m a r e l a . A luta c o n t r a essa doença j á provara sua capacidade de t o r -
n a r - s e o s í m b o l o da v i t ó r i a da ciência; a repercussão das c a m p a n h a s de
Gorgas e m Havana e n o P a n a m á e de Oswaldo C r u z n o Rio de J a n e i r o o
t e s t e m u n h a m . A eliminação da febre amarela assumia, por outro lado, i m -
portância imediata para os especialistas norte-americanos, interessados n a
circulação de bens e de pessoas n o continente a m e r i c a n o (necessidade t o r -
nada ainda mais urgente c o m o a u m e n t o do tráfego aéreo) e preocupados
em proteger os Estados Unidos de u m a nova epidemia. Os governos de a l -
g u n s países da A m é r i c a Latina, preocupados c o m os estragos provocados
pela febre amarela n o comércio e na i m a g e m de sua região, manifestaram,
por iniciativa própria, desejo de receber ajuda da Fundação Rockefeller nessa
área. Finalmente, n o s anos 1 9 3 0 , c o m a elaboração dos modelos a n i m a i s
desta doença e dos métodos de estudo de seu agente em laboratório, a febre
a m a r e l a t o r n o u - s e u m o b j e t o i m p o r t a n t e da p e s q u i s a f u n d a m e n t a l em
virologia e u m a área de elaboração de novas técnicas e de abordagens inova-
22
doras. Os dirigentes da Fundação Rockefeller foram, desse modo, sensíveis
ao prestígio científico associado aos trabalhos em t o r n o dessa doença, b e m
diferente daquele associado à luta c o n t r a a ancilostomíase.
A primeira etapa nas tentativas da Fundação Rockefeller de eliminar
a febre amarela n a América Latina foi a criação de u m a comissão dedicada
a o a s s u n t o . Essa c o m i s s ã o v i s i t o u , e m 1 9 1 6 , v á r i o s países da A m é r i c a
Central e da América do Sul suspeitos de abrigar focos endêmicos de febre
amarela: Equador, Peru, Colômbia e Venezuela. Por ocasião de u m a v i a g e m
ao Brasil, a c o m i s s ã o foi aos principais portos do país, do Rio de J a n e i r o
até o Pará. Os m e m b r o s da comissão, especialmente Gorgas, Carter e Guiteras,
c h e g a r a m à conclusão de que em 1 9 1 6 o único foco endêmico plenamente
ativo da febre amarela n o continente americano era o porto de Guayaquil,
23
no Equador. Eles recomendaram à Fundação Rockefeller que organizasse,
n o s próprios locais, u m a v a s t a c a m p a n h a de erradicação dos m o s q u i t o s ,
propondo que se continuasse a vigilância de alguns o u t r o s lugares suspei-
24
tos, entre os quais a costa leste do Brasil e o litoral sul do Caribe.
O corpo de especialistas da Fundação Rockefeller (The Rockefeller boys)
f o r m o u - s e entre 1 9 1 5 e 1 9 2 0 . I n t e g r o u a l g u n s médicos j á especializados
em medicina tropical o u e m saúde pública, m a s c o m p ô s - s e m a j o r i t a r i a ¬
m e n t e de j o v e n s p r o f i s s i o n a i s r e c r u t a d o s pela F u n d a ç ã o Rockefeller, o u
entre recém-formados em medicina, o u saídos da Escola de Saúde Pública
e de Higiene da Universidade J o h n s Hopkins de Baltimore (instituição fun-
dada e f i n a n c i a d a pela F u n d a ç ã o Rockefeller). Esses m é d i c o s nutriam,
f r e q ü e n t e m e n t e , u m verdadeiro s e n t i m e n t o m i s s i o n á r i o , a s s o c i a d o , por
25
vezes, ao g o s t o da aventura e do e x o t i s m o . Os especialistas da Fundação
Rockefeller passaram, m u i t a s vezes, grande parte de sua carreira profissio-
nal c o m o empregados da IHD, c i r c u n s t â n c i a apropriada para forjar um
espírito de corpo e u m a lealdade a toda prova à sua instituição. Seu estilo
de vida pode ser comparado ao dos missionários o u dos militares de carrei-
ra, pelos freqüentes deslocamentos que são levados a fazer, e m geral por
ordem de seus superiores. M u i t o s deles o p t a r a m pelo celibato, o u escolhe-
r a m constituir família tardiamente, c o m a carreira j á avançada, ao regres-
sar aos Estados Unidos. Quase todos t r a b a l h a r a m d u r a m e n t e , e v i v e r a m
em condições primitivas. A leitura de suas cartas e diários (os especialistas
da Fundação Rockefeller t i n h a m o dever de m a n t e r u m diário n o qual r e -
gistravam todas as suas atividades; as cópias f o r a m enviadas ao escritório
da fundação n o Rio de J a n e i r o e ao escritório central da IHD em Nova York)
revela que, freqüentemente, m a n t i n h a m b o a s relações de trabalho c o m os
médicos locais empregados pela Fundação Rockefeller e formados nos m é -
todos de t r a b a l h o n o r t e - a m e r i c a n o s , a s s i m c o m o c o m os representantes
das administrações locais - o que c o n t r a s t a c o m a atitude dos enviados do
Instituto Pasteur, que parecem ter tido relativamente poucos c o n t a t o s s o -
ciais c o m os habitantes do país.
Os especialistas da Fundação Rockefeller intervieram em G u a y a q u i l
em 1 9 1 8 , eliminando o foco de febre a m a r e l a nesta cidade.
Irrupções de febre amarela na Guatemala ( 1 9 1 8 ) , n o Peru, no Brasil,
e m Honduras, e m El Salvador e n o M é x i c o ( 1 9 1 9 ) e depois n a C o l ô m b i a
( 1 9 2 3 ) p e r m i t i r a m c o m p r e e n d e r q u e G u a y a q u i l n ã o era o ú n i c o f o c o
endêmico n a A m é r i c a L a t i n a , c o m o a C o m i s s ã o da Febre A m a r e l a h a v i a
s u p o s t o e m 1 9 1 6 . Os especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller i n t e r v i e r a m
e m v á r i a s dessas regiões e r e a l i z a r a m , e m c o l a b o r a ç ã o c o m os poderes
s a n i t á r i o s l o c a i s , c a m p a n h a s p o n t u a i s de e l i m i n a ç ã o d o s m o s q u i t o s ,
centradas n a l i m i t a ç ã o de sua reprodução. Tais c a m p a n h a s , i n t e i r a m e n t e
financiadas pela Fundação Rockefeller, desenrolaram-se n o M é x i c o , e m El
Salvador, n o Peru e em Honduras. D u r a r a m , em geral, de u m a dois anos.
A a t i t u d e das p o p u l a ç õ e s locais e m r e l a ç ã o a o s especialistas dependeu,
m u i t a s vezes, da relação de forças existente n o local, e da capacidade dos
especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s de e n c o n t r a r aliados n a região.
A c a m p a n h a peruana, estudada por M a r c o s Cueto, é u m b o m e x e m -
plo de intervenção inteiramente orquestrada de c i m a para b a i x o , que e n -
26
c o n t r o u resistência dos médicos l o c a i s . O responsável p o r essa c a m p a -
nha, o Dr. H e n r y Hanson, interveio inicialmente (em 1 9 1 9 ) n a cidade de
Puira, atingida p o r u m a severa epidemia de febre amarela. H a n s o n impôs
medidas sanitárias rigorosas, às quais a população local se opôs. Dada a
persistência da febre a m a r e l a e o s u r g i m e n t o da febre b u b ô n i c a , H a n s o n
a c a b o u r e c o m e n d a n d o a d e s t r u i ç ã o da cidade ( a p r o x i m a d a m e n t e 3 . 5 0 0
h a b i t a n t e s ) , projeto solapado pela p o p u l a ç ã o . H a n s o n d e i x o u o Peru e m
1 9 1 9 e v o l t o u a o país em 1 9 2 1 , desta vez convidado pelo governo a o r g a -
nizar u m a c a m p a n h a c o n t r a a febre amarela na costa do Pacífico. Preocu-
pado e m e v i t a r o s o b s t á c u l o s e n c o n t r a d o s a n t e s , ele p r i m e i r o o b t e v e o
apoio do governo peruano, de modo a garantir o poder de reforçar as medi-
das s a n i t á r i a s . Por o u t r a v i a , obteve da F u n d a ç ã o Rockefeller u m o r ç a -
m e n t o confortável ( 1 1 5 . 0 0 0 dólares) para a c a m p a n h a , conduzida quase
que exclusivamente por especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s (ajudados por t r a -
b a l h a d o r e s locais). Ela foi criticada p o r v á r i o s médicos p e r u a n o s , a s s i m
c o m o pelos habitantes. Estes ú l t i m o s f o r a m acusados p o r H a n s o n de s e -
r e m " s u p e r s t i c i o s o s , i g n o r a n t e s , o r g u l h o s o s e cheios de r e s s e n t i m e n t o s
c o n t r a aqueles que p r o c u r a r a m m u d a r seu m o d o de vida". U m dos a s s i s -
tentes de H a n s o n c o m p ô s u m a c a n ç ã o p a r a e x p r i m i r as f r u s t r a ç õ e s dos
especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s diante do que v i r a m c o m o imbecilidade e
ingratidão das populações locais:
Shame, shame for those who daily fought
The knowledge that science so dearly bought
Nor lifted a hand to save a life
But added fuel to the fires of strife
The battle is won, and the Gringo-fain
27
Will return to the land, from whence he came.
Apesar da resistência da população local, a c a m p a n h a de Hanson foi
u m sucesso técnico incontestável: a epidemia de febre a m a r e l a foi inter-
rompida e a doença desapareceu definitivamente da costa Pacífico da A m é -
rica Latina e m 1 9 2 2 .
A c a m p a n h a c o n t r a a febre a m a r e l a no M é x i c o (1920-1922),
c o n d u z i d a e m V e r a c r u z e e m Y u c a t a n , a pedido do p r e s i d e n t e Á l v a r o
Obrégon, a c a b o u por receber u m certo apoio da população local. A c a m p a -
n h a havia, inicialmente, p r o v o c a d o a resistência da p o p u l a ç ã o local aos
especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s , suspeitos por alguns de serem a v a n g u a r -
da encarregada de preparar a invasão do México pelo Exército americano.
Os especialistas da Fundação Rockefeller, contudo, fizeram u m real esfor-
ço de explicação e de persuasão, procurando limitar ao m á x i m o a utiliza-
ção de métodos autoritários, e se encarregaram de a l g u m a s melhorias das
condições de vida dos habitantes, tais c o m o a limpeza das ruas e o aperfei-
ç o a m e n t o do s i s t e m a de e s g o t o s . F i n a l m e n t e , a c a m p a n h a m e x i c a n a foi
u m sucesso, e o país foi declarado livre da febre a m a r e l a e m 1 9 2 4 . Esse
sucesso prático teve conseqüências políticas: segundo o historiador dessa
c a m p a n h a , A r m a n d o Solorzano, seu sucesso consolidou o prestígio do presi-
dente Obregón e contribuiu indiretamente para a derrota dos m o v i m e n t o s
sociais de oposição na península de Yucatan. U m a vez afastado o perigo da
febre amarela, a península tornou-se u m lugar seguro para as tropas fede-
28
rais chamadas a pacificar a região. Michael Connor, u m dos responsáveis
pela c a m p a n h a contra a febre amarela no México, mais tarde transpôs para
o Brasil as abordagens desenvolvidas n a região de Veracruz ( p r o m o ç ã o do
s a n e a m e n t o das cidades, medidas antilarvares baseadas na distribuição de
peixes larvívoros, esforços para obter o apoio da população local mais pela
persuasão do que pela coerção), esperando obter resultados semelhantes.
Os Primórdios da Intervenção da Fundação Rockefeller no
Brasil, 1918-1923
E m 1 9 1 6 , a c o m i s s ã o da Fundação Rockefeller encarregada de e s t u -
29
dar o problema da febre amarela n a América Latina chega ao B r a s i l . Du-
rante sua estada aqui, n ã o ocorre n e n h u m a irrupção de febre amarela. Eles
a f i r m a r a m , e n t r e t a n t o , q u e a doença e s t a v a presente n a c o s t a N o r t e , e
p r o p u s e r a m a ajuda da Fundação Rockefeller para a eliminação da febre
amarela n o Brasil e para a organização de c a m p a n h a s c o n t r a outras doen-
ças transmissíveis, especialmente a ancilostomíase. Esta n ã o era vista, na
época, c o m o u m a grave a m e a ç a à saúde pública; q u a n t o à febre amarela,
as t e n t a t i v a s de c o n t r o l á - l a , confiadas ao D e p a r t a m e n t o Geral de Saúde
Pública (DGSP), l i m i t a r a m - s e à pulverização o c a s i o n a l de inseticidas n a s
30
cidades. A reação dos brasileiros à oferta da Fundação Rockefeller oscilou
entre a b e n e v o l ê n c i a e a d e s c o n f i a n ç a . E s t a ú l t i m a foi a l i m e n t a d a pela
suspeita de que a filantropia norte-americana poderia abrir as portas para
outros modos de intervenção dos Estados Unidos nos assuntos internos do
Brasil. O Dr. Plácido Barbosa, antigo colaborador de Oswaldo Cruz, publi-
c o u e m 1 9 1 6 u m a r t i g o intitulado "A vergonha", n o qual, após dar as
b o a s - v i n d a s aos especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s , l o g o a c r e s c e n t a :

Mas que vergonha! Eles estão nos passando atestado de incompetên-


cia. Os recursos que estão nos propondo não são dinheiro, mas ativida-
de e eficiência. São os nossos ricos vizinhos, orgulhosos, bem educados
e cheios de compaixão, que batem à nossa porta para pedir licença para
limpar nossas casas das pestilências que não conseguimos eliminar. Só
temos que lhes desejar boas-vindas e aplaudi-los, mas vendo que nosso
país é obrigado a admitir sua incapacidade de resolver seus problemas
administrativos, todavia tão pouco complicados, só nos resta enrubescer
de vergonha. Sentimo-nos mal em pensar que um dia possam surgir
outros guardiões de nossos negócios, mais interessados e menos delica-
dos, e não motivados pela generosidade e pelo amor à ciência. Suas
ações também poderão ser justificadas por nossa negligência, nossa
31
ignorância, nossa fraqueza, nossa falta de retidão moral.

P a r a l e l a m e n t e , a a t i t u d e dos especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller


em relação aos brasileiros dividia-se entre a admiração por a l g u m a s c o n -
quistas do Brasil e u m olhar superior dirigido aos habitantes do país, entre
u m p a t e r n a l i s m o esclarecido e b e n e v o l e n t e e u m p a t e r n a l i s m o rígido e
depreciativo. A política da Fundação Rockefeller n a A m é r i c a Latina t i n h a
c o m o objetivo estimular o desenvolvimento do país segundo o modelo a m e -
ricano, a fim de que "eles" se tornassem tanto quanto possível semelhantes
a "nós". Os dirigentes da Fundação Rockefeller multiplicaram as c o m p a r a -
ções entre o estado em que se encontravam os países da América Latina e
aquele que caracterizava os Estados Unidos em meados do século X I X , entre
os recentes esforços para se conseguir a integração dos imigrados na A m é -
rica do Sul e a experiência dos Estados Unidos nessa área, entre a deplorável
situação sanitária das c a m p a n h a s da América Latina e a verificada no Sul
rural dos Estados Unidos cinqüenta anos antes. Os povos da América do Sul
foram julgados aptos, em princípio, a atingir o nível superior de desenvolvi-
mento de seus vizinhos do Norte, sob a expressa condição de que adotassem
não apenas as técnicas norte-americanas de saúde pública, m a s sobretudo
os valores e as normas incorporados nessas técnicas, tais c o m o a ética pro-
testante, a disciplina do trabalho e o respeito à propriedade c o m o símbolo
tangível da pureza moral. O trabalho de "missionários da ciência" dos espe-
cialistas da Fundação Rockefeller foi visto por alguns c o m o u m c o m p l e -
m e n t o necessário ao trabalho dos missionários. O pastor H. C. Tucker, da
Sociedade Bíblica A m e r i c a n a , louvava, a s s i m , em u m a c a r t a a Wickliffe
Rose, a c a m p a n h a sanitária da Fundação Rockefeller n o Brasil (à época
centrada na luta c o n t r a a ancilostomíase):

A Fundação realizou no Brasil um trabalho de missão extremamente


construtivo. [...] A eficiência econômica das pessoas tratadas aumen-
tou em, provavelmente, cem por cento. Evidentemente, a melhoria da
saúde física aumenta a receptividade às mensagens intelectuais e mo-
rais. Esse desenvolvimento é, ocioso dizê-lo, muito interessante para
todos aqueles que difundem a palavra do Evangelho e interpretam o
i2
Espírito de Cristo para o povo.

O Dr. W i l s o n Smillie, enviado ao Brasil pela IHD em 1 9 1 8 , relatou


em suas primeiras cartas que a c h o u as cidades limpas e atraentes, e seus
h a b i t a n t e s educados e em boa saúde. Seu colega, o Dr. S a m u e l Darling,
ficou igualmente impressionado em sua chegada c o m a beleza das cidades
do Rio de Janeiro e de São Paulo, e observou que ainda que a cultura destas
cidades seja diferente daquela das cidades norte-americanas, ela não é des-
provida de a l g u n s elementos superiores. Darling n o t o u t a m b é m que em
São Paulo não havia mais negros do que em Charlottesville. Suas primei-
ras impressões foram tão favoráveis, que ele chegou a temer que os espe-
cialistas da Fundação Rockefeller "tragam gelo para os esquimós" (no ori-
ginal, "carvão para Newcastle"). S e u m a l - e s t a r se dissipou, n o entanto, a
partir do m o m e n t o em que teve ocasião de visitar o interior do país. Smillie
relata que a pobreza e o retrocesso do c a m p o c o n t r a s t a m c o m a opulência
das cidades. O a n a l f a b e t i s m o é l a r g a m e n t e disseminado, os c a m p o n e s e s
n ã o c o n h e c e m os métodos da agricultura moderna e as mulheres n ã o s a -
b e m n e m c o z i n h a r b e m , n e m c o s t u r a r b e m . O a b u s o do álcool é m u i t o
freqüente, os h o m e n s das duas raças e as mulheres negras bebem a g u a r -
dente. As pessoas n ã o se a l i m e n t a m c o r r e t a m e n t e : n ã o c o n s o m e m n e m
l e g u m e s , n e m laticínios, n e m pão. O "caipira" t r a b a l h a o dia inteiro, ali-
m e n t a - s e exclusivamente de feijão preto e a r r o z , bebe café e álcool, j o g a ,
n u n c a vai a o médico e n ã o se interessa pela religião. Smillie concluiu que
a pedra angular de todo esse edifício de miséria é a falta de educação - "a
ausência de educação do povo, m a s t a m b é m daqueles que g u i a m e gover-
33
n a m o povo".
O diretor da IHD, Wickliffe Rose, visita o Brasil e m 1 9 2 0 . Fica m e -
n o s i m p r e s s i o n a d o do que a l g u n s de seus s u b o r d i n a d o s c o m o g r a u de
c i v i l i z a ç ã o do p a í s . É verdade, explica ele, o país t e m u m p o t e n c i a l de
desenvolvimento i m p o r t a n t e , e c o m u m a ajuda adequada poderá c h e g a r
ao nível dos países avançados (Rose lembra aqui que t r a t a - s e de u m país
de i m i g r a ç ã o ) , m a s o Brasil deve e n f r e n t a r graves p r o b l e m a s ligados à
cultura latina, à influência nefasta dos franceses sobre a cultura brasileira
e, a c i m a de tudo, às características inatas das raças que o h a b i t a m :

Os brasileiros são u m povo latino, de origem portuguesa, e durante


gerações foram entusiasmados imitadores dos franceses. For causa des-
se temperamento e dessa cultura latina, as possibilidades de lazer são
mais desenvolvidas no Brasil do que nos Estados Unidos. [...IO brasilei-
ro culto é u m homem agradável, que viajou o mundo, fala três ou
quatro línguas, é de uma deliciosa hospitalidade, de u m a conversa en-
cantadora, e é quase capaz de convencer com sua lógica. Mas, e isto
todo americano pode afirmar, quando se trata de fazer alguma coisa no
país... [...[ A máquina governamental anda a passos lentos, e uma
aceleração está completamente fora de cogitação, pois esqueceram de
integrar u m acelerador em sua estrutura. [... J O horário oficial de fun-
cionamento dos escritórios é de 11 da manhã às 3 da tarde. Na prática,
as horas de trabalho e a quantidade de trabalho realizado estão subme-
tidas a caprichos pessoais; quando alguém ocupa u m cargo, seu prin-
cipal interesse não é servir ao público, mas sim explorar o cargo com
fins pessoais. [...] O brasileiro médio é completamente impermeável à
objetividade científica. Sua única lealdade é às pessoas; não ao país, à
comunidade, ou mesmo ao partido político. [...] O temperamento lati-
no se manifesta sob a forma de um individualismo não-esclarecido: não
a procura de um avanço por si mesmo, mas antes a ausência do senso
de solidariedade, de consciência social, de sentimentos comunitários, ou
de interesse pelo bem-estar dos vizinhos. Ao brasileiro falta totalmente o
espírito e a técnica do trabalho de equipe, e ele não tem gosto algum pelo
êxito que resulta de u m esforço coordenado [organized team-play). [...]
O Brasil é um país democrático apenas nominalmente: os cidadãos não
têm opinião formada nem sobre a definição das orientações políticas,
nem sobre a seleção das pessoas que implementam essas políticas. Tudo
é resolvido num círculo muito restrito. É, provavelmente, melhor as-
sim; com mais de 8 0 % de analfabetos, não se pode falar de opinião
34
pública esclarecida.

Quando se quer levar a cabo u m a ação na área da saúde pública, é


importante, segundo Rose, levar em consideração a natureza do povo c o m
o qual se quer agir. O Brasil tem u m a estrutura racial mista:

A população atual é composta de negros desterrados, brancos parasi-


tas de origem portuguesa e elevado percentual de seus descendentes
híbridos com vestígios ocasionais dos traços índios. [...] O brasileiro
autóctone não escolhe ser um pioneiro. Ele não gosta do trabalho. Ele
prefere o ócio, o luxo e a comodidade.

Felizmente, a i m i g r a ç ã o t r a z indivíduos mais valorosos:

Os trabalhadores das usinas e das plantações de café do estado de São


Paulo são estrangeiros. [...] O interior do país é desenvolvido, e será
desenvolvido pelos imigrantes vindos principalmente da Europa. Os
resultados obtidos pelos italianos, alemães, austríacos, poloneses e j a -
poneses que vieram se instalar nos estados de São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande mostram que o futuro do país está diretamente
ligado à possibilidade da introdução desses grupos mais viris. A onda de
imigração européia j á contribuiu para o desenvolvimento das classes
médias. [...1 Os imigrados se enraízam no país, e na segunda geração
tornam-se uma raça brasileira branca e sólida. [...] O homem branco,
autoconfiante, é um pioneiro que parte para a conquista de frentes
pioneiras e constrói as fundações de uma civilização brasileira mais
33
progressista.

O representante da Standard Oil no Brasil, t a m b é m sensível ao pro-


blema racial, c h a m o u a atenção de Rose para o que ele identificou c o m o
u m dos mais graves aspectos desta questão, a saber, a mobilidade social
dos h o m e n s de cor:
O Brasil tem uma população muito misturada, tipicamente latina e de
tipo escuro, e o país tem aproximadamente dois milhões de negros,
resquício do comércio de escravos. Muitos negros ascendem a posições
de prestígio. Quanto menos falarmos do problema do sangue mistura-
16
do no Brasil, melhor.

A despeito das críticas externadas por seus pares que visitaram o país
entre 1 9 1 6 e 1 9 2 0 , os especialistas da Fundação Rockefeller c o n t i n u a m
convencidos de que o progresso da saúde pública pode trazer u m a resposta
adequada aos graves problemas da sociedade brasileira e desempenhar um
papel decisivo na transformação do Brasil em u m país civilizado. Sua fé no
futuro do Brasil baseia-se nos fatos de se tratar de u m país que dispõe de
riquezas naturais consideráveis, em plena expansão industrial, de que ele
absorve u m a importante imigração européia e japonesa, e de que as elites
locais foram sensibilizadas para os problemas de saúde pública e são capa-
37
zes de se encarregar da educação e do saneamento do interior do país.
Apesar de ter sido definida c o m o o principal objeto da investigação
da Fundação Rockefeller no Brasil, a febre amarela foi relegada a segundo
plano, e isso por duas razões: a ausência de irrupção grave da doença e o
fato de a luta c o n t r a esta doença ter ficado sob a j u r i s d i ç ã o do Departa-
m e n t o Nacional de Saúde Pública. Além disso, Rose a c h o u que o controle
da a n c i l o s t o m í a s e c o r r e s p o n d i a m e l h o r aos o b j e t i v o s q u e a F u n d a ç ã o
Rockefeller havia definido para si, visto que ele implicava u m a mudança
dos hábitos cotidianos dos indivíduos e m e s m o das comunidades inteiras,
1 8
o q u e n ã o o c o r r i a c o m a febre a m a r e l a o u a m a l á r i a . A Fundação
Rockefeller a t a c o u , portanto, a ancilostomíase e procurou, paralelamente,
o r g a n i z a r u m ensino em matéria de saúde pública. Este ú l t i m o objetivo
estava afinado c o m a política do International Health Board, baseada na
educação para a saúde, seja pelo exemplo direto da erradicação b e m - s u c e -
dida de u m a doença - donde a i m p o r t â n c i a da escolha das "doenças de-
monstrativas" - , seja pelo desenvolvimento do ensino da saúde pública. A
Fundação Rockefeller estimulou, portanto, a criação de centros de ensino
de higiene e de saúde pública, inspirados no modelo da Escola de Saúde
Pública da Universidade J o h n s Hopkins de B a l t i m o r e . A p r o m o ç ã o desse
ensino não se restringia, de modo a l g u m , aos países do Sul: a Fundação
Rockefeller apoiou iniciativas do tipo nos Estados Unidos e na Europa Oci-
dental (a L o n d o n S c h o o l o f Hygiene and Tropical Medicine foi fundada
19
graças, em grande parte, ao financiamento da Fundação Rockefeller). Fora
do Ocidente, o objetivo prioritário n ã o era desenvolver a pesquisa nessa
área, m a s antes transferir o saber e as habilidades específicas n o r t e - a m e -
ricanos (em particular, os m é t o d o s e as técnicas elaborados n a Escola de
S a ú d e Pública e de Higiene da Universidade J o h n s H o p k i n s ) p a r a esses
países, a fim de elaborar soluções eficazes para seus problemas. A Funda-
ção Rockefeller financiou, paralelamente, o envio de bolsistas l a t i n o - a m e -
ricanos à Universidade J o h n s Hopkins, a fim de convertê-los à "ciência da
saúde pública" n o r t e - a m e r i c a n a e t r a n s f o r m á - l o s e m representantes deste
saber e m seu país de o r i g e m . O Brasil, p a r t i c u l a r m e n t e , beneficiou-se de
40
u m elevado n ú m e r o dessas b o l s a s . Os dois objetivos - educação para a
saúde e luta contra a ancilostomíase - estiveram estreitamente ligados. As
c a m p a n h a s de eliminação dessa doença n ã o t r o u x e r a m n o v a s c o n t r i b u i -
ções à ciência, m a s p e r m i t i r a m a difusão eficaz da propaganda sanitária
41
nas z o n a s r u r a i s .
E n t r e 1 9 1 8 e 1 9 2 3 , o t r a b a l h o da F u n d a ç ã o Rockefeller n o Brasil
(dirigido por Lewis Hackett) concentrou-se, portanto, na c a m p a n h a contra
a ancilostomíase, doença vista a c i m a de tudo c o m o u m problema e c o n ô -
m i c o . A infestação p o r v e r m e s , que m i n a v a a capacidade de t r a b a l h o da
m ã o - d e - o b r a das plantações, atingia a principal fonte dos rendimentos do
país (a e c o n o m i a brasileira repousou sucessivamente n o desenvolvimento
42
da produção de açúcar, de b o r r a c h a e de c a f é ) . O objetivo da c a m p a n h a
estava descrito em 1 9 2 2 e m u m artigo do j o r n a l de língua inglesa Brazilian
American, intitulado "Vender a saúde pública n o Brasil":

U m casebre com chão de terra batida. Atrás, alguns pés de mandioca


e três bananeiras. U m a forma vagamente humana está agachada no
chão. Está vestida com farrapos sujos, os pés estão descalços, os cabelos
sujos e embaraçados. A pele é de uma palidez cadavérica. Sua aversão ao
43
trabalho é pior do que a de u m woobly. É u m representante dos traba-
lhadores agrícolas do Brasil, e temos aqui 5 milhões iguais a ele. O
proprietário da plantação passa montado em seu cavalo. Seu café pre-
cisa ser colhido e falta-lhe mão-de-obra. Ele lança um olhar sobre a triste
silhueta, m u r m u r a u m "preguiçoso miserável", e se afasta. A mula do
'médico' chega e pára, enquanto o doutor lança u m olhar profissional
sobre o "contemplador" - é assim que os brasileiros chamam as pessoas
cuja ocupação principal é contemplar a paisagem. "Ele não tem razão
alguma para se desesperar por esse sujeito", diz. "Ele tem bastante ener-
gia, mas esta está totalmente desviada para o seu interior. Não se pode
produzir trezentos ou quatrocentos versos e ainda ter forças para em-
44
presas mais nobres, como a colheita do café.
A c a m p a n h a c o n t r a a ancilostomíase organizada por Hackett assen-
tava-se n o diagnóstico da doença (exame coprológico), n o t r a t a m e n t o ( c o m
o óleo c h e n o p ó d i o ) e n a c o n s t r u ç ã o de l a t r i n a s . Foi inspirada e m u m a
c a m p a n h a de c o n t r o l e da a n c i l o s t o m í a s e c o n d u z i d a n a s Filipinas entre
4 5
1914 e 1917. Os responsáveis pela c a m p a n h a brasileira insistiram espe-
cialmente n a c o n s t r u ç ã o de latrinas; assim, Fred Soper, diretor regional da
Fundação Rockefeller para a região do Rio Grande do Sul, afirma ter insta-
46
lado, e m j a n e i r o de 1 9 2 2 , 6 4 novas latrinas apenas n a cidade de T o r r e s .
Os r e s u l t a d o s dessa c a m p a n h a f o r a m m i t i g a d o s : é verdade que a l g u n s
p r o g r e s s o s f o r a m registrados, especialmente n o sul do Brasil, m a i s rico
que o norte e m a i s aberto à propaganda sanitária, m a i s isso n ã o levou à
erradicação da doença, n e m a u m a redução m u i t o importante da prevalência
da ancilostomíase, n e m m e s m o a u m a t r a n s f o r m a ç ã o notável dos c o s t u -
m e s dos camponeses. A partir de 1 9 2 2 , a direção regional limita o n ú m e r o
de p o s t o s de l u t a c o n t r a a a n c i l o s t o m í a s e m a n t i d o s p e l a F u n d a ç ã o
Rockefeller (apenas cinco postos c o n t i n u a r a m abertos e m 1 9 2 3 ) e se o c u -
pa e m transferir g r a d u a l m e n t e o t r a b a l h o de eliminação desta doença ao
47
S e r v i ç o de Profilaxia R u r a l . Os responsáveis pela F u n d a ç ã o Rockefeller
deram-se c o n t a de que essa tarefa demandava u m trabalho de grande f ô -
lego que n ã o traria resultados imediatos e a m p l a m e n t e visíveis. Redefiniram,
portanto, seus objetivos, explicando que a c a m p a n h a n ã o tinha por objeti-
v o a eliminação de u m a doença parasitária, m a s s i m o e s t í m u l o à c o n s -
t r u ç ã o de serviços de saúde pública m o d e r n o s n o Brasil, e que, u m a vez
48
retomada, ela seria m a i s b e m conduzida pelas instituições b r a s i l e i r a s . A
c a m p a n h a c o n t r a a febre amarela, que se t o r n o u a principal atividade da
F u n d a ç ã o Rockefeller n o Brasil após 1 9 2 3 , devia, n a s p a l a v r a s de seus
dirigentes, d e m o n s t r a r m e l h o r a eficiência da a b o r d a g e m científica e m
saúde pública.

Médicos, Escritores e Ideal de Saneamento no Brasil nos


Anos 1920

Os especialistas da Fundação Rockefeller v i e r a m ao Brasil c o m u m a


"ciência da saúde pública" p r o n t a que n ã o se modificou n o c o n t a t o c o m
seus colegas brasileiros. O m o v i m e n t o sanitarista brasileiro dos anos 1 9 1 6 -
1 9 2 0 n ã o foi, p o r s u a vez, diretamente influenciado pelas convicções da
F u n d a ç ã o Rockefeller. E m c o n t r a p a r t i d a , n o s a n o s 1 9 2 0 e 1 9 3 0 a l g u n s
especialistas da Fundação Rockefeller tiveram c o n t a t o s diretos c o m os res¬
ponsáveis pelos serviços de saúde brasileiros. Seu trabalho n o Brasil e seus
c o n t a t o s c o m os médicos locais e c o m os poderes públicos f o r a m facilita-
dos pela existência de u m a tradição de aliança entre os médicos brasileiros
e o Estado, pela i m p o r t â n c i a política dada às questões de saúde pública e
4 9
n o Brasil dos anos 1 9 2 0 .

O m o v i m e n t o s a n i t a r i s t a dos a n o s 1 9 1 6 - 1 9 2 0 l e v o u à c r i a ç ã o do
Serviço de Profilaxia Rural ( 1 9 1 9 ) , e depois, e m 1 9 2 0 , do D e p a r t a m e n t o
Nacional de Saúde Pública (DNSP). Ele t a m b é m engendrou a f o r m a ç ã o de
u m g r u p o profissional, os médicos s a n i t a r i s t a s , q u e a t u a r a m n o s a n o s
1 9 2 0 n o DNSP, n o Serviço de Profilaxia Rural e no ensino da saúde pública
nas faculdades de medicina. O o r ç a m e n t o reservado para a saúde n o Brasil
foi c o n s i d e r a v e l m e n t e a u m e n t a d o c o m a fundação do DNSP: convertido
e m dólares, passou de 1 7 . 0 0 0 dólares e m 1 9 1 7 a 2 milhões e m 1 9 2 2 . Este
m o n t a n t e , apesar de ínfimo e m relação às necessidades do país, abre n o -
50
vas possibilidades profissionais para os médicos interessados n a h i g i e n e .
O d i n a m i s m o dos m é d i c o s s a n i t a r i s t a s b r a s i l e i r o s s u s c i t o u r e s i s t ê n c i a s
e m seu m e i o p r o f i s s i o n a l . O p r i m e i r o C o n g r e s s o N a c i o n a l dos Práticos
brasileiros, realizado n o Rio de J a n e i r o em 1 9 2 2 , expõe as tensões entre os
médicos fiéis ao ideal de u m a medicina voltada para os cuidados individuais
e u m a fração importante (ainda que minoritária) de médicos que percebem
seu dever c o m o , a c i m a de tudo, a p r o m o ç ã o da saúde pública. Os médicos
sanitaristas u t i l i z a r a m o c o n g r e s s o c o m o t r i b u n a para a difusão de suas
51
idéias. S u a intervenção sublinhou a i m p o r t â n c i a das medidas sanitárias,
inclusive coercitivas, n o c o m b a t e à miséria, e da educação para a saúde. O
Dr. Carlos S á a f i r m o u que "a questão social é, em grande medida, a ques-
tão da pobreza, e a pobreza é, e m grande medida, a doença. O médico, ao
t r a t a r a d o e n ç a , d i m i n u i a p o b r e z a e m e l h o r a as c o n d i ç õ e s de vida da
sociedade". Miguel Osório de Almeida explicou que

nosso trabalho tem por finalidade a formação de u m gênero humano


feliz, realizado e perfeito. Travamos u m combate contra tudo o que
impede esse porvir. [...] O saneamento da sociedade deveria tornar o
trabalhador capaz de trabalhar. Isso levará à redução da pobreza e à
melhoria das condições de vida de todos.

Para o doutor Castro Barreto, o dever do médico era antes de tudo o de u m


educador: ele deve "ensinar a m u l h e r a ser bela e a arte de ser mãe, e dar ao
h o m e m os meios de ser forte e as formas de ser útil". O doutor Henrique
A u t a n s u b l i n h o u i g u a l m e n t e a i m p o r t â n c i a da e d u c a ç ã o p a r a a saúde.
U m a educação desse tipo se fará de m o d o que o indivíduo "se dirija às
autoridades sanitárias, m e s m o q u a n d o estas são obrigadas, e m r a z ã o da
própria natureza de sua missão, a empregar meios, tais c o m o a obrigação
de declarar as doenças infecciosas, que podem ser sentidos pelo indivíduo
c o m o c o n s t r a n g i m e n t o s " . O doutor T h i b a u J ú n i o r partilha essa visão da
educação: "Um povo educado, que conhece os princípios da profilaxia, aceita
s e m r e t i c ê n c i a s a s medidas e m p r e g a d a s pelas a u t o r i d a d e s s a n i t á r i a s , e
52
concorda e m e x e c u t á - l a s " .
A Sociedade Brasileira de Higiene é fundada em j a n e i r o de 1 9 2 3 (suas
5 3
atividades são suspensas e m 1 9 3 0 e retomadas e m 1 9 4 3 ) . S e u primeiro
presidente, Carlos Chagas (então diretor do DNSP), evoca em seu discurso
inaugural o legado de Oswaldo Cruz, o "pai", o "mestre" e o "inspirador", o
primeiro a ter desenvolvido "as bases m o d e r n a s e científicas da a d m i n i s -
t r a ç ã o s a n i t á r i a do país". Essa a d m i n i s t r a ç ã o sanitária "reabilitará n o s s a
pátria aos olhos do m u n d o , e n o s libertará dos estigmas que nos t o r n a m
54
inferiores e das c h a g a s que e s p a n t a m o estrangeiro precavido". ' Geraldo
Paula S o u z a , diretor do Instituto de Higiene de S ã o Paulo e zeloso propa-
g a n d i s t s do estilo de saúde pública da F u n d a ç ã o Rockefeller, propôs a o s
médicos s a n i t a r i s t a s brasileiros q u e se i n s p i r a s s e m n o estilo de t r a b a l h o
55
vigente nas universidades n o r t e - a m e r i c a n a s . No discurso i n a u g u r a l do
o
2 Congresso de Higiene, realizado em 1 9 2 4 , o doutor A m a u r y Medeiros
insistiu n o fato de que a higiene era u m a verdadeira ciência:

O conceito de saúde não é mais u m conceito de doença ou de falta.


Hoje, a ciência é medida e pesada, ela se exprime em cifras e em fórmulas
quase matemáticas, e é u m a afirmação de vigor físico e mental que
proporciona alegria de viver e corresponde a u m rendimento de energia
ao preço do mercado.

Ele explicou que a educação para a saúde deve desenvolver o aspecto


físico, intelectual e m o r a l da nação, visto que "a função essencial da edu-
56
cação higiênica é a f o r m a ç ã o eugênica da r a ç a " . D u r a n t e o terceiro c o n -
gresso da Sociedade de Higiene, realizado em 1 9 2 6 , o Dr. Fontenelle expli-
c o u que a educação para a saúde deveria ser interiorizada pelas pessoas:

O ensino da higiene, assim como o ensino da gramática'!...], deve se


tornar fácil e automático. Na educação para a saúde, como no aprendi-
zado da linguagem, é preciso inicialmente inculcar o hábito, e somente
57
depois instruir.
O ideal de saúde pública c o m o portadora da ideologia do progresso
foi energicamente promovido pelo escritor M o n t e i r o Lobato. S e u s artigos
publicados em 1 9 1 4 n o j o r n a l O Estado de São Paulo t r a z e m à cena o perso-
n a g e m popular Jeca Tatu, trabalhador de u m a plantação de café, apresen-
tado c o m o o arquétipo do habitante das zonas rurais do interior: preguiço-
so, apático, sujo e b u r r o , "um parasita sinistro, incapaz de se adaptar à
58
civilização". A visão de Lobato m u d a quando ele lê o relato da viagem a o
nordeste do país feito por Neiva e Penna. L o b a t o deu-se c o n t a , então, de
q u e o J e c a T a t u , c o m o 1 7 m i l h õ e s de s e u s c o m p a t r i o t a s , s o f r i a de
ancilostomíase e de outras doenças crônicas. Ε logo se fez devotado propa-
g a n d i s t a do ideal s a n i t a r i s t a . Ele a t r i b u i u s u a "conversão" a o evangelho
sanitarista à leitura de t e s t e m u n h o s d o c u m e n t a d o s (Penna e Neiva t r o u -
x e r a m m u i t a s fotografias das regiões que visitaram), m a s a c i m a de tudo à
possibilidade de visualizar os agentes da doença, elemento decisivo, c o m o
p o u c o s . Lobato s u b l i n h o u a i m p o r t â n c i a da descoberta do papel dos m i -
c r o r g a n i s m o s n a t r a n s m i s s ã o das doenças, instaurada pelos t r a b a l h o s de
Pasteur: "Essas descobertas i n a u g u r a r a m u m a n o v a era para a h u m a n i d a -
de. [...] e foi a s s i m que nasceu a higiene". Para ele,

desde as investigações de Carlos Chagas, de Arthur Neiva, de Oswaldo


Cruz e desde as veementes palavras de Belisário Penna, nenhum gover-
no, nenhuma associação pode se desculpar alegando ignorância. U m
59
véu se levantou. Chegou o microscópio.

A luminosidade do c a m p o m i c r o s c ó p i c o que t o r n a visível os agentes da


doença lança, ao m e s m o tempo, luz sobre os males da nação:

Bastou que a ciência experimental, após uma série de momentos cruéis


que os diários de viagem de Arthur Neiva e Belisário Penna puseram
diante de nossos olhos, tenha assimilado a evidência do microscópio, e
assim fornecido à parasitologia os elementos necessários, para que se
chegasse a conclusões definitivas. Bastou que o problema brasileiro fosse,
pela primeira vez, posto em foco, sob um feixe brilhante de luz, para que
60
pudéssemos perceber imediatamente as bases de uma solução prática.

Essa solução desenvolveu-se n u m lugar específico - o laboratório: "Hoje res-


61
piramos melhor. O laboratório nos forneceu razões para que seja assim".
A n o v a i m a g e m do Jeca Tatu - desenvolvida e m u m livro destinado
às crianças e publicado em 1 9 1 8 - m o s t r a as conseqüências de u m a solu-
62
ção prática desse t i p o . Libertado dos parasitos e, p o r t a n t o , do estado de
torpor, J e c a Tatu rapidamente se t r a n s f o r m a e m c a m p o n ê s próspero que
abandona a idéia de trabalhar para sobreviver e desposa a idéia de produzir
excedente para o mercado. Ele se lança em u m a competição c o m seu vizi-
n h o , imigrante italiano, e rapidamente o ultrapassa. Jeca Tatu moderniza
sua casa, sua fazenda, e nela introduz as novas técnicas agrícolas. Eletri-
fica s u a propriedade, i n s t a l a telefones p a r a se c o m u n i c a r c o m as r o ç a s ,
c o m p r a u m c a r r o ( u m Ford) e providencia u m telescópio para poder obser-
v a r os trabalhadores agrícolas que t r a b a l h a m em seus c a m p o s . Se o m i -
croscópio pôde lançar luzes sobre as misérias do país e depois abrir u m a
via para sua solução, o telescópio permitirá a vigilância eficaz dos t r a b a -
lhadores. Para Lobato, o modelo apropriado para o sertanejo era o farmer da
América do Norte; n ã o é de espantar, então, que ao longo de sua transfor-
63
m a ç ã o em sertanejo exemplar, seu herói tenha aprendido i n g l ê s . Ao m e s -
m o t e m p o , Jeca Tatu n ã o se c o n t e n t o u e m enriquecer, ele t r a n s f o r m o u - s e
em educador sanitário infatigável, cuja divisa passa a ser "curar as pessoas,
eliminar os parasitas que devoram os brasileiros". Ele m o r r e aos 8 9 a n o s ,
c o m a satisfação de ter cumprido seu dever. A t r a n s f o r m a ç ã o de J e c a Tatu
é condensada n a célebre expressão cunhada por Lobato: Jeca n ã o é assim:
e s t á a s s i m . O s m a l e s de J e c a t ê m , t a l v e z , m ú l t i p l a s o r i g e n s , m a s s u a
solução é simples - u m a vez libertado de seus parasitos, Jeca adota c o m
64
e n t u s i a s m o o modelo do capitalismo agrário n o r t e - a m e r i c a n o .

Um Modelo de Educação para a Saúde: o Instituto de


Higiene de São Paulo e a reforma sanitária de Paula Souza

U m a das primeiras realizações da Fundação Rockefeller n o Brasil foi


a criação do Instituto de Higiene de São Paulo (que e m 1 9 1 3 passa a ser a
Escola de Higiene e de Saúde Pública de S ã o Paulo), inicialmente dirigida
por Darling ( 1 9 1 8 - 1 9 2 1 ) , em seguida, por u m breve período, por Smillie
( 1 9 2 1 - 1 9 2 2 ) e finalmente, depois de m a i o de 1 9 2 2 , pelo médico brasileiro
65
Geraldo Paula S o u z a . Filho do diretor da Escola Politécnica de S ã o Paulo
(instituição calcada n a Escola Politécnica de Paris), Paula S o u z a seguiu por
dois a n o s os c u r s o s de saúde pública ministrados n a Universidade J o h n s
Hopkins, antes de voltar ao seu país e defender ardorosamente os métodos
n o r t e - a m e r i c a n o s dos quais t o r n a r a - s e adepto. Antes de ser n o m e a d o di-
retor do Instituto de Higiene, dirige a seção de higiene urbana, e interessa-
se pelos p r o b l e m a s de saúde p ú b l i c a da cidade. S o b a direção de Paula
Souza, o Instituto de Higiene de S ã o Paulo esteve freqüentemente e m c o n ¬
flito c o m as instituições c o m as quais entrara em competição: os l a b o r a -
tórios da Faculdade de Medicina de São Paulo, o Instituto Bacteriológico de
S ã o Paulo e o I n s t i t u t o B u t a n t ã ( o r i g i n a l m e n t e dedicado à p r o d u ç ã o de
vacinas e soros). Lutas por poder e influência, esses conflitos f o r a m t a m -
b é m o reflexo de problemas ideológicos, tais c o m o a resistência à aborda-
g e m intervencionista propagada pelos especialistas da Fundação Rockefeller
e seus protegidos e a confrontação entre o estilo "europeu" (especialmente
alemão e francês) da pesquisa na área da saúde pública, baseada e m inves-
tigações fundamentais em bacteriologia e parasitologia, e o estilo "norte-
a m e r i c a n o " , c e n t r a d o n a vigilância dos sítios, dos objetos e das p o p u l a -
ções. Paula S o u z a foi entusiasmado p r o m o t o r dos "métodos n o r t e - a m e r i -
66
c a n o s de i n d e x a ç ã o , c l a s s i f i c a ç ã o e divisão do t r a b a l h o " . Em 1 9 2 0 , o
I n s t i t u t o de Higiene de S ã o Paulo t i n h a três seções: o D e p a r t a m e n t o de
Higiene M u n i c i p a l , o D e p a r t a m e n t o de Epidemiologia e o D e p a r t a m e n t o
de Higiene Rural (dirigido por Smillie). Este ú l t i m o o c u p a v a - s e principal-
m e n t e da luta c o n t r a a ancilostomíase. Após 1 9 2 2 , q u a n d o os especialis-
t a s da F u n d a ç ã o R o c k e f e l l e r d e i x a r a m o i n s t i t u t o , o controle da
a n c i l o s t o m í a s e foi transferido p a r a a Divisão de Profilaxia Rural de S ã o
Paulo, e n q u a n t o que o i n s t i t u t o v o l t o u a se c o n c e n t r a r n a s questões de
67
higiene u r b a n a e de educação para a s a ú d e .
As atividades do Instituto de Higiene (e, de modo mais geral, o estilo
p r o m o v i d o pela Fundação Rockefeller) p r o v o c a r a m resistências. A o l o n g o
de u m debate n o parlamento do estado de S ã o Paulo sobre a t r a n s f o r m a ç ã o
do Instituto de Higiene - que antes dependia da Escola de Medicina de São
Paulo - e m instituição a u t ô n o m a (dezembro de 1 9 2 4 ) , Alves questiona a
política da Fundação Rockefeller, que, segundo ele, usa os brasileiros para
testar terapias duvidosas, o óleo chenopódio, por exemplo, empregado na
c u r a da ancilostomíase (o diretor do p r o g r a m a da Fundação Rockefeller n o
Brasil, o Dr. Lewis Hackett, reconheceu que, de fato, 1 4 pessoas h a v i a m
m o r r i d o n o Brasil e m c o n s e q ü ê n c i a desse t r a t a m e n t o ) . Alves a c r e s c e n t a
que os especialistas da Fundação Rockefeller faltam c o m o respeito ao país
que o s acolhe. Dois médicos brasileiros que assistiram a u m a conferência
na Universidade de Harvard, intitulada "As aventuras de u m expert sanitá-
rio no Brasil", relataram que o Brasil havia sido apresentado c o m o u m país
atrasado, povoado de selvagens, e que precisava dos americanos para i m -
portar os conhecimentos médicos de base - e n ã o c o m o a pátria de grandes
68
médicos c o m o Oswaldo Cruz e Carlos C h a g a s . Apesar da oposição politi-
ca, o I n s t i t u t o de Higiene obteve u m e s t a t u t o a u t ô n o m o e u m f i n a n c i a -
m e n t o do Estado: saiu, assim, pelo m e n o s oficialmente, da esfera de influ-
69
ência da F u n d a ç ã o Rockefeller.
O Instituto de Higiene de S ã o Paulo foi a única instituição brasileira
a c o m b i n a r os saberes e as habilidades específicas trazidos pelos especia-
listas n o r t e - a m e r i c a n o s c o m as idéias desenvolvidas pelos médicos s a n i -
taristas brasileiros, donde seu papel central n a propagação do ideal de u m a
higiene q u e aliasse c o n t r o l e dos indivíduos e educação p a r a a saúde. O
Instituto de Higiene preocupou-se, sobretudo, c o m os p r o b l e m a s das p o -
pulações urbanas, m a s as abordagens que ele desenvolveu n ã o estão m u i -
t o distantes das p r e c o n i z a d a s pelos m e m b r o s do m o v i m e n t o s a n i t a r i s t a
brasileiro. E m 1 9 2 2 , q u a n d o o i n s t i t u t o p a s s a a u m a direção e x c l u s i v a -
m e n t e brasileira, seu diretor, Geraldo H o r á c i o de Paula S o u z a , t o r n a - s e
diretor do Serviço Sanitário do Estado de S ã o Paulo, ocupando, assim, u m a
posição central n o estado mais i m p o r t a n t e da federação brasileira (ele dei-
x o u suas funções de diretor do Serviço S a n i t á r i o e m 1 9 2 7 ) . E m 1 9 2 4 , o
parlamento do estado de São Paulo adota o projeto de autonomia do Instituto
70
de Higiene, até então ligado à Faculdade de Medicina de São Paulo. O ins-
71
tituto é, então, reorganizado em novas b a s e s . A a u t o n o m i a do instituto,
que se beneficiou de u m o r ç a m e n t o especial destinado pelo estado de S ã o
7 2
Paulo, perdurou ao longo dos anos 1 9 2 0 . Foi revogada em 1 9 3 1 (após o
golpe de Estado de Getúlio Vargas), quando o Instituto de Higiene passa a
ser a Escola Estadual de Higiene e de Saúde Pública. O decreto n. 4 . 9 5 5 de
1 de abril de 1 9 3 1 coloca o instituto sob a tutela do Ministério da Educa-
73
ção e da Saúde e define as matérias que nele devem ser e n s i n a d a s .
O Instituto de Higiene foi concebido desde o início c o m o u m a "insti-
74
tuição demonstrativa". U m dos eixos dessa demonstração foi o desenvol-
v i m e n t o de métodos administrativos eficazes em m a t é r i a de saúde públi-
ca. Paula S o u z a explicou que

na excelente organização deste instituto, planejado pelo Dr. Darling,


há u m detalhe sem importância para os que vivem nos Estados Uni-
dos, mas muito importante para este país - a introdução dos métodos
norte-americanos de indexação, classificação e divisão do trabalho nos
serviços. Espero que este instituto tenha, u m dia, as mais modernas
instalações nesse aspecto, e poderemos, assim, demonstrar a econo-
mia de tempo e o ganho em eficiência produzidos pela introdução de
75
tais métodos.
M é t o d o s a v a n ç a d o s de cálculo e a i n s t a l a ç ã o de m á q u i n a s de c a l c u l a r
Hollerith a u m e n t a r a m a exatidão e a rapidez das compilações estatísticas.
O Serviço de Estatística do Instituto de Higiene foi proposto c o m o exemplo
76
para o u t r a s empresas, c o m o as estradas de ferro brasileiras. O Departa-
m e n t o de Epidemiologia do Instituto de Higiene instalou u m "setor de do-
c u m e n t o s " , que c e n t r a l i z a v a d o c u m e n t o s oficiais, d i a g r a m a s e gráficos.
Foram produzidos questionários detalhados para as enquetes
77
epidemiológicas e f o r m u l á r i o s padronizados.
U m a das atribuições importantes do instituto foi o ensino de higiene
aos médicos. Esse ensino, ministrado em coordenação c o m a Faculdade de
Medicina de São Paulo, incluía temas científicos, especialmente a bacteriolo-
gia, a q u í m i c a e a parasitologia, e p r o b l e m a s m a i s específicos de saúde
78
pública: epidemiologia, estatística e políticas s a n i t á r i a s . Nos anos 1 9 2 0 ,
o ensino de higiene compreendia t a m b é m a t r a n s m i s s ã o dos métodos de
engenharia sanitária, de vigilância das doenças infecciosas, de controle da
água e dos alimentos. U m a vez formado de maneira conveniente aos m é -
todos de laboratório em microbiologia, parasitologia e bioquímica, o aluno
aprendia c o m o efetuar controles sanitários nos espaços públicos, nas ins-
talações, nos serviços de d i s t r i b u i ç ã o de á g u a , na rede de e s g o t o s , nos
79
mercados, nas lojas, nas escolas e o u t r o s . O decreto de 1 de abril de 1 9 3 1
detalha as matérias ensinadas no Instituto de Higiene no quadro da for-
m a ç ã o dos médicos higienistas: estatísticas vitais, epidemiologia e enge-
nharia sanitária, fisiologia aplicada à higiene, higiene industrial e profis-
sional, higiene pessoal, higiene da infância, nutrição e dietética, a d m i n i s -
t r a ç ã o sanitária, legislação sanitária nacional, hereditariedade e eugenia,
80
os problemas sociais, enfim, ligados à h i g i e n e .
Os problemas sociais ligados à higiene foram estudados em três de-
partamentos do Instituto de Higiene: a higiene industrial, a higiene social e
a higiene escolar. O D e p a r t a m e n t o de Higiene Industrial era dirigido por
Nuno Guerner, médico brasileiro formado nos Estados Unidos graças a u m a
bolsa da Fundação Rockefeller. Esse d e p a r t a m e n t o e x a m i n o u as condições
de higiene nos locais de trabalho (luz, ventilação, posicionamento das b a n -
cadas) e seus efeitos sobre a eficiência do t r a b a l h o . E s t u d o u as doenças
81
profissionais e conduziu pesquisas sobre a fisiologia do trabalho. Nos anos
1 9 2 0 , o i n s t i t u t o r e a l i z o u ( e s p e c i a l m e n t e g r a ç a s a o s e s f o r ç o s do Dr.
Benjamim Alves Ribeiro, do engenheiro Roberto M a n g a e do educador Lou¬
r e n ç o Filho) estudos sobre a adaptação física dos h o m e n s às m á q u i n a s ,
cujo objetivo era a u m e n t a r o rendimento, reduzir o c a n s a ç o e limitar os
acidentes. Com a criação do curso de mecânica prática no Liceu de Artes e
Ofícios (mais tarde transformado em Escola Profissional de Mecânica), os
pesquisadores do Instituto de Higiene desenvolveram ferramentas e m é t o -
dos de fisiologia e de psicologia aplicadas destinadas a avaliar as aptidões
físicas e m e n t a i s dos t r a b a l h a d o r e s . P r o d u z i r a m , ao m e s m o t e m p o , um
discurso científico sobre a formação dos operários e deram cursos de higi-
82
ene mental do trabalho e de psicofisiologia industrial.
O Serviço de Higiene Escolar dirigido pelo Dr. Antonio de Almeida Jr.
estudou as condições sanitárias em vigor nos prédios escolares e fez pes-
quisas sobre a saúde e a aptidão fisiológica dos estudantes. A partir de
1 9 2 0 , Paula Souza propôs que u m psicólogo, o Dr. Franco da Rocha, que
ele considerava u m dos melhores psiquiatras psicólogos brasileiros, fosse
convidado a "adaptar testes de inteligência tais c o m o os testes de Binet,
Thordike e o u t r o s à mentalidade brasileira". Os princípios elementares da
1
higiene foram inculcados nos colegiais. " O Departamento de Higiene Social
interessava-se, a l é m disso, pela prevenção e t r a t a m e n t o do a l c o o l i s m o e
do abuso de outras drogas, pelos estudos de saúde mental, pelas pesquisas
sobre a hereditariedade e a eugenia, e pelos problemas ligados à falta de
M
higiene p e s s o a l .
A educação para a saúde - preocupação central do Instituto de Higiene
- foi feita a partir de ferramentas metodológicas modernas, c o m o a proje-
ção de filmes, a utilização de transparências ou a distribuição de cartazes,
tendo c o m o alvo preferencial as mulheres e as j o v e n s . Cursos específicos
de "dietética para donas de casa", "técnicas alimentares", "técnicas de l i m -
peza doméstica" e puericultura foram ministrados. Todos os domínios da
vida cotidiana, acreditavam os especialistas do instituto, podiam ser raci-
85
onalizados segundo os princípios da ciência.
Paula S o u z a foi t a m b é m o principal a u t o r da reforma sanitária do
estado de S ã o Paulo em 1 9 2 5 (geralmente c h a m a d a "a reforma de Paula
86
Souza"). Essa reforma fortaleceu, por u m lado, os mecanismos de c o n t r o -
le s a n i t á r i o das d o e n ç a s t r a n s m i s s í v e i s , das d o e n ç a s p r o f i s s i o n a i s , das
intoxicações alimentares e, por outro, o controle das condições do exercício
da medicina e das profissões paramédicas. A difusão da educação para a
saúde no conjunto do estado de São Paulo, que constituía u m a das maiores
inovações dessa reforma, foi confiada à Inspetoria de Educação Sanitária e
Centros de Saúde, criada c o m o objetivo de "promover a formação da cons¬
ciência s a n i t á r i a da população". Esses c e n t r o s se i n s p i r a r a m n o m o d e l o
americano dos Health Centers, desenvolvido na Escola de Saúde Pública da
Universidade J o h n s Hopkins. O educador sanitário, pivô do centro, tinha
c o m o a t r i b u i ç ã o r e s p o n s a b i l i z a r o s cidadãos e e n s i n á - l o s a c u i d a r de si
m e s m o s ; ele m a r t e l a v a q u e era a i g n o r â n c i a , e n ã o a pobreza, a c a u s a
principal das doenças, que era o acesso diferenciado à informação, e n ã o a
diferença de c l a s s e , a p r i n c i p a l f o n t e das desigualdades e m m a t é r i a de
87
saúde. A palavra de ordem do novo m o v i m e n t o sanitário de S ã o Paulo foi
"educar todos os que t ê m fome". U m a caricatura resume as críticas dessa
época. Ela m o s t r a u m visitante sanitário que explica à família desvalida:
"vocês deveriam aprender c o m o se deve se alimentar; é preciso c o m e r ovos,
carne, legumes, queijo, leite, nata...", e o pobre h o m e m a exclamar, espan-
88
tado: "essas coisas e x i s t e m ! " .

Um Controle Suave: a primeira campanha da Fundação


Rockefeller contra a febre amarela no Brasil, 1923-1927

E m 1 9 2 3 , a Fundação Rockefeller assina u m acordo c o m o governo


brasileiro em virtude do qual os especialistas da fundação são encarrega-
dos da eliminação da febre a m a r e l a n o nordeste do país. De volta à costa
norte, a doença a m e a ç a v a a imigração (muito importante nos anos 1 9 2 0 ,
período de industrialização rápida n o sul do país) e o comércio. O objetivo
declarado da c a m p a n h a da Fundação Rockefeller era a repetição do sucesso
obtido em o u t r o s países da América Latina e a continuação da erradicação
continental da febre a m a r e l a planejada por Gorgas e Rose e m 1 9 1 4 . Esse
acordo, assinado em 11 de setembro de 1 9 2 3 e homologado pelo decreto n°
1 6 . 3 0 0 do governo brasileiro em 3 1 de dezembro de 1 9 2 3 , estipula que a
Fundação Rockefeller, em colaboração c o m o DNSP, se encarregaria da eli-
m i n a ç ã o da febre a m a r e l a n o n o r t e do Brasil por m e i o da destruição dos
m o s q u i t o s . O trabalho será coordenado pelo Serviço Cooperativo da Febre
Amarela, instância co-dirigida pela Fundação Rockefeller e o DNSP. S u a di-
reção será composta por igual n ú m e r o de representantes das duas organiza-
ções, e a presidência caberá a u m funcionário do DNSP, que decidirá em caso
de conflito. O pessoal técnico e administrativo será recrutado pelo DNSP, em
acordo c o m a Fundação Rockefeller. U m representante permanente da Fun-
dação Rockefeller será responsável pelas relações c o m o DNSP. E m cada esta-
do, as atividades contra a febre amarela serão dirigidas pela Profilaxia Rural.
89
O conjunto do projeto será financiado pela Fundação Rockefeller.
O acordo de 1 9 2 3 prevê u m a co-direção brasileira e norte-americana
à frente do Serviço da Febre Amarela, c o m a atribuição do cargo de diretor
90
a u m especialista b r a s i l e i r o . Os d o c u m e n t o s do governo brasileiro falam
até m e s m o da organização da luta c o n t r a a febre amarela pelo DNSP, c o m
a participação de "experts técnicos" n o r t e - a m e r i c a n o s . De fato, os e m p r e -
gados do Serviço da Febre Amarela f o r a m todos brasileiros, m a s a planifi¬
c a ç ã o e a direção das c a m p a n h a s f o r a m c o n f i a d a s e x c l u s i v a m e n t e a o s
especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s . A colaboração f o r m a l c o m os brasileiros -
e o n o m e "serviço cooperativo" - f o r a m considerados o meio de neutralizar
as resistências, especialmente n o nível dos poderes sanitários locais, e de
f a c i l i t a r a a c e i t a ç ã o das r e c o m e n d a ç õ e s da F u n d a ç ã o Rockefeller. E s s a s
técnicas de desarme das resistências n e m s e m p r e f u n c i o n a r a m b e m . S e -
b a s t i ã o B a r r o s o , responsável pelos serviços do DNSP em Salvador, Bahia,
demite-se e m 1 9 2 3 , explicando ter descoberto que a a s s i m c h a m a d a c o l a -
b o r a ç ã o c o m os especialistas da Fundação Rockefeller limitava-se, na p r á -
tica, a o firme c o n v i t e a deixar todas as responsabilidades n a s m ã o s dos
especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s e a aceitar s e m reservas seus m é t o d o s de
91
e l i m i n a ç ã o das l a r v a s dos m o s q u i t o s . A f o r a as questões de poder e de
autoridade, os desentendimentos entre os sanitaristas brasileiros e os
americanos g i r a v a m e m t o r n o de dois problemas: u m de ordem prática, o
melhor método de eliminar os m o s q u i t o s Aedes aegypti; o u t r o , mais a b s t r a -
to, a validade da teoria do "foco-chave" e da visão norte-americana sobre a
epidemiologia da febre a m a r e l a n o Brasil.

No que diz respeito a o p r o b l e m a prático, os sanitaristas brasileiros


utilizaram as fumigações de inseticidas c o m o método principal de c o n t r o -
le dos Aedes aegypti. Esse método havia sido introduzido durante a c a m p a -
nha c o n t r a a febre amarela conduzida por Oswaldo Cruz n o Rio de J a n e i -
ro. C o m seu s u c e s s o legitimado pelos m é t o d o s empregados p o r C r u z , o
DGSP (que Cruz dirigiu entre 1 9 0 3 e 1 9 0 9 ) adotou-os sem restrições. As
fumigações periódicas eram, além disso, m u i t o b e m acolhidas pela p o p u -
lação, pois d e s t r u í a m todos os insetos n o c i v o s , e as ações sanitárias e m
grande escala e e m i n e n t e m e n t e visíveis a u m e n t a r a m o prestígio dos polí-
ticos locais, f r e q ü e n t e m e n t e suspeitos de o c u p a r c a r g o s p a r a , a c i m a de
tudo, servir a interesses particulares e r o u b a r dos cofres públicos. As f u -
migações f o r a m completadas, pelo m e n o s teoricamente, por u m t r a b a l h o
a n t i l a r v a r que incluía a visita às c a s a s , aos espaços públicos e t e r r e n o s
baldios a fim de situar e eliminar as fontes de á g u a estagnada. Na prática,
o investimento mais importante relacionou-se c o m a fumigação das casas
92
e das c a l h a s c o m v a p o r de sulfureto (gás C l a y t o n ) . Os especialistas da
Fundação Rockefeller, e m contrapartida, n e g a r a m q u a l q u e r v a l o r prático
às fumigações (salvo nos períodos de epidemia aguda, durante os quais é
preciso eliminar os m o s q u i t o s tão rapidamente q u a n t o possível), visto que
os m o s q u i t o s v o l t a v a m c o m toda a c a r g a a l g u m a s s e m a n a s depois. Esti-
m a r a m que as c a m p a n h a s dirigidas contra as larvas eram o único método
eficiente c o n t r a os Aedes aegypti, e o ú n i c o c a p a z de reduzir a densidade
destes insetos a u m nível suficientemente b a i x o e por u m período sufici-
entemente longo para interromper a cadeia de t r a n s m i s s ã o da febre a m a -
93
rela e eliminar esta doença e m u m a determinada r e g i ã o .
As cidades brasileiras e r a m , n a m a i o r i a dos c a s o s , desprovidas de
u m sistema central de distribuição de água. M e s m o quanto havia u m sis-
t e m a desse tipo e m a l g u m b a i r r o , e m geral ele n ã o era suficientemente
confiável. A s falhas, m u i t o freqüentes, e r a m especialmente difíceis de s u -
portar, por causa do clima quente. A população contava, portanto, c o m as
caixas d'água individuais. A á g u a era distribuída por carros-cisterna (nas
cidades pequenas, por charretes que levavam tonéis puxados por u m c a v a -
lo o u u m a m u l a - v e r figura 3 ) e g u a r d a d a e m pequenas j a r r a s o u e m
c a i x a s - d ' á g u a , de m a i o r capacidade. Essas c a i x a s d'água, m u i t a s vezes
abertas, e r a m propícias à multiplicação dos Aedes aegypti. U m a das priori-
dades dos especialistas da Fundação Rockefeller foi, p o r t a n t o , estimular a
instalação de sistemas modernos de distribuição de á g u a (ver figura 4 ) e
94
do s i s t e m a de e s g o t o n a s c i d a d e s . T r a t a v a - s e , a l é m disso, de u m dos
meios de modernizar o Brasil, de promover no país as regras de limpeza e
higiene, e de a p r o x i m a r o estilo de vida dos moradores das cidades brasilei-
ras ao dos cidadãos da América do Norte. Entretanto, a instalação de sis-
t e m a s modernos de distribuição de á g u a só foi possível e m a l g u m a s cida-
des grandes (Salvador, Porto Alegre, Fortaleza) onde só c o n s e g u i r a m , de
95
resto, cobrir a l g u n s b a i r r o s . O c o n t r o l e dos m o s q u i t o s devia, p o r t a n t o ,
passar pelo controle das caixas d'água de u s o doméstico.

Tratava-se, para a Fundação Rockefeller, de reduzir o "índice de m o s -


quitos" (o percentual de casas visitadas nas quais se e n c o n t r a v a m larvas
de Aedes aegypti) a u m v a l o r inferior a 5%, l i m i a r considerado suficiente
96
para eliminar a t r a n s m i s s ã o da febre a m a r e l a . Essa diminuição dependia
exclusivamente do controle das larvas, daí a importância da f o r m a ç ã o dos
inspetores sanitários, que deviam ser capazes de reconhecer, a olho n u , os
Aedes aegypti, seus ovos e suas larvas - capacidade que n ã o exigia estudos
p r o l o n g a d o s , m a s d e m a n d a v a b o a v i s ã o , boa m e m ó r i a , u m certo senso
p r á t i c o e m u i t o t r e i n a m e n t o . Nos a n o s 1 9 2 0 , o m é t o d o de e l i m i n a ç ã o
favorito dos especialistas da Fundação Rockefeller foi a introdução de pei-
xes que se a l i m e n t a v a m das larvas que f e r v i l h a v a m nas grandes c a i x a s
d'água. Os peixes coletados nos rios e lagos dos arredores foram distribu-
ídos pelos inspetores do Serviço da Febre Amarela. Os habitantes m u i t a s
vezes v i r a m essa medida c o m o u m incômodo, queixando-se porque dejeções
97
e, o c a s i o n a l m e n t e , cadáveres de peixes c o n t a m i n a v a m a á g u a p o t á v e l .
Segundo eles, a á g u a tinha, muitas vezes, m a u cheiro, e t a m b é m apresen-
tava r i s c o s à saúde pois os peixes p r o v i n h a m , f r e q ü e n t e m e n t e , de rios
poluídos por esgotos. W h i t e , u m dos responsáveis pela c a m p a n h a contra a
febre amarela, queixou-se em l 9 2 4 dessa resistência da população. "A pro-
paganda maliciosa c o n t r a os peixes diminui nossa eficiência em pelo m e -
nos 3 3 % e a u m e n t a n o s s o s c u s t o s em t o r n o de 2 0 % " . Os h a b i t a n t e s de
u m a casa tinham t a m b é m o dever de vigiar os pequenos recipientes de água
de uso doméstico. Os inspetores do serviço estavam habilitados para inspe-
cionar os quintais e o interior das casas, além do conjunto dos espaços de
uso público, a fim de descobrir os eventuais lugares de multiplicação das
larvas Aedes aegypti; eles podiam entrar em todos os cômodos, inclusive nos
98
quartos de dormir - mais u m motivo de queixa para a população.

A l g u m a s das medidas i m p o s t a s pela F u n d a ç ã o Rockefeller foram


denunciadas pela população local, o u t r a s e n c o n t r a r a m aqui e ali u m a re-
99
sistência p a s s i v a . De m o d o geral, a c a m p a n h a c o n t r a a febre a m a r e l a
organizada pela Fundação Rockefeller entre 1 9 2 3 e 1 9 2 8 b a s e o u - s e m a i s
100
na persuasão do que na c o e r ç ã o . As medidas punitivas foram raras, e as
instruções dadas aos inspetores insistiram na necessária polidez e no tato
1 0 1
c o m o f e r r a m e n t a s indispensáveis na c a m p a n h a . Tal r e c o m e n d a ç ã o j á
estava presente no texto do acordo de 1 9 2 3 entre a Fundação Rockefeller e
o governo brasileiro. Esse texto, que incluía instruções para os inspetores
do Serviço da Febre Amarela, dá apenas vagas indicações sobre os direitos
e os deveres dos inspetores, e n ã o detalha as medidas repressivas a serem
t o m a d a s em caso de transgressão. Ele diz que "os inspetores visitarão t o -
das as casas da zona inspecionada e t o m a r ã o as providências necessárias
para que os focos de larvas sejam i m e d i a t a m e n t e destruídos", m a s n ã o
explica de m o d o a l g u m q u e "providências n e c e s s á r i a s " são essas e n ã o
m e n c i o n a as s a n ç õ e s o u as medidas p u n i t i v a s a serem t o m a d a s c o n t r a
102
habitantes que se r e c u s a r e m a obedecer aos inspetores s a n i t á r i o s .
Os responsáveis pela Fundação Rockefeller n o Brasil declararam m u i -
tas vezes sua intenção de m a n t e r b o a s relações c o m os representantes do
poder local e c o m os habitantes do país. O código sanitário a u t o r i z o u as
sanções punitivas, tais c o m o a aplicação de petróleo nos recipientes de água
em que fossem encontradas larvas, o u a imposição de multas aos proprietá-
rios das casas que não conseguissem eliminar os focos de mosquitos em seu
quintal. Os especialistas da Fundação Rockefeller, p r a g m á t i c o s , a d o t a r a m ,
entretanto, a opinião de seus colegas dos serviços sanitários brasileiros, e
a f i r m a r a m que a boa vontade e a cooperação dos habitantes trariam resul-
tados mais rápidos do que a introdução de medidas coercitivas.
A estratégia da F u n d a ç ã o Rockefeller p a r a a e l i m i n a ç ã o das larvas
baseava-se n a s visitas regulares de inspetores às casas e aos espaços p ú -
blicos. U m a c a m p a n h a assim, explicaram, demandava antes de tudo u m a
b o a o r g a n i z a ç ã o do t r a b a l h o . A primeira etapa era a p r e p a r a ç ã o de u m
m a p a detalhado da localidade e a atribuição de sítios a cada inspetor. Os
inspetores (enquadrados por seus superiores hierárquicos) efetuavam, e m
seguida, controles repetidos e regulares e m sua respectiva zona; eles eli-
m i n a r a m s i s t e m a t i c a m e n t e os focos larvares encontrados n o s q u i n t a i s e
n e u t r a l i z a r a m as regiões potenciais de multiplicação dos m o s q u i t o s Aedes
103
aegypti. A eficiência do sistema dependia, p o r t a n t o e a c i m a de tudo, da
eficiência a d m i n i s t r a t i v a . Os especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller c a l c u -
l a r a m que se todo m u n d o fizesse corretamente seu trabalho, dois meses de
vigilância intensiva deveriam fazer cair de m a n e i r a drástica a densidade
dos m o s q u i t o s Aedes aegypti em u m a cidade, visto que a esperança de vida
104
deste m o s q u i t o é de a p r o x i m a d a m e n t e 5 0 d i a s .

O sucesso da e l i m i n a ç ã o das larvas Aedes aegypti dependia t a m b é m


da capacidade dos especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller de p r o m o v e r a
difusão das i n o v a ç õ e s t é c n i c a s . A s t e n t a t i v a s de m u d a n ç a s e m g r a n d e
escala - c o m o a i n t r o d u ç ã o de u m s i s t e m a m o d e r n o de d i s t r i b u i ç ã o de
á g u a e de canalização - m o s t r a r a m - s e m e n o s eficazes do que a introdução
de inovações m a i s modestas. A c o n s t r u ç ã o de u m a caixa-d'água domésti-
ca dotada de u m a t a m p a h e r m é t i c a e a distribuição g r a t u i t a de t a m p a s
105
para as caixas-d'água existentes desempenharam u m papel d e t e r m i n a n t e .
U m a c a i x a d'água h e r m e t i c a m e n t e fechada n ã o p e r m i t e a m u l t i p l i c a ç ã o
dos insetos; além disso, ela impede a c o n t a m i n a ç ã o da á g u a pelas i m p u r e -
zas e dejetos, garantindo, assim, u m a m e l h o r qualidade da á g u a potável.
O novo modelo de caixa-d'água, proposto a u m preço módico, fez u m s u -
cesso r e t u m b a n t e entre os moradores das cidades do norte do Brasil e de¬
s e m p e n h o u , segundo os especialistas da Fundação Rockefeller, u m papel
106
maior no sucesso da c a m p a n h a .
Duas teorias científicas serviram de pano de fundo para as ativida-
des da Fundação Rockefeller no Brasil nos anos 1 9 2 0 : a teoria do "foco-
chave" (a ciência por detrás da eliminação da febre amarela) e a (suposta)
descoberta do agente da febre a m a r e l a por u m pesquisador do Instituto
Rockefeller de Nova York, Hideo Noguchi (a ciência por detrás da c o m p r e -
107
ensão da etiologia desta d o e n ç a ) . Noguchi, bacteriologista de origem j a -
108
ponesa, era protegido do diretor do Instituto Rockefeller, S i m o n Flexner.
Conhecido principalmente por suas pesquisas sobre a sífilis, trabalhador
incansável inteiramente devotado a suas investigações, ele estudou g r a n -
de n ú m e r o de doenças transmissíveis. Em 1 9 1 8 , ele integra u m a pequena
comissão da Fundação Rockefeller enviada a Guayaquil, no Equador, para
estudar a febre amarela. Nessa temporada, pensa ter descoberto o agente
dessa patologia, u m a bactéria que batiza Leptospira icteroides. U m a outra
bactéria (Leptospira icterohaemorrhagiae) havia sido identificada anteriormente
c o m o o agente etiológico da doença de Weil, icterícia infecciosa que podia
ser confundida c o m a febre amarela. Noguchi afirmou - e depois afirmou
ter p r o v a d o - que a febre a m a r e l a podia pertencer à m e s m a família de
p a t o l o g i a s que a doença de Weil. Ele descreveu u m m i c r ó b i o que t i n h a
todas as características da febre amarela, tais c o m o a destruição por aque-
cimento a 5 0 ° C , a capacidade de passar através dos filtros bacterianos, a
invisibilidade ao microscópio c o m u m (para ver esse patógeno, era neces-
sário u m microscópio especial c o m u m c a m p o negro). A f i r m o u t a m b é m
que "sua" bactéria induzia a febre amarela no porquinho-da-índia, no c a -
chorro e no m a c a c o e que ele havia conseguido transmitir a febre amarela
por meio da picada de mosquitos infectados por Leptospira icteroides. Noguchi
descreveu t a m b é m u m teste i m u n o l ó g i c o que, segundo ele, era capaz de
detectar a presença da doença, assim c o m o u m soro curativo. Os artigos
de Noguchi, claros e altamente profissionais, não m o s t r a r a m nem sinal de
109
hesitação, nem resultados dificilmente reprodutíveis. Essas publicações, a
reputação de Noguchi e seu status no Instituto Rockefeller, instituição que
mantinha laços privilegiados c o m a Fundação Rockefeller, contribuíram para
que suas convicções fossem adotadas pelos especialistas da fundação.

A c a m p a n h a da F u n d a ç ã o Rockefeller no B r a s i l c o m e ç o u sob os
a u s p í c i o s da descoberta de N o g u c h i , c o m a esperança de que seu teste
imunológico ( u m teste de fixação de complemento, que revela de maneira
indireta a presença de anticorpos específicos c o n t r a o agente da doença)
permitisse fazer u m diagnóstico rápido dos casos suspeitos, e de que seu
110
soro proporcionaria c u r a s . O próprio Noguchi visitou o Brasil em 1 9 2 3 .
Em u m a expedição ao interior do estado da Bahia (durante a qual t r a b a -
lhou à exaustão), ele afirmou ter isolado duas cepas brasileiras de Leptospira
icteroides. Cobaias inoculadas c o m essas cepas desenvolveram u m a doença
típica. Ele teria, além disso, revelado a presença de anticorpos em pessoas
que sobreviveram a u m ataque de febre amarela, e organizado sessões de
111
soroterapia e de v a c i n a ç ã o . Noguchi sustentou que suas pesquisas havi-
a m estabelecido a identidade entre a febre amarela brasileira e aquela re-
112
gistrada em o u t r o s países da América L a t i n a . De passagem pelo Rio de
Janeiro, Noguchi faz u m a demonstração de seus métodos de trabalho ao
pessoal da Faculdade de Medicina, a qual foi apresentada c o m o u m "suces-
113
so fulgurante".
As pesquisas de Noguchi, adotadas sem reservas pelos especialistas
da Fundação Rockefeller, foram contestadas por outros especialistas, espe-
c i a l m e n t e por médicos l a t i n o - a m e r i c a n o s , que se r e c u s a r a m a acreditar
que u m a doença induzida por u m a bactéria pudesse ser transmitida por
114
u m a picada de m o s q u i t o . Mais tarde, alguns especialistas n o r t e - a m e r i -
canos se reuniram aos céticos. Em 1 9 2 6 , M a x Theiler e Andrew Sellards,
da Escola de Medicina Tropical da Universidade de Harvard, afirmaram
que a Leptospira icteroides e o agente da doença de Weil eram microrganis-
m o s idênticos. A observação dava a entender o u que as duas doenças eram
idênticas, ou que a leptospira descrita por Noguchi não tinha relação c o m
a febre a m a r e l a (ainda que o u t r o s autores não o t e n h a m dito explicita-
mente, a segunda c o n c l u s ã o era, de longe, a mais plausível, pois as for-
m a s típicas das duas doenças tinham sido diferenciadas havia m u i t o t e m -
1 1 5
po). U m a n o depois, Sellards e G a y m o s t r a r a m que n e m a Leptospira
icterohaemorrhagiae n e m a Leptospira icteroides (ou antes, segundo eles, a
m e s m a bactéria c o m duas denominações diferentes) podem sobreviver o u
ser transmitidas pelo m o s q u i t o Aedes aegypti, demonstração que desqualifica
radicalmente a proposição segundo a qual a Leptospira icteroides seria o
116
agente etiológico da febre a m a r e l a . Apesar das críticas feitas à teoria de
N o g u c h i , esta c o n t i n u o u a prevalecer para os especialistas da F u n d a ç ã o
Rockefeller n o Brasil, pelo m e n o s até 1 9 2 7 . Em 1 9 2 7 , M i c h a e l Connor,
que dirigia o escritório brasileiro da Fundação Rockefeller, perguntando-se
sobre o tempo de conservação do soro antiamarílico de Noguchi, pediu o
envio de u m novo estoque e encomendou a execução de testes sorológicos
117
para detectar a presença do Leptospira icteroides. Os trabalhos de Noguchi
f o r a m definitivamente descartados em 1 9 2 8 , a n o do desenvolvimento de
u m modelo animal da febre amarela. No m e s m o ano, Noguchi morre em
conseqüência dessa doença na África procurando defender seus trabalhos
118
(Stokes, que defendeu a hipótese viral, também morreu de febre a m a r e l a ) .
O episódio Leptospira icteroides, m e s m o que intelectualmente e m b a -
raçoso, não m u d o u muita coisa na condução prática da c a m p a n h a contra
a febre amarela no Brasil. A importância dos testes sorológicos foi m u i t o
relativa, e o soro preventivo de Noguchi não foi utilizado em grande esca-
la. A c a m p a n h a da Fundação Rockefeller a s s e n t o u - s e e x c l u s i v a m e n t e na
eliminação das larvas de Aedes aegypti nas cidades consideradas c o m o "fo-
cos-chave" de febre amarela. Por volta de 1 9 2 7 , a c a m p a n h a deu sinais de
êxito, validando, a s s i m - a p a r e n t e m e n t e - as técnicas de eliminação das
larvas utilizadas pelos especialistas da Fundação Rockefeller, seus m é t o -
dos administrativos e a "teoria dos focos-chave" que serviu c o m o quadro
teórico da c a m p a n h a . E n t r e t a n t o , a l g u n s médicos brasileiros, c o m o S e -
bastião B a r r o s o , ex-diretor do Serviço de Saúde Pública da Bahia, c o n t i -
n u o u a c o n t e s t a r o saber dos especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s . Barroso re-
c u s o u as a f i r m a t i v a s s e g u n d o as q u a i s a febre a m a r e l a j á h a v i a sido
erradicada o u estava a ponto de ser erradicada no Brasil, e sustentou que a
119
doença estava intensamente presente no interior do p a í s . Em u m artigo
publicado em agosto de 1 9 2 6 , ele assinalava o surgimento de vários casos
de febre amarela no norte do Brasil, fato que podia, segundo ele, invalidar
as promessas dos especialistas da Fundação Rockefeller de erradicá-la m u i t o
120
rapidamente. Os especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s foram cobertos de elo-
gios, apesar de terem falhado no c u m p r i m e n t o de sua promessa, ao passo
que seus detratores são ridicularizados e c h a m a d o s de imbecis - aí está,
explica Barroso, "um verdadeiro prodígio de habilidade, de savoir-faire e de
eficiência". Barroso t a m b é m exortou o governo a pensar bem antes de dar
a poderosos estrangeiros permissão para "intervir diretamente nos aspec-
tos mais íntimos da vida nacional: o poder de dar ordens, de ameaçar, de
introduzir m u d a n ç a s , de definir n o r m a s de vida doméstica, de penetrar
121
nos espaços mais secretos dos lares".

U m o u t r o médico brasileiro, M a u r í c i o de Medeiros, descreveu u m a


epidemia de febre amarela em Pirapora, M i n a s Gerais, e estimou que epi-
demias desse tipo eram bem mais freqüentes do que se s u p u n h a . Ele i m -
plorou ao DNSP que desse fim à "política de braços cruzados" em relação às
epidemias que atingem o interior do país, se quisesse prevenir u m a inva-
122
são amarílica dos grandes centros populacionais do país". U m estudante
de medicina da Bahia, Otto Schmidt, a u t o r de u m a tese sobre a febre a m a -
rela na Bahia em 1 9 2 6 , explicou que a doença lá havia chegado em segui-
da a o m o v i m e n t o das t r o p a s legalistas que c o m b a t e r a m a rebelião dos
tenentes (a Coluna Prestes) no interior do Brasil. Ele acrescentou que o fato
revelava a presença permanente dessa doença no interior do país. Schmidt
criticou a falta de interesse testemunhada pela Fundação Rockefeller pelas
pequenas localidades do interior, afirmando: "é d e s u m a n o deixar os m o s -
quitos propagarem a febre amarela nesses lugares, quando é certo que sua
123
eliminação interromperá a doença, o u pelo menos limitará sua e x t e n s ã o " .
Em 1 9 2 8 , Barroso, c o m e n t a n d o as expedições dos especialistas da Funda-
ção Rockefeller na Africa, explicou que a fundação representava o ponto de
vista dos poderes coloniais:

Os trabalhos visam unicamente aos europeus e não se interessam


pelos habitantes da região, permitindo, assim, que o germe da febre
amarela se mantenha indefinidamente, visto que uma profilática in-
completa é ineficaz do ponto de vista da eliminação definitiva do flagelo.
Entretanto, o combate à febre amarela é empreendido até agora unica-
mente nos lugares que são importantes para os dominadores, abando¬
124
nando-se os outros lugares à própria sorte.

Os m é d i c o s b r a s i l e i r o s que r e j e i t a r a m as teorias dos especialistas


n o r t e - a m e r i c a n o s não p r o p u s e r a m alternativas práticas. À sua a f i r m a ç ã o
de que a febre amarela era endêmica em várias localidades do interior do
país n ã o se s e g u i r a m p r o p o s t a s c o n c r e t a s sobre a f o r m a de e l i m i n á - l a .
Além disso, a credibilidade de suas propostas foi diminuída pela constatação
da b a i x í s s i m a eficácia da luta c o n t r a a febre a m a r e l a empreendida pelos
poderes s a n i t á r i o s b r a s i l e i r o s a n t e s da chegada dos especialistas n o r t e -
a m e r i c a n o s . A oposição verbal dos médicos brasileiros c o n t r a s t o u c o m a
tenacidade dos especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s , sua eficiência administra-
tiva e os resultados c o n c r e t o s que g r a n j e a r a m eliminando os m o s q u i t o s
Aedes aegypti das cidades.
No início de 1 9 2 8 , os dirigentes da Fundação Rockefeller p u d e r a m
c o n g r a t u l a r - s e , c o n s t a t a n d o que u m a m i s t u r a adequada de firmeza e di-
plomacia havia vencido a oposição às medidas a n t i m o s q u i t o que eles in-
123
troduziram. Naquele período, eles t i n h a m u m a razão m a i s i m p o r t a n t e
para se a l e g r a r : depois de a l g u m a s dificuldades iniciais, sua campanha
parecia e s t a r c o r o a d a de s u c e s s o - a febre a m a r e l a h a v i a p r a t i c a m e n t e
desaparecido do Brasil. J á em 1 9 2 5 , observava-se u m a queda considerável
do n ú m e r o de Aedes aegypti nas cidades do norte do país e u m a correspon-
dente queda do n ú m e r o de casos de febre a m a r e l a . U m a ligeira elevação
das curvas, observada no início de 1 9 2 6 e atribuída aos m o v i m e n t o s das
126
tropas rebeldes, foi rapidamente c o n t i d a . Em sua m e n s a g e m ao p a r l a -
m e n t o datada do fim de 1 9 2 6 , o presidente Bernardes registrou o fim da
febre a m a r e l a no litoral brasileiro, acrescentando que os serviços da F u n -
127
d a ç ã o Rockefeller d e i x a r i a m de ser necessários no a n o s e g u i n t e . Fred
Soper, u m dos responsáveis pela Fundação Rockefeller no Brasil, t r a n s m i -
tiu a m e s m a esperança ao diretor do DNSP, Clementino Fraga. Em 1 9 2 7 , a
F u n d a ç ã o Rockefeller f e c h o u 6 1 estações de c o n t r o l e dos m o s q u i t o s no
Brasil, deixando apenas q u a t r o delas e m atividade, e reduziu em 9 0 % o
128
o r ç a m e n t o alocado para a luta c o n t r a a febre a m a r e l a . Em algumas ci-
dades, n o Ceará por exemplo, as autoridades municipais p r e s s i o n a r a m a
F u n d a ç ã o Rockefeller a m a n t e r suas estações, confundindo a e l i m i n a ç ã o
das larvas Aedes aegypti c o m a eliminação geral dos m o s q u i t o s pedida pela
129
população. Em 1 9 2 7 , n e n h u m novo caso de febre a m a r e l a foi relatado
d u r a n t e 11 m e s e s . O fim da m i s s ã o da F u n d a ç ã o Rockefeller n o Brasil
parecia tão p r ó x i m o , que em j u n h o Michael Connor pedia a seus superiores
h i e r á r q u i c o s o r i e n t a ç õ e s sobre o destino a ser dado ao e q u i p a m e n t o do
escritório brasileiro da fundação (máquinas de escrever, móveis, l u m i n á r i -
130
as), prevendo que este fecharia em b r e v e . No fim de 1 9 2 7 , Connor a n u n -
ciava q u e se n ã o s u r g i s s e n e n h u m c a s o d u r a n t e a p r i m e i r a m e t a d e de
1 9 2 8 , a erradicação da febre amarela no território brasileiro seria oficial-
m e n t e declarada.

A primeira fase da c a m p a n h a c o n t r a a febre a m a r e l a da Fundação


Rockefeller dirigida por W h i t e ( 1 9 2 3 - 1 9 2 5 ) n ã o teve sucesso total; surgi-
r a m c a s o s e m v á r i o s lugares, e os m o v i m e n t o s das tropas rebeldes n ã o
c o n s t i t u í r a m u m a j u s t i f i c a t i v a suficiente para tal s i t u a ç ã o . E m c o m p e n -
sação, a c a m p a n h a dirigida por Connor entre novembro de 1 9 2 6 e m a r ç o
de 1 9 2 8 apresentou todas as características de u m sucesso: as cidades do
litoral f i c a r a m livres dos Aedes aegypti e n ã o se r e g i s t r a r a m m a i s n o v o s
131
casos de febre a m a r e l a . M a s , na primavera de 1 9 2 8 , u m a epidemia se-
vera atinge o Rio de Janeiro, provando que a febre amarela não havia sido
eliminada do Brasil, e por isso m e s m o pondo em xeque os postulados teóri-
cos que g u i a r a m a c a m p a n h a da Fundação Rockefeller contra esta doença.
Em abril de 1 9 2 8 , u m a j o v e m do estado de Sergipe sucumbe às c o n -
seqüências de u m a doença febril, qualificada c o m o febre amarela em vir-
tude de análises p a t o l ó g i c a s , e s p e c i a l m e n t e o s u r g i m e n t o de m u d a n ç a s
histológicas típicas n o fígado. O diagnóstico foi inicialmente feito n o l o -
cal, depois a m o s t r a s do fígado da paciente foram enviadas ao maior espe-
cialista brasileiro, o Dr. Rocha Lima, do I n s t i t u t o O s w a l d o C r u z , que o
c o n f i r m o u . Connor refutou o veredicto dos patologistas, c o m base em a r -
g u m e n t o s epidemiológicos. Ele explicou que se tratava de u m caso isolado,
proveniente de u m a região onde a febre amarela era desconhecida e onde,
segundo as premissas da teoria do "foco-chave", ela dificilmente poderia
132
ocorrer fora de centros urbanos i n f e c t a d o s . A reação de Connor pode se
explicar por seu desejo de continuar acreditando n o sucesso da c a m p a n h a
133
da Fundação Rockefeller que ele dirigia. Além da dificuldade em r e c o -
nhecer u m fracasso, sua reação refletiu t a m b é m as profundas divergências
que havia entre a maneira de perceber a entidade "febre amarela" dos espe-
cialistas brasileiros e a dos n o r t e - a m e r i c a n o s .
Nos anos 1 9 2 0 , c o e x i s t i r a m no Brasil três visões distintas da febre
a m a r e l a . Para o s especialistas brasileiros, apenas as irrupções epidêmicas
podiam ser controladas, por meio dos métodos desenvolvidos por Oswaldo
Cruz. Eles consideraram a persistência da febre amarela no norte do país
c o m o u m fato estabelecido. O relatório de 1 9 2 7 do DNSP evoca a esperan-
ça de erradicar a febre amarela do Brasil, graças aos esforços da Fundação
Rockefeller, m a s acrescenta que

nem nós, nem a Fundação ficaremos surpresos c o m u m a nova


i r r u p ç ã o nos territórios sob n o s s o controle. [...] A febre a m a r e l a c
endêmica no norte do Brasil. Durante longos períodos ela pode ficar
adormecida fora das cidades, nos locais onde os médicos são raros, mas-
carada e não identificável. O que à distância pode parecer um controle
defeituoso reflete, na verdade, o comportamento endêmico dessa doen-
134
ça e a escassez de médicos no norte do país.

Para os especialistas brasileiros, a febre a m a r e l a era a n t e s de t u d o u m


problema médico complicado que deveria ser estudado por meio de aborda-
gens próprias ao clínico e ao patologista, a saber, u m a c o m p a n h a m e n t o
detalhado dos casos individuais e o a p u r a m e n t o do diagnóstico diferencial
da doença a partir dos sinais clínicos e patológicos. O desenvolvimento,
por Rocha Lima, de u m método eficaz de diagnóstico post mortem da febre
135
a m a r e l a atestava esse interesse pela p a t o l o g i a . Para os especialistas da
Fundação Rockefeller, a febre amarela era, antes de tudo, u m problema -
facilmente solucionável - de saúde pública. Segundo eles, as afirmações
dos especialistas do DNSP de que a doença era impossível de ser erradicada
visava apenas a mascarar o seu fracasso. Munidos de u m quadro conceitual
global, a teoria do foco-chave, e de u m a técnica eficaz, a eliminação das
larvas de Aedes aegypti nas cidades por meio das c a m p a n h a s intensivas e
bem dirigidas, eles estavam prontos a demonstrar a inexatidão das asserções
136
de seus colegas brasileiros. Certos de que conseguiriam rapidamente eli-
m i n a r a febre amarela do Brasil c o m o u m todo, os especialistas da Funda-
ção Rockefeller não se dignaram a efetuar estudos patológicos detalhados
da doença: para que estudar u m a doença condenada a desaparecer a curto
p r a z o ? F i n a l m e n t e , o terceiro p o n t o de v i s t a estava representado pelos
h a b i t a n t e s das regiões atingidas, para q u e m a febre a m a r e l a era apenas
u m a das várias "febres", eventualmente mortais, e o m o s q u i t o Aedes aegypti,
u m inseto a mais entre tantos outros. Além disso, atingindo preferencial-
mente os estrangeiros, ela apresentou até m e s m o a v a n t a g e m de proteger
sua comunidade dos intrusos, donde a resistência das populações às medi-
137
das preconizadas pela Fundação Rockefeller.
Em maio de 1 9 2 8 , a posição de Connor torna-se insustentável. Vários
casos de febre amarela confirmada são registrados no Rio de Janeiro, e em
j u n h o u m a importante epidemia de febre amarela eclode na cidade. Em 1 6
de maio de 1 9 2 8 , u m soldado morre no Hospital Militar Central, vítima de
s i n t o m a s t í p i c o s . Em 2 0 de m a i o , u m o u t r o soldado falece da m e s m a
maneira. No dia 2 2 , o Dr. Barros Barreto, do DNSP, ordena u m a investiga-
ção sanitária. Os primeiros casos de febre amarela f o r a m assinalados na
cidade em 3 1 de m a i o . Eles se m u l t i p l i c a m rapidamente; em meados de
1 3 8
j u n h o , são i n f o r m a d o s 8 2 c a s o s . A Officina S a n i t a r i a P a n - A m e r i c a n a
( o r g a n i z a ç ã o instalada sob os auspícios dos Estados Unidos, sediada em
139
W a s h i n g t o n , DC) pede informações precisas sobre a epidemia. A cidade
foi tomada de surpresa. Clementino Fraga, nomeado em 1 9 2 6 para dirigir
o DNSP, declarava-se então partidário de u m a "higiene agressiva e preven-
140
tiva", promovida por "um corpo disciplinar de sanitaristas". Em u m do-
c u m e n t o sobre a proteção m a r í t i m a anterior à epidemia da febre amarela,
Fraga j u l g a v a que o Rio de Janeiro estava solidamente precavido contra as
epidemias: "Se surgir u m a epidemia, c o m o iremos combatê-la? U m a cidade
c o m serviços sanitários bem organizados não tem razão alguma para temer
u m a epidemia. [...] Os velhos tempos de devastação por epidemias j á passa-
141
ram". O discurso militante de Fraga não encontrou, aparentemente, m u i -
to eco no campo: segundo os especialistas da Fundação Rockefeller, o c o n -
142
trole dos Aedes aegypti no Rio de Janeiro era quase inexistente.
Procurando minimizar o alcance da epidemia, Fraga emprega os meios
"clássicos" para c o m b a t ê - l a , utilizados a n t e r i o r m e n t e por Oswaldo Cruz:
pulverização de inseticidas e i s o l a m e n t o dos doentes. Q u a n d o o n ú m e r o
de mortos diminui, no o u t o n o de 1 9 2 8 , ele se apressa em declarar o fim da
epidemia e recebe os c u m p r i m e n t o s de seus colegas pela rápida eliminação
14
da doença. -' Émile M a r c h o u x , que m a n t e v e relações cordiais c o m seus
colegas brasileiros, escreve a Fraga em setembro de 1 9 2 8 :

Numa cidade grande como o Rio de Janeiro, a proteção não se impro-


visa. O treinamento de pessoal é sempre difícil. Assim, é de se esperar
que se mate o mal pela raiz. O resultado que o Sr. obteve é particular-
mente bom, pois o Sr. conseguiu reduzir consideravelmente o número
de casos. Felicito-o por isso, e faço votos de que o serviço de saúde
disponha também de fundos suficientes para manter um pessoal quali-
ficado que proceda constantemente em todas as cidades do Brasil à caça
ao Stegomyia. O Sr. salvou o país de um desastre econômico, e merece
144
nossa gratidão.

Ludwik R a i c h m a n , diretor do Escritório International de Higiene Pública


da Liga das Nações, t a m b é m escreve a Fraga (dezembro de 1 9 2 8 ) :

Estou muito feliz em saber que as medidas sanitárias que vocês tomaram
foram coroadas de sucesso. Aliás, nunca duvidei disso". Em uma carta a
um jornal argentino, de dezembro de 1928, Fraga certifica que o turismo
145
no Rio não apresenta nenhum perigo. Em seguida ele começa a redação
de uma monografia sobre seu método de eliminação da febre amarela. Os
especialistas da Fundação Rockefeller foram mais céticos. De todo modo, o
número de doentes de febre amarela diminui em setembro e em outubro.
Eles afirmaram que "a diminuição do número de casos [havia] ocorrido
146
antes que as medidas de controle pudessem ter se efetivado".

A monografia de Fraga sobre a eliminação da febre amarela no Rio


de J a n e i r o foi publicada e m d e z e m b r o de 1 9 2 8 n o b o l e t i m da Officina
Sanitaria Pan-Americana. Ela foi largamente difundida, e Fraga é c u m p r i -
147
mentado pela eficácia de suas medidas p r o f i l á t i c a s . Na m e s m a época, o
n ú m e r o de casos de febre amarela no Rio volta a subir. Em 1 9 2 8 , 5 2 casos
são registrados em j u n h o , segundo mês da epidemia; 4 0 casos em j u l h o , 9
em agosto, 1 0 em setembro, 2 em outubro, 6 em novembro e 2 9 em de-
zembro. No início de 1 9 2 9 , esse n ú m e r o sobe rapidamente: 5 4 em janeiro
e 2 4 1 em fevereiro (pico da epidemia). A imprensa brasileira inicia u m a
c a m p a n h a virulenta contra a política do DNSP e de seu diretor, enquanto o
B u r e a u International d'Hygiène e o Office International d'Hygiène Publi-
148
que m a n i f e s t a v a m sua grande p r e o c u p a ç ã o . A febre a m a r e l a torna-se,
e n t ã o , u m a s s u n t o político acalorado; segundo Fred Soper, os diretores
regionais do Serviço de Profilaxia, preocupados em evitar a ira de Fraga,
fizeram pressão sobre os médicos a fim de reduzir o n ú m e r o de casos
diagnosticados e de óbitos atribuídos à febre amarela. Além disso, chegou
aos ouvidos de Soper que q u a n d o da visita do presidente da República,
W a s h i n g t o n Luís, ao Hospital de Isolamento transferiram a maioria dos
casos de febre amarela nele tratados: dos 2 0 casos habitualmente presen-
149
tes, ficaram apenas c i n c o . O Dr. Abt, do Office International d'Hygiène
Publique, pediu a Fraga que apresentasse s e m a n a l m e n t e informações s o -
bre a evolução da doença a todos os países signatários da convenção sani-
1 5 0
tária de 1 9 2 6 . U m a epidemia de febre amarela em u m a cidade portuária
tem repercussões imediatas no t u r i s m o e no comércio internacional. M u i -
tos países vizinhos do Brasil decidem proibir o acesso dos navios brasilei-
ros a seus portos; exasperado c o m essa medida, Fraga sustenta, em u m a
carta enviada ao j o r n a l argentino La Nación, que as quarentenas são medi-
151
das a n a c r ô n i c a s e i n e f i c a z e s .
A volta da epidemia em 1 9 2 9 obrigou Fraga a ampliar de maneira
substancial os recursos destinados à eliminação da febre amarela. As des-
pesas c o m pessoal e e q u i p a m e n t o a u m e n t a r a m rapidamente a partir do
mês de m a r ç o . O DNSP organizou u m "exército de matadores de mosquito"
dirigido por estudantes de medicina. O n ú m e r o de m a t a - m o s q u i t o s foi
quintuplicado - são dois mil em 1 9 2 8 , mais de dez mil em 1 9 2 9 . A título
de comparação, Oswaldo Cruz havia recorrido entre 1 9 0 3 e 1 9 0 7 a apro-
x i m a d a m e n t e mil m a t a - m o s q u i t o s para controlar os insetos, em u m a c i -
1 5 2
dade que tinha a metade da população do Rio em 1 9 2 9 . S u a atividade
b a s e i a - s e na p u l v e r i z a ç ã o de u m a s o l u ç ã o de flit (preparado à b a s e de
píretro pulverizado) para eliminar os m o s q u i t o s adultos, na distribuição
de inseticidas n a s c a i x a s d'água e na u t i l i z a ç ã o de peixes l a r v í v o r o s . A
companhia Standard Oil forneceu b o m b a s de ar comprimido para facilitar
153
as p u l v e r i z a ç õ e s . Esses investimentos m o s t r a r a m - s e eficazes, e a epide-
mia t e r m i n o u no verão de 1 9 2 9 (passou-se de 1 9 0 casos em m a r ç o a 87
casos em abril, 9 e m m a i o , u m caso e m j u n h o , n e n h u m em j u l h o , 2 e m
1 5 4
agosto, e n e n h u m o u t r o até o fim do a n o ) . Os países vizinhos revogam
as medidas de quarentena tomadas c o n t r a os navios e as mercadorias p r o -
155
venientes do B r a s i l .
Fraga é n o v a m e n t e c u m p r i m e n t a d o por seus a m i g o s , que desta vez
insistem n a i m p o r t â n c i a de s u a proeza, obscurecida pelas n u m e r o s a s c r í -
156
ticas dirigidas a sua c a m p a n h a . Émile M a r c h o u x decide enviar-lhe nova
carta de elogios em dezembro de 1 9 2 9 :

Felicito-o pelo sucesso que a cada dia se afirma mais. A febre amarela
desapareceu com u m a rapidez até aqui desconhecida. Oswaldo Cruz
precisou de quatro anos para sanear uma cidade menor; o Sr. saneou
em aproximadamente quatro meses uma cidade duas vezes maior. É
maravilhoso, tanto mais porque chegamos ao verão e a saúde da po-
pulação não está ameaçada. [...] O Sr. se mostrou um organizador de
primeira ordem e u m realizador dos mais ativos. Apresento-lhe meus
157
mais admirativos cumprimentos.

O desaparecimento da febre amarela n ã o pôs fim às polêmicas sobre


a o r i g e m da epidemia. F r a g a esforçou-se para p r o v a r que o g o v e r n o e o
DNSP n ã o podiam ser considerados responsáveis. Não era, a seus olhos, o
c a s o da F u n d a ç ã o Rockefeller. A febre a m a r e l a existia, a n t e s , e m v a s t a s
áreas do Norte. O governo fez u m acordo c o m a Fundação Rockefeller. Ora,
esta m o s t r o u - s e i n c a p a z de a c a b a r c o m a a m e a ç a , i n c l u s i v e n a s z o n a s
158
próximas à capital. A acusação restringiu-se, entretanto, aos d o c u m e n -
tos internos. E m público, Fraga e os especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s c o n t i -
n u a r a m s u a colaboração, importante t a n t o mais porque a opinião pública
apoiava os especialistas da Fundação Rockefeller. A amplitude da epidemia
c o n t r a s t a v a c o m a a u s ê n c i a de c a s o s n a s cidades p o r t u á r i a s do N o r t e ,
onde os Aedes aegypti h a v i a m sido eliminados graças aos esforços dos espe-
cialistas n o r t e - a m e r i c a n o s . A c o m p a r a ç ã o dos dois quadros a u m e n t o u o
prestígio da Fundação Rockefeller, sendo s u a eficácia c o m p a r a d a à inação
159
do DNSP n o Rio de J a n e i r o . Fraga, criticado pela imprensa e pelos políti-
cos da oposição, m a n t e v e e m público relações cordiais c o m os especialis-
t a s da F u n d a ç ã o Rockefeller, p e d i n d o - l h e s s u a o p i n i ã o s o b r e m e d i d a s
a n t i l a r v a r e s eficazes e e x p r i m i n d o seu desejo de a m p l i a r a c o l a b o r a ç ã o
160
entre o DNSP e a f u n d a ç ã o .
A epidemia de febre amarela n o Rio d e m o n s t r o u que os especialistas
n o r t e - a m e r i c a n o s eram capazes de organizar a eliminação dos m o s q u i t o s ,
m a s semeou u m a dúvida sobre o valor de suas hipóteses epidemiológicas
anteriores. Fred Soper, nomeado para a direção do escritório brasileiro da
Fundação Rockefeller em maio de 1 9 3 0 , e que a partir de j u n h o do m e s m o
a n o substitui Connor c o m o inspetor geral do Serviço Cooperativo da Febre
Amarela, resumiu em u m a carta a Russel a nova percepção da epidemiologia
da febre a m a r e l a . Essa doença n u n c a desapareceu do interior do Brasil.
Com o surgimento de casos de febre amarela na primavera de 1 9 2 8 ,

alguns americanos, eu inclusive, começaram então a duvidar da


factibilidade da erradicação da febre amarela do Brasil por meio de méto-
dos de controles conduzidos unicamente nas grandes cidades e nas loca-
lidades em que a doença é visível.

A p a l a v r a - c h a v e dessa frase é "visível". Os especialistas brasileiros


nunca duvidaram do caráter endêmico da febre amarela em grandes zonas
do país, m a s nunca propuseram meios de torná-la visível e, portanto, aces-
sível a u m a intervenção. Os especialistas da Fundação Rockefeller interes-
saram-se acima de tudo pelos aspectos práticos do controle da febre a m a -
rela e, depois de 1 9 2 9 , consideraram sua visualização c o m o u m a condição
prévia para u m a ação sanitária eficaz. Soper propôs dividir o Brasil em três
zonas, diferenciadas conforme a visibilidade da febre amarela: 1) o litoral,
onde a visibilidade da doença é boa em razão da presença de imigrados,
que fornecem "casos-índice", e t a m b é m de médicos, que registram os casos
típicos; 2) a zona de transição do litoral ao sertão (o cerrado), onde a visi-
bilidade da febre amarela é relativamente boa, dados o baixo nível de i m u -
n i z a ç ã o das p o p u l a ç õ e s e a relativa a u s ê n c i a de m a l á r i a ( m u i t a s vezes
confundida c o m a febre amarela) e 3) o próprio sertão, onde a visibilidade
da doença é reduzida, m a s sua prevalência é, p r o v a v e l m e n t e , b a i x a . Na
ausência de u m a ação sanitária específica, as zonas 2 e 3 podiam m a n t e r
a doença indefinidamente em estado endêmico. Tal m a n u t e n ç ã o pode ser
explicada, segundo Soper, seja pelo nível pouco elevado da infecção, que
induz a imunidade n o c o n j u n t o das crianças novas, seja, alternativamen-
te, pela presença de u m vírus de baixa virulência (Kerr, o u t r o especialista
da F u n d a ç ã o Rockefeller, descreveu u m a epidemia de febre a m a r e l a em
S o c o r r o , c o m apenas 1 a 2 % de mortalidade, combinada c o m u m a baixa
161
densidade da p o p u l a ç ã o ) .

Em 1 9 3 0 , a presença da febre amarela no interior do país tornou-se


u m "fato" c o m u m e n t e admitido pelos especialistas da Fundação Rockefeller,
162
que a partir de então pensam nos melhores meios de v e n c ê - l a . Wilbour
Sawyer, m e m b r o da direção da IHD e especialista em febre amarela, visita
o Brasil n o v e r ã o de 1 9 3 0 ; ele r e c o m e n d a que se estenda o c o n t r o l e dos
mosquitos às zonas rurais. Para ele, o meio mais eficaz de sanear o interior
seria criar zonas "limpas" que, u m a vez estabelecidas, n ã o precisariam de
inspeções freqüentes. S a w y e r sublinhou t a m b é m a importância das enquetes
epidemiológicas q u e u t i l i z a r i a m o teste de p r o t e ç ã o dos r a t o s , r e c e n t e -
mente ajustados para revelar a presença de anticorpos contra a febre a m a -
rela (portanto, indiretamente, a presença do agente da doença). Era preciso
considerar u m a futura ampliação do laboratório da Bahia (criado pela F u n -
dação Rockefeller em 1 9 2 8 , originalmente para estudar o Leptospira icteroides
163
de N o g u c h i ) . O plano de pôr em prática a nova abordagem da Fundação
Rockefeller e m P e r n a m b u c o propôs a m p l i a r o c o n t r o l e dos m o s q u i t o s n o
interior deste estado, c o m o objetivo de atingir u m índice de mosquitos infe-
rior a 5%. O c u s t o de tal ampliação deveria ser relativamente modesto, e
poderia ser parcialmente coberto pelos recursos economizados c o m a redu-
164
ção do serviço nas zonas de regressão dos m o s q u i t o s .
Para preparar u m controle eficaz dos m o s q u i t o s , os especialistas da
Fundação Rockefeller precisaram, antes de tudo, do apoio dos poderes p ú -
blicos brasileiros. As negociações c o m e ç a r a m imediatamente após o
surgimento dos primeiros casos de febre amarela n o Rio; elas levam a u m
novo acordo, assinado em 2 5 de j a n e i r o de 1 9 2 9 . Os dirigentes da Funda-
ção Rockefeller conduziram as negociações em posição de c o m a n d o . C o n n o r
explica ao diretor da IHD, Russel, que

se nossa divisão aceitar cooperar com u m programa desse tipo a m -


pliado, eu recomendaria uma base financeira cooperativa, e que nossos
representantes dirijam esse serviço e se ocupem de todas as questões
financeiras e possam empregar, demitir e regulamentar o pessoal local,
165
assim como determinar seus salários.

O n o v o acordo dividiu o Brasil e m dois setores: o S e t o r S u l , a partir do


estado de S ã o Paulo, ficou subordinado ao DNSP; o Setor Norte, à Funda-
ção Rockefeller. Os créditos alocados para a luta contra a febre amarela n o
S e t o r N o r t e d e v i a m ser divididos i g u a l i t a r i a m e n t e e n t r e a F u n d a ç ã o
Rockefeller e o governo brasileiro (o acordo de 1 9 2 3 estipulava que o c o n -
j u n t o das despesas da c a m p a n h a c o n t r a a febre a m a r e l a seria p a g o pela
Fundação Rockefeller). E m dezembro de 1 9 2 9 , a Fundação Rockefeller o b -
t é m o controle das medidas contra a febre amarela em quase todo o terri-
166
tório brasileiro, c o m exceção do estado do Rio de J a n e i r o . Em novembro
de 1 9 3 0 , a "revolução de Getúlio Vargas leva ao poder u m regime populista
e autoritário, favorável à ideologia do "progresso" e à colaboração c o m os
Estados Unidos. Vargas logo se t o r n a aliado fiel dos esforços da Fundação
167
Rockefeller p a r a c o n t r o l a r a febre a m a r e l a n o B r a s i l . U m n o v o acordo
entre o g o v e r n o brasileiro e a Fundação Rockefeller, assinado em dezembro
de 1 9 3 0 (decreto nº 1 9 . 5 4 1 , de 2 9 de dezembro de 1 9 3 0 ) , a m p l i a ainda
m a i s o controle da Fundação Rockefeller. O governo brasileiro c o m p r o m e -
t e u - s e a f i n a n c i a r a m a i o r i a das despesas da c a m p a n h a c o n t r a a febre
a m a r e l a ( a p r o x i m a d a m e n t e 6 0 % e, depois, 8 0 % dos c u s t o s ) . A Fundação
Rockefeller é dispensada das t a x a s sobre o material importado, e m n o m e
dos grandes serviços prestados à nação brasileira. A c a m p a n h a tornou-se,
assim, u m empreendimento majoritariamente financiado pelo dinheiro do
c o n t r i b u i n t e brasileiro.
Os especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s m a n t i v e r a m , e n t r e t a n t o , o c o n -
trole e x c l u s i v o do c o n j u n t o das o p e r a ç õ e s do S e r v i ç o da Febre A m a r e l a
(SFA) e c o n q u i s t a r a m o direito de contratar e demitir seus empregados, de
determinar suas condições de t r a b a l h o e seus salários, infringindo as r e -
gras do serviço público brasileiro, e de agir praticamente livres de qualquer
controle pelos poderes públicos brasileiros. O n o v o Serviço da Febre A m a -
rela é, portanto, u m braço do governo brasileiro dirigido pelos especialistas
n o r t e - a m e r i c a n o s , estatuto híbrido que abriu u m flanco para diversas in-
168
terpretações. A s s i m , o diretor do International Health Board da Funda-
ção Rockefeller, W i l b o u r Sawyer, propõe em 1 9 3 5 que a responsabilidade
pela (futura) c a m p a n h a de vacinação contra a febre amarela seja transferida
do Serviço da Febre Amarela para as autoridades brasileiras, a fim de que
os que se v a l e m dos benefícios sejam t a m b é m responsáveis pelos riscos.
Soper, então, pede a S a w y e r que n ã o esqueça que "nós s o m o s o g o v e r n o
169
brasileiro".
Um q u a d r o legal favorável e o sólido apoio financeiro do g o v e r n o
brasileiro, c o m b i n a d o s c o m o talento administrativo de Fred Lowe Soper,
que dirigia o escritório brasileiro da F u n d a ç ã o Rockefeller desde m a i o de
1 9 3 0 , c o n t r i b u í r a m para a t r a n s f o r m a ç ã o do Serviço da Febre Amarela em
u m a f e r r a m e n t a eficaz. N o v o s d e s e n v o l v i m e n t o s n a s p e s q u i s a s sobre a
febre a m a r e l a e a crescente "domesticação" do vírus, mantido e m cobaias,
a elaboração de modelos experimentais, e mais tarde a atenuação do vírus
e da produção de u m a vacina m u d a r a m a percepção da doença e os meios
de l u t a r c o n t r a ela. A o l o n g o dos a n o s 1 9 3 0 , os t r a b a l h o s dos especia-
l i s t a s n o r t e - a m e r i c a n o s n o B r a s i l , a s s i m c o m o o s de seus c o l a b o r a d o -
res brasileiros, i n t e g r a r a m , de diferentes m a n e i r a s , medidas de v i g i l â n -
cia s a n i t á r i a b a s e a d a s n a c i ê n c i a e medidas de o r d e m a d m i n i s t r a t i v a e
policial. Essa i n t e r a ç ã o entre o l a b o r a t ó r i o e o c a m p o n ã o e s t a v a isenta
de t e n s õ e s , refletidas n a s " h i s t ó r i a s oficiais" da " v i t ó r i a s o b r e a febre
amarela", que privilegiam a l t e r n a t i v a m e n t e o papel do l a b o r a t ó r i o , p a r a
a m a i o r i a deles, o u o do c a m p o . A cooperação entre o "laboratório" e o
"campo" esteve, entretanto, n o cerne de todas as atividades - científicas e
administrativas - cujo objetivo era prevenir e dominar a febre amarela n o
Brasil, e foi a força m o t r i z das inovações introduzidas n o controle da febre
amarela nos a n o s 1 9 3 0 .

Vigilância dos Vírus, dos Mosquitos e das Populações no


Brasil, 1930-1940

A Fundação Rockefeller passou por u m a profunda reorganização e m


1 9 2 7 . Os trabalhos do International Health Board haviam, até então, o c u -
pado o centro das atividades da fundação. A saúde pública passa, a g o r a ,
a o s e g u n d o p l a n o das atividades f i l a n t r ó p i c a s . A f u n d a ç ã o é redefinida
c o m o "um conselho p a r a o a v a n ç o dos c o n h e c i m e n t o s " e o r g a n i z a d a e m
c i n c o divisões: a r t e s , c i ê n c i a s s o c i a i s , c i ê n c i a s da n a t u r e z a ( i n c l u s i v e a
170
biologia), ciências médicas e a Divisão Internacional da S a ú d e . Em 1 9 3 4 ,
o p r o g r a m a da F u n d a ç ã o Rockefeller m o s t r a que o p r o b l e m a c o m u m a
todas as suas atividades é o controle:

as ciências sociais irão focalizar o problema do controle social, en-


quanto que as ciências médicas e biológicas irão propor estudos estrei-
tamente coordenados que permitirão uma compreensão dos indivíduos
e u m controle personalizado. Por exemplo, as ciências sociais desenvol-
verão pesquisas que terão como objetivo a racionalização do compor-
tamento social [...] as ciências médicas e biológicas irão, juntas, exami-
171
nar os problemas psicológicos e psiquiátricos dos indivíduos.

A pesquisa científica ocupa u m espaço privilegiado n o p r o g r a m a de


controle. O relatório da International Health Division (nova d e n o m i n a ç ã o
do International Health Board), redigido e m 1 9 2 9 , traduz a n o v a o r i e n t a -
ç ã o da F u n d a ç ã o Rockefeller. Fazer a saúde pública progredir a t r a v é s do
m u n d o c o n t i n u a u m objetivo maior, m a s , n o futuro, a divisão deverá r e -
duzir seu investimento na construção de instituições de saúde pública nos
países e m que n ã o as h a v i a , e dedicar a m a i o r parte de seus esforços à
172
pesquisa. O t e r m o "pesquisa" podia, entretanto, assumir múltiplas signi-
ficações. U m m e m o r a n d o datado da m e s m a época, emitido pelo Dr. Russel,
diretor da IHD, sublinhou igualmente que não bastava estimular ações c o n -
cretas n a área da saúde pública, m a s era preciso t a m b é m a c u m u l a r infor-
mações sobre a prevalência das doenças infecciosas e os melhores meios de
combatê-las. A prevenção das doenças, explicou, depende de m u i t o s outros
elementos a l é m da organização eficaz das agências g o v e r n a m e n t a i s .

É particularmente importante que as atividades na área da saúde se-


j a m conduzidas segundo os princípios da ciência, e não unicamente
segundo as opiniões dos administradores da saúde. [...] U m dos deveres
principais da IHD deve ser a disposição de inculcar no pessoal u m a
atitude científica, ou seja, o espírito de investigação e o desejo de aperfei-
çoar os conhecimentos.

A l é m disso, explica Russel, a i m p o r t â n c i a da pesquisa é reconhecida até


m e s m o pelo m u n d o dos negócios:

A American Telephone and Telegraph Company (ATT), a maior


corporação de nosso país, não reserva a totalidade de suas energias à
construção de linhas telefônicas e à locação de telefones. U m a parte
considerável de suas despesas é reservada à pesquisa, e mesmo ao estu-
do dos problemas que não têm aplicação imediata. O fato de a IHD, a
maior agência privada do mundo na área da saúde preventiva, não ter
seu próprio departamento de pesquisa, me parece muito eloqüente.
[...1 É importante que u m esforço de pesquisa seja conduzido pela pró-
pria organização. [...] Não é à toa que a American Telephone and
Telegraph Company, a General Electric Company e empresas similares
tentam resolver seus problemas internamente, mesmo que possam de-
173
legar sua solução às universidades e aos organismos de pesquisa.

Duas notas foram anexadas a o m e m o r a n d o do Dr. Russel. U m a , es-


crita pelo epidemiologista Frost, apóia o projeto de a m p l i a r as investiga-
ções e m m a t é r i a de saúde pública, especialmente n o s países desenvolvi-
dos, sublinhando a importância dos estudos de c a m p o para a saúde públi-
ca. S e g u n d o Frost, "um fosso separa o estabelecimento dos princípios de
base do controle de u m a doença transmissível e a i m p l a n t a ç ã o prática de
u m controle desse tipo. Esse fosso só pode ser transposto pelos estudos de
campo". A l é m disso, u m laboratório central de pesquisas corre o risco de se
desviar para a p r o m o ç ã o de estudos que serão de grande interesse para os
pesquisadores f u n d a m e n t a i s , m a s n ã o n e c e s s a r i a m e n t e p a r a os especia¬
listas em saúde pública. Para evitar esse risco, c o n v é m estabelecer logo de
início que todas as iniciativas para empreender novas pesquisas devem vir
do c a m p o , e n ã o do laboratório central. Frost sublinhou que só o c a m p o
pode servir de "laboratório" para certas pesquisas sobre a saúde:

O laboratório natural, na verdade o único laboratório possível para o


acompanhamento epidemiológico das doenças transmissíveis, é a uni-
dade de saúde local, porque tais estudos demandam u m sistema de no-
tificação das doenças, facilidade de realizar visitas a domicílio e uma
maquinaria que torne possível o estudo de populações inteiras e seu
ambiente.

Finalmente, Frost recomenda a realização de enquetes específicas sobre os


174
problemas de administração da s a ú d e . O professor W i n s l o w a v a n ç o u a r -
g u m e n t o s similares: para ele, cada projeto de pesquisa financiado pelo IHD
deve ser avaliado em função de sua contribuição para o progresso dos c o -
n h e c i m e n t o s , m a s , acrescentou, n ã o se deve limitar tal avaliação ao p r o -
gresso apenas dos c o n h e c i m e n t o s científicos; a l g u n s projetos podem, por
175
exemplo, contribuir para o progresso dos conhecimentos administrativos.
O u t r o s especialistas f r i s a r a m a i m p o r t â n c i a das p e s q u i s a s funda-
mentais realizadas em laboratório. U m m e m o r a n d o do professor B u x t o n ,
da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres sublinha que "as o b -
servações de c a m p o são u m a condição preliminar indispensável, m a s s u a
f u n ç ã o é s u s c i t a r p r o b l e m a s que podem ser resolvidos e m l a b o r a t ó r i o " .
"Nossa experiência", acrescentaram os responsáveis pela IHD em u m a das
n o t a s anexadas ao m e m o r a n d o ,

foi semelhante à do professor Buxton. Se uma pesquisa se limita às


investigações de campo, vemo-nos, por vezes, às voltas com a incapa-
cidade de prosseguir em linhas de pesquisa muito promissoras. Pesqui-
sas desse tipo só poderão ser realizadas em nosso próprio laboratório
176
central.

O laboratório central da IHD foi fundado por iniciativa de seu dire-


tor, o Dr. Frederick Russel - sem experiência na área da pesquisa em l a b o -
r a t ó r i o m a s a b e r t o à idéia de desenvolver tais pesquisas -, e m t o r n o de
u m a a b o r d a g e m q u e c o m b i n a v a as investigações de l a b o r a t ó r i o c o m os
estudos de c a m p o . Russel incentivou a abertura de dois laboratórios regio-
nais dedicados aos estudos sobre a febre amarela, u m em Uganda e o u t r o
em Salvador, n o Brasil, e m a i s tarde a do l a b o r a t ó r i o da IHD e m N o v a
York, no c a m p u s do Instituto Rockefeller, voltado principalmente para as
pesquisas sobre o vírus da febre amarela. Em 1 9 3 5 , o diretor do laborató-
rio de Nova York, o Dr. W i l b o u r Sawyer, pesquisador, é nomeado para a
direção da IHD. Essa nomeação evidenciou a importância da pesquisa nas
atividades da divisão. Desde 1 9 2 7, apesar de a IHD haver declarado sua
intenção de desenvolver paralelamente pesquisas de campo e pesquisas em
laboratório, este último ocupou espaço cada vez maior nas orientações da
divisão. O c a m p o continuava, todavia, aos olhos dos pesquisadores, o lu-
gar onde nasciam os problemas a serem resolvidos em laboratório e o es-
paço de aplicação das soluções por eles elaboradas. Ao recomendar o Dr.
S a w y e r para assumir a direção da IHD, o diretor da Fundação Rockefeller,
M a x Masson, explicou que

a função da IHD é o estudo da doença e de seu ambiente. Estudos desse


tipo devem se apoiar em investigações fundamentais centradas nas ques-
tões que surgem em campo. Compreendida desse modo, a pesquisa é
parte integrante dos programas de saúde pública. [...] Os resultados
extraordinários na área da febre amarela não poderiam ter sido obtidos
sem uma prática do controle da doença em campo, tampouco sem
177
estudos de laboratório sugeridos por operações práticas.

Os "resultados extraordinários" a que Masson se refere eram o controle do


vírus em laboratório (o desenvolvimento de modelos animais da doença, a
elaboração de testes que revelam a presença de anticorpos contra o vírus) e a
descrição da febre amarela silvestre, tornada possível por minuciosas obser-
vações epidemiológicas, combinadas c o m testes laboratoriais. Os pesquisa-
dores que trabalharam em campo propuseram acrescentar aos "resultados
extraordinários obtidos na área da febre amarela" u m terceiro elemento,
que, ao contrário dos outros dois, não estava ligado às pesquisas laboratoriais:
178
a elaboração de métodos de controle eficaz do mosquito Aedes aegypti. Ε a
partir de 1 9 3 7 , a produção de u m a vacina contra a febre amarela no labora-
179
tório da IHD em Nova York poderia figurar nessa l i s t a .
A domesticação do vírus da febre amarela começou em 1 9 2 7 c o m o
sucesso da infecção experimental no m a c a c o asiático Macacus rhesus reali-
180
zada por Adrian Stokes, J o h a n n e s Bauer e Paul H u d s o n . A prova de que
a doença h u m a n a e a desenvolvida pelo macaco eram idênticas apoiava-se
na t r a n s m i s s ã o pelo m o s q u i t o Aedes aegypti, na presença da icterícia no
m a c a c o e na similitude das lesões patológicas encontradas nos doentes de
febre amarela falecidos e nos m a c a c o s m o r t o s das conseqüências de u m a
181
doença e x p e r i m e n t a l . O modelo a n i m a l da febre a m a r e l a serviu para
provar, de u m lado, que o agente desta doença era u m vírus filtrável (refu-
tando definitivamente os a r g u m e n t o s em favor da Leptospira icteroides de
Noguchi) e, de outro, que a doença africana era idêntica àquela observada
na América Latina. Em 1 9 3 0 , M a x Theiler, da Escola de Saúde Pública da
Universidade de Harvard, adaptou o vírus da febre amarela em crescimen-
to no cérebro do rato e transmitiu-o de u m rato a outro por u m a injeção
182
intracerebral. Esse modelo animal da febre amarela diferia, é verdade, da
doença h u m a n a , na qual o vírus a t a c a os rins e o fígado, m a s tinha a
v a n t a g e m de t o r n a r m a i s fácil a sobrevivência do vírus em l a b o r a t ó r i o .
Theiler m o s t r o u t a m b é m que o soro de u m a pessoa que havia sobrevivido
a u m ataque de febre a m a r e l a podia neutralizar o vírus transmitido aos
ratos e impedir o desenvolvimento de u m a doença experimental no animal
no qual fora injetado u m vírus virulento. Seus trabalhos abriram c a m i n h o
para a elaboração de u m teste padronizado - o teste de proteção dos ratos
- que revela a presença de anticorpos neutralizantes contra a febre a m a r e -
la em certos indivíduos (método que permite revelar a existência, no m o -
m e n t o o u no passado recente, do vírus da febre amarela em determinada
18
localidade). '
Os modelos animais da febre amarela foram inicialmente vistos c o m o
ferramentas que permitiam estudar o vírus nas condições controladas do
laboratório, mais do que c o m o abordagens suscetíveis de informar os pes-
quisadores sobre a história natural da febre amarela. Até 1 9 3 2 , essa doen-
ça foi considerada c o m o u m a infecção restrita ao h o m e m e t r a n s m i t i d a
exclusivamente pelo Aedes aegypti. Em 1 9 3 2 , u m a epidemia de febre a m a -
rela eclodiu no Espírito S a n t o , no c e n t r o do Brasil. Os especialistas da
Fundação Rockefeller que foram ao local c o n s t a t a r a m a ausência de m o s -
quitos Aedes aegypti, constatação que poderia ter sido atribuída precedente-
mente a u m erro de observação; se a ausência de Aedes aegypti havia sido
confirmada, a doença n ã o poderia ser u m a "verdadeira" febre amarela, a
qual havia sido definida c o m o u m a doença t r a n s m i t i d a exclusivamente
por este inseto. E n t r e t a n t o , em 1 9 3 2 , as enquetes epidemiológicas e as
observações clínicas não eram mais os únicos meios à disposição do pes-
quisador que quisesse verificar a presença da febre amarela em determina-
da localidade. Também era possível fazer u m a injeção de sangue infectado
nos m a c a c o s para provocar u m a doença experimental, e x a m i n a r o fígado
dos doentes falecidos para fazer u m le v a n ta m ent o dos sinais patológicos
típicos e p r o c u r a r , p o r m e i o do teste da p r o t e ç ã o do r a t o , o s eventuais
anticorpos. O laboratório propôs u m leque de meios de c o n f i r m a r a pre-
sença do vírus, e estes meios permitiram atestar que a febre amarela podia
184
ser transmitida por o u t r o s m o s q u i t o s que n ã o o Aedes aegypti. A primeira
publicação sobre a epidemia de "febre amarela rural" do Espírito S a n t o c o n -
siderou que a explicação mais plausível para esta epidemia era a p r o x i m i -
dade de u m foco silencioso de febre a m a r e l a ( h u m a n o ) , que poderia ter
185
servido de fonte de infecção em o u t r o s i n s e t o s . Entretanto, c o m o os c a -
sos de "febre a m a r e l a sem Aedes aegypti" h a v i a m sido, praticamente todos,
observados mais tarde em pessoas em estreito c o n t a t o c o m a floresta t r o -
pical (em famílias que v i v i a m n a borda da floresta, o u e m operários que
h a v i a m trabalhado n a selva), supôs-se que a infecção v i n h a de u m reser-
1 8 6
v a t ó r i o de vírus entre os animais da selva, provavelmente m a c a c o s .
A observação n ã o c a u s o u exatamente surpresa, pois desde 1 9 1 4 pes-
187
quisadores j á a v e n t a v a m essa h i p ó t e s e . Em 1 9 2 8 , a infecção experimen-
tal do m a c a c o e a t r a n s m i s s ã o experimental da febre a m a r e l a por o u t r o s
m o s q u i t o s além do Aedes aegypti c h a m a r a m a atenção de alguns especialis-
tas para a possibilidade de se m a n t e r o vírus da febre amarela e m animais
188
selvagens. E m 1 9 3 0 , o entomologista S h a n n o n quis instalar u m l a b o -
r a t ó r i o n a b a c i a do A m a z o n a s p a r a estudar a eventual t r a n s m i s s ã o da
febre amarela por o u t r o s m o s q u i t o s e a existência de u m reservatório nos
m a c a c o s e m seu ambiente. S h a n o n insistiu n o fato de que o interesse de
seu projeto n ã o era saber se o foco existia potencialmente, m a s sim se ele
r e a l m e n t e e x i s t i a n a A m a z ô n i a . Esses t r a b a l h o s se i n s c r e v i a m n a l i n h a
das pesquisas experimentais de S h a n o n e de Davis, que d e m o n s t r a r a m que
os m a c a c o s b r a s i l e i r o s e r a m sensíveis a o v í r u s da febre a m a r e l a e q u e
várias espécies de m o s q u i t o s da floresta e r a m capazes de t r a n s m i t i - l o e m
189
laboratório. A descrição da febre a m a r e l a silvestre e s t i m u l o u o s t r a b a -
l h o s dos z o ó l o g o s e dos e n t o m o l o g i s t a s ligados à F u n d a ç ã o Rockefeller
que, até m e a d o s dos a n o s 1 9 5 0 , t e n t a r a m , c o m m a i o r o u m e n o r êxito,
determinar o ciclo de vida natural do vírus da febre amarela nos animais e
insetos da selva. Por o u t r o lado, ela a l t e r o u a própria percepção da febre
amarela, que, de doença que atingia exclusivamente o ser h u m a n o , t r a n s -
f o r m o u - s e e m doença própria aos animais da floresta que c o n t a m i n a aci-
dentalmente o ser h u m a n o , e que induziu epidemias apenas por u m a c o -
incidência: a fácil transmissão do vírus por u m m o s q u i t o que vive p r ó x i -
m o a habitações h u m a n a s . Além disso, a convicção de que existia entre os
animais da selva u m reservatório inesgotável do vírus pôs fim a qualquer
esperança de se erradicar a doença do continente a m e r i c a n o .
A descoberta da febre a m a r e l a silvestre foi usada c o m o a r g u m e n t o
pela direção da Fundação Rockefeller para sublinhar a importância da pes-
quisa sobre as doenças para a saúde pública. As investigações sobre o ciclo
n a t u r a l da febre a m a r e l a nos insetos, mamíferos e pássaros f o r a m incen-
t i v a d a s . E n t r e t a n t o , e n t r e 1 9 3 0 e 1 9 4 0 , essas p e s q u i s a s fundamentais
o c u p a r a m posição secundária entre as atividades da Fundação Rockefeller
n o Brasil. Nessa época, os especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s encarregados do
Serviço da Febre Amarela brasileiro t i n h a m total domínio sobre a vigilân-
cia epidemiológica da febre a m a r e l a , p r i n c i p a l m e n t e pela a m p l i a ç ã o da
rede de coleta de a m o s t r a s de tecidos cadavéricos para a análise patológica
(viscerotomia), pela eliminação sistemática dos m o s q u i t o s Aedes aegypti e,
a p a r t i r de 1 9 3 7 , pela p r o d u ç ã o e distribuição da v a c i n a c o n t r a a febre
a m a r e l a - atividades que serão abordadas mais detalhadamente nos capí-
tulos seguintes. Eles detinham, a c i m a de tudo, o domínio do controle das
populações brasileiras, da eliminação das larvas Aedes aegypti e dos t r a b a -
lhadores do S e r v i ç o da Febre A m a r e l a , e n c a r r e g a d o s de s u p e r v i s i o n a r a
eficiência de sua aplicação. Isso s u p u n h a u m q u a d r o legal adequado e a
procura de relações h a r m o n i o s a s c o m o governo brasileiro (no grave c o n -
flito que opôs o g o v e r n o federal ao governo do estado de São Paulo, u m dos
maiores acontecimentos da vida política brasileira dos a n o s 1 9 3 0 , a F u n -
dação Rockefeller posicionou-se firmemente a favor do g o v e r n o federal).

Os especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller c o n s e g u i r a m m a n t e r a o
longo dos a n o s 1 9 3 0 excelentes relações c o m o governo brasileiro. O de-
c r e t o de 2 3 de m a i o de 1 9 3 2 (n° 2 1 . 4 3 4 ) , que l a n ç a as bases legais do
190
serviço cooperativo da febre amarela, foi redigido por e l e s . A confiança
do g o v e r n o Vargas n a capacidade gestora da Fundação Rockefeller foi r e -
forçada pela c o n s t a t a ç ã o de que os custos de funcionamento do Serviço da
Febre A m a r e l a e r a m m e n o s elevados sob g e s t ã o n o r t e - a m e r i c a n a do que
191
sob a gestão do DNSP, e isso prestando serviços mais a b r a n g e n t e s . Toda-
via, as relações entre os pesquisadores norte-americanos e os representan-
tes do g o v e r n o brasileiro f o r a m , p o r vezes, t e m p e s t u o s a s , especialmente
n a s tensões políticas o c o r r i d a s e m 1 9 3 2 (ano da revolta, e m S ã o Paulo,
c o n t r a o regime de Vargas) e ao longo dos anos 1 9 3 6 - 1 9 3 7 , c o m o endu-
recimento do regime de Vargas e o estabelecimento, e m n o v e m b r o de 1 9 3 7 ,
do autoritário Estado Novo, p o n t o c u l m i n a n t e de u m a crise política pro¬
longada. D u r a n t e esses períodos de tensão, a l g u n s nacionalistas brasilei-
r o s q u e s t i o n a r a m a i n t e r v e n ç ã o dos especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s n o s
192
p r o b l e m a s de saúde pública do Brasil, que j u l g a v a m e x c e s s i v a . Não se
tratava, n o entanto, de episódios passageiros. O apoio irrestrito do regime
de Vargas p e r m i t i u à Fundação Rockefeller intervir de m a n e i r a c o n t í n u a
e m condições e x t r e m a m e n t e favoráveis. Os desenvolvimentos a p r e s e n t a -
dos c o m o a s experiências m a i s i m p o r t a n t e s da Fundação Rockefeller n o
Brasil na área da saúde pública, a saber, a eliminação do Aedes aegypti e m
grande parte do território brasileiro, a eliminação do Anopheles gambiae (o
vetor da malária recentemente trazido da Africa) no Norte, a produção e a
distribuição maciça de u m a vacina contra a febre amarela n ã o teriam sido
possíveis s e m o firme apoio do governo brasileiro. A constatação de Soper
segundo a qual "o Dr. Getúlio Vargas é o pai e a mãe do novo Serviço da Febre
193
Amarela" n ã o era de modo algum exagerada.
Soper s u b l i n h o u , c o m o o u t r o s responsáveis n o r t e - a m e r i c a n o s pelo
S e r v i ç o da Febre A m a r e l a o fizeram e m seus escritos, a i m p o r t â n c i a da
194
g e s t ã o e das inovações a d m i n i s t r a t i v a s . Em 1 9 3 5 , Soper a f i r m a v a que
9 5 % de seu t e m p o h a v i a m sido dedicados, até m u i t o recentemente, a tare-
fas a d m i n i s t r a t i v a s ; a m a i o r c o n t r i b u i ç ã o que a fundação pudera dar na
área da saúde pública havia sido, precisamente, de n a t u r e z a administrati-
1 9 5 a
va. Apresentando-se à 9 Conferência Sanitária Pan-Americana (Buenos
Aires, n o v e m b r o de 1 9 3 4 ) , Soper menciona, é verdade, a descrição da febre
a m a r e l a silvestre e o papel dos exames laboratoriais, m a s s u a intervenção
é c e n t r a d a p r i n c i p a l m e n t e n a i m p o r t â n c i a da e l i m i n a ç ã o dos m o s q u i t o s
Aedes aegypti, ú n i c o m e i o de p r e v e n ç ã o das epidemias de febre a m a r e l a .
Segundo ele, a descoberta da febre amarela silvestre e, portanto, da impossí-
vel erradicação continental da febre amarela, n ã o deveria fazer s o m b r a ao
caráter primordial das medidas anti-Aedes aegypti. A luta c o n t r a esse inseto
deveria a s s u m i r dimensão continental e repousar n a extensão dos p r o g r a -
m a s antilarvários a todos os lugares infectados e na c o n t i n u a ç ã o da vigi-
lância sanitária, por m e i o de enquetes epidemiológicas, de análises p a t o l ó -
196
gicas de rotina e de medidas de controle nos portos e nas grandes cidades.
Por v o l t a de 1 9 3 4 , a l u t a c o n t r a o Aedes aegypti g a n h a u m a n o v a
d i m e n s ã o : até e n t ã o , h a v i a se t r a t a d o a p e n a s de r e s t r i n g i r a densidade
deste m o s q u i t o abaixo do limite que permitia a t r a n s m i s s ã o da febre a m a -
rela. Doravante, o que se persegue é a erradicação total desses m o s q u i t o s .
Em 1 9 3 3 , o índice zero foi observado pela primeira vez (ou seja, os especialis¬
tas da Fundação Rockefeller n ã o e n c o n t r a r a m o m e n o r foco larvário nas
regiões v i s i t a d a s ) . Essa o b s e r v a ç ã o pôde ser feita, c o m o S o p e r e x p l i c o u
m a i s tarde, g r a ç a s à exatidão da contabilidade m a n t i d a pelos inspetores
197
do Serviço da Febre A m a r e l a . U m a vez confirmados esses dados, Soper
menciona, primeiro timidamente, e depois c o m mais segurança, a possibi-
lidade de eliminar c o m p l e t a m e n t e os m o s q u i t o s Aedes aegypti. A i n t e n ç ã o
de erradicar o Aedes aegypti s u p l a n t o u a o u t r a , irrealizável, de eliminar o
vírus da febre amarela. As políticas de saúde pública baseadas n a erradicação
do Aedes aegypti a p r e s e n t a v a m , a o s o l h o s de Soper, u m c e r t o n ú m e r o de
v a n t a g e n s : u m a v e z atingido o índice zero, a m a n u t e n ç ã o de u m a z o n a
"limpa" é m u i t o p o u c o dispendiosa, e o fim das inspeções regulares das
198
casas limita as oportunidades de atrito c o m as populações l o c a i s .
E m j a n e i r o de 1 9 4 0 , a Fundação Rockefeller a b a n d o n a oficialmente
sua participação n o Serviço Nacional da Febre Amarela. Os pesquisadores
n o r t e - a m e r i c a n o s c o n t i n u a r a m , e n t r e t a n t o , envolvidos n a p r o d u ç ã o da
v a c i n a a n t i a m a r í l i c a e n a s pesquisas sobre a etiologia da febre a m a r e l a
silvestre. Tais pesquisas c o n t i n u a r a m n o centro da atividade dos pesquisa-
dores q u e t r a b a l h a r a m n o Brasil a t é a d i s s o l u ç ã o da IHD e m 1 9 5 1 . O
a c o m p a n h a m e n t o da eliminação dos Aedes aegypti, a coordenação da v i g i -
lância sanitária através da rede de postos de viscerotomia e a organização
das c a m p a n h a s de v a c i n a ç ã o f o r a m deixadas aos poderes públicos b r a s i -
leiros, a partir de então os únicos responsáveis pelo n o v o Serviço da Febre
199
Amarela. Os métodos de trabalho que h a v i a m sido desenvolvidos pelos
especialistas da Fundação Rockefeller f o r a m , n u m primeiro m o m e n t o , o b -
200
servados estritamente, e depois de m a n e i r a m a i s r e l a x a d a . Os esforços
do Serviço da Febre A m a r e l a brasileiro v o l t a r a m - s e majoritariamente para
a erradicação dos Aedes aegypti; f o r a m coroados de sucesso, c o m o ú l t i m o
foco registrado tendo desaparecido do território brasileiro e m 1 9 5 5 . Essa
erradicação foi oficialmente c o n f i r m a d a pela O r g a n i z a ç ã o Pan-Americana
da Saúde (Opas, filiada à O M S ) e m 1 9 5 8 . Foi, infelizmente, temporária.
Q u a l seria o b a l a n ç o da i n t e r v e n ç ã o da F u n d a ç ã o Rockefeller n o s
esforços de c o n t r o l e da febre a m a r e l a n o Brasil? A m a i o r i a dos r e l a t o s
oficiais da f u n d a ç ã o a p r e s e n t o u essa i n t e r v e n ç ã o c o m o e m b l e m á t i c a do
201
sucesso do método empregado pela I H D . Alguns especialistas da Funda-
ção Rockefeller e x p r i m i r a m , e m particular, opinião claramente m a i s c r í t i -
c a : eles a c h a v a m , c o m efeito, que a o p ç ã o de investir m a c i ç a m e n t e n a
eliminação da febre amarela (ou, para sermos mais precisos, n a prevenção
das epidemias da febre a m a r e l a u r b a n a e n a l i m i t a ç ã o das epidemias de
febre amarela silvestre) n ã o se i m p u n h a necessariamente em u m país c o m
t a n t a s o u t r a s necessidades m a i s u r g e n t e s e m m a t é r i a de saúde pública.
De fato, se observarmos a repartição dos recursos alocados pela IHD para
a América Latina, a grande desproporção entre as s o m a s dirigidas ao B r a -
sil e as destinadas a o u t r o s países, assim c o m o os esforços de controle da
febre a m a r e l a e e m t o r n o de o u t r o s o b j e t i v o s , é p a t e n t e . E n t r e 1 9 1 3 e
1 9 3 9 , a IHD g a s t o u t a n t o dinheiro n o Brasil q u a n t o nos demais países da
A m é r i c a Central e do Sul j u n t o s . Por o u t r o lado, m a i s de dois terços do
o r ç a m e n t o da Fundação Rockefeller n o Brasil f o r a m destinados à luta c o n -
202
tra a febre a m a r e l a .
A n d r e w J . W a r r e n , especialista da Fundação Rockefeller q u e t r a b a -
l h o u n o Brasil nos anos 1 9 3 0 , explicou m a i s tarde que

a febre amarela sufocou o trabalho na área da saúde pública no Brasil,


não apenas absorvendo o conjunto dos recursos materiais e financeiros
e tomando o partido do governo federal nos conflitos com São Paulo,
mas também de u m a maneira mais sutil, levando-nos a deixar nosso
habitual anonimato e permitindo a u m pequeno número de vedetes
desempenhar u m papel primordial durante anos, valendo-se de seus
talentos administrativos. Nós exercemos u m poder autocrático em uma
grande campanha nacional, para a qual os brasileiros fizeram contri-
buições majoritárias em dinheiro e em pessoal.

S e u colega A r t h u r Coggenshall partilhava desse p o n t o de vista. Segundo


ele, o grande problema da c a m p a n h a contra a febre amarela n o Brasil era
o f a t o de ela ter se t o r n a d o u m fim e m si m e s m o , e n ã o ter levado a
203
n e n h u m o u t r o desenvolvimento na área da saúde p ú b l i c a .
Alguns historiadores e sociólogos brasileiros, que se o p u n h a m a u m a
r e p r e s e n t a ç ã o u n i f o r m e m e n t e p o s i t i v a da i n t e r v e n ç ã o da Fundação
Rockefeller n o Brasil, e m i t i r a m opiniões parecidas. Eles renderam h o m e -
n a g e m à eficiência dos especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s , m a s sublinharam
o s efeitos p e r v e r s o s da a ç ã o seletiva da f u n d a ç ã o e l a m e n t a r a m q u e a
c o n t r i b u i ç ã o brasileira (decisiva, quer se trate de dinheiro o u de recursos
h u m a n o s ) às c a m p a n h a s c o n t r a a febre a m a r e l a tivesse sido s i s t e m a t i c a -
m e n t e m i n i m i z a d a e que a e l i m i n a ç ã o da a m e a ç a de epidemias de febre
amarela tivesse tido pouca influência sobre o c o n j u n t o dos graves proble-
204
m a s sanitários do p a í s . Estes ú l t i m o s tendem, n o Brasil, mais do que a
ser resolvidos, a se deslocar. A l g u m a s d o e n ç a s infecciosas, tais c o m o a
varíola e a poliomielite, desapareceram graças a c a m p a n h a s de v a c i n a ç ã o
eficazes; o u t r a s patologias, c o m o a tuberculose o u a malária, c o n t i n u a m
a impor sérios problemas; outras ainda, especialmente o cólera, ressurgiram
após u m longo período de ausência. O recrudescimento de graves problemas
de saúde pública foi f r e q ü e n t e m e n t e atribuído à degradação da s i t u a ç ã o
205
econômica do Brasil e ao crescimento das desigualdades s o c i a i s .
O m o v i m e n t o sanitarista brasileiro do princípio do século enfatizou
a catastrófica situação sanitária do interior do país. A principal linha divi-
sória, c o m o sublinharam alguns promotores do m o v i m e n t o , não era a que
separa o litoral do interior do país, m a s a que passa entre as classes o p u -
lentas e as populações desprovidas. E m sua h o m e n a g e m a Miguel Pereira
(autor da sentença "o Brasil é u m imenso hospital"), pronunciada e m 5 de
m a i o de 1 9 1 8 , Afrânio Peixoto (médico e escritor) explicou que, no Brasil,

raros são os que escapam à doença, muitos têm duas patologias ou


mais. Observei muitas vezes, confuso e alarmado, crianças em nossas
escolas batendo os dentes por causa da malária. [...] Isso não está acon-
tecendo em lugares remotos do Brasil, mas aqui, no Distrito Federal, em
Guaratiba, Jacarepaguá, Tijuca. [..] Não nos iludamos, "o nosso ser-
tão" começa bem perto da Avenida (a Avenida Central era a rua principal
206
do centro do Rio de Janeiro).

Esta última frase tornou-se célebre no Brasil, e sua popularidade a u m e n t a


c o m a extensão da miséria urbana e c o m a oposição entre "centro" e "perife-
207
ria" que acrescentou à dimensão geográfica u m a conotação s o c i a l .
C o m o r e s s u r g i m e n t o do Aedes aegypti - oficialmente erradicado do
Brasil em 1 9 5 5 -, breve n o estado do Pará em 1 9 6 7 e depois, a partir de
1 9 7 3 , de maneira permanente em várias regiões do Brasil, o problema dos
bairros pobres das cidades e a questão do controle dos mosquitos estão em
208
relação d i r e t a . De fato, a causa direta desse ressurgimento está ligada ao
a u m e n t o d r a m á t i c o da incidência da dengue, doença viral s e m e l h a n t e à
febre amarela e transmitida pelo m o s q u i t o Aedes aegypti. A partir dos anos
1 9 8 0 , a dengue t o r n o u - s e u m sério problema de saúde pública n o Brasil,
agravado desde a aparição de u m a variante m a i s grave e o c a s i o n a l m e n t e
209
m o r t a l da doença, a dengue h e m o r r á g i c a . Praticamente ausente do país
n o início dos a n o s 1 9 8 0 , a dengue conheceu desde então u m rápido a u -
m e n t o : 9 6 . 0 0 0 casos f o r a m registrados em 1 9 8 6 , 1 8 . 0 0 0 casos em 1 9 8 7 ,
praticamente n e n h u m em 1 9 8 8 (queda atribuída às c a m p a n h a s c o n t r a os
mosquitos, m a s devida antes de tudo ao ciclo sazonal da doença); seguiu-
se u m a s u b i d a e s p e t a c u l a r : 1 0 . 0 0 0 c a s o s e m 1 9 8 9 , 7 8 . 0 0 0 e m 1 9 9 0 ,
1 8 7 . 0 0 0 e m 1 9 9 1 ; o n ú m e r o de casos v o l t a a b a i x a r consideravelmente
em 1 9 9 2 - 1 9 9 3 , m a s u m n o v o recrudescimento é c o n s t a t a d o m a i s tarde:
1 1 2 . 0 0 0 casos em 1 9 9 4 , 2 5 4 . 0 0 0 e m 1 9 9 5 , 3 6 2 . 0 0 0 e m 1 9 9 6 , 4 8 4 . 0 0 0
2 1 0
em 1 9 9 7 . A dengue concentra-se em regiões b e m específicas, c o m u m a
prevalência particularmente elevada - de até 6% - em a l g u m a s áreas u r b a -
nas. A doença demanda u m a vigilância ampliada, especialmente por c a u -
sa das o n d a s de dengue h e m o r r á g i c a ( f o r m a severa da doença que pode
levar à m o r t e ) . Os autores de u m estudo epidemiológico sobre as doenças
transmissíveis n o Brasil n o s a n o s 1 9 8 0 explicam:

dentre as doenças transmitidas por insetos, a dengue é a que tem mais


elevado potencial de crescimento, porque sua manutenção é assegura-
da pela possibilidade de multiplicação dos mosquitos perto das casas,
que é muito fortemente favorecida pela acumulação de dejetos. O mos-
quito responsável pela transmissão da doença foi eliminado no passado
do conjunto do território brasileiro, mas hoje uma proeza assim não
211
parece mais possível.

U m c o n t r o l e rígido das populações é, c o m efeito, dificilmente concebível


n o Brasil do fim do século X X . Além disso, a eliminação dos Aedes aegypti
dos bairros pobres do Rio de Janeiro, por exemplo, demandaria, provavel-
m e n t e , u m a profunda limpeza das favelas, o p e r a ç ã o que implicaria sua
r e e s t r u t u r a ç ã o , e que ultrapassa o simples quadro das medidas de saúde
pública.
Na falta de controle eficaz da multiplicação dos Aedes aegypti, as ins-
t i t u i ç õ e s s a n i t á r i a s do Estado l i m i t a r a m - s e a o t r a t a m e n t o das p e s s o a s
doentes. A opinião pública e os serviços de saúde, sensibilizados c o m a
primeira grande epidemia de dengue ocorrida em 1 9 8 7 , reagiram c o m menos
energia a u m a epidemia de m a i o r envergadura em 1 9 9 1 : "Essa capacidade
de aprender a conviver c o m riscos parece ser u m a das características da
212
coabitação dos h o m e n s e seus parasitas na nova c o n j u n t u r a " . Nos anos
1 9 2 0 e 1 9 3 0 , a idéia de modernização do Brasil esteve ligada à m e l h o r i a
da higiene e a u m controle mais eficaz dos indivíduos e de seu ambiente.
U m discurso oficial largamente difundido associou a luta c o n t r a as doen-
ças transmissíveis ao o r g u l h o nacional, e colocou a saúde pública n o â m -
b i t o das responsabilidades coletivas. Ε t a m b é m relacionou os esforços de
s a n e a m e n t o do Brasil ao c o n j u n t o de ações destinadas a fazê-lo ingressar
213
na família dos países desenvolvidos. A partir dos a n o s 1 9 8 0 , a saúde é
freqüentemente apresentada no Brasil c o m o u m a responsabilidade indivi-
dual, e a persistência das doenças t r a n s m i s s í v e i s c o m o u m a fatalidade
214
ligada ao s u b d e s e n v o l v i m e n t o . Destacada do c o n t e x t o que presidiu as
grandes c a m p a n h a s s a n i t á r i a s nos a n o s 1 9 3 0 a 1 9 5 0 - a p r o m o ç ã o da
modernidade, do progresso, da c o n s t r u ç ã o da nação e a consolidação dos
laços entre o litoral e o interior do país -, a doença pode ser apresentada
c o m o u m simples acidente biológico, que diz respeito à gestão individual
da saúde. A e l i m i n a ç ã o do Aedes aegypti foi apresentada em m e a d o s do
século X X c o m o u m a das m a i o r e s c o n q u i s t a s das c a m p a n h a s de saúde
pública no Brasil. Em fins do século, o fracasso dos esforços para controlar
esses m o s q u i t o s pertence, segundo a expressão da historiadora brasileira
Maria Alice Ribeiro, à "história sem fim" da saúde pública desse país, na
qual "os problemas surgidos são tratados de maneira m u i t o fragmentária
e não chegam de modo a l g u m a u m a solução definitiva; não são confron-
215
tados, não são eliminados... eles permanecem...".
Em todo o caso, a epidemia da febre amarela do Rio de J a n e i r o de
1 9 2 8 - 1 9 2 9 foi a ú l t i m a epidemia grave desta doença registrada no país.
Casos esporádicos de febre amarela silvestre e, ocasionalmente, epidemias
de alcance restrito o c o r r e r a m , m a s a difusão da febre amarela originária
216
da selva pôde ser s i s t e m a t i c a m e n t e c o n t r o l a d a g r a ç a s à v a c i n a ç ã o . "A
vitória sobre a febre amarela" pode ser vista c o m o a utilização inadequada
de recursos raros, c o m o u m a empresa que deu prioridade às necessidades
dos estrangeiros que c h e g a v a m ao país e neglicenciou os problemas ur-
gentes dos habitantes locais, ou c o m o u m a c a m p a n h a iniciada para p r o -
mover a c o n s t r u ç ã o de infra-estruturas de saúde pública no Brasil e que,
finalmente, deu modesta c o n t r i b u i ç ã o nesta área. Essa c a m p a n h a , t o d a -
via, levou a u m sucesso indiscutível: desde 1 9 3 0 , os moradores das cida-
des brasileiras deixaram de viver no temor das epidemias de febre amarela,
e esta doença deixou de ser vista c o m o u m a ameaça ao turismo e ao c o -
mércio. Para compreender as razões de tal êxito, c o n v é m e x a m i n a r dois
elementos: as modalidades de visualização da entidade "febre amarela" e
de sua integração nas paisagens físicas e h u m a n a s de u m lado e, de outro,
as técnicas utilizadas para controlar os agentes etiológicos da febre a m a -
rela e os o r g a n i s m o s (mosquitos e h u m a n o s ) que os a b r i g a m e possibili-
t a m sua m u l t i p l i c a ç ã o .
Notas

1
A história da Fundação Rockefeller é relatada em duas obras em inglês: FOSDICK, R.
B. The Story of the Rockefeller Foundation, New Brunswick, NJ: Transaction Publishers,
1 9 8 9 ( 1 9 5 2 ) e SHAPLEN, R. Towards the Well Being of the Mankind: fifty years of the
Rockefeller Foundation. New York: Doubleday and Company, 1 9 6 4 . É também relatada
em um livro em francês de Jean-François Pickard, La Fondation Rockefeller et la Recherche
Médicale. Paris: PUF, 1 9 9 9 .
2
FOSDICK, R. B. The Story of the Rockefeller Foundation, op. cit., p. 15.
3
Idem, p.13. Os filantropos da Fundação Rockefeller decidiram eliminar todas as taras
nocivas ao desenvolvimento do modelo de empresa norte-americano.
4
ETLING, J . The Germ of Laziness: Rockefeller philantropy and public health in the New
South. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1 9 8 1 .
5
Texto de J o h n Ferrei, responsável pela campanha contra a ancilostomíase em Caroli-
na do Norte, de 1 9 1 2 , citado por J o h n Etling, The Germ of Laziness, op. cit.
6
Programa da festa da comunidade em Leila, Geórgia, 1 9 1 4 , reproduzido em J o h n
Etling, The Germ of Laziness, op. cit., p.217.
7
Limpando, limpando, até cair de cansaço/ Lavando, raspando, esfregando, pintando/
Veja, estamos limpando, sabe o que isto significa?/Uma oportunidade! Um modelo de
comunidade! Citado por J . Ettling, The Germ of Laziness, op. cit., p . 2 1 .
8
Resolução da Fondation International Health C o m i s s i o n , 1 9 1 4 , Archives de la
Fondation Rockefeller (RFA), Tarrytown, NY.
9
A política da Fundação Rockefeller na América Latina foi analisada por Marcos Cueto
em Visions of science and development: the Rockefeller Fondation Latin-American
surveys o f the 1 9 2 0 ' s , em CUETO, M. Missionaries of Science: the Rockefeller Fondation
and Latin America. Bloomington: Indiana University Press, 1 9 4 4 , p. 1-22.
10
CUETO, M. Introduction. In: CUETO, M. (Ed.) Missionaries of Science, op. cit., p.ix-xx.
II
GORGAS, W. Sanitation of the tropics with specific reference to malaria and yellow
fever. The Journal of American Medical Association, 5 2 ( 1 4 ) : 1 . 0 7 5 - 1 . 0 7 7 , 1 9 0 9 .
12
WICKLIFFE, Ross, Memorando n° 7 8 4 , datado de 14 de outubro de 1 9 1 4 (mas, segun-
do Sawyer, escrito em agosto do m e s m o ano), citado por Wilbour A. Sawyer, A
history of the activity of the Rockefeller fondation in the investigation and control of
yellow fever. The American Journal of Tropical Medicine, 1 7 : 3 5 - 5 0 , 1 9 3 7 .
13
ROSS, W. Memorando n° 7 4 8 , op. cit.
14
W. Ross menciona em seu memorando a eventualidade de que a febre amarela infecte
crianças, mas estando convencido de que apenas as grandes cidades abrigam "focos-
chave", ele provavelmente considerou tal possibilidade como uma ocorrência de ca-
ráter excepcional.
15
Carta de Hugh Clifford, governador da Cote d'Or, ao secretário de Estado, datada de
4 de agosto de 1 9 1 3 . Wellcome Archives, dossiê Ronald Ross, G C / 5 9 / A 1 , documentos
da subcomissão da febre amarela. A importância dada aos casos pouco virulentos
pode explicar a preocupação dos pesquisadores ingleses com o diagnóstico diferencial
da febre amarela, particularmente difícil nos casos "atípicos".
16
CARTER, Η. A. The mecanism o f the spontaneus elimination of yellow fever from
endemic centers. American Journal of Tropical Medicine, 1 3 : 2 9 9 - 3 1 1 , 1 9 2 0 , à página 3 0 1 .
17
CONNOR, Μ. Ε. & MONROE, W. Μ. Stegomyia indices and their value in yellow fever
control. American Journal of Tropical Medicine, 3 : 9 - 1 1 , 1 9 2 3 , à página 9.
18
Aristides Agramonte afirmou, por exemplo, em 1 9 2 4 , que só a endemicidade da febre
amarela pode explicar sua súbita aparição em lugares aparentemente isentos desta
doença. Cf. AGRAMONTE, A. S o m e observations upon yellow fever prophylaxis.
Journal of Tropical Medicine and Hygiene, 2 7 : 2 8 5 - 2 8 7 , 1 9 2 4 .
19
CARTER, H. R. The mechanism o f the spontaneus elimination o f yellow fever from
endemic centers, op. cit. Poderíamos dizer, hoje, que o raciocínio de Carter e seus
colegas era u m caso típico de "erro de segunda espécie", ou seja, u m raciocínio correto
baseado em dados incorretos; seu raciocínio epidemiológico fundou-se, efetivamente,
em u m a definição da "febre amarela" que inclui apenas os "casos típicos" da doença,
não levando em conta os muitos casos que hoje teriam sido definidos c o m o "febre
amarela". Essa inclusão seletiva permitiu afirmar que a doença havia desaparecido
de uma dada região e avaliar os parâmetros que estavam na origem de tal "desapa-
recimento".
20
Fundação Rockefeller, Declaração das orientações políticas da Fundação. Annual Report,
1 9 2 5 (New York, 1 9 2 6 ) .
21
Entre 1 9 1 3 e 1 9 4 0 , a Fundação Rockefeller gastou aproximadamente 13 milhões de
dólares na América Latina para o conjunto de suas atividades, ou seja, a luta contra
as doenças transmissíveis, as bolsas de estudo concedidas a médicos e pesquisadores
latino-americanos, assim c o m o o desenvolvimento de escolas de saúde pública e
escolas de enfermagem. Quase metade dessa soma foi destinada à luta contra a febre
amarela. CUETO, M. Introduction, op. cit., p.xi.
22
STANLEY, W. M. Progress in the conquest of virus diseases. Science, 1 0 1 : 1 8 5 - 1 8 8 1 9 4 5 , .
23
Guiteras é o médico cubano que tentou, em 1 9 0 1 , repetir as experiências da missão
Ross em Havana.
24
SAWYER, W. A. A h i s t o r y o f the a c t i v i t y o f the Rockefeller Foundation in the
investigation and control o f yellow fever, op. cit
25
U m dos especialistas da Fundação Rockefeller, Victor Heiser, publicou nos anos 1 9 3 0
u m livro em que ele descreve seus trabalhos realizados em 4 5 países, ilustrando-os
abundantemente com histórias e detalhes de "cor local". Cf. HEISER, V. G. An American
Doctor's Odyssey: adventures in forty-five countries. New York, 1 9 3 6 . O livro tornou-se um
best-seller.
26
CUETO, Μ. Sanitation from above: yellow fever and foreign intervention in Peru,
1 9 1 0 - 1 9 2 2 . Hispanic American Historical Review, 7 2 : 1 - 2 2 , 1 9 2 2 .
2 7
Vergonha, vergonha aos que dia após dia c o m b a t e r a m / O saber que a ciência adqui-
riu a u m preço tão a l t o / Eles não mexeram u m dedo para salvar u m a vida/ Apenas
puseram lenha na fogueira do conflito/ Agora a batalha está ganha, e o gringo/ Vai
voltar ao país de onde veio. Idem, p. 16.
28
SOLOZARNO, A. The Rockefeller Foundation in Revolutionary Mexico: yellow fever
in Yucatan and Veracruz. In: CUETO, M. (Ed.) Missionaries of Science, op. cit., p . 5 2 - 7 1 .
A campanha contra a ancilostomíase no México teve resultados menores. BIRN, Α-E.
& SOLOZARNO, A. The hook of hookworm: public health and the politics o f eradication
in Mexico. In: CUNNINGHAM, A. & BRIDIE, A. Western Medicine as Conteste Knowledge.
Manchester: Manchester University Press, 1 9 9 7 , p. 1 4 7 .
29
GORGAS, W. C. et al. General report: the Yellow Fever Division o f Brazil, 1 9 1 7 , RAC,
Record Group (RG) 5, série 2 ; caixa 6 4 .
33
WILLIAMS, S. C. Nationalism and public health: the convergence o f Rockefeller
Foundation technique and Brazilian federal a u t h o r i t y during the time o f yellow
fever. In: CUETO, M. (Ed.) Missionaries of Science, op. cit., p . 2 3 - 5 1 . Dr. Theóphilo Torres,
"Histoire de la Santé Publique au Brésil", Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz (Acoc),
Rio de Janeiro, documento RF 1 4 . 0 4 . 0 0 . Os documentos relativos ao trabalho da
Fundação Rockefeller no Brasil estão conservados no Arquivo da Casa de Oswaldo
Cruz (Acoc) e no Arquivo da Fundação Rockefeller (RFA), em Tarrytown, Nova York.
Os documentos que estão no Rio de Janeiro são, em geral, cópias, mas dada a classi-
ficação diferente dos fundos nos dois centros e a dificuldade de estabelecer paralelos
entre as duas classificações, as fontes utilizadas neste trabalho são sempre citadas
com os códigos dos arquivos em que foram consultadas.
31
Artigo publicado no jornal O Imparcial, Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1 9 1 6 , Acoc,
documento RF 1 6 . 1 2 . 0 8 . Um artigo do Dr. Carlos Seidl publicado no Correio da Manhã
de 2 4 de outubro de 1 9 1 6 , diz que Barbosa "está exagerando".
32
Carta do pastor H. C. Tucker, agente geral da Sociedade Bíblica Americana do Brasil,
endereçada a Wickliffe Rose, datada de 7 de agosto de 1 9 1 8 , RAC, Important Memoranda
and International Reports of IHB, Issued Between July, 1916 and December 1919, vol.3.
33
Carta de Smillie a Rose, de 19 de dezembro de 1 9 1 8 , citada no volume Important
Memoranda and International Reports of IHB, Issued Between July, 1916 and December
1919, vol. 3, RAC; carta de Darling a Rose de 2 3 de janeiro de 1 9 1 8 , RAC, Record Group
(RG), 1.1, série 3 0 5 , caixa 17, dossiê 1 5 1 - b .
34
W. Rose, memorando de 2 5 de outubro de 1 9 2 0 , RAC, RG 5, série 2, caixa 2 5 , dossiê 1 5 3 .
35
Idem. Rose, seguindo fielmente o exemplo da imigração nos Estados Unidos no século
XIX, opõe os imigrantes europeus brancos (italianos, alemães, austríacos, poloneses)
às raças "escuras", índios e negros, raças sem virilidade, gosto pelo trabalho e aptidões
para virem a ser verdadeiros pioneiros. Parece haver um problema com a classificação
dos japoneses, "embranquecidos" em sua descrição e associados às "raças viris". Henry
Carter partilha a convicção de que os povos da América Latina não têm virilidade, mas
afirma que "do que pude observar em 1 9 1 6 , os brasileiros são mais viris do que outros
latino-americanos com os quais tive oportunidade de trabalhar". Carta de Carter a
Russel, de 11 de outubro de 1 9 9 2 3 , RAC, RG5, série 1, caixa 73, dossiê 1.037.
36
Carta de J o h n B. Chevalier (da Standard Oil) a Wickliff Rose, de 13 de j u n h o de 1 9 1 6 ,
Acoc, documento RF 1 6 . 0 6 . 1 3 .
37
LABRA, Μ. Ε. O Movimento Sanitarista nos Anos 20: da conexão sanitarista internacional à
especialização em saúde pública no Brasil, 1 9 8 5 . Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro:
Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas; FARIA, L. R.
de. A Fase Pioneira da Reforma Sanitária no Brasil: a atuação da Fundação Rockefeller,
1915-1930, 1 9 9 4 . Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Instituto de Medicina
Social da Uerj; LIMA, Ν. T. Um Sertão Chamado Brasil: intelectuais, sertanejos e imaginação
social, 1 9 9 7 . Rio de Janeiro, Tese de Doutorado: Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro; HOCHMAN, G. A Era do Saneamento: as bases da política de saúde pública
no Brasil, 1 9 9 6 . Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro.
38
Notas de Hackett (para a preparação de um livro sobre a história da International
Health Division), RAC, R.G. 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 3, dossiê 1 9 .
39
FOSDICK, R. B. The History of the Rockefeller Foundation, op. cit.
40
CUETO M. Introduction. In: CUETO, M. Cueto (Ed.) Missionaries of Science, op. cit.,
tabela à página xi.
41
HACKETT, L. W. Once upon a time: presidential address. The American Journal of
Tropical Disease and Hygiene, 9 ( 2 ) : 1 0 5 - 1 1 5 , 1 9 6 0 ; BIRN A.-E. & SOLOZARNO, A. The
Hook of Hookworm: public health and the politcs of eradication in Mexico, op. cit.
42
Relatório sobre o trabalho da Fundação Rockefeller no Brasil em 1 9 2 2 , Acoc, docu-
mento RF 2 2 . 0 5 . 0 5 .
43
Os woobly eram m e m b r o s de u m sindicato anarquista de trabalhadores, ativo nos
Estados Unidos no fim do século XIX e início do X X . Foram acusados de preguiçosos
por causa de suas reivindicações consideradas excessivas, especialmente a semana de
trabalho de 4 0 horas.
44
NASH, R. F. Vender a saúde pública no Brasil. American Brazilian, 4 ( 5 ) , n° 1 2 3 , de 4 de
março de 1 9 2 2 , série 2 , caixa 2 3 , dossiê 1 3 7 .
45
A política de gestão dos excrementos nas Filipinas pelos especialistas da Fundação
Rockefeller foi descrita por Warwick Anderson em Excremental colonialism: public
health and the poetics of pollution. Critical Inquiry, 2 1 : 6 4 0 - 6 6 9 , 1 9 5 5 .
46
Relatório sobre o trabalho da Fundação Rockefeller no Brasil em 1 9 2 2 , Acoc, docu-
mento RF 2 2 . 0 5 . 0 5 .
4 7
Relatório sobre o trabalho da Fundação Rockefeller no Brasil em 1 9 2 3 , Acoc, docu-
mento 2 3 . 2 0 . 0 0 .
48
Relatório sobre o trabalho da Fundação Rockefeller no Brasil em 1 9 2 2 , op. cit.
49
CASTRO-SANTOS, L. A. de. A Fundação Rockefeller e o Estado nacional. Revista Bra-
sileira de Estudos da População, 6(1):105-110, 1989.
50
WILLIAM, S. C. N a t i o n a l i s m and public health: the convergence o f Rockefeller
Foundation techniques and Brazilian federal authority during the time o f yellow
fever. In: CUETO, M. (Ed.) op. cit., p . 2 3 - 5 1 .
51
Os trabalhos desse congresso foram estudados por André de Faria Pereira Neto.
Palavras, Intenções e Gestos: os interesses profissionais da elite médica, Congresso Nacional dos
Práticos, 1922, 1 9 9 7 . Rio de Janeiro: Tese de Doutorado, Instituto de Medicina Social,
Uerj.
52
Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Nacional dos Practicos, Rio de Janeiro, Publicações
Científicas, 1923, citado por PEREIRA NETO, A. de F. Palavras, Intenções e Gestos..., op. cit.,
p . 7 9 - 8 6 , à página 2 9 1 .
53
LUZ, Μ . Τ. A saúde pública e os congressos da sociedade brasileira de higiene In: LUZ,
Μ. T. Medicina e Ordem Política Brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1 9 8 2 , p . 1 7 3 - 1 8 8 .
54
CHAGAS, C. Discurso inaugural, pronunciado na primeira reunião da Sociedade
Brasileira de Higiene em 1 de janeiro de 1 9 2 3 . Archives Brasileiros de Medicina, Rio de
Janeiro, 1 9 2 3 .
55
PAULA SOUZA, G. O estado de São Paulo e alguns de seus serviços de saúde pública,
atas do Congresso Brasileiro de Higiene, Archives Brasileiros de Medicina, Rio de Janeiro,
1 9 2 3 , p. 4 5 . Paula Souza foi, nos anos 1 9 1 8 - 1 9 2 0 , bolsista da Fundação Rockefeller na
Escola de Saúde Pública da Universidade J o h n s Hopkins; a partir de 1 9 2 2 ele dirigiu o
Instituto de Higiene de São Paulo, fundado pela Fundação Rockefeller. VASCONCELLOS
M. da P. (Coord.) Memórias da Saúde Pública: a fotografia como testemunha. São Paulo,
Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco, 1 9 9 5 , p . 5 9 .
56
MEDEIROS, A. Discurso inaugural, Congresso de Higiene, 2 , Belo Horizonte (Minas
Gerais), 1 9 2 4 , reproduzido em Archives Brasileiros de Medicina, Rio de Janeiro, 1 9 2 4 .
Sobre a especificidade da eugenia brasileira que adaptou as idéias de Lamarck e
insistiu n o papel do saneamento na melhoria da raça, ver STEFAN, Ν. The Hour of
Eugenics, op. cit.
57 o
FONTENELLE, J . P. discurso no 3 Congresso de Higiene, São Paulo, 1 9 2 6 , reproduzido
em Archivos Brasileiros de Medicina, Rio de Janeiro, 1 9 2 6 , p . 9 3 5 . U m a nota menos
triunfalista veio a público no último congresso, realizado em Recife em outubro de
1 9 2 9 . LUZ, Μ. Τ. A saúde pública e os congressos da Sociedade Brasileira de Higiene,
op. cit., p . 1 8 3 - 1 8 4 .
58
Lobato tentou, por três anos, dirigir u m a plantação de café, experiência que o levou
a desprezar o operário agrícola que responde, invariavelmente: "Isso não vale a
pena". Cf. SKIDMORE, Τ. E. Black Into White, op. cit., p . 1 8 1 . Sobre u m a visão mais
recente dos habitantes do interior como preguiçosos e pouco interessados em melho-
rar sua condição, ver SHEPER HUGHES, N. Death Without Weeping: the violence of every
day in Brasil. Berkeley, Los Angeles: California University Press, 1 9 9 2 , p . 6 2 - 6 3 .
59
Citado por Eduardo Vilela Theilen e Ricardo Augusto dos Santos em Monteiro Lobato
e a fotografia como diagnóstico. Cadernos da Casa de Oswaldo Cruz, 1 ( 1 ) : 4 4 - 5 0 , 1 9 8 9 .
60
LOBATO, M., artigo publicado no j o r n a l O Estado de São Paulo em 1 9 1 8 , citado em
Science Heading for the Backwoods, op. cit., p . 8 - 9 .
61
LOBATO, M. Problema Vital, 1 9 1 8 , citado por LIMA, Ν. T. & HOCHMAN, G. Condenado
pela Raça, Absolvido pela Medicina, op. cit., p . 2 3 . O livro de Monteiro Lobato, Problema
Vital, que reúne seus artigos publicados em O Estado de São Paulo, foi editado pela Üga
Pró-Saneamento e pela Sociedade Eugênica de S ã o Paulo.
62
LOBATO, M. Urupês, São Paulo: Brasiliense, 1 9 5 7 ( 1 9 1 8 ) .
63
Maria Alice Rosa Ribeiro sublinha a importância da vigilância de si m e s m o e dos
outros no "Jeca ressuscitado" (ou melhor, Jeca reconstruído). Cf. RIBEIRO, M. A. R.
História Sem Fim..: inventário da saúde pública, São Paulo, 1880-1930. São Paulo: Editora
Unesp, 1 9 9 3 , p . 2 1 1 - 2 1 3 .
64
UMA, Ν. T. & HOCHMAN, G. Condenado pela Raça, Absolvido pela Medicina, op. cit., p . 3 2 ;
UMA, Ν. Τ. U msertãoChamado Brasil, op. cit., p . 1 7 2 - 1 7 8 . O novo Jeca Tatu parece saído
diretamente das páginas de u m a brochura de propaganda da Fundação Rockefeller
sobre a importância da luta contra a ancilostomíase. A Fundação Rockefeller come-
çou sua atividade contra a ancilostomíase no estado de São Paulo em 1 9 1 8 , e Lobato,
u m a das personalidades mais em evidência na cidade de São Paulo, poderia estar a par
de suas atividades, mas não faz referência a tal eventualidade.
65
Entre 1 9 1 6 e 1 9 1 8 , o International Health Board (IHB) gastou anualmente 5 . 5 0 0 . 0 0 0
contos no Brasil, soma que passou a 8 . 0 0 0 . 0 0 0 c o n t o s / a n o entre 1 9 1 9 e 1 9 2 0 , e
atingiu 2 4 . 8 5 0 . 0 0 0 contos em 1 9 2 1 e 2 9 5 . 0 0 0 contos em 1 9 2 2 , Acoc, documento RF
16.20.00.
66
Carta de Paula Souza a Rose, de 3 0 de dezembro de 1 9 2 0 , RAC, RG, 1.1, série 3 0 5 , caixa
1 9 , dossiê 1 5 4 .
67
Instituto de Higiene, relatório de 1 9 2 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 4 ;
Relatório de Paula Souza na direção da Fundação Rockefeller datado de 1 9 2 2 , RAC, RG
5, série 2 , caixa 2 5 , dossiê 1 5 3 ; Relatório anual de atividades do Instituto de Higiene de
1 9 2 4 , RAC, RG 1.1, série 3 0 3 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 4 .
68
Extraído do j o r n a l O Estado de São Paulo de 2 4 de dezembro de 1 9 2 4 , RAC, RG 1.1, série
3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 3 .
69
Carta de J o s é Manoel Loby, subdiretor da Secretaria do Interior do Estado de São
Paulo, ao Dr. C. K. Strode, do IHB, de 3 0 de dezembro de 1 9 2 4 . Ela confirma que o
Instituto de Higiene tornara-se u m a instituição autônoma, inteiramente financiada
pelo estado de São Paulo, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 3 . A política oficial
da Fundação Rockefeller incentivou a passagem gradual da instituição e das estrutu-
ras iniciadas pela fundação à tutela dos países nos quais elas funcionam.
70
Carta de C. K. Strode a Russel, de 2 4 de dezembro de 1 9 2 4 , RAC. RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
19, dossiê 1 5 3 . Carta de José Manoel Loby a C. K. Strode, de 3 0 de dezembro de 1 9 2 4 ,
que reconhece o Instituto de Higiene de São Paulo como instituição autônoma finan-
ciada pelo governo do estado de São Paulo a partir de 1 de janeiro de 1 9 2 5 , RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 3 .
A reorganização do instituto permitiu a introdução de u m a divisão de trabalho
diferente; em 1 9 2 5 , Paula Souza anotou com satisfação que alguns departamentos do
Instituto de Higiene iriam funcionar em tempo integral - "mais uma vitória das idéias
norte-americanas". Paula Souza a Russel, 19 de j u n h o de 1 9 2 5 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 1 9 , dossiê 1 5 3 . Paralelamente, o instituto substituiu a contratação permanente
de seus empregados por contratos de duração definida.
Relatório anual sobre o trabalho da IHD, 1 9 2 8 , p.5-6, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 ,
dossiê 1 5 4 . Em 1 9 2 8 , o estado de São Paulo destinou u m orçamento de 2 . 3 0 0 . 0 0 0
dólares ao Instituto de Higiene; a Fundação Rockefeller contribuiu com o montante de
1 . 5 0 0 . 0 0 0 dólares para a construção do novo prédio. Em novembro de 1 9 2 8 , os
responsáveis pelos serviços de saúde no estado de São Paulo tentaram subordinar o
instituto ao Serviço Sanitário do estado e transferir os laboratórios para o Instituto
B u t a n t ã , m a s o governo do estado de São Paulo prometeu, mais tarde, que n ã o
modificaria o estatuto do Instituto de Higiene sem a prévia aprovação da Fundação
Rockefeller.
Paula Souza a Russel, 1 6 de abril de 1 9 1 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 3 .
Instituto de Higiene, relatório de 1 9 2 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 4 .
Paula Souza ao Dr. Allan Gregg, 2 6 de outubro de 1 9 2 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
1 9 , dossiê 1 5 2 .
Paula Souza a Wickliffe Rose, 3 0 de dezembro de 1 9 2 0 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
1 9 , dossiê 1 5 4 .
Relatório de Paula Souza (escrito em 1 9 2 2 , sem data precisa), RAC, RG 5, série 2 , caixa
2 5 , dossiê 1 5 4 . O representante das máquinas Hollerith fez, segundo Paulo Souza,
elogios à "nossa unidade de produção" [our plant].
Relatório anual do Instituto de Higiene de 1 9 2 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê
1 5 4 . G. Paula Souza publicou u m artigo, A rapid simple method o f making charts, no
American Journal of Public Health (setembro de 1 9 2 2 , vol. 1 2 , n ° 9 ) .
Paula Souza a Wickliffe Rose, 3 0 de dezembro de 1 9 2 0 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
1 9 , dossiê 1 5 4 .
Relatório anual, Instituto de Higiene, 1 9 2 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 19, dossiê 1 5 4 .
Paula Souza a Russel, 1 6 de j u n h o de 1 9 3 1 . RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 3 .
O Instituto de Higiene sofreu oposição das elites de São Paulo no novo regime. Em
1 9 3 1 , Paula Souza sublinha a instabilidade da situação política; sua confiança no
novo regime é muito restrita e ele se queixa da constante mudança das regras do j o g o .
Paula Souza a Russel, 1 7 de dezembro e 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê
153.
Paula Souza a Russel, 2 2 de abril de 1 9 2 4 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 19, dossiê 1 5 3 ;
Relatório Anual, Instituto de Higiene, 1 9 2 4 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 4 .
VASCONCELLOS, M. da P. (Coord.) Memória da Saúde Pública, op. cit., p . 4 8 - 4 9 .
Relatório Anual, Instituto de Higiene, 1 9 2 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê
1 5 4 ; Paula Souza a Wickliffe Rose, 3 0 de dezembro de 1 9 2 0 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 1 9 , dossiê 1 5 4 .
Paula Souza a Russel, 2 4 de novembro de 1 9 2 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê
152.
VASCONCELLOS, M. da P. (Coord.) Memória da Saúde Pública, op. cit., p . 4 1 - 4 5 , 6 5 - 7 2 .
RIBEIRO, M. A. R. História Sem Fim...,op. cit., p . 2 5 5 - 2 6 1 .
A morbidade e a mortalidade das doenças ligadas à pobreza no estado de São Paulo
aumentaram de maneira importante durante os anos 1 9 2 0 , indicando u m a deterio¬
r a ç ã o g e r a l das c o n d i ç õ e s de vida e o e m p o b r e c i m e n t o do p r o l e t a r i a d o e do
subproletariado urbanos. RIBEIRO, M. A. História Sem Fim..., op. cit., p . 2 3 8 - 2 4 6 , cita-
ção à página 2 5 9 .
Caricatura publicada em jornal de São Paulo, A Folha da Noite, em 11 de abril de 1 9 4 6 .
Reproduzida em VASCONCELLOS, M. da P. (Coord.) Memórias da Saúde Pública, op. cit.,
p.69.
Instruções escritas pelo Departamento Nacional de Saúde Pública e aprovadas pelo
Ministério do Interior, a respeito do Serviço da Febre Amarela, Rio de Janeiro, 11 de
setembro de 1 9 2 3 , RAC, RG 5, série 3 0 5 , caixa 2 4 , dossiê 1 4 2 . Ver também WILLIAMS,
S. C. Nationalism and public health..., op. cit.: Williams estuda detalhadamente as
interações entre a Fundação Rockefeller e os poderes públicos no Brasil nos anos
1 9 2 5 - 1 9 3 0 ; FRANCO, O. História da Febre Amarela no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério
da Saúde, 1 9 6 9 .
Relatório do Ministério da Saúde brasileiro sobre as atividades do Serviço da Febre
Amarela ( 1 9 2 4 ) , Acoc, documento Fundação Rockefeller 2 4 . 0 2 . 0 0 . O relatório mencio-
na também que a resistência dos nacionalistas brasileiros aos serviços da Fundação
Rockefeller é totalmente injustificada, pois países "dentre os mais avançados do m u n -
do", tais c o m o a Franca, a Itália o u a Escócia, aceitaram c o m gratidão a ajuda da
fundação.
M e m o r a n d o de Homer Brett sobre a O r g a n i z a ç ã o da c a m p a n h a c o n t r a a febre
amarela na Bahia pela Fundação Rockefeller", de 11 de dezembro de 1 9 2 3 , RAC, RG 5,
série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 4 2 .
Relatório do Dr. Sérvulo Lima, responsável pelos serviços sanitários no estado de
Pernambuco, para o ano de 1 9 1 4 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 3 , dossiê 1 3 8 .
Os responsáveis pela Fundação Rockefeller cederam, ocasionalmente, à pressão dos
representantes do DNSP o u dos políticos locais, e permitiram fumigações. Eles subli-
nharam, todavia, que tratava-se de u m ato puramente político, que podia ser neces-
sário na condução da campanha para não alienar a população local, mas não u m a
atividade que tivesse utilidade prática. Carta de Connor a Soper, de 7 de março de
1 9 2 9 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 6 0 . Ver também WILLIAMS, S. C.
Nationalism and public health..., op. cit
Cf. Relatório de Lucian Smith, de 31 de dezembro de 1 9 2 4 , RAC RG 5, série 2 , caixa 2 3 ,
dossiê 1 4 7 . Firmas norte-americanas, c o m o a Ulen & Company, foram contatadas
para apresentarem propostas para a construção de sistemas de distribuição de água
nas cidades. As negociações a esse respeito não chegaram a bom termo, e a encomen-
da foi, afinal, feita a u m a firma brasileira. Diário de Michael Connor (representante
da Fundação Rockefeller no Brasil entre 1 9 2 6 e 1 9 3 0 ) , anotações de 1 8 de fevereiro de
1 9 2 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 4 6 , dossiê 2 3 2 .
Lucian Smith, Relatório anual de 1 9 2 4 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 4 , dossiê 1 4 7 .
Joseph White, Relatório geral sobre a campanha contra a febre amarela no Brasil,
novembro de 1 9 2 4 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 3 , dossiê 1 3 8 . Os especialistas norte-
americanos, fiéis à teoria do "foco-chave", afirmaram que u m a diminuição temporá-
ria da densidade dos mosquitos seria suficiente para eliminar a febre aegypti.
Cf. carta do Dr. Clóvis Barbosa de Moura, diretor do Serviço de Saúde Pública do
estado do Ceará, ao Dr. Cláudio Idelburque Carneiro Leal Filho, responsável pelos
assuntos internos da Justiça do estado do Ceará, de 2 5 de maio de 1 9 2 4 . Lucian Smith
acrescentou u m comentário a essa carta, afirmando (em 1 de novembro de 1 9 2 5 ) que
nunca haviam soltado peixes em reservatórios de água potável, RAC, RG 5, série 2 ,
caixa 2 3 , dossiê 1 4 4 .
98
Carta de White a Russel (diretor da IHD), de 2 5 de janeiro de 1 9 9 2 4 , RAC, RG 1.1, série
3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 2 1 2 .
99
Α. V. Burke a Μ. Connor, 2 3 de março de 1 9 2 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê
155.
100
Carter a Russel, 11 de outubro de 1 9 2 3 , RAC, RG 5, série 1, caixa 17, dossiê 1 0 7 3 ;
relatório de Eduard J . Scannel sobre a organização da luta contra a febre amarela no
Brasil, RAC, RG 5, série 2, caixa 25, dossiê 156.
101
Joseph White, Memorando sobre a organização do trabalho sobre a febre amarela,
1 6 de j u n h o de 1 9 2 4 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 5 , dossiê 1 5 5 .
102
Instruções escritas pelo Departamento Nacional de Saúde Pública e aprovadas pelo
Ministério do Interior a respeito do Serviço da Febre Amarela, Rio de Janeiro, 11 de
setembro de 1 9 2 3 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 4 , dossiê 1 4 2 .
103
Relatório de Scannel sobre a organização da luta contra a febre amarela no Brasil,
RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 5 , dossiê 1 5 6 .
104
J . H. White, Memorando sobre os princípios da luta contra a febre amarela, RAC, RG
5, série 2 , caixa 2 5 , dossiê 1 5 5 .
105
Lucian Smith, Relatório sobre as medidas antilarvares no Ceará, de 31 de dezembro
de 1 9 2 4 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 3 , dossiê 1 4 7 . Smith tentou convencer o presidente
do Ceará de que o estado deveria pagar pela instalação de tampas para as caixas-
d'água, cf. carta de Smith ao presidente do estado do Ceará, de 1 2 de maio de 1 9 2 7 ; o
presidente rejeitou o pedido, propondo que os inspetores sanitários ensinassem aos
habitantes como cobrir suas caixas d'água, resposta datada de 2 8 de maio de 1 9 2 7 ,
RAC, RG 5, série 1.1, caixa 1 9 , dossiê 1 5 5 .
106
Carta de Connor a Soper, de 1 de j u n h o de 1 9 2 7 , RAC, RG 5, série 1.1, caixa 1 9 , dossiê
1 5 5 ; Connor a Russel, 18 de j u n h o de 1 9 2 4 , RAC, RG 5, série 1.1, caixa 8 4 , dossiê 1 9 9 .
A "paternidade" das modalidades de eliminação das larvas desenvolvidas pela Funda-
ção Rockefeller foi atribuída a Connor, que as elaborou durante sua campanha anti-
aegypti no México. Carter a Connor, 1 de j u n h o de 1 9 2 4 , RAC, RG 5, série 1.1, caixa 8 4 ,
dossiê 1 1 9 9 .
107
White, u m dos responsáveis pela c a m p a n h a contra a febre amarela da Fundação
Rockefeller, observou em 1 9 2 5 que ele tinha a impressão de que a febre amarela
estava presente no interior do Brasil (opinião contrária à teoria do "foco principal")
e que ela ali se mantinha pela transmissão entre as crianças. Mas acrescentou que
não se tratava da opinião de um amador. Joseph White, Relatório de u m a viagem à
Paraíba, 2 7 de março de 1 9 9 2 5 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 6 , dossiê 1 5 6 .
108
Sobre a vida e a carreira de Noguchi, ver CLARK, P. F. Hideyo Noguchi, 1 8 7 6 - 1 9 2 8 .
Bulletin of the History of Medicine, 3 3 : 1 - 2 0 , 1 9 5 9 ; PLESSER, I. R. Noguchi and his Patrons.
London, Toronto: Associated University Press, 1 9 8 0 .
109
NOGUCHI, H. Etiology o f yellow fever. II. Transmission experients of yellow fever.
Journal of Experimental Medicine, 2 9 : 5 6 5 - 5 8 4 , 1 9 1 9 ; NOGUCHI, H. Etiology o f yellow
fever. IX. Mosquitos in relation to yellow fever. Journal of Experimental Medicine, 3 0 : 4 0 1 -
4 1 0 , 1 9 1 9 ; NOGUCHI, H. Etiology o f yellow fever. XI. Serum treatment o f animals
infected with leptospira icteroides. Journal of Experimental Medicine, 3 1 : 1 5 9 - 1 6 8 , 1 9 2 0 ;
NOGUCHI, H. Yellow fever research, 1 9 1 8 - 1 9 2 4 : a summary. The Journal of Tropical
Medicine and Hygiene, 2 8 : 1 8 5 - 1 9 5 , 1 9 2 5 ; PLESSER, I. R. Noguchi and his Patrons, op. cit.,,
p.177-204.
110
CONNOR, M. "A vanishing disease", texto de u m a conferência destinada a não-espe¬
cialistas, sem data, RAC, RG 2 , série 2 2 , caixa 6 4 , dossiê 4 2 0 .
111
Ε. Β. Wilson, do Departamento de Bioestatística da Universidade de Harvard, obser-
vou mais tarde que a ignorância das estatísticas médicas, manifesta nas publicações
de Noguchi relativas a sua vacina, não era de modo algum excepcional; nos anos
1 9 2 0 , quase todos os médicos ignoram os princípios básicos da estatística. Wilson a
Hackett, 1 de novembro de 1 9 5 0 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1, dossiê 7. A estatística
da IHD, Persis Putnam, tinha outra opinião. Ela afirmou ter verificado, a pedido de
Russel, alguns resultados de Noguchi e encontrado diferenças significativas entre o
grupo tratado e o não tratado (diferença que ela atribui, a posteriori, à eliminação da
icterícia da leptospirose no grupo tratado). Putnam a Hackett, 16 de fevereiro de 1 9 6 0 ,
RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 3, dossiê 14.
112
NOGUCHI, H. et al. Experimental Studies of Yellow Fever in Northern Brazil. New York: The
Rockefeller Institute for Medical Research, Monograph n° 2 0 , 1 9 2 4 .
113
Russel a Noguchi, 2 0 de fevereiro de 1 9 2 4 , RAC, RG 5, série 1.1, caixa 8 4 , dossiê 1 2 0 7 ;
Russel a White, 2 5 de março de 1 9 9 2 4 , RAC, RG 5, série 2, caixa 8 5 , dossiê 1 2 1 3 .
114
GUITERAS. Expedición al Africa y estúdios de fiebre amarilla. Crônica Médico-quirúrgica
de la Habana, p . 3 2 3 - 3 3 8 ; AGRAMONTE, A. Some observation upon yellow fever
prophylaxis, op. cit.; WARREN, A. J . Landmarks in the conquest of yellow fever. In:
STRODE, G. K. (Ed.) Yellow Fever. New York, Toronto, London: McGraw Hill Book
Company, 1 9 5 , p. 19.
115
THEILER, M. & SELLARDS, A. W. The relations of L. icterohaemorrhagiae e L. icteroides as
determinated by the Pfeiffer phenomenon in guinea pigs. American Journal of Tropical
Medicine, 6 ( 6 ) : 3 8 3 - 4 0 2 , 1 9 2 6 .
116
GAY D. M. & SELLARDS, A. W. The fate o f Leptospira icteroides and Leptospira
icterohaemorrhagiae in the mosquito Aedes aegypti. American Journal of Tropical Medicine,
21:321-342, 1927.
117
Connor a Russel, cópia a Noguchi, 11 de fevereiro de 1 9 2 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 , caixa
2 0 , dossiê 1 5 5 ; Connor a Russel, 16 de maio de 1 9 2 7 , idem.
118
STOKES, A. BAUER, J . H. & HUDSON, N. P. Transmission of yellow fever to Macacus
rhesus: a preliminary note. Journal of the American Medical Association, 90:253-254,
1 9 2 8 ; WARREN, A. J . Landmarks in the conquest of yellow fever, op. cit., p. 1 8 - 2 0 .
119
Quatro anos depois, Soper lamenta que os especialistas da Fundação Rockefeller não
tenham dado ouvidos às advertências do Dr. Sebastião Barroso a respeito da persis-
tência da febre amarela na área rural. Soper a Russel, 3 0 de maio de 1 9 3 0 , Acoc,
documento RF 3 0 . 0 5 . 2 3 .
120
White escreve, em maio de 1 9 2 4 , que a densidade dos mosquitos aegypti diminui em
todas as cidades, e que, apesar de sempre serem observados alguns casos isolados de
febre amarela, tais casos certamente desaparecerão em algumas semanas. White a
Russel, 2 7 de maio de 1 9 2 4 , RAC, RG 5, série 1.1, caixa 8 5 , dossiê 1 2 1 4 .
121
Citado por LABRA, Μ. Ε. O Movimento Sanitarista nos Anos 20: da conexão sanitarista
internacional à especialização em saúde pública no Brasil, op. cit., p . 2 3 6 - 2 3 7 .
122
Maurício de Medeiros. Diário de Medicina, 2 de j u n h o de 1 9 2 6 , citado por LABRA, Μ. E.
O Movimento Sanitarista nos anos 20..., op. cit., p . 2 3 9 .
123
SCHMIDT, O. A Febre Amarella na Bahia cm 1926, 12 de dezembro de 1 9 2 6 . Salvador:
Tese de Doutorado de Medicina da Universidade da Bahia, p.195, citado por LABRA,
Μ. Ε. O Movimento Sanitarista nos Anos 20..., op. cit., p . 2 4 9 .
124
BARROSO, S. Brasil Médico, 4 2 ( 2 3 ) , 1 de setembro de 1 9 2 8 , citado por LABRA, Μ. Ε. O
Movimento Sanitarista nos Anos 20..., op. cit., p . 2 4 1 . Convém notar que os habitantes da
África viram, algumas vezes, a febre amarela como uma proteção contra o imperia-
lismo europeu. Os jornais da cidade de Abeokuta (Nigéria) declararam, por ocasião de
u m a epidemia de febre amarela em 1 9 1 3 , que como a febre amarela atinge os euro-
peus, mas não os habitantes da terra, o melhor remédio contra esta doença seria que
os europeus fossem embora, atitude qualificada de "impertinente" pelos britânicos.
Carta de F. Lugard, governador da Nigéria do Sul, ao secretário de Estado, de 16 de
j u l h o de 1 9 1 3 . Wellcome Archives, dossiê Ronald Ross, G C / 5 9 / A 1 , documentos da
subcomissão da febre amarela.
125
Soper a Russel, 8 de fevereiro de 1 9 2 8 ; Russel a Soper, 1 de março de 1 9 2 8 , RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 5 8 .
126
FRANCO, O. História da Febre Amarela no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde,
1 9 6 9 , p . 9 7 - 1 0 3 . U m a revolta de j o v e n s oficiais (os tenentistas) a c a b o u c o m a
longuíssima marcha de u m grupo de rebeldes, derrotada em 1 9 2 7 . Sua influência
política e seu valor simbólico de oposição a u m poder corrompido suplantaram em
muito sua influência militar. O comandante dessa coluna, Luís Carlos Prestes, tor-
nou-se mais tarde dirigente do Partido Comunista Brasileiro.
127
M e n s a g e m do presidente Bernardes ao p a r l a m e n t o b r a s i l e i r o , A c o c , F u n d a ç ã o
Rockefeller, 2 6 . 2 0 . 0 0 .
128
Relatório do IHB sobre o trabalho no Brasil, do ano de 1 9 2 6 ; idem para o ano de 1 9 2 7 ,
RAC.
129
Connor a Janney, 8 de março de 1 9 2 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 5 5 .
130
Connor a Russel, 6 de março de 1 9 2 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 , caixa 2 0 , dossiê 1 5 5 .
131
Soper a Russel, 18 de maio de 1 9 3 0 , Acoc.
132
Connor a Russel, 2 8 de abril de 1 9 2 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 5 8 .
Entrevista de Soper, realizada por Lewis Hackett, 14 de outubro de 1 9 6 3 , RAC, RG 3 . 1 ,
série 9 0 8 , caixa 1 1 , dossiê 1 2 4 . Notas de Hackett, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 4 , dossiê
2 0 , p. 1 . 1 7 0 - 1 . 1 7 1 . Lewis Hackett, u m dos primeiros especialistas da Fundação
Rockefeller enviados ao Brasil, teve u m a longa carreira na International Health
Division. Após a dissolução da divisão em 1 9 5 1 , ele se atrela à história desta organi-
zação. Nos anos 1 9 5 0 e 1 9 6 0 , interrogou vários participantes e correspondeu-se com
outros especialistas da Fundação Rockefeller. Hackett morreu antes de ter conseguido
concluir seu projeto, mas sua correspondência e suas anotações são u m a rica fonte
de informação sobre a história da IHD.
133
Em compensação, Russel estava convencido, desde o início, de que o caso de Sergipe
era devido à febre amarela. Propôs, conseqüentemente, que se prolongasse a tempo-
rada da Fundação Rockefeller no Brasil por mais um ano. Russel a Connor, 11 de maio
de 1 9 2 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 9 , dossiê 1 5 8 .
Extraído do relatório do DNSP para 1 9 2 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 9 , dossiê 1 5 8 .
Essa opinião foi endossada pela Fundação Rockefeller a partir de 1 9 3 0 , com a ressalva
de que, ao contrário dos especialistas brasileiros, os da fundação não atribuíram a
invisibilidade da febre amarela apenas à escassez de médicos nas regiões endêmicas,
mas também à dificuldade de se estabelecer u m diagnóstico diferencial desta doença.
Propuseram, conseqüentemente, meios específicos de visualização do agente da doença
(teste de proteção do camundongo, viscerotomia).
Esse método foi esboçado em 1 9 1 2 (Henrique de Rocha Lima. Z u r patologischen
Anatomie des Gelbenfiebers. Verhand. Deutch. Path. Ges. 1 9 1 2 , Bd XV, à página 1 6 3 ) e
aperfeiçoado ao longo dos anos 1 9 2 0 . Rocha Lima foi tido c o m o "suspeito" pelos
especialistas da Fundação Rockefeller, por causa de seus supostos laços muito estrei-
tos com os pesquisadores alemães. Carta de Carter a Russel de 11 de outubro de 1 9 2 3 ,
RAC, RG 5, série 1, caixa 7 3 , dossiê 1 0 3 7 .
136
CARTER, Η. R. The mechanism o f the spontaneaus elimination o f yellow fever from
endemic centers, op. cit.
137
Tal opinião foi emitida pelos habitantes de Manaus, capital do estado do Amazonas.
Relatório de Wickliff Rose ao final de uma conferência proferida por M. Fischer sobre
as condições sanitárias dos estados do Pará e da Amazônia (sem data), Acoc, docu-
mento 4 0 . 2 0 . 0 3 / 3 .
138
Carta de Fraga ao Ministério da Saúde, de 1 9 de j u l h o de 1 9 2 8 , Acoc, Arquivo Fraga.
139
Carta de Bolívar J . Lloyd, diretor auxiliar da Officina Sanitaria Pan-Americana, a
Fraga, de 2 8 de agosto de 1 9 2 8 , Acoc, Arquivo Fraga.
140
BRAGA, Ε. O sanitarista e a febre amarela. In: FRAGA FILHO, C. (Ed.) Clementino Fraga,
Itinerário de uma Vida, 1880-1971, Rio de Janeiro, 1 9 7 1 , p . 8 3 - 9 8 .
141
Acoc, Arquivo Fraga, sem data.
142
Connor a Russel, 8 de j u n h o de 1 9 2 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 9 , dossiê 1 5 8 .
143
Carta do Conselho Nacional de Higiene do Uruguai a Fraga, de 8 de setembro de 1 9 2 8 ;
Carta do Ministério da Saúde uruguaio a Fraga, de 13 de setembro de 1 9 2 8 , Arquivo
Fraga, Acoc.
144
Carta de Marchoux a Fraga, de 2 0 de setembro de 1 9 2 8 , Acoc, Arquivo Fraga.
145
Carta de Ludwik Raichman a Fraga, de 2 1 de dezembro de 1 9 2 8 . Carta de Fraga ao
j o r n a l argentino La Nation, de 18 de dezembro de 1 9 2 8 , Acoc, Arquivo Fraga.
146
Soper a Russel, 2 8 de outubro de 1 9 2 8 , Acoc, documento 2 8 . 1 0 . 2 8 .
147
Carta de H. S. Cummings, diretor da Officina Sanitaria Pan-Americana, a Fraga, de
1 0 de dezembro de 1 9 2 8 ; carta do Prof. Hoffman, de Havana, a Fraga, de 21 de janeiro
de 1 9 2 8 ; carta do Office International d'Hygiène Publique, a Fraga, de 2 7 de fevereiro
de 1 9 1 9 , Acoc, Arquivo Fraga.
148
Carta de Ludwik Raichman a Fraga, de 2 1 de dezembro de 1 9 2 9 ; carta do Dr. Abt, do
Office International de l'Hygiène Publique, de 16 de março de 1 9 2 8 , Acoc, Arquivo
Fraga.
149
Soper a Russel, 11 de março de 1 9 2 9 , RAC, RG 1.1, série 3 0 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 6 0 .
150
Abt a Fraga, 16 de março de 1 9 2 9 , Acoc, Arquivo Fraga.
151
Carta do ministro de Relações Exteriores do Uruguai ao ministro de Relações Exteri-
ores do Brasil, de 2 4 de j u l h o de 1 9 2 9 ; carta de Fraga ao jornal La Nation, sem data
(provavelmente, primavera de 1 9 2 9 ) , Acoc, Arquivo Fraga.
152
Fraga, destituído de suas funções pelo regime Vargas, foi acusada de ter empregado
mal o dinheiro do Estado durante a campanha contra a febre amarela. Ele depôs à
comissão de sindicância de saúde pública, que concluiu que a eliminação dos mosqui-
tos poderia ter sido feita a um custo mais baixo. Fraga justificou as elevadas despesas
pela urgência; o processo foi arquivado, por inexistência de malversação. Carta de
Fraga ao Correio da Manhã, de 2 9 de maio de 1 9 3 1 , Acoc, Arquivo Fraga.
153
FRAGA FILHO, C. (Ed.) Clementino Fraga, Itinerário de uma Vida, 1880-1971, op. cit
154
Carta de Fraga a H. J . Cumming, de 9 de abril de 1 9 3 0 , Acoc, Arquivo Fraga.
155
Carta do embaixador da Itália a Fraga, de 5 de j u n h o de 1 9 2 9 ; carta do Dr. Scorseria,
representante do governo uruguaio no Ministério das Relações Exteriores do Brasil,
de 2 4 / 1 1 / 1 9 2 9 , Acoc, Arquivo Fraga.
156
Carta de Antonio Agudo de Buenos Aires a Fraga, de 5 de agosto de 1 9 2 9 , Acoc,
Arquivo Fraga.
157
Carta de Marchoux a Fraga, de 12 de dezembro de 1 9 2 9 , Acoc, Arquivo Fraga.
158
Memorando de Fraga (sem data, 1 9 2 9 ) , Acoc, Arquivo Fraga.
159
Connor a Russel, 8 de j u n h o de 1 9 2 8 ; Russel a Connor, 2 1 de j u n h o de 1 9 2 8 , RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 2 9 , dossiê 1 5 8 .
160
Connor a Russel, 13 de j u n h o de 1 9 2 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 9 , dossiê 1 5 8 .
161
Soper a Russel, 18 de maio de 1 9 3 0 , Acoc, documento Fundação Rockefeller 3 0 . 0 5 . 1 8 ;
Hackett a Hugh Smith, 3 0 de j u n h o de 1 9 5 2 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1, dossiê 9.
162
Connor a Russel, 1 6 de j u n h o de 1 9 3 0 , Acoc, documento Fundação Rockefeller 3 0 . 0 6 . 1 6 .
163
Sawyer a Russel, 17 de j u n h o de 1 9 3 0 , Acoc, documento Fundação Rockefeller 3 0 . 0 6 .
17 de janeiro.
164
Documento de trabalho Rickard, 3 0 de j u n h o de 1 9 3 0 , Acoc, documento Fundação
Rockefeller 3 0 . 0 6 . 1 7 de fevereiro.
165
Connor a Russel, 11 de j u n h o de 1 9 2 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 9 , dossiê 1 5 8 .
166
FRANCO, O. História da Febre Amarela no Brasil, op. cit.
167
Diário de Fred Soper, anotações de 2 5 de setembro de 1 9 3 4 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 2 8 , dossiê 2 0 9 .
168
Amílcar Tavares da Silva, administrador brasileiro do Serviço da Febre Amarela nos
anos 1 9 3 0 , negou qualquer intervenção governamental nas contas do serviço "por-
que eles tinham absoluta confiança no trabalho dos americanos". Entrevista de Silva,
feita em 1 9 8 7 , no âmbito do projeto "Memória de Manguinhos", dirigido por Nara
Britto e Wanda Hamilton, Acoc.
169
Soper a Sawyer, 27 de março de 1 9 3 5 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 6 .
170
FOSDICK, R. B . The History of the Rockefeller Foundation, op. cit; KOHLER, R. E. Partners in
Science: foundations and natural scientists, 1900-1945. Chicago: Chicago University
Press, 1 9 9 1 .
171
Programa da Fundação Rockefeller para 1 9 3 4 , RAC.
172
Documento de orientação da IHD, de 6 de novembro de 1 9 2 9 , Acoc.
173
M e m o r a n d o de Frederick Russel, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1 1 , dossiê 1 2 4 . A
história da atividade da Fundação Rockefeller no Brasil entre 1 9 2 3 e 1 9 2 8 , atividade
fundamentada em duas teorias científicas mais tarde declaradas errôneas, a do "foco-
chave" e a de Noguchi, que descreveu o Leptospira icteroides c o m o sendo o agente da
febre amarela, pode lançar u m a luz irônica sobre as propostas de Russel segundo as
quais a ação em saúde pública deve se basear na ciência.
174
Memorando de W. H. Frost, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1 1 , dossiê 1 2 4 .
175
Memorando de Winslow, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1 1 , dossiê 1 2 4 .
176
Documento programático da Fundação Rockefeller para o ano de 1 9 3 4 , Acoc.
177
Carta de M a x Masson a J . - D . Rockefeller de 13 de j u n h o de 1 9 3 5 , Acoc.
178
Soper a Fosdick, 9 de j a n e i r o de 1 9 4 1 , Acoc. Soper reagia ao relatório anual da
Fundação Rockefeller, que enfatizou a vacinação e as pesquisas fundamentais, e
pouco mencionou o trabalho, essencial segundo Soper, da eliminação dos mosquitos.
179
FOSDICK, R. B . The Rockefeller Foundation, op. cit
180
STOKES, Α.; BAUER J . Η. & HUDSON, Ν. P. The transmission o f yellow fever to
Macacus rhesus. Journal of the American Medical Association, 9 0 ( 4 ) : 2 5 3 - 2 5 4 , 1 9 2 8 .
181
Idem; MATHIS, J.-C.; SELLARDS A. W. & LAIGRET, J . Sensibilité du Macacus rhesus au
virus de la fièvre j a u n e . Comptes Rendus de l'Académie des Sciences, 1 8 6 : 6 0 4 - 6 0 6 , 1 9 2 8 .
182
THEILER, M. Susceptibility of white mice to the virus of yellow fever. Science, 71:367, 1 9 3 0 .
183
SAWYER, W. A. & LLOYD, W. The use o f mice in the test of immunity against yellow
fever. The Journal of Experimental Science, 5 4 ( 2 ) : 5 3 3 - 5 5 5 , 1 9 3 1 ; THEILER, M. A yellow
fever protection test in mice b y intracerebral injection. American Journal of Tropical
Medicine, 2 7 : 5 7 - 7 7 , 1 9 3 3 .
184
SOPER, F.; PENNA, H.; CARDOSO E. et al. Yellow fever without Aedes aegypti. Study o f
a rural epidemics in the Valle to Chanaan, Espírito Santo, 1 9 3 2 . American Journal of
Hygiene, 1 8 : 5 5 5 - 5 8 7 , 1 9 3 3 .
185
SOPER, F.; PENNA, H.; CARDOSO E. et al. Yellow fever without Aedes aegypti. Study of
a rural epidemics in the Valle to Chanaan, op. cit., p . 5 8 2 .
186
SOPER, F. L. Recent extension o f the knowledge on yellow fever, op. cit
187
BALFOUR, A. The wild monkey as a reservoir for the virus o f yellow fever. The Lancet,
1 : 1 . 1 7 6 - 1 . 1 7 8 , 1 9 1 4 ; LOW, G. C. Monkeys as reservoirs for the virus of yellow fever.
The Lancet, 1 : 1 . 3 3 4 - 1 . 3 3 5 , 1 9 1 4 .
188
BAUER, J . H. The transmission o f yellow fever b y mosquitos other than Aedes aegypti.
American Journal of Tropical Medicine, 8 ( 4 ) : 2 6 1 - 2 8 2 , 1 9 2 8 ; HINDLE, E. Transmission o f
yellow fever. The Lancet, 2 1 9 : 8 3 5 - 8 4 2 , 1 9 3 0 .
189
Davis a Connor, 2 6 de fevereiro de 1 9 3 0 , Acoc, documento 3 0 . 0 2 . 2 2 ; DAVIS, N. C. &
SHANNON, R. C. Studies on south american yellow fever. III. Transmission o f the
virus to brazilian monkey: preliminary observations. Journal of Experimental Medicine,
50:81-85, 1929.
190
Decreto nº 2 1 . 4 3 4 de 2 3 de maio de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 7 ;
Soper a Russel, 2 6 de maio de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 0 .
191
Soper a Russel, 2 1 de setembro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 6 .
192
Soper a Russel, 15 de março de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 9 .
193
Diário de Soper, anotações de 2 5 de setembro de 1 9 3 4 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 8 ,
dossiê 2 0 9 .
194
S a w y e r e Soper concordam em dizer que "o trabalho de controle é a parte mais
importante do nosso programa de febre amarela no Brasil", cf. Sawyer a Soper, 4 de
janeiro de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 9 .
195
Soper a Russel, 2 5 de janeiro de 1 9 3 5 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 5 .
Sawyer, que substituiu Russel na direção da IHD, explicou que seria preferível que
Soper se retirasse do trabalho meramente administrativo, devendo este ser gradual-
mente transferido aos brasileiros, cf. Sawyer a Soper, 2 4 de outubro de 1 9 3 5 , RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 7 . S a w y e r achou que o governo brasileiro dava
sinais de resistência a u m a administração norte-americana de seus assuntos inter-
nos, cf. Sawyer a Wilson, 14 de novembro de 1 9 3 5 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 ,
dossiê 1 7 7 .
196 a
Manuscrito do texto da comunicação de Soper à 9 Conferência Sanitária Pan-Ame¬
ricana, Buenos Aires, novembro de 1 9 9 9 9 3 4 , Acoc, documento Fundação Rockefeller
34.11.00.
197
SOPER, F. L. Ventures in World Health (ed. J o h n Duffy). Washington DC: Paho (WHO),
1 9 7 7 . p . 1 3 0 ; entrevista de Soper a Hackett, de 14 de outubro de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1,
série 9 0 8 , caixa 1 1 , dossiê 1 2 4 .
198
Relatório apresentado por Soper em Bogotá em 15 de outubro de 1 9 3 8 , Acoc, docu-
mento Fundação Rockefeller, 3 8 . 0 8 . 1 5 . Em 1 9 3 1 , Soper admitiu a possibilidade de que
o desenvolvimento de u m a vacina pudesse ser mais econômico e eficaz do que as
medidas antilarvares, cf. Soper a Russel, 1 2 de setembro de 1 9 3 1 . Ele sustentou,
entretanto, que u m a verdadeira erradicação da doença não poderia ser realizada
apenas pela vacinação, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 6 .
199
FRANCO, O. História da Febre Amarela no Brasil, op. cit.
200
Entrevista de Amílcar Tavares da Silva (feita em 1 9 8 7 ) ; entrevista do Dr. José Fonseca
Cunha (feita em 1 9 8 7 ) , projeto "Memória de Manguinhos", dirigido por Nara Brito e
Wanda Hamilton, Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz.
201
Relatórios anuais da Fundação Rockefeller para os anos 1 9 1 4 , 1 9 4 2 , 1 9 4 3 ; FOSDICK,
R. B . The Rockefeller Foundation, op. cit; WARREN, A. Landmarks in the conquest o f
yellow fever. In: STRODE, C. K. Yellow Fever, op. cit., p . 5 - 3 7 .
202
Assim, entre 1 9 1 3 e 1 9 3 9 a Fundação Rockefeller gastou 3 . 5 6 7 . 0 0 0 dólares no Brasil,
dos quais 2 . 6 7 0 . 0 0 0 para a luta contra a febre amarela. No mesmo período, o conjun-
to dos países da América do Sul (com exceção do Brasil) recebeu 6 1 9 . 0 0 0 dólares, dos
quais 3 0 0 . 0 0 0 para a luta contra a febre amarela; os da América Central, 1 . 9 9 6 . 6 0 0 ,
dos quais 4 3 3 . 0 0 0 para a luta contra a febre amarela. LABRA, Μ. Ε. O Movimento
Sanitarista nos Anos 20..., op. cit., p . 5 9 - 6 0 . Ver também WILLIAMS, S. C. Nacionalismo
e saúde pública..., op. cit.
203
Entrevista de Louis Hackett com Warren; entrevista de Hackett com Conggenshall, 18
de setembro de 1 9 5 0 , RAC, RG 3, série 9 0 8 , caixa 3, dossiê 1 9 . 1 .
204
LABRA, Μ. Ε. O Movimento Sanitarista nos Anos 20..., op. cit; PAULA, Sérgio Góes de.
"Uma estrela no céu e um verme na terra", documento de trabalho, COC, 1 9 9 3 .
205
SABROSA, P. C. T.; KAWA, H. & CAMPOS, W. S. Q. Doenças transmissíveis: ainda u m
desafio. In: MINAYO, M. C. (Org.) Os Muitos Brasis: saúde e população na década de 80.
São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco, 1 9 9 5 , p . 1 7 7 - 2 4 4 .
206
PEIXOTO, 1 9 2 2 , citado por HOCHMAN, G. A Era do Saneamento, op. cit., p . 6 5 .
207
CHAUÍ, M. Conformismo e Resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1 9 8 6 , p . 5 8 .
208
BRITTO, R. da S. & CARDOSO, Ε. A Febre Amarela no Pará. Belém: Assessoria de Progra-
mação e Coordenação, Divisão de Comunicação, 1 9 7 3 , p . 1 5 2 - 1 6 7 ; FRANCO, O. Histó-
ria da Febre Amarela no Brasil, op. cit., p . 1 5 2 - 1 5 6 .
209
Entrevista com o Dr. Gruber, u m dos responsáveis pelo CDC de Atlanta. TAUBES, G.
A mosquito bites back. The New York Times Magazine, 2 4 de agosto de 1 9 9 7 .
210
Debate: Dengue no Brazil. Manguinhos, 5 ( 1 ) : 1 7 3 - 2 1 5 , 1 9 9 8 , p. 2 1 2 . Trata-se apenas
dos casos oficialmente recenseados.
211
SABROSA, P. C. T ; KAWA, H. & CAMPOS, W. S. Q. Doenças transmissíveis: ainda u m
desafio. In: MINAYO, M . C. (Org.) Os Muitos Brasis: saúde e população na década de 80,
op. cit., p . 1 7 7 - 2 4 4 , às páginas 2 2 0 e 2 3 4 . U m ex-oficial da CDC de Atlanta, Tomas
Monath, também explicou que, se era possível erradicar o Aedes aegypti da América
Latina nos anos 1 9 5 0 e 6 0 , o mesmo não é mais possível hoje em dia por causa da
acumulação de dejetos nas cidades, cf. TAUBES, G. A mosquito bites back. The New
York Times Magazine, 2 4 de agosto de 1 9 9 7 .
212
SABROSA, P. C. T.; KAWA, H. & CAMPOS, W. S. Q. Doenças transmissíveis: ainda um
desafio, op. cit., p . 2 3 5 - 2 3 9 . A conjuntura é a da nova democracia brasileira, caracte-
rizada por u m a economia neoliberal e u m investimento mais reduzido do governo
central nas campanhas de saúde pública.
213
HERSHMAN, M. & PEREIRA, C. Α. A. O imaginário moderno no Brasil, op. cit. Alguns
intelectuais afirmaram que a ambigüidade é u m a das características nacionais dos
brasileiros. Os brasileiros puderam, assim, valorizar o controle e a disciplina, mas
também o hedonismo e a espontaneidade. Idem, p . 3 1 - 3 3 . A ambivalência da atitude
em relação à elevada prevalência da sífilis no Brasil - ao mesmo tempo flagelo e
ilustração do caráter nacional dos brasileiros, que valoriza o erotismo - reflete esse
tipo de abordagem. CARRARA, S. Tributo a Vênus: a luta contra a s í f i l i s no Brasil da
passagem do século aos anos 40. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 1 9 9 6 .
214
IYDA, M. Cem Anos de Saúde Pública: a cidadania negada. São Paulo: Editora Unesp,
1 9 9 3 , p.138. Em 1 9 9 6 , cartazes advertindo para o perigo da dengue são pregados no
prédio da Casa de Oswaldo Cruz (Manguinhos, Rio de Janeiro), no qual estão, entre
outros, o Arquivo do SFA que documentou a erradicação do aegypti no Brasil.
215
RIBEIRO, M. A. R. História Sem Fim...: inventário da saúde pública, 1880-1930. São Paulo:
Editora Unesp, 1 9 9 3 , citação à p . 2 7 0 .
216
SOPER, F. L. Ventures in World Health (Ed. J o h n Duffy). Washington DC: Paho (WHO),
1977.
Tornar o invisível visível: viagens, coletas e
análisesdelaboratório

Viagens ao Interior do Brasil, 1900-1916

A luta contra a febre amarela no Brasil nos anos 1 9 2 0 e 1 9 3 0 esteve


diretamente ligada ao desenvolvimento dos métodos de visualização indi-
reta de seu agente, o vírus da febre amarela, e de seu vetor principal, o
m o s q u i t o Aedes aegypti. Esse processo dependia da evolução dos métodos de
investigação - inicialmente apenas indiretos, depois diretos - capazes de
evidenciar a presença desse p a t ó g e n o e de seu agente, m a s t a m b é m da
organização eficiente das enquetes epidemiológicas baseadas na coleta dos
m a t e r i a i s b i o l ó g i c o s e na fiscalização das populações (ver figura 5 ) . O
d e s e n v o l v i m e n t o s i m u l t â n e o das técnicas de l a b o r a t ó r i o e dos m é t o d o s
a d m i n i s t r a t i v o s de fiscalização das populações permitiu estabelecer u m a
cartografia das áreas de propagação do vírus e dos mosquitos que o veicu-
lam, preliminar indispensável, para os especialistas da Fundação Rockefeller,
a q u a l q u e r c a m p a n h a de erradicação eficaz. Os t e r m o s do filósofo Ian
Hacking, "representar é intervir", a p l i c a m - s e não apenas à ciência, m a s
1
t a m b é m à saúde pública.
Os estudos epidemiológicos da febre a m a r e l a podem ser separados
em dois grupos distintos: os conduzidos antes de 1 9 3 0 e os posteriores a
essa data. Antes de 1 9 3 0 , a presença do vírus da febre amarela foi atesta-
da c o m b a s e u n i c a m e n t e em sua capacidade de induzir " c a s o s clínicos
típicos" da doença. A única maneira de considerar a distribuição da febre
a m a r e l a era, p o r t a n t o , acompanhar a distribuição desses casos e
correlacioná-la c o m a presença do Aedes aegypti. Em u m país do t a m a n h o
do Brasil, onde vastas regiões ainda não dispunham de pessoal médico, o
único meio de saber se a febre amarela o u os Aedes aegypti se encontravam
em u m a dada localidade era, quase sempre, ir ao local para verificá-lo -
donde a i m p o r t â n c i a das v i a g e n s s a n i t a r i s t a s a o i n t e r i o r do país. Após
1 9 3 0 , abordagens diretas e indiretas p e r m i t i r a m evidenciar a presença do
vírus da febre amarela n o sangue e nos tecidos. A visualização dos efeitos
do vírus passou, então, a ser feita em dois tempos: a coleta dos materiais
biológicos, através, por exemplo, da rede das estações de viscerotomia, foi
desenvolvida para garantir a chegada regular de a m o s t r a s de tecido extraí-
das dos cadáveres originários de regiões afastadas a o s l a b o r a t ó r i o s c e n -
trais, seguida da análise e m laboratório. Contudo, os novos métodos n ã o
t o r n a r a m obsoletas as viagens sanitaristas, que m a n t i v e r a m sua i m p o r -
tância para a coleta de a m o s t r a s nas regiões isoladas, m a s t a m b é m para o
estudo das relações entre os vírus e os vetores, os hospedeiros, os h u m a -
nos e o nicho ecológico no qual coabitam.

As viagens s a n i t a r á t a s "modernas" se i n a u g u r a r a m em fins do sé-


c u l o X I X , c o m o desenvolvimento da m i c r o b i o l o g i a e da p a r a s i t o l o g i a e
t a m b é m o surgimento do médico explorador. Esse personagem c o m b i n o u a
a n t i g a a r t e de descrever as patologias dos lugares visitados c o m o n o v o
saber da "medicina científica", na esperança de que tais patologias, u m a
vez classificadas e estudadas, seriam alvo de u m a i n t e r v e n ç ã o s a n i t á r i a
enérgica. O "médico explorador" se distinguia dos naturalistas que coleciona-
v a m as a m o s t r a s e v e r i f i c a v a m medidas pela d i m e n s ã o i n t e r v e n c i o n i s t a
2
de sua a ç ã o . Não se t r a t a v a apenas de produzir u m a saber normalizado
( p o r t a n t o , c o m u n i c á v e l ) e m ó v e l ( p o r t a n t o , a c u m u l á v e l ) , m a s u m saber
que pudesse ser transferido para o u t r o s lugares para modificar (para u m
3
médico, sanear) u m meio h o s t i l .
Em 1 9 0 0 , a situação sanitária das c a m p a n h a s brasileiras foi pouco
estudada; a do imenso interior do Brasil continuou terra incognita. Quando
os pesquisadores da Missão Pasteur se interessaram pelas ligações entre o
c l i m a , a presença dos m o s q u i t o s Aedes aegypti e o s u r g i m e n t o da febre
a m a r e l a , eles l i m i t a r a m s u a s investigações ao Rio de J a n e i r o e cidades
4
vizinhas (Petrópolis, Friburgo e Teresópolis). Seu interesse pelas formas
atípicas de febre amarela e o surgimento desta doença em crianças m u i t o
novas foi alimentado pelas observações feitas pelos médicos brasileiros no
5
Rio de J a n e i r o . Sua comparação limitou-se às condições meteorológicas e
de higiene urbana das cidades do Rio de Janeiro e de Petrópolis. Tratava-se
de determinar por que aquela localidade havia sido poupada da febre a m a -
rela, mas a descrição que se havia feito deixava entrever u m interesse que
ultrapassa a análise de sua aptidão para servir de ponto de multiplicação
dos m o s q u i t o s :

Essa cidade, vizinha ao Rio, a não mais de 4 0 quilômetros em linha reta,


fica a aproximadamente 8 0 0 metros de altitude. É construída em uma
série de pequenos vales estreitos, todos visivelmente situados à mesma
altitude. No fundo de quase todos eles corre um pequeno rio cujas mar-
gens são arborizadas. Cumes colinosos e cobertos de árvores partem dos
dois lados de cada vale, no qual há apenas uma rua. As casas, geralmente
cercadas de jardins, de um lado são encostadas na montanha e do outro se
6
abrem para uma calçada que corre de cada lado do rio.

Essa descrição pitoresca é imediatamente seguida da apresentação das curvas


de temperatura e de umidade do Rio e de Petrópolis e das condições climá-
ticas que afetam a sobrevivência do Aedes aegypti. A descrição do Rio de
J a n e i r o associa diretamente - o que não o c o r r e c o m a de Petrópolis - a
topologia da região e a ecologia do inseto:

Os chafarizes que enfeitam os jardins públicos e particulares, as plan-


tas parasitas e particularmente as do gênero bromélia, que constituem
receptáculos para as águas da chuva, os vasos ornamentais que deco-
ram as casas de alguns bairros favorecem o desenvolvimento do
Stegomyia e a disseminação da febre amarela. Enfim, e isto especialmente
na parte comercial da cidade que constitui seu centro, ainda se encon-
tram casas de quatro metros de largura e 6 0 metros de profundidade.
Os corredores, mal ventilados e pouco iluminados, são buscados pelos
mosquitos, que neles vivem por muito tempo protegidos de acidentes a
7
que a vida no exterior os expõe.

A própria o b s e r v a ç ã o j á funciona c o m o prescrição: ela faz u m l e v a n t a -


8
mento das ações a serem empreendidas para se livrar dos mosquitos.
Os estudos sobre a febre a m a r e l a realizados pelos médicos brasilei-
ros t a m b é m se restringiram, n u m primeiro m o m e n t o , às cidades da costa
atlântica e seu entorno imediato. As primeiras viagens dos pesquisadores
brasileiros ao interior do país e r a m utilitárias, para a vigilância dos por-
tos, das barragens o u das ferrovias. Estas últimas desenvolveram-se m u i -
to rapidamente no Brasil no início do século X X , c o m o a u m e n t o da produ-
ção de borracha destinada à exportação. Em 1 9 0 5 , Oswaldo Cruz (à época
diretor do DGSP) e seu secretário, o Dr. J o ã o Pedroso Barreto, inspeciona-
r a m 2 3 portos do litoral no nordeste e norte do país. Cruz interessou-se
pelas paisagens, pelo clima, pela vida política da região e pelos c o s t u m e s
das elites locais (que freqüentemente critica), pela arquitetura, assim c o m o
pelos personagens pitorescos. Ele deplorou as condições sanitárias das c i -
dades visitadas, c o m o Vitória, onde

não há o menor sinal de higiene. Não há esgotos, os excrementos são


recolhidos em barris e jogados no mar, de sorte que depois das 10 horas
da noite ninguém pode se aproximar da praia. A cidade tem dois poços
que fornecem água conveniente, mas é preciso esperar horas para en-
cher um galão. As ruas são sujas e imundas, cheias de dejetos e de
excrementos de animais. [...] Visitamos o hospital de isolamento na Ilha
do Príncipe, uma verdadeira vergonha! Ε pensar que custou tanto di­
nheiro. [...] Na cidade do Espírito Santo, vi apenas pouquíssimos mos-
quitos e larvas. Encontrei uma pessoa com uma febre intermitente, e
9
preparei lâminas com seu sangue.

O u t r o s pesquisadores do I n s t i t u t o O s w a l d o Cruz r e p e t i r a m , entre


1 9 0 6 e 1 9 1 0 , a f o r m a de exportação dos c o n h e c i m e n t o s inaugurada por
Cruz - u m a viagem de trabalho e ao m e s m o tempo observações científicas
e sanitárias. A n t o n i o Cardoso Fontes foi, assim, a São Luís do M a r a n h ã o
para lá o r g a n i z a r u m a c a m p a n h a c o n t r a a peste; Carlos C h a g a s foi em
1 9 0 6 a Ipatinga (São Paulo), para lutar contra a irrupção de malária que
a t i n g i u os operários que c o n s t r u í a m u m a b a r r a g e m ; C h a g a s e Belisário
Penna foram em 1 9 0 7 a Minas Gerais, onde a malária havia entravado os
trabalhos da estrada de ferro de Pirapora; A r t h u r Neiva foi convidado em
1 9 0 7 a a c o m p a n h a r a progressão da estrada de ferro do Nordeste; Oswaldo
Cruz deslocou-se em 1 9 1 0 até a região da construção de Ribeirão das Lajes
pela c o m p a n h i a canadense Light & Power, para t e n t a r a c a b a r c o m u m a
10
epidemia de m a l á r i a .
A viagem de Cruz e Penna à A m a z ô n i a ( 1 9 1 0 ) , cujo objetivo era a
fiscalização das condições sanitárias das obras de c o n s t r u ç ã o da linha da
estrada de ferro M a d e i r a - M a m o r é , destacou-se por sua importância. A li-
nha da estrada de ferro (pertencente ao império industrial do norte-ameri¬
c a n o Percival Farquar, proprietário de várias linhas maiores brasileiras e da
c o m p a n h i a de g á s e eletricidade do Rio de J a n e i r o ) foi c o n s t r u í d a para
facilitar a e x p o r t a ç ã o da b o r r a c h a das p l a n t a ç õ e s a m a z ô n i c a s . Ela deve
s u a a l c u n h a "ferrovia do diabo" a o grande n ú m e r o de operários m o r t o s
(muitas vezes ao fim de u m a crise de delírio febril, atribuída ao ataque dos
demônios) durante sua c o n s t r u ç ã o , quase sempre de f o r m a s malignas da
11
malária. Nessa viagem, Cruz observou as condições de vida dos habitan-
tes da região, notando por exemplo que, n a cidade de S a n t o Antônio,

os dejetos se acumulam nas ruas: encontram-se literalmente monta-


nhas de lixo [...] os animais são abatidos em plena rua, as vísceras e o
sangue são deixados ao lado das casas - o mau-cheiro resultante é
propriamente indescritível.

A o c h e g a r a o c a n t e i r o de o b r a s , C r u z considerou a eliminação dos


m o s q u i t o s impraticável e cara demais, e recomendou u m a "prevenção c o m -
p u l s i v a " da m a l á r i a o u , e m o u t r o s t e r m o s , a a d m i n i s t r a ç ã o forçada de
altas doses de q u i n i n o a o s operários e s u a p e r m a n ê n c i a o b r i g a t ó r i a e m
prédios protegidos por mosquiteiros após o cair do dia. A aplicação desses
m é t o d o s - a o s q u a i s ele p r o p ô s a c r e s c e n t a r a p r o f i l a x i a o b r i g a t ó r i a da
a n c i l o s t o m í a s e , o u t r a doença que diminuía a capacidade de t r a b a l h o dos
operários - devia ser parte integrante das obrigações incluídas n o c o n t r a t o
de trabalho. Ele preparou t a m b é m a lista das medidas punitivas visando a
obrigar os operários a se adaptarem a esse regime draconiano, e acrescenta
que "se a empresa n ã o se sentir c o m autoridade suficiente para impor tais
12
medidas, ela deve transferir esse poder ao g o v e r n o " .
As v i a g e n s dos pesquisadores do I n s t i t u t o O s w a l d o C r u z feitas a o
l o n g o dos a n o s 1 9 0 5 - 1 9 1 1 f u n c i o n a r a m c o m o fonte de observações i m -
p o r t a n t e s s o b r e as doenças t r a n s m i s s í v e i s - C h a g a s descreveu pela p r i -
meira vez a tripanossomíase que leva seu n o m e durante sua expedição a
Minas Gerais em 1 9 0 7 - , m a s n ã o t i n h a m c o m o objetivo explícito a explo-
r a ç ã o sanitária do interior do país. As viagens feitas entre 1 9 1 1 e 1 9 1 3
foram, em contrapartida, concebidas c o m o expedições de exploração cien-
tífica. Elas v i s a v a m inicialmente ao estudo das condições sanitárias e, e m
t e r m o s a m p l i a d o s , das condições de vida das populações do i n t e r i o r do
país. Entre s e t e m b r o de 1 9 1 1 e fevereiro de 1 9 1 2 , Astrogildo M a c h a d o e
A n t o n i o M a r t i n s descem os rios S ã o Francisco e Tocantins. A v i a g e m foi
financiada pela Estrada de Ferro Central do Brasil, c o m o objetivo de prepa-
rar a extensão da linha que ligava Pirapora ao Pará (Belém). Três expedi-
ções, financiadas pela Inspetoria da Luta c o n t r a a Seca, f o r a m realizadas
entre m a r ç o e o u t u b r o de 1 9 1 2 : a de A r t h u r Neiva e Belisário Penna aos
estados da Bahia, Goiás e Piauí, a de J o ã o Pedro de A l b u q u e r q u e e J o s é
G o m e s de Faria a o Ceará, e f i n a l m e n t e a de Adolpho L u t z e Astrogildo
M a c h a d o ao longo do rio São Francisco. A essas acrescenta-se a expedição
conduzida por Carlos Chagas, Pacheco Leão e J o ã o Pedro de Albuquerque à
bacia do A m a z o n a s entre o u t u b r o de 1 9 1 2 e m a r ç o de 1 9 1 3 , financiada
pelo escritório da supervisão da produção de b o r r a c h a . Os cientistas que
p a r t i c i p a r a m dessas expedições i n t e r e s s a r a m - s e antes de tudo pelas c o n -
dições s a n i t á r i a s , m a s t a m b é m r e u n i r a m coleções e x t e n s a s de p l a n t a s ,
minerais e insetos, traço característico das expedições de exploração "clás-
sicas". Os pesquisadores de M a n g u i n h o s fizeram t a m b é m m u i t a s f o t o -
grafias ilustrando a vida e os c o s t u m e s dos habitantes das regiões visita-
das. As expedições m e s c l a r a m , portanto, os aspectos sanitários, geográfi-
cos, botânicos, zoológicos, antropológicos e sociológicos c o m o estudo da
saúde das populações e estiveram estreitamente ligadas à observações dos
dados que influem na vida dos habitantes do interior, tanto de ordem cli-
m á t i c a c o m o econômica, que dependem da composição racial, das condi-
13
ções de vida o u ainda das c r e n ç a s .
Adolpho Lutz e Astrogildo Machado, que exploraram o rio S ã o Fran-
cisco, ficaram impressionados c o m o estado deplorável dos habitantes da
região. D e t i v e r a m - s e n a "degeneração" das populações locais, atribuída
antes de tudo a causas raciais e, apenas e m segundo lugar, à doença. O b -
servaram que

a região dá u m a impressão de pobreza e atraso. O elemento índio é


quase inexistente, e a raça negra predomina. Em alguns lugares, não se
vê nenhum branco, o que naturalmente afeta o comportamento da
população, que vive com recursos muito primitivos. [...] O progresso
não é possível se as pessoas se contentam em vegetar, sem procurar
melhorar sua vida. [...] Outros problemas, além do racial, bloqueiam o
progresso e aumentam a inação do povo: o calor e algumas doenças,
principalmente o impaludismo, mas também a doença de Chagas e a
14
ancilostomíase.

E m c o m p e n s a ç ã o , o relato de v i a g e m de Penna e Neiva a c e n t u a o


peso das doenças n a vida das pessoas das regiões do Nordeste. Penna e
Neiva descreveram as populações que sofriam de u m a pletora de patologi-
a s , m u i t a s v e z e s c o n c o m i t a n t e s : m a l á r i a , d o e n ç a de C h a g a s , m u i t a s
afecções por vermes, tuberculose, a s m a , doenças dos olhos, lepra, varíola
e doenças intestinais. A mortalidade infantil na região era m u i t o elevada.
Os autores ficaram, além disso, impressionados c o m a freqüência das do-
enças mentais e c o m a escassez de médicos, m e s m o nas cidades de médio
porte. As condições de saúde dos habitantes se degradavam e m r a z ã o de
f a t o r e s de o r d e m política, c o m o a s e m i - e s c r a v i z a ç ã o dos trabalhadores
15
pelos proprietários das plantações, c o m o aval das autoridades. Seu relato
sublinha a onipresença da doença. A s s i m , em Goiás, as pequenas cidades
são m u i t o pobres,

com populações de negros e mulatos tornados inválidos por esse


terrível flagelo a que chamamos doença de Chagas. Nenhuma das cida-
des tem mais de 4 0 0 habitantes. Há também pequenas cidades e lugare-
j o s . Os moradores destes últimos são em sua grande maioria vítimas da
tireoidite, da ancilostomíase e da malária. A falta de energia e de iniciativa
dessas pessoas é conseqüência do abandono em que vivem, e sua falta
de capacidade intelectual é resultado de u m a doença degradante e
16
destrutiva.

Carlos Chagas, Pacheco Leão e J o ã o Pedro de Albuquerque, após t e -


r e m explorado a região da A m a z ô n i a , m a r c a d a pela e x p a n s ã o dos serin-
gais, t a m b é m descreveram a "degeneração" das populações locais - c o m -
postas principalmente de índios e de mestiços índios/brancos - , que volta-
r a m a situar n o c o n t e x t o socioeconômico da exploração. Observaram que
os h o m e n s da região e r a m rudes e repugnantes, as mulheres feias e preco¬
c e m e n t e envelhecidas. Segundo eles, os habitantes da A m a z ô n i a são pre-
guiçosos, e só t r a b a l h a m quando forçados pelo proprietário a fazê-lo; não
t ê m n e n h u m a a m b i ç ã o e se c o n t e n t a m c o m a l g u m a s peças de roupa e u m
17
pouco de bebida a l c o ó l i c a . Q u a n t o aos índios da A m a z ô n i a ,

é desolador ver o que vimos nas casas das pessoas que trabalham nas
plantações de borracha no rio Negro: pequenas cabanas de palha des-
providas de qualquer conforto, abarrotadas de pessoas vivendo em
grande promiscuidade. No meio de u m a jornada de trabalho, os m e m -
bros da comissão puderam ver por si mesmos a famosa indolência do
índio, que vegeta em sua rede durante horas, sem nenhum movimento
para se levantar e fazer algo de produtivo. A seu lado, inspirando nossa
compaixão pelo estado de miséria em que estão mergulhadas, estão sua
mulher e suas crianças, todos vítimas da doença e da total falta de cuida-
dos. Não se pode esperar muito de pessoas primitivas e inferiores,
mantidas em u m estado de civilização tão baixo, e que se encontram
inteiramente à mercê do egoísmo do homem branco, ocupado apenas
em aproveitar de seu trabalho grosseiro e automático para obter borra-
cha, e que não faz nenhum esforço para iniciá-los nos rudimentos da
18
moralidade e do progresso.

Chagas, Leão e Albuquerque o b s e r v a r a m t a m b é m que as pessoas da


região sofriam de u m a t a x a excepcionalmente alta de doenças endêmicas,
sem n e n h u m acesso aos cuidados médicos. A o longo de todo o rio Negro,
c o m a absoluta ausência de médicos o u de farmácias, os habitantes estão
à m e r c ê de c h a r l a t õ e s ; n o rio N e g r o , onde se e n c o n t r a m as p l a n t a ç õ e s
m a i s p r ó s p e r a s , as condições de saúde das pessoas são p a r t i c u l a r m e n t e
abjetas: "Não e n c o n t r a m o s em parte a l g u m a u m a t a x a de mortalidade tão
alta e u m estado mórbido tão generalizado". Seu relatório t a m b é m subli-
n h a a interdependência das c a u s a s biológicas da doença (os micróbios, os
p a r a s i t o s , a " m á h e r a n ç a " , os fatores raciais) e sociais da morbidade. A
c o n c l u s ã o de Chagas, Leão e A l b u q u e r q u e enfatiza estes ú l t i m o s :

A causa da imensa hecatombe na Amazônia [...] é a total ausência de


medidas de proteção individual contra o impaludismo e o abandono dos
trabalhadores a u m estado mórbido ou à morte por uma patologia que
é completamente curável. Em última análise, o que constitui o maior
flagelo da região da Amazônia é o desprezo pela vida humana por parte
dos poderes públicos e dos proprietários dos seringais. Aí onde as rique-
zas da indústria dependem unicamente do trabalho dos homens, não
19
existe nenhuma noção do valor da vida h u m a n a .

Dos Doentes ao Vírus: as viagens dos especialistas da


Fundação Rockefeller ao interior do Brasil, 1917-1939

E m 1 9 1 7 , u m a c o m i s s ã o da Fundação Rockefeller - c o m p o s t a pelo


Dr. Gorgas, o Dr. Carter, o coronel Lyster e o Sr. W r i g h t s o n - c o n s t a t o u que
a febre a m a r e l a , q u e ela e s t a v a e n c a r r e g a d a de estudar, n ã o c o n s t i t u í a
u m a a m e a ç a i m e d i a t a n o Brasil. A doença, de fato, só se m a n t i n h a de
m a n e i r a p e r m a n e n t e na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte,
apesar de se poder excluir a reinfecção que atingia outras cidades, especial-
m e n t e Pará, Recife e Salvador. Os m e m b r o s da c o m i s s ã o se i n t e r e s s a r a m
t a m b é m pelo estado de saúde geral das populações e por suas condições de
vida. Seus relatórios dão u m a i m a g e m relativamente n u a n ç a d a dos l u g a -
res que v i s i t a r a m . O Dr. Carter descreveu s u a s impressões da v i a g e m a
Fortaleza (Ceará) da seguinte m a n e i r a :

O estado do Ceará tem seus problemas sanitários e outros, e a febre


amarela ocupa lugar apenas restrito entre estes problemas. A economia
do Ceará é baseada no pasto e na criação de animais domésticos, e nor-
malmente o estado produz alimento suficiente para consumo interno.
A comunicação no interior do estado se faz unicamente pela estrada:
não há rios navegáveis, nem linha ferroviária. A comunicação com
outras partes do Brasil se faz ou pela estrada, ou por mar. A região de
criação de gado, o sertão, é sujeita a secas periódicas, que geram u m
sofrimento importante: o gado morre, as pessoas deixam as regiões do
interior e migram aos milhares para Fortaleza e outras cidades da costa.
Muitos morrem de fome no caminho, outros sucumbem em grande
número a doenças provocadas pela falta de higiene nos bairros super¬
povoados nos quais são alojados ao chegar às cidades portuárias. A
varíola é muito freqüente durante esses períodos de seca. Em u m ano,
2 4 . 9 8 9 imigrantes mal alojados e desnutridos morreram de varíola em
Fortaleza. O último período de seca ocorreu em 1 9 1 5 ; havia o êxodo
habitual do sertão e a superpopulação habitual das cidades da costa.
Aproximadamente 75 mil pessoas se refugiaram em Fortaleza. Dessa
vez não houve epidemia de varíola, provavelmente graças a u m a enér-
gica campanha de vacinação e de revacinação conduzida pelas autorida-
des sanitárias. Observou-se, no entanto, u m a supermortalidade i m -
portante, principalmente por causa das doenças digestivas da infância.
A mortalidade foi particularmente importante entre os imigrantes, mas
as crianças da cidade também sofreram. A taxa habitual de mortalidade
em Fortaleza é de aproximadamente 1 4 0 pessoas por mês: entre dezem-
bro de 1 9 1 5 e março de 1 9 1 6 , ela chega a 8 0 0 pessoas por mês. Eviden-
temente, a causa precisa desses casos fatais continua muito duvidosa,
pois pouquíssimos casos foram vistos por u m médico; freqüentemente
o diagnóstico foi feito por u m policial. A cidade e os oficiais de saúde
ainda não se recuperaram do afluxo recente de retirantes. Todos os es-
forços se concentraram na prevenção da varíola e das doenças digesti-
vas, e todas as outras campanhas sanitárias foram interrompidas. [...]
Não há profilaxia sistemática da febre amarela. Não há dinheiro sufici-
ente para isso, e as finanças do estado reduziram-se severamente na
última seca. As autoridades nos impressionaram muito favoravelmen-
te, assim como o conjunto da população. São inteligentes, enérgicos e
muito desejosos de melhorar suas condições sanitárias. Acreditamos
que apreciarão a assistência que lhes será oferecida, e irão cooperar com
20
as pessoas que trarão esse auxílio.

E m 1 9 1 6 , o s D r s . C o u n c i l m a n e L a m b e r t , da Escola de M e d i c i n a
Tropical da Universidade de Harvard, j u n t a m - s e a u m a expedição que des-
ce o A m a z o n a s e m navio a vapor, principalmente c o m o objetivo de estu-
dar a g e o g r a f i a física do c a n a l de C a s i q u i a r e (que liga os rios Negro e
O r e n o c o ) . A o regressarem, p u b l i c a m suas observações sobre a saúde dos
habitantes, m a s t a m b é m sobre a geografia h u m a n a e a e c o n o m i a da r e -
gião. Insistem especialmente na exploração dos índios da A m a z ô n i a pelos
proprietários das plantações. Os r a r o s índios que v i v e m n a s regiões i n a -
cessíveis a o s c o l o n o s , explicam C o u n c i l m a n e Lambert, m o r a m e m casas
c o m u n i t á r i a s parecidas c o m as dos índios iroqueses da América do Norte;
v i v e m da c u l t u r a de p l a n t a s e, o c a s i o n a l m e n t e , da c a ç a . M a s a m a i o r i a
dos índios que v i v e m nas regiões acessíveis aos b r a n c o s
são praticamente escravizados pelos mercadores de borracha que ob-
tiveram grandes concessões do governo. Os índios perderam sua inde-
pendência, sua agricultura e sua arte desapareceram, e recebem por seu
labor rum, máquinas de costura, caixas de música e outros produtos
inúteis da civilização. Eles são, em geral, pacientes, dóceis, e não lhes
falta inteligência, todas características que tornaram fácil a sua explora-
ção. Nas regiões afastadas da civilização, cometeram-se atrocidades,
cidades inteiras foram queimadas, os homens, mortos, e as mulheres e
crianças, seqüestradas. [...] A população das cidades é muito variada.
[...]A riqueza gerada pela indústria da borracha atraiu a atenção dos
imigrantes do mundo inteiro. [...] Comércios específicos tornaram-se
monopólio dos grupos nacionais: o comércio ambulante está nas mãos
dos armênios, enquanto a prostituição, muito desenvolvida, é organi-
zada principalmente pelos poloneses. Muito poucos brancos trabalham
21
na colheita da borracha.

No relato de C o u n c i l m a n e Lambert, a descrição das cidades da A m a -


zônia compreende informações sobre a topografia e a arquitetura, as o c u -
pações dos h a b i t a n t e s , a n u t r i ç ã o , os c o s t u m e s locais e as doenças fre-
q ü e n t e s . U m a p a r t e i m p o r t a n t e de seu relatório é reservada à m a l á r i a ,
descrita c o m o a principal patologia da região e tratada c o m o o principal
responsável pela alta mortalidade infantil. Eles o b s e r v a r a m a elevada fre-
qüência da tuberculose e da sífilis, e a presença das úlceras decorrentes de
u m a l e i s h m a n i o s e c u t â n e a (doença p a r a s i t á r i a ) . T a m b é m a n o t a r a m de-
vastações pelo álcool, f o r m a de sujeitar os índios que t e m efeitos nocivos
t a m b é m s o b r e a p o p u l a ç ã o b r a n c a : "Se t i v é s s e m o s q u e selecionar u m a
doença da região que induz a o m a i s alto g r a u de degeneração [...], esta
seria o a l c o o l i s m o " . C o u n c i l m a n e L a m b e r t a s s i m c o n c l u e m :

É preciso dizer que, até o momento, o homem branco não conseguiu


criar u m estado desejável de civilização nesse país, mas isso tem várias
- razões. Em primeiro lugar, o tronco português inicial, ainda que no
passado tenha produzido espíritos arrojados e audaciosos, representa
u m a mistura de numerosos elementos raciais, muitos dos quais indese-
jáveis, e a parte desse tronco que vive no Brasil se deteriorou por causa
de uma forte mistura de sangue negro. Nos locais em que encontramos
portugueses de sangue puro, eles nos pareceram homens viris. Além
disso, os estrangeiros vindo desse país não chegaram c o m a idéia de
colonizar a terra, mas sim de explorá-la temporariamente.- [...] Parece-
nos que o desenvolvimento do país deveria passar por homens que
trabalhem eles próprios e que desenvolvam uma civilização adaptada
ao seu ambiente. [...] Mas o que mais falta no país é uma informação
exata sobre praticamente tudo: estabelecimento de plantações para u m
estudo das possibilidades da agricultura [...], estações florestais onde se
possa estudar intensivamente a floresta tropical [...] e estudos detalha-
dos e prolongados necessários à aquisição de um bom conhecimento
22
sobre as patologias do país.

Em 1 9 1 9 , o governo brasileiro cria o Serviço de Profilaxia Rural, cuja


direção é confiada a u m dos dirigentes do " m o v i m e n t o s a n i t a r i s t a " dos
anos 1 9 1 9 - 1 9 2 0 , Belisário Penna. Escritórios são abertos em todos os es-
tados da federação brasileira e procuram - c o m os modestos recursos pos-
tos à sua disposição - iniciar ações contra as principais doenças que atin-
g e m os h a b i t a n t e s do interior. Representantes desse serviço fizeram v i a -
gens s a n i t a r i s t a s d u r a n t e as quais se interessaram, antes de tudo, pelas
doenças vistas c o m o u m p r o b l e m a m a i o r (e tratável) de saúde pública:
tuberculose, varíola, malária, assim c o m o a doença de Chagas, m a s t a m -
bém pelas condições gerais de vida. Em 1 9 2 1 , o Dr. H. C. de Souza Araújo,
chefe do Serviço de Profilaxia Rural do Pará, descobre a A m a z ô n i a , onde
23
observa as condições sanitárias e a vida dos habitantes. O relato detalha-
do d e s s a l o n g a v i a g e m de b a r c o é u m a c u r i o s a m i s t u r a de d a d o s
epidemiológicos, descrições do l u g a r e da vida dos h a b i t a n t e s , detalhes
sobre a vida dos índios da região e histórias pitorescas. S o u z a Araújo re-
produziu as conversas que teve c o m os moradores, observou os tipos físi-
cos (especialmente as mulheres, nas quais verifica a rapidez c o m que en-
velhecem em r a z ã o das duras condições de vida) e descreveu a pobreza
e x t r e m a das regiões onde não se consegue c o m p r a r n e m comida, m e s m o
que gêneros de primeira necessidade, n e m p r o d u t o s m a n u f a t u r a d o s ; os
calçados são, assim, u m produto raro, reservado ao uso dos h o m e n s adul-
t o s q u e t r a b a l h a m fora, e as c r i a n ç a s v i v e m n u a s até a idade de 8 - 1 0
a n o s . C h o c o u - s e c o m a imoralidade dos h a b i t a n t e s do interior do Pará,
que, s e g u n d o ele, p r o s t i t u e m suas filhas, t ê m v á r i a s c o n c u b i n a s e n ã o
vêem inconveniente n a s relações entre negros e b r a n c o s . Se ele observou
os costumes dos índios "bons" das tribos Timbira e Tembé, em c o m p e n s a -
ção l a m e n t o u os crimes dos Urubu, acusados pelos habitantes da região de
n u m e r o s o s a s s a s s i n a t o s . Segundo S o u z a Araújo, c r i m i n o s o s b r a n c o s fu-
gidos da prisão na G u i a n a Francesa e s c o n d e m - s e entre os índios; a l é m
disso, eles têm u m "subchefe" branco pretensamente inglês, que ostenta o
n o m e de J o r g e A l m i r C o c k r a n e , fala v á r i a s línguas européias e que ele
suspeita que tenha sido enviado por u m a sociedade científica para coletar
animais o u plantas da floresta tropical e preferido a carreira de cacique a
24
voltar à c i v i l i z a ç ã o .
O principal objetivo da viagem de Souza Araújo e seus colaboradores
era, e n t r e t a n t o , observar a situação sanitária das populações do interior
do estado do Pará. Eles p a r a r a m em m u i t a s aldeias o u pequenas cidades e
e x a m i n a r a m seus h a b i t a n t e s , selecionando u m a a m o s t r a representativa
da população local. S o u z a Araújo e seus colegas t r a n s p o r t a r a m consigo o
e q u i p a m e n t o l a b o r a t o r i a l necessário a o e x a m e de s a n g u e , de fezes e de
urina, e ao diagnóstico das doenças parasitárias. C o n s t a t a r a m várias v e -
zes t a x a s e x t r e m a m e n t e elevadas de infecções atribuídas a doenças p a r a -
s i t á r i a s (as t a x a s de i n f e c ç ã o por v e r m e s , tais c o m o o a n c i l ó s t o m o , o
ascáride e o tricocéfalo e s t a v a m entre 8 0 e 1 0 0 % ; a e n o r m e m a i o r i a das
pessoas havia sido infectada por diversos vermes parasitas) e à malária. A
lista de doenças e a t a x a de infecção por parasitos variam pouco de cidade
para cidade, c o m quase toda a população sofrendo de doenças crônicas e de
a n e m i a severa (esta m a n i f e s t a ç ã o p a t o l ó g i c a se explica f a c i l m e n t e pela
elevada t a x a de infecções por vermes e de malária). Os m e m b r o s da expe-
dição distribuíram medicamentos c o n t r a vermes e quinina, m e s m o estan-
do conscientes de que, n ã o havendo a c o m p a n h a m e n t o médico r e g u l a r e
prevenção das doenças transmissíveis, o t r a t a m e n t o tinha utilidade m u i t o
reduzida. A c o n c l u s ã o de S o u z a A r a ú j o diverge da grande reivindicação
dos dirigentes do m o v i m e n t o s a n i t a r i s t a dos a n o s 1 9 1 6 - 1 9 2 0 (que deu
o r i g e m ao Serviço de Profilaxia Rural), os quais v i a m no s a n e a m e n t o do
interior do país a condição prévia necessária a seu desenvolvimento eco-
n ô m i c o . Para ele, o estado de saúde da população a m a z ô n i c a estava tão
degradado que era m a t e r i a l m e n t e impossível introduzir medidas de saúde
pública eficazes antes que houvesse u m a melhoria significativa da s i t u a -
ção econômica da região:

O governo deveria mandar engenheiros e agrônomos percorrerem o


interior do estado e ensinarem aos caipiras como cultivar suas terras e
como tirar do trabalho seu alimento e seu conforto. Com o aprendizado
do trabalho virá também a alfabetização, e uma centelha de ambição
poderá nascer: a aspiração à felicidade, à riqueza, à instrução, ao civis-
25
mo...

Os especialistas da Fundação Rockefeller estacionados no Brasil r a -


ramente se detiveram nas condições de vida dos habitantes das regiões que
visitam. Seus relatos de viagem são essencialmente centrados na presença
- o u ausência - de agentes da febre amarela (visíveis sob a forma de casos
clínicos) e do m o s q u i t o Aedes aegypti, seu vetor. U m a das razões da falta de
dados mais precisos sobre as condições de vida dos habitantes do país pode
ter sido o " c a r á t e r d e m o c r á t i c o " da febre a m a r e l a - a doença n ã o está
ligada a u m status socioeconômico particular; todo m u n d o pode ser picado
por u m m o s q u i t o . O único elemento m a i o r do risco de febre amarela é a
condição de recém-chegado ao país. A doença atingiu, de fato, de maneira
d e s p r o p o r c i o n a d a os i m i g r a d o s , m a s a m e a ç o u i g u a l m e n t e o s v i s i t a n t e s
ilustres. A l é m disso, a m u l t i p l i c a ç ã o do m o s q u i t o Aedes aegypti t a m b é m
n ã o estava ligada à pobreza o u à falta de higiene: larvas f o r a m e n c o n t r a -
das e m c a i x a s de c o n s e r v a a b a n d o n a d a s n a s f a v e l a s a s s i m c o m o n a s
concavidades dos o r n a m e n t o s do palácio presidencial.
E m abril de 1 9 2 1 , Fred Soper, e n t ã o responsável pelo c o n t r o l e da
ancilostomíase n o Nordeste (ele m o r a v a em Recife, capital de Pernambuco)
foi a Porto Calvo, e m A l a g o a s , p a r a o b s e r v a r os c a s o s de "febre m a l s ã "
noticiados por r u m o r e s persistentes. Seu relato não apresenta mais do que
p o u c o s detalhes sobre a localidade, concentrando-se majoritariamente nas
doenças e nos mosquitos. Soper descreve u m caso de suspeita típico:

Uma menina de sete ou oito anos desenvolveu uma febre muito alta. A
quinina não surtiu efeito algum. A morte, no quarto dia, foi precedida de
u m vômito negro e de uma anuria. Por causa da idade da doente e da
freqüência do impaludismo na região, o caso foi classificado apenas como
"suspeita", e os médicos não fizeram investigações mais aprofundadas.

Ao visitar a casa da menina, Soper encontrou muitas larvas de Aedes aegypti


nos recipientes de água:

aqui as pessoas estão mais distantes das fontes de água, e são relativa-
mente mais remediadas, e por isso capazes de comprar mais recipientes
de água do que os moradores dos bairros pobres. No alto da colina,
quase todas as casas são providas de grandes recipientes em terracota -
as "fôrmas" - para recolher e guardar a água da chuva. Esses recipien-
tes, de forma cônica, têm aproximadamente quatro pés de profundida-
de, são enfiados na terra e são muito difíceis de limpar ou de esvaziar. Se
u m serviço antilarvário vier se instalar aqui, esses recipientes serão u m
problema complicado. Praticamente todas as casas têm pelo menos uma
dessas "fôrmas", e muitas têm duas ou três. Encontramos larvas em
26
todas as que continham água.

O r e l a t o de S o p e r é sóbrio e l i m i t a - s e a o objetivo de s u a v i a g e m .
O u t r o s r e l a t o s de v i a g e m p r o d u z i d o s pelos e s p e c i a l i s t a s da F u n d a ç ã o
Rockefeller c o n s t r ó e m o c a s i o n a l m e n t e o q u a d r o de u m país p i t o r e s c o e
e s t r a n h o . Tais descrições o s c i l a m entre a exposição das diferenças que o
separam dos Estados Unidos (especialmente as condições de vida p r i m i t i -
vas e p o u c o higiênicas) e a acentuação das similaridades ( u m país de pio-
neiros e de imigração, que pode ser comparado aos Estados Unidos de ou¬
trora). M a s é a febre a m a r e l a que está n o centro dos relatos, através dos
casos recenseados e dos Aedes aegypti que a t r a n s m i t e m .
E m abril de 1 9 2 7 , Michael Connor, que à época dirigia o escritório
brasileiro da Fundação Rockefeller, viaja de barca ao longo do rio S ã o Fran-
cisco, atravessando os estados da Bahia e de M i n a s Gerais. Ele descreveu,
e m seu diário, sua visão de u m país povoado de insetos e, ocasionalmente,
de doenças febris:

Durante a noite em Pacu, fomos visitados por muitos insetos ávidos


por nos conhecer. Entre os insetos sugadores de sangue, pudemos ob-
servar unicamente alguns culicídeos (mosquitos). A barca fervilha de
baratas. Ainda não vi percevejos. [...] Ontem à noite, a barca foi nova-
mente invadida por borboletas noturnas, libélulas, formigas e muitos
outros insetos, mas não vi mosquitos. A água utilizada na barca é
retirada diretamente do rio. Essa água é tão lamacenta que as larvas só
podem ser vistas se estiverem se mexendo na superfície, e mesmo quan-
do a água é parcialmente clarificada pela sedimentação de grandes partí-
culas, ela mantém u m a cor opalina que torna difícil a observação. [...]
Peguei o cavalo pra ir à cidadezinha vizinha, onde, segundo o proprie-
tário do hotel, havia u m caso de vômito-negro. Encontrei o caso, que se
revelou u m exemplo clássico de febre terça. O doente vomitou uma
quantidade considerável de bile, que examinei estendendo-a numa lâmi-
na de vidro. Não encontrei o menor vestígio de vermelho, só de verde.
[...] A cidade de Remanso retira sua água do rio e dos pântanos
circundantes. Não se fez nenhum esforço para trazer água limpa. A
água é guardada em grandes recipientes de terracota. Examinamos doze
desses recipientes: dez estavam infestados por larvas, seis por Stegomyia
e os outros por Culex. Todas as pessoas interrogadas nos responderam
que a cidade é infestada por mosquitos dia e noite. [...] Em Pilão Arcado,
a água é retirada diretamente do rio. Ontem inspecionei muito cuidado-
samente todos os recipientes de água, e não encontrei uma só larva.
Também não vi Aedes aegypti adultos, e os passageiros não se queixaram
de picadas de mosquitos durante o dia. [...] Chegamos a Barra (Bahia)
ao cair da noite, tarde demais para fazer inspeções. Não há nenhuma
iluminação nas ruas. No passado, a cidade era iluminada por lâmpadas,
mas, segundo o doutor Ferreira, seus moradores são muito pobres
para poder comprar petróleo. A cidade tem aproximadamente 1.500
casas, e quase 8 . 0 0 0 habitantes. Toda a água vem do rio e é guardada
nos habituais recipientes em terracota. [...] Perto de Pirapora (Minas), as
pessoas que se aproximam da barca têm freqüentemente ar de quem
sofre de impaludismo, de ancilostomíase, de sífilis e de desnutrição. A
cada parada, entre vinte e cem pessoas juntaram-se em volta da barca.
Entre eles, de três a doze cegos cantam uma canção lastimosa ou recitam
u m poema, para ganhar alguns réis para sua porção diária de arroz ou
de farinha de mandioca. [...] Em Lapa, uma agradável cidade de 4 . 0 0 0
habitantes, há u m campo inundado entre a cidade e a margem do rio,
onde se encontram água estagnada e muitas larvas de mosquitos. [...]
As principais doenças em Lapa são a febre tifóide, o impaludismo e a
ancilostomíase. Há u m impaludismo pernicioso, mas não o "vômito-
negro". A pneumonia causa muitas mortes entre as crianças. Durante
dois meses, há u m a feira na cidade, e peregrinos visitam u m a igreja
situada n u m a gruta, conhecida como lugar de curas milagrosas. O
doutor Castro diz que os peregrinos contribuem para a difusão de do-
enças venéreas, da tuberculose e da pneumonia. [...] Em Januária (Mi-
nas), o abastecimento de água vem do rio, mas também dos poços
cercados de paredes de tijolos, pedra ou cimento, chamados cisternas.
Os mosquitos abundam em todos os bairros da cidade. Em vários luga-
res, encontrei anofelinos, culicídeoseAedes aegypti na mesma casa. Pude
inspecionar 4 2 casas em quatro seções da cidade e encontrei um índice de
27
Aedes aegypti de 6 0 % .

Em m a r ç o de 1 9 2 7 , Lucian S m i t h , u m dos responsáveis pela c a m p a -


n h a c o n t r a a febre amarela n o Brasil, faz u m a viagem de estudos a Juazeiro
do Norte, n o Ceará (e não Juazeiro da Bahia, cidade descrita por Connor).
Esse lugar de peregrinação - que venera u m "santo" local, o Padre Cícero,
religioso e x c o m u n g a d o de carreira política agitada e conhecido e m todo o
Nordeste c o m o m i l a g r e i r o - foi descrito pelos especialistas da F u n d a ç ã o
Rockefeller c o m o u m potencial reservatório de germes perigosos, por causa
da alta concentração de população pobre e da amplitude das peregrinações.
Em 1 9 2 7 , os responsáveis pela Fundação Rockefeller v i r a m - s e m u i t o perto
da e l i m i n a ç ã o definitiva da febre a m a r e l a n o Brasil, daí a i m p o r t â n c i a
dada à inspeção das localidades afastadas, pois a presença da doença n e s -
sas regiões tornava impossível a declaração oficial de sua erradicação. S m i t h
viajou para determinar se a mortalidade infantil p a r t i c u l a r m e n t e elevada
de Juazeiro do Norte podia ser atribuída à febre amarela. Ele concluiu que
as crianças m o r r i a m de gastrenterite; os sinais clínicos da doença não eram
os da febre amarela, e a densidade dos Aedes aegypti em Juazeiro do Norte era
m u i t o pouco elevada. Na ausência de febre amarela, S m i t h deteve-se - e x -
cepcionalmente - em outras patologias, e a c h o u que a desastrosa situação
sanitária de J u a z e i r o do Norte deveria ser explicada pela "degeneração" de
seus habitantes, resultado inelutável da m á herança genética:

Uma enquete que acabo de concluir mostra claramente que a morta-


lidade infantil em Juazeiro é particularmente elevada nos bairros mais
pobres e mais sujos, e diminui nos setores onde se podem observar
sinais de higiene e saneamento. [...] As crianças de Juazeiro que não
estão doentes passam todo o tempo na rua. São subnutridas, subdesen-
volvidas, muitas vezes parvas ou fisicamente deformadas. Represen¬
tarn u m quadro abjeto e deprimente. [...] Apesar de Juazeiro ter u m a
estação de profilaxia rural dirigida por u m médico e de contar agora
com dois médicos que clinicam em regime particular, muito poucas
crianças com gastrenterite recebem cuidados médicos. [...] O Dr. Costa
explicou-me que, em sua opinião, a altíssima prevalência de gastrenterite
em Juazeiro tem u m a explicação simples: a grande pobreza e a igno-
rância da população. As pessoas são muito pobres para irem ao médi-
co, e muito ignorantes para saberem como alimentar seus bebês. [...] O
Dr. Vitorino deu a mesma explicação: uma alimentação precária, aliada
à extrema pobreza e a miseráveis condições de vida. [...] "Juazeiro do
Padre Cícero" começou como u m pequeno aglomerado e cresceu em
torno do padre Cícero. [...] A fama de curador milagroso do padre
Cícero rapidamente se espalhou. Os enfermos, os cegos e os aleijados
foram atraídos por essa fama. Alguns voltaram para casa, mas muitos
ficaram em Juazeiro. A cidade se construiu sobre uma mistura de igno-
rância, criminalidade e fanatismo, de pobreza, doença, deformidade e
uma desordem física e moral generalizada. Esses fundadores, seus filhos
e netos são, hoje, o principal componente da comunidade de Juazeiro.
Não é de espantar que a grande maioria dos moradores dessa cidade
exiba sinais de deficiência mental, como a incapacidade de se adaptar a
seu ambiente, assim como os estigmas de uma degeneração física, como
28
a baixa resistência às doenças.

Nos a n o s 1 9 2 0 , o s especialistas da Fundação Rockefeller definem a


febre a m a r e l a c o m o u m a doença caracterizada pela icterícia pronunciada,
pela oliguria e pelo v ô m i t o de sangue. E m 1 9 2 9 , M u e n c h , o u t r o especia-
lista da F u n d a ç ã o Rockefeller, visita a cidade do M a r a n h ã o , onde f o r a m
registrados casos suspeitos de febre amarela; ele examina u m doente aten-
dido n o hospital local. O doente pensava estar sofrendo de u m a indigestão
severa, m a s M u e n c h estima que os sintomas - febre alta, náuseas, v ô m i -
tos, icterícia, língua m u i t o vermelha, pulso rápido, olhar ansioso e albumina
n a u r i n a - são antes típicos da febre a m a r e l a . Ele acrescentou: "Exprimi
m i n h a opinião de que se trata, m u i t o provavelmente, de febre amarela, e
que teremos u m a ó t i m a oportunidade de prová-lo na autópsia". O doente
m o r r e , c o m efeito, n o dia seguinte às 1 3 h 4 5 m , e M u e n c h é convidado a
participar da a u t ó p s i a feita três h o r a s depois. Ele c o n s t a t a que os sinais
patológicos - icterícia pronunciada, lesões dos rins e presença de s a n g u e
coagulado n o e s t ô m a g o - c o n f i r m a m u m diagnóstico m u i t o provável de
29
febre a m a r e l a . Apesar de, nos anos 1 9 2 0 , pelo menos u m método experi-
m e n t a l de v i s u a l i z a ç ã o da presença do vírus - o e x a m e de a m o s t r a s de
fígado do doente falecido por u m patologista experiente - j á ter sido e m -
pregado no Brasil, M u e n c h não menciona a possibilidade de sua utilização.
Em j a n e i r o de 1 9 2 9 , c o n s t a t a r a m o r t e em conseqüência da febre amarela
c o n t i n u a sendo possível, apesar da inexistência de resultados de e x a m e s
de laboratório. O que praticamente deixará de ocorrer após 1 9 3 0 .

Coleta de Soros e Pesquisa dos Vírus

A introdução dos testes de proteção do camundongo


Entre 1 9 2 8 e 1 9 2 9 , a a c u m u l a ç ã o de dados epidemiológicos pôs fim
à c o n v i c ç ã o dos especialistas da Fundação Rockefeller de que na A m é r i c a
Latina só havia febre amarela endêmica em u m n ú m e r o restrito de regiões.
Em 1 9 2 9 , especialistas da Fundação Rockefeller c o n s t a t a r a m em a l g u m a s
regiões a m a z ô n i c a s que os casos registrados de febre amarela referiam-se
apenas aos estrangeiros, e que os nativos eram poupados, o que parecia
30
indicar a p r e s e n ç a e n d ê m i c a da doença em toda a r e g i ã o . Da m e s m a
forma, em j a n e i r o de 1 9 2 9 M u e n c h explica a seu colega Crawford que

se há um caso visível de febre amarela (na Bahia), sem dúvida há


vários casos desconhecidos, e há grande chance de que a febre amarela j á
tenha ocorrido nos lugares há bem mais tempo. [...] Pode-se considerar
que, em uma dada população, um caso clínico de febre amarela seja
uma exceção, e que casos assim não sejam mais do que uma pequena
fração do conjunto dos casos. O surgimento periódico de um caso clíni-
co em uma dada localidade é uma indicação da persistência da infecção
31
nessa localidade.

Resta, a partir de então, determinar a forma de pôr em evidência a presen-


ça invisível do agente da febre amarela.
Em u m c o m e n t á r i o sobre a e x t e n s ã o dos testes de l a b o r a t ó r i o n o
diagnóstico da febre amarela, Connor observou em abril de 1 9 3 0 que será
preciso "levar o laboratório ao campo", a u m e n t a n d o o n ú m e r o dos labora-
32
tórios regionais e ampliando a coleta de s a n g u e . S a w y e r , que visitou o
Brasil no verão de 1 9 3 0 , t a m b é m sublinhou a importância das pesquisas
de c a m p o para a o r i e n t a ç ã o da i n t e r v e n ç ã o da F u n d a ç ã o Rockefeller no
33
Brasil. Ele propôs destacar u m epidemiologista n o r t e - a m e r i c a n o assisti-
do por u m brasileiro para o laboratório da Bahia, para fazer as enquetes
34
que d e t e r m i n a r i a m os alvos das f u t u r a s c a m p a n h a s a n t i m o s q u i t o . Se,
entre 1 9 2 3 e 1 9 2 7 , os especialistas da Fundação Rockefeller dedicavam-se
u n i c a m e n t e à redução da densidade dos Aedes aegypti em todas as grandes
cidades do norte do Brasil, a epidemiologia da febre amarela, de cuja c o m -
plexidade se deram c o n t a tardiamente, exigia u m o u t r o tipo de resposta;
aqui, o "método científico" não era mais a aplicação fiel de u m a teoria (a
do foco-chave), m a s s i m a c o m b i n a ç ã o adequada das análises de l a b o r a t ó -
r i o q u e r e v e l a m a p r e s e n ç a do a g e n t e da febre a m a r e l a e das a ç õ e s
conduzidas e m c a m p o c o n t r a este agente e seus vetores.
E m 1 9 2 9 , inexistem os métodos de visualização direta dos v í r u s (a
m i c r o s c o p i a eletrônica, especialmente). A presença de v í r u s podia ser de-
m o n s t r a d a o u diretamente pela indução de u m a doença experimental e m
u m animal receptivo, o u indiretamente, pondo em evidência anticorpos es-
pecíficos c o n t r a este v í r u s . Froshbinder e seus colegas do l a b o r a t ó r i o da
Bahia tentaram, em 1 9 2 9 , desenvolver u m teste de fixação de complemento
capaz de revelar a presença de anticorpos contra o vírus da febre amarela em
u m tubo de ensaio. O risco de reação cruzada entre os anticorpos contra o
v í r u s da febre a m a r e l a e o u t r a s doenças tais c o m o a m a l á r i a e a sífilis,
conhecidas por introduzirem "falsos positivos" nos testes sorológicos, c o l o -
cava u m sério problema. Os pesquisadores da Bahia tiveram, efetivamente,
que fazer face a u m a reação cruzada entre os soros dos doentes de sífilis e de
febre amarela; em compensação, a febre amarela e a malária não provoca-
r a m tais reações. Os primeiros resultados de fixação do complemento foram
considerados animadores, m a s não suficientemente precisos para que o tes-
te pudesse ser utilizado exclusivamente em investigações epidemiológicas
( 1 0 % de erro). Esse teste podia tranqüilamente, segundo Frobisher, ser usado
35
c o m o complemento de outros exames de laboratório.
Os testes de proteção (que revelavam t a m b é m a presença de anticorpos
c o n t r a a febre amarela) f o r a m inicialmente realizados em m a c a c o s . O l a -
boratório da Bahia e, e m m e n o r escala, os laboratórios periféricos de Recife
e de Belém r e c o r r e r a m a essas práticas. E m 1 9 2 9 , Soper propôs realizar
u m e s t u d o epidemiológico n o sul do Brasil, n a r e g i ã o de M a g é , cidade
suspeita de ser u m foco importante da febre amarela desde 1 9 2 8 . Na épo-
c a , S o p e r i m a g i n a v a q u e a febre a m a r e l a era u m a d o e n ç a freqüente, e
quase sempre benigna, na infância, que, a s s i m c o m o a poliomielite, só se
t o r n a v a visível n o s raros casos de afecção grave. Ele pediu ao diretor da
IHD q u e f i n a n c i a s s e u m a e n q u e t e epidemiológica p r e l i m i n a r utilizando
u m a centena de m a c a c o s . Dado o c u s t o dessa enquete, Russel pediu o p i -
nião à estatística da IHD, Persis P u t n a m . Após receber u m parecer favorá-
36
vel, ele Liberou os recursos financeiros necessários. Em 1 9 3 0 , o laborató-
rio da Bahia realizou 1 4 4 testes de proteção nos m a c a c o s : 4 4 r e v e l a r a m -
37
se p o s i t i v o s . Na primavera de 1 9 3 1 , a primeira investigação epidemiológica
baseada n a coleta dos soros foi realizada em Cambuci, n o norte do estado
do Rio de J a n e i r o , onde houvera u m a eclosão de febre a m a r e l a e m 1 9 3 0 .
Os s o r o s f o r a m enviados a o l a b o r a t ó r i o c e n t r a l da IHD e m N o v a York,
alguns f o r a m submetidos ao teste de proteção do m a c a c o , o u t r o s ao teste
de fixação de complemento. A epidemia de C a m b u c i foi m u i t o pouco viru¬
lenta: c o n t a r a m - s e seis m o r t o s e m m a i s de 2 0 0 casos típicos da doença;
Soper a c h o u que o n ú m e r o pouco elevado de vítimas permitia considerar
38
u m a imunidade preexistente da p o p u l a ç ã o . Segundo ele, a população de
Cambuci e as autoridades locais colaboraram plenamente c o m os enviados
da F u n d a ç ã o Rockefeller; estes c o n s e g u i r a m c o l e t a r 6 0 0 s o r o s e m u m a
população de 8 5 0 pessoas. As crianças de m e n o s de dois a n o s f o r a m e x -
cluídas da coleta. Alguns tubos contendo soro se quebraram n o transporte
p a r a o laboratório de Nova York; o u t r o s soros f o r a m c o n t a m i n a d o s ; e m
alguns casos, a quantidade de soro coletado n ã o foi suficiente para a rea-
lização dos testes - o fato é que aqueles que puderam ser testados deram
39
bons resultados.
O desenvolvimento do teste de proteção do c a m u n d o n g o que c o m b i -
n a v a u m g r a u aceitável de precisão e b a i x o c u s t o ampliou as possibilida-
des de realizar pesquisas epidemiológicas de c a m p o . O teste permitiu ates-
t a r a presença do v í r u s e m determinado l u g a r ( c o m os indivíduos tendo
produzido anticorpos c o n t r a o v í r u s ) , m a s t a m b é m determinar - e x a m i ¬
n a n d o - s e o s a n g u e das c r i a n ç a s n o v a s - se ele havia estado presente n o
passado (por exemplo, se em u m a localidade os adultos de mais de 2 0 anos
p o s s u e m anticorpos c o n t r a o vírus da febre amarela, m a s os adolescentes
e as crianças n ã o o têm, pode-se supor que a febre amarela deixou de ser
endêmica há aproximadamente 2 0 anos; se as crianças pequenas continuam
a ter anticorpos c o n t r a a febre amarela, pode-se supor que a doença persis-
te n a localidade). O teste de p r o t e ç ã o do c a m u n d o n g o foi i n i c i a l m e n t e
calibrado por S a w y e r para u m a especificidade m á x i m a (ou seja, de modo a
limitar ao m á x i m o os falsos positivos, m e s m o correndo-se o risco de p r o -
duzir u m certo n ú m e r o de casos falsos negativos: tal calibragem é adapta-
da à investigação dos casos individuais de febre a m a r e l a ) . M a i s tarde, ele
foi modificado p o r S o p e r e calibrado p a r a u m a sensibilidade m a i o r (ou
seja, de m o d o a l i m i t a r ao m á x i m o o n ú m e r o de c a s o s falsos negativos,
m e s m o correndo-se o risco de produzir u m certo n ú m e r o de falsos positi-
40
v o s : tal c a l i b r a g e m adapta-se m e l h o r às enquetes epidemiológicas).
C o m a introdução sistemática do teste de proteção, o laboratório da
Bahia c o n s u m i u grande quantidade de c a m u n d o n g o s , criados nos Estados
Unidos e encaminhados ao Brasil por navio. E m j u n h o de 1 9 3 1 , o labora-
tório da Bahia encomendou mil c a m u n d o n g o s por s e m a n a de u m criador
c o m e r c i a l da Pensilvânia ( K a u f f m a n ) . E m r a z ã o da a l t a mortalidade dos
a n i m a i s d u r a n t e o traslado, eles f o r a m obrigados a pedir 1 . 8 0 0 c a m u n -
dongos suplementares ao laboratório da Fundação Rockefeller de Nova York
(ao preço médio de 1 8 cents por c a m u n d o n g o ) . As necessidades do labora¬
tório da Bahia f o r a m estimadas em 6 . 0 0 0 c a m u n d o n g o s por mês para o
diagnóstico de rotina, e em n ú m e r o ainda maior nos períodos de enquetes
epidemiológicas. Dada a amplitude da demanda brasileira, e os problemas
para criá-los, diante das recorrentes epidemias de tifo m u r i n o , os respon-
sáveis pelo laboratório da IHD em Nova York a c o n s e l h a r a m seus colegas
41
da Bahia a instalar u m a criação local de c a m u n d o n g o s . Em 1 9 3 1 , o la-
b o r a t ó r i o da Bahia i n a u g u r a , p o r t a n t o , a criação, e e n c o m e n d a 5 0 0 c a -
m u n d o n g o s b r a n c o s (Swiss) de Nova York para, u m a vez resolvidos os
42
p r o b l e m a s iniciais, i n i c i á - l a . M e s m o c o m c a m u n d o n g o s criados l o c a l -
mente, o custo das enquetes epidemiológicas c o n t i n u o u relativamente alto
(eram necessários oito c a m u n d o n g o s para testar u m soro; em caso de dú-
vida, o soro era retestado). Soper, consciente de que esse custo podia retar-
dar o a n d a m e n t o das investigações epidemiológicas, esforçou-se por c o n -
vencer seus superiores h i e r á r q u i c o s de sua i m p o r t â n c i a . A eficiência da
luta c o n t r a a febre amarela no Brasil, explicou, depende da capacidade de
identificar corretamente as zonas de endemicidade da febre amarela, o que
só pode ser feito por meio de enquetes epidemiológicas realizadas em larga
escala: "Muitas vezes tenho a impressão de que as pessoas em Nova York
43
não se dão conta de que o Brasil é m u i t o maior do que i m a g i n a m " .

A prática dos testes de proteção dos camundongos


No o u t o n o de 1 9 1 3 , o laboratório da Bahia inicia o estudo sistemá-
44
tico dos soros coletados d u r a n t e as enquetes epidemiológicas. Os soros
provenientes do interior trazem o nome, a idade e a raça do doador (B para
45
branco, Ρ para preto e Μ para m u l a t o ) . O fato de os soros serem classifi­
cados segundo a raça indica que a pesquisa de anticorpos específicos c o n -
tra o vírus da febre amarela - atividade que deveria, em princípio, basear-
se na suposição de que o desenvolvimento da imunidade depende u n i c a -
mente de u m c o n t a t o ulterior c o m o vírus - não era totalmente imune às
seqüelas da teoria da "resistência racial" à febre amarela. Soper considerou
que a resistência racial, se é que ela existe, não tem grande importância,
46
mas alguns de seus colegas talvez fossem de opinião c o n t r á r i a .
O laboratório da Bahia desenvolveu t a m b é m vários testes cujo obje-
tivo era a verificação do diagnóstico de febre amarela. Trechos do diário
(mantido por Nelson Davis) desse laboratório referentes a m a i o de 1 9 3 1
dão u m a idéia da estreita imbricação da pesquisa c o m os testes de rotina,
as atividades de laboratório e os trabalhos em campo:

2 de maio: Dois lotes de mosquitos Rivas e dois lotes de mosquitos A.


W. B. foram deixados se alimentando em novos macacos, para assim se
obter sangue para dessecagem. U m dos macacos da série da imunização
dos coelhos morreu com grandes lesões. Hoje deveremos ter boas au-
tópsias e u m a ou duas febres pela manhã (experiência em macacos). O
Dr. Kumm examinou uma secção do fígado de Camorim, mas não
ficou muito seguro a seu respeito, e consultou o Dr. Araújo. [...] 6 de
maio: Passei boa parte do dia preparando o material para o teste de
fixação do complemento. Recebemos uma caixa cheia de amostras de
soros do Recife [...] 9 de maio: U m relatório positivo sobre o fígado de
Camorim foi enviado a Rickard e a Soper. [...] Passei praticamente o dia
inteiro verificando os resultados de fixação de complemento nos soros
de Cambuci. Os vírus estão em mau estado. Os animais morrem sem
febre, ou então não morrem. [...] 12 de maio: Recebi uma caixa de soros
do Dr. Rickard (da cidade de Vitória). Os meninos procuram morcegos,
mas hoje não encontraram nada. Entretanto, descobriram muitos Pistia
(uma espécie de vegetação que contém larvas de mosquitos) que o Dr.
Kumm vai procurar transplantar para u m local fora da Bahia, para lá
tentar estabelecer u m bom foco. [...] 1 7 de maio: Recebemos vênulas
com sangue de pessoas de Iquitos (Peru). O Dr. Kumm tentou alimentar
alguns Mansonia (outra espécie de mosquito) 'infectados' em u m novo
macaco. Os mosquitos hesitaram em picar o macaco. [...] 2 1 de maio:
Verifiquei a lista dos lotes de mosquitos, e eliminei alguns lotes velhos
demais. Também preparei 9 0 0 camundongos que serão enviados ao Rio
amanhã. [...] 2 2 de maio: Houve u m enorme desastre nas gaiolas de
camundongos preparadas para serem enviadas ao Rio. Apesar de terem
sido corretamente ventiladas, grande número de animais morreu de
asfixia esta noite. [...] 2 5 de maio: O Dr. Soper enviou u m telegrama
para dizer que, em sua opinião, os soros de Cambuci foram contami-
nados em larguíssima escala na Bahia. Mas as ampolas que chegaram
aqui estavam freqüentemente turvas. Para mim, está claro que a mai-
oria dos soros j á chegaram contaminados. Algumas contaminações
suplementares podem ter ocorrido no laboratório. [...] 2 9 de maio: A
estação das chuvas chegou há 4 8 horas; temperaturas baixas, chuvas
torrenciais, vazamento de água nos prédios. Selecionei algumas amos-
47
tras de tecido a serem enviadas a Baltimore.

A eficiência das enquetes epidemiológicas dependia da confiabilidade


dos testes de proteção do c a m u n d o n g o . Esse teste utilizava, e m geral, oito
c a m u n d o n g o s p a r a cada soro (em a l g u n s casos, f o r a m testadas t a m b é m
diluições; o m e s m o n ú m e r o de c a m u n d o n g o s era necessário para cada di-
luição). U m soro que n ã o houvesse protegido n e n h u m c a m u n d o n g o c o n -
t a v a c o m o n e g a t i v o , aquele que havia protegido todos o s c a m u n d o n g o s
c o n t a v a c o m o positivo; c o m o deveria ser classificado o teste que dava u m
resultado i n t e r m e d i á r i o (por e x e m p l o , dois c a m u n d o n g o s m o r t o s e seis
vivos)? A regra foi retestar o soro se o teste tivesse objetivo diagnóstico, e
n ã o repetir o t e s t e se ele tivesse sido feito n o â m b i t o de u m a enquete
epidemiológica. Os debates a esse respeito e s t i v e r a m a b e r t o s por muito
t e m p o . A l g u n s especialistas e r a m favoráveis à classificação de u m teste
intermediário c o m o negativo, outros propuseram criar u m a categoria espe-
48
cial para os "soros duvidosos". U m o u t r o problema foi a calibragem dos
testes, a fim de tornar os resultados obtidos em diferentes laboratórios tão
homogêneos q u a n t o possível, apesar das diferenças inevitáveis entre os l o -
tes de camundongos e as preparações do vírus. Amostras de soros positivos
e n e g a t i v o s da Bahia f o r a m s i s t e m a t i c a m e n t e enviadas a Nova York e a
Toronto para u m exame comparativo, c o m o fim de assegurar-se de que o
49
laboratório baiano continuava a m a n t e r altos padrões diagnósticos.
O s t e s t e s de l a b o r a t ó r i o foram integrados às investigações
epidemiológicas de rotina. Em fevereiro de 1 9 3 1 , ao observar u m a criança
que padecia de u m a doença s e m e l h a n t e à febre a m a r e l a , D o y l e a n o t o u :
50
"Tenho a intenção de v o l t a r aqui para colher a m o s t r a s de seu s a n g u e " .
E m m a r ç o de 1 9 3 2 , Soper vai a Pitangui, onde h a v i a m sido registrados
c a s o s de febre s u s p e i t a , e s p e c i a l m e n t e e m c r i a n ç a s . U m a desses c a s o s
m o s t r o u sinais clínicos que poderiam ser de febre amarela (febre alta, anuria,
vômitos). Soper escreveu em seu diário: " U m a coleta de sangue foi feita às
4 h o r a s da tarde, p a r a injeção n o c a m u n d o n g o " . Q u i n z e camundongos
f o r a m inoculados n o dia seguinte e v i a j a r a m de avião c o m Soper, o que
permitiu sua chegada ao laboratório da Bahia em boa saúde. Soper obser-
v o u que a doença observada em Pitangui n ã o era, provavelmente, a febre
amarela, pois a zona da coleta era alvo de u m a c a m p a n h a de controle dos
Aedes aegypti. M e s m o a s s i m , v i s t o que o Serviço da Febre A m a r e l a (SEA)
c h e g a r a r e c e n t e m e n t e à q u e l a região, n ã o se podia e x c l u i r t o t a l m e n t e a
51
possibilidade de se t r a t a r de u m a febre amarela "atípica".
Pesquisas de laboratório completaram as observações epidemiológicas
tradicionais. As paisagens e os habitantes continuam a ser vistos do ângulo
da multiplicação dos mosquitos e da circulação do agente da febre amarela.
Soper observa, desse modo, que

Pitangui é uma cidade de aproximadamente 8 5 0 casas; vêem-se cons-


truções novas e as ruas estão sendo pavimentadas. A água fica nas
ruas, e há u m brejo margeando a cidade. Pitangui tem seis médicos, cuja
clientela é composta pelos proprietários e pelo pessoal das plantações de
cacau próximas à cidade. A malária é considerada o principal flagelo da
região. O dinheiro parece não faltar, mesmo nestes tempos difíceis, como
testemunha a abundância do estoque de perfumes e produtos de
maquiagem vistos nas farmácias locais e nos rostos das prostitutas
mulatas. A presença destas pode indicar que a região é mais ou menos
52
uma estação da contínua transferência do vírus da febre amarela.

A coleta de soros tornou-se u m a atividade de rotina dos especialistas


da Fundação Rockefeller. Em m a r ç o de 1 9 3 2 , Soper a n o t o u em seu diário:

Pedir a Doyle que complete a coleção preliminar de sangue em


Pernambuco, enviando 1 0 0 sangues de Triunfo e 1 0 0 de Leopoldina, 25
de crianças de menos de 5 anos, 2 5 de crianças de 5 a 10 anos e 5 0 de
pessoas de mais de 10 anos, todas nascidas na localidade, e não mais de
duas por família. Doyle contou que enviara 28 sangues da região de
Tamboril e de Curral Velho na semana passada. Enviei a Davis um tele-
grama pedindo-lhe que faça o teste de proteção do soro nesses san-
53
gues.

Por vezes as circunstâncias da coleta são menos habituais. Em 1 9 3 2 , César


( u m dos empregados da Fundação Rockefeller) fez u m a excursão à região
amazônica para u m a coleta de soros de índios. A expedição foi u m sucesso,
e ele traz 1 . 0 3 3 a m o s t r a s de soro. Ele relata que u m tubo de brilhantina
pode convencer u m pai a fazer u m a sangria em toda a família. Os espelhos
t a m b é m são apreciados pelos autóctones, assim c o m o os tubos vazios, que
54
serviram para guardar as cânulas utilizadas para as coletas de s a n g u e .
Todavia, a coleta de soros, especialmente entre as crianças ( i m p o r -
tantes para o a c o m p a n h a m e n t o epidemiológico), esbarrava, ocasionalmente,
na resistência dos habitantes, atribuída ao atraso e à falta de educação das
populações locais. K u m m c o n t o u c o m o , durante a coleta de sangue em São
G o n ç a l o (onde f o r a m e n c o n t r a d o s seis fígados positivos - o u seja, seis
c a s o s de febre a m a r e l a - em u m a cidadezinha de 5 0 0 h a b i t a n t e s ) , ele
procedeu ao recenseamento dos habitantes m a r c a n d o as casas c o m lápis
azul. Rumores o associaram ao Anticristo, acusando-o de contar as almas
a n t e s do j u l g a m e n t o final, de c o l e t a r s a n g u e para o diabo. Felizmente,
K u m m conseguiu convencer o pároco local, Padre Luís Gonzaga, a endos-
sar, c o m sua autoridade, a coleta de sangue. Ele conseguiu, desse modo,
obter várias a m o s t r a s de sangue e provar que a febre amarela era endêmica
55
em São G o n ç a l o . S a w y e r afirmou que Smillie era suspeito de ter relações
c o m o o diabo porque ele estudava o sangue das crianças em u m a c â m a r a
escura (para a avaliação da h e m o g l o b i n a ) ; os nativos lhe a t r i b u í r a m pés
56
tendidos. O próprio Smillie c o n t o u sua versão da história. Durante u m a
enquete epidemiológica no estado de Pernambuco, os inspetores do Serviço
da Febre Amarela e s b a r r a r a m na oposição dos moradores, que lhes b a t e -
r a m a porta na cara. Smillie vai, a c o m p a n h a d o de u m colega, a cavalo a
P e r n a m b u c o , para t e n t a r elucidar a fonte do problema; a c a m i n h o , eles
e n c o n t r a m u m h o m e m que os a m e a ç a c o m sua a r m a de fogo. Interrogado,
ele aponta suas b o t a s de caubói, e exige que eles a tirem. Explica-lhes que
seres h u m a n o s c o m u n s n ã o podem calçar sapatos assim; eles devem, por-
57
tanto, ser enviados do diabo e ter os pés fendidos. Smillie tira suas b o t a s .
S a w y e r concluiu: "Nós sempre c o m b a t e m o s a superstição dos nativos ig-
58
norantes na África e na América do S u l " .
O Dr. J o s é Fonseca da Cunha, médico brasileiro empregado pela Fun-
dação Rockefeller, declara t a m b é m ter sido ameaçado por u m h o m e m a r m a -
do de revólver que se opunha à coleta de sangue. Cunha c o n t o u essa história
acentuando seu lado "heróico" (ou "macho") no encontro dos dois homens,
u m deles armado (que acaba b e m porque o médico não apresentou o menor
sinal de medo), mais do que a "superstição" dos habitantes locais. Por outro
lado, ele relatou que u m dos maiores problemas da coleta de sangue era
impedir as fraudes. Por exemplo, u m médico de Ilhéus encarregado da coleta
de sangue limitou-se a coletar a m o s t r a s de sangue dos adultos, mais fácil
de obter, e depois a f i r m o u que se tratava de sangue de crianças: "Era preciso
c o n t r o l a r o t e m p o todo". As coletas de sangue, acrescentou Cunha, e r a m
feitas de preferência ao fim do dia, hora em que era mais fácil encontrar as
pessoas em casa. Não era raro que os médicos que coletavam sangue c h e -
gassem tarde, porque t i n h a m dificuldade em encontrar a casa; muitas cole-
59
tas de sangue foram, assim, feitas à luz de u m a l a n t e r n a .
Por v o l t a de 1 9 3 5 , as enquetes epidemiológicas de r o t i n a perderam
m u i t o de s u a importância, principalmente por c a u s a do declínio, e depois
q u a s e desaparecimento, das irrupções de febre a m a r e l a t r a n s m i t i d a pelo
Aedes aegypti. As enquetes restringiram-se principalmente às investigações
de ocorrências locais de febre amarela silvestre (diferenciadas por u m per-
fil epidemiológico distinto: os casos de febre a m a r e l a silvestre l i m i t a r a m -
se às pessoas que h a v i a m tido c o n t a t o direto c o m a floresta e aos que c o m
elas c o n v i v i a m , e n ã o h o u v e "casos secundários"). A l é m disso, a política
de e s t í m u l o à pesquisa p r o m u l g a d a pela Fundação Rockefeller v a l o r i z o u
as investigações fundamentais em detrimento das investigações
epidemiológicas em larga escala. O laboratório foi tratado c o m o espaço de
produção dos saberes científicos novos, não c o m o u m lugar de execução de
60
testes de r o t i n a . Quando, em 1 9 3 5 , a Fundação Rockefeller decide c o n s -
truir u m laboratório central de febre amarela n o Rio de Janeiro, os planos
originais previam a aquisição de u m a ultracentrífuga do tipo Svedberg -
equipamento, na época, reservado a alguns laboratórios de pesquisa de pon-
61
ta - a fim de desenvolver estudos físico-químicos sobre as partículas virais.
A Viscerotomia
As origens do viscerótomo e as estações de viscerotomia
Segundo Soper, a identificação da febre amarela c o m base e m sinais
clínicos pode ser particularmente enganosa, pois "o diagnóstico clínico da
febre amarela é mais difícil nas regiões endêmicas, o u seja, onde a doença
é a mais presente". E m tais regiões, a doença aparece c o m mais freqüência
sob a f o r m a de u m a febre b e n i g n a , m a s pode revelar s u a presença pelo
62
surgimento de u m eventual caso g r a v e . A presença desses "casos índices"
serviu de base para o desenvolvimento da viscerotomia. A prova direta da
presença da febre amarela e m u m determinado doente pôde ser obtida por
meio da indução da doença experimental n o m a c a c o pela injeção do s a n -
g u e do doente, m a s este m é t o d o só era p r a t i c á v e l e m c a s o de suspeita
prévia da p r e s e n ç a da doença (e se h o u v e s s e n o círculo do doente u m a
pessoa competente para fazer u m a retirada de sangue estéril, além de u m
meio de enviar r a p i d a m e n t e a a m o s t r a de s a n g u e à Bahia o u ao Rio de
J a n e i r o ) . A v i s c e r o t o m i a - e x a m e sistemático de a m o s t r a s do fígado das
pessoas falecidas s u p o s t a m e n t e de febre a m a r e l a - t i n h a u m a v a n t a g e m
prática: a coleta de p e q u e n a s a m o s t r a s do fígado e seu t r a n s p o r t e até o
laboratório central de patologia d e m a n d a v a m m e n o s precauções e perícia
(os tecidos, guardados n o formol, c o n s e r v a m - s e por m u i t o tempo à t e m -
peratura a m b i e n t e ) . Esse método, que permite evitar u m a autópsia c o m -
pleta, era, p o r t a n t o , mais bem adaptado a um acompanhamento
epidemiológico e m larga escala. Ele p e r m i t i u que se revelasse a presença
efetiva do v í r u s e m u m sítio o u , segundo a expressão de Soper, que se
seguisse " u m a pista quente" e se procedesse a u m a intervenção imediata.

A idéia de fazer autópsias parciais sistemáticas de todos os casos de


ó b i t o s u p o s t a m e n t e decorrentes de "febre" n a s c e u n o v e r ã o de 1 9 3 0 . A
p r á t i c a da v i s c e r o t o m i a é baseada n a o b s e r v a ç ã o , feita pelo pesquisador
brasileiro Henrique da Rocha Lima, do Instituto Oswaldo Cruz, de altera-
ções patológicas típicas ( u m a necrose hialina de tipo "pimenta e sal") n o
fígado das pessoas falecidas em decorrência da febre amarela. Essa obser-
v a ç ã o , feita pela primeira vez e m 1 9 1 2 , foi aperfeiçoada nos a n o s 1 9 2 0 .
Ela foi c o n f i r m a d a por o u t r o s pesquisadores brasileiros e n o r t e - a m e r i c a -
nos que observaram alterações patológicas semelhantes em macacos
63
infectados em laboratório pelo vírus da febre a m a r e l a . E m 1 9 2 9 , Cowdrey
e Kitchen p r o p õ e m incluir a análise de a m o s t r a s de fígado c o m o critério
i m p o r t a n t e n o diagnóstico de febre a m a r e l a "oculta", advertindo que u m
diagnóstico desse tipo só pode ser feito por u m patologista experiente, pois
certas intoxicações (como o envenenamento por clorofórmio o u por
tetracloreto de c a r b o n o ) induzem alterações patológicas m u i t o s e m e l h a n -
64
tes. Dada a escassez de médicos n o interior do país (portanto, n a s regiões
q u e d e v e r i a m ser especialmente v i g i a d a s ) , o s especialistas da F u n d a ç ã o
Rockefeller reconheceram q u e as autópsias parciais n ã o poderiam ser rea-
lizadas u n i c a m e n t e p o r profissionais. D a í a idéia de desenvolver u m i n s -
t r u m e n t o simples, c a p a z de p e r m i t i r a coleta de p e q u e n a s a m o s t r a s de
fígado p o r u m não-especialista.
Rickard, o primeiro especialista da Fundação Rockefeller a conceber a
idéia de a u t ó p s i a s parciais, expôs a Soper esse p r o b l e m a e m Recife, e m
1 9 3 0 . U m médico brasileiro que assistia à conversa propôs a utilização de
fórceps para coletar pequenos pedaços de fígado. Rickard a c h o u que o teci-
do coletado dessa m a n e i r a corria o risco de ser m u i t o danificado. Propôs,
então, o desenvolvimento de u m i n s t r u m e n t o que permitisse coletar u m a
a m o s t r a de tecido de b o a qualidade, deixando u m orifício suficientemente
65
pequeno para que n ã o fosse preciso fazer u m a s u t u r a . Ele se inspirou n o s
i n s t r u m e n t o s usados para retirar a m o s t r a s de café n o s sacos, e n a p o r t a
corrida de u m escritório (roll-top writing desk). Os primeiros protótipos, pre-
parados n o início de j u l h o , n ã o foram m u i t o satisfatórios. E m 1 7 de j u l h o ,
u m modelo mais aperfeiçoado foi testado e m u m fígado de boi, e depois em
u m cadáver. E m 1 9 de j u l h o , o Dr. Machado inicia diligências para patenteá-
66
lo. No fim de agosto, o Dr. Mário Biao propõe o n o m e "viscerótomo" para o
67
instrumento, proposta aceita por Soper e Rickard. O procedimento foi i n -
troduzido pela primeira vez n o estado de Pernambuco, n o início de 1 9 3 1 . Na
época, a prática de coleta sistemática de a m o s t r a s de tecido n ã o t i n h a n e -
n h u m fundamento legal:

Desencavamos parágrafos obscuros do regulamento sanitário exis-


tente e, com efeito, conseguimos, sobretudo, fazer as pessoas e as auto-
ridades acreditarem que existe amparo legal. No entanto, tenho dúvidas
q u a n t o à possibilidade de defender n o s s a a ç ã o n o c a s o de a l g u é m a p r e -
68
sentar uma queixa diante dos tribunais.

Em j u l h o de 1 9 3 0 , Soper escreve a Russel dizendo q u e espera obter


u m a i n f o r m a ç ã o m u i t o i m p o r t a n t e sobre a distribuição da febre amarela
no Brasil, p o r m e i o da g e n e r a l i z a ç ã o das a u t ó p s i a s parciais. A c r e s c e n t a
q u e Rickard desenvolveu u m a p a r e l h o c a p a z de simplificar t a l procedi-
m e n t o e t o r n á - l o m u i t o m a i s aceitável para o público, e q u e eles deram
69
início às providências para registrar a patente desse i n s t r u m e n t o . Russel
responde que n ã o entende por que seria necessário u m registro de patente,
v i s t o q u e e m geral o s médicos n ã o p a t e n t e i a m s u a s inovações, e depois
envia u m telegrama a Soper: "Não estou de acordo c o m o registro de p a -
tente", explicando que isso pode prejudicar a fundação e criar u m prece-
dente perigoso. As considerações éticas deveriam, segundo Russel, ter priori-
dade sobre a r g u m e n t o s de ordem material. Soper respondeu sublinhando a
i m p o r t â n c i a crucial da prática das autópsias parciais feitas c o m u m i n s -
t r u m e n t o especial para o desenvolvimento de u m grande p r o g r a m a de es-
tudos epidemiológicos da febre amarela. Acrescentou que a idéia de paten-
tear o i n s t r u m e n t o n ã o t i n h a c o m o objetivo prevenir s u a fabricação por
o u t r a s pessoas, m a s u n i c a m e n t e salvaguardar a liberdade dos especialis-
tas da Fundação Rockefeller de utilizá-lo. Dada a amplitude do p r o g r a m a
em questão, será necessário u m n ú m e r o m u i t o grande de instrumentos, e
u m a alta artificial de seu preço por u m a patente concorrente pode pôr todo
70
o p r o g r a m a em risco. Finalmente chega-se a u m acordo: o procedimento
seguiu adiante até o ponto de tornar impossível qualquer patenteação por
outras pessoas o u empresas, sem que a Fundação Rockefeller pudesse tirar
proveito da posse dessa patente e correr o risco de ser acusada de explorar
71
c o m e r c i a l m e n t e u m a i n o v a ç ã o n o c a m p o da saúde p ú b l i c a . E m fins de
agosto, u m modelo de viscerótomo é enviado por avião a Russel, enquanto
Rickard a n u n c i a que o i n s t r u m e n t o está funcionando m u i t o b e m e pode
72
ser introduzido na realização das coletas de a m o s t r a s de r o t i n a .
Q u a n d o se o p ô s a o r e g i s t r o de p a t e n t e , p o r p a r t e da F u n d a ç ã o
Rockefeller, do v i s c e r ó t o m o , Russel n ã o e s t a v a ciente da c o n t e s t a ç ã o da
paternidade da invenção. O pesquisador brasileiro Décio Parreiras, diretor
do Serviço da Febre Amarela do Rio de Janeiro (subordinado, em 1 9 3 0 , ao
DNSP, e n ã o a o serviço dirigido pela Fundação Rockefeller), apressou-se,
c o m efeito, em patentear o viscerótomo e insurgiu-se contra o que c h a m a -
va de apropriação fraudulenta de sua invenção. E m seu diário de 1 9 3 0 ,
Soper apresenta sua versão dos fatos. Segundo ele, a idéia de fazer a u t ó p -
sias de rotina de todas as pessoas falecidas em decorrência de u m a "febre"
s u s p e i t a dez dias o u m e n o s a p ó s o i n í c i o da d o e n ç a foi e f e t i v a m e n t e
introduzida por Parreiras, m a s este n ã o era responsável n e m pela organi-
zação eficaz do serviço, n e m pela elaboração do instrumento que a t o r n o u
possível. O i n s t r u m e n t o teria sido desenvolvido por Rickard em j u l h o de
1 9 3 0 . E m 2 7 de j u l h o , Soper descreve o i n s t r u m e n t o a Parreiras. Este en-
via, em 1 de agosto, o desenho do protótipo de u m instrumento semelhan-
te, que a f i r m o u ter sido concebido por ele. Esses esboços são datados de 1 2
de j u l h o , t r a z e m a m a r c a "estudos para u m fabricante", m a s rumores c h e -
gados aos ouvidos de Soper s u s t e n t a m que foram realizados após sua c o n -
73
versa c o m Parreiras. E m setembro, Soper avisa a Parreiras que o processo
74
de r e g i s t r o de p a t e n t e do i n s t r u m e n t o está i n t e r r o m p i d o . No m e s m o
m o m e n t o , u m a empresa brasileira especializada n a fabricação de i n s t r u -
mentos científicos, a casa Lutz-Ferrando, produz u m protótipo de
7 5
v i s c e r ó t o m o por a p r o x i m a d a m e n t e $30.
Em setembro de 1 9 3 0 , as autópsias parciais de rotina são introduzidas
em Natal e n o Pará. Fraga publica u m artigo favorável a essa prática n o
j o r n a l O Saneamento. S a w y e r e x a m i n a o instrumento produzido por Rickard
por ocasião de sua visita ao Brasil, n o verão de 1 9 3 0 . Fica impressionado
c o m a simplicidade de s u a concepção e utilização. E m o u t u b r o de 1 9 3 0 ,
Soper pedia a Russel a destinação de u m o r ç a m e n t o especial para efetuar
pesquisas de c a m p o em larga escala c o m a ajuda de u m viscerótomo, en-
q u a n t o que H e n r y Beeuwkes, do laboratório da Fundação Rockefeller e m
U g a n d a , m a n i f e s t a v a o desejo de receber vários i n s t r u m e n t o s p a r a suas
76
investigações na Á f r i c a .
A "revolução" de Vargas permitiu a emergência das condições legais
77
propícias à difusão da v i s c e r o t o m i a . Imediatamente após o golpe de Esta-
do, Soper, que havia dito à direção da IHD em Nova York que o n o v o regime
seria, s e m dúvida, m a i s favorável q u e o a n t e r i o r à i n t e r v e n ç ã o dos e s -
pecialistas n o r t e - a m e r i c a n o s , escreveu e m 2 6 de n o v e m b r o de 1 9 3 0 a o
n o v o m i n i s t r o da Saúde, propondo-lhe u m n o v o acordo entre o g o v e r n o
brasileiro e a Fundação Rockefeller. Ε acrescentou:

O Departamento da Saúde deveria exigir o exame do fígado de qual-


quer pessoa falecida em decorrência de uma febre aguda, dez dias após o
início da doença. Tal exame pode, atualmente, ser feito com u m novo
78
instrumento (viscerótomo), sem que seja preciso fazer autópsia.

Soper tentou, paralelamente, convencer as autoridades sanitárias locais


da necessidade de se fazer autópsias de rotina sistemáticas n o interior do
país. O Dr. A l b i n o Cordeiro, d i r e t o r do S e r v i ç o de S a ú d e do E s t a d o de
Pernambuco a q u e m Soper expôs o assunto, m o s t r a - s e cético. Afirma que
as a u t ó p s i a s parciais só poderão ser introduzidas pelo viés dos médicos
ligados às i n s t â n c i a s s a n i t á r i a s , p o u c o n u m e r o s a s e s o b r e c a r r e g a d a s de
trabalho; n ã o se pode c o n t a r c o m os empregados dos cartórios, que n ã o
são capazes n e m m e s m o de fornecer o n ú m e r o de óbitos e m seus distritos.
Explica, a l é m disso, que as pessoas do interior "são m u i t o i g n o r a n t e s e
supersticiosas n o concernente aos corpos de seus m o r t o s " ; por todas essas
razões, ele desaconselha a introdução das autópsias parciais sistemáticas.
Soper responde que a o r g a n i z a ç ã o de a u t ó p s i a s parciais n ã o deveria de-
m a n d a r m a i s do que u m i n v e s t i m e n t o m í n i m o de t e m p o e de esforços.
S e g u n d o ele, n ã o é necessário t o m a r n o t a dos detalhes dos c a s o s (estes
podem ser recolhidos mais tarde, se a a m o s t r a for positiva); basta a n o t a r o
n o m e , a idade e o endereço da pessoa m o r t a . A l é m disso, u m empregado
79
subalterno pode ser treinado para realizar essas a u t ó p s i a s .
A a u t ó p s i a parcial, tal c o m o foi concebida por Soper, t o r n a - s e u m
a t o de rotina, a o qual o exame da a m o s t r a do fígado por u m patologista
especialista confere ares de n o b r e z a . A coleta de a m o s t r a s de tecidos do
cadáver torna-se, em si, u m gesto banal, que pode ser efetuado por u m a
pessoa s e m qualificação especial (ver figura 6 ) .

Soper explicou que os serviços de viscerotomia não f o r a m "oferecidos


aos médicos" (expressão empregada e m u m relatório a n u a l da IHD), m a s
80
"mantidos apesar d e l e s " . Ele considera essa desprofissionalização da a u -
tópsia c o m o u m a v a n t a g e m , visto que ela reduzia os custos de operação e
permitia sua extensão aos locais e m que n ã o havia n e n h u m profissional
de saúde. A prática da autópsia, por m u i t o t e m p o proibida até m e s m o aos
médicos, e depois autorizada unicamente a eles, sob condições m u i t o r e s -
t r i t i v a s , t o r n o u - s e pela p r i m e i r a v e z acessível a p e s s o a s s e m nenhuma
f o r m a ç ã o médica. O v i s c e r ó t o m o b a n a l i z a v a e " d e m o c r a t i z a v a " a p r o f a -
nação dos corpos em n o m e da ciência ou, mais precisamente, em n o m e da
saúde pública.

A prática da viscerotomia
A viscerotomia é introduzida em larga escala n o Brasil e m 1 9 3 1 . Na
época, essa prática, que n ã o dispunha de a m p a r o legal adequado, por v e -
zes esbarra n a resistência dos médicos e dos responsáveis pela saúde p ú -
blica. No início de m a i o de 1 9 3 1 , Rickard anota em seu diário que a coleta
de a m o s t r a s de fígado n ã o teve, até então, grande sucesso. Propõe, para
remediar tal situação, intensificar a c a m p a n h a de esclarecimento dirigida
a o s poderes s a n i t á r i o s e investir m a i s esforços n o a c o m p a n h a m e n t o da
81
u t i l i z a ç ã o dos i n s t r u m e n t o s d i s t r i b u í d o s . A avaliação de Soper é m a i s
o t i m i s t a . Ele reconhece que o início da c a m p a n h a foi difícil, m a s , em j u -
n h o de 1 9 3 1 , diz ter confiança em suas possibilidades de sucesso; apesar
dos problemas encontrados na relação c o m os poderes locais, as a m o s t r a s
c o n t i n u a r a m a chegar regularmente ao laboratório central. U m a das m a -
neiras de estimular a prática da viscerotomia é, explica ele, pagar a o res-
ponsável por sua execução u m a quantia fixa para a m a n u t e n ç ã o do posto
e u m a gratificação por cada a m o s t r a de fígado coletada. A distribuição dos
viscerótomos t a m b é m foi u m grande sucesso: "A coisa m a i s surpreendente
nesta história", relata Soper, "foi a facilidade c o m que as a m o s t r a s podem
ser obtidas c o m esse i n s t r u m e n t o , s e m e n c o n t r a r resistência da p o p u l a -
8 2
ção". A falta de resistência poderia ter sido i m p u t a d a à i g n o r â n c i a da
existência e dos objetivos do serviço. Ora, e m a g o s t o de 1 9 3 1 , Soper a t r i -
bui o m a u funcionamento do serviço de Belém ao fato de seu responsável,
o Dr. Scanell, ter publicado, a conselho de u m colega brasileiro, a n ú n c i o s
nos j o r n a i s explicando a nova medida e pedindo a colaboração do público.
Soper vê nisso u m erro tático: "Do ponto de vista da psicologia do público,
83
o melhor é falar o m e n o s possível do v i s c e r ó t o m o " .

A lei de 2 3 de m a i o de 1 9 3 2 i n a u g u r a o f i c i a l m e n t e a p r á t i c a da
viscerotomia no Brasil (definida c o m o "a punção dos corpos a fim de coletar
a m o s t r a s para fins diagnósticos") e autoriza as autópsias parciais "em t o -
dos os casos em que isso for do interesse do Serviço" e, particularmente, em
todos os casos de m o r t e por a l g u m a doença febril ocorrida o n z e dias o u
menos após o seu início (artigos 5 2 - 5 7 ) . A lei estipula que, nas localidades
e m que exista u m serviço de viscerotomia, a autorização para i n u m a ç ã o ,
84
tornada obrigatória, n ã o pode ser emitida sem o visto de seu representante.
Essa o b r i g a ç ã o é decisiva p a r a o f u n c i o n a m e n t o r e g u l a r dos serviços de
viscerotomia: "A coleta de a m o s t r a s de fígado foi m u i t o difícil antes que as
autorizações para inumação entrassem em uso, e antes que os representan-
85
tes do Serviço de Viscerotomia adquirissem status oficial". A rede de esta-
ções de v i s c e r o t o m i a a m p l i o u - s e r a p i d a m e n t e e m 1 9 3 2 . Estações f o r a m
abertas n o conjunto do território brasileiro, c o m exceção da Amazônia, c o n -
86
siderada vasta demais e m u i t o pouco povoada. S u a implantação reforçou a
visibilidade do Serviço da Febre Amarela, e o registro dos óbitos permitiu a
87
organização de u m serviço de estatística unificado para o norte do B r a s i l .
E m 1 9 3 4 , u m dos especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller n o Brasil, Kerr,
propôs introduzir u m sistema de cartões perfurados para aperfeiçoar as esta-
88
tísticas de febre amarela (método emprestado das companhias de seguro).
Crawford achava, e m 1 9 3 2 , que a m e l h o r m a n e i r a de obter a m o s -
tras de fígado era coletá-las diretamente n o cemitério. A falta de m o r g u e s
n o s c e m i t é r i o s , e n t r e t a n t o , a p r e s e n t a v a u m sério i n c o n v e n i e n t e , a s s i m
c o m o a utilização sistemática da capela. O ideal, segundo Crawford, seria
c o n s t r u i r n o c e m i t é r i o u m l u g a r especial p a r a a coleta de a m o s t r a s de
89 90
fígado. Seria desejável, além disso, centralizar os s e p u l t a m e n t o s . A par-
tir de 1 9 3 2 , prédios especiais, chamados necrotérios, são erigidos nos cemi-
térios importantes para permitir a coleta n o local de amostras de fígado. A
arquitetura desses necrotérios varia ligeiramente conforme as regiões, m a s ,
e m geral, restringe-se à planta básica: u m pequeno prédio retangular, c o m
u m a j a n e l a redonda a c i m a da p o r t a e, e v e n t u a l m e n t e , p e q u e n a s j a n e l a s
laterais n o a l t o . O e q u i p a m e n t o do n e c r o t é r i o c o n s i s t e e m u m a grande
m e s a e m pedra o u c i m e n t o ( m e s a a n a t ô m i c a ) sobre a q u a l são feitas as
autópsias parciais. Alguns necrotérios n ã o t r a z i a m inscrição a l g u m a ; eram
prédios e x t r e m a m e n t e modestos, às vezes em tijolo aparente, ornados c o m
u m a simples c r u z o u c o m o aspecto de verdadeiras capelinhas. O u t r o s ,
m a i s elaborados, f o r a m pintados de b r a n c o , e as siglas SFA (Serviço da
Febre A m a r e l a ) , SFA-Necrotério, o u ainda DNSP eram inscritas n o prédio.
Essas inscrições e r a m ora discretas, ora m u i t o visíveis (grandes letras e m
preto n a fachada do prédio), em função da situação local; os responsáveis
pelo Serviço de V i s c e r o t o m i a e s t i m a r a m , a l g u m a s vezes, que a m a n e i r a
m a i s eficaz de fazer funcionar o serviço era agir c o m discrição; e m outros
locais, j u l g a r a m m a i s eficaz dar relevo à autoridade do S e r v i ç o da Febre
A m a r e l a . A a r q u i t e t u r a dos necrotérios devia permitir a rápida execução
da coleta de a m o s t r a s , ao abrigo dos olhares indiscretos e m e s m o de inter-
91
venções indesejáveis (paredes e portas s ó l i d a s ) .
E m 1 9 3 7 , Rickard redige u m a série de conselhos para a organização
de p o s t o s de v i s c e r o t o m i a . A pessoa encarregada de estabelecer u m n o v o
posto devia passar u m certo t e m p o n o lugar afetado para se familiarizar
c o m a situação geral (as dimensões do povoamento, o n ú m e r o de médicos
e f a r m a c ê u t i c o s , as elites locais, a s i t u a ç ã o s a n i t á r i a da c o m u n i d a d e , o
n ú m e r o de c e m i t é r i o s , a eficiência da polícia e da a d m i n i s t r a ç ã o local)
sem, i n i c i a l m e n t e , divulgar o objetivo de s u a m i s s ã o . Ela estava, e n t ã o ,
e m u m a posição m e l h o r para escolher u m a pessoa adequada c o m o repre-
sentante do Serviço de V i s c e r o t o m i a . U m a vez escolhido o representante,
ele devia receber instruções detalhadas; se conseguissem u m cadáver adequa-
do, era até m e s m o bastante desejável que se fizesse u m a demonstração.

Todas as instruções devem ser dadas reservadamente. A resistência


pública às viscerotomias foi, muitas vezes, provocada por uma exibi-
ção desnecessária da prática da viscerotomia. [...] O viscerótomo nunca
deve ser mostrado às pessoas que não estão ligadas ao Serviço de
Viscerotomia. Na maioria dos casos, as pessoas não compreendem real-
mente a razão de ser do serviço, e reagem negativamente ao verem o
instrumento. Os rumores que essas pessoas espalham podem induzir
uma oposição inútil por parte das famílias das pessoas falecidas. É ex-
tremamente importante garantir que a coleta de amostras não seja feita
em presença de pessoas não implicadas no ato. Se ela ocorrer na casa do
falecido, é preciso tomar a precaução de fechar as janelas e as persianas,
a fim de evitar uma intrusão indesejável. [...] Se a punção ocorrer em
u m cemitério ou em outro espaço público, não deve ser feita antes que
todas as pessoas tenham saído do local. Se houver pessoas que se recu-
sem a deixar os locais, o representante deve anotar seus nomes, de
maneira a poder puni-los por resistência a u m procedimento legal, se-
gundo o artigo 5 2 do decreto n. 2 1 . 4 3 4 (regulamentação do Serviço da
92
Febre Amarela).

Rickard j u l g a que, p a r a se a s s e g u r a r do interesse do representante


escolhido, o organizador pode, antes de partir, autorizá-lo a efetuar u m a
o u duas viscerotomias, independentemente do fato de saber se o procedi-
m e n t o é indicado para os casos. As a m o s t r a s devem, então, ser enviadas
ao laboratório do Estado, e o representante pode então receber o p a g a m e n -
93
to habitual. Ele t a m b é m descreveu a atitude a ser adotada e m c a s o de
resistência da família da pessoa falecida, que deve ser polida m a s firme. O
r e p r e s e n t a n t e n ã o deve perder de v i s t a que está e x e c u t a n d o u m serviço
legal m a n t i d o n o interesse geral do público:

nos casos de oposição violenta, o representante deve chamar a polida,


que deverá ser previamente instruída de que é seu dever assistir à execu-
ção das viscerotomias. A polícia deve anotar os nomes dos transgressores,
assim como os nomes das testemunhas, e transferir esses dados ao
escritório central do SFA do estado, para que os culpados sejam punidos
4
com a multa prevista no artigo 5 3 da regulamentação do serviço.9

D i s p o m o s de v á r i a s t r o c a s de opiniões sobre a v i s c e r o t o m i a , m a s
raras são as informações sobre o desenvolvimento desta prática. O diário
de Soper no período de 1 9 4 0 descreve a viscerotomia de u m a criança m o r -
ta de doença febril suspeita em Tancredo (Espírito S a n t o ) . A c r i a n ç a foi
s e p u l t a d a d u a s h o r a s a n t e s da c h e g a d a dos e s p e c i a l i s t a s da F u n d a ç ã o
Rockefeller:

O corpo é exumado e Joaquim Português faz uma coleta dramática


da amostra. Começa por esfregar as mãos com álcool e derramar, sem
querer, álcool no corpo de uma criança de seis anos que está num
pequeno moisés branco. Joaquim faz o gesto de oferecer a cada um dos
sete médicos presentes a oportunidade de realizar o trabalho, depois ele
mesmo o executa. Fox sugere que é possível encontrar um método
mais adequado para atravessar as roupas e a pele do que o utilizado por
Joaquim. O professor de pele escura pergunta se somos todos médicos,
após o que declara que aquela é sem dúvida a viscerotomia mais honro-
95
sa de que ouvira falar.

As coletas de fragmentos de fígado muitas vezes ocorreram em condições


confusas. Em j u l h o de 1 9 3 4 , duas amostras de fígado coletadas em São J o a -
quim são enviadas ao laboratório da Bahia. Os especialistas de lá suspeitam
que pertencem à mesma pessoa. U m patologista as classificou c o m o suspei-
tas, mas sem certeza, três outros decidiram que tratava-se de febre amarela,
o quinto deu u m diagnóstico de esquistossomose (doença parasitária). Segun-
do a informação fornecida pelo Serviço de Viscerotomia de São Joaquim (que
não pôde ser verificada), u m dos fragmentos do fígado foi coletado de u m a
pessoa que estivera doente por u m ano, o outro de u m a pessoa falecida após
oito dias de doença, dos quais apenas dois acamada. Foi difícil decidir que
amostra pertencia a que pessoa, pois ambas haviam sido coletadas clandesti-
namente no cemitério. Soper sugeriu aos responsáveis locais pelo Serviço da
96
Febre Amarela que chamassem a polícia para tentar deslindar os fatos.
U m dos principais problemas do Serviço de Viscerotomia foi assegurar
a confiabilidade e a honestidade de seus empregados. O substancial paga-
mento por cada amostra enviada constituiu u m poderoso estímulo para os
representantes do Serviço de Viscerotomia. U m a a m o s t r a negativa rendia
3 0 mil-réis, contra 5 0 mil-réis por u m a amostra positiva (com u m a grati-
ficação especial combinada para a primeira amostra positiva proveniente de
u m a nova estação). Tratava-se de u m a c o m p e n s a ç ã o importante, prêmio
97
pelo risco da confrontação com a família do defunto. Alguns viscerotomistas
não esconderam o atrativo material dessa atividade, que podia e s t i m u l a r
práticas fraudulentas, tais c o m o o envio de a m o s t r a s de casos não indica-
98
dos, de várias coletas de u m m e s m o fígado, até m e s m o de fígado animal.
A distribuição dos viscerótomos, a n o m e a ç ã o de representantes e a coleta
regular dos dados, insiste Soper, não são suficientes para se obter amostras
de fígado. Por exemplo, os empregados do Departamento de Médico-Legal da
Bahia (nas cidades que sediavam esses departamentos, não se i n s t a l a r a m
serviços de viscerotomia) espalharam falsos rumores para fazer acreditarem
na presença da febre amarela na cidade, a fim de forçar o SFA a pagar u m
p r e ç o m a i s a l t o pelas a m o s t r a s q u e eles lhe e n v i a v a m . O S e r v i ç o de
Viscerotomia de J u i z de Fora enviou u m fígado de macaco. Ele foi classifi-
cado, por engano, c o m o caso positivo, desencadeando u m a série de voltas à
99
estaca zero, que só tiveram fim c o m a descoberta da fraude. É, portanto,
absolutamente necessário fazer regularmente visitas de controle às estações
100
e fiscalizar seu pessoal para evitar que t r a p a c e i e m .

As resistências à viscerotomia
No relatório de atividades da Fundação Rockefeller no Brasil do a n o
de 1 9 3 9 , Soper sublinha que a oposição à viscerotomia praticamente de-
101
sapareceu no p a í s . Desde 1 9 3 0 , os serviços de v i s c e r o t o m i a c o l e t a r a m
1 7 8 . 6 4 8 a m o s t r a s de fígado, das quais 9 6 1 ( 0 , 5 4 % ) revelaram-se positi-
vas. Esse resultado, é verdade, foi apresentado c o m o i m p o r t a n t e para a
vigilância sanitária, m a s t a m b é m suscitou objeções por parte dos parentes
das pessoas ( 9 9 , 4 % do c o n j u n t o dos casos) cujas a m o s t r a s de fígado não
1 0 2
r e v e l a r a m , a p ó s a n á l i s e , a p r e s e n ç a da febre a m a r e l a . A p r á t i c a da
viscerotomia m u i t a s vezes teve u m a acolhida mitigada, quando não fran-
camente hostil. U m j o r n a l brasileiro, A Pátria, acusou a Fundação Rockefeller
103
de c o m p r a r fígado h u m a n o ao preço de u m dólar a a m o s t r a . No estado
do Ceará, os enviados da Fundação Rockefeller que h a v i a m precisado en-
frentar a resistência da população p r o c u r a r a m o Padre Cícero para pedir
seu apoio à c a m p a n h a de viscerotomia, apoio que lhes foi concedido. Soper
faz, em 1 9 3 2 , o relato de seu encontro c o m o santo de Juazeiro, que

mostrou ser um ancião espantosamente lúcido, apesar de ter 87 anos


e de estar quase totalmente cego. Tiramos fotos do Padre e de alguns
visitantes, e ele nos garantiu que faria o necessário para apoiar o traba-
lho feito pelo Sr. Rockefeller e seus amigos. Com efeito, as pessoas de
Juazeiro se recusaram a colocar os peixes em suas tigelas, até o m o -
mento em que estes foram postos na tigela do Padre. Depois, não tive-
104
mos mais problemas. O Padre sempre tem razão!
Doyle o visita n o m e s m o ano:

Padre Cícero [...] falou-me dos episódios da história de meu país, e fez
muitas preces pela saúde de J o h n D. Rockefeller; queria saber se o Sr.
Rockefeller continua a jogar golfe. No passado, a cooperação do Padre
105
Cícero em Juazeiro facilitou maravilhosamente as coisas para n ó s .

Na c o n t r o v é r s i a sobre a v i s c e r o t o m i a , Padre Cícero t e n t o u n e u t r a l i z a r a


oposição popular a essa prática a r g u m e n t a n d o que Deus está interessado
106
nas a l m a s e nos corações, m a s n ã o nos f í g a d o s .
N e m m e s m o o apoio das autoridades religiosas foi suficiente para
que essa prática fosse sempre aceita, e sua b a n a l i z a ç ã o (coleta de a m o s -
tras efetuada c o m a m a i o r rapidez em u m a mesa de cimento n o cemitério,
m u i t a s vezes por u m amador) agravava ainda mais seu caráter rebarbati¬
v o . A oposição à v i s c e r o t o m i a c h e g o u a provocar homicídios. Paradoxal-
m e n t e , o s c o n f r o n t o s s a n g r e n t o s c o m a f a m í l i a do d e f u n t o que a
viscerotomia p r o v o c o u teriam contribuído para a legitimação dessa práti-
ca n o nordeste do Brasil, inserindo-a n a tradição local de violência ( m a s -
107
c u l i n a ) e de r i x a s h e r ó i c a s . E m a g o s t o de 1 9 3 2 , R i c k a r d escreve q u e
G e r ô n i m o Fandino, o agente do Serviço de V i s c e r o t o m i a de S ã o Pedro do
Cariri (Ceará), foi assassinado n o exercício de suas funções. Rickard obser-
v a que as pessoas da região em que ele trabalhou são conhecidas por seu
f a n a t i s m o e superstição, e acrescenta: "É m u i t o triste, m a s a vida c o n t i -
n u a . Há p o u c o s grandes empreendimentos que n ã o e x i g i r a m o sacrifício
1 0 8
de vidas h u m a n a s " . U m a visita a o local revelou que a contenda havia
ocorrido e m t o r n o da viscerotomia em u m a criança. O viscerotomista foi
atacado por cinco h o m e n s (para Rickard, cinco delinqüentes [crazed ruffians])
que eram, na verdade, parentes da criança falecida) armados c o m facas. A
família havia, inicialmente, tentado se o p o r à v i s c e r o t o m i a , dirigindo-se
a o chefe da polícia local, que decidiu q u e a c r i a n ç a seria e n t e r r a d a e m
J u a z e i r o a fim de permitir u m a v i s c e r o t o m i a nas melhores condições. O
Sr. Fandino enviou, portanto, u m telegrama ao representante do Serviço de
V i s c e r o t o m i a a J u a z e i r o para preveni-lo. E m seguida, ele e n c o n t r o u cinco
j o v e n s que a f i r m a v a m que o enterro seria n o cemitério local e que o cadá-
ver n ã o seria s u b m e t i d o à coleta de a m o s t r a s ; eles o e m p u r r a r a m num
c a n t o , a m e a ç a n d o retirar u m pedaço de seu fígado. O v i s c e r o t o m i s t a s a -
c o u do revólver e feriu m o r t a l m e n t e u m de seus atacantes, m a s sua a r m a
a u t o m á t i c a t r a v o u e ele foi m o r t o pelos demais. Dois dos atacantes conse-
g u i r a m fugir levando c o n s i g o o m o i s é s da c r i a n ç a , e n q u a n t o os o u t r o s
dois f o r a m pegos e presos. Rickard ficou espantado c o m a j u v e n t u d e dos
agressores presos, de 1 8 e 1 9 anos - os que escaparam e r a m mais n o v o s
ainda. S u a punição t a m b é m lhe c a u s o u espécie; a pena de m o r t e n ã o exis-
tia, e n u m a região e m que reina a fome, a vida pode ser mais agradável n a
109
prisão do que fora d e l a .
U m o u t r o empregado do Serviço de V i s c e r o t o m i a , o suplente A r t u r
G o m e s , foi m o r t o e m V i ç o s a (Alagoas) e m 2 1 de o u t u b r o de 1 9 3 3 pelas
m e s m a s r a z õ e s . S e g u n d o o d e p o i m e n t o do r e s p o n s á v e l pelo S e r v i ç o de
Viscerotomia, ausente n o m o m e n t o da ocorrência, o pai da criança que se
opôs à decisão de efetuar a v i s c e r o t o m i a dirigiu-se primeiro a várias per-
sonalidades do local, pedindo-lhes que intercedessem e m seu favor. S e u s
esforços f o r a m e m vão, e o Sr. Gomes operou, e n q u a n t o o pai exclamava:
"A viscerotomia só pôde ser feita porque não h á mais h o m e n s e m Viçosa.
Se houvesse h o m e n s de verdade, essas coisas n ã o seriam permitidas". D e -
pois do enterro, o pai muda-se para o c a m p o , e tenta vender sua casa. E m
2 1 de outubro, u m mês após o enterro de seu filho, ele segue o Sr. Gomes
e o a t a c a c o m u m a faca. G r a v e m e n t e ferida, a v í t i m a consegue sacar do
1 1 0
revólver e atirar n o assaltante. Os dois h o m e n s m o r r e m .
O responsável pelo Serviço de Viscerotomia de São Miguel do Tapuio,
n a região do Piauí, deve enfrentar e m 1 9 3 6 u m a família que se opõe à
coleta de a m o s t r a de u m parente, família cujos m e m b r o s estariam e m b r i -
agados. Ele c h a m a a polícia, que o coloca sob a proteção de vários solda-
dos. No m o m e n t o e m que se prepara para retirar o fígado do cadáver, os
m e m b r o s da família se a p r o x i m a m ; u m soldado atira e m sua direção, a t i n -
gindo u m deles. S e u a t o foi declarado de legítima defesa. A violência que
cercou a prática da viscerotomia serviu, por vezes, c o m o cortina de f u m a -
ça para u m acerto de contas local. Foi o que aconteceu em 15 de j u l h o de
1 9 3 6 , q u a n d o u m proprietário da p l a n t a ç ã o , Sr. Lima, foi assassinado a
sangue frio por soldados sob o pretexto de u m a recusa à coleta de a m o s t r a
de u m cadáver de u m residente n a plantação. Na contenda que se seguiu,
u m soldado foi m o r t o , o u t r o s feridos. O Sr. Lima era adversário político do
111
sargento J o s é Pires, responsável local pelo E x é r c i t o .
E m 1 9 3 7 , W i l b o u r S a w y e r (então diretor da IHD) lê nos j o r n a i s das
estações do SFA que seis empregados do Serviço de V i s c e r o t o m i a f o r a m
m o r t o s e m conflitos c o m a população, e que m u i t o s outros f o r a m envolvi-
dos e m c o n t e n d a s do m e s m o tipo. S o b o i m p a c t o dessas revelações, ele
escreve a Soper:

Estou muito preocupado com a violência generalizada ligada à práti-


ca da viscerotomia. Essa violência chegou a tal ponto, que serão neces-
sárias mudanças no programa. Essa experiência provocou mortes, o
que põe muito seriamente em questão o sentido de se empregar u m
método que gera tão alto grau de resistência e esbarra nos sentimentos
do público. Meu conselho é que se reveja inteiramente o conceito e que
se retire essa prática das áreas da América Latina em que ela não seja
112
absolutamente essencial.

Soper se espanta c o m sua reação. Responde que S a w y e r provavelmente r e -


cebeu relatórios m u i t o exagerados. Seus colegas, e ele próprio, ficaram, ao
contrário, surpresos por constatar a que ponto a introdução do Serviço de
Viscerotomia havia, e m seu conjunto, transcorrido b e m . Eles h a v i a m sido
advertidos de que o serviço encontraria resistências violentas n o interior do
país, m a s tais ameaças n ã o se materializaram. O pouco de violência que se
manifestou foi, segundo Soper, quantidade insignificante diante da i m p o r -
tância do serviço c o m o , ao m e s m o tempo, indicador da presença da doença
e meio de se obter a cooperação dos poderes públicos: "Os fígados positivos
são u m a prova indiscutível, e são m u i t o eficazes para se obter ajuda local,
ao passo que os testes de proteção do camundongo não podem cumprir esse
113
papel". Ele acrescentou que o n ú m e r o de viscerotomistas assassinados é
e s p a n t o s a m e n t e b a i x o , "se l e v a r m o s e m c o n s i d e r a ç ã o o n ú m e r o de
viscerotomias efetuadas, mais de 1 0 0 . 0 0 0 , muitas das quais em regiões em
114
que reina u m fanatismo religioso exacerbado". S a w y e r n ã o se convence;
responde que, em sua opinião, a viscerotomia deve ser limitada a o estrita-
mente m í n i m o , visto que, de u m lado, o sistema emprega n ú m e r o m u i t o
grande de pessoas que não podem ser fiscalizadas corretamente, e, de outro,
a prática é particularmente m a l recebida pelo público: "O n ú m e r o atual de
pessoas assassinadas é, sem dúvida, s e m i m p o r t â n c i a quando c o m p a r a d o
ao grandíssimo n ú m e r o de pessoas que sentiram esse ato c o m o u m a violên-
115
cia". Soper n ã o reduziu o n ú m e r o de viscerotomias. E m u m a apreciação
ulterior, ele c o n t i n u a a defender a prática, considerada inestimável para o
estabelecimento de u m controle eficaz da febre amarela, m a s acrescentou
que tratava-se, "na melhor das hipóteses, de u m empreendimento que beira
116
o sórdido" [a somewhat gruesome busineness at best].

O Encontro da Floresta com o Laboratório: estudos sobre


a febre amarela silvestre
Os especialistas da Fundação Rockefeller c o n t i n u a m , n o s anos 1 9 3 0 ,
suas viagens ao interior do país para visitar as estações de erradicação dos
m o s q u i t o s , explorar os potenciais sítios para novas instalações e observar
os lugares onde a febre amarela apareceu. Suas descrições das regiões visi-
tadas c o n c e n t r a m - s e n o s elementos considerados pertinentes para a difu-
são da febre a m a r e l a (vias de c o m u n i c a ç ã o que facilitam o deslocamento
dos h o m e n s e dos m o s q u i t o s ) o u p a r a a o r g a n i z a ç ã o de u m a campanha
anti-Aedes aegypti ( n ú m e r o e tipo de casas, abastecimento de água). A des-
crição da região de Guarajara M i r i m (Mato Grosso) feita por Crawford e m
1 9 3 2 é u m relato típico do gênero:

Guarajara Mirim. A localidade tornou-se u m município somente em


1 9 2 9 . Tem 4 0 0 habitações, apenas 70%, aproximadamente, ocupadas.
Todas as casas, à exceção de 2 5 , são em terra batida, mas há esgotos, e
em algumas casas há eletricidade e água corrente. [...] No dia 2 8 , chega-
mos a Manicoré. A cidade se situa aproximadamente 6 0 metros abaixo
do rio. Não há nem eletricidade, nem água corrente. É composta de
aproximadamente 4 0 0 habitações, bastante afastadas umas das outras.
117
Há u m a estação de rádio local.

C o m a descrição da febre amarela silvestre, nova forma epidemiológica


da doença, os focos de interesse dos especialistas da Fundação Rockefeller
m u d a r a m . Os especialistas da Fundação Rockefeller t i n h a m c o m o certo o
fato de que só o corpo h u m a n o o u os m o s q u i t o s aegypti podiam ser p o r t a -
dores do vírus. Após a descrição da febre a m a r e l a silvestre, o n ú m e r o de
l u g a r e s n o s q u a i s esse v í r u s podia se a l o j a r a m p l i o u - s e q u a s e i n f i n i t a -
mente, incluindo o conjunto dos animais e dos insetos da floresta tropical.
A v i s u a l i z a ç ã o indireta desse v í r u s , considerada a l t a m e n t e desejável - a
Fundação Rockefeller g a s t o u s o m a s importantes para tentar decifrar o ci-
clo selvático do vírus da febre amarela - , m o s t r o u - s e m u i t o difícil na p r á -
tica. A febre a m a r e l a silvestre m o d i f i c o u r a d i c a l m e n t e a percepção das
paisagens e das pessoas pelos especialistas da Fundação Rockefeller. Prati-
camente todos os tipos de topografia foram considerados propícios à m u l -
tiplicação do Aedes aegypti, desde que as habitações h u m a n a s e os recipien-
tes cheios d ' á g u a estejam p r ó x i m o s ; em c o m p e n s a ç ã o , o s u r g i m e n t o da
febre a m a r e l a silvestre é condicionado por u m a paisagem específica: casas
à beira da floresta, p r ó x i m a s a u m c a m p o cultivado o u n o meio da flores-
ta, u m a fazenda cercada de vegetação. A visualização da presença (poten-
cial) do agente da febre amarela dependia, portanto, da capacidade de loca-
lizar a "paisagem típica de febre a m a r e l a silvestre" o u as "ocupações de
risco": se as picadas de Aedes aegypti se distribuem eqüitativamente entre
todas as profissões, as dos m o s q u i t o s da floresta que t r a n s m i t e m a febre
a m a r e l a silvestre são prioritariamente reservadas às pessoas levadas, por
sua atividade, a o c o n t a t o direto c o m a floresta.

O p a r â m e t r o "floresta" foi levado e m consideração após os estudos


de S h a n o n sobre a t r a n s m i s s ã o eventual da febre amarela pelos m o s q u i t o s
118
da f l o r e s t a . A descrição da febre amarela silvestre em 1 9 3 2 conferiu-lhe
119
ainda mais p e s o . As casas isoladas o u os campos cultivados na borda da
floresta além da m a t a cerrada t o r n a r a m - s e os "sítios típicos da febre a m a -
120
rela". E m 1 9 3 4 , S a w y e r visita o norte do Brasil e presta especial atenção
aos locais onde a febre a m a r e l a silvestre foi observada. S e u diário teste-
m u n h a u m a n o v a sensibilidade às paisagens, que p a s s a m a incluir a flo-
resta tropical, seus animais, a s s i m c o m o as atividades exercidas pelas v í -
t i m a s da febre a m a r e l a :

Em Rio Manso, falamos com o telegrafista. Ele nos contou que sabe de
oito casos de febre amarela, cinco mortos. U m dos casos fatais foi o de
u m irmão de sua mulher. Repetiu, como ouvimos por toda parte, que
a doença é ligada às roças, clareiras abertas na floresta onde se cultivam
vegetais, frutas e arroz de várzea. Em geral, apenas os homens são
atingidos - as mulheres e as crianças que sofreram da doença também
trabalharam nas roças. As pessoas da região têm u m ar espantosamen-
te inteligente e algumas são bons epidemiologistas amadores. [...] Des-
cemos até Coronel Ponce. A população dessa localidade é de aproxima-
damente 3 0 0 pessoas, muitas das quais crianças. U m rio que corre
rápido atravessa o centro da cidadezinha, e algumas casas se agrupam
a seu redor. Ao chegarmos, às 4 horas, soubemos que o último caso de
febre amarela morrera ao meio-dia, e que o Dr. Burke estava fazendo a
autópsia. Como em todos os outros casos conhecidos de febre amarela,
o homem trabalhou nas roças, mas voltou à casa para dormir. [...] Boa
parte do alimento das pessoas das fazendas vem das roças. Nas roças há,
em geral, u m abrigo onde os trabalhadores dormem na época de traba-
lho intensivo da cultura do arroz; só voltam a suas casas no domingo.
Os rios perto das roças têm correntezas e são cheios de pedras. A floresta
tropical nessa região é muito densa, povoada por bandos de macacos
que pesam de 4 a 5 kg, assim como de porcos selvagens que têm grande
mobilidade. Têm o hábito de roubar comida nas roças. Os macacos são
atraídos pelo milho. Os camundongos silvestres comem arroz. Nin-
guém observou epidemia entre os animais selvagens, ainda que u m
camundongo morto tenha sido visto em uma roça em Buriti da Concei-
ção, durante a irrupção de febre amarela. [...] Em Ponte Barro, havia
quatro casos de febre amarela, dos quais três fatais. O último morreu
em 18 de abril, e o Dr. Novis obteve uma amostra de fígado positivo
desse caso. U m homem, uma mulher e u m menino morreram, u m
outro menino curou-se. Todos, inclusive a mulher, trabalharam nas
roças. [...] Chegamos a Boa Esperança. Ali há duas casas, u m a para os
brancos e uma para os negros. Dois dos filhos da família branca contra-
íram febre amarela trabalhando nas roças; u m morreu. O sangue do
rapaz que ficou curado deu positivo no teste de proteção do camun-
dongo. [...] A colheita do arroz começou logo antes do primeiro caso.
Perdeu-se muito tempo por causa da doença e da morte, depois as pes¬
soas voltaram a trabalhar na roça por oito dias suplementares, quando
o segundo irmão caiu doente. Todo mundo, então, se convenceu de que
121
a doença está ligada à roça, e a colheita foi abandonada.

E m 1 9 3 6 , Soper visita a cidade de J a c a r e z i n h o , e c o n s t a t a que:

O carro passa através da floresta tropical, ou melhor, através de u m a


mata espessa, durante a maior parte da viagem. [...] U m a região típica
da febre amarela silvestre. [...] Quando chegamos à entrada da fazenda,
imediatamente a reconheci como o lugar mais provável para a ocorrên-
cia de febre amarela visto na estrada entre Ourinhos e Jacarezinho. O
acampamento dos trabalhadores é construído na borda da floresta. [...]
Os homens estão divididos em dois grupos, cada u m trabalhando em
u m terreno coberto por vegetação abundante. Há muitos macacos na
floresta: pelo menos um, que não conseguiu escapar, foi encontrado,
doente, pelos trabalhadores antes do surgimento dos primeiros casos
humanos. U m número indeterminado de casos, pelo menos quatro
mortais, surgiu entre esse grupo de trabalhadores. [...] A situação na
Fazenda Angicos é típica daquilo que esperávamos encontrar nas regiões
onde ocorre a febre amarela silvestre. U m a mata alta - ou floresta tro-
pical - , muito densa, chega até as pequenas clareiras nas quais se planta
cana-de-açúcar, milho ou arroz. Tiramos fotografias que mostram a
122
relação entre os campos cultivados e a m a t a .

Na m e s m a o c a s i ã o , S o p e r v i s i t a a p l a n t a ç ã o Fordlândia, m a n t i d a
pela Ford Rubber C o m p a n y , a pedido de seu diretor, Sr. J o h n s t o n . Soper
observa que os trabalhadores, em m a u estado de saúde, parecem sofrer de
a n e m i a . Ε prossegue:

O trabalho em Fordlândia começou em outubro de 1 9 2 8 . Na época,


u m grande número de trabalhadores que haviam sido levados da região
da Madeira-Mamoré foi, provavelmente, infectado pela malária. Quase
não havia legumes disponíveis na região nos primeiros anos, e havia
casos de beribéri. A mortalidade foi de 9 0 pessoas no primeiro ano e de
1 2 0 no segundo, atribuída principalmente à malária e ao beribéri. A
taxa de mortalidade voltou a cair desde então, avalia-se o número de
mortos até hoje na plantação em aproximadamente 6 0 0 pessoas. [...]
Durante o dia, o Dr. Waddel nos fez visitar a plantação. De manhã,
ouvimos o coro dos macacos que guincham na floresta. Os acampa-
mentos dos madeireiros na floresta são totalmente desprovidos de higie-
ne. Se o vírus existe, e eles não estão imunizados, esses homens estarão
expostos à infecção. A distância entre o acampamento principal dos
trabalhadores do seringal e a floresta parece suficientemente grande para
prevenir u m a infecção das casas deste acampamento pela floresta. Após
ter visitado a plantação e visto as condições na floresta, não posso negar
que é u m bom lugar para a febre amarela silvestre. [...] Será, entretan-
to, difícil para m i m introduzir u m programa de saúde pública nessa
região. Será preciso vendê-lo em dólares e cents, e mostrar o ganho para
a companhia de u m empreendimento desse tipo. [...] À noite, o Sr.
Johnston levou-nos ao clube. Lá encontramos outras famílias ameri-
canas e vimos os filmes de propaganda da Ford sobre os parques nacio-
123
nais de Glacier e de Yellowstone.

Em 1 9 3 7 , Soper vai a S a n t a Isabel, na região de Belém, onde h a v i a m


sido observados casos de febre a m a r e l a silvestre:

Fomos visitar o local onde Agostinho cortou lenha quando ficou


doente. Mais u m a vez, vemos aquele velho quadro, j á conhecido, de
u m pedaço de floresta virgem perto de u m a clareira plantada como local
de infecção. Em algumas regiões, a febre amarela está se tornando a
124
doença profissional dos madeireiros.

Ele t a m b é m visita u m seringal n o v o em Belterra, que lhe parece ideal para


a o b s e r v a ç ã o da febre a m a r e l a silvestre. A p l a n t a ç ã o , explica Soper, está
em u m t e r r e n o q u e a n t i g a m e n t e era o c u p a d o pela f l o r e s t a , e q u e foi
desmatado para p l a n t a r e m as seringueiras. As habitações dos trabalhado-
res da plantação ficam a aproximadamente 4 0 0 metros da floresta, sufici-
e n t e m e n t e densa para permitir a sobrevivência de m a c a c o s e o u t r o s a n i -
m a i s selvagens. A p l a n t a ç ã o t e m a p r o x i m a d a m e n t e 7 0 0 trabalhadores, e
espera-se ter, em breve, 1 . 2 0 0 deles. Até agora, os trabalhadores da plan-
tação v ê m da região da A m a z ô n i a (onde a febre amarela é endêmica, e os
habitantes, imunizados), m a s a companhia quer importar trabalhadores
de Porto Rico, que s e r ã o n ã o - i m u n e s : "As condições serão, então, ideais
p a r a a febre a m a r e l a silvestre. Os p r o j e t o s de e l i m i n a r a f l o r e s t a n e s s a
região n ã o e s t a r ã o realizados a n t e s de dez a n o s , o que n o s dá u m a b o a
125
oportunidade para u m estudo epidemiológico a longo p r a z o " .
Q u a n d o Soper atravessa n o v a m e n t e o estado do Espírito S a n t o , e m
1940, ele vê, n o c a m i n h o , "a floresta típica da febre a m a r e l a " :

Hoje, quando passamos pelo vale de Canaan (onde foram observados


os primeiros casos de "febre amarela sem Aedes aegypti"), não pude dei-
xar de pensar em como estávamos cegos em 1 9 3 2 , por não termos
percebido a íntima relação entre os campos cultivados e as florestas,
mesmo quando chegamos à conclusão de que a maioria dos casos ob-
servados na eclosão de 1 9 3 2 haviam sido infectados nos campos. Hoje,
há bem menos florestas do que havia há oito anos, mas, mesmo agora,
um olho bem treinado na procura das condições propícias à febre a m a -
rela silvestre não deixará de percebê-los em toda parte. [...] quando se
olha do outro lado do rio, na direção da cidade de Vitória, fica-se impres-
sionado com as condições praticamente perfeitas para a febre amarela
126
silvestre logo atrás do centro da área comercial da cidade.

A presença do agente da febre a m a r e l a silvestre ficou visível princi-


p a l m e n t e q u a n d o ele afetava o hospedeiro h u m a n o : o s doentes de febre
amarela, e os que m o r r e r a m desta patologia. Para demonstrar que ele esta-
v a presente na floresta, era preciso encontrar o meio de levar o sangue dos
a n i m a i s s e l v a g e n s p a r a o l a b o r a t ó r i o . Os e s p e c i a l i s t a s da Fundação
Rockefeller utilizaram, para isso, dois métodos de coleta: a caça e a insta-
lação de armadilhas (este último permitia a captura de animais vivos). Em
1 9 3 6 , Soper a n o t a v a que

Gilmore relatou que ele encontra agora muito mais animais do que
há algum tempo, graças às mudanças no método de instalar as armadi-
lhas. Conseguimos agora pegar m u i t o mais animais pequenos.
Damasceno ficou muito mais hábil para pegar macacos, e pegou con-
siderável número deles em dois ou três lugares diferentes [...] A visita à
seção zoológica foi muito instrutiva e mostrou que, apesar de todas as
dificuldades, nós conseguimos reunir uma impressionante coleção de
animais. Ela tem aproximadamente 5 0 macacos e u m grande número
127
de pássaros.

A caça aos m a m í f e r o s e pássaros foi ampliada c o m a caça aos insetos da


floresta, potenciais hospedeiros intermediários do vírus da febre a m a r e l a .
Em 1 9 3 7 , W i l s o n a n o t o u e m seu diário que S h a n o n (o entomologista da
Fundação Rockefeller) obteve t a m a n h o sucesso c o m suas grandes a r m a d i -
lhas para m o s q u i t o s , que c o n s t r u i u várias a r m a d i l h a s s e m e l h a n t e s para
128
as pesquisas e m M a t o G r o s s o .
Ao longo do verão de 1 9 4 0 , Ernst G. Holt (ornitólogo contratado pela
Fundação Rockefeller p a r a estudar a febre a m a r e l a silvestre) participa de
u m a caçada na região de Pau Gigante, n o Espírito Santo, acompanhado de
u m médico local, o Dr. Leoberto, e seus colaboradores, Musso, Lako, Rosa e
Gentil. O principal objetivo dessa expedição é coletar o m á x i m o de amostras
de s a n g u e de pássaros da floresta, a fim de e x a m i n á - l o s e m l a b o r a t ó r i o .
Holt dimensiona os progressos registrados na coleta de sangue de pássaros:

1 4 de agosto. Pau Gigante. O Dr. Leoberto levanta-se às 5 h 3 0 da


manhã e sai com Musso para caçar. Lako e Rosa saem depois do café da
manhã para colocar armadilhas destinadas à captura de pássaros vivos.
[...] Gentil foi à floresta com sua arma de fogo. Levantei-me tarde, e
após ter cumprido algumas tarefas, caminhei seguindo a linha da estra-
da de ferro em direção a João Neiva, onde entrei pelo primeiro pedaço de
mata à esquerda. Este era pequeno, mas no cafezal vizinho consegui
várias espécies de pássaros. O Dr. Leoberto voltou com seis pássaros e
cinco outros animais, Lako e Gentil de mãos vazias. Margarete (a espo-
sa de Holt), Lako e Gentil prepararam as peles de pássaro à tarde, o Dr.
Leoberto os observou. [...] 16 de agosto. Gentil saiu para caçar com
Musso, Lako e Rosa foram fazer a ronda das armadilhas, o Dr. Leoberto
está muito resfriado e ficou no acampamento. Voltei às 12h45 com dez
pássaros e quatro outros animais e encontrei Gentil, que trouxe 12
pássaros grandes e oito outros animais. Lako voltou u m pouco mais
tarde com apenas uma jaçanã, de que ele não conseguiu retirar sangue.
À tarde, todo mundo, menos eu e Rosa, começou a preparar peles, até
o Dr. Leoberto pôs as mãos em dois Cacicus heamorrus, que não eram
importantes. Passei a tarde identificando os animais mortos hoje. [...]
17 de agosto, Pau Gigante. Esta semana, conseguimos fazer 79 fichas de
pássaros, cobrindo 3 8 espécies, preparar 6 8 peles para o museu e cole-
tar 4 8 amostras de sangue - u m feito pouco glorioso para seis pessoas.
Temos algumas circunstâncias atenuantes: Lako tentou pegar pássaros
c o m armadilhas destinadas aos mamíferos, Leoberto não está acostu-
mado com a floresta, e eu sou o único que tem u m fuzil e munição
mais ou menos adequada, e estou aprendendo como se pode obter uma
amostra adequada de sangue de u m pássaro abatido. [...] 2 0 de agosto.
Passei o dia no acampamento com toda a papelada. Deitei-me sem cear,
com uma terrível dor de cabeça, resultado do esforço ocular devido ao
excesso de trabalho noturno com canetas de ponta fina e tinta nanquim.
[...] 4 de setembro. Na mesma colina da plantação de café, há u m pe-
queno pedaço de floresta onde cacei u m pouco esta manhã. Graças à
ajuda do Sr. Cutini, que me acompanha e carrega minha bolsa. Voltei à
casa à tarde c o m 17 pássaros e 13 animais, a melhor caçada que fiz
desde que começamos o trabalho nesta região. Eu deveria dizer a minha
única coleta fácil! O que me agradou especialmente foi ter conseguido
129
tirar sangue de pássaros de 14 e até de 10 g r a m a s .

A s c a m p a n h a s de c a ç a dirigidas pelos e s p e c i a l i s t a s da F u n d a ç ã o
Rockefeller p r o s s e g u e m d u r a n t e o s a n o s 1 9 4 0 e 1 9 5 0 . Elas a l e g a r a m a
presença de anticorpos contra o vírus da febre amarela em vários animais
da floresta tropical, sem n o entanto elucidar definitivamente o papel r e s -
pectivo desses a n i m a i s n a persistência do vírus da febre amarela na n a t u -
1 3 0
reza, e e m s u a t r a n s m i s s ã o a o h o m e m . N u m primeiro m o m e n t o , os
especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller que o r g a n i z a r a m a c a m p a n h a c o n -
tra a febre a m a r e l a n o Brasil n ã o se interessaram pelo agente da doença,
irrevogavelmente condenada a desaparecer c o m a diminuição da densida¬
de de seu vetor e a interrupção de sua cadeia de transmissão. N u m segun-
do m o m e n t o , fizeram esforços consideráveis para t o r n a r o vírus da febre
amarela detectável nos h u m a n o s , a fim de melhor definir o alvo das c a m -
p a n h a s de c o n t r o l e deste v í r u s . S u a intervenção n o Brasil t e r m i n o u c o m
expedições n a floresta tropical que p e r m i t i r a m a coleta de sangue de m a -
míferos e de pássaros e u m estudo detalhado dos m o s q u i t o s , sem n o en-
t a n t o m e l h o r a r de m a n e i r a decisiva os c o n h e c i m e n t o s sobre o ciclo n a t u -
ral do v í r u s da febre a m a r e l a . Nos a n o s 1 9 3 0 , os enviados da Fundação
Rockefeller a o Brasil c o n s e g u i r a m tecer sólidos laços entre o laboratório e
o "campo", entendido então c o m o o conjunto dos lugares onde residem os
hospedeiros h u m a n o s do vírus da febre a m a r e l a . Esses laços r e p o u s a r a m ,
em larga medida, n a capacidade dos responsáveis pela c a m p a n h a c o n t r a a
febre a m a r e l a de assegurar, pela persuasão o u pela coerção, a cooperação
dos h a b i t a n t e s das áreas atingidas pela febre a m a r e l a .
Quando o " c a m p o " se estendeu à floresta tropical, esses laços c o m o
l a b o r a t ó r i o se v i r a m f r a g i l i z a d o s e m a i s f r a g m e n t á r i o s . A s f o r m a s de
v i s u a l i z a ç ã o do v í r u s da febre a m a r e l a desenvolvidas a o l o n g o dos a n o s
1 9 3 0 b a s e a v a m - s e n a estreita i m b r i c a ç ã o entre as técnicas de l a b o r a t ó r i o
e os dispositivos de fiscalização das populações h u m a n a s . Tais m é t o d o s
r e v e l a r a m - s e i n ú t e i s n a i n d i c a ç ã o da e x i s t ê n c i a de u m r e s e r v a t ó r i o de
patógenos nos animais selvagens. O reconhecimento do fato de que o v í -
rus da febre amarela permaneceria por m u i t o tempo invisível e inapreensível
e s t i m u l o u o desenvolvimento de o u t r a s abordagens para o controle desta
doença: a eliminação dos m o s q u i t o s Aedes aegypti, a fiscalização das p e s -
s o a s que t o r n a m s u a p r o l i f e r a ç ã o possível e, f i n a l m e n t e , o d e s e n v o l v i -
m e n t o de u m a vacina capaz de proteger as pessoas expostas a risco.

Notas
1
HACKING, I. Representing and Intervening. Cambridge: Cambridge University Press,
1983.
2
Sobre as coletas e os instrumentos, ver LATOUR, Β. Comment redistribuer le grand
partage. Revue de Synthèse, 1 1 0 : 2 0 2 - 2 3 6 , 1 9 8 3 ; BOURGUET M.-N. La collecte du m o n -
e
de: voyage et histoire naturelle (fin XVII'-début XIX ). In: BLANCAERT, C. et al. (Eds.)
Le Museum au Premier Siècle de son Histoire. Paris: Museum National d'Histoire Naturelle,
1 9 9 7 , p . 1 6 3 - 1 9 6 ; BOURGUET, M.-N.& LICOPPE, C. Voyages, mesures et instruments.
Une nouvelle expérience du monde au siècle des lumières. Annales HSS, 5 : 1 . 1 1 5 - 1 . 1 5 1 ,
1 9 9 7 ; BOURGUET, M.-N. & BONNEUIL, C. Botanique et colonisation: l'inventaire du
e e
monde, la mise en valeur du globe (fin XVII - début XIX ). Revue Française d'Histoire
d'Outre-mer, 2000.
3
BOURGUET, M.-N. La collecte du monde, op. cit., p . 1 6 5 .
4
MARCHOUX Ε. & SIMOND, P. L. Études s u r la fièvre j a u n e . Troisième mémoire.
Annales de l'Institut Pasteur, 2 0 : 1 0 4 - 1 4 8 1 9 0 6 , às páginas 1 2 5 - 1 4 2 .
5
MARCHOUX, Ε. SALIMBENI A. T. & SIMOND, P. L. La fièvre j a u n e . Rapport de la
mission française. Annales de l'Institut Pasteur, 17(11):.665-731, 1 9 0 3 , às páginas 6 9 7 -
7 0 5 ; MARCHOUX, Ε. & SIMOND, P. L. Études sur la fièvre j a u n e . Troisième mémoire.
Annales de l'Institut Pasteur, 2 0 : 1 0 4 - 1 4 8 , 1 9 0 6 , às páginas 1 2 5 - 1 4 2 ; MARCHOUX, Ε. &
SIMOND, P. L. Études sur la fièvre j a u n e . Troisième mémoire. Annales de l'Institut
Pasteur, 2 0 : 1 6 1 - 2 0 5 , 1 9 0 6
6
Idem, p. 1 9 2 .
7
Ibid., p. 1 9 5 - 1 9 6 .
8
Sidney Chalhoub estudou a utilização - para legitimar sua destruição - do argumen-
to que enuncia que os alojamentos pobres e superpovoados do centro da cidade (os
cortiços) eram focos de propagação das doenças. Realizada em fins do século X I X ,
essa destruição continuou durante a campanha sanitária de Oswaldo Cruz, provo-
cando o exílio forçado da população desvalida do Rio de Janeiro, do centro da cidade
para os morros, e o desenvolvimento das favelas. Cf. CHALHOUB, S. Cidade Febril:
cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1 9 9 6 .
9
LIMA, A. L. G. S. de. A bordo da República: diário pessoal da expedição de Oswaldo
Cruz aos portos marítimos e fluviais do Brasil. Manguinhos, 4 : 1 5 9 - 1 6 7 , 1 9 9 7 . O diag-
nóstico microscópico da malária é u m a inovação técnica relativamente recente ( 1 9 0 5 ) .
10
The great afflictions o f the North. In: THIELEN, Ε. V. et al. Science Heading for the
Backwoods: images of scientific expeditions conducted by the Oswaldo Cruz Institute scientists
to Brazilian Hinterland, 1911-1913. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 1 9 9 1 ,
p. 1 1 3 - 1 2 4 , à página 1 1 4 .
11
COPANI, Ε. de F. de. (Coord.) Nosso Século. São Paulo: Abril Cultural, p . 1 6 8 - 1 7 0 .
12
CRUZ, O. Considerações gerais sobre as condições sanitárias do Rio Madeira ( 1 9 1 0 ) .
In: CRUZ, O. Opera Omnia. Rio de Janeiro: Imprensa Brasileira, 1 9 7 2 , p . 5 6 7 - 6 2 5 , às
páginas 5 7 3 - 5 7 5 e 6 2 0 - 6 2 4 . The great afflictions o f the North, op. cit.
13
Introduction. In: Science Heading for the Backwoods, op. cit., p . 3 - 9 .
14
LUTZ, A. & MACHADO, A. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 1 9 1 6 , p . 1 8 5 .
15
A microscope in the search of a nation. In: Science Heading for the Backwoods, op. cit.,
p.53-60.
16
PENNA, B. & NEIVA, A. Viagem científica pelo norte da Bahia, sudoeste de Pernambuco,
sul do Piauí e norte e sul de Goiás. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 8 : 7 4 - 2 2 4 , 1 9 1 6 ,
à página 1 1 6 .
17
The great afflictions of the North. In: Science Heading for the Backwoods, p.120.
18
Idem, p.123.
19
CHAGAS, C.; LEÃO, Ρ. & ALBUQUERQUE, J . P. Rapport sur les conditions médico-sanitaires
dans le bassin de l'Amazonie, apresentado ao Ministério da Agricultura, da Indústria e do
Comércio, Escritório da Divisão da Borracha, 1 9 1 3 , citado em Science Heading for the
Backwoods, op. cit., p. 1 2 3 . Em 1 9 2 0 , Chagas veio a ser o primeiro diretor do DNSP
20
CARTER, Η. R. Fortaleza. In: GORGAS, W. C. et al. The Yellow Fever Division of Brazil: a
general report, 1 9 1 7 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 6 4 .
21
COUCILMAN W. Τ & LAMBERT, R. A. The Medical Report of the Rice Expedition to Brazil.
Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1 9 1 8 , p . 1 6 - 1 7 .
22
Idem, p. 1 0 8 - 1 1 1 .
23
ARAÚJO, Η. C. S. A Prophylaxia Rural no Estado do Pará: Belém. Livraria Gillet: 1 9 2 2 ,
p.297-336.
24
Idem, p. 3 1 7 - 3 2 1 .
25
Ibid., p . 3 2 2 .
26
SOPER, F. L. Report on investigation o f suspected cases o f yellow fever in Porto Calvo,
State o f Alagoas, 2 3 de abril de 1 9 2 1 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 4 , dossiê 1 4 4 .
27
Diário de Connor de 1 9 2 7 , anotações de 1 a 17 de abril, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
4 0 , dossiê 2 3 2 . Connor conclui, ao fim de sua viagem, que nenhuma cidade situada ao
longo do rio São Francisco tem população suficiente para manter u m a infecção pela
febre amarela, o u u m a imigração suficientemente importante para permitir u m a
epidemia: "em r e s u m o , a febre amarela irá desaparecer espontaneamente dessas
cidades por causa da falta do 'hospedeiro humano'". Connor a Janney, 2 5 de abril de
1 9 2 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 4 0 , dossiê 2 3 2 .
28
Relatório de Lucian Smith de 14 de março de 1 9 2 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 ,
dossiê 1 5 5 . As idéias de Smith sobre a degeneração dos habitantes de Juazeiro são
próximas às de alguns pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz. Entretanto, Smith
a atribui unicamente à auto-seleção de uma população que tem características físicas
e morais inferiores (ele sublinha que uma cidade vizinha, Crato, prospera em condi-
ções físicas semelhantes). Em compensação, os pesquisadores brasileiros observa-
ram também a ligação entre a degradação física e moral dos habitantes do interior do
Brasil e sua exploração pelos proprietários das plantações.
29
Diário de Muench de 1 9 2 9 ; anotações de 2 4 e de 2 5 de janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 4 4 , dossiê 2 5 3 .
30
Apresentação de Soper na Conferência Sanitária Pan-Americana, Buenos Aires, n o -
vembro de 1 9 3 4 , Acoc, documento 3 4 . 1 1 . 0 0 .
31
Diário de Muench de 1 9 2 9 , anotações de 17 de janeiro de 1 9 2 9 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 4 4 , dossiê 2 5 3 .
32
Connor a Russel, 15 de abril de 1 9 3 0 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 6 2 .
33
Sawyer a Russel, 18 de j u n h o de 1 9 3 0 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 6 4 .
34
Sawyer a Russel, 17 de j u n h o de 1 9 3 0 , Acoc, documento RF 3 0 . 0 6 . 1 7 / 1 .
35
Frobisher a Russel, 17 de dezembro de 1 9 2 9 ; Frobisher a Sawyer, 7 de março de 1 9 3 0 ;
Frobisher a Kerr, 4 de abril de 1 9 3 0 ; Frobisher a Russel, 14 de abril de 1 9 3 0 , RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 6 2 .
36
Soper a Russel, 9 de setembro de 1 9 2 9 ; Persis Putnam, Memorando dirigido a Russel,
de 3 de outubro de 1 9 2 9 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 6 2 ; Russel a Connor,
2 4 de abril de 1 9 3 0 ; Connor a Russel, 6 de maio de 1 9 3 0 ; RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
2 0 , dossiê 1 6 4 .
37
Sawyer a Russel, 17 de j u n h o de 1 9 3 0 , Acoc, documento RF 3 0 . 0 6 . 1 7 / 1 .
39
Soper a Russel, 16 de março de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 6 . Uma
epidemia de mortalidade menos elevada também pode ser induzida por u m vírus
menos virulento.
39
Soper a Sawyer, 6 de abril de 1 9 3 1 ; Sawyer a Soper, 15 de maio de 1 9 3 1 ; Sawyer a
Frobisher, 18 de maio de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 6 .
43
Notas de Hackett sobre a história da IHD, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1, dossiê 8 6 - 9 8 .
41
Sawyer a Soper, 3 de j u l h o de 1 9 3 1 ; Lloyd a Sawyer, 14 de j u l h o de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 6 ; Sawyer a Soper, 3 0 de setembro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 7 .
42
Diário de Soper de 1 9 3 1 , anotações de 2 3 de novembro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
2 7 , dossiê 2 0 7 b . U m lote de camundongos destinado à criação j á havia sido enviado,
mas, por engano, ele foi misturado com u m lote de camundongos utilizados para
testes de proteção.
43
Soper a Russel, 1 0 de dezembro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 8 .
44
Uoyd a Sawyer, 8 de outubro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 8 .
U m a epidemia de tifo m u r i n o no laboratório da Bahia atrasou esses trabalhos.
4 5
Soper a Sawyer, 2 7 de outubro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 7 .
46
Soper a Russel, 1 0 de dezembro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 8 .
4 7
Diário do laboratório da Bahia, anotações do mês de maio de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série
3 0 5 , caixa 4 2 , dossiê 2 4 7 .
48
Soper propôs que se lesse u m resultado 1/4 positivo como negativo. Soper a Russel, 2 7
de dezembro de 1 9 3 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 1 . Sawyer achou que
tal teste deveria ser classificado como não conclusivo e que seus resultados deveriam
ser descartados. Sawyer a Soper, 15 de janeiro de 1 9 3 4 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
2 1 , dossiê 1 7 3 . Em 1 9 3 4 , Soper aceitou classificar o conjunto dos resultados parciais
como não conclusivos. Soper a Kerr, 6 de fevereiro de 1 9 3 4 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 2 1 , dossiê 1 7 3 . Em 1 9 3 5 , Kerr reabriu o debate, propondo que os resultados "não
conclusivos" fossem reconsiderados c o m o positivos, visto que provavelmente eles
continham u m a pequena quantidade de anticorpos. Soper a Russel, 14 de outubro de
1 9 3 5 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 7 .
49
M u e n c h , M e m o r a n d o sobre a uniformidade dos testes de c a m u n d o n g o , de 15 de
março de 1 9 3 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 1 .
50
Diário de Doyle de 1 9 3 1 , anotações de 3 de fevereiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 4 1 ,
dossiê 2 4 2 .
51
Diário de Soper de 1 9 3 2 , anotações de 4 de março, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 ,
dossiê 2 0 8 .
52
Diário de Soper de 1 9 3 2 , anotações de 3 - / 3 / 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 ,
dossiê 2 0 8 .
53
Diário de Soper de 1 9 3 2 , anotações de 11 de março, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 ,
dossiê 2 0 8 .
54
Diário de Soper de 1 9 3 0 , anotações de 9 de outubro, 2 6 de agosto, RAC, RG 1.1, série
3 0 5 , caixa 2 7 , dossiê 2 0 7 .
55
Entrevista de Hackett com Kumm, 1 0 de abril de 1 9 5 1 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1,
dossiê 8 6 - 9 8 . Kumm menciona também que o viscerotomista de São Gonçalo conse-
guiu suas amostras de fígado (das quais várias revelaram-se positivas) empunhando
seu revólver.
56
Notas de Hackett sobre a febre amarela, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 3, dossiê 1 9 .
57
Entrevista de Hackett com Wilson G. Smillie, 1 0 de novembro de 1 9 5 0 , RAC, RG 3 . 1 ,
série 9 0 8 , caixa 3, dossiê 1 9 . 1 .
58
Notas de Hackett sobre a febre amarela, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 3, dossiê 1 9 .
59
Entrevista de José Fonseca da Cunha, médico brasileiro empregado pelo Serviço da Febre
Amarela nos anos 1 9 3 0 . A entrevista foi feita em 1 9 8 7 no âmbito do projeto de história
oral "Memória de Manguinhos", dirigido por Nara Britto e Wanda Hamilton, Acoc.
60
Sawyer a Soper, 2 4 de outubro de 1 9 3 5 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 7 .
61
Programa da Fundação Rockefeller para 1 9 3 5 ; Carpenter a Sawyer, 2 9 de setembro de
1 9 3 4 ; Soper a Russel, 7 de dezembro de 1 9 3 4 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 4 .
62
SOPER, F. L.; RICKARD; Ε. R. & CRAWFORD, P. J . The routine post mortem removal o f
liver tissue from rapidly fatal fever cases for the discovery o f solent yellow fever foci.
The American Journal of Hygiene, 1 9 ( 3 ) : 5 4 9 - 5 5 6 , 1 9 3 4 .
63
ROCHA LIMA, H. da. Zur pathologishen Anatomie des Gelbfiebers. Verhandl. D. Deutsch.
path. Gesellsch., 1 9 1 2 , p . 1 6 3 ; ROCHA LIMA, H. da. Da importância prática das lesões do
fígado na febre amarela. Rev. Med. Hambourg., 2 : 3 3 6 - 3 3 9 , 1 9 2 1 ; do mesmo autor, O
diagnóstico post mortem da febre amarela. Folha Médica, 7 : 1 6 9 , 1 9 2 6 ; MARGARINO
TORRES, C. Sur la dégénérescence oxychromatique du foie chez les singes inoculés
avec le virus de la fièvre j a u n e . Comptes Rendus de la Société de Biologie, 9 9 : 1 . 6 6 9 - 1 . 6 7 1 ,
1 9 2 8 ; PENNA, O. & FIGUEIREDO, B. de. Contribuição ao estudo da histopatologia do
fígado na febre amarela. Folha Médica, 1 0 : 2 2 9 , 1 9 2 9 ; KLOTZ, O. & BELT, Τ. Η. The
pathology o f liver in yellow fiever, American Journal of Pathology, 6 : 6 6 3 - 6 8 7 , 1 9 3 0 .
64
COWDREY, Ε. V. & KITCHEN, S. F. Intranuclear inclusions yellow fever. Science, 6 9 : 2 5 2 -
2 5 3 , 1 9 2 9 . Se não ocorrer morte nos dez dias seguintes ao início da doença, a imagem
patológica do fígado é alterada, razão suplementar para só pedir amostras de fígado
dos casos de "febre" falecidos dez dias após o início da doença. VILELA, E. Histology of
h u m a n yellow fever when death is delayed. Archives of Pathology, 3 1 : 6 6 5 - 6 6 9 , 1 9 4 1 .
65
Diário de Rickard em 1 9 3 0 , anotações de 3 0 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 5 0 ,
dossiê 2 6 5 .
66
Diário de Rickard em 1 9 3 0 , anotações de 8 de j u l h o , 1 0 de j u l h o , 17 de j u l h o , 19 de
julho, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 5 0 , dossiê 2 6 5 .
67
Diário de Rickard em 1 9 3 0 , anotações de 2 5 de agosto, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 5 0 ,
dossiê 2 6 5 .
68
Entrevista de Hackett com Rickard, 2 5 de outubro de 1 9 5 0 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 ,
caixa 1, dossiê 8 6 - 9 8 .
69
Soper a Russel, 2 1 de j u l h o de 1 9 3 0 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 6 4 .
70
Russel a Soper, 5 de agosto de 1 9 3 0 ; Soper a Russel, 11 de agosto 1 9 3 0 ; Russel a Soper,
12 de agosto de 1 9 3 0 (telegrama); Soper a Russel, 12 de agosto de 1 9 3 0 , RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 6 4 ; Diário de Soper em 1 9 3 0 , anotações de 7 de agosto,
RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 , dossiê 2 0 7 .
71
Entrevista de Hackett com Soper, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1, dossiê 8 6 - 9 8 .
72
Diário de Soper em 1 9 3 0 , anotações de 9 de agosto, 2 6 de agosto, RAC, RG 1.1, série
3 0 5 , caixa 2 7 , dossiê 2 0 7 .
73
Diário de Soper em 1 9 3 0 , anotações de 2 2 de j u l h o , 1 de agosto e 2 de agosto, RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 , dossiê 2 0 7 . Em 9 de agosto, Rickard anota em seu diário que
Soper lhe mostrou os desenhos de um instrumento feitos por u m médico brasileiro,
indicando ter enviado ao autor informações sobre o instrumento desenvolvido por
Rickard, e que ele está tentando imitar; Diário de Rickard em 1 9 3 0 , anotações de 9 de
agosto, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 5 0 , dossiê 2 6 5 .
74
Parreiras insistiu em reivindicar a prioridade na invenção do viscerótomo. Fontes brasi-
leiras o citaram como autor dessa inovação, e o próprio Parreiras publicou um artigo
intitulado ' T h e creation of the visceroctomy service for the diagnostic o f yellow fever
and the first visceroctome", no qual reitera que foi ele quem teve a idéia das autópsias
sistemáticas e das autópsias parciais, e que ele foi o primeiro a inventar um instrumento
para operar estas últimas. RIBEIRO, L (Coord.) Brazilian Medical Contributions (livro pre-
parado para a Exposição Universal de 1 9 3 9 ) . Rio de Janeiro: Livraria José Olympio
Editora, 1 9 3 9 , p . 1 0 6 - 1 0 7 . Em 1 0 de abril de 1 9 5 7 , Parreiras é condecorado pela Ordem dos
Médicos brasileiros pela invenção do viscerótomo. SOPER, F. L. Ventures in World Health (ed.
John Duffy). Washington DC: Paho (WHO), 1 9 7 7 , p.164.
75
Diário de Soper em 1 9 3 0 , anotações de 15 de setembro, 19 de setembro, RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 2 7 , dossiê 2 0 7 . Em 1 9 3 0 , Soper está inclinado a achar que os méritos
do desenvolvimento da viscerotomia são compartilhados, e que Décio Parreiras de-
senvolveu seu serviço de coleta de amostras de fígado de cadáver paralelamente ao da
Fundação Rockefeller. Diário de Soper de 1 9 3 0 , anotações de 9 de agosto, 2 6 de agosto,
RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 , dossiê 2 0 8 .
76
Diário de Soper para 1 9 3 2 , anotações de 2 9 de março, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 ,
dossiê 2 0 8 .
77
Soper a Russel, 3 de setembro de 1 9 3 0 ; Soper a Russel, 1 0 de setembro de 1 9 3 0 ; Sawyer
a Soper, 12 de setembro de 1 9 3 0 ; Beeuwkes a Russel, 6 de outubro de 1 9 3 0 , RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 5 .
78
Soper a Russel, 19 de novembro de 1 9 3 0 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 5 .
79
Soper ao ministro da Saúde do Brasil, 2 6 de novembro de 1 9 3 0 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 2 1 , dossiê 1 6 5 .
80
Diário de Soper em 1 9 3 0 , notas de 2 9 - 3 0 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 ,
dossiê 2 0 7 .
81
Soper a Russel, 1 0 de dezembro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 8 .
A r e s i s t ê n c i a dos m é d i c o s à p r á t i c a da v i s c e r o t o m i a e s t a v a ligada à
"desprofissionalização" da autópsia. A viscerotomia foi restrita aos óbitos devidos a
uma febre indeterminada. Em caso de suspeita direta de morte por febre amarela,
fez-se uma autópsia completa. Soper a Russel, 9 de janeiro de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série
3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 9 .
82
Soper a Russel, 19 de maio de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 6 .
83
Soper a Russel, 2 4 de j u n h o de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 7 . Russel
respondeu que, em sua opinião, o objetivo da campanha contra a febre amarela era
a erradicação da doença. Russel a Soper, 2 5 de setembro de 1 9 3 1 , Idem. Essa troca de
cartas ocorreu antes da descrição da febre amarela silvestre (em 1 9 3 2 ) .
84
Diário de Soper em 1 9 3 1 , anotações de 3 0 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 ,
dossiê 2 0 7 .
85
Texto da lei de 2 3 de maio de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 7 .
86
Soper a Russel, 15 de j u l h o de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 0 .
87
Soper a Russel, 2 6 de j u l h o de 1 9 3 2 ; Soper a Russel, 21 de novembro de 1 9 3 2 , RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 0 .
88
Kerr a Russel, 7 de j u l h o de 1 9 3 4 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 3 .
89
Diáriode Crawford em 1 9 3 2 , anotações de 14 de j u l h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
2 7 , dossiê 2 0 8 d .
90
Diário de Crawford em 1 9 3 2 , anotações de 18 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
2 7 , dossiê 2 0 8 b .
91
Coleção fotográfica do Serviço da Febre Amarela, anos 1 9 3 0 , série fotos de necrotério,
fotos n° 3 0 - 6 3 , Acoc, dossiês iconográficos.
92
RICKARD, E. R. The organization of the visceroctom service of the Brazilian Cooperative
Yellow Fever Service, op. cit., p. 1 6 6 , 1 8 1 .
93
Idem, p. 1 6 8 .
94
Ibid., p . 1 8 1 .
95
Diário de Soper em 1 9 4 0 , anotações de 2 5 de fevereiro, 2 6 de fevereiro, RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 3 2 , dossiê 2 1 6 .
96
Diário de Soper em 1 9 3 4 , anotações de 12 de julho, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 8 ,
dossiê 2 0 9 .
97
Entrevista de José Fonseca da Cunha, op. cit.
98
RICKARD, E. R. The organization of the visceroctom service of the Brazilian Cooperative
Yellow Fever Service, op. cit., p. 1 6 6 , 1 8 1 .
99
Diário de Soper em 1 9 3 2 , anotações de 2 3 de abril, 19 de maio e 2 0 de maio, RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 , dossiê 2 0 8 .
100
Soper a Russel, 15 de j u l h o de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 0 ; Soper
a Strode, 2 6 de j u n h o de 1 9 3 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 2 , dossiê 1 7 1 .
101
A difusão do viscerótomo limitou-se quase que exclusivamente aos países da Améri-
ca Latina, especialmente através da rede de especialistas da Fundação Rockefeller. Os
britânicos não o utilizaram na África, alegando a inexistência de legislação e sua
intenção de não ofender as populações autóctones. Na África sob mandato britânico,
não havia, portanto, nem registro dos óbitos, nem controle dos cemitérios. Entrevista
de Hackett com Richard Μ. Taylor, 2 3 de janeiro de 1 9 5 1 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa
3, dossiê 1 9 . 1 . Findlay explica, em 1 9 4 1 , que "dadas as crenças religiosas e o caráter
primitivo das tribos em numerosas regiões da África, o m o m e n t o ainda não está
amadurecido para a introdução da viscerotomia". Cf. Findlay, Memorandum of Yellow
Fever in Africa (manuscrito, 1 9 4 1 ) , Wellcome Archives, Dossiê Findlay G C / 1 4 , caixa
5. Em 1 9 4 5 , um especialista francês lamenta a total ausência da viscerotomia nas
colônias francesas. BABLET, J . La Fièvre Jaune: diagnostic différentiel, clinique et
histopathologique: hepatite amarile. Paris: Flamarion, 1 9 4 5 .
102
SOPER, F. L. Relatório sobre o trabalho relacionado à febre amarela no Brasil, 1 9 3 9 ,
Acoc, documento Fundação Rockefeller 4 0 . 0 2 . 0 7 . É interessante constatar que o núme-
ro de casos fatais "ocultos" de febre amarela foi pouco elevado, mesmo antes da obten-
ção dos resultados tangíveis das campanhas anti-aegypti, fato que entra em contradi-
ção com a convicção de Soper de que a febre amarela invisível fez muitas vítimas,
especialmente entre as crianças. Soper usou tal argumento para justificar sua "luta
sem tréguas" contra essa doença. Entrevista de Hackett com Soper, 17-18 de fevereiro
de 1 9 5 1 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1, dossiê 8 6 - 9 8 . Nos anos 1 9 3 0 , o laboratório do
Rio de Janeiro examinou, além das amostras de fígado brasileiras, 3 2 . 8 4 2 amostras de
fígados provenientes de outros países da América Latina. 1HD, Relatório sobre a febre
amarela em 1 9 4 0 , Acoc, documento Fundação Rockefeller, 4 0 . 0 2 . 0 3 .
103
Diário de Crawford, 1 9 3 7 - 1 9 3 8 , anotações de 2 8 de j u l h o , Acoc, documento RF
37.01.08.
104
Diário de Soper em 1 9 1 3 , anotações de 10 de novembro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
2 7 , dossiê 2 7 a . Soper tirou várias fotos de Juazeiro, do monumento ao Padre Cícero,
erigido em 1 9 2 7 , e depois, no dia seguinte, do próprio Padre Cícero e de seus compa-
nheiros em trajes de vaqueiro, em couro.
105
Diário de Doyle em 1 9 3 1 , anotações de 6 de fevereiro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 4 1 , dossiê 2 4 2 .
106
Entrevista de Hackett com Kumm, 1 0 de abril de 1 9 5 1 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1,
dossiê 8 6 - 9 8 .
107
Os mitos do sertão brasileiro, região semi-árida que vive da criação de gado, têm
pontos em c o m u m com os do faroeste americano, semelhança acentuada pelo para-
lelo entre o vaqueiro e o caubói.
108
Diário de Rickard em 1 9 3 2 , anotações de 2 7 de agosto.
109
Diário de Rickard em 1 9 3 2 , anotações de 9 de setembro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
5 0 , dossiê 2 6 5 . Essa história também é contada no diário de Crawford de 1 9 3 7 - 1 9 3 8 ,
anotações de 2 8 de j u l h o de 1 9 3 8 (levantamento dos empregados do Serviço da Febre
Amarela assassinados no cumprimento de sua missão), Acoc, documento RF 3 7 . 0 1 . 0 8 ,
e no diário de Wilson em 1 9 3 7 , anotações de 8 de janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
3 0 , dossiê 2 1 3 . Wilson acrescentou que a viúva de Fandino havia sido contratada pelo
Serviço da Febre Amarela para distribuir peixes larvívoros (até onde sei, a única
mulher contratada pelo SFA para trabalhar em campo).
110
Diário de Wilson em 1 9 3 7 , anotações de 8 de janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 ,
dossiê 2 1 3 ; Diário de Crawford, 1 9 3 7 - 1 9 3 8 , anotações de 2 8 de j u l h o de 1 9 3 8 , Acoc,
documento RF 2 7 . 0 1 . 0 8 .
111
Diário de Wilson em 1 9 3 7 , anotações de 8 de janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 ,
dossiê 2 1 3 .
112
Sawyer a Soper, 6 de maio de 1 9 3 7 (carta com o registro "confidencial"), RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 8 2 .
113
Soper a Sawyer, 12 de maio de 1 9 3 5 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 8 2 .
114
Soper a Sawyer, 3 0 de j u n h o de 1 9 3 5 (carta com o registro "confidencial"), RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 8 2 .
115
Sawyer a Soper, 6 de outubro de 1 9 3 5 (carta com o registro "confidencial"), RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 8 2 .
116
SOPER, F. L. Ventures in World Health ( 1 9 7 7 ) , op. cit., p . 1 6 7 .
117
Diário de Crawford em 1 9 3 2 , anotações de 2 4 - 2 9 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 2 7 , dossiê 2 0 8 b .
118
Davis a Connor, 2 6 de fevereiro de 1 9 3 0 , Acoc, documento RF 3 0 . 0 2 . 2 6 .
119
Soper a Russel, 12 de março de 1 9 3 2 ; Soper a Russel, 3 0 de março de 1 9 3 2 ; Soper a
Russel, 2 9 de abril de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 9 .
120
Diário de Soper em 1 9 3 4 , anotações de 2 0 de j u l h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 8 ,
dossiê 2 0 9 .
121
Diário de Soper em 1 9 3 4 , anotações de 8 - 2 0 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 9 0 8 , caixa 4 ,
dossiê 2 7 .
122
Diário de Soper em 1 9 3 6 , anotações de 14 de maio, 15 de maio e 1 9 de maio, RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 , dossiê 2 1 2 .
123
Diário de Soper em 1 9 3 7 , anotações de 2 1 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 ,
dossiê 2 1 3 .
124
Diário de Soper em 1 9 3 7 , anotações de 18 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 ,
dossiê 2 1 3 .
125
Diário de Soper em 1 9 4 0 , anotações de 2 5 de fevereiro de 1 9 4 0 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 3 0 , dossiê 2 1 3 .
126
Diário de Soper em 1 9 4 0 , anotações de 2 5 de fevereiro, 2 6 de fevereiro, RAC, RG 1.1, série
3 0 5 , caixa 3 2 , dossiê 2 1 6 . Soper decidiu abrir uma estação de estudo da febre amarela
silvestre em Vitória (dirigida por Kerr). Ernest Holt, que havia trabalhado anteriormente
no laboratório do Rio de Janeiro, foi para essa estação, e tentou verificar se os pássaros da
floresta tropical poderiam estar envolvidos na transmissão da febre amarela silvestre.
127
Diário de Soper em 1 9 3 6 , anotações de 18 de maio, 19 de maio, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 3 0 , dossiê 2 1 2 .
128
Diário de Wilson em 1 9 3 7 , anotações de 8 de janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 ,
dossiê 2 1 3 .
129
Diário de Holt em 1 9 4 0 , anotações de 14 de agosto a 4 de setembro, RAC, RG 1.1, série
3 0 5 , caixa 3 2 , dossiê 2 1 6 .
130
O ciclo macaco-mosquito/Haemagogus-homem tornou-se mais plausível, mas outros
animais da floresta - caititus, tatus, marsupiais - c o n t i n u a m sendo vistos c o m o
possíveis hospedeiros do vírus da febre amarela. O papel dos pássaros na transmis-
são dessa doença não foi comprovado. STRODE, G. (Ed.) Yellow Fever. New York: McGraw
Hill Book Co., 1 9 5 1 ; KIPPLE, K. F. (Ed.) The Cambridge World History of Human Diseases.
Cambridge: Cambridge University Press, 1 9 9 3 , p. 1 . 0 0 0 - 1 . 0 0 7 .
EstilosdeControle: mosquitos, vírusehumanos

O Controle dos Mosquitos, entre Virtude Cívica e Ação


Disciplinar
Desde os trabalhos da Comissão Reed, a luta c o n t r a a febre amarela
mirava u m alvo b e m preciso: o m o s q u i t o Aedes aegypti (Stegomyia fasciata),
inseto ao m e s m o t e m p o especialmente perigoso - adapta-se m u i t o facil-
m e n t e a o estilo de vida u r b a n o , e a densidade dos m o s q u i t o s é, e m geral,
proporcional à densidade dos aglomerados h u m a n o s - e teoricamente fácil
de eliminar. A adoção, pelos especialistas da Fundação Rockefeller, de u m
"índice de m o s q u i t o s " c o m o medida da eficácia de suas c a m p a n h a s ilustra
a existência do elo entre habitat - e hábitos - , h o m e n s e m o s q u i t o s . U m
c o n t r o l e eficiente desses insetos deveria, p o r t a n t o , p a s s a r pela vigilância
dos l o c a i s q u e o s a b r i g a m , e pela e l i m i n a ç ã o s i s t e m á t i c a das p r á t i c a s ,
c o m o a utilização de reservatórios de á g u a estagnada, propícias ao desen-
volvimento das larvas. Esse controle poderia o u ser feito por agentes sani-
tários, o u deixado a c a r g o dos h a b i t a n t e s . Se falhassem as tentativas de
aplicar tais medidas pela persuasão, era à força que se deveria, por vezes,
recorrer.

A partir da descoberta do papel dos m o s q u i t o s c o m o vetores da m a -


lária e da febre a m a r e l a , os especialistas p r o p u s e r a m toda u m a g a m a de
soluções para c o n t r o l a r estes insetos. E m 1 9 0 2 , Ronald Ross, que c o n t r i -
b u i u de maneira substancial para a descrição do papel do m o s q u i t o Anopheles
n a t r a n s m i s s ã o da m a l á r i a , publica u m a o b r a intitulada As Brigadas de
1
Mosquitos e Como Organizá-las. Se a metáfora militar n ã o surpreende por-
que vinda de u m médico das colônias, a abordagem é, todavia, c o m p l e t a -
mente inovadora, pois Ross propõe "privatizar" a eliminação dos m o s q u i -
tos e organizar "brigadas" o u "gangues" que se engajariam nessa missão e
2
seriam remuneradas graças à generosidade dos cidadãos. Essa privatização,
p o r t a n t o , encobriria a m á v o n t a d e d e m o n s t r a d a pelos poderes coloniais
britânicos, que n ã o se aplicava apenas à luta c o n t r a a malária, m a s t a m -
3
b é m à febre a m a r e l a . A s medidas de p r o t e ç ã o individual, tais c o m o a
u t i l i z a ç ã o de m o s q u i t e i r o s o u a d i s t r i b u i ç ã o de q u i n i n a , p a r e c i a m - l h e s
preferíveis à aplicação de políticas de saúde pública que, entretanto, b e n e -
ficiariam toda a comunidade. Ross lembra, além disso, que na Inglaterra a
distribuição de á g u a potável e o sistema de esgotos f o r a m obra de empre-
sas p r i v a d a s : "Foi a o p i n i ã o p ú b l i c a q u e c r i o u a a t e n ç ã o s a n i t á r i a n o s
4
países civilizados, e é a opinião pública que a criará nos trópicos".
As "brigadas a n t i m o s q u i t o s " privadas, financiadas pelo dinheiro c o -
letado entre negociantes locais e o u t r o s colonos abastados serão, segundo
Ross, u m a e m p r e i t a d a c o m u m de cidadãos esclarecidos e r e s p o n s á v e i s ,
dotados de civismo pronunciado e preocupados em m e l h o r a r as condições
de vida de seus congêneres. Sua ação, limitada à escala local, estaria basea-
da na educação da população, mais pela persuasão do que pela coerção. O
próprio pessoal da brigada se encarregaria, mediante cobrança, de todos os
trabalhos de limpeza necessários em u m quintal o u n a rua.

Está fora de cogitação importunar os donos das casas que se recusarem


a receber os membros da brigada. Com o tempo, eles acabarão por se
juntar aos demais. Poderão, aqui, suscitar a questão das medidas legais
contra as pessoas que, ao deixarem os mosquitos se multiplicarem em
suas casas, incomodam os vizinhos. Medidas repressivas contra tais pes-
soas podem ser consideradas legítimas. Os americanos, que têm tendên-
cia a agir diretamente, logo instituíram em Havana multas para as pesso-
as que permitem a multiplicação de mosquitos em suas casas. Entretan-
to, em função de minha longa experiência com os métodos utilizados
pelos britânicos, eu tenderia a aconselhar o diretor britânico de uma bri-
gada de mosquitos a se fiar mais na persuasão do que na coerção, e a
5
contar com seus próprios recursos, mais do que com os da lei.

A abordagem desenvolvida durante a c a m p a n h a sanitária conduzida


p o r O s w a l d o C r u z n o Rio de J a n e i r o ( 1 9 0 3 - 1 9 0 7 ) c o n t r a s t o u s i n g u l a r -
m e n t e c o m a de Ross. De militar, as "brigadas de m o s q u i t o s " p r o p o s t a s
por este ú l t i m o só tiveram o n o m e . Tratava-se, n a verdade, de grupos de
trabalhadores coordenados por u m a u t o p r o c l a m a d o dirigente, m a i s pare-
cido c o m o patrão de u m a pequena empresa privada do que c o m u m oficial
superior. U m sinal de identificação, sob a forma de u m quadrado em tecido
vermelho costurado n a roupa, fazia as vezes de uniforme. Ross não m e n -
ciona n e m disciplina de trabalho (ele recomenda que se conquiste a fideli-
dade dos e m p r e g a d o s p o r m e i o da educação associada a b o n s s a l á r i o s ) ,
n e m a possibilidade de que essas "brigadas" sejam utilizadas para c o n t r o -
lar os habitantes. O método introduzido por Cruz apoiava-se, por sua vez,
n a instalação de unidades estruturadas de empregados dos serviços s a n i -
tários m u n i c i p a i s - o s m a t a - m o s q u i t o s - enquadrados por u m a direção
h i e r a r q u i z a d a e u n i f o r m i z a d o s . Esses m a t a d o r e s de m o s q u i t o s procede-
r a m p o r fumigações à base de gás sulfúrico, prioritariamente nas zonas
definidas c o m o "focos" de infecção, s e m considerar a possibilidade de t r a -
t a r a cidade inteira; observava-se, entretanto, c o m atenção o s u r g i m e n t o
de l a r v a s n a "periferia". Esse m é t o d o c o m b i n o u , p o r t a n t o , o i s o l a m e n t o
dos doentes, a destruição dos m o s q u i t o s adultos, a eliminação das larvas
n a v i z i n h a n ç a e a vigilância de todas as pessoas n ã o - i m u n e s que pudes-
6
sem ser encontradas n o "foco".
O serviço responsável pela luta contra a febre amarela, administração
a u t ô n o m a situada n a jurisdição do diretor-geral da Saúde Pública, era c o m -
posto por u m inspetor geral, dez assistentes, todos médicos, 7 5 estudantes
7
de medicina e a p r o x i m a d a m e n t e mil empregados. Oswaldo Cruz conside-
rava a destruição dos mosquitos a seu encargo c o m o u m dever nacional:

A destruição sistemática e contínua dos mosquitos Stegomyia é a prin-


cipal medida profilática contra a febre amarela. Toda nação pode, des-
truindo esses mosquitos, defender-se de modo absoluto da febre amare-
la. Conseqüentemente, a questão da febre amarela perde sua dimensão
internacional e restringe-se a u m interesse puramente nacional. Se le-
varmos em consideração esses princípios, a legislação internacional so-
bre a febre amarela pode ser completamente liberal, mas a legislação
nacional deve ser rigorosa, para impedir a propagação local dos m o s -
8
quitos Stegomyia.

O modelo de c a m p a n h a antimosquitos proposto pelo general Gorgas


enfatizava e x c l u s i v a m e n t e , c o m o o de Ross, a eliminação das larvas e a
d e s t r u i ç ã o dos l u g a r e s propícios à s u a p r o l i f e r a ç ã o . E n t r e t a n t o , G o r g a s
partilhava c o m Cruz a certeza de que essas questões deviam ser resolvidas
n o m a i s alto nível - e m escala internacional, n o que lhe concerne. M a s a
especificidade da a b o r d a g e m do general residia n o c a r á t e r repressivo que
ele associava a u m a c a m p a n h a desse tipo. E m u m artigo sobre Ά situação
sanitária dos trópicos", publicado e m 1 9 0 9 , Gorgas descreve a "organiza¬
ç ã o - m o d e l o " de u m a c a m p a n h a , insistindo n o fato de se t r a t a r de u m a
9
situação ideal: "Não o que t e m o s agora, m a s o que gostaríamos de t e r " . A
p r i m e i r a etapa está c o n d i c i o n a d a à o b t e n ç ã o de créditos suficientes. E m
seguida, t r a t a - s e de v e r r e c o n h e c i d a a l e g i t i m i d a d e n e c e s s á r i a à
i m p l e m e n t a ç ã o de medidas sanitárias:
Para chegar a isso, eu proporia u m a lei que declarasse que todo pro-
prietário que abriga larvas de mosquitos em sua propriedade estará
cometendo u m delito, e passível de multa. O oficial sanitário deve poder
impor o regulamento sanitário, tal como as polícias municipais na
América Latina. Esse poder lhe permitiria aplicar multas a todo momen-
to. A multa deverá ser recolhida pelos tribunais, mas o oficial sanitário
deverá ser informado pelo juiz quando ela for paga, para poder manter
o controle de todas as etapas do procedimento. U m a outra lei deveria
dar ao oficial sanitário o poder de mandar os empregados de seu serviço
destruírem todos os objetos nocivos, caso seu proprietário não o fizes-
se, u m a semana após a primeira advertência. O custo da operação fica-
rá a cargo do proprietário e será recolhido por tribunais. Trata-se de
u m a medida muito importante, pois permite ao oficial sanitário
implementar rapidamente as medidas que considerar necessárias, e isto
a u m custo muito reduzido. Uma terceira lei, enfim, deverá determinar
que todos os reservatórios de água, poços e calhas sejam ou eliminados
10
ou mantidos de modo a não permitir a multiplicação dos mosquitos.

A cidade onde se desenvolverá a c a m p a n h a a n t i m o s q u i t o s deve, se-


g u n d o Gorgas, ser previamente dividida em "unidades de inspeção". Todas
as casas situadas nas diferentes zonas a s s i m circunscritas deverão ser visi-
tadas u m a vez p o r m ê s . O oficial s a n i t á r i o deve, a s s i m , inspecionar e m
média 2 5 casas por dia n a unidade sob sua responsabilidade, e enviar u m
relatório diário a seu superior hierárquico. Qualquer transgressão do regula-
m e n t o será razão para u m a advertência ao proprietário, que t e m u m prazo
de u m a s e m a n a para remediar o m a u estado sanitário de sua c a s a . Se a
segunda inspeção n ã o for satisfatória, o inspetor deve enviar u m a "equipe
de limpeza" para retirar da c a s a os objetos propícios à multiplicação das
larvas. O custo da operação ficará a cargo do proprietário recalcitrante. Para
Gorgas, essa organização é suficiente para se combater a febre amarela:

A limpeza das ruas, a coleta do lixo e dos dejetos são bons auxílios
para a melhoria do conforto e do nível geral de saúde em um município,
mas não têm nenhuma influência direta sobre a febre amarela. Os habi-
tantes de uma cidade pobre, que dispõem de pouco dinheiro, poderão
adotar a organização que eu propus, mantê-la por u m ou dois anos e
livrar sua localidade da febre amarela, e depois, eventualmente, quando
11
tiverem condições, fazer outros trabalhos de saneamento.

A v i t ó r i a sobre a febre a m a r e l a é, segundo ele, a p e n a s u m a q u e s t ã o de


coordenação entre os governos de todos os países atingidos por este flagelo,
em escala continental, o u m e s m o global; se a cada vez que a doença for
verificada e m u m sítio, u m g r u p o de especialistas o r g a n i z a r u m a c a m p a ¬
n h a de eliminação das larvas de Aedes aegypti c o n f o r m e os princípios por
ele editados, b a s t a r ã o dois anos para fazer a febre amarela desaparecer das
Américas, e u m a geração para eliminá-la da face da terra:

A geração seguinte terá u m interesse puramente histórico pela febre


amarela: olhará para os parasitos dessa doença como nós olhamos para
u m cavalo de três dedos - um animal que existiu no passado, mas sem
12
nenhuma chance de ressurgir no futuro.

A a b o r d a g e m adotada pelos médicos coloniais franceses n ã o se i n s -


pira n e m n o modelo de "erradicação dos m o s q u i t o s c o m o ato cívico" p r o -
posto por Ross, n e m n o da "erradicação dos m o s q u i t o s c o m o dever i m p o s -
to a o s cidadãos" p r o m o v i d o p o r G o r g a s , e m e n o s ainda n o c o n c e i t o de
"erradicação dos m o s q u i t o s c o m o ação sanitária vinda de c i m a " r e c o m e n -
dado por Cruz. Os especialistas franceses apregoam a c o m b i n a ç ã o de u m a
a ç ã o empreendida p o r profissionais c o m a educação da população. Além
disso, seu principal aliado n a l u t a c o n t r a os insetos é o engenheiro, e a
eliminação dos m o s q u i t o s está ligada à execução de grandes obras de en-
genharia civil. A luta contra o Aedes aegypti n ã o é vista c o m o parte de u m
desenvolvimento comunitário ou c o m o algo da alçada do dever nacional, o u
m e s m o de u m a dinâmica internacional, m a s c o m o a extensão direta dos
interesses coloniais franceses, que levam em conta a proteção dos colonos e
c u m p r e m u m a missão civilizatória entre as populações autóctones.
E m 1 9 0 8 , eclode u m a epidemia de febre a m a r e l a n a M a r t i n i c a . O
governador da ilha n o m e o u u m a c o m i s s ã o de especialistas encarregada de
estudar os meios de prevenção a serem acionados. A comissão, dirigida por
Paul-Louis S i m o n d - e c o m p o s t a pelos S r s . A u b e r t e N o c , m é d i c o s das
colônias de segunda classe, e do Sr. Grimaud, engenheiro das Obras Públi-
cas das Colônias - , vai à Martinica a partir do o u t o n o , para a c o m p a n h a r a
epidemiologia da doença, estudar as medidas a n t i m o s q u i t o e m v i g o r n o
local e recomendar ações preventivas para precaver a ilha c o n t r a u m a fu-
13
t u r a epidemia. Essas medidas foram atribuídas a u m serviço específico, o
"serviço da profilaxia da febre amarela", criado por u m decreto do gover-
nador da Martinica em 4 de dezembro de 1 9 0 8 . O t e x t o determina que o
serviço é encarregado de "proceder à destruição dos m o s q u i t o s , ao isola-
m e n t o dos doentes, à desinfecção dos sítios e, de m a n e i r a geral, de todas
as medidas q u e s e j a m n e c e s s á r i a s à defesa c o n t r a a febre a m a r e l a " . O
serviço é responsável por todas as ações de saneamento nas vias públicas,
a s s i m c o m o nos espaços privados:

Os membros e agentes da comissão podem, depois de terem prevenido


o proprietário ou ocupante, entrar nos quintais, jardins e dependências
entre a alvorada e o crepúsculo para aplicar as medidas de saneamento
úteis na defesa contra a febre amarela. Também estão autorizados, entre
8 horas da manhã e 5 da tarde, a entrar nos apartamentos para proceder
à destruição dos mosquitos. Todavia, quando o ocupante opuser u m
motivo válido e o imóvel não abrigar nenhum caso suspeito, a opera-
ção poderá ser adiada para o dia seguinte. Essa visita interna será sempre
dirigida ou por u m membro, ou por u m delegado da missão. O ocu-
pante será sempre convidado a acompanhá-la.

Paralelamente, pede-se aos habitantes que t o m e m todas as medidas neces-


sárias para acabar c o m a multiplicação dos mosquitos em suas casas.

Os ocupantes dos imóveis, quintais e dependências são obrigados a


tomar providências para evitar nos quintais, sarjetas, calhas a estagna-
ção de água proveniente da chuva, da lavagem ou da rega, e que possa
favorecer o desenvolvimento dos mosquitos. [...] São obrigados a
desobstruir as cercanias de suas casas, as paredes, os quintais, recipien-
tes utilizados e entulhos que possam reter a água pluvial. [...] Todos os
recipientes que servem para conservar a água destinada aos usos do-
mésticos, a saber: bacias, tonéis, tinas, jarras etc., deverão ser completa-
mente esvaziados e lavados pelo menos uma vez por semana. As jarras
e outros recipientes cujo orifício não exceda u m metro de diâmetro
deverão ter tampas completamente fechadas ou teladas, constituindo
14
u m fechamento impenetrável pelos mosquitos.

O texto do decreto determina que "os que infringirem as prescrições


acima estão sujeitos às penalidades previstas n o decreto de 11 de n o v e m -
bro de 1 9 0 8 " . No papel, as medidas tomadas pelo governador da Martinica
são s i n g u l a r m e n t e parecidas c o m aquelas propostas pelo general G o r g a s .
E n t r e t a n t o , a se acreditar n o t e s t e m u n h o dos participantes, o Serviço da
Febre Amarela n a Martinica preferiu agir pela persuasão a recorrer à força.
Segundo Simond,

a missão foi particularmente apoiada no cumprimento de sua tarefa


pelo governador, Sr. Foureau. Encontrou entre a população crioula a
maior docilidade para a execução do serviço de profilaxia amarílica. Ao
passo que, em Cuba, no Panamá e no Brasil, essa profilaxia e o serviço
estegomicida só puderam funcionar pela coação e com a ajuda de gran-
de quantidade de multas, na Martinica a missão pôde visitar e sanear
4 . 0 0 0 casas sistematicamente, sem que tenha sido lavrado u m único
15
auto de infração ou aplicada uma só multa.

A ausência de medidas repressivas é t a n t o mais meritória porque os


t r a b a l h o s de profilaxia da febre a m a r e l a n a M a r t i n i c a f o r a m conduzidos
pelos g e n d a r m e s , considerados p a r t i c u l a r m e n t e a p t o s para esse tipo de
serviço, "por seu conhecimento da população e da topografia da colônia, e
t a m b é m por seu espírito de disciplina e dedicação". Os gendarmes foram
"treinados pela direção da missão na prática da destruição dos m o s q u i t o s
16
e em o u t r a s operações necessárias à defesa c o n t r a a febre a m a r e l a " .
As ações levadas a cabo pelos m e m b r o s do serviço f o r a m a c o m p a -
nhadas da incitação à destruição das larvas: "Fizemos os habitantes, que
obedeceram às n o s s a s exortações c o m a m a i o r docilidade, procederem à
destruição das larvas". O pessoal encarregado dos trabalhos de limpeza e
desinfecção foi recrutado entre a população de Fort-de-France. Exigia-se
boa apresentação dos empregados do serviço, que deviam, além disso, ter
instrução primária, necessária à redação dos relatórios escritos introduzi-
dos pelos especialistas franceses, sem e n t r e t a n t o p a d r o n i z a r sua f o r m a .
Os empregados, explica Simond,

anotam em uma caderneta o detalhamento de suas operações, casa


por casa, com os nomes dos proprietários e locatários responsáveis.
[...] Uma das medidas que nos deram os melhores resultados do ponto
de vista da emulação criada entre as equipes e da ordem trazida ao
trabalho foi a atribuição a cada chefe de equipe de uma caderneta na qual
deviam ser mencionadas as operações diariamente executadas e todos os
fatos dignos de nota nelas ocorridos que possam interessar à profilaxia.
[...] A posse de uma caderneta, que constitui um sinal de posição de
comando, tornou-se o objetivo dos esforços de qualquer empregado.
Assim, aqueles considerados capazes de obtê-la, e que recebiam, ao
mesmo tempo, o comando de uma equipe, faziam os mais louváveis
esforços para conservá-la. Se uma negligência ou uma inexatidão fosse
constatada no registro das notas, a caderneta era entregue a um outro,
e seu dono entrava na fileira dos empregados comuns. A verificação
diária de todos os carnes e o controle das indicações ocasionaram aos
membros da missão uma sobrecarga de trabalho considerável, mas das
mais proveitosas. Foi graças a essa organização que puderam seguir,
nos mínimos detalhes, a execução das operações nos diversos bairros da
cidade, dar-se conta de sua importância, das dificuldades encontradas c
dos resultados obtidos. Enfim, as informações consignadas nas cader-
17
netas forneceram elementos precisos para a estatística das operações.

O sucesso da c a m p a n h a foi atribuído à ação persuasiva, às visitas


regulares às casas, aos espaços públicos e aos terrenos baldios, e ao fato de
a maioria das atividades ligadas à destruição das larvas ter sido realizada
pelos próprios m e m b r o s do serviço antimosquito, cuidando para não causar
grandes t r a n s t o r n o s à população. As instruções dadas aos empregados do
serviço lembram que "exige-se do chefe de equipe e de seus membros a maior
educação e m relação aos ocupantes". Essa educação traduziu-se t a m b é m ,
segundo o testemunho dos membros da missão, n o cuidado de não perturbar
a vida cotidiana dos habitantes e na disposição para prestar pequenos serviços
domésticos. Assim, as j a r r a s deviam ser limpas regularmente. Alguns obede-
ceram - fosse para não ter que receber novamente as equipes toda semana,
fosse por simples boa vontade - , m a s estes foram minoria:

A medida mais geral, e a única realmente eficaz, foi a limpeza das


jarras pelas equipes de serviço. [...] Essa medida foi tranqüilamente
aceita pela população, mas em muitos lares foi preciso filtrar a água das
jarras em telas finas para separar as larvas sem privar a casa de sua
provisão diária de água.

Depois de a água previamente limpa ser transferida para outro recipiente, a


j a r r a era limpa c o m u m a v a s s o u r a e cuidadosamente e n x u g a d a antes de
nela se colocar á g u a filtrada. As equipes sanitárias t a m b é m l i m p a r a m as
calhas das casas, melhorando, desse modo, o escoamento das águas pluviais.
Q u a n t o às conchas, freqüentemente usadas c o m o decoração de j a r d i m ,

as equipes receberam ordens de virar essas conchas, que são milhares


na cidade, e colocá-las no chão, com a parte convexa para cima. Essa
medida não provocou o menor incidente; as conchas continuam vira-
das nos jardins: com esse procedimento, nenhuma gota d'água nelas
18
permanece.

As grandes obras públicas constituíram a o u t r a parte i m p o r t a n t e da


c a m p a n h a c o n t r a a febre amarela na Martinica, quer se tratasse de obras
de adução de á g u a potável para a cidade de Fort-de-France e seus arrabal-
des, da c o n s t r u ç ã o de u m a rede de e s g o t o s coletores para a cidade e de
canais de e s c o a m e n t o das á g u a s pluviais, quer se tratasse dos arredores,
da liberação da foz e do leito do rio M a d a m e , da restauração das ribancei-
ras da m a r g e m direita, da reconstrução do bairro Terres Sainville, o u ainda
do s a n e a m e n t o do abastecimento de á g u a em alguns lugarejos no entorno
de F o r t - d e - F r a n c e . Esse p r o g r a m a de considerável envergadura foi a p r e -
sentado c o m o algo "de u m a urgência incontestável, visto que essas obras
referem-se ao abastecimento de á g u a potável da sede administrativa e das
diversas localidades da c o l ô n i a e à e v a c u a ç ã o das á g u a s servidas", d u a s
atividades que t ê m , segundo seus p r o m o t o r e s , u m a relação direta c o m a
19
prevenção da febre amarela e da m a l á r i a . As obras de s a n e a m e n t o c o n s -
t i t u í r a m u m a das principais motivações do envio da m i s s ã o à M a r t i n i c a .
O decreto de 1 de dezembro de 1 9 0 8 especifica que
A missão de profilaxia da febre amarela está encarregada de: 1 - pro-
ceder aos estudos concernentes ao saneamento das diversas localidades
da Martinica, e de Fort-de-France em particular; 2 - organizar nas sedes
de distritos, e onde seja necessário na colônia, um serviço de profilaxia
20
da febre amarela.

Desde o início, a missão do engenheiro é posta em pé de igualdade c o m a do


médico, a m b o s destacados por u m poder colonial que se esforça - pelo m e -
nos segundo os depoimentos publicados nos d o c u m e n t o s oficiais - em se
m o s t r a r atento, protetor e benevolente em relação aos nativos cordatos.

U m Controle "Suave" da Febre Amarela: o primeiro


período da Fundação Rockefeller no Brasil, 1923-1927

U m dos m e m b r o s da comissão da Fundação Rockefeller que visitou o


Brasil em 1 9 2 7 para estudar a febre amarela, o Dr. Henry Carter, descre-
veu na o c a s i ã o o t r a b a l h o de c o n t r o l e efetuado pelos poderes sanitários
brasileiros na Bahia:

Observei o trabalho das brigadas sanitárias na Bahia, e mesmo que


não tenha tido tempo para fazer investigações detalhadas, minha im-
pressão foi a de que esse trabalho foi muito irregular, por vezes bom e
por vezes insatisfatório. O número de pessoas empregadas é insuficien-
te para que sua tarefa seja cumprida corretamente. Além disso, os mé-
dicos inspetores não trabalham em tempo integral para a campanha:
eles recebem um salário de menos de cem dólares por mês, e são obriga-
dos a completá-lo por outros meios. Finalmente, o volume de trabalho
efetuado pela brigada sanitária em cada região visitada é muito grande.
No Panamá, pudemos corrigir essa situação reparando, de uma vez por
todas, instalações defeituosas, fosse pela brigada, fosse pelo proprietá-
rio da casa. Em compensação, na Bahia, uma calha em mau estado deve
ser limpa pela brigada a cada uma de suas passagens, em vez de conser-
tada ou trocada. Fui informado de que esse trabalho dos empregados
sanitários depende da obtenção de uma permissão do proprietário dos
espaços, mas não observei oposição à eliminação dos mosquitos. Todo
o mundo tinha as melhores intenções. O Dr. Mulhaert me disse que a lei,
de fato, permite inspeções obrigatórias e a eliminação das condições
nocivas à saúde pública, mas os poderes sanitários nunca tentaram
21
impô-la pela força.

Os especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s pretendiam ampliar a eficácia das


c a m p a n h a s a n t i m o s q u i t o s conduzidas pelas autoridades brasileiras m e -
l h o r a n d o o t r e i n a m e n t o dos inspetores (especialmente sua capacidade de
reconhecer os m o s q u i t o s Aedes aegypti) e a organização das brigadas, assim
c o m o sistematizando seu t r a b a l h o . D u r a n t e a primeira c a m p a n h a c o n t r a
a febre a m a r e l a o r g a n i z a d a pela F u n d a ç ã o Rockefeller n o B r a s i l ( 1 9 2 3 -
1 9 2 8 ) , o esforço de eliminação dos m o s q u i t o s dependeu quase e x c l u s i v a -
m e n t e dos empregados do Serviço da Febre Amarela. O primeiro período da
c a m p a n h a pode ser relacionado, e m certos aspectos, a o da c a m p a n h a o r -
ganizada por S i m o n d e seus colegas na M a r t i n i c a em 1 9 0 8 - 1 9 0 9 : elimi-
n a ç ã o prioritária das larvas de Aedes aegypti, regularidade das visitas de
controle, educação e propaganda para obter a cooperação das populações,
i m p l e m e n t a ç ã o de medidas v i s t a s c o m o v a n t a j o s a s p a r a as p o p u l a ç õ e s
locais, o u ainda saneamento do sistema de distribuição de á g u a e introdu-
ção do sistema de esgotos nas cidades. M a s a grande diferença estava em
que a Fundação Rockefeller estava subordinada a u m governo independente,
e n ã o a u m a administração colonial, e por isso era-lhe m u i t o m a i s difícil
p r o m o v e r m u d a n ç a s i m p o r t a n t e s e m m a t é r i a de i n f r a - e s t r u t u r a urbana.
Isso explica que os emissários da Fundação Rockefeller t e n h a m empregado
seus talentos diplomáticos para atrair as boas graças dos poderes locais.
A c a m p a n h a de erradicação dos m o s q u i t o s dirigida pela F u n d a ç ã o
Rockefeller i n c o r p o r o u os e n s i n a m e n t o s das c a m p a n h a s precedentes, e s -
p e c i a l m e n t e a realizada n a A m é r i c a L a t i n a n o s a n o s 1 9 1 8 - 1 9 2 2 , e a s
abordagens propostas por Gorgas (quadriculagem das cidades, visitas r e -
gulares dos inspetores sanitários a todas as casas, eliminação sistemática
dos depósitos de á g u a e s t a g n a d a ) , s e m n o e n t a n t o endossar as medidas
repressivas que ele preconizava. Os principais métodos antilarvares utili-
zados n o Brasil entre 1 9 2 3 e 1 9 2 8 , a saber, a utilização de peixes larvívoros
n o s grandes reservatórios e a introdução de t a m p a s para fechar h e r m e t i ¬
c a m e n t e as tinas de u s o doméstico, foram, assim, desenvolvidos a o longo
das c a m p a n h a s precedentes, e especialmente n a do M é x i c o ( 1 9 2 0 - 1 9 2 2 ) .
Os m é t o d o s a d m i n i s t r a t i v o s empregados f o r a m , por sua vez, elaborados
d u r a n t e a p r i m e i r a g r a n d e c a m p a n h a s a n i t á r i a da F u n d a ç ã o Rockefeller
realizada f o r a dos E s t a d o s U n i d o s , a q u e l a q u e v i s a v a à e r r a d i c a ç ã o da
a n c i l o s t o m í a s e n a s Filipinas e m 1913-1915.
O principal p r o b l e m a da c a m p a n h a das Filipinas, aos o l h o s dos e s -
pecialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller, foi "a falta de c o o p e r a ç ã o adequada
das pessoas que dela mais se beneficiarão. Isso é c u r i o s a m e n t e verdadeiro
para toda ação, por m a i s benéfica que ela seja, em que a cooperação das
m a s s a s é u m fator c e n t r a l de s u c e s s o " . Para a t e n u a r esse inconveniente,
os especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller d e r a m provas de perseverança e
firmeza, apoiando-se e m u m a p r o p a g a n d a adequada e u m a o r g a n i z a ç ã o
eficiente. A s regiões infestadas f o r a m divididas e m unidades, cada u m a
compreendendo de 1 . 8 0 0 a 2 . 4 0 0 pessoas infectadas; u m enfermeiro-che¬
fe, assistido por ajudantes de enfermagem e de "microscopistas" (técnicos
que diagnosticam a presença de larvas o u de ovos nos excrementos), atuava
por unidade. O recenseamento da população, feito em impressos especiais
posteriormente reunidos em classificadores, constituía a primeira ação da
equipe de intervenção. F o r m u l á r i o s semelhantes f o r a m utilizados para as
estatísticas de infecção e os cálculos do progresso da c a m p a n h a . Os espe-
cialistas da Fundação Rockefeller estabeleceram u m sistema eficaz de cen-
tralização das inscrições e de vigilância das populações e dos empregados,
baseados n a o r g a n i z a ç ã o piramidal do serviço e das freqüentes visitas de
22
controle. O sistema foi mantido n a luta contra a febre a m a r e l a .
Nos a n o s 1 9 2 0 , a c a m p a n h a da Fundação Rockefeller c o n t r a a febre
a m a r e l a n o Brasil foi guiada pela teoria do " f o c o - c h a v e " . C o n s e q ü e n t e -
mente, n ã o se t r a t o u de eliminar todos os m o s q u i t o s Aedes aegypti, m a s de
reduzir o percentual de casas que abrigavam larvas (o índice de densidade
dos Aedes aegypti) nas cidades, a fim de romper a cadeia de transmissão da
23
doença. O índice "oficial" teria subestimado, segundo os especialistas da
Fundação Rockefeller, a d i m i n u i ç ã o do n ú m e r o desses insetos: se h o u v e r
u m c o n t r o l e p e r m a n e n t e das larvas, os sítios que dela e s c a p a m são, e m
geral, p e q u e n o s r e s e r v a t ó r i o s de á g u a estagnada, que p r o d u z e m muito
poucos m o s q u i t o s . Cálculos elaborados c o m base nas premissas da teoria
do "foco-chave" (estipulando que o h o m e m é o único hospedeiro do agente
da febre amarela, o m o s q u i t o Aedes aegypti é seu único vetor e a doença só
é endêmica n o s locais de população densa) j u s t i f i c a r a m , p o r t a n t o , a m a -
nutenção de u m controle sistemático e b e m regular nas cidades, m a s n ã o
necessariamente m u i t o rígido. O fato de alguns focos larvários serem es-
quecidos o u a recusa de alguns proprietários n ã o t i n h a m m u i t a i m p o r t â n -
cia, pois n ã o c o m p r o m e t i a m o índice do n ú m e r o de m o s q u i t o s abaixo de
24
u m limiar.
W h i t e , responsável pela luta antiamarílica nos anos 1 9 2 3 - 1 9 2 5 , vê
n a o r g a n i z a ç ã o a chave do sucesso de q u a l q u e r c a m p a n h a . O diretor do
DNSP, Carlos Chagas, parece partilhar desse p o n t o de vista: "Ele [Chagas]
repetiu-me várias vezes que c o m u m a organização tão maravilhosa c o m o
a que nós conseguimos instalar aqui, a febre amarela está extinta na Bahia,
25
e condenada e m todo o B r a s i l " . Tal organização baseia-se e m u m a divi-
são de t r a b a l h o b e m planejada:

U m a cidade grande, ou u m grupo de cidades menores, é posta sob a


responsabilidade de u m diretor, que fiscaliza o conjunto do trabalho
antilarvar nessa região, e ocasionalmente faz inspeções pontuais para
constatar a eficiência do trabalho de seus subordinados. A cidade é divi¬
dida em zonas de 4 0 0 - 6 0 0 habitações. Cada zona é atribuída a u m
inspetor, que deve visitar cada casa nela compreendida, entre a manhã
de segunda-feira e a noite de sexta-feira, para verificar se não há recipi-
entes de água que possibilitem a multiplicação dos mosquitos, e se
houver tais recipientes eles os tornam inofensivos, seja esvaziando-os,
seja acrescentando-lhes u m a fina película de petróleo ou de querosene,
e, no caso de recipientes largos, neles colocando peixes. [...] Eliminamos
também os mosquitos das piscinas naturais e artificiais e dos riachos.
Isso é feito unicamente com o objetivo de estimular a cooperação da
população que queira se livrar dos insetos nocivos, visto que nas Amé-
ricas nunca encontramos Aedesaegyptisnos reservatórios de água natu-
ral, mas apenas nos recipientes artificiais, de preferência em madeira ou
em cerâmica. [...] A cada noite os inspetores apresentam u m relatório a
seus superiores hierárquicos, com o número de casas visitadas e o nú-
mero de focos larvários encontrados. A partir desses relatórios, pode-
mos, ao fim da semana, calcular o índice de mosquitos na zona. M o s -
tramos várias vezes que quando se reduz o índice de mosquitos em
uma zona endêmica a 10-12%, não se relatam mais casos de febre ama-
rela e, ao que tudo indica, a doença deixa de existir. Entretanto, para
estarmos seguros de que não surgirão casos não repertoriados, especi-
almente entre crianças pequenas, prosseguimos em nossos esforços
para diminuir a densidade dos mosquitos até o momento em que u m
índice de 5% seja obtido e mantido durante u m ano. [...] O inspetor geral
e o diretor regional devem fiscalizar ininterruptamente o trabalho antilarvar
e verificar os relatórios dos inspetores, a fim de evitar notificações errô-
26
neas que poderiam engendrar u m falso sentimento de segurança.

Nos anos 1 9 2 3 - 1 9 2 8 , o Serviço da Febre Amarela era u m a estrutura


o r g a n i z a d a , dotada de r e g r a s que c o d i f i c a v a m o desenrolar da i n s p e ç ã o
das casas e de u m equipamento padrão. Os inspetores do serviço trajavam
uniformes e p o r t a v a m insígnias; cada inspetor possuía, além disso, u m a
bandeira, que colocava n a j a n e l a da casa em inspeção. Essa bandeira, que
indicava seu p e r t e n c i m e n t o a o serviço, à b r i g a d a à q u a l estava filiado,
assim c o m o sua patente, permitia que seus superiores hierárquicos o loca-
lizassem rapidamente (figura 7 ) . U m a o r g a n i z a ç ã o eficiente n ã o precisa-
va, afinal de contas, de investimento excessivo e m pessoal o u e m dinheiro
- c o m o s u b l i n h a r a m e m v á r i a s o c a s i õ e s os e s p e c i a l i s t a s da F u n d a ç ã o
Rockefeller. Os m é t o d o s tradicionais dos m a t a - m o s q u i t o s , especialmente
as f u m i g a ç õ e s , e r a m b e m m a i s c a r o s . W h i t e explicou, a s s i m , q u e u m a
cidade de 4 5 . 0 0 0 h a b i t a n t e s devia ser dividida e m a p r o x i m a d a m e n t e 9 0
setores. Cada unidade de inspeção visitará 5 0 0 casas. O pessoal necessário
para u m a c a m p a n h a c o n t r a a febre a m a r e l a seria de 9 0 inspetores, 9 0
servidores (cuja tarefa limita-se a carregar os instrumentos dos inspetores
- balde, escada, petróleo e querosene), 2 2 pescadores, responsáveis pela
distribuição de peixes, 5 inspetores regionais e u m inspetor geral. U m a
equipe de a p r o x i m a d a m e n t e 2 0 0 pessoas seria, a s s i m , c a p a z de fazer a
taxa de Aedes aegypti cair rapidamente abaixo do limiar; depois, u m a equipe
menor cuidaria da m a n u t e n ç ã o do novo índice. Findo o prazo de u m ano,
a febre amarela deve desaparecer da cidade, e a vigilância dos Aedes aegypti
27
poderia ser fortemente reduzida.
As instruções sobre a organização da c a m p a n h a anti-aegypti não f o -
r a m aplicadas de maneira rígida. Michael Connor constatava e m 1 9 2 5 , ao
fim de u m a v i a g e m a o interior do país, que "cada cidade c o n s t i t u i u m a
regra em si" e que todos os detalhes da c a m p a n h a devem ser planejados
levando-se e m consideração as condições locais, o u seja, a topografia, os
tipos de casa, a distribuição de água, m a s t a m b é m a natureza das relações
28
estabelecidas c o m os poderes municipais e o governo do E s t a d o . Em a l -
g u n s locais, a o r g a n i z a ç ã o do trabalho antilarvar m o s t r o u - s e m a i s difícil
do que em outros. Lucian S m i t h , responsável pelo SFA n o Ceará, relata, e m
1 9 2 4 , os obstáculos encontrados. Inicialmente, o grande n ú m e r o e a
heterogeneidade dos recipientes de á g u a utilizados pela população: m a i s
de 8 . 0 0 0 recipientes fixos de grande porte f o r a m , a s s i m , recenseados e m
u m b a i r r o c o m 1 5 . 0 0 0 c a s a s , t o d o s m u i t o diferentes. Eles r e d o b r a r a m
esforços para t o r n a r tais recipientes impermeáveis aos mosquitos, e depois
convencer a população a utilizar as diversas tampas fabricadas. A presen-
ça de vários b u r a c o s n o solo, resultado da intensa c o n s t r u ç ã o que se de-
senvolvia n o Ceará, c o n s t i t u i u o segundo obstáculo. Essas cavidades, que
29
r e t i n h a m a á g u a da chuva, eram difíceis de cobrir o u de e x a m i n a r . Final-
mente, a resistência à introdução de peixes nas caixas d'água foi o último
o b s t á c u l o . Os habitantes a l e g a v a m que, c o m o os peixes e r a m originários
de u m lago poluído, eles s u j a v a m a á g u a potável. Os pescadores, e m se-
guida, f o r a m buscá-los n u m ponto mais afastado, considerado limpo, m a s
m u i t o s peixes n ã o sobreviveram ao transporte. Os responsáveis pelo SFA
tiveram, portanto, que organizar u m sistema de reservatórios intermediá-
rios para garantir a sobrevivência desses peixes. O Dr. Barbosa de M o u r a ,
diretor do Serviço de Saúde do estado do Ceará, relata t a m b é m que peixes
m o r t o s t e r i a m o b s t r u í d o o s t u b o s das c a i x a s d'água, t o r n a n d o a á g u a
30
malcheirosa e imprópria para o c o n s u m o , n o dizer dos m o r a d o r e s . Smith
a f i r m o u , e n t r e t a n t o , que os c a s o s descritos pelo Dr. B a r b o s a de M o u r a
f o r a m raros, e acrescentou que inovações técnicas - filtros cônicos e g r a -
des - p e r m i t i r a m limitar o p r o b l e m a da poluição da á g u a pelos peixes e
31
favoreceram a ampliação de seu uso nas caixas d ' á g u a .
O sucesso do controle do n ú m e r o de m o s q u i t o s dependia, em larga
medida, da confiabilidade dos índices larvários reportados pelos e m p r e g a -
dos do SFA. E m a l g u m a s cidades, inspeções de controle revelaram impor-
t a n t e s diferenças entre o índice "oficial" e o dos especialistas v i n d o s do
exterior. E m j u l h o de 1 9 2 7 C o n n o r e M u e n c h v i s i t a r a m Fortaleza, onde
c o n s t a t a r a m que os índices reproduzidos nos relatórios oficiais e r a m i n e -
x a t o s . Propuseram, portanto, reorganizar o conjunto do trabalho antilarvar
em novas bases, incluindo u m controle mais firme dos inspetores de base
por seus superiores hierárquicos, e u m a verificação m u i t o mais rigorosa
dos índices larvários. Três meses depois, S m i t h relata a Connor que, apesar
de todos os esforços, os índices - que a partir de então ele considera muito
mais confiáveis - c o n t i n u a m elevados demais: o índice de Aedes aegypti é
avaliado em 17,7%. Essa dificuldade em controlar os mosquitos é atribuída
32
aos problemas de distribuição de água na localidade. Em m a r ç o de 1 9 2 7 ,
B u r k e ( u m dos especialistas da Fundação Rockefeller) visita a cidade de
Vitória e escreve a Connor dizendo que o pessoal não está fazendo o traba-
lho corretamente: apesar de o índice dos mosquitos relatado se haver m a n -
tido em limites aceitáveis, o verdadeiro índice de Aedes aegypti é de 4 0 % .
Burke acrescenta, entretanto, que

Vitória é um lugar difícil. Lá havia muitas queixas contra o serviço,


as pessoas, em geral, resistiram à rotina dos controles antilarvares e
nunca conseguiram vencer o preconceito contra as medidas anti-
stegomyia. Em outubro último, quando o índice ficou abaixo de 5 %
durante meses, eu trouxe Carlos Rebello do Ceará. Ao fim de um mês,
Rebello anunciou ter conseguido reduzir o índice a menos de 1%. Sus-
peitei, à época, e agora estou convencido, de que ele obteve tal resultado
unicamente com sua caneta. Ele foi demitido em 1 de dezembro. As
pessoas de Vitória adoram o tipo de serviço que têm agora. Disseram-
me que o inspetor entra, diz "Bom dia, senhora, ajarra está limpa hoje?
Sim, senhor, está limpa. Bom, muito obrigado, senhora, até logo, se-
nhora". Essas pessoas não são mal-intencionadas, e se comportam com
deliciosa delicadeza, mas seria muito perigoso introduzir um caso de
febre amarela em uma localidade com tal índice de stegomyia. Por essa
razão, eu gostaria que você enviasse alguém responsável para assumir
33
o serviço, pelo menos até que o trabalho esteja bem organizado.

Burke alega que a distribuição de intimações às pessoas em cujas casas se


e n c o n t r a r a m larvas é c o m p l e t a m e n t e ineficaz, pois esta a m e a ç a n u n c a
surte efeito.

As gavetas dos escritórios estão abarrotadas de intimações, e eu nun-


ca entendi para que servem, a não ser para dar trabalho ao oficial de
justiça, que recebe um salário de um conto e meio por mês, ou para
agradar às pessoas encarregadas de sua distribuição que talvez gostem
34
do rito de apertos de mãos e tapinhas nas costas que a acompanha.

Os problemas encontrados em Vitória ilustram a dificuldade do c o n -


trole em u m a comunidade próspera e b e m organizada, pouco propensa a
aceitar a i m p o s i ç ã o sanitária dos especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s . Apesar
desses entraves p o n t u a i s , a política da Fundação Rockefeller d u r a n t e os
a n o s 1 9 2 0 foi evitar o r e c u r s o a q u a l q u e r medida c o e r c i t i v a . B u r k e se
convence de que a organização eficaz do trabalho permitirá, afinal de c o n -
tas, que se obtenha o a s s e n t i m e n t o da população:

Se o método de trabalho se tornar mais direto, sem no entanto deixar


de ser cortês e cheio de consideração, ele produzirá resultados. Em Reci-
fe, eu disse às pessoas, polida mas firmemente, que os barris de água
estão proibidos, e praticamente todos aqueles pontos de multiplicação
de stegomyia desapareceram; e isso com muito pouco transtorno para a
35
população.

Soper - mais tarde adepto dos métodos rígidos de controle - t a m b é m lou-


vou em 1 9 2 8 (em u m a carta a Russel, diretor da IHD) a persuasão c o m o
método eficaz para convencer os habitantes a destruírem as larvas:

Um traço excepcional da campanha antilarvar em Recife é o sistema de


acompanhamento das inspeções. Segundo esse sistema, cada casa em
que se encontraram focos de larvas é visitada pelo diretor e pelo inspetor
geral. A enormidade do crime é descrita diante dos moradores da casa e,
se possível, os recipientes que contem as larvas são destruídos. Esse
método provocou a adesão efetiva da população - a única resistência
vem dos militares que têm dificuldade em aceitar instruções vindas das
autoridades civis [...] Como conclusão, gostaria de dizer que o trabalho
feito na Bahia e em Recife é uma magnífica demonstração da maneira
como se pode obter a cooperação do povo brasileiro, utilizando-se uma
persuasão adequada.

Em sua resposta, Russel sublinha a importância da educação para a


saúde:

Uma campanha desse tipo precisa dos contatos pessoais próximos e


regulares com todos os donos das casas nas zonas controladas. É im-
pressionante constatar que, diante de tais dificuldades, conseguimos
36
fazer um bom trabalho.

O acordo firmado entre a Fundação Rockefeller e o g o v e r n o b r a s i -


leiro em 1 9 2 3 confia ao DNSP a responsabilidade de c o n t r a t a r os e m p r e -
gados do SFA, prevendo que a F u n d a ç ã o Rockefeller teria direito a v e t o .
No fim de 1 9 2 8 , q u a n d o da negociação do novo acordo, C o n n o r propõe
ao diretor do DNSP, Fraga, que o projeto g a r a n t a à Fundação Rockefeller o
direito de c o n t r a t a r e demitir os empregados do Serviço da Febre A m a r e l a
e de estipular salários e condições de t r a b a l h o . Na o c a s i ã o , Russel r e c o -
m e n d a m u i t a prudência n o t r a t o c o m o pessoal brasileiro. C o n v é m de-
m o n s t r a r c o m p a i x ã o q u a n d o de u m a d e m i s s ã o , pois n ã o é decente que
u m a o r g a n i z a ç ã o filantrópica t r a t e s e u s e m p r e g a d o s c o m o u m a firma
comercial o faria. A l é m disso, os empregados brasileiros devem ser t r a t a -
dos de m a n e i r a j u s t a , p a r a evitar a c u s a ç õ e s de ingerência n o s a s s u n t o s
do país. C o n n o r acha, entretanto, que os temores de Russel são exagera-
dos, e q u e a eficiência demanda que seja possível demitir sumariamente
37
u m empregado faltoso o u cujo t r a b a l h o se t e n h a m o s t r a d o i n s a t i s f a t ó r i o .
A F u n d a ç ã o R o c k e f e l l e r o b t é m , e m 1 9 2 9 , o d i r e i t o de c o n t r o l a r a
c o n t r a t a ç ã o dos empregados do SFA.
A organização do Serviço da Febre Amarela t a m b é m passou por u m
certo n ú m e r o de mudanças, quando da modificação das condições do exer-
3 8
cício do controle dos m o s q u i t o s , em 1 9 2 9 . Os especialistas da Fundação
Rockefeller (Soper, Sawyer, Rickard) pretendem otimizar a eficácia das c a m -
panhas de erradicação, medida tornada necessária pelo abandono da teoria
do "foco-chave". E m virtude dos n o v o s dados epidemiológicos que p u s e -
r a m e m evidência a c o n t a m i n a ç ã o das zonas rurais, os m o s q u i t o s Aedes
aegypti deverão ser controlados de m a n e i r a m u i t o m a i s rigorosa. Segundo
os especialistas da Fundação Rockefeller presentes n o Brasil, a criação de
grandes áreas "limpas", nas quais a densidade dos m o s q u i t o s se reduzirá
de m a n e i r a considerável, a p o n t o de dificultar s u a reprodução, deve ser
priorizada. Teria sido possível supor que a aplicação de métodos mais efi-
cazes e m a i s rígidos seria acompanhada de pesados investimentos em m ã o -
de-obra e e m dinheiro, m a s os especialistas da Fundação Rockefeller a c h a -
v a m , ao contrário, que tais métodos fariam diminuir os custos da c a m p a -
n h a c o n t r a os m o s q u i t o s , pois as regiões realmente "limpas" n ã o d e m a n -
39
dariam c o n t r o l e s f r e q ü e n t e s .
U m a c a m p a n h a eficiente passa por u m a administração eficiente. Os
responsáveis pela IHD v o l t a r a m - s e para a questão da avaliação dos dados
acumulados pelos especialistas da Fundação Rockefeller. Russel propôs (após
a leitura de u m relatório da estatística da IHD, Persis P u t n a m ) que cada
estação regional m a n t i v e s s e apenas u m diário (em vez de u m diário por
destacamento) e que o responsável pelo escritório da Fundação Rockefeller
centralizasse os dados. Essa centralização levaria a u m considerável g a n h o
de t e m p o n o nível da direção n o v a - i o r q u i n a e a u m m e l h o r d o m í n i o do
40
progresso da c a m p a n h a e m escala n a c i o n a l . E m 1 9 3 1 , Soper insiste para
que essas regras sejam c u m p r i d a s à risca. Ele condena q u a l q u e r c o n t a t o
direto entre seus subordinados e a direção da IHD. A correspondência c o m
as unidades periféricas, c o m o o l a b o r a t ó r i o da B a h i a , deve, a l é m disso,
41
t r a m i t a r por seu escritório.
O diário de M u e n c h do a n o de 1 9 2 9 ilustra a passagem do modelo de
controle suave guiado pela "teoria do foco-chave" a u m modelo de c o n t r o ¬
le m a i s rígido, necessário para reduzir drasticamente a densidade de Aedes
aegypti. Os meios transitórios preconizados por M u e n c h para g a n h a r em
eficiência situam-se, e m geral, n a linhagem das tendências surgidas a n t e -
r i o r m e n t e . O princípio é, p o r t a n t o , fazer a m e s m a coisa, p o r é m melhor.
Para obter índices confiáveis, ele propõe que se controle mais estreitamen-
te o trabalho dos inspetores, m a s t a m b é m que lhes seja fornecido u m equi-
p a m e n t o apropriado. A distribuição de lanternas m a i s potentes teria, a s -
sim, contribuído para o levantamento de índices mais altos em Recife (apro-
x i m a d a m e n t e 5%), sem dúvida mais p r ó x i m o s da realidade do que os índi-
ces precedentes.
O recenseamento dos casos de febre amarela surgidos em localidades
em que o índice é, entretanto, baixo, significa, segundo Muench, o u que o
índice crítico que permite a t r a n s m i s s ã o n ã o é de algo em t o r n o de 1 0 % ,
c o m o se presumira, o u que o índice n ã o é confiável. Não se descarta s e -
gunda possibilidade sem que, contudo, o trabalho dos inspetores seja ques-
tionado; de fato, alguns pontos de propagação podem escapar à sua fisca-
lização, c o m o os alojados n a s cavidades dos t r o n c o s de á r v o r e s o u n a s
goteiras inacessíveis. E m m u i t a s cidades, o s agentes do SFA e n c o n t r a r a m
m u i t o poucos focos larvares, quando muitos Aedes aegypti adultos haviam
42
sido r e c e n s e a d o s . Soper c o n t a que, ao c h e g a r à direção do SFA, deu-se
rapidamente c o n t a de que "o problema principal foi a constatação de que o
43
m o s q u i t o pode existir abaixo do n o s s o limiar de visibilidade". Por v o l t a
de 1 9 3 0 , a questão da invisibilidade dos m o s q u i t o s Aedes aegypti se u n e à
da invisibilidade do vírus da febre amarela em c a m p o ; foi graças ao desen-
v o l v i m e n t o de m é t o d o s específicos, a saber, a v i s c e r o t o m i a e o teste de
proteção do c a m u n d o n g o , que este último problema foi solucionado. Para-
lelamente, a partir de 1 9 2 9 , f o r a m elaborados métodos para t o r n a r visí-
veis - e, portanto, controláveis - os pontos de desenvolvimento das larvas.
E m 1 9 2 9 , o Dr. S m i t h , em n o m e da Fundação Rockefeller, propõe,
assim, instalar, em diversos pontos de u m a cidade declarada "limpa", c a i -
x a s d'água destinadas a servir de isca para os m o s q u i t o s adultos, para ver
44
q u a n t o s delas desenvolveriam focos l a r v a r e s . M u e n c h declarou-se f a v o -
rável a u m a vigilância m a i s estreita dos lugares de potencial m u l t i p l i c a -
ç ã o dos insetos i n c r i m i n a d o s . U m a "brigada de c a l h a s " , compreendendo
u m inspetor ladeado por dois servidores e equipado c o m u m a escada de
t a m a n h o a p r o p r i a d o , se e n c a r r e g a r i a das c a l h a s dificilmente acessíveis,
assim c o m o dos reparos necessários ao seu b o m funcionamento, de m o d o
45
a impedir a a c u m u l a ç ã o de á g u a estagnada.
No o u t o n o de 1 9 2 9 , v á r i o s especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller
p r o p u s e r a m i n s t a l a r o u t r a s brigadas especializadas n o c u m p r i m e n t o de
tarefas q u e i a m a l é m do t r a b a l h o de r o t i n a dos inspetores do SFA, tais
c o m o a descoberta de "focos-mãe", a inspeção das caixas d'água vazias e
dos terrenos baldios, o u a p r o c u r a dos m o s q u i t o s adultos nas localidades
inspecionadas (método considerado mais eficaz que o das "iscas"). A esta-
tística Persis P u t n a m e x a m i n o u todas essas propostas, considerando que
todas mereciam ser testadas em c a m p o . U m primeiro teste conduzido por
Crawford n a Paraíba n o início de 1 9 3 0 apresentou resultados satisfatórios,
e as brigadas especiais foram introduzidas de maneira sistemática n o c o n -
46
j u n t o do S F A . Essas brigadas t a m b é m serviram para controlar de maneira
independente o t r a b a l h o dos inspetores. Elas d e s e m p e n h a r a m , portanto,
duplo papel: o de t o r n a r visíveis os Aedes aegypti residuais e trazer à luz as
imperfeições o c u l t a s do t r a b a l h o dos inspetores sanitários.
O desenvolvimento de abordagens que p e r m i t i a m , simultaneamen-
te, u m controle m a i s eficaz dos empregados do Serviço da Febre Amarela e
das p o p u l a ç õ e s l o c a i s tidas c o m o r e s p o n s á v e i s pela m u l t i p l i c a ç ã o dos
m o s q u i t o s Aedes aegypti facilitou a m u d a n ç a de e s t r a t é g i a da F u n d a ç ã o
Rockefeller e a p a s s a g e m , n o s a n o s 1 9 3 0 , a m é t o d o s de c o n t r o l e m a i s
impositivos. Essa m u d a n ç a radical de estilo só foi possível graças à c o n -
j u n ç ã o - f o r t u i t a - entre os fins e os m é t o d o s do r e g i m e a u t o r i t á r i o de
Vargas, recém-chegado ao poder, e os dos dirigentes da Fundação Rockefeller.

O Getulismo e a Ideologia do Progresso: as convergências


entre o regime de Vargas e o estilo de controle rígido da
Fundação Rockefeller

Getúlio Vargas, ex-governador do estado do Rio Grande do Sul, per-


deu as eleições presidenciais de m a r ç o de 1 9 3 0 (seus apoiadores a c u s a r a m
os partidários de J ú l i o Prestes, de S ã o Paulo, de t e r e m fraudado as elei-
ções). É levado ao poder pelo Exército, que acusa o governo de ser comple-
t a m e n t e servil à oligarquia dos estados produtores de café, especialmente
São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro - Vargas era apoiado pelos tenen-
tes, j o v e n s oficiais do Exército que e s t a v a m na origem de várias rebeliões
nos anos 1 9 2 0 , e por u m a parcela dos proprietários das plantações de café,
opostos à política de preços de seu antecessor, Washington Luís. A chegada
de Vargas a o poder coincidiu c o m a crise e c o n ô m i c a mundial, levando à
queda do preço do café que desestabilizou a e c o n o m i a brasileira (sem n o
entanto reduzir o papel central que o café nela desempenhava). Seu regime
(o getulismo, nacionalista e populista), instalado sob o signo da "renova-
ção" e da modernização, baseado em u m a industrialização acelerada, durou
4 7
15 anos, o u seja, de 1 9 3 0 a 1 9 4 5 . A partir de novembro de 1 9 3 7 , o regime
(rebatizado Estado Novo) m u d a de n a t u r e z a . Tal m u d a n ç a teria sido u m
modo de prevenir u m pretenso complô comunista (o plano Cohen). O Con-
gresso é dissolvido, os partidos políticos abolidos, u m a nova Constituição é
proclamada (chamada "polonesa", visto que calcada na do regime de extre-
m a direita da Polônia); o poder se faz mais autoritário, mais centralizado e
48
mais parecido (mas n ã o idêntico) c o m os regimes fascistas da E u r o p a .
Os historiadores brasileiros ainda se dividem q u a n t o à natureza das
camadas sociais que levaram Vargas ao poder e lá o m a n t i v e r a m e à a v a -
liação das v a n t a g e n s sociais e das falhas do regime. Geralmente, a t r i b u i -
se ao regime o fortalecimento considerável do poder federal que limitou a
inércia e a c o r r u p ç ã o do poder local, a m e l h o r i a de i n f r a - e s t r u t u r a s tais
c o m o as estradas, as ferrovias, a eletricidade e o a b a s t e c i m e n t o de á g u a
corrente, o estímulo ao desenvolvimento industrial, a primeira legislação
trabalhista brasileira (inclusive a limitação da j o r n a d a de trabalho, o salá-
rio m í n i m o e as férias p a g a s ) e u m i n v e s t i m e n t o m a i s i m p o r t a n t e em
áreas c o m o educação e saúde. Em c o m p e n s a ç ã o , são deploráveis a a u s ê n -
cia de democracia (até m e s m o a eliminação, por vezes física, dos adversá-
rios políticos) e a p r i v a ç ã o da liberdade de o r g a n i z a ç ã o e de e x p r e s s ã o ,
a g r a v a d a s pela persistência, a despeito de u m c e r t o n ú m e r o de i n v e s t i -
m e n t o s g o v e r n a m e n t a i s , de vastas áreas de miséria, especialmente n o i n -
terior do país, onde o sistema de Vargas não pôde - o u n ã o quis - abolir o
sistema de semi-escravidão em vigor nas plantações e melhorar a situação
49
desesperadora dos c a m p o n e s e s sem t e r r a .
O r e g i m e de Vargas a d o t o u u m a atitude p a r a d o x a l e m relação à s
potências estrangeiras: de u m lado o discurso oficial, f o r t e m e n t e tingido
de nacionalismo, pregava a negação da influência estrangeira; de o u t r o , a
admiração pelo vigor e pela eficiência próprias aos países desenvolvidos -
e m particular os Estados Unidos - e a aspiração à "modernização do B r a -
sil" levaram os dirigentes a apostar n o aporte de capitais estrangeiros, que
d e s e m p e n h a r a m u m papel decisivo n a rápida i n d u s t r i a l i z a ç ã o do Brasil
5 0
entre 1 9 3 0 e 1 9 4 5 . Esse r e g i m e t e n t o u , p o r o u t r o lado, c o r r i g i r os
51
desequilíbrios regionais e promover o desenvolvimento do interior do p a í s .
S o m a s consideráveis (ao m e n o s em relação às gastas pelos governos pre-
cedentes) f o r a m destinadas à saúde pública. A centralização operada sob
Vargas e o a u m e n t o dos créditos reservados à saúde a u m e n t a r a m c o n s i -
deravelmente a eficiência da intervenção governamental em matéria de saúde
pública, ação que a criação do DNSP em 1 9 2 0 havia alçado à escala fede-
ral. U m a parte desse o r ç a m e n t o foi reservada para as obras públicas, tais
c o m o a drenagem dos p â n t a n o s para c o m b a t e r a malária, a m e l h o r i a da
qualidade da á g u a potável nas cidades o u a ampliação e conserto das redes
de esgoto. As c a m p a n h a s nacionais de luta contra doenças específicas c o n s -
tituíram a segunda parte dessa política. Realizadas a partir de 1 9 3 1 , elas
se intensificaram entre 1 9 3 5 e 1 9 4 1 , constituindo o cerne das atividades
do DNSP, reorganizadas em 1 9 3 4 . Campanhas nacionais contra a tubercu-
lose (apresentada c o m o o problema sanitário número u m do Brasil), a m a l á -
ria, a peste (sobretudo em alguns estados do Nordeste onde foram feitos
importantes esforços de desratização), a sífilis (principalmente nos centros
urbanos) foram, desse modo, financiadas. A luta contra o câncer t a m b é m
foi objeto de medidas governamentais, especialmente pela difusão de infor-
52
mações que permitiam a identificação precoce dos sinais da doença.
A c a m p a n h a c o n t r a a febre a m a r e l a r e a l i z a d a pela F u n d a ç ã o
Rockefeller inseria-se perfeitamente nesse c o n t e x t o . O D e p a r t a m e n t o de
Propaganda do Estado, criado em j u l h o de 1 9 3 1 , reorganizado e dotado de
poderes ampliados em 1 9 3 4 , foi acionado. J.-P. Fontenelle, u m dos res-
ponsáveis pelos serviços sanitários brasileiros, explicou em u m a série de
artigos publicados em 1 9 3 5 e 1 9 3 6 no j o r n a l A Noite que a educação para
a saúde, através dos meios de propaganda apropriados, era u m a das prin-
cipais responsabilidades do governo. Enfim, a luta contra os grandes flagelos
foi explicitamente associada à melhoria da produção: a atenuação das in-
quietações suscitadas pelas epidemias deveria favorecer a estabilidade eco-
53
nômica e evitar interrupções desastrosas.
O regime de Vargas preocupou-se em definir u m a ideologia específi-
ca: apesar de vários intelectuais, atraídos pelo p r o g r a m a do brasilianismo
e da reconstrução nacional proposto por Vargas, terem apoiado seu gover-
no, o papel central atribuído ao aparelho estatal na definição da ideologia
oficial contribuiu para reduzir sua influência, pelo m e n o s em relação aos
5 4
anos 1 9 2 0 . Além disso, c o m o sublinhou Vargas, as ciências e as profis-
sões de caráter técnico, mais do que as disciplinas literárias, seriam leva-
das a desempenhar u m papel central na c o n s t r u ç ã o do "novo Brasil":

A época é das assembléias especializadas, dos conselhos técnicos inte-


grados à administração. O Estado puramente político, no sentido anti-
go do termo, agora pode ser considerado como uma unidade amorfa
que, em breve, perderá seu valor e seu sentido. [...] A velha fórmula
política que engendrou os direitos do homem hoje parece decadente. No
lugar do individualismo, sinônimo de excesso de liberdade, e do comu-
nismo, nova modalidade de escravidão, deve prevalecer a coordenação
55
perfeita de todas as iniciativas circunscritas à órbita do Estado.

Essa guinada técnica, segundo o antropólogo Gilberto Freyre, devia levar à


o r g a n i z a ç ã o científica da sociedade:
Com o novo presidente, a base do governo - sua técnica - deslocou-
se da simples constatação da existência de problemas acompanhada de
tentativas de soluções financeiras e jurídicas para esforços de elaboração
de novas técnicas - sociais e, principalmente, sociológicas e econômicas
56
- de governo e de administração.

O desenvolvimento da medicina social n o tempo de Vargas foi apre-


sentado c o m o u m exemplo de intervenção do Estado na vida dos cidadãos
visando a melhorar, é verdade, o b e m - e s t a r de cada u m , m a s sobretudo o
b e m - e s t a r coletivo da n a ç ã o . A medicina social c o m p r e e n d i a , portanto,
u m conjunto de práticas que incluía a higiene, a sociologia, a pedagogia e
a psicopatologia. Não se tratava apenas de curar as doenças, m a s t a m b é m
de desenvolver práticas sanitárias de m o d o a a u m e n t a r o rendimento dos
trabalhadores e a contribuir para o progresso do país, tudo isso graças a
u m a rede de i n s t i t u t o s de previdência e de assistência sociais. O Estado
devia t o m a r medidas c o n t r a o desperdício "dos valores produtivos"; dito de
o u t r o modo, era preciso evitar o enfraquecimento, a diminuição o u a perda
das "forças orgânicas", sendo a saúde dos trabalhadores "o ú n i c o capital
57
c o m o qual eles podem contribuir para o desenvolvimento da n a ç ã o " .
A saúde era apenas u m a das áreas de intervenção do Estado na vida
dos cidadãos, m a s , apresentada c o m o a t o terapêutico destinado a c u r a r
u m a sociedade doente, ela adquiriu u m valor metafórico. Essa a ç ã o t e r a -
pêutica d e m a n d a v a u m estilo de g o v e r n o a u t o r i t á r i o , c o m p a r á v e l a o de
u m a medicina paternalista. A "restauração" da sociedade brasileira, defi-
nida c o m o " u m a técnica de c o n s t r u ç ã o do povo", baseou-se n o princípio
do abandono do ideal falacioso de liberdade individual em n o m e da defesa
5 8
do b e m c o m u m . Intelectuais p r ó x i m o s ao regime explicaram que a a s s i m
c h a m a d a liberdade individual encobria, n a verdade, a injustiça e a desi-
gualdade: "O Estado liberal trata os h o m e n s c o m o u m a verdadeira a b s t r a -
ç ã o c o n c e i t u a l q u e t r a n s f o r m o u o m i t o do 'cidadão s o b e r a n o ' e m u m a
59
realidade terrível do h o m e m que m o r r e de f o m e " . Para A l m i r Andrade,
redator-chefe da principal revista ideológica do Estado Novo, Cultura Polí-
tica, u m a das c a u s a s da injustiça fundamental dos regimes democráticos
liberais era a desconsideração da desigualdade n a t u r a l entre os h o m e n s ,
d e m o n s t r a d a pelas teorias científicas m o d e r n a s . A b s t r a i r - s e dessas desi-
gualdades, c o m o o fazem os regimes liberais em n o m e do individualismo
e do não-intervencionismo, leva, portanto, inelutavelmente, a u m a ordem
60
social p r o f u n d a m e n t e injusta.
Paulo A u g u s t o de Figueiredo a f i r m o u n a s m e s m a s c o l u n a s q u e a
m a n u t e n ç ã o das liberdades f o r m a i s n ã o pode resolver os p r o b l e m a s dos
indivíduos. É preciso, então, abandonar o princípio de não-intervenção do
Estado n a esfera privada:

O abandono de u m ideal de liberdade como finalidade política ocorre


paralelamente ao abandono das formas de governo liberal. [...] O obje-
tivo de u m regime verdadeiramente revolucionário e democrático é o
bem comum, compreendido como uma defesa das condições necessári-
as à manutenção de uma vida digna. [...] A democracia brasileira deve-
ria deixar de ser uma democracia puramente política para se transfor-
mar em uma democracia social e econômica, uma democracia antiliberal.
[...] O novo Estado nacional responde à necessidade de conciliar a natu-
reza dos homens com a da sociedade, entre a liberdade - entendida como
"a soma das ações dos homens como indivíduos" - e a autoridade -
entendida como "a quantidade de força coercitiva indispensável para
garantir o desenvolvimento de todos os homens como u m povo". [...]
A nova democracia admite que os indivíduos são desiguais por nature-
za; a missão do Estado é promover artificialmente as condições para
61
u m a maior igualdade social.

O Estado nacional aspira a desenvolver a "democracia social" e a assentar


"a construção do h o m e m novo" - o trabalhador brasileiro - sobre a base de
u m a sociedade que, reconhecendo h o n e s t a m e n t e a existência de u m a i m -
portante desigualdade biológica, permite que cada u m desenvolva ao m á -
x i m o suas capacidades inatas, instaurando u m a "hierarquia n a t u r a l " b a -
seada n ã o nos privilégios de classe, m a s nos atributos individualizados de
6 2
cada u m . O Estado nacional postula, além disso, a desigualdade das n a -
ções. Por essa razão, explica Figueiredo, é preciso elaborar soluções políti-
cas específicas para cada povo, e as soluções apropriadas para o povo b r a -
sileiro d e m a n d a m u m a intervenção firme m a s benevolente de u m Estado
63
forte. A atividade do Serviço da Febre Amarela nos anos 1 9 3 0 constitui o
exemplo perfeito de u m a intervenção firme do Estado e de u m a imposição
enérgica dos princípios sanitários aos habitantes do interior do Brasil "para
o seu próprio b e m " .

Um Controle Impositivo da Doença: o modelo Soper,


1931-1939
Imediatamente após sua n o m e a ç ã o para o posto de diretor do escri-
tório brasileiro da Fundação Rockefeller, em j u n h o de 1 9 3 0 , Fred L. Soper
dedicou dois meses à avaliação do f u n c i o n a m e n t o do SFA n o nordeste do
Brasil. V i s i t o u vários lugares, a c o m p a n h o u os inspetores do serviço e m
t u r n ê e e x a m i n o u de p e r t o as dificuldades inerentes à s u a m i s s ã o . S u a
conclusão foi dupla. De u m lado, para t o r n a r mais eficiente o trabalho dos
i n s p e t o r e s e p e r m i t i r a e x p a n s ã o das á r e a s a s e r e m i n s p e c i o n a d a s s e m
a u m e n t a r consideravelmente os c u s t o s de f u n c i o n a m e n t o , é indispensável
transferir u m a parte importante das operações aos proprietários das casas.
De o u t r o , a m i s s ã o dos inspetores revela-se difícil e ingrata: eles p a s s a m a
m a i o r parte do tempo subindo e descendo sua escada, visitando lugares de
difícil acesso, tudo isso sob u m calor esmagador, n u m clima úmido e opres-
sivo. O próprio Soper só queria u m a coisa: fugir daquele torpor e m a t a r a
sede c o m u m a cerveja gelada n o b a r m a i s p r ó x i m o , m e s m o c o r r e n d o o
risco de abreviar as inspeções das casas, o u m e s m o de produzir resultados
c o m u m a só penada. Donde, concluía ele, a necessidade de desenvolver u m
s i s t e m a de vigilância p a r t i c u l a r m e n t e eficaz do t r a b a l h o dos inspetores e
64
de t o r n a r impossíveis a fraude e o trabalho apressado.
Os especialistas da Fundação Rockefeller logo entenderam que pode-
riam tirar partido da chegada de Getúlio Vargas ao poder para ampliar sua
esfera de influência. E m 1 7 de novembro, Soper prepara u m n o v o projeto
de acordo entre a Fundação Rockefeller e o governo brasileiro, conferindo
mais poder ao SFA, especialmente por colocar sob sua autoridade o pessoal
do Serviço de Profilaxia Rural, e concedendo-lhe o direito de p u n i r direta-
65
m e n t e as i n f r a ç õ e s . Em 2 6 de n o v e m b r o de 1 9 3 0 , Soper pede a o n o v o
m i n i s t r o da Saúde que as leis e regulamentos que atribuem a responsabi-
lidade pela e l i m i n a ç ã o dos m o s q u i t o s a o s proprietários das c a s a s s e j a m
aplicados de m a n e i r a m a i s rigorosa, e que sejam implementadas medidas
c o n c r e t a s c a p a z e s de fortalecer esses t e x t o s . Ele a c h a q u e se o SFA for
eficazmente apoiado pelo poder local, serão necessárias a p r o x i m a d a m e n t e
1 . 7 0 0 pessoas para estender a erradicação dos m o s q u i t o s Aedes aegypti a o
interior dos estados e s c a s s a m e n t e povoados do Norte e do Nordeste. Os
a p r o x i m a d a m e n t e dois mil inspetores j á a postos deveriam, p o r t a n t o , ser
66
suficientes. No projeto de acordo submetido ao ministro, são acentuadas
a responsabilidade do proprietário n a e l i m i n a ç ã o das larvas de s u a c a s a
(condição indispensável a u m a i m p o r t a n t e redução das despesas de f u n -
c i o n a m e n t o do SFA) e a centralização de todas as atividades antilarvares.
É a insistência de Soper que acabará por convencer Vargas da necessidade
de colocar a luta c o n t r a a febre amarela (ou, mais exatamente, o controle
dos m o s q u i t o s Aedes aegypti e das pessoas que permitem sua proliferação)
67
n o centro da m i s s ã o da Fundação Rockefeller n o B r a s i l . Vargas t a m b é m
c o n s e n t i u e m dar a o s diretores a m e r i c a n o s do SFA total liberdade p a r a
d e t e r m i n a r as c o n d i ç õ e s de t r a b a l h o e os s a l á r i o s de s e u p e s s o a l . Essa
liberdade, sublinha o embaixador dos Estados Unidos n o Brasil em 1 9 3 2 ,
convinha, de fato, ao governo brasileiro, pois o serviço pôde, assim, demi¬
tir m u i t o s trabalhadores inúteis, que de o u t r o m o d o estariam protegidos
68
pelas regras do funcionalismo p ú b l i c o . E m 1 9 3 2 , Soper é informado de
que os empregados do SFA intentam fundar u m sindicato. Adverte Belisário
Penna, diretor do DNSP, que imediatamente visita o m i n i s t r o da Saúde, o
Dr. Salgado Filho, declarando-se pronto para lutar até o fim, até m e s m o a
interpelar o próprio presidente Vargas caso seja t o m a d a qualquer medida
favorável ao reconhecimento de tal sindicato. O ministro tranqüiliza Penna
69
q u a n t o às intenções do g o v e r n o a esse r e s p e i t o . A questão volta à t o n a
e m 1 9 3 4 , q u a n d o o m i n i s t r o da Educação, o Dr. A g a m e n o n M a g a l h ã e s ,
interpelado pelos empregados do SFA de Pernambuco desejosos de f o r m a r
u m sindicato, declara-se favorável a este pleito. Soper contrapõe-se dizen-
do que assinou c o n t r a t o c o m o governo brasileiro sob a expressa condição
de que nele h o u v e s s e u m a c l á u s u l a prevendo t o t a l liberdade à Fundação
Rockefeller para gerir sua mão-de-obra. Acrescenta que esse c o n t r a t o deve
ser r e n o v a d o ao fim de 1 9 3 4 e que ele pretende a c o n s e l h a r a F u n d a ç ã o
Rockefeller a retirar-se do Brasil n o caso de tal cláusula não ser respeitada.
Soper despede-se do m i n i s t r o c o m o sentimento de que o pedido dos e m -
70
pregados do SFA será indeferido.
Até a p r i m a v e r a de 1 9 3 2 , o t r a b a l h o do Serviço da Febre A m a r e l a ,
m e s m o que beneficiando-se do apoio quase incondicional do governo brasi-
leiro, padeceu da falta de quadro jurídico bem definido. Essa lacuna prejudi-
c o u seriamente a introdução da viscerotomia - tornada obrigatória - , m a s
t a m b é m o trabalho dos inspetores encarregados da fiscalização da elimina-
ção das larvas Aedes aegypti pela população. A lei de 2 3 de m a i o de 1 9 3 2
(decreto n. 2 1 . 4 3 4 ) foi elaborada pelos especialistas da Fundação Rockefeller
que testaram diversas cláusulas em campo antes de propor u m a formulação
71
definitiva. Bruce Wilson, u m desses especialistas, prepara em j u l h o de 1 9 3 1
u m anteprojeto de c a m p a n h a c o n t r a a febre amarela que serve de base ao
texto de 1 9 3 2 . No alto do documento, figura a seguinte declaração:

Além dos habituais privilégios em matéria de correios, telégrafos,


isenção das tarifas aduaneiras, todo acordo com o governo brasileiro
deveria dotar o Serviço da Febre Amarela dos seguintes direitos legais:
a) inspeção das casas sem limite de tempo;
b) destruição dos focos de mosquitos;
c) retirada das calhas que propiciam a multiplicação dos mosquitos;
d) obrigação, para cada navio que saia de u m porto, de munir-se de u m
certificado do Serviço da Febre Amarela;
e) direito de efetuar autópsia a cada caso suspeito, e em todos os casos
de morte por febre oito dias após o início da doença;
f) direito de dar ordens aos moradores para eliminar os potenciais pon-
tos de multiplicação dos mosquitos em suas casas no prazo e da
maneira especificados pelos empregados do serviço, e direito de apli-
car multas em caso de desobediência;
g) direito de aplicar multas aos habitantes que impedirem ou dificulta-
rem as inspeções;
h) direito de aplicar multas aos que não eliminarem os objetos abando-
nados ou não limparem seu terreno no prazo e da maneira propos-
tas pelo serviço;
i) direito de aplicar multas aos moradores que não mantiverem suas
casas livres da multiplicação dos mosquitos.
O objetivo de todas essas medidas é responsabilizar os habitantes, e
72
não o Serviço da Febre Amarela, pela eliminação dos mosquitos.

Segundo o texto, a fiscalização das casas (ver figura 8) e dos m o r a -


dores pelos inspetores do Serviço da Febre Amarela deve obedecer a regras
m u i t o rigorosas, que definam a natureza e o r i t m o do trabalho antilarvário.
A aplicação dessas regras deve ser supervisionada pelos superiores hierár-
quicos de cada empregado do serviço. A primeira etapa de u m a c a m p a n h a
de c o n t r o l e dos m o s q u i t o s , sublinha W i l s o n , é o estabelecimento de m a -
pas e plantas dos lugares e o recenseamento de todas as casas ( u m e x e m -
plo de formulário é anexado ao documento). Até m e s m o instruções práti-
cas para a pintura de n ú m e r o s nas casas e a demarcação física das zonas
de inspeção figuram n o dossiê. O texto de W i l s o n fala de "blocos" de casas
- e s t r u t u r a s próprias às cidades a m e r i c a n a s c o n s t r u í d a s a p a r t i r de u m
traçado geométrico - , e suas instruções se esforçam para i m p o r u m a o r -
dem n o r t e - a m e r i c a n a às cidades e povoações brasileiras, que n o r m a l m e n -
73
te não obedecem a tal l ó g i c a . Os mapas desempenham u m papel p r i m o r -
dial n a o r g a n i z a ç ã o de u m a c a m p a n h a anti-aegypti. W i l s o n o explicita:

Se não houver u m mapa da região sob o controle do serviço, deve-se


prepará-lo imediatamente. Se houver muitas localidades na região, será
útil formar u m especialista em cartografia e vinculá-lo em caráter per-
manente ao serviço. Os mapas deveriam ser preparados em uma escala
que permitisse u m acompanhamento suficientemente preciso da tarefa
74
de eliminação dos focos larvares.

Especialistas abriram, portanto, os mapas de todas as regiões onde o


S e r v i ç o da Febre A m a r e l a i n t e r v i n h a , e os serviços de c a r t o g r a f i a f o r a m
vinculados aos seus escritórios regionais. Além dos m a p a s detalhados dos
lugares e m que a c a m p a n h a se desenrolava, f o r a m produzidos m a p a s es-
7 5
peciais m o s t r a n d o o progresso do trabalho realizado a cada m ê s . Mapas,
gráficos o u diagramas p e r m i t i a m visualizar o que havia sido feito, o que
faltava fazer, e t a m b é m aquilo que estava falhando n o desenvolvimento
76
do t r a b a l h o . A partir de meados dos anos 1 9 3 0 , os serviços de cartografia
foram dotados de u m a seção de cartografia aérea, instalada c o m a colabo-
77
ração do Exército b r a s i l e i r o .

U m a vez estabelecidos os m a p a s , a região deve ser dividida e m z o -


nas, cada u m a das quais é atribuída a u m inspetor que deve visitar s e m a -
78
n a l m e n t e as c a s a s compreendidas nesse p e r í m e t r o .

Cinco zonas formam u m distrito, fiscalizado pelo inspetor do distri-


to. [...] É desejável que se estabeleça, para cada inspetor de zona, o
itinerário que ele deve fazer ao longo da jornada. O inspetor de zona, o
inspetor de distrito e o diretor médico deverão ter uma cópia desse docu-
mento. [...] Toda segunda-feira, às 7 da manhã, o inspetor de zona
começa a inspeção do primeiro lugar assinalado em seu itinerário. Ele
continua a examinar, u m por u m e na ordem, os lugares marcados
nesse itinerário. [...] O inspetor de zona coloca uma bandeirinha amare-
la nas casas durante a inspeção. [...] Antes de deixar as casas, o inspetor
deve anotar em formulários especiais o número de casas que inspecio-
nou, o número de focos larvares encontrados, o número de recipientes
destruídos e o número daqueles nos quais ele colocou petróleo [...]. V á -
rias vezes por semana, u m médico ou um inspetor de distrito acompa-
nha o inspetor de zona, observa seus métodos de trabalho e corrige even-
tuais erros. Pelo menos três vezes por semana, u m deles passa depois do
inspetor para verificar se ele conseguiu achar todos os focos larvares. Em
geral, é necessário controlar pelo menos 10% do trabalho cumprido por
u m inspetor para se manter u m grau aceitável de eficiência.

W i l s o n recomenda a adoção de medidas complementares a fim de verificar


a eficiência do trabalho dos inspetores de zona, c o m o o envio sistemático
das "brigadas de c a p t u r a dos adultos" e das "brigadas de focos o c u l t o s " .
E m seu p r o j e t o , as l a r v a s Aedes aegypti se e n c o n t r a m n a p o n t a de u m a
79
longa cadeia de vigilância dos h u m a n o s pelos h u m a n o s .
O t e x t o legal de 2 3 de m a i o de 1 9 3 2 (decreto n. 2 1 . 4 3 4 ) , redigido
pelos especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller e depois v o t a d o pelo p a r l a -
m e n t o brasileiro, endossou as grandes linhas do d o c u m e n t o proposto por
Wilson, c o m exceção das modalidades do trabalho dos inspetores do SFA.
Centrado nas diretivas que v i s a v a m a impedir a m u l t i p l i c a ç ã o dos m o s -
q u i t o s Aedes aegypti, o t e x t o da lei expôs u m q u a d r o i m p r e s s i o n a n t e do
controle de todas as regiões e de todos os aspectos da vida dos habitantes
a que ele se aplica. A l g u n s exemplos escolhidos entre os 6 0 artigos dessa
lei i l u s t r a m a r i g o r o s a v i g i l â n c i a dos h a b i t a n t e s das á r e a s c o n t r o l a d a s
pelos inspetores do serviço:

O pessoal do Serviço da Febre Amarela visitará semanalmente [...]


todas as casas, habitadas ou não, prédios particulares e públicos, inclu-
sive os quintais, pátios; e também as fábricas, lojas, estabelecimentos
industriais e comerciais, escolas, igrejas, conventos e monastérios, ce-
mitérios, hospitais, casas de repouso, maternidades, mercados, restau-
rantes, hotéis, pensões, estábulos, depósitos de grãos, galpões milita-
res, prisões, fortes, ilhas, portos, estaleiros, depósitos de todo tipo,
aeroportos civis e militares, todos os meios de transporte - terrestres,
marítimos, fluviais ou aéreos - , espaços públicos tais como praças e jar-
dins, e todos os outros sítios. Todos esses lugares devem ser minuciosa-
mente inspecionados, nas áreas externas e internas. Tal inspeção deve
sempre incluir os quartos de dormir. [...] Os adornos dos prédios e dos
jardins, dos tetos e das estátuas devem ser confeccionados de tal maneira
que não possam acumular água. [...] Os vasos de flor, jardineira e
urnas nos cemitérios não devem acumular água. [...] As cavidades das
árvores devem ser preenchidas com cimento. Esse trabalho deve ser feito
pelo proprietário por sua própria conta. [... ] É proibida a construção de
subsolos ou de quartos situados abaixo do nível do solo, com exceção
dos que podem ser facilmente inspecionados e que em nenhum caso
favorecerão a acumulação de água. [...] É proibido utilizar os subsolos
para criação de galinhas ou outros animais. [...] Se for impossível im-
pedir a acumulação de água no porão ou no subsolo de u m prédio que
j á existam, seu ocupante é obrigado a botar, u m a vez por semana,
petróleo nessa água, por sua conta. [...] As calhas e os esgotos difíceis de
inspecionar estão proibidos. [...] É obrigatório vedar todas as caixas
d'água para prevenir a multiplicação dos mosquitos. [...] Todas as cai-
xas d'água devem ser revistadas pelo SFA. [...] As caixas d'água estão
proibidas nas localidades onde há água corrente [...]. Os quintais, os
jardins, os terrenos baldios e os espaços comuns devem estar livres de
recipientes que possam acumular água. É proibido o abandono de cai-
xas de conserva, garrafas, potes, pratos, copos, cascas de coco, vasos e
80
outros objetos que possam reter á g u a .

Cada medida é a c o m p a n h a d a de u m dispositivo punitivo. A s s i m ,

Quem se opuser, resistir ou prejudicar o trabalho sanitário definido


neste regulamento está sujeito a multa de 1 0 0 a 1.000 mil-réis, que
81
dobrará em caso de reincidência, ou a pena de prisão por 3 a 3 0 dias.
Essa punição pode ser adiada por 4 8 horas, a fim de que seja oferecida ao
acusado a possibilidade de se justificar. Se ele não o fizer, ou se sua
explicação não for aceita pelo serviço, a pena entra em vigor. Se essas
medidas punitivas e coercitivas não surtirem efeito, o culpado será trans-
ferido para a jurisdição da polícia, que o forçará a aceitar a autoridade
do SFA. Se u m a pessoa demonstrar falta de respeito ou for insolente
com os empregados do serviço, recomenda-se, além da punição previs-
ta no parágrafo precedente, a intervenção de uma corte de justiça crimi-
nal. [...] O ocupante dos lugares onde forem encontradas larvas de
mosquitos, seja no interior dos prédios, seja em suas dependências, tais
como quintal ou jardim, está sujeito a multa de 5 a 5 0 mil-réis, que
pode dobrar a cada violação consecutiva. [...] Sempre que uma caixa
d'água doméstica for aberta para uma inspeção, u m a limpeza ou u m
conserto, os responsáveis por ela devem fechá-la e vedá-la de modo a
impedir a multiplicação dos mosquitos. A violação desta instrução está
sujeita a u m a multa de 10 a 1 0 0 mil-réis, que dobrará a cada transgres-
são consecutiva. [...] As fontes de água devem ser cercadas, cobertas e
ligadas aos tubos condutores de u m modo que impeça a multiplicação
dos mosquitos. A infração desta diretiva está sujeita a multa de 1 0 0 a
1.000 mil-réis, que pode dobrar em caso de reincidência [...]. Os pro-
prietários dos campos ou dos jardins que tiverem áreas, tais como ca-
nais ou pântanos, que acumulem água são obrigados a secá-los ou
aterrá-los, sob pena de multa de 1 0 0 a 1.000 réis, que dobrará em caso
82
de violação consecutiva.
A Codificação do Ideal de Controle: as instruções do
Serviço da Febre Amarela
O Serviço da Febre Amarela publicou m a n u a i s de instruções detalha-
das para seus empregados, abrangendo desde o funcionamento do serviço,
os u n i f o r m e s e as bandeiras, até os f o r m u l á r i o s a d m i n i s t r a t i v o s u t i l i z a -
dos e m cada circunstância. O SFA

trabalha com base na responsabilidade individual, fixada pelas instru-


ções escritas que só podem ser modificadas por escrito, e cuja execução
é verificada por relatórios detalhados sobre o trabalho executado. U m
trabalho que vale a pena fazer, vale a pena registrar. Os registros são
planejados de modo a permitir u m controle rápido e fácil das tarefas
cumpridas, e ao mesmo tempo fazer u m quadro da distribuição do
Aedes aegypti nas regiões onde se efetuam operações de controle. [...]
Não basta traçar linhas gerais da campanha e confiá-las a empregados
bem treinados; o diretor do serviço deve assumir a responsabilidade de
verificar que o trabalho foi bem executado. Nenhum serviço adminis-
trativo importante pode funcionar a longo prazo de maneira automá-
tica; por esta razão, o SFA fez tudo para otimizar a coleta, a centraliza-
ção e a apresentação dos dados necessários ao acompanhamento e con-
83
trole do trabalho pelo diretor.

A elaboração desses m é t o d o s a d m i n i s t r a t i v o s

valeu-se das idéias e dos métodos desenvolvidos pela Fundação


Rockefeller sob a influência de Gorgas, e pelos brasileiros sob a influência
de Oswaldo Cruz. Além disso, o serviço não hesitou em empregar mé-
todos administrativos utilizados nos meios financeiros e em colher su-
84
gestões úteis entre seu próprio pessoal.

O Serviço da Febre Amarela adotou o princípio de que o método mais


eficaz de eliminação dos m o s q u i t o s é a destruição das larvas, obtido pela
adição de petróleo à água o u pela destruição dos recipientes m a i m i n a d o s ; "é
praticamente inútil esvaziar esses recipientes, e os peixes são caros e devem
ser utilizados apenas n o s casos e m que n e n h u m o u t r o m é t o d o possa ser
85
aplicado". O acréscimo rotineiro de petróleo à água só deve começar após
duas o u três inspeções, depois de o proprietário ter sido advertido, oralmente
o u por escrito, sobre a data em que a eventual sanção incidirá. Entretanto,

se a febre amarela estiver presente, ou ameaçar u m a localidade, a


adição rotineira de petróleo em todos os recipientes nos quais forem
encontradas larvas começará j á na primeira inspeção, e sem aviso pré¬
vio [...]. Α adição de petróleo não será necessária se o proprietário des-
truir o recipiente que contém larvas diante do inspetor. Estranhamente,
algumas pessoas têm tamanha aversão ao petróleo que preferem des-
truir o recipiente, mesmo que seja de valor. [...] A adição sistemática de
petróleo mostrou ser o método mais eficiente de persuadir a população
a proteger os recipientes de água dos mosquitos. Sua ação punitiva é
direta e imediata, e recai sobre a pessoa responsável pelo recipiente no
qual forem encontradas larvas. O líquido utilizado no Brasil, uma mis-
tura de petróleo e óleo diesel, tem um gosto suficientemente desagradá-
vel para obrigar a uma limpeza profunda dos recipientes antes que eles
sejam reutilizados. Essa limpeza tem a vantagem suplementar de elimi-
nar os ovos de mosquito grudados nas paredes do recipiente que te-
86
nham escapado à ação do petróleo.

A atividade do S e r v i ç o da Febre A m a r e l a apóia-se em dispositivos


legais apropriados:

As punições impostas pela lei às pessoas que deixam que os mosqui-


tos se proliferem em sua casa não são, em geral, aplicadas, salvo em
casos de oposição ativa a medidas mais complacentes. Se necessário,
aplicam-se todas as sanções previstas na lei. Para evitar que a autoridade
do serviço fique desacreditada, uma ação legal, uma vez iniciada, é
levada até o fim. É preciso estabelecer um sistema eficiente de acompa-
nhamento de todas as advertências. [...] Às segundas-feiras pela ma-
nhã, o inspetor de distrito distribui advertências que devem ser verificadas
ao longo da semana. Se o inspetor de zona considerar que a pessoa
advertida não efetuou a ação demandada, esta recebe uma advertência
definitiva estipulando que se a ação não for cumprida sem prazo suple-
87
mentar, ela será multada.

Os candidatos ao posto de inspetor do serviço

devem ser homens de idade entre 2 0 e 3 0 anos, de boa aparência, boa


visão, testada pela capacidade de ler o jornal em um lugar relativamente
escuro; devem ser capazes de escrever de modo legível e de fazer cálculos
aritméticos simples, e não ter traços físicos suscetíveis de provocar re-
88
sistência à sua entrada nas residências.

O inspetor do SFA deve sempre respeitar seus superiores hierárquicos, ser


educado c o m o público e comportar-se de maneira a valorizar o serviço:

Todas as ordens recebidas dos superiores hierárquicos devem ser cum-


pridas sem discussão. Em caso de dúvida, deve-se pedir explicação, mas
uma vez formuladas claramente as instruções, elas devem ser executa-
das. [...] Os inspetores trajam um uniforme: túnica, calça e boné cáqui
[...] Os botões são aparentes nos bolsos da túnica: pretos para os inspe-
tores de zona, de cobre para os inspetores de distrito, de níquel para o
inspetor geral. [...] Os inspetores devem estar limpos e bem barbeados.
Não podem fumar no horário de serviço. Um inspetor flagrado bebendo
ou alcoolizado durante o cumprimento de seus deveres será sumaria-
mente demitido. [...] Qualquer falsificação de relatório escrito levará à
imediata demissão. [...] Não haverá nenhuma desculpa para a inexecução
das ordens, e o esquecimento ou a ignorância dessas ordens não consti-
89
tuirão justificativa.

A definição das z o n a s a t r i b u í d a s a o s inspetores de serviço é feita


segundo o procedimento que se segue:

O tempo médio da inspeção de um tipo representativo de uma casa é


estabelecido com um cronômetro. Pequenos barracos de terra, com
pouco terreno em volta e um número mínimo de recipientes de água,
podem ser inspecionados em um tempo relativamente curto; a inspeção
das casas de dois andares leva mais tempo do que a das casas de um
único andar, as casas cercadas por um grande terreno são as de inspeção
mais demorada. [...] Obtém-se o tempo necessário para a inspeção de
um quadrado de casas multiplicando-se o número de prédios de cada
tipo existentes no bloco, o número médio de minutos necessários para
se inspecionar este quadrado, somando-se estas cifras e acrescentando-
lhes o número de minutos necessários para se deslocar entre os prédios.
[...] Após seis meses de funcionamento, recomenda-se repetir essas
90
medidas e fazer os ajustes necessários.

Cada inspetor de zona recebe u m itinerário diário, que sublinha a impor-


tância do c u m p r i m e n t o exato de todos os detalhes de seu trabalho, e que
facilita o controle c o n t í n u o de sua missão. Qualquer desvio desse itinerá-
rio deve ser relatado por escrito:

O ponto no qual cada inspetor começa seu trabalho a cada dia é mar-
cado com um alfinete no quartel-general do distrito; dessa maneira, o
inspetor sempre pode ser encontrado, mesmo que seu trabalho seja
91
interrompido pelo mau tempo ou por feriados religiosos.

"Muitos poderiam pensar", explicam Soper e seus colegas,

que os métodos que descrevemos são inutilmente detalhados, que


implicam excesso de trabalho administrativo e de relatórios escritos, e
que damos atenção exagerada à verificação do trabalho executado. A
única resposta a essas repreensões são os nossos resultados. Os detalha-
dos relatórios escritos, os gráficos e os mapas são de uma ajuda inesti-
mável quando utilizados para orientar a estratégia sempre cambiante de
uma campanha contra o Aedes aegypti. Sendo a natureza humana como
é, o gasto de 2 5 a 30% do orçamento global com a verificação do traba-
lho feito revelou-se u m a prática extremamente eficaz em u m trabalho
92
de erradicação de u m a espécie.

Um visitante inglês do ministério da Saúde britânico, o Dr. Morgan,


percorre o Brasil nos anos 1 9 3 0 (seu relatório n ã o é datado) e descreve c o m
93
admiração o trabalho padronizado e "taylorizado" dos inspetores do S F A :

O pessoal das brigadas sanitárias é composto de jovens inteligentes.


Todos trajam o uniforme do serviço, u m a túnica leve de cor caqui,
calças da mesma cor, um boné com u m a fita verde, u m braçal verde e o
emblema do serviço. O uso desse uniforme é restrito ao SFA e é regulado
por u m a lei federal que proíbe seu uso por pessoas que não pertençam
a ele. O resultado é que os inspetores são facilmente reconhecidos pelo
público, e podem ser facilmente localizados pelos oficiais do serviço que
fiscalizam seus subordinados. [...] O sistema de inspeção foi elaborado
nos mínimos detalhes. Inicialmente, faz-se u m a ronda experimental,
cronometrada, para se verificar o tempo necessário para realizar u m a
inspeção. Dessa maneira, pode-se saber a qualquer momento do dia
onde se encontra o inspetor que está cumprindo sua ronda. Os inspeto-
res conduzem sua ronda exatamente da mesma maneira semana após
semana; deslocam-se sempre à mesma velocidade e no mesmo ritmo. O
resultado é que o trabalho torna-se tão automático, e segue u m a rotina
tão precisa, que as chances de se passar ao largo de u m lugar potencial-
mente multiplicador dos mosquitos ou de u m foco larvar são reduzidas
94
ao m í n i m o .

A importância atribuída pela direção do SFA à disciplina e a o estrito


c u m p r i m e n t o das ordens é ilustrada por u m a história contada por Soper.
Um inspetor do SFA e m Niterói devia, segundo o trajeto estabelecido por
seus superiores h i e r á r q u i c o s , visitar, toda s e m a n a , e m determinada ma-
n h ã , o arsenal da baía de Guanabara, perto do Rio de J a n e i r o . Na m a n h ã
do dia previsto, u m a explosão n o arsenal m a t a todas as pessoas presentes.
Preocupados c o m a sorte de seu empregado, os responsáveis pelo serviço
c o n s t a t a m que ele está v i v o , p r o v a irrefutável de que n e g l i g e n c i o u seus
deveres. Ele é s u m a r i a m e n t e demitido. Soper l a m e n t o u a falta de c o m p r e -
ensão e a estreiteza da visão da imprensa de Niterói, que a t a c o u violenta-
m e n t e a Fundação Rockefeller, a r g u m e n t a n d o que o SFA deveria ter ficado
95
feliz c o m a salvação m i l a g r o s a de seu e m p r e g a d o .
A Aplicação do Modelo de Controle Rígido em Campo
O c o t i d i a n o d o s e s p e c i a l i s t a s da F u n d a ç ã o Rockefeller, c o m o se
depreende dos diários dos diretores das estações regionais do SFA, c o n t i -
n u a sendo u m trabalho repetitivo e m u i t a s vezes extenuante. O diário de
C r a w f o r d , que n o s a n o s 1 9 2 9 - 1 9 3 0 dirigiu o s serviços do c o n t r o l e das
larvas Aedes aegypti na Paraíba, atesta a m o n o t o n i a das tarefas cumpridas;
inspeção das casas, aplicação de petróleo nos recipientes onde fossem en-
contradas larvas, distribuição de peixes larvívoros nas grandes caixas d'água
e negociações c o m os poderes m u n i c i p a i s . C r a w f o r d t a m b é m faz p r o p a -
ganda pela adoção de caixas d'água impermeáveis, de caixas d'água dota-
das de t o r n e i r a s e de filtros. A i n s p e ç ã o das c a s a s a b a s t a d a s encontrou
resistências, o b r i g a n d o Soper a, m u i t a s vezes, intervir p e s s o a l m e n t e . S e -
g u n d o seu t e s t e m u n h o , se os focos larvares aparecerem pela segunda vez
e m u m a casa, o inspetor a ela volta acompanhado de seu superior hierár-
quico; na terceira vez, c o m o diretor; a m u l t a é aplicada ao fim da q u a r t a
i n s p e ç ã o . Os recipientes i n f e s t a d o s f o r a m s i s t e m a t i c a m e n t e destruídos
(Crawford a n o t o u , entretanto, a autorização excepcional concedida a u m a
m u l h e r velha e doente para m a n t e r sua caixa d'água para guardar carvão).
O c o n t r o l e das c a s a s foi a c o m p a n h a d o do c o n t r o l e dos t e r r e n o s v a z i o s ,
limpos c o m a ajuda dos soldados e dos presidiários. O SFA t a m b é m fisca-
lizou a adequação dos o r n a m e n t o s e preencheu todos os espaços cavados
c o m cimento, e m todos os prédios do centro, inclusive o palácio presiden-
cial. A propaganda c o n t r a os m o s q u i t o s , o u t r a missão primordial, n ã o foi
negligenciada: slogans pintados e m painéis pregados nos espaços públicos
e nas escolas explicaram as v a n t a g e n s da eliminação dos m o s q u i t o s para
a saúde e para a qualidade de vida. A c a m p a n h a da Paraíba visava à obten-
ção de u m índice de m o s q u i t o s de 2 a 3%. No fim de 1 9 3 0 , Crawford está
desanimado: a despeito dos esforços intensivos feitos pelo SFA n o setor, e
apesar de sua exaustiva contribuição (ele teve vários problemas de saúde:
abscesso na perna, infecções, doenças parasitárias), a eliminação dos m o s -
96
quitos Aedes aegypti progredira m u i t o l e n t a m e n t e .
E m j u n h o de 1 9 3 0 , Soper visita a Paraíba e propõe c o n t r i b u i r c o m
várias melhorias técnicas para o trabalho dos inspetores, que i a m de u m
método m a i s eficaz de limpeza dos esgotos até o aperfeiçoamento do sis-
t e m a de bandeiras que distinguia o g r u p o de inspetores. E m u m a visita
ulterior, e m d e z e m b r o de 1 9 3 0 , S o p e r dedica-se à g e s t ã o do pessoal do
SFA. Aconselha que se evitem demissões coletivas, que podem levar à r e -
belião dos e m p r e g a d o s , e que se i n t r o d u z a u m s i s t e m a de r e m u n e r a ç ã o
dos inspetores de serviço baseado n o m é r i t o . Os inspetores de b a s e s ã o
divididos em diversas categorias e m função de suas aptidões pessoais; além
disso, os trabalhadores considerados merecedores recebem prêmios indivi-
dualizados que r e c o m p e n s a m a eficiência de seu trabalho; os demais são
demitidos. Na época, havia 1 2 0 inspetores entre os empregados do SFA na
Paraíba (chamados "os Rockefeller" pela população local). O r e c r u t a m e n t o
dos n o v o s inspetores t r o u x e , por vezes, p r o b l e m a s : C r a w f o r d descobriu,
a s s i m , entre as p e s s o a s que h a v i a c o n t r a t a d o , indivíduos c o m passado
criminal. Para preservar a reputação do serviço, ele decide que n o futuro
serão exigidos certificados da polícia antes da c o n t r a t a ç ã o .
Crawford viajou m u i t a s vezes para passar em revista o trabalho dos
inspetores n o interior do estado. Concluiu que era necessária u m a vigilân-
cia mais rigorosa, e o n ú m e r o das brigadas de controle foi ampliado. Essas
b r i g a d a s , c o m p o s t a s p o r i n s p e t o r e s de d i s t r i t o , pelo i n s p e t o r g e r a l e
o c a s i o n a l m e n t e pelo próprio diretor, u t i l i z a r a m os m e s m o impressos que
os inspetores de base u s a v a m para a n o t a r as irregularidades constatadas.
Suas folhas de controle f o r a m incluídas n o m e s m o livro que as dos g u a r -
das, permitindo-se, a s s i m , u m c o n t r o l e p e r m a n e n t e do t r a b a l h o de cada
pessoa. A partir do o u t o n o de 1 9 3 0 , o SFA na Paraíba, até então dedicado
unicamente à destruição das larvas Aedes aegypti, integrou à sua missão as
viscerotomias e a coleta sistemática de a m o s t r a s de sangue dos casos s u s -
peitos. As a m o s t r a s de s a n g u e e de tecido f o r a m enviadas ao laboratório
da Bahia, e os resultados, c o m u n i c a d o s à Paraíba; dessa m a n e i r a , o vere-
dicto do laboratório e n t r o u nas considerações organizacionais do trabalho
de rotina do SFA. Crawford a n o t o u em seu diário que m u i t o s casos que
t e r i a m sido classificados c o m o febre a m a r e l a e m virtude dos sinais clíni-
cos m o s t r a r a m - s e negativos q u a n d o e x a m i n a d o s n o laboratório e, inver-
s a m e n t e , o s casos clinicamente atípicos f o r a m reclassificados c o m o febre
amarela. As análises de laboratório n ã o puderam, a l g u m a s vezes, fornecer
resposta definitiva, e a l g u n s casos duvidosos c o n t i n u a r a m duvidosos; em
geral, m e s m o n a s regiões afastadas dos centros de saber, a hierarquia da
97
prova inclinou-se de maneira evidente a favor dos resultados laboratoriais.
Soper deu grande importância ao a c o m p a n h a m e n t o do trabalho dos
empregados do SFA. E m 1 9 3 2 , quando de u m a visita a Natal, ele se engajou
pessoalmente n a d e m o n s t r a ç ã o da fiscalização do t r a b a l h o dos inspetores
de z o n a : " A p ó s ter t r a b a l h a d o a p e n a s a l g u m a s h o r a s c o m o g u a r d a da
zona 2 4 , achei que lhe faltava u m a compreensão m í n i m a de seu trabalho,
a tal p o n t o que recomendei ao Dr. Gordilho que o u o demitisse, o u o m a n -
dasse t r a b a l h a r c o m o aprendiz. P a s s a m o s à z o n a 2 3 , n a q u a l e m n o v e
casas e n c o n t r a m o s dois focos de Stegomyia que n ã o h a v i a m sido marcados
pelo inspetor. Esse inspetor pelo m e n o s compreende o seu trabalho, e t e m
j e i t o de ser razoavelmente vivaz e inteligente. A c h o que a razão pela qual
ele deixou de ver os focos de larvas é que ele não faz suas visitas de m a n e i -
r a s u f i c i e n t e m e n t e c u i d a d o s a . V i - o p a s s a r r a p i d a m e n t e perto de v á r i a s
áreas perigosas, e em u m caso deixar de visitar o interior de u m a casa. Ele
admitiu que m u i t a s vezes confia n o ocupante da casa que lhe afirma que
não h á reservatórios de á g u a e m seu interior. Uma mulher, em particular,
s u s t e n t o u f i r m e m e n t e que n ã o h á n e n h u m reservatório de á g u a e m s u a
casa. Quando entramos, encontramos u m a caixa de conserva cheia d'água,
assim c o m o u m vaso de flores. Era u m a excelente oportunidade de m o s t r a r
ao Dr. Gordilho o q u a n t o é preciso insistir n a i m p o r t â n c i a dos c o n t r o l e s
98
minuciosos". Tais controles, e o controle dos controladores, m u i t a s vezes
trazem os resultados esperados. Crawford a n o t o u em 1 9 3 2 que, na Paraíba,

Silva está cuidando do serviço de maneira eficiente. Cada pessoa a


quem apresentamos u m "auto de infração" aceitou cumprir as instru-
ções iniciais. U m a enquete rigorosa foi feita por Alfonso e a "brigada de
revisão" no vale dos Cães, em Pinheiros, Benevides, Santa Isabel, Vigia e
Mosqueiro. Em Mosqueiro, a investigação descobriu u m índice de mos-
quitos mais alto do que o relatado pelos inspetores de zona. É provável
99
que eu mande fazerem uma visita-surpresa a Mosqueiro".

A l g u n s dos cuidados p e r m a n e n t e s dos responsáveis pelo Serviço da


Febre A m a r e l a f o r a m a c e n t r a l i z a ç ã o das inscrições e a c o m p i l a ç ã o das
estatísticas e dos gráficos, que p e r m i t i r a m avaliar os progressos da c a m -
panha. O diretor regional passou grande parte de seu tempo verificando se
os dados fornecidos pelos inspetores de z o n a e pelas brigadas de calhas e
de terrenos baldios e s t a v a m de acordo c o m os relatados pelos inspetores
gerais, e se a b r i g a d a de c a p t u r a dos adultos c o n f i r m a r a que as regiões
declaradas limpas estavam efetivamente livres de Aedes aegypti. Para facili-
t a r essa fastidiosa tarefa, os especialistas da Fundação Rockefeller t e n t a -
r a m padronizar os impressos de coleta de dados. Doyle, responsável pela
estação de Fortaleza, constata em 1 9 3 2 que cada inspetor geral em Alagoas
aplica seu próprio método para calcular seu r e s u m o da semana, e pede ao
responsável regional a u n i f o r m i z a ç ã o desse c á l c u l o . Ele t a m b é m insistiu
na necessidade de se a d o t a r e m i m p r e s s o s idênticos e m todas as estações
00
do SFA n o interior do e s t a d o . ' No m e s m o ano, Crawford t a m b é m se e m -
p e n h o u em uniformizar os impressos. Depois de procurar u m gráfico em
Belém, ele finalmente a c h o u o preço m u i t o alto ( 1 8 dólares o milheiro do
formulário 1 2 ) , concluindo que seria mais eficiente centralizar na Bahia a
101
impressão de todos os f o r m u l á r i o s administrativos utilizados pelo S F A .
As modalidades de controle e de administração do SFA p u d e r a m ser
padronizadas c o m relativa facilidade, m a s a amplitude das ações repressi¬
v a s do serviço v a r i o u e m f u n ç ã o das condições locais e das c o n v i c ç õ e s
pessoais de seus quadros. Em 1 9 3 1 , iniciou-se em Fortaleza u m a c a m p a -
n h a de adição punitiva de petróleo. Os responsáveis locais exprimiram opi-
niões divergentes sobre a abrangência a ser dada a tal campanha. Enquanto
o Dr. Porto era favorável a u m a aplicação m a c i ç a e generalizada, os Drs.
M a n h ã e s e França consideravam nocivas essas medidas repressivas, pois a
animosidade que s u s c i t a v a m n ã o era compensada por s u a eficácia. Soper
propôs u m a solução intermediária: c o m o a adição de petróleo à água inco-
modava a população - donde seu caráter dissuasório - , convinha não a b u -
sar dela e, portanto, reservá-la para as situações em que fosse imperativa-
1 0 2
m e n t e necessário reduzir o índice a u m a determinada t a x a . Além disso,
era desejável retardar a aplicação dessas medidas até que as pessoas tives-
103
sem aprendido c o m o proteger seus reservatórios de água das l a r v a s .
E m m a r ç o de 1 9 3 2 , S o p e r , e m v i s i t a a M a c e i ó , f a z a s e g u i n t e
c o n s t a t a ç ã o : a i n t r o d u ç ã o de n o v a s f o r m a s a d m i n i s t r a t i v a s revela que,
das 3 . 2 9 4 casas que a cidade conta, 3 5 5 não foram visitadas regularmen-
te, o que poderia explicar a persistência de u m índice de m o s q u i t o s alto
d e m a i s . T r a t a v a - s e da m o r a d a o p e r á r i a , pois as i n s p e ç õ e s a c o n t e c i a m ,
freqüentemente, nas horas em que os trabalhadores estavam n a fábrica. A
única solução seria conseguir que as chaves fossem deixadas c o m os vizi-
nhos; se n ã o fosse o caso, seria possível transferir as visitas dos inspetores
para a noite, c o m escolta policial. Soper t a m b é m observou que as medidas
de i n t i m i d a ç ã o n ã o e r a m c o n v e n i e n t e m e n t e aplicadas e que as n o t a s de
advertência n ã o deram os resultados esperados; propõe, portanto, m e l h o -
104
rar o nível de vigilância dos moradores daquela cidade. Ao longo de u m a
visita a Recife, Soper propõe que se recorra sistematicamente à adição de
petróleo à á g u a das caixas d'água em que fossem encontradas larvas, caso
105
os proprietários se opusessem ao seu imediato e s v a z i a m e n t o .
Rickard observa e m seu diário que a intimidação é u m método parti-
106
c u l a r m e n t e eficaz de luta c o n t r a os Aedes aegypti. O exemplo do SFA de
Natal atesta, aos olhos de Soper, as v a n t a g e n s de u m reforço sistemático
das medidas repressivas: "As pessoas aprendem c o m suas papilas gustativas
(sendo obrigadas a t o m a r á g u a c o m gosto de petróleo) a colocar peixes nas
107
caixas d ' á g u a e a ficarem b e m protegidas dos m o s q u i t o s " . Essa atitude
ilustra de m o d o particularmente m a r c a n t e as m u d a n ç a s ocorridas n o SFA
sob a direção de Soper. Se nos anos 1 9 2 0 a principal atividade dos especia-
listas da Fundação Rockefeller foi a distribuição de peixes nos recipientes
de á g u a ("medida de controle sem população") e se o acréscimo de petróleo
à á g u a foi, então, reservado a casos excepcionais, seu emprego se genera-
lizou nos anos 1 9 3 0 - ação punitiva que tinha o mérito de forçar os habi¬
tantes a colaborar c o m o SFA ("controle c o m populações") e, além disso, de
108
ser m u i t o m e n o s dispendioso do que a distribuição de p e i x e s .
O t r a b a l h o dos especialistas da Fundação Rockefeller era, n a m a i o r
parte do t e m p o , m o n ó t o n o e e x t e n u a n t e . Soper defendeu-se da a c u s a ç ã o
de que a seu pessoal só c a b i a m as tarefas desinteressantes:

As pessoas que trabalharam no Brasil desde 1 9 3 0 tiveram uma ótima


oportunidade de desenvolver suas capacidades como administradores,
de aprender a negociar com os poderes públicos no estrangeiro e de ter
relações com o público.

M a s reconheceu, por o u t r o lado, que era difícil se entusiasmar espontane-


a m e n t e pelo controle dos m o s q u i t o s :

U m a certa medida de fanatismo quase religioso é necessária para esse


trabalho, que comporta uma parte importante de rotina pesada, de-
manda considerável esforço físico e implica freqüentes separações da
família. Além disso, quanto mais a região ficar livre da febre amarela,
mais é preciso cultivar esse espírito fanático, pois a memória da popula-
ção e dos administradores locais é curta, e é muito difícil insistir na aplica-
109
ção rigorosa das regras de controle na ausência de casos de doença.

Ele criticou severamente u m dos médicos norte-americanos, por ter v o l t a -


do para o laboratório da Bahia, demonstrando visível falta de "fanatismo":
de fato, ele fazia de tudo para ter horário de trabalho regular, evitar apren-
der português e escapar às tarefas administrativas; sobretudo, ele se r e c u -
s o u a i m e r g i r n o t r a b a l h o de c o n t r o l e dos m o s q u i t o s , o q u a l , segundo
110
Soper, "constitui a essência deste s e r v i ç o " . U m especialista da Fundação
Rockefeller é antes de tudo u m h o m e m do trabalho de c a m p o : "Ganhamos
o u perdemos e m c a m p o " , e "o sucesso o u o fracasso do conjunto do p r o -
g r a m a de c o n t r o l e da febre a m a r e l a está suspenso n a s asas dos m o s q u i -
111
tos". Soper t a m b é m evocou seu próprio "complexo de h o m e m do t r a b a -
lho e m c a m p o " . E m s u a avaliação, m u i t a s vezes ele se v i u na situação do
profeta que prega n o deserto, e teve a m a i o r dificuldade em se fazer en-
tender pelos responsáveis pelo escritório da Fundação Rockefeller em Nova
York e pelo l a b o r a t ó r i o da IHD p o r q u e "os especialistas q u e t r a b a l h a m
nesses l u g a r e s p e n s a m , a u t o m a t i c a m e n t e , q u e são m a i s b e m i n f o r m a -
dos e capazes de u m j u l g a m e n t o m e l h o r do que o oficial que trabalha e m
1 1 2
campo".
As Resistências ao Controle dos Mosquitos e da População
Os especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s envolvidos n o c o n t r o l e da febre
amarela n o Brasil ( u m a dezena de pessoas nos anos 1 9 3 0 ) deixaram a b u n -
dantes relatos sobre suas atividades e seu m o d o de ver sua missão. Temos
m u i t o poucos t e s t e m u n h o s , e e m geral indiretos, sobre as reações da p o -
p u l a ç ã o brasileira. T r a t a - s e p r i n c i p a l m e n t e de queixas c o n t r a o c o n t r o l e
autoritário dos inspetores do serviço. As queixas apresentadas por pessoas
o r i u n d a s das c a m a d a s superiores da sociedade t i v e r a m m a i s c h a n c e s de
s e r e m o u v i d a s . R. J . Clarke, v i c e - c ô n s u l dos Estados U n i d o s n o Rio de
Janeiro, t r a n s m i t i u a o governo americano, em n o v e m b r o de 1 9 3 2 , as re¬
c r i m i n a ç õ e s feitas pela A s s o c i a ç ã o C o m e r c i a l de V i t ó r i a (Espírito S a n t o )
aos empregados do SFA. Os inspetores do serviço teriam adicionado petró-
leo à á g u a perfeitamente limpa, quebrado telhados e calhas, e se m o s t r a -
do, no geral, pouco respeitosos c o m a propriedade alheia. Clarke a n o t o u à
m a r g e m dessa queixa: "O fato de os autores deste t e x t o n ã o m o s t r a r e m
n e n h u m sinal de r e c o n h e c i m e n t o pelo excelente t r a b a l h o de prevenção da
febre amarela feito pelo serviço é m u i t o típico da atitude do público aqui".
Após enquete, vê-se que as queixas dos habitantes eram, em certa medida,
justificadas, pois o Serviço da Febre Amarela dedica parte m u i t o i m p o r t a n -
te de seus esforços à inspeção das c a s a s , inclusive a s q u e s ã o m a n t i d a s
p e r f e i t a m e n t e l i m p a s , e q u e tal a ç ã o tende a i r r i t a r a p o p u l a ç ã o . A l é m
disso, a inspeção freqüente das caixas d'água n o alto dos telhados p r o v o -
ca, ocasionalmente, estragos involuntários. Clarke propôs, portanto, que a
Fundação Rockefeller organizasse u m a c a m p a n h a n a imprensa para expli-
113
car melhor os objetivos de sua a ç ã o .
A resistência às medidas impostas pelo SFA por vezes ultrapassou o
simples nível das queixas. O trabalho dos inspetores n o interior do país às
vezes c o m p o r t o u riscos comparáveis aos corridos pelos empregados do Ser-
viço de V i s c e r o t o m i a . O incidente ocorrido em 1 9 3 2 e relatado por Doyle
ilustra esse perigo: ao visitar u m a família acometida de febre (provavelmen-
te malária), ele foi recebido - assim c o m o o médico brasileiro que o a c o m p a -
nhava - por u m h o m e m armado de faca que tentou expulsá-los. Na discus-
são que se segue, ficam sabendo que a família havia sido maltratada uma
114
s e m a n a antes pelos inspetores do S F A . Rickard relata que e m 1 9 3 2 u m
inspetor do SFA em Boa Viagem (Pernambuco), J o a q u i m J o s é de Souza, foi
mortalmente ferido n o exercício de suas funções. Segundo os depoimentos,
seu c o m p o r t a m e n t o na casa do agressor havia sido absolutamente correto.
Ele simplesmente pediu ao proprietário que pusesse peixes larvívoros em sua
caixa d'água e disse-lhe que se voltasse a encontrar larvas nesse recipiente,
colocaria petróleo. O proprietário ficou vermelho, p u x o u u m a faca e atacou
115
o inspetor. O ferido m o r r e u dois dias d e p o i s . W i l s o n confia a seu diário
( 1 9 3 7 ) outros ataques mortais perpetrados contra os empregados do Serviço
da Febre Amarela. Edgar Martins do Rosário, inspetor em Niterói, n o Rio de
Janeiro, levou socos em 1 6 de m a i o de 1 9 9 3 . Tendo encontrado larvas em
u m barril d'água, avisou à proprietária da casa que iria adicionar-lhe petró-
leo. A mulher se enfurece e empurra o inspetor - que estava em pé em cima
de u m a caixa para examinar melhor o barril. Ao cair, ele derrama petróleo
no vestido da mulher, que, aborrecida, expulsa o inspetor e seu assistente da
casa, ameaçando c h a m a r o marido. O inspetor telefona ao diretor regional
do SFA, que pede intervenção da polícia. Ele obtém a promessa de proteção,
que notoriamente não surtiu efeito, pois n o m e s m o dia o inspetor é encon-
trado m o r t a l m e n t e ferido. A polícia n ã o consegue prender o assassino (se-
g u n d o W i l s o n , ela n ã o teria se esforçado). O inspetor falecido foi p o s t u ¬
116
m a m e n t e promovido ao cargo de inspetor geral de primeira c l a s s e .
E m 1 9 3 8 , C r a w f o r d fornece a lista dos sete incidentes graves n o s
117
quais v á r i o s inspetores do SFA f o r a m a t a c a d o s p o r h a b i t a n t e s i r a d o s .
A p e s a r de Soper e seus colegas t e r e m l a m e n t a d o a violência, eles v i r a m
sua ocasional explosão c o m o o preço a ser pago pela m a n u t e n ç ã o de u m
sistema de controle dos m o s q u i t o s baseado na repressão, o qual, n o c o n -
1 1 8
j u n t o , prosseguia b e m . Esse a r g u m e n t o é semelhante ao empregado para
justificar a tolerância da violência episódica c o n t r a os empregados do Ser-
viço de V i s c e r o t o m i a - o b e m de todos pode j u s t i f i c a r os sofrimentos de
1 1 9
alguns, e não se g a n h a sem vítimas u m a batalha por u m a causa j u s t a .
Resumindo os inegáveis progressos da c a m p a n h a c o n t r a os m o s q u i -
tos Aedes aegypti n o s a n o s 1 9 3 1 - 1 9 3 2 , S o p e r o b s e r v a v a que a aplicação
rigorosa das medidas que obrigavam a população a obedecer às instruções
dos inspetores do SFA levou a u m a redução i m p o r t a n t e da densidade de
tais m o s q u i t o s na m a i o r parte das localidades controladas, até a obtenção
120
freqüente de u m índice inferior a 1 % . A m a n u t e n ç ã o de tal índice, expli-
ca Soper, é m u i t o menos dispendiosa do que a de u m índice de 5% (objetivo
das campanhas da Fundação Rockefeller entre 1 9 2 3 e 1 9 2 8 ) , pois nos luga-
res onde os m o s q u i t o s são raros n ã o é necessário c o n t i n u a r as inspeções
121
freqüentes. E m j a n e i r o de 1 9 3 5 , ao e n u m e r a r as razões do sucesso das
c a m p a n h a s anti-aegypti, Soper insiste na importância crucial que a s s u m i a
u m a administração eficiente. M u i t a s tarefas rotineiras h a v i a m sido recen-
temente retomadas pelo pessoal brasileiro, m a s fora necessário investir enor-
mes energias e esforços para se chegar àquele estágio e construir u m serviço
122
verdadeiramente e f i c a z . A Fundação Rockefeller conseguiu, assim, provar
que u m trabalho de controle eficiente n ã o deve ser dispendioso:
A gestão eficaz é muitas vezes negligenciada na saúde pública, porque
trata-se de uma área que tem vocação para gastar dinheiro, mais do
que ganhá-lo. Ao contrário das empresas privadas, não temos acionis-
tas que vigiam de perto o trabalho dos administradores; não temos
concorrentes que nos forcem a baixar nossos custos. Nosso maior erro
no trabalho de saúde pública é não ter padrões bem definidos para ava-
123
liar o trabalho de controle.

O Ideal de Controle da Fundação Rockefeller e seus


Defensores Brasileiros

O ideal de controle dos indivíduos e de seu meio, desenvolvido pelo


SFA nos anos 1 9 3 0 , foi incorporado às abordagens emprestadas de organi-
zações hierárquicas de disciplina rigorosa, tais c o m o o Exército ou a Polí-
cia. O paralelo entre o SFA e o Exército não escapou aos observadores c o n -
temporâneos. U m a obra publicada por ocasião da Exposição Universal de
1 9 3 9 , celebrando as conquistas brasileiras na área da medicina, sublinha:

O Serviço da Febre Amarela desenvolveu um pessoal médico formado


especificamente na utilização de métodos de administração em larga
escala. [...] O serviço demonstrou que é possível construir um serviço
público eficiente baseado em um quadro de pessoal contratado em tem-
po integral e organizado segundo um modelo militar, com liberdade
para transferir as pessoas de um lugar a outro do país conforme as
124
necessidades.

U m a carta escrita por Gustavo Capanema, ministro da Saúde do governo


Vargas, por ocasião da transferência do SFA à direção brasileira, t a m b é m
menciona essa "militarização" das c a m p a n h a s de controle c o n t r a os m o s -
quitos:

O Serviço da Febre Amarela foi administrado de um modo muito


particular. Ele não foi submetido às formalidades habituais da função
pública, por causa da necessidade de percebê-lo como "um exército per-
manentemente em campo", para usar uma expressão do Dr. Fred Soper,
ou seja, um serviço que deve operar com agilidade e ser capaz de pôr
rapidamente em marcha muitas medidas diferentes e urgentes. Não se-
ria prudente interromper esse sistema especial de administração e obri-
gar o Serviço da Febre Amarela a se adaptar imediatamente à rotina do
125
serviço público.

Em u m texto escrito em 1 9 4 3 , Capanema m e n c i o n a u m o u t r o a s -


pecto da atividade do controle do SFA: a onipresença de seus apoiadores e
seu papel de representantes do poder do Estado nos rincões mais afastados
do Brasil. E m 1 9 4 2 , o SFA e m p r e g a v a por t e m p o integral 2 . 8 7 8 pessoas
qualificadas. Essas pessoas "não podem se dedicar a n e n h u m a o u t r a o c u -
pação, m e s m o gratuitamente; pode-se dizer que elas se e m p e n h a m e m ter
u m m o d o de vida 'inteiramente dedicado ao serviço'". Entre 1 9 3 0 e 1 9 4 2 ,
os empregados do SFA d e m o n s t r a r a m , efetivamente, u m a eficiência i m -
p r e s s i o n a n t e : c o l e c i o n a r a m 6 3 . 1 4 6 a m o s t r a s de s a n g u e p a r a enquetes
1 2 6
epidemiológicas e e f e t u a r a m 2 . 1 5 6 . 2 8 0 . 8 1 3 visitas a c a s a s . A s visitas
n ã o se l i m i t a v a m a cidades o u regiões povoadas:

As inspeções cotidianas, a presença dos guardas e dos médicos se es-


tenderam a todas as regiões do país, inclusive às pequeníssimas locali-
dades, fazendas e sítios. Essas visitas do Serviço da Febre Amarela cons-
tituem, em muitos casos, a única instância sanitária que chega a esses
lugares. [...] Os empregados do serviço percorrem longuíssimas dis-
tâncias, em u m verdadeiro espírito de 'brasilianismo'. [...] Todos aque-
les que conhecem a vida dos homens no campo, quase sempre despro-
vidos de educação e desconhecendo as mais elementares regras de higie-
ne, e que hoje vêem como eles cedem às exigências do Serviço Nacional
da Febre Amarela, serão obrigados a reconhecer a influência salutar de
127
uma obra que assume um caráter educativo de altíssima significação.

A "militarização" do Serviço da Febre A m a r e l a (uniformes, desloca-


m e n t o rápido [ver figura 9 ] , obediência às ordens, hierarquia piramidal)
foi apenas u m dos aspectos de s u a atividade. O SFA desenvolveu t a m b é m
u m a ética do trabalho de inspiração n o r t e - a m e r i c a n a (ou protestante) em
virtude da qual "a vida é dedicada ao serviço". Os brasileiros empregados
pelo SFA tiveram que se dobrar a essa ética. Amílcar Tavares da Silva c o -
m e ç o u sua carreira c o m o ajudante de laboratório, antes de se t o r n a r con-
tador e, depois, administrador. Ele explicou que os recém-chegados r a r a -
m e n t e se surpreendiam c o m as exigências de seus empregadores, pois todo
m u n d o sabia c o m o os especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s a d m i n i s t r a v a m seus
negócios e t r a t a v a m seus empregados. A l g u n s tiveram dificuldade e m se
adaptar ao ritmo, m a s quase todo m u n d o acabava se habituando. A princi-
pal recompensa era o salário, mais alto do que o de empregos equivalentes
n o serviço público brasileiro. Filho de u m pai autoritário, Silva viu a disci-
plina de t r a b a l h o exigida pela F u n d a ç ã o Rockefeller c o m o a c o n t i n u a ç ã o
direta da educação que havia recebido na infância: Ά Fundação Rockefeller
foi u m a escola à qual m u i t o devo, m a s devo muito t a m b é m a m e u pai, que
m e educou de maneira u m pouco rígida, m a s que m e permitiu t o r n a r - m e
128
alguém".
O Dr. J o s é F o n s e c a da C u n h a , m é d i c o e m p r e g a d o pela F u n d a ç ã o
Rockefeller, insistiu na importância da divisão administrativa do trabalho
dentro do SFA, do cuidado c o m os livros e os formulários administrativos
("Havia cópias de tudo") e nas pirâmides de vigilância de c i m a para baixo.
O reconhecimento social do papel da Fundação Rockefeller havia constituí-
do u m a r e c o m p e n s a a p r e c i á v e l : "A f r a s e ' s o u m é d i c o da Fundação
Rockefeller' a b r i u - m e m u i t a s portas, inclusive na alta sociedade". O t r a -
balho na Fundação Rockefeller, segundo o t e s t e m u n h o de C u n h a , nutria-
se do espírito missionário.

Era uma espécie de fogo sagrado ao qual as pessoas se entregavam.


Hoje em dia não se entende mais isso. Fui apelidado, pejorativamente, de
"um produto Rockefeller". [...] Era um trabalho muito duro, muito
cansativo, por vezes rotineiro; bem, às vezes eu ficava muito cansado,
às vezes tinha muito prazer. Não sofri demais com a disciplina. Outros
a toleraram mal: encontrei médicos que se queixaram da carga de traba-
lho, da disciplina, da necessidade de estar sempre bem vestido e bem
barbeado, da proibição de beber no horário de serviço, de ter que estar
sempre limpo. Por muitas vezes pensei em pedir demissão, mas afinal
agüentei firme. De fato, era uma escola do trabalho, da resistência e do
129
controle de si, de tudo aquilo de que as pessoas zombam hoje em dia.
O Estilo Autoritário do SFA e as Culturas da Violência no
Brasil
O caráter autoritário das c a m p a n h a s contra a febre amarela n o B r a -
sil n ã o está, provavelmente, ligado apenas à influência conjuntural de u m
regime político dominador. Essas c a m p a n h a s - a s s i m c o m o m u i t o s o u t r o s
a s p e c t o s do r e g i m e V a r g a s - t i v e r a m fortes r e s s o n â n c i a s e m e l e m e n t o s
estruturantes da cultura brasileira, tais c o m o o a u t o r i t a r i s m o e a presença
permanente das culturas da violência. A c a m p a n h a contra a febre amarela
de O s w a l d o C r u z - c o n d u z i d a s e m a p o r t e e s t r a n g e i r o significativo - j á
havia recorrido à coerção e aos c o m p o r t a m e n t o s autoritários. Essa propen-
são ficou ainda mais marcada durante a c a m p a n h a c o n t r a a febre amarela
conduzida pela SFA n o s a n o s 1 9 3 0 . A c o e r ç ã o foi aplicada e m n o m e de
u m a "medicina científica", que c o n t r a s t a v a c o m a "superstição" das cren-
ças populares. A oposição entre essas duas abordagens, u m a "científica" e a
o u t r a "popular", n ã o era, entretanto, automática. Os antropólogos que es-
t u d a r a m as medicinas populares brasileiras observaram a utilização seleti-
va das medicinas ditas tradicionais e de recursos da medicina ocidental, e a
combinação entre a crença nos feitiços e ritos mágicos e o reconhecimento
130
da importância da observação dos princípios de limpeza e h i g i e n e . Obser-
v a r a m , paralelamente, que os adeptos das medicinas populares m u i t a s v e -
zes j u s t i f i c a v a m o r e c u r s o a o c u r a n d e i r o e à "medicina espiritual" pelas
insuficiências da medicina oficial, e m a i s p a r t i c u l a r m e n t e pelo f u n c i o n a -
m e n t o a u t o r i t á r i o dos dispensários n o s b a i r r o s pobres. A s e s t r u t u r a s da
medicina científica n o Brasil anulavam, freqüentemente, o poder do indiví-
duo (pobre) c o n f r o n t a d o a o do b u r o c r a t a , c o l o c a n d o - o n u m a relação de
desapossamento de si. O indivíduo doente desaparece em suas relações c o m
o especialista em medicina, do m e s m o m o d o que desaparece em suas rela-
131
ções c o m outros representantes do poder.

U m a a n t r o p ó l o g a a m e r i c a n a , N a n c y Scheper-Hughes, e s t u d o u n o s
a n o s 1 9 7 0 e 1 9 8 0 as relações entre a violência e a m o r t e n a sociedade
brasileira c o n t e m p o r â n e a , a c o m p a n h a n d o t r a b a l h a d o r e s a g r í c o l a s a l o j a -
dos nas favelas de P e r n a m b u c o . Ela descreveu a arbitrariedade da v i o l ê n -
cia, os freqüentes "desaparecimentos", os crimes perpetrados - m u i t a s vezes
p o r f o r ç a da o r d e m - s e m que a f a m í l i a das v í t i m a s soubesse a r a z ã o .
N a n c y S c h e p e r - H u g h e s s u b l i n h o u o papel dos ritos b u r o c r á t i c o s na
b a n a l i z a ç ã o do inaceitável. S u a n a r r a t i v a a c e n t u a as c o n s e q ü ê n c i a s n e -
fastas da arbitrariedade do poder estatal. Esse relato poderia dar u m a v a g a
idéia da r e c e p ç ã o das p r á t i c a s r e p r e s s i v a s do S F A , e s p e c i a l m e n t e da
v i s c e r o t o m i a , pelas populações pobres do Brasil. Ele pode, a s s i m , t r a z e r
u m o u t r o o l h a r para as autópsias parciais: u m a atividade cujo objetivo é
t o r n a r visível a presença do vírus da febre amarela pode t a m b é m ser vista
132
c o m o u m ato que t o r n a invisível o ser h u m a n o portador do v í r u s .

Existe, com efeito, u m outro tipo de terror estatal, essa "violência


comum" que invade o cotidiano mais banal da favela, ao mesmo tempo
sob a forma de rumores e das histórias mais loucas, mas também,
concretamente, por ocasião dos diversos ritos públicos que põem as
pessoas do morro em contato com o Estado: nos hospitais, nos escritó-
rios da Justiça civil, no necrotério e no cemitério municipal. O desenro-
lar desses ritos fornece u m contexto ideal para a banalização do horror,
permitindo que os fatos mais extraordinários, como os "desapareci-
mentos", se tornem uma norma previsível e esperada. [...] Os morado-
res do morro falam de seu corpo maltratado, mutilado, perdido e "desa-
parecido" nos espaços públicos anônimos que são os hospitais, as pri-
sões, os necrotérios e o cemitério público. Referem-se a si mesmos como
"anônimos", "semcorpo", "zé ninguém", eainda "gentinha". Falam de
sua invisibilidade coletiva, do fato de não figurarem nem nos recensea¬
mentos públicos, nem em qualquer estatística estadual ou municipal.
Quantidades desprezíveis na vida, continuam a sê-lo na morte. [...]
Assim como a vida, a morte das pessoas do morro é "invisível", e pode-
133
se dizer que seu corpo também "desapareceu".

A filósofa Marilena Chauí, especialista em cultura popular brasileira,


analisou as raízes culturais da violência brasileira: violência do poder, m a s
t a m b é m violência popular, que, segundo ela, reflete a violência da cultura
dominante:

Se admitirmos, de acordo com Walter Benjamin, que todo documen-


to de cultura é também u m documento de barbárie, isto se explica pelo
fato de que a cultura dominante exerce violência sobre os subordinados,
pelo fato de que a cultura dominada foi exposta à violência dos domi-
nantes e, finalmente, pelo fato de que a cultura dos dominados exprime
a barbárie a que foi submetida.

O culto ao cangaço está, segundo Chauí, impregnado dessa violência: "São


heróis n ã o apesar do horror que inspiram aos outros, m a s , de certa maneira,
134
por causa desse h o r r o r " .
Historiadores e a n t r o p ó l o g o s a s s o c i a r a m essa p e r m a n ê n c i a da v i o -
lência n a c u l t u r a brasileira à história do país e, m a i s especificamente, à
tradição dos bandeirantes (desbravadores das terras do interior, ao m e s m o
tempo pioneiros intrépidos e saqueadores de terras indígenas). Vargas os glo¬
rificou c o m o pioneiros que participaram das expedições nacionais e encarnaram
o espírito "brasilianista" (Gustavo Capanema, ministro da Saúde n o governo
Vargas, atribui essa qualidade aos inspetores do SFA). E m c o m p e n s a ç ã o ,
Clodomir Viana M o o g , reconhecendo o papel (glorificado, entre outros, pelo
antropólogo Gilberto Freyre) desses bandeirantes na formação da nação brasi-
leira, explica que se trata de u m a "identidade predatória": desejo de enriqueci-
m e n t o rápido, instabilidade social, xenofobia econômica, procura da "grande
135
jogada", falta de interesse pelos problemas sociais e e c o n ô m i c o s . O Brasil,
explica Marilena Chauí, é u m país profundamente a u t o r i t á r i o . Esse
autoritarismo está enraizado nas particularidades de u m a sociedade na qual o
liberalismo político fundou-se sobre u m a economia escravagista. Essa heran-
ça impregna toda a cultura. U m a cultura de autoritarismo e violência engen-
drou fenômenos de paternalismo e de clientelismo, e u m desprezo pela legali-
dade por parte dos membros das classes dominantes, resumido na expressão
136
"Para os amigos tudo, para os inimigos, a lei". A violência das campanhas
de saúde pública na primeira metade do século X X e a que, mais recentemen-
te, caracteriza as relações entre os habitantes dos bairros pobres e a medicina
"oficial" podem ser associadas à violência intrínseca das relações entre o poder
e as classes desvalidas da população brasileira. O estilo de controle propagado
pelo SFA nos anos 1 9 3 0 refletia, pode-se dizer, o encontro singular entre os
métodos de gestão norte-americanos, elementos da cultura brasileira e u m
regime paternalista e autoritário.

O Fim do Ideal de Controle Rígido: vigilância da febre


amarela pós-Fundação Rockefeller

A o passar à direção brasileira n o início de 1 9 4 0 (em 2 3 de j a n e i r o ,


oficialmente), o SFA é rebatizado c o m o SNFA (Serviço Nacional da Febre
Amarela). Sérvulo Lima ( 1 9 4 0 - 1 9 4 1 ) e Waldemar S á Antunes ( 1 9 4 1 - 1 9 5 3 ) ,
a m b o s médicos brasileiros formados por Soper, sucederam-se n o cargo de
137
diretor. A essa t r a n s f e r ê n c i a s e g u i u - s e i m e d i a t a m e n t e o a u m e n t o do
n ú m e r o de p o s t o s de erradicação de m o s q u i t o s (sem que, e n t r e t a n t o , o
n ú m e r o de empregados do serviço tenha subido: em 1 9 5 0 , o SNFA empre-
gava 3 . 3 4 9 pessoas). C o m a introdução, em 1 9 4 3 , do D D T para a elimi-
nação dos insetos, o trabalho dos inspetores sanitários m u d a de natureza,
e a pulverização do inseticida passa a ser u m a de suas principais o c u p a -
ções. Eles n ã o a b a n d o n a r a m , c o n t u d o , as atividades de c o n t r o l e destina-
das a reproduzir os progressos realizados na eliminação dos Aedes aegypti.
Após o a n ú n c i o da destruição do ú l t i m o foco de Aedes aegypti (em S a n t a
T e r e s i n h a , B a h i a , e m a b r i l de 1 9 5 5 ) , o n ú m e r o de p o s t o s de c o n t r o l e
138
a n t i m o s q u i t o s diminui r a p i d a m e n t e . A detecção dos casos de febre a m a ¬
rela silvestre, o u t r o aspecto importante do funcionamento do serviço, pros-
seguiu segundo as f o r m a s o r g a n i z a c i o n a i s estabelecidas pelos especialis-
tas norte-americanos, m a s ocorreu u m a alteração importante em seu c o n -
139
teúdo. As fichas epidemiológicas, especialmente as posteriores a 1 9 3 4 ,
i n d i c a m q u e o s r e s u l t a d o s das análises l a b o r a t o r i a i s n e m s e m p r e e r a m
consideradas c o m o u m veredicto definitivo, t a n t o m a i s p o r q u e haviam
s u r g i d o d i s c o r d â n c i a s s o b r e o s r e s u l t a d o s de a u t ó p s i a e de a n á l i s e s de
a m o s t r a s de fígado. Por exemplo, n o caso de Feliciano Vaz de Goiaz, fale-
cido em 11 de dezembro de 1 9 4 4 , a família recusou o diagnóstico de febre
a m a r e l a dado pelo l a b o r a t ó r i o . O médico da família a a p o i o u , a n t e s de
m u d a r de opinião seis meses depois. No c a s o de Rufino da Silva M a t o s ,
m o r t o em 2 2 de agosto de 1 9 4 4 , o laboratório afirma que o resultado do
e x a m e do fígado é negativo ( u m patologista e n c o n t r o u , c o n t u d o , "lesões
suspeitas n ã o especificadas"); o c a s o é reclassificado e m 4 de j a n e i r o de
1 9 5 1 c o m o febre amarela, sem que n e n h u m a m o t i v a ç ã o para tal m u d a n -
ça estivesse registrada n o s d o c u m e n t o s . A s expressões "suspeito, p r o v a -
velmente negativo", "material n ã o adequado", "lesões suspeitas" se repe-
t e m nas fichas dos doentes.
A f o r m a dos documentos do Serviço da Febre Amarela quase não se
modifica nos anos 1 9 4 6 - 1 9 5 4 . O serviço utiliza os m e s m o s formulários e
os m e s m o s modelos de relatórios, m a s observam-se u m estilo mais n a r r a -
tivo e fichas preenchidas de m o d o incompleto, c o m a m e n ç ã o "não pode
ser preenchido por falta de dados". Além disso, os médicos insistem m u i t o
nas ambigüidades dos casos, nas lacunas das informações clínicas ou, por
outra, na presença de várias patologias n a m e s m a pessoa. Por exemplo, ao
descrever c a s o s de crianças falecidas e m decorrência de u m a "febre" s u s -
peita, os médicos m e n c i o n a m a dificuldade de estabelecer u m diagnóstico
preciso em crianças subnutridas que sofrem de várias doenças parasitárias
e de outras afecções ligadas à pobreza. U m médico se recusou a preencher
f i c h a s d e t a l h a d a s s o b r e o s s i n t o m a s de seus doentes; e se e x p l i c a : "As
informações n ã o se p r e s t a m a u m e n q u a d r a m e n t o preciso dos s i n t o m a s .
Apesar de todos os m e u s esforços, não a c h o possível seguir esse modelo".
O u t r o s médicos a c r e s c e n t a r a m p o n t o s de i n t e r r o g a ç ã o e m v á r i o s c a s o s ,
assinalando na m a r g e m que não estão certos da resposta, o u que a pessoa
sofre de várias doenças, o u ainda que t ê m dúvidas q u a n t o à pertinência da
questão. Por vezes os médicos a c r e s c e n t a m nos impressos dados sobre as
condições de vida da família do doente e notas que s u b l i n h a m a presença
de várias patologias em pessoas falecidas por "febre". Essas n o t a s são fre-
qüentes especialmente quando se trata de crianças m o r t a s em decorrência
140
de u m a "febre s u s p e i t a " . "Casos" clínicos, notificados em fichas padro¬
nizadas fornecidas pelo SFA, t r a n s f o r m a m - s e a s s i m , o c a s i o n a l m e n t e , e m
histórias de pessoas que t ê m espessura e presença.
A abundância de registros escritos deixados por u m grupo de especia-
listas norte-americanos ativos n o controle da febre amarela n o Brasil c o n -
trasta c o m a ausência quase total de testemunhos dos empregados brasilei-
ros do SFA. O projeto de história oral do Instituto Oswaldo Cruz visava a
colher a l g u n s t e s t e m u n h o s de médicos o u de administradores brasileiros
que trabalharam "com os Rockefeller", na falta de registros de empregados
das fileiras subalternas. Todos os inspetores de serviço deviam saber ler e
escrever c o r r e t a m e n t e , m a s tal aptidão servia u n i c a m e n t e para preencher
formulários administrativos. Durante os "anos Soper", os inspetores de zona,
de distrito, o u m e s m o os inspetores gerais, não foram intimados a escrever
diários, cartas, relatórios detalhados o u observações sobre seu trabalho. Essa
perda da memória dos funcionários do SFA é irremediável. Entretanto, anos
mais tarde - e em u m contexto totalmente diferente - a S u c a m (Superinten-
dência de Campanhas de Saúde Pública, que integrou o SNFA e se dedicou
principalmente ao controle dos insetos transmissores da malária e do m a l
de Chagas), p r o m o v e u em 1 9 8 7 u m concurso visando a resgatar a memória
141
de seus funcionários, "A vida cotidiana do funcionário da S u c a m " . Dife-
rentes, é certo, das memórias que poderiam ter sido escritas pelos funcioná-
rios do SFA sob a direção da Fundação Rockefeller (os funcionários da S u c a m
não têm c o m o missão principal a vigilância das populações, nem estão in-
seridos n u m ó r g ã o marcado por u m a rígida disciplina de trabalho), essas
memórias podem, contudo, dar u m a idéia do estado de espírito dos empre-
gados de base dos serviços sanitários do Brasil e das dificuldades encontra-
das no exercício de suas funções.
Os cinco ensaios premiados foram escritos por pessoas de pouca ins-
t r u ç ã o , todas c o m longa experiência na S u c a m . Quase todos esses relatos
fazem referência a u m fator determinante - t o t a l m e n t e a u s e n t e do c o n -
j u n t o dos documentos deixados pelos especialistas da Fundação Rockefeller
- , a saber, a religião cristã c o m o fonte de inspiração e de apoio nas condi-
ções de trabalho m u i t a s vezes difícil. Assim, Élcio de Souza Gomes, agente
de saúde pública (título que substituiu o de inspetor) em Campos, Rio de
Janeiro, c o n t a que u m dos m o m e n t o s mais gratificantes de seu duro labor
foi quando u m a criança m u i t o nova disse, espontaneamente: "O Sr. é u m
1 4 2
enviado de D e u s " . J a i m e Euripides F a b i a n o , de Ceres, G o i á s , c o n t a a
acolhida que ele e seus colegas tiveram em u m povoado m o n t a n h o s o iso-
lado onde fazia u m frio terrível. Os habitantes, m u i t o pobres e pouco h a -
bituados a ver agentes sanitários, recusaram-lhes hospitalidade e os o b r i -
g a r a m a d o r m i r em locais n ã o aquecidos. Descendo a m o n t a n h a , a c o m o ¬
daram-se e m u m albergue e foram expulsos por terem c h a m a d o a atenção
do proprietário para a presença de insetos transmissores da doença de Cha-
g a s . Ei-los, p o r t a n t o , n o v a m e n t e obrigados a passar a noite e m b a n c o s ,
" c o m o m e n d i g o s " . Fabiano c o n t a : " N u n c a fui t ã o h u m i l h a d o e m toda a
m i n h a vida"; ele decide, então, deixar a S u c a m , m a s , depois de ler a Bíblia,
143
chega à conclusão de que "o sofrimento faz parte da vida humana".
J o s é O l i v e i r a Negri, de G o i á s , c o n t a c o m o , perdido n u m a parte
desértica da ilha do Bananal, n o rio Araguaia, passou frio, sede e fome, e
sobreviveu a l i m e n t a n d o - s e de p l a n t a s silvestres. A p ó s dois dias, " i l u m i -
n a d o pela l u z de D e u s " , descobre u m r a n c h o n o m e i o da m a t a v i r g e m .
Dentro, e n c o n t r a u m h o m e m c o m m a l á r i a . "Senti na a l m a u m a e m o ç ã o
m u i t o forte. Encontrei u m refúgio, m a s t a m b é m alguém que precisava de
ajuda para superar u m grande m a l . Pude dar-lhe u m a ajuda vital". Negri
concluiu que ficou n a S u c a m "não pelo miserável salário que recebia, m a s
por a m o r à m i n h a profissão. Tenho certeza de que Deus m e recompensará
pelos gestos de solidariedade h u m a n a que pude fazer durante todo aquele
144
tempo". Os relatos dos empregados da S u c a m insistem n o lado h u m a n o
de seu t r a b a l h o . Eles se d e m o r a m n a s histórias dos doentes: aqueles que
sua intervenção salvou, e aqueles que n ã o puderam ser socorridos. Se os
relatos das c a m p a n h a s sanitárias dos especialistas da Fundação Rockefeller
(inclusive os escritos para uso particular) evitam qualquer personalização
dos " c a s o s " de febre a m a r e l a , aqueles p r o d u z i d o s pelos e m p r e g a d o s da
S u c a m são freqüentemente marcados pelo sentimentalismo de u m a h i s t ó -
ria piedosa, o u até m e s m o de u m a série televisiva.
O u t r o elemento recorrente nos relatos dos empregados da S u c a m é o
confronto c o m as duras condições de vida prevalecentes nas regiões afastadas
e o sentimento de impotência dos agentes sanitários diante das necessidades
da população. U m poema escrito por Francisco Martins Gonçalves, do A m a -
zonas, oferece u m a amostra desse sentimento: "Em nosso subdistrito/Traba¬
lho não é m o l e z a / S o m o s muito poucos companheiros/Para dar assistência à
145
pobreza/Borrifando o u vacinando/A área rural que é grandeza". Negri, de
Goiás, testemunha as condições que vigoram no interior do país, seja a falta
de estradas, seja o isolamento das populações - descritas c o m o muito supers-
ticiosas, e muitas vezes hostis aos estrangeiros e à ação sanitária. Entretanto,
"graças a Deus e a nossos remédios", várias pessoas f o r a m salvas, quase
1 4 6
apesar delas m e s m a s . J o s é Nogueira Vasconcelos, da região de Pirapora
(Minas Gerais), conta que durante sua missão no sertão descobriu que

as condições de vida são as piores possíveis. A mais extrema miséria


reina em toda a região. A malária está por toda parte, tornando a vida
ainda mais difícil. Fiquei impressionado com o conformismo com o
qual as pessoas se adaptam a u m estilo de vida que eu jamais imaginaria
possível: quase nada para comer, uma cama feita de uma tábua e u m
feixe de palha. Não têm rádio nem televisão, nem telefone ou outros
meios de comunicação, e com exceção de alguns privilegiados que vive-
ram por algum tempo fora da região, quase não têm consciência da
dureza de sua existência. Em minhas peregrinações por caminhos dis-
tantes, fui penosamente obrigado a adaptar-me ao modo de vida e à
maneira de pensar daquelas pessoas.

Vasconcelos conclui: "Em m e u s anos de trabalho, sofri muitas privações e


perdas. A s frustrações f o r a m m u i t a s , e os sucessos, r a r o s . Dei m u i t o , e
pouco recebi. M a s se fosse preciso recomeçar, estou certo de que faria tudo
147
outra vez".
Os d o c u m e n t o s do Serviço da Febre Amarela dirigido pela Fundação
Rockefeller tendem a reduzir os habitantes do país à condição de receptá¬
culos do vírus da febre amarela o u promotores da multiplicação dos m o s -
quitos Aedes aegypti. Os testemunhos dos médicos brasileiros que trabalha-
r a m c o m o SFA n o período pós-Fundação Rockefeller, a s s i m c o m o os dos
empregados da S u c a m que endossaram seu legado, deixam entrever u m a
o u t r a relação c o m as pessoas cobaias das c a m p a n h a s sanitárias. A partir
dos anos 1 9 5 0 , a i m a g e m do Brasil c o m o "vasto país povoado por vírus e
m o s q u i t o s " difundida pelos especialistas sanitários norte-americanos t r a n s -
148
f o r m o u - s e g r a d u a l m e n t e e m "paisagem c o m f i g u r a s " .

O Ideal de Erradicação dos Vetores da Doença

O nascimento do ideal de erradicação dos vetores (1933-1945)


A atividade da F u n d a ç ã o Rockefeller no Brasil g u i o u - s e , n u m pri-
m e i r o m o m e n t o , pelo ideal da erradicação da doença febre a m a r e l a pelo
viés da eliminação de seus "focos-chave", que supostamente levaria à a u t o -
extinção [burning out] da doença n o resto do país. Em 1 9 3 3 (em u m texto
e s c r i t o p r o v a v e l m e n t e a n t e s da a c e i t a ç ã o g e n e r a l i z a d a da e x i s t ê n c i a de
u m reservatório do vírus da febre amarela em animais silvestres), os diri-
gentes da F u n d a ç ã o Rockefeller s u s t e n t a m que a febre a m a r e l a pode ser
erradicada da América Latina, pois a população desse continente é, em sua
grande maioria, b r a n c a e progressista, capaz de atingir desenvolvimentos
tais c o m o o a b a s t e c i m e n t o de á g u a c o r r e n t e das cidades. A s i t u a ç ã o da
A m é r i c a Latina c o n t r a s t a c o m a da África, "onde deveremos esperar u m
nível de vida e de civilização b e m mais elevado, e será preciso m u i t o t e m p o
149
e u m a gestão colonial inteligente para a t i n g i - l o " . A c o n s t a t a ç ã o de que
a febre amarela é u m a doença própria aos animais, acidentalmente trans¬
m i t i d a a o h o m e m , pôs fim às esperanças de erradicação c o n t i n e n t a l da
150
febre a m a r e l a . Tal esperança foi rapidamente substituída pela esperança
n a e r r a d i c a ç ã o c o n t i n e n t a l do v e t o r da febre u r b a n a , o m o s q u i t o Aedes
aegypti. E m 1 9 3 3 , Soper e seus colegas c o m e ç a m a obter sistematicamente
151
índices zero de m o s q u i t o s . Esse resultado, inicialmente considerado er-
rôneo o u acidental, repetiu-se e m várias regiões. S u a veracidade pôde ser
r a p i d a m e n t e estabelecida g r a ç a s à c o n f i a n ç a dos especialistas da F u n d a -
ção Rockefeller n a confiabilidade de seu sistema de registro e controle dos
resultados e g r a ç a s à c o n f i r m a ç ã o , pelas brigadas de c a p t u r a dos insetos
152
adultos, da ausência de m o s q u i t o s Aedes aegypti em várias r e g i õ e s . Soper
via n a e x i s t ê n c i a de b r i g a d a s especializadas u m dos fatores de s u c e s s o .
Alguns inspetores n u n c a aprenderam a reconhecer u m Aedes aegypti adul-
to, o u t r o s n ã o s a b i a m identificar u m a larva; alguns se especializaram n a
inspeção das calhas, outros, na verificação das árvores, e o u t r o s em terre-
n o s baldios o u e m e m b a r c a ç õ e s . Tal especialização, p r e s u m e Soper, a u -
m e n t o u c o n s i d e r a v e l m e n t e a eficácia do t r a b a l h o de c o n t r o l e dos Aedes
153
aegypti. A partir de 1 9 3 4 , a obtenção de índices zero tornou-se o objetivo
oficial da c a m p a n h a . Esse objetivo pôde se c u m p r i r graças à c o m b i n a ç ã o
dos métodos habituais de eliminação das larvas c o m a crescente vigilância
das brigadas de c a p t u r a dos adultos e, e m c a s o de presença c o n t í n u a de
adultos em u m a localidade onde a s inspeções de rotina n ã o encontrassem
m a i s l a r v a s , a i n t e r v e n ç ã o da b r i g a d a dos focos l a r v a r e s o c u l t o s . Essa
estratégia permitiu a completa eliminação dos m o s q u i t o s Aedes aegypti de
áreas cada vez maiores n o Brasil. Em 1 9 3 5 , Soper apresentou pela primei-
ra vez seu método de erradicação dos m o s q u i t o s c o m o o futuro do controle
154
continental da febre a m a r e l a .
E m 1 9 4 0 , Soper u s a c o m o a r g u m e n t o as v a n t a g e n s econômicas da
e r r a d i c a ç ã o dos Aedes aegypti, m é t o d o q u e , s e g u n d o ele, é b e m m e n o s
dispendioso do que o controle do inseto. A eliminação total de u m a espécie
demanda u m investimento inicial u m p o u c o mais alto, especialmente em
meios adicionais de vigilância. Entretanto, u m a vez o m o s q u i t o eliminado
da região, o c u s t o de m a n u t e n ç ã o de u m a área "limpa" é m u i t o menor, e
decresce de m o d o diretamente proporcional ao t a m a n h o das áreas. A polí-
tica dos índices zero e s t i m u l o u a e x t e n s ã o do t r a b a l h o anti-aegypti a o s
distritos rurais, pois os especialistas da Fundação Rockefeller c o n s t a t a r a m
- lançando por terra sua antiga doutrina do "foco-chave" - que as cidades
155
m u i t a s vezes f o r a m reinfestadas por m o s q u i t o s vindos da área r u r a l .
U m relatório sobre o controle da febre amarela no Brasil (escrito em 1 9 4 0 )
t a m b é m sublinha que, u m a vez concluída a erradicação dos Aedes aegypti,
o c u s t o de sua m a n u t e n ç ã o é ínfimo:
O Brasil pode servir de exemplo para as medidas contra a febre amare-
la. O país desenvolveu u m regulamento modelo de luta contra essa
doença e adquiriu autoridade para reforçar tais medidas. Ele também
desenvolveu u m programa nacional de luta contra os mosquitos cujo
objetivo não é o controle, mas a eliminação dos Aedes aegypti das cidades
156
e dos c a m p o s .

Em u m a c a r t a a Fosdick escrita em 1 9 4 1 , a qual r e s u m e o essencial de


suas convicções em matéria de luta contra a febre amarela, Soper l a m e n t a
a subestimação da importância do trabalho de erradicação dos m o s q u i t o s
pela direção da Fundação Rockefeller. As publicações oficiais da IHD, e s -
critas em Nova York, sublinharam a importância da produção de vacinas e
o u t r a s c o n s e q ü ê n c i a s da " d o m e s t i c a ç ã o " do v í r u s da febre a m a r e l a e de
sua adaptação a o crescimento em cobaias e e m células de c u l t u r a . M a s a
essência do trabalho do SFA foi o esforço de eliminação dos mosquitos:

Na verdade, a possibilidade de fazer o que quer que fosse de diferente


com a febre amarela dependia de nossa capacidade de matar os mosqui-
tos. Mas isso raramente é reconhecido fora do serviço. À primeira vista,
não há grandes dramas no trabalho de rotina de controle dos mosqui-
tos, especialmente após alguns anos de ausência da febre amarela em
uma dada comunidade, mas para aqueles que estão diretamente envol-
vidos no trabalho a situação é bastante dramática, sobretudo quando se
esteve em contato direto com casos da doença, convencido de que nin-
guém morreu de febre amarela transmitida por Aedes aegypti no conti-
nente americano, e que portanto há três anos a cadeia de transmissão da
febre amarela por Aedes aegypti foi rompida na América Latina. Ε é ainda
mais dramática a constatação de que o Brasil tem um Serviço Nacional
da Febre Amarela que, a u m custo que não ultrapassa o do controle dos
mosquitos apenas na cidade do Rio de Janeiro em 1 9 3 1 , realiza não
apenas o controle, mas a total eliminação dos Aedes aegypti em todo o
território brasileiro. [...] O desenvolvimento crucial foi a descoberta, em
1 9 3 3 , de que pode-se obter u m índice zero. Há uma diferença enorme
entre o índice 0 e o índice 1, anteriormente visto como muito satisfatório
do ponto de vista epidemiológico. Ε a diferença entre a segurança a
longo prazo e a vida sob o permanente risco de epidemia. É a diferença
entre o custo das inspeções semanais de rotina necessárias para se man-
ter o índice no nível zero e o da inspeção ocasional de uma região limpa
para verificar a ausência de reinfestação em uma região "suja". [...]
Durante os anos 1 9 3 0 , a febre amarela silvestre, a viscerotomia, as
enquetes de imunidade e a vacinação ocuparam o proscênio; ao mesmo
tempo ocorreram claros progressos para que possamos falar da
erradicação dos Aedes aegypti em todo o país, sem corrermos o risco de
sermos imediatamente mandados para u m hospício. [...] Do ponto de
vista dos efeitos sobre a saúde pública, o mais importante trabalho
realizado no Brasil durante os dez últimos anos não foi nem o desenvol-
vimento da viscerotomia, nem a descoberta da febre amarela silvestre,
nem a vacinação contra a febre amarela, mas a demonstração, inicial-
mente com o Aedes aegypti e depois com o Anopheles gambiae, de que,
pelo menos em certas condições, a eliminação total de uma espécie é
possível, e que, em determinado prazo, uma política de erradicação
mostra-se muito mais econômica do que a do controle da espécie na
157
prevenção das doenças transmitidas por insetos.

Na ú l t i m a frase, Soper faz alusão ao sucesso da c a m p a n h a (1938-


1 9 4 0 ) de eliminação do vetor da malária, o m o s q u i t o Anopheles gambiae, do
n o r t e do Brasil. Essa c a m p a n h a - em reação a u m a epidemia particular-
m e n t e severa de m a l á r i a n o estado do Ceará e m 1 9 3 7 - 1 9 3 8 - reproduz
m u i t o s t r a ç o s o r g a n i z a c i o n a i s da c a m p a n h a c o n t r a o Aedes aegypti, mas
c o m u m a diferença importante; c o m o o Anopheles gambiae não se reproduz
perto das h a b i t a ç õ e s h u m a n a s , sua eliminação exige o c o n t r o l e de suas
áreas de m u l t i p l i c a ç ã o n a á g u a estagnada, tais c o m o lagoas, trincheiras,
canais e reservatórios naturais, m a i s do que a vigilância dos q u a r t o s de
dormir, das calhas e dos o r n a m e n t o s das fachadas. A escala do esforço foi
diferente, e o t r a b a l h o de e l i m i n a ç ã o das l a r v a s (pela c o l o c a ç ã o de u m
larvicida na água, o verde-paris) foi executado pelos empregados do Servi-
ço da Malária do Nordeste. A c a m p a n h a viu a eliminação total do Anopheles
gambiae do norte do Brasil, m a s não se podia prever a rapidez n a obtenção
desse resultado. O progresso na eliminação dos m o s q u i t o s foi desigual ao
l o n g o de dois a n o s ; depois, e m 1 9 3 9 , o S e r v i ç o da M a l á r i a c o m e ç o u a
registrar u m a erradicação c o m p l e t a e m v á r i a s regiões. Após u m a queda
i m p o r t a n t e da densidade de Aedes aegypti, o inseto desaparece t o t a l m e n t e
da região. Essa "derrocada" da população de gambiae foi atribuída por a l -
g u n s especialistas a o fato de que o Anopheles gambiae, m o s q u i t o africano
encontrado pela primeira vez no Brasil em 1 9 3 0 , em 1 9 3 9 ainda não esta-
158
va b e m adaptado a seu n o v o nicho e c o l ó g i c o .
Os pesquisadores brasileiros q u e e s t u d a r a m a c a m p a n h a c o n t r a o
Anopheles gambiae, calcada n a c a m p a n h a c o n t r a o Aedes aegypti, sublinha-
r a m que ela levou ainda mais longe a l g u m a s características de seu m o d e -
lo. O esforço de controle dos gambiae caracterizou-se por u m planejamento
estratégico eficaz de tipo militar, que atribuía papel central aos m a p a s (o
Serviço da Malária colaborou c o m o Serviço Cartográfico do Exército brasi-
leiro, situado em Fortaleza, e utilizou suas pesquisas em cartografia aérea),
e pela "militarização" do pessoal do serviço antimalárico, que se exprimiu
pela obsessão pelo detalhe, por u m a vigilância m u i t o rigorosa de seu pessoal
e o recurso a u m a disciplina férrea. O trabalho nos laboratórios encarrega-
dos de diagnosticar a malária e identificar seu vetor foi "taylorizado" (como
o trabalho dos inspetores do Serviço da Febre Amarela): as lâminas (de san-
gue de pessoas suspeitas de malária) foram examinadas em série; os técni-
cos, após u m trabalho de 5 0 m i n u t o s ininterruptos, t i n h a m direito a dez
minutos de pausa. Seu trabalho era controlado sem aviso prévio pelos supe-
riores hierárquicos. U m erro na identificação dos parasitos da malária era
punido c o m o desconto equivalente a u m dia de trabalho; u m erro na iden-
tificação dos m o s q u i t o s recebia a m e s m a s a n ç ã o . Apesar de o Serviço da
Malária n ã o ter realizado visitas às casas, seus inspetores (uniformizados)
exibiam a bandeira do serviço onde quer que estivessem, ato que contribuiu
para a formação de seu espírito corporativo, m a s que, acima de tudo, signi-
159
ficou que eles haviam assumido o controle de u m determinado e s p a ç o .
A abordagem adotada por Soper para c o n t r o l a r o Anopheles gambiae
foi criticada por a l g u n s especialistas e m malária - especialmente seus c o -
legas da Fundação Rockefeller, os Drs. Coggenshall e Boyd, assim c o m o os
especialistas brasileiros que e s t u d a r a m s u a c a m p a n h a - c o m o e x c e s s i v a -
m e n t e estreita. O foco n a eliminação dos m o s q u i t o s , s u b l i n h a m esses crí-
ticos, levou a que se deixasse de considerar o u t r a s c a u s a s do s u r g i m e n t o
da malária n o nordeste do Brasil, tais c o m o as migrações o u razões e c o n ô -
micas - c o m o a abertura de canais. Esses críticos observaram que, apesar
160
da erradicação dos gambiae, a malária n ã o desapareceu da r e g i ã o . Soper
aceita a constatação, m a s lembra que o Serviço da Malária conseguiu c o n -
ter u m a epidemia m a i o r n o Ceará q u e u l t r a p a s s a v a , e m gravidade, as
irrupções precedentes o u ulteriores da doença. U m a o r g a n i z a ç ã o eficiente
e o apoio irrestrito dos poderes públicos foram, explica Soper, a chave do
sucesso das c a m p a n h a s c o n t r a os gambiae e contra os Aedes aegypti; a exis-
tência de tal c o m b i n a ç ã o deveria p e r m i t i r a a m p l i a ç ã o infinita dos esfor-
161
ços de erradicação dos m o s q u i t o s . U m m a n u a l de virologia, publicado
em 1 9 4 8 , resume em termos semelhantes as lições da c a m p a n h a contra a
febre a m a r e l a n a A m é r i c a L a t i n a . U m a legislação adequada é c o n d i ç ã o
prévia para o sucesso de u m a c a m p a n h a de controle dos m o s q u i t o s :

As regras da campanha devem ser estabelecidas por especialistas que


conheçam intimamente os hábitos e os lugares de multiplicação dos
mosquitos. É preciso também que o pessoal responsável pela campa-
162
nha seja investido de u m poder legal suficiente.

Para o s a u t o r e s desse t e x t o , existe, p o r t a n t o , u m a diferença i m p o r t a n t e


entre os m o s q u i t o s e os h u m a n o s : o s h á b i t o s dos i n s e t o s - difíceis de
m u d a r - devem ser i n t i m a m e n t e conhecidos pelos organizadores de u m a
c a m p a n h a sanitária. Em contrapartida, o c o m p o r t a m e n t o do seres h u m a -
nos é m u i t o mais flexível; o estudo dos costumes e dos hábitos da popula-
ção dos lugares onde ocorre u m a c a m p a n h a de eliminação dos insetos não
é indispensável, pois tais c o s t u m e s e hábitos podem ser modificados por
161
u m dispositivo legal a d e q u a d o .

O pós-guerra: Soper e o fracasso do projeto de erradicação


continental dos mosquitos Aedes aegypti
Em 1 9 4 1 , Soper escrevia: "Estou inteiramente convencido de que há
outros problemas no m u n d o para os quais o método de eliminação a 1 0 0 %
164
seria m u i t o p r o d u t i v o " . Ele perseguiu essa idéia durante e após a S e g u n -
da Guerra Mundial. Durante o conflito, Soper está engajado em dois proje-
tos importantes de eliminação dos vetores da doença: a introdução do DDT
na luta c o n t r a a malária e na prevenção do tifo. Desenvolveu u m método
de eliminação rápida dos piolhos c o m DDT, e a p l i c o u - o c o m sucesso no
Egito para cessar u m a epidemia de tifo (ele desenvolveu técnicas capazes
de m a t a r os piolhos sem que a pessoa tratada precisasse tirar a roupa, o
que permitiu o t r a t a m e n t o das populações locais em larga escala, especial-
mente das mulheres). Também valeu-se do DDT para eliminar os m o s q u i -
tos Anopheles (vetores da m a l á r i a ) , inicialmente no Egito ( 1 9 4 3 - 1 9 4 5 ) , e
depois na Itália ( 1 9 4 5 - 1 9 5 0 ) . Após a guerra, Soper o c u p o u cargos impor-
tantes em organizações internacionais. Diretor da O r g a n i z a ç ã o Pan-Ame¬
ricana da Saúde (Opas, 1 9 4 7 - 1 9 5 9 ) , depois, quando a Opas passou a inte-
grar a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1 9 4 9 ) , foi nomeado t a m b é m
diretor regional da O M S para as Américas, cargo que exerceu até se apo-
1 6 5
sentar, em 1959.
Soper aproveitou sua posição na Opas e na O M S para promover sua
idéia de erradicação de u m a espécie. A partir de 1 9 4 2 , Soper e seu colega
W i l s o n a f i r m a r a m que a erradicação de u m a espécie é a linha mais eficaz
no controle das doenças transmitidas pelos invertebrados, a que pode tra-
zer as soluções mais duradouras e m e n o s dispendiosas. Infelizmente, essa
idéia esbarrava em problemas psicológicos:

É bem mais fácil visualizar a multiplicação geométrica de uma espécie


a partir de uma fêmea portadora de ovos com milhões de g a m b i a e no
norte do Brasil do que imaginar o processo inverso. O saber tradicional
nos diz que a erradicação de uma espécie é impossível.
U m a vez ultrapassado esse o b s t á c u l o psicológico, t o r n a - s e fácil perceber
que muitas doenças transmissíveis se prestam a tal abordagem, principal-
mente a malária. É preciso apenas lembrar que

o sucesso só pode ser obtido com base em uma organização eficiente


e um planejamento minucioso. Não basta planejar o programa e dar
ordens para sua execução: é absolutamente essencial que haja meios
de verificar cuidadosamente e de maneira independente os resultados
166
obtidos.

Em 1 9 4 7 , a Opas decide promover a erradicação do Aedes aegypti do


continente americano. U m m e m b r o colombiano da organização, o Dr. J o r -
ge Boshell, confirma a determinação de Soper de desenvolver o programa:

Muitas vezes comparei Soper a Catão, o Ancião. Como é sabido, nas


reuniões do Senado romano, não importa qual fosse o tema dos deba-
tes, se as obras públicas ou a queda da qualidade dos jogos no Coliseu,
Catão, o Ancião sempre se levantava para declarar "Cartago deve ser
destruída". Afinal de contas, Cartago foi destruída. Ε afinal de contas,
Aedes aegypti será destruído. É difícil controlar uma doença indefinida-
167
mente. A solução prática é a erradicação.

Soper sublinhou, ao m e s m o tempo, que os programas de erradicação reque-


rem u m pessoal dedicado e u m investimento importante em trabalho:

O oficial de saúde pública não pode dormir tranqüilo dizendo a si


mesmo que fez tudo o que pôde, e que não tem mais dinheiro para
continuar. O erradicador sabe que seu trabalho não se mede pelo que foi
feito, mas que o grau de seu fracasso se mede pelo que há a ser feito. Ele
deve eliminar os últimos focos inexplorados da infecção em sua jurisdi-
168
ção. Sua palavra de ordem deve ser "um j á é demais" [any is too many].

Para se atingir esse fim, é essencial u m a organização impecável:

A erradicação não pode se limitar a países desenvolvidos, nem às


regiões povoadas ou mais acessíveis de um país. Seu objetivo inexorável,
a presença zero, demanda uma excelência das técnicas administrativas
168
raramente exigida em outros programas de saúde pública.

P r o g r a m a s de eliminação do Aedes aegypti, patrocinados pela Opas,


foram aplicados em todos os países da América Latina. Graças a eles, q u a -
se todos os países da América Central e da América do Sul foram declara-
dos livres dos Aedes aegypti nos anos 1 9 6 0 . A c a m p a n h a prosseguiu sem
maiores dificuldades, até o m o m e n t o em que atingiu a fronteira dos Esta¬
dos Unidos. Os dirigentes da Opas h a v i a m pensado que o custo da opera-
ç ã o anti-aegypti n o sul dos Estados U n i d o s - a ligeira v i o l a ç ã o da vida
privada dos habitantes das regiões infestadas - seria m í n i m o e m c o m p a -
ração aos g a n h o s previstos - a libertação do conjunto do continente a m e -
ricano da a m e a ç a da febre amarela e a total eliminação da necessidade de
m a n t e r medidas o n e r o s a s de c o n t r o l e dos Aedes aegypti. O g o v e r n o e os
cidadãos dos Estados Unidos t i n h a m opinião diferente. A ausência da fe-
bre amarela e de o u t r a s doenças transmitidas pelo Aedes aegypti nos Esta-
dos Unidos constituía u m obstáculo ao convencimento dos habitantes para
que se s u b m e t e s s e m a medidas de vigilância que limitassem sua liberdade
pessoal e m n o m e de u m a solidariedade continental.
Os Estados Unidos a d o t a r a m a resolução da Opas de 1 9 4 7 , e i n t r o -
duziram medidas anti-aegypti. M a s o nível de seu investimento na c a m p a -
n h a foi m u i t o b a i x o . Essa c a m p a n h a , conduzida pelo Center for Disease
Control (CDC) de Atlanta, dispunha de u m o r ç a m e n t o reduzido e restrin-
gia-se à pulverização de D D T nos arredores das casas e ao t r a t a m e n t o dos
170
reservatórios de água estagnada c o m este p r o d u t o . Além disso, o estilo
de c o n t r o l e "brasileiro" n ã o era aplicável e m u m país desenvolvido c o m
u m a cultura política m u i t o diferente e tradições de oposição organizada e
codificada às decisões do poder consideradas a r b i t r á r i a s . Os empregados
do CDC n ã o t e n t a r a m procurar os pontos de multiplicação dos m o s q u i t o s
nas casas, pois os habitantes eram m u i t o hostis a qualquer intrusão. Eles
n ã o se p r e o c u p a r a m m u i t o em avaliar a população inicial dos m o s q u i t o s
Aedes aegypti nos Estados Unidos, n e m em saber c o m o ela reagiu às tenta-
tivas de controle realizadas pelo CDC. Além disso, os proprietários se rebe-
l a r a m c o n t r a a pulverização de D D T em suas casas, e a m e a ç a r a m proces-
sar o CDC caso produtos químicos fossem colocados em seu local de habi-
tação o u em seu quintal. Em 1 9 6 9 , o governo federal retirou seu apoio ao
p r o g r a m a de eliminação dos Aedes aegypti conduzido pelo CDC. Segundo o
diretor David Spencer, essa decisão foi motivada pela c o n s t a t a ç ã o de que
não era possível, nas circunstâncias de então, erradicar o Aedes aegypti dos
Estados Unidos e pela convicção de que, de todo modo, a a m e a ç a de febre
amarela nos Estados Unidos devia ser tratada c o m a introdução de medi-
das concretas n o m o m e n t o de seu surgimento, mais do que c o m a tentati-
171
va de erradicar seu v e t o r . O m o s q u i t o Aedes aegypti voltou a aparecer na
América Latina no fim dos anos 1 9 6 0 . A partir dos anos 1 9 8 0 , a dengue,
doença transmitida por esse m o s q u i t o , tornou-se u m problema i m p o r t a n -
te de saúde pública em vários países s u l - a m e r i c a n o s . Soper atribuiu esse
172
ressurgimento a u m a infestação a partir do sul dos Estados U n i d o s ; tal
infestação foi atribuída à "impossibilidade para os empregados do CDC de
p e n e t r a r e m t o d a s a s c o n s t r u ç õ e s , i n c l u s i v e as c a s a s p a r t i c u l a r e s , para
173
detectar o s m o s q u i t o s , s e m a a u t o r i z a ç ã o de seus o c u p a n t e s " .
Em 1 9 5 2 , Soper explicava que

a erradicação é u m programa que não pode interromper sua expan-


são. [...] Tal erradicação exponencial precisa de u m sistema que permita
que todos os países interessados entrem em acordo sobre a condução de
programas comuns, aprovados e mantidos por todos, sem que sua
174
soberania seja ferida.

Ele declarou-se revoltado c o m a atitude do g o v e r n o a m e r i c a n o , que c o n s i -


derava e m i n e n t e m e n t e injusta p o r q u e o b r i g o u os países pobres a a s s u m i -
175
r e m os pesados encargos ligados a o controle do Aedes aegypti. A "rede de
1 7 6
erradicação c o n t i n e n t a l " p a c i e n t e m e n t e tecida p o r S o p e r e seus c o l e g a s
da O p a s desfez-se p r o v a v e l m e n t e p o r c a u s a da fragilidade de u m único
fio: os limites e n c o n t r a d o s por u m Estado d e m o c r á t i c o ao i m p o r a i n t e r -
177
v e n ç ã o dos poderes sanitários n a vida privada de seus c i d a d ã o s .

Notas
1
ROSS, R. Mosquito Brigades and How to Organize Them. London: George Philip & Son,
1902.
2
Em 1 9 0 7 , Ross se queixa ao colega Waldemar Haffkine de que o governo continua a
ignorar suas opiniões e considera a eliminação dos mosquitos u m a medida inútil e
cara, atitude que, segundo Ross, demonstra a indiferença dos poderes coloniais britâ-
nicos à sorte das populações que eles administram. Cf. carta de Ross a Haffkine, 2 3 de
dezembro de 1 9 0 7 , Archives Haffkine, Departamento de Manuscritos, Universidade
Hebraica de Jerusalém.
3
Por ocasião de u m a epidemia de febre amarela ocorrida no Gana em 1 9 1 2 , as autori-
dades coloniais britânicas isolaram os doentes e seus contatos em u m acampamento
especial, e depois pulverizaram inseticida em suas casas; em seguida, procuraram
(timidamente) eliminar os locais de multiplicação das larvas de mosquitos na vizi-
nhança imediata das habitações atingidas pela doença, m a s n ã o tentaram organizar
campanhas antimosquitos em maior escala. Cf. minutas das reuniões do Subcomitê
da Febre Amarela na África Ocidental, de 1 5 de janeiro e 1 0 de fevereiro de 1 9 1 3 ,
Wellcome Archives, Dossiê Ronald Ross, G C / 5 9 / A 1 .
4
ROSS, R. Mosquito Brigades and How to Organize Them, p . 5 9 .
5
Idem, p . 2 4 .
6 o
Oswaldo Cruz, Prophylaxia da febre amarela, trabalho apresentado ao 4 Congresso
Médico Latino-Americano, reproduzido em CRUZ, O. Opera Omnia. Rio de Janeiro:
Imprensa Brasileira, 1 9 7 2 , p . 5 4 2 - 5 5 5 ; do mesmo autor, The sanitation o f Rio. The Times,
2 8 de dezembro de 1 9 0 9 , reproduzido em CRUZ, O. Opera Omnia, op. cit., p . 5 5 5 - 5 6 2 .
7
A campanha sanitária de Cruz esteve ligada também aos trabalhos de reconstrução
do Rio de Janeiro e à expulsão dos pobres do centro da cidade, mas quem nela atuou
foram a polícia e os empregados da prefeitura, e não os serviços sanitários.
8
CRUZ, O. Resume o f the paper presented b y the Brazilian delegate to the Third
International Sanitary Convention., Mexico City, december 2 - 7 , 1 9 0 7 , reproduzido
em CRUZ, O. Opera Omnia, op. cit., p . 5 3 4 - 5 4 0 , citação à página 5 3 6 .
9
GORGAS, W. C. S a n i t a t i o n o f the tropics w i t h specific reference to m a l a r i a and
yellow fever. The Journal of American Medical Association, 5 2 ( 1 4 ) : 1 . 0 7 5 - 1 . 0 7 7 , 1 9 0 9 .
10
Idem, p . 1 . 0 7 6 .
11
Ibid. Os métodos propostos por Gorgas foram aplicados no Brasil em 1 9 3 2 , quando a
situação política foi propícia a u m a legislação repressiva.
12
Ibid., p.1.077.
13
SIMOND, Ρ. L.; AUBERT, P. & NOC, F. Contribution à l'étude de l'épidémiologie amarile:
origine, causes, marche et caractères de l'épidémie de fièvre j a u n e de la Martinique en
1 9 0 8 . Annales de l'Institut Pasteur, 8 9 4 - 9 1 0 . , 1 9 0 9
14
Decreto que institui na Martinica u m serviço geral de profilaxia da febre amarela,
assinado por M. Foureau, governador da Martinica, em 4 de dezembro de 1 9 0 8 , cópia,
Arquivo do Institut Pasteur, dossiê Simond.
15
Idem. Ver também o resumo da conferência feita por Simond na Escola de Aplicação
sobre "L'Épidémie de la fièvre j a u n e et les travaux de la mission Simond à la Martinique",
manuscrito sem data ( 1 9 0 9 ? ) , Arquivo do Institut Pasteur, Paris, dossiê Simond.
16
Decreto que coloca à disposição da comissão o pessoal da gendarmaria, assinado por
M. Foureau, governador da Martinica, em 5 de dezembro de 1 9 0 8 , cópia, Arquivo do
Institut Pasteur, dossiê Simond.
17
SIMOND, GRIMAUD, AUBERT & NOC. Rapport sur le fonctionnement du service de
destruction des moustiques à la Martinique, du 2 2 novembre au 2 8 février 1 9 0 9 .
Annales d'Hygiène et de Médecine Coloniale, julho-agosto-setembro 1 9 0 9 . As diferenças
entre a "caderneta" dos empregados do serviço de destruição dos m o s q u i t o s na
Martinica e os impressos utilizados pelo serviço de destruição dos mosquitos dirigido
pela Fundação Rockefeller estão na padronização destes últimos e no fato de que sua
utilização era um dever, não u m a distinção: todo empregado de u m serviço dirigido
pela Fundação Rockefeller era obrigado a apresentar u m relatório escrito de sua
atividade, e os erros verificados em seus relatórios escritos resultavam não em perda
de privilégios, mas em perda do emprego. Além disso, os registros estabelecidos pela
Fundação Rockefeller podiam ser superpostos e verificados uns em relação aos o u -
tros, e a verificação dos livros de contas era feita por justaposição de documentos de
diferentes procedências.
18
SIMOND, GRIMAUD, AUBERT & NOC. Rapport sur le fonctionnement du service de
destruction des moustiques à la Martinique, op. cit
19
SIMOND, GRIMAUD, AUBERT & NOC. Travaux d'hygiène publique et d'assainissement
proposés par la mission d'étude de la fièvre j a u n e à la Martinique. Annales d'Hygiène et
de Médecine Coloniale, jan.-fev.-mar.1910.
20
Decreto que determina as condições de funcionamento, na Martinica, da Missão de
Profilaxia da Febre Amarela, assinado pelo Sr. Foureau, governador da Martinica, em
1 de dezembro de 1 9 0 1 , cópia. Arquivo do Institut Pasteur, dossiê Simond.
21
CARTER, Η. R. Bahia. In: GORGAS, W. C. LYSTER T. C. & WRIGHTSON, W. D. The Yellow
Fever Division of Brazil: a general report, 1 9 1 7 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 6 4 .
22
HOWARD, Η. Η. The Control of Hookworm Disease by the Intensive Method. New York: The
Rockefeller Foundation, 1 9 1 9 . (IHB Publication, 8)
23
Em 1 9 2 7 , q u a n d o a Fundação Rockefeller decide fechar várias estações de luta
antilarvar, C o n n o r afirma que na maior parte das localidades onde tais estações
foram fechadas eles haviam conseguido obter índices abaixo de 2%. Connor a Janney,
3 de janeiro de 1 9 2 7 , RAC, RG 1.1 série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 5 5 .
24
CONNOR, Μ. Ε. & MONROE, W. Μ. Stegomyia indices and their value in yellow fever
control. American Journal of Tropical Medicine, 3 : 9 - 1 9 , 1 9 2 3 .
25
White a Russel, 9 de fevereiro de 1 9 1 4 , RAC, RG 5, série 1.1, caixa 8 5 , dossiê 1 2 1 2 .
26
WHITE, J . Η. General report o f the yellow fever campaign in Brazil (rascunho), 6 de
novembro de 1 9 4 2 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 3 , dossiê 1 3 8 .
27
J . Η. White, Memorandum on the principle o f yellow fever control, RAC, RG 5, série
2, caixa 2 5 , dossiê 1 5 5 .
28
Μ. Connor, Relatório sobre u m a viagem ao interior do Brasil, 15 de agosto de 1 9 2 5 ,
RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 5 , dossiê 1 5 6 .
29
Lucian Smith a Joseph White, relatório de 31 de dezembro de 1 9 2 4 sobre o trabalho
no Ceará, de 2 5 de maio de 1 9 2 4 , RAC, RG 5, série 2, caixa 2 4 , dossiê 1 4 7 .
30
Relatório do Dr. Clóvis Barbosa de Moura, diretor do Serviço de Saúde do Estado do
Ceará, de 2 5 de maio de 1 9 2 4 , RAC, RG 5, série 2 , caixa 2 4 , dossiê 1 4 7 .
31
Smith a White, 1 de novembro de 1 9 2 4 , RAC, RG 5 „ série 2 , caixa 2 4 , dossiê 1 4 4 .
32
Smith a Connor, 4 de outubro de 1 9 2 7 ; Smith a Connor, 2 4 de setembro de 1 9 2 7 ;
Smith a Connor, 6 de outubro de 1 9 2 7 , RAC, RG 5, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 5 .
33
A. W. Burke a Russel, 2 3 de março de 1 9 2 7 , RAC, RG 5, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 5 .
34
Burke a Russel, 3 de abril de 1 9 2 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 1 9 , dossiê 1 5 5 .
35
Idem.
36
Soper a Russel, 8 de fevereiro de 1 9 2 8 ; Russel a Soper, 1 de março de 1 9 2 8 , RAC, RG 5,
série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 5 8 .
37
Russel a Connor, 2 7 de janeiro de 1 9 2 8 ; Connor a Soper, 5 de novembro de 1 9 2 8 ;
Connor a Russel, 14 de novembro de 1 9 2 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 5 9 .
38
Russel a Connor, 2 1 de j u n h o de 1 9 2 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 9 , dossiê 1 5 8 .
39
Sawyer a Russel, 17 de j u n h o de 1 9 3 0 , Acoc, documento RF 3 0 . 0 6 . 1 7 / 1 .
40
Persis Putnam a Connor, 4 de janeiro de 1 9 3 0 ; Russel a Connor, 14 de janeiro de 1 9 3 0 ,
RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 6 2 .
41
Soper a Russel, 3 0 de novembro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 8 .
Soper era chamado de "o ditador" por alguns de seus colaboradores.
42
Diário de Muench em 1 9 2 9 , anotações de 17 de janeiro de 1 9 2 9 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 4 4 , dossiê 2 5 3 .
43
Entrevista de Hackett com Soper, 14 de outubro de 1 9 6 3 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa
7H, dossiê 8 6 . 1 0 2 .
44
Diário de Muench em 1 9 2 9 , anotações de 2 0 de janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
4 4 , dossiê 2 5 3 .
45
Diário de Muench em 1 9 2 9 , anotações de 2 2 de janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
4 4 , dossiê 2 5 3 .
46
Persis Putnam a Russel, 15 de outubro de 1 9 2 9 ; Connor a Russel, 19 de novembro de
1 9 2 9 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , 2 0 , dossiê 1 6 2 .
47
Vargas voltou ao poder (por eleições democráticas) entre 1 9 5 1 e 1 9 5 4 ; ele se suicida
em 2 5 de agosto de 1 9 5 4 , quando o Exército exige sua demissão acusando seu grupo
político de corrupção. Essa segunda "era Vargas" era diferente da primeira.
48
Claude Lévi-Strauss, professor na Universidade de São Paulo entre 1 9 3 5 e 1 9 3 8 ,
descreveu c o m grande refinamento a arquitetura da cidade, os c o s t u m e s de seus
habitantes e os detalhes do m i c r o c o s m o universitário, m a s não menciona nem o
regime de Vargas, nem o golpe de novembro de 1 9 3 7 que aboliu todos os vestígios da
vida democrática. Cf. LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Tropiques. Paris: Plon, 1 9 5 5 , prin-
cipalmente as páginas 1 0 6 - 1 3 2 .
49
SKIDMORE, Τ. E. Politcs in Brasil: 1930-1940 - an experiment in democracy. London, New
York: Oxford University Press, 1 9 6 7 ; LOEWENSTEIN, K. Brazil Under Vargas. New
York: MacMillan, 1 9 4 2 ; BURNS, Ε. B. Nationalism in Brazil: a historical survey. New York:
Frederic A. Preager, 1 9 6 8 ; DELFIM NETO, A. O Problema do Café no Brasil. São Paulo:
Universidade de São Paulo, 1 9 5 9 ; FURTADO, C. The Economic Growth of Brasil. Berkeley:
California University Press, 1 9 6 3 ; FAUSTO, Β. A Revolução de 1930: historiografia e
história. São Paulo: Brasiliense, 1 9 7 0 ; TRONCA, I Revolução de 30: a dominação oculta.
São Paulo: Brasiliense, 1 9 8 2 ; ROCHA LIMA, V. da (Coord.) Getúlio, uma História Oral.
Rio de Janeiro: Record, 1 9 8 0 ; SCHWARTZMANΝ, S. Bases do Autoritarismo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Campus, 1 9 8 2 ; FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1 9 9 5 .
50
SKIDMORE, Τ. E. Politics in Brazil: 1930-1940 - an experiment in democracy, op. cit;
BURNS, Ε. B. Nationalism in Brazil, op. cit
51
ROCHA LIMA, V. da (Coord.) Getúlio, uma História Oral, op. cit., p . 2 4 5 - 2 6 0 .
52
SCHWARTZMANN, S. (Org.) Estado Novo, um Auto-Retrato (Arquivo Gustavo Capanema).
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1 9 8 2 , p . 3 7 9 - 4 1 8 .
53
PICALUGA, I. F. Políticas de saúde, campanhas sanitárias e desenvolvimento capita-
lista na era Vargas, manuscrito, 1 9 7 6 , Acoc.
54
MARTINS, L. La Genèse d'une Intelligentsia: les intellectuels et la politique au Brésil, 1920-
1940. Paris: Centre des Études des Mouvements Sociaux, 1 9 8 6 ; MICELLI, S. Les Intellectuels
et le Pouvoir au Brésil. Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble; PÉCAUT, D. Entre
le Peuple et la Nation: les intellectuels et la politique au Brésil. Paris: Éditions de la MSH,
1989.
55
Discurso pronunciado por Vargas em 1 9 3 0 , citado por D. PÉCAUT, Entre le Peuple et la
Nation, op. cit., p . 5 0 - 5 1 .
56
Texto de Freyre datado de 1 9 4 1 , citado por D. PÉCAUT, Entre le Peuple et la Nation, op.
cit., p . 5 8 .
57
METALL, R. A. Política social e política sanitária. Cultura Política, 2 4 , 1 9 4 3 , citado por
Angela Maria Castro Gomes, A construção do homem novo, em LIPPI OLIVEIRA, L.;
PIMENTA VELLOSO, M. & CASTRO GOMES, A. M. Estado Novo: ideologia e poder. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1 9 8 6 , p . 1 5 1 - 1 6 6 , à página 1 5 7 .
58
A expressão foi extraída de u m texto escrito em 1 9 4 3 por Paulo Augusto de Figueiredo,
O Estado nacional e a valorização do h o m e m brasileiro. Cultura Política, 28, 1943,
citado por CASTRO GOMES, Α. Μ. O redescobrimento do Brasil, em LIPPI OUVEIRA,
L.; PIMENTA VELLOSO, M . & CASTRO GOMES, A. M. Estado Novo: ideobgia e poder, op.
cit., p . 1 0 9 - 1 5 0 , à página 1 2 5 .
59
FIGUEIREDO, P. A. de. O Estado Nacional e a ordem social futura. Cultura Política, 3 9 ,
1 9 4 4 , citado por CASTRO GOMES, Α. Μ. O redescobrimento do Brasil, op. cit., p . 1 2 4 .
60
ANDRADE, A. de. As diretrizes da nova política no Brasil. Cultura Política, 2 3 , 1 9 4 3 ,
citado por CASTRO GOMES, Α. Μ. O redescobrimento do Brasil, op. cit., p . 1 2 8 .
61
FIGUEIREDO, Ρ. A. de. O Estado Nacional e a ordem social futura. Cultura Política, 3 9 ,
1 9 4 4 , citado por CASTRO GOMES, Α. Μ. O redescobrimento do Brasil, op. cit., p . 1 3 0 -
131.
62
LIPPI OLIVEIRA, L.; PIMENTA VELLOSO, Μ . & CASTRO GOMES, A. M. Introdução. In:
Estado Novo: ideologia e poder, op. cit., p . 7 - 1 3 . Quando trabalha nos Estados Unidos, o
cientista francês Alexis Carrel propõe em 1 9 3 5 , em seu influente livro L'Homme, cet
Inconnu, a transformação das classes sociais em classes biológicas.
63
FIGUEIREDO, P. A. de. O Estado nacional e a ordem social futura. Cultura Política, 3 9 ,
1 9 4 4 , citado por CASTRO GOMES, Α. Μ. O redescobrimento do Brasil, op. cit., p . 1 3 0 -
131.
64
Entrevista de Hackett com Soper, 14 de outubro de 1 9 6 3 , RAC, RG 3 . 1 . , série 9 0 8 , caixa
7H, dossiê 8 6 . 1 0 2 .
65
Diário de Soper em 1 9 3 0 , anotações de 17 de novembro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
2 7 , dossiê 2 0 7 .
66
Carta de Soper ao ministro da Saúde brasileiro, de 2 6 de novembro de 1 9 3 0 , Acoc,
documento RF 3 0 . 1 1 . 2 6 . Soper calculou que em uma região onde ocorre u m a campa-
nha intensiva seria preciso u m inspetor do SFA para cada 1 . 0 0 0 habitantes. Após a
eliminação quase completa dos aegypti de u m a determinada região, pode-se diminuir
o número de inspetores que nela a t u a m , e enviar o pessoal excedente para outro local.
67
Diário de Soper em 1 9 3 0 , anotações de 2 7 de novembro, 15 de dezembro, RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 2 7 , dossiê 2 0 7 .
68
Memorando do embaixador dos Estados Unidos no Brasil sobre as atividades contra
a febre amarela, de 2 8 de janeiro de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 9 .
69
Diário de Soper em 1 9 3 2 , anotações de 18 de maio, 1 9 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
carta 2 8 , dossiê 2 0 8 A .
70
Diário de Soper em 1 9 3 4 , anotações de 2 5 de setembro de 1 9 3 4 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
carta 2 8 , dossiê 2 0 9 .
71
Soper a Russel, 2 6 de maio de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 0 . Soper
e Russel pareciam achar perfeitamente normal que u m texto legal inteiramente escri-
to por especialistas norte-americanos fosse ratificado praticamente sem alterações
pelo parlamento brasileiro.
72
Bruce Wilson a Russel, 2 1 de j u l h o de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 7
(em itálico no texto).
73
Wilson a Russel, 2 1 de j u l h o de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 7 .
74
Idem.
75
Diário de Doyle em 1 9 3 2 , anotações de 2 3 de fevereiro, 2 5 de fevereiro, RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 4 2 , dossiê 2 4 3 .
76
O conceito é semelhante ao de Frederick Taylor, que propôs utilizar gráficos para
tornar visível o desperdício. Cf. TAYLOR, F. W. The Principles of Scientific Management.
New York, London: Harper & Brothers Publishers, 1 9 1 3 . Ver, a respeito, MARTENS, Η.
Technological normalization: social normalization perspectives on the role o f forma-
symbolic techniques, seminário, CRTHS, 3 de dezembro de 1 9 9 6 .
77
Diário de Soper em 1 9 3 6 , anotações de 1 9 de maio de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 2 0 , dossiê 2 1 2 .
78
O princípio de quadriculagem das localidades inspecionadas e sua divisão em zonas
regularmente visitadas por u m inspetor, e depois em unidades maiores sob a vigilân-
cia de u m inspetor regional não era u m a inovação do SFA na gestão de Soper. Ele j á
havia sido defendido no relatório sobre a organização da luta contra a febre amarela
no Brasil escrito por Eduard Scanell (em 1 9 2 4 ? ) , u m dos especialistas da Fundação
Rockefeller que atuaram no Brasil no início da intervenção da IHD no país, RAC, RG 5,
série 2 , caixa 2 5 , dossiê 1 5 3 .
79
Wilson a Russel, 2 1 de j u l h o de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 7 .
80
Texto do decreto de 2 3 de maio de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 7 .
Esse decreto só foi formalmente abolido pelo decreto n. 5 6 . 7 5 9 de 2 0 de outubro de
1 9 6 5 sobre as normas técnicas da profilaxia da febre amarela. Cf. FRANCO, O. Histó-
ria da Febre Amarela no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 1 9 6 9 .
81
Em 1 9 3 1 , um dólar americano valia aproximadamente 1,6 mil-réis. O salário mensal
de u m inspetor do SFA, considerado alto segundo a tabela local, variava de 1 5 0 a 2 5 0
mil-réis. Cf. diário de Soper em 1 9 3 1 , anotações de 2 7 de novembro de 1 9 3 1 , RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 , dossiê 2 0 7 a .
82
Texto da lei de 2 3 de maio de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 7 .
83
SOPER, F. L.; WILSON, D. B.; LIMA S. & SÁ ANTUNES, W. The Organization of Permanent,
Nation-Wide anti-Aedes aegypti Measures in Brazil. New York: The Rockefeller Foundation,
1 9 4 3 , p.9.
84
SOPER, F. L. et al. The Organization of Permanent, Nation-Wide Anti-Aedes aegypti Measures,
op. cit., p.5.
85
Idem, p. 8.
86
Ibid. p. 41.
87
Ibid., p. 1 2 6 .
88
Ibid., p . 3 1 .
89
Ibid., p . 9 - 1 0 .
90
Ibid., p . 3 0 .
91
Ibid., p. 3 2 .
92
Ibid, p.3-5.
93
U m dos princípios do taylorismo, método de racionalização do trabalho (principal-
mente, m a s não exclusivamente, na fábrica), é a divisão de tarefas bem definidas,
cada u m a com tempo de duração determinado, a fim de se obter m á x i m a eficiência.
U m dos sinais mais marcantes desse método é a cronometragem das tarefas. Cf.
TAYLOR, F. W. The Principles of Scientific Management, op. cit
94
Relatório de Morgan ao Ministério da Saúde, UK, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 4 4 ,
dossiê 2 5 1 .
95
SOPER, F. L. Rehabilitation o f the eradication concept in prevention of communicable
diseases. Public Health Reports, 8 0 ( 1 0 ) : 8 5 5 - 8 6 9 , 1 9 6 5 , às páginas 8 6 0 - 8 6 1 .
96
Diário de Crawford, 1 9 2 9 - 1 9 3 0 , Acoc, documento RF 2 9 . 0 1 . 0 1 .
97
Idem.
98
Diário de Soper em 1 9 3 1 , anotações de 12 de maio de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 2 7 , dossiê 2 0 7 a .
99
Diário de Crawford em 1 9 3 2 , anotações de Π de outubro de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série
3 0 5 , caixa 2 7 , dossiê 2 0 8 b .
100
Diário de Doyle em 1 9 3 2 , anotações de 18 de janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 4 2 ,
dossiê 2 4 3 .
101
Diário de Crawford em 1 9 3 2 , anotações de 1 4 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
2 7 , dossiê 2 0 8 b .
102
SOPER, F. L. Present day methodes for the study and control o f yellow fever. American
Journal of Tropical Medicine, 1 7 : 6 5 5 - 6 7 6 , 1 9 3 7 , à página 6 7 3 .
103
Diário de Soper em 1 9 3 1 , anotações de 13 de maio, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 ,
dossiê 2 0 7 a .
104
Diário de Soper em 1 9 3 1 , anotações de 8 de março, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 ,
dossiê 2 0 8 .
105
Diário de Soper em 1 9 3 1 , anotações de 13 de maio, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 ,
dossiê 2 0 8 .
106
Diário de Rickard em 1 9 3 0 , anotações de 16 de julho, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 5 0 ,
dossiê 2 6 5 .
107
Diário de Soper em 1 9 3 1 , anotações de 2 4 de abril, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 8 ,
dossiê 2 0 8 a . A adição de petróleo à água potável foi vista como u m a medida particu-
larmente penosa nas regiões atingidas pela seca.
108
As noções de "controle c o m populações" e "controle sem populações" - ou seja, no
primeiro caso, u m controle que implica a participação das populações locais e, no
segundo, medidas (como o saneamento da água potável ou a secagem dos pântanos)
que se fazem independentemente delas - foram propostas por Michael Worboys em
s u a c o m u n i c a ç ã o i n t i t u l a d a " C o l o n i a l m e d i c i n e and t r o p i c a l i m p e r i a l i s m : a
c o m p a r a t i v e perspective", apresentada à conferência sobre medicina tropical em
Amsterdã em setembro de 1 9 8 9 . Soper tomou para si o dever de reduzir as despesas
do SFA: em janeiro de 1 9 3 1 , ele propõe que "ao invés de termos inspetores-substitu¬
tos, seria melhor termos 5 aprendizes obrigados a trabalhar todos os dias, e que
podem receber o menor pagamento possível, o que é j u s t o , dada a recessão financeira
mundial", diário de Soper em 1 9 3 1 , anotações de 15 de janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 2 7 , dossiê 2 0 7 a . A recessão econômica atingiu duramente o Brasil em razão da
queda do preço do café.
109
Soper a Russel, 1 4 de maio de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 0 .
110
Soper a Sawyer, 7 de j u n h o de 1 9 3 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 2 , dossiê 1 7 1 .
111
Entrevista de Hackett com Soper, 14 de outubro de 1 9 6 3 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa
7H, dossiê 8 6 . 1 0 2 . A última frase é de um responsável brasileiro pelo SFA.
112
Entrevista de Hackett com Soper, 14 de outubro de 1 9 6 3 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa
7H, dossiê 8 6 . 1 0 2 .
113
Relatório enviado por R. J . Clarke, da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janei-
ro, ao Departamento de Estado, em 2 3 de novembro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 ,
dossiê 1 7 0 .
114
Diário de Doyle em 1 9 3 2 , anotações de 2 5 de fevereiro de 1 9 3 2 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 4 2 , dossiê 2 4 3 .
115
Diário de Rickard em 1 9 3 2 , anotações de 2 6 de outubro, 2 8 de outubro, RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 5 0 , dossiê 2 6 5 . O inspetor morto era pai de cinco filhos; o Serviço da
Febre Amarela comprometeu-se a pagar a sua viúva, que estava grávida, dois meses
de salário.
116
Diário de Wilson em 1 9 3 7 , anotações de 8 de janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 ,
dossiê 2 1 3 .
117
Diário de Crawford, 1 9 3 7 - 1 9 3 8 , anotações de 2 8 de j u l h o de 1 9 3 8 , Acoc, documento
RF 3 7 . 0 1 . 0 8 .
118
Soper a Russel, 18 de j u l h o de 1 9 3 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 1 . Soper
a Russel, 2 0 de agosto de 1 9 3 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 2 .
119
Entrevista de Hackett com Soper, 14 de outubro de 1 9 6 3 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa
7H, dossiê 8 6 . 1 0 2 .
120
Soper a Russel, 18 de j u l h o de 1 9 3 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 1 .
121
Soper a Russel, 18 de j u l h o de 1 9 3 3 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 2 . De
fato, o projeto de orçamento do SFA para 1 9 3 4 feito por Soper previa u m a redução de
aproximadamente 16% das despesas do serviço.
122
Soper a Russel, 2 5 de janeiro de 1 9 3 5 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 5 .
123
Entrevista de Hackett com Soper, 1 4 de outubro de 1 9 6 3 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa
7H, dossiê 8 6 . 1 0 2 .
124
RIBEIRO, L. (Coord.) Brazilian Medical Contributions (livro preparado para a Exposição
Universal de 1 9 3 9 ) . Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1 9 3 9 , p . 9 8 .
125
Carta de Gustavo Capanema ao presidente Vargas, publicada no Diário Oficial em 2 5
de janeiro de 1 9 4 0 . Reproduzida em u m a carta de Soper a Sawyer de 9 de fevereiro de
1 9 4 0 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 4 , dossiê 1 8 9 .
126
A cifra de 2 . 1 5 6 . 2 8 0 . 8 1 3 visitas a casas não é, provavelmente, empregada para i m -
pressionar por sua amplitude (a menção a "mais de dois milhões" teria sido igual-
mente apropriada) ou precisão, mas para m o s t r a r que não apenas as casas foram
visitadas, mas cada inspeção deixou u m registro escrito e se integrou a u m a visão de
conjunto. A ênfase é dada, portanto, à eficiência do controle.
127
SCHWARTZMANN, S. (Org.) Estado Novo, um Auto-Retrato. Brasília: Editora Universi-
dade de Brasília, 1 9 8 2 , p . 4 0 5 - 4 0 7 . O livro é u m a edição de u m manuscrito datado de
1 9 4 3 , que não foi publicado.
128
Entrevista de Amílcar Tavares da Silva realizada em 1 9 8 7 , n o âmbito do projeto
"Memória de Manguinhos", dirigido por Nara Britto e Wanda Hamilton, Acoc. Nos
anos 1 9 5 0 , Tavares da Silva tornou-se u m dos principais administradores do Institu-
to Oswaldo Cruz. Após o golpe de Estado militar de 1 9 6 4 , Tavares orquestrou a
expulsão que afastou os pesquisadores do instituto suspeitos de simpatias esquerdis-
tas. Isolado do instituto após a redemocratização, ele foi acolhido pelo Exército e
terminou sua carreira c o m o professor na Escola de Guerra.
129
Entrevista de José Fonseca da Cunha realizada em 1 9 8 7 , no âmbito do projeto "Me-
mória de Manguinhos", Acoc.
130
SERA, J . C. Tradicional Medicine in Southern Bahia: illness and umbanda, 1 9 9 3 . MSc
Thesis, FuIIerton: State University o f California; CAMPOS, Ε. Medicina Popular do
Nordeste. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1 9 6 7 ; LOYOLA, Μ. A. L'Esprit et le Corps:
des thérapeutiques populaires dans la banlieue de Rio. Paris: Éditions de la MSH, 1 9 8 3 .
131
LOYOLA, M. A. UEspnt et le Corps, op. cit., p. 1 4 6 - 1 4 7 .
132
SCHEPER-HUGHES, N. Death without Weeping: the violence of everyday life in Brazil.
Berkeley: California University Press, 1 9 9 2 , p . 2 1 6 - 3 6 7 . Tradução francesa de trechos
nas Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 1 0 3 : 6 4 - 8 0 , 1 9 9 4 . Scheper-Hughes fala
principalmente, mas não exclusivamente, das vítimas da violência; u m a doença, e
especialmente u m a doença aguda o u que provoque a morte de u m a criança ou de u m
jovem, também pode ser sentida c o m o u m a forma de violência.
133
SCHEPER-HUGHES, N. Death without Weeping..., op. cit., p . 2 5 4 - 2 5 6 .
134
CHAUÍ, M . Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Moder-
na, 1 9 8 1 , p . 4 4 . Ver também LINGER, D. Τ Dangerous Encombers: meaning of violence in a
Brazilian city. Stanford: Stanford University Press, 1 9 9 2 .
135
MURSE, R. M . (Ed.) The Bandeirantes: the historical role of the Brazilian pathfinders. New
York: A. Knopl, 1 9 6 5 , especialmente as páginas 3 3 - 3 4 .
136
CHAUÍ, Μ. Conformismo e Resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1 9 8 6 , p . 4 7 - 6 2 . A análise da sociedade brasileira c o m o sociedade liberal
baseada no escravismo é de Roberto Schwartz em Misplaced Ideas: essays on Brazilian
culture. London: Verso, 1 9 9 2 .
137
FRANCO, O. História da Febre Amarela no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde,
1 9 6 9 , p . 1 5 0 - 1 5 1 . Em 1 9 5 3 , o SNFA foi integrado ao Departamento Nacional de
Endemias Rurais (DNER).
138
FRANCO, O. História da Febre Amarela no Brasil, op. cit., p . 1 4 3 - 1 4 6 .
139
Arquivo do Serviço da Febre Amarela, anos 1 9 4 0 - 1 9 5 0 , Acoc. Trata-se de arquivos
m u i t o incompletos, o que limita o alcance da generalização feita a partir de tais
documentos.
140
Cf. o relatório do Dr. Eduardo Corta sobre o caso de Maria Helena Martins, morta em
Patrocínio, Minas Gerais, de 2 1 de abril de 1 9 5 4 ; e o do Dr. Luis Pereira Tavares Lessa
sobre Cenelita Terezinha Costa, m o r t a aos dois anos em Esmeraldas, Minas Gerais,
Acoc, dossiês do Serviço da Febre Amarela.
141
Hélbio Fernandes Moraes (Coord.) Sucam, sua Origem, sua História. Brasília: Ministério
da Saúde, 1 9 8 8 , vol. II, p . 2 3 - 7 6 .
142
Idem, p . 5 2 - 5 5 .
143
Ibid., p . 4 5 - 4 7 .
144
Ibid., p . 2 2 - 2 5 .
145
Ibid., p . 3 9 .
146
Ibid., p.24-25.
147
Ibid., p . 2 7 - 3 1 .
148
A representação do Brasil como um vasto país povoado por mosquitos é de Richard
Μ . Packard e Paulo Gadelha em A land filled with mosquitoes: Fred L. Soper, the
Rockefeller Foundation and the Anopheles gambiae invasion in Brazil. Parassitologia,
36:197-213, 1993.
149
Relatório da IHD para 1 9 3 3 , Acoc, documento RF 3 3 . 0 4 . 1 1 .
150
Apresentação de Soper à Conferência Sanitária Pan-Americana, Buenos Aires, n o -
vembro de 1 9 3 4 , Acoc, documento RF 3 4 . 1 1 . 0 0 .
151
Entrevista de Hackett com Soper, 1 7 - 1 8 de fevereiro de 1 9 5 1 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 ,
caixa 1, dossiê 8 6 - 9 8 .
152
Entrevista de Hackett com Soper, 1 7 - 1 8 de fevereiro de 1 9 5 1 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 ,
caixa 1, dossiê 8 6 - 9 8 .
153
Diário de Soper de 1 9 3 2 , anotações de 8 de fevereiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 7 ,
dossiê 2 0 8 .
154
SOPER, F. L. Recent extension o f knowledge on yellow fever, comunicação à Conferência
Pan-Africana de Saúde, Johannesburg, 2 0 - 3 0 de novembro de 1935, publicada em Quaterly
Bulletin of the Health Organization of the Ligue of Nations, vol. V, 1 9 3 6 .
155
F. L. Soper, Relatório sobre o trabalho relacionado à febre amarela no Brasil, 1 9 3 9 , Acoc,
documento Fundação Rockefeller, 4 0 . 0 2 . 0 7 .
156
Relatório sobre a febre amarela em 1 9 4 0 , Acoc, documento Fundação Rockefeller, 4 0 . 0 2 . 0 3 .
157
Soper a Fosdick, 9 de janeiro de 1 9 4 1 , Acoc, documento Fundação Rockefeller, 4 1 . 0 1 . 0 9 .
158
SOPER F. L. & WILSON, B . Anopheles gambiae in Brazil, 1930-1940. New York: The
Rockefeller Foundation, 1 9 4 3 ; CUETO, M . Cycles o f eradication: the Rockefeller
Foundation and Latin American public health. In: WEINDLING, P. (Ed.) International
Health Organizations and Movements, 1918-1939. Cambridge: Cambridge University
Press, 1 9 9 5 , p . 2 2 2 - 2 4 3 .
159
GÓES DE PAULA, S.; ALVES, A. M . & PINTO, L. Relatório parcial de pesquisa "A
campanha do Anopheles gambiae no Brasil". Cadernos de Saúde Pública, 1 ( 1 ) : 7 4 - 1 1 1 ,
1985.
160
PACKARD, R. M. & GADELHA, P. A land filled with mosquitoes, op. cit.
161
SOPER, F. L. & WILSON, B. Anopheles gambiae in Brazil, 1930-1940, op. cit
162
VAN ROYEN, C. E. & RHODES, A. J . Virus Diseases of Man. New York: Thomas Nelson
and Sons, 1 9 4 8 , p . 4 5 9 .
163
Robert S. Desowitz resume em seu livro New Guinea Tapeworms and Jewish Grandmothers:
tales of parasites and people (New York, London: W. W. Norton & Company, 1 9 8 1 ) os
numerosos desastres epidemiológicos e ambientais provocados por campanhas sani-
tárias bem intencionadas, organizadas por especialistas ocidentais que negligencia-
ram o estudo dos costumes das populações que eles tentaram ajudar.
164
Soper a Fosdick, 9 de janeiro de 1 9 4 1 , Acoc, documento Fundação Rockefeller, 4 1 . 0 1 . 0 9 .
165
SOPER, F. L. Rehabilitation o f the eradication concept in prevention o f communicable
disease, op. cit; SOPER, F. L. Ventures in World Health (ed. J o h n Duffy). Washington DC:
Paho (WHO), 1 9 7 7 .
166
SOPER, F. L. & WILSON, D. B. Species eradication: a pratica goal o f species reduction
in the control o f mosquito-born disease. Journal of the National Malaria Disease, 1:5-
2 4 , 1 9 4 2 . Soper foi u m dos responsáveis pela introdução da primeira c a m p a n h a
mundial de erradicação da malária; SIDDIQUI, J . World Health and World Politics: the
World Health Organization and the UN Systems. London: Hurst & Company, 1 9 9 5 ,
p.123-191.
167
MURRAY, M. Doctors to the World. New York: The Viking Press, 1 9 5 8 , p . 1 0 3 .
168
SOPER, F. L. Tuberculosis eradication. American Journal of Public Health, 52:734-745,
1962.
169
SOPER, F. L. Ventures in World Health, op. cit., p . 3 5 7 .
170
Ο CDC estivera envolvido anteriormente em uma campanha de erradicação da malá-
ria no sul dos Estados Unidos que utilizou o DDT, o que contribuiu para estabelecê-
lo c o m o agência central de controle das doenças transmissíveis. HUMPHREYS, Μ .
Kicking a dying dog: DDT and the demise o f malaria in the American South, 1 9 4 2 -
1 9 5 0 . Isis, 8 7 : 1 - 1 7 , 1 9 9 6
171
SOPER, F. L. Ventures in World Health, op. cit., p . 3 5 1 - 3 5 3 .
172
Nos anos 1 9 8 0 , o relaxamento das medidas de saúde pública em alguns países da
América Latina (especialmente c o m a deterioração da situação econômica) também
desempenhou, provavelmente, u m papel nessa reinfestação pelos aegypti. Cf. Debate:
dengue no Brasil. Manguinhos, 6 ( 1 ) : 1 7 3 - 2 1 5 , 1 9 9 8 .
173
SOPER, F. L. Ventures in World Health, op. cit., p . 3 5 3 .
174
SOPER, F. L. The elephant never forgets. American Journal of Tropical Medicine, 1:361-
3 6 8 , 1 9 5 2 , p.367.
175
SOPER, F. L. Ventures in World Health, op. cit., p.357.
176
SOPER, F. L. Ventures in World Health, op. cit., p . 3 5 5 .
177
A suposição de Soper segundo a qual o aegypti infestou o Brasil a partir da América do
Norte é partilhada por Donald Cooper e Kennet Kipple, autor do artigo "Yellow fever",
publicado em KIPPLE, Κ. F. (Ed.) The Cambridge History of Human Disease. Cambridge:
Cambridge University Press, 1 9 9 3 , p . 1 . 1 0 3 - 1 . 1 0 6 , p . 1 . 1 0 6 .
Ciência e Risco: o desenvolvimentodavacina
contra afebreamarela

As Primeiras Vacinas contra o Vírus da Febre Amarela


O d e s e n v o l v i m e n t o de u m a v a c i n a eficaz c o n t r a a febre a m a r e l a
a c o m p a n h o u de m u i t o p e r t o o dos m o d e l o s a n i m a i s desta d o e n ç a . É a
Adrian Stokes, J o h a n n e s Bauer e Paul Hudson que se deve atribuir o primei-
ro artigo que descreveu a infecção do Macacus rhesus, publicado ao fim de
1
pesquisas realizadas e m 1 9 2 7 . Não se tratava, em 1 9 2 8 , de t ã o - s o m e n t e
isolar o a g e n t e de u m a d o e n ç a infecciosa e depois, c o m o c o n s e q ü ê n c i a
quase a u t o m á t i c a , elaborar u m a v a c i n a , c o m o fizeram os pesquisadores
que descreveram "o bacilo da febre amarela" (Freire, Sanarelli o u Noguchi)
e depois a p r e s e n t a r a m os dados sobre a eficiência de "sua" v a c i n a c o m o
u m a prova da descoberta do agente causal da febre amarela. O m o m e n t o
era grave: u m a série de infecções contraídas em laboratório ( 3 2 ao todo)
c u s t a r a a vida de cinco cientistas que t r a b a l h a v a m nessa área, a c o m e ç a r
2
por Adrian Stokes e Hideo N o g u c h i . A elaboração de u m modelo a n i m a l
da febre amarela, a o abrir a p o r t a para investigações de m a i o r peso, a u -
m e n t o u fortemente o perigo potencial, a p o n t o de provocar a paralisação
total dos trabalhos. Era, portanto, indispensável encontrar u m meio efici-
ente de proteger a vida dos pesquisadores que estudavam a febre amarela
e m laboratório.
As primeiras vacinas foram preparadas a partir de u m vírus m o r t o ,
técnica r e l a t i v a m e n t e m a i s simples e, sobretudo, m e n o s perigosa. Hindle
em Londres (The Wellcome B u r e a u o f Scientific Research), A r a g ã o n o Rio
de Janeiro (Instituto Oswaldo Cruz), Pettit e Stefanopoulo em Paris (Institut
Pasteur) t e n t a r a m i m u n i z a r o m a c a c o c o m a ajuda de u m a e m u l s ã o de
fígado infectado, n a qual o v í r u s havia sido desativado p o r meio de u m
t r a t a m e n t o q u í m i c o à base de formaldeídos, de fenol-glicerina o u de clo¬
3
r o f ó r m i o . As primeiras publicações sobre o a s s u n t o deram notícia de re-
sultados a n i m a d o r e s . Hindle relata, a s s i m , a sobrevivência, e a ausência
de sinais de infecção, de cinco dos seis m a c a c o s previamente imunizados
por u m vírus m o r t o , posteriormente infectados por u m a dose letal de s u s -
pensão de fígado o r i g i n á r i o de u m m a c a c o atingido - ao passo que as
quatro cobaias não imunizadas não sobreviveram à m e s m a dose de m a t e -
rial infectado. Hindle a c r e s c e n t a que, para se certificar da a u s ê n c i a de
"viés experimentador" (desvio inconsciente do procedimento experimental
que favorece os resultados esperados), as injeções de material c o n t a m i n a -
do f o r a m feitas por u m p e s q u i s a d o r que n ã o sabia quais dos m a c a c o s
estavam imunizados. Este cuidado, na época pouco freqüente nos artigos
que descreviam as primeiras etapas de preparação de u m a vacina, talvez
revele a intensidade das esperanças - e a a m p l i t u d e dos t e m o r e s - dos
pesquisadores em busca de u m a proteção contra a febre amarela. A despei-
to do caráter promissor dos resultados iniciais, essas pesquisas foram a b a n -
donadas q u a n d o investigações mais detalhadas revelaram a insuficiência
do poder imunizador das preparações à base de vírus inativado. Os resul-
tados obtidos m o s t r a r a m - s e difíceis de reproduzir: as m e s m a s condições
de desativação produziram, por vezes, u m vírus desativado demais para
a s s e g u r a r u m a proteção adequada, o u insuficientemente desativado, que
induzia a doença, e ocasionalmente u m vírus que proporcionava u m a boa
4
proteção sem efeitos colaterais g r a v e s .
A vacina desativada de Aragão foi a única a ser testada no h o m e m .
Ela foi administrada durante a epidemia de febre amarela ocorrida no Rio
de J a n e i r o ( 1 9 2 8 - 1 9 2 9 ) . Os r e p r e s e n t a n t e s da F u n d a ç ã o Rockefeller na
cidade m o s t r a r a m - s e céticos q u a n t o ao v a l o r dessa v a c i n a ç ã o : em 1 9 2 9
eles observaram que, segundo os especialistas, apenas u m vírus vivo podia
5
ter poder i m u n i z a d o r . Mais tarde, a c r e s c e n t a r a m que 1 5 casos de febre
amarela haviam sido observados entre as pessoas vacinadas, o que confir-
6
m a v a a ineficácia da v a c i n a . O cientista brasileiro Carlos C h a g a s m o s -
trou-se mais ponderado em 1 9 3 1 , quando qualificou tais resultados c o m o
"irregulares"; mais de 2 5 . 0 0 0 pessoas foram vacinadas, sem que se possa
apresentar u m a prova convincente da proteção induzida:

Inicialmente, os resultados foram animadores, mas depois que [a


vacina] foi empregada em uma escala maior, verificou-se que sua ação
era u m pouco irregular. Em vários lugares, verificou-se bom êxito em
pessoas vacinadas; em outros, houve insucessos. Parece que a dose
3
empregada no homem (2 cm ) foi, de certa forma, insuficiente. Do mes-
7
mo modo, observaram-se insucessos semelhantes em macacos.
E m 1 9 3 0 , M a x Theiler a d a p t a o v í r u s da febre a m a r e l a a o c r e s c i -
m e n t o n o cérebro do c a m u n d o n g o . Ele utilizou u m a cepa m u i t o virulenta
do vírus isolado n o Senegal em 1 9 2 7 por pesquisadores ligados ao Institu-
8
to Pasteur de Dacar, Sellards (da Harvard Medicai School), M a t h i s e Laigret.
Theiler observou que ao fim de várias passagens sucessivas n o cérebro do
c a m u n d o n g o , o vírus da febre amarela se torna neurotrópico (ou seja, de-
senvolve u m a afinidade c o m o tecido nervoso), e ao m e s m o t e m p o perde
suas características viscerotrópicas (afinidade c o m os órgãos internos, c o m o
o fígado, que induz o s s i n t o m a s da doença); ele se torna, por isso, m u i t o
menos perigoso para o h o m e m . Theiler relata t a m b é m que os c a m u n d o n -
gos nos quais o vírus neurotrópico foi injetado por qualquer o u t r a via que
n ã o a injeção intracerebral (meio tradicional de lhes inocular a febre a m a -
rela) não adoecem, e resistem a u m a segunda injeção do vírus n o cérebro.
Essa o b s e r v a ç ã o a b r i u c a m i n h o p a r a o d e s e n v o l v i m e n t o de u m a v a c i n a
9
viva c o n t r a a febre a m a r e l a .
A primeira v a c i n a administrada e m h u m a n o s foi desenvolvida p o r
S a w y e r , Kitchen e Lloyd, do l a b o r a t ó r i o c e n t r a l da I n t e r n a t i o n a l Health
Division (IHD) da Fundação Rockefeller, em Nova York. Foi produzida a par-
tir de u m a variante neurotrópica do vírus da febre a m a r e l a adaptado por
Theiler, e injetada c o m u m soro imune h u m a n o contra a febre amarela o b -
tido a partir de pacientes que h a v i a m sobrevivido a u m ataque recente da
10
doença. Os especialistas da Fundação Rockefeller e s t i m a r a m que a adição
do soro imune h u m a n o - que impede o vírus de se fixar nos tecidos e torna,
portanto, m u i t o pouco provável u m a doença experimental - era indispensá-
vel, pois a cepa neurotrópica do vírus da febre amarela não era totalmente
desprovida de nocividade. De fato, ela havia induzido f e n ô m e n o s p a t o l ó -
gicos n o m a c a c o , e três pessoas a c i d e n t a l m e n t e c o n t a m i n a d a s p o r essa
11
cepa h a v i a m desenvolvido s i n t o m a s leves de febre a m a r e l a . Os especia-
listas da Fundação Rockefeller t e m i a m que o vírus neurotrópico utilizado
isoladamente só induzisse c a s o s m a i s sérios. C o m o as experiências feitas
e m m a c a c o s h a v i a m m o s t r a d o que aqueles em que h a v i a m sido injetados
s i m u l t a n e a m e n t e o v í r u s da febre a m a r e l a e u m s o r o h i p e r i m u n e (soro
i m u n e contendo u m a forte concentração de anticorpos específicos) desen-
v o l v i a m u m a p r o t e ç ã o ativa e d u r a d o u r a - que n ã o podia ser atribuída
unicamente à transferência passiva de anticorpos contra a febre amarela - ,
12
a adição de soro podia tranqüilizar os especialistas.
S a w y e r e seus colegas fizeram experimentos e m m a c a c o s por m u i t o
tempo, determinando as melhores dosagens de vírus e de soro, e as condi-
ções ó t i m a s de conservação da vacina, antes de realizar os primeiros testes
e m h u m a n o s , n a p r i m a v e r a de 1 9 3 1 . O s o r o h i p e r i m u n e foi colhido de
convalescentes de u m ataque de febre amarela. Foi o primeiro a ser a d m i -
nistrado, e à sua injeção seguiu-se imediatamente a da suspensão da cepa
13
n e u r o t r ó p i c a do v í r u s . O primeiro vacinado, Bruce W i l s o n ( m e m b r o da
Fundação Rockefeller, que m a i s tarde exibiu o r g u l h o s a m e n t e seu certifica-
do de vacinação nº 1 ) , foi hospitalizado n o serviço de isolamento do hospi-
tal do Instituto Rockefeller, cujo c a m p u s abriga o laboratório da febre a m a -
rela. Apesar de ele ter apresentado u m a reação local ao tecido cerebral de
c a m u n d o n g o (fonte do vírus da febre amarela), n e n h u m a complicação mais
séria foi observada. Os voluntários seguintes, todos pesquisadores o u téc-
nicos do laboratório da IHD, prosseguiram seu trabalho de laboratório após
14
a imunização. O teste de proteção do c a m u n d o n g o m o s t r o u o a u m e n t o
gradual da t a x a de anticorpos nas pessoas vacinadas, prova de imunidade
ativa, e a diminuição do n ú m e r o de glóbulos b r a n c o s em seu s a n g u e a l -
g u n s dias depois da vacinação (fenômeno que não foi observado e m pesso-
as i m u n i z a d a s c o n t r a a febre a m a r e l a p o r u m a t a q u e da d o e n ç a e e m
q u e m a m e s m a v a c i n a foi injetada), interpretada c o m o sinal da multipli-
c a ç ã o do v í r u s , c o m as infecções m u i t a s vezes induzindo tal queda. Os
especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller c o n s t a t a r a m c o m satisfação que os
testes sanguíneos efetuados não h a v i a m detectado a presença do vírus nos
v o l u n t á r i o s i m u n i z a d o s , presença que a potencial aptidão dos m o s q u i t o s
aegypti a transmitir o vírus modificado fazia temer, e que tal transferência
podia, e m determinado prazo, originar u m a n o v a cepa virulenta de febre
15
amarela. Esse t e m o r era partilhado por o u t r o s pesquisadores que t r a b a -
16
l h a v a m nessa á r e a .

A partir de 1 9 3 1 , a vacina desenvolvida por Sawyer, Kitchen e Lloyd


foi administrada a todos os pesquisadores que estudavam o vírus da febre
amarela. A epidemia n o laboratório foi eliminada, e n e n h u m caso n o v o foi
registrado depois daquele a n o . Entretanto, a importante quantidade de soro
3
necessário ( 0 , 3 c m de soro por k g de peso da pessoa vacinada) l i m i t o u
seriamente o emprego dessa vacina fora do quadro restrito do laboratório
de pesquisas. Para remediar isso, os pesquisadores t e n t a r a m s u b s t i t u i r o
soro h u m a n o - retirado dos convalescentes - por u m soro hiperimune de
o r i g e m a n i m a l . Diversas tentativas f o r a m feitas pelos doutores Hughes e
Lloyd, do laboratório central da febre amarela da IHD em Nova York, pelo
Dr. Stefanopoulo, do Institut Pasteur em Paris (pesquisas subvencionadas
pela F u n d a ç ã o R o c k e f e l l e r ) , pelo Dr. Findlay, do W e l l c o m e B u r e a u o f
Scientific Research e m Londres, e pelo Dr. A r a g ã o , do I n s t i t u t o O s w a l d o
17
Cruz n o Rio de J a n e i r o . Paralelamente, pesquisadores do laboratório cen-
tral da febre a m a r e l a da IHD especializados e m pesquisas v i r o l ó g i c a s de
p o n t a t e n t a r a m produzir u m a cepa de vírus i m u n i z a n t e m a i s a t e n u a d a ,
que pudesse ser administrada sem soro protetor. Inicialmente, eles modifi-
c a r a m a cepa africana Asibi, virulenta, por m e i o de várias passagens em
c u l t u r a de tecido, p a r a o b t e r ( e m 1 9 3 5 ) a cepa 1 7 E . E s t a cepa, m e n o s
virulenta do que o vírus neurotrópico utilizado na vacina de S a w y e r e seus
colegas, s u b s t i t u i u este ú l t i m o , apesar de n ã o ter sido considerada s u -
ficientemente segura para ser usada sem a proteção s u p l e m e n t a r de u m
18
soro i m u n e . Será preciso esperar a nova cepa de vírus da febre amarela
desenvolvida e m seu l a b o r a t ó r i o e m 1 9 3 7 - o 1 7 D - , s u f i c i e n t e m e n t e
atenuada para permitir vacinações sem soro i m u n e .
A l g u n s pesquisadores consideram, antes m e s m o do desenvolvimen-
to do 1 7 D , que a cepa neurotrópica do vírus da febre amarela desenvolvida
em 1 9 3 1 não apresentava riscos para o h o m e m e que a injeção combinada
de soro podia ser abandonada. Pesquisadores que t r a b a l h a v a m n o Institu-
to Pasteur da Tunísia, Laigret e Sellards, desenvolveram, assim, u m m é t o -
do de v a c i n a ç ã o a partir u n i c a m e n t e do vírus. A partir de 1 9 3 2 , Laigret
testou sua vacina na África Ocidental Francesa (AOF), c o m o aval do dire-
t o r do I n s t i t u t o Pasteur de T ú n i s , Charles Nicolle. Os pesquisadores do
Instituto Pasteur de Paris, Pettit e Stefanopoulo, adotaram, por sua vez, o
método desenvolvido por Sawyer, Kitchen e Lloyd, aplicado n o serviço de
v a c i n a ç ã o do I n s t i t u t o Pasteur de Paris pelo Dr. Pierre M o l l a r e t . Os dois
grupos de pasteurianos se c o n f r o n t a r a m , u m criticando o método empre-
gado pelo outro. Seu conflito pode se inscrever no quadro das tensões exis-
tentes entre os Institutos Pasteur de U l t r a - M a r e o da metrópole. Também
está, p r o v a v e l m e n t e , ligado à n a t u r e z a das relações q u e Charles Nicole
(pasteuriano eminente, dotado de forte personalidade, laureado c o m o prê-
m i o Nobel por sua descrição do papel dos piolhos na t r a n s m i s s ã o do tifo)
19
m a n t i n h a c o m a direção do Instituto Pasteur de Paris.

Os trabalhos de Sellards e de Laigret tiveram c o m o ponto de partida


as pesquisas de M a x Theiler sobre a adaptação do vírus da febre amarela
20
ao crescimento no cérebro do c a m u n d o n g o . O vírus, tornado neurotrópico,
era e m seguida a t e n u a d o pelo envelhecimento dos cérebros dos c a m u n -
dongos infectados expostos ao ar, método pasteuriano por excelência, pois
havia sido utilizado pela primeira vez por Louis Pasteur n a preparação de
21
u m a vacina anti-rábica a partir da medula espinhal de coelhos infectados.
Ao fim da exposição ao ar, operação cuja duração variava em função do
g r a u de atenuação desejado, os cérebros macerados eram liofilizados (ou
seja, secados a vácuo, procedimento que m a n t é m o vírus intacto), e então
considerados prontos para o uso em c a m p o . Para Laigret, as chances de o
vírus adaptado a o c a m u n d o n g o v o l t a r ao estado inicial e r a m m u i t o p e -
quenas, o u m e s m o nulas: "É provável que j a m a i s o b t e n h a m o s por qual¬
quer artifício a volta exata do vírus a seu estado anterior, o de u m vírus
n o r m a l . Além disso, deve-se temer ainda m e n o s que ele atue retroativa-
22
mente". M a s a injeção do vírus neurotrópico podia t a m b é m induzir efei-
tos indesejáveis. Sete indivíduos nos quais se injetou por engano u m a dose
m u i t o mais alta de vírus tiveram febre - ocorrida após u m a incubação de
6 a 1 5 dias - de a l b u m i n u r i a (presença de p r o t e í n a na u r i n a , sinal de
disfunção renal) e, "excepcionalmente, icterícia e hemorragias". O sucesso
da vacinação antiamarílica baseava-se, segundo Laigret, na dosagem ade-
quada do vírus injetado. Convinha, portanto, encontrar u m a "dose vacinai
m í n i m a " capaz de induzir o s u r g i m e n t o de anticorpos protetores no s a n -
gue sem provocar efeitos colaterais. Para fazer isso, Laigret define, inicial-
mente, u m a "unidade c a m u n d o n g o " - quantidade de vírus capaz de infectar
u m c a m u n d o n g o e determinada por diluições sucessivas do tecido cerebral
infectado. Verificou-se que essa unidade protegia a metade dos indivíduos
tratados; para u m décimo de "unidade camundongo", u m quarto dos i m u -
nizados; para dez vezes esta dose, todos os indivíduos imunizados, s e m -
pre sem efeitos colaterais visíveis: ela corresponde, portanto, à "dose vacinai
2 3
mínima". As reações indesejáveis à v a c i n a dependiam u n i c a m e n t e , s e -
gundo Laigret, da quantidade de vírus injetado, quantidade impossível de
avaliar na vacina desenvolvida por S a w y e r e seus colegas:

O fato de injetar simultaneamente ao vírus um soro antiamarílico


não diminui em nada o risco. Quer se inocule apenas o vírus, quer se
inocule uma mistura de vírus e soro, o único elemento que conta é a
quantidade de vírus livre e ativo que entra em jogo para solicitar a
defesa do organismo. Na operação da 'sorovacinação', subtrai-se uma
parte do vírus, mas o resultado dessa subtração nem sempre é bem
24
avaliado.

O único modo seguro de saber o conteúdo de u m a vacina de vírus ativo é


titular a vacina por meio de diluições sucessivas da preparação vacinai n o
cérebro do c a m u n d o n g o .
A vacinação segundo o procedimento de Laigret seguiu fielmente o
método desenvolvido por Louis Pasteur para a v a c i n a ç ã o c o n t r a a raiva.
Ela foi obtida em três tempos, separados por intervalos de 2 0 dias, utili-
zando-se s u c e s s i v a m e n t e três níveis de a t e n u a ç ã o : o "cérebro de q u a t r o
dias" (preparação atenuada pelo envelhecimento por q u a t r o dias do cére-
bro do c a m u n d o n g o ) , depois o "cérebro de dez dias", e finalmente o "cére-
bro de u m dia", fortemente virulento para o animal. Laigret estava consci-
ente de que as três injeções sobrecarregavam o procedimento e c o m p l i c a -
v a m sua a p l i c a ç ã o em c a m p o , m a s d u r a n t e os p r i m e i r o s testes de sua
25
vacina ele decidiu se restringir ao procedimento i n i c i a l .
Essa v a c i n a foi testada em 1 9 3 5 na África Ocidental F r a n c e s a -
Senegal, Guiné, Costa do Marfim, Sudão e Nigéria. Entre 1 0 de j u n h o e 15
26
de agosto, Laigret vacinou 3 . 1 9 6 voluntários, todos de raça b r a n c a . Um
terço dos vacinados de j u l h o tiveram u m a reação febril após a primeira
injeção: "As pessoas cansadas após u m a longa temporada na colônia, as
pessoas estafadas e os que t i n h a m deficiências hepáticas e renais apresen-
t a r a m r e g u l a r m e n t e tal reação. As mulheres não f o r a m atingidas". Dois
acidentes graves pós-vacinais foram observados nessa série: u m a pessoa
teve meningite, o u t r a dores musculares graves, delírio e paralisia tempo-
rária; Laigret e seus colegas relataram que, afinal, as duas pessoas fica-
ram curadas e sem seqüelas. Os testes de proteção do c a m u n d o n g o indica-
r a m que 7 0 % dos vacinados h a v i a m desenvolvido imunidade suficiente a
partir da primeira injeção; Laigret recomendou, entretanto, três injeções de
vacina para se obter u m resultado seguro. Seu relatório desse primeiro
teste em campo termina c o m a seguinte constatação: "As operações conti-
n u a m em diversas colônias do Oeste africano. Nessa região, a prática tor-
27
n o u - s e oficialmente habitual".

Em 1 9 3 5 , Laigret m e n c i o n o u a cifra de dez mil pessoas vacinadas


28
na Á f r i c a . S e g u n d o ele, n e n h u m caso de febre a m a r e l a foi e n c o n t r a d o
entre essas pessoas. M e s m o "os traficantes sírios, n u m e r o s o s na África
Ocidental, e que vivem em condições que fazem deles, até hoje, as primei-
ras v í t i m a s da febre a m a r e l a , n u n c a t i v e r a m u m ú n i c o c a s o desde que
foram submetidos à v a c i n a ç ã o " . As complicações graves teriam sido r a -
ras: ele relata dois c a s o s de m e n i n g i t e e u m de dores m u s c u l a r e s e de
29
paralisia, todos os três curados. Em suas publicações, Laigret não mencio-
n o u o n ú m e r o de pessoas a q u e m f o r a m administradas três injeções de
vacina, mas Pierre Mollaret relatou, mais tarde, que na ocasião da primeira
série de injeções na África, 2 . 1 6 4 pessoas foram tratadas, das quais 7 9 2
30
receberam u m a segunda injeção, e 2 4 u m a terceira. Para atenuar o proble-
m a das injeções múltiplas, Laigret decidiu aplicar o procedimento desenvol-
vido por Gaston Ramon, do Instituto Pasteur de Garches, para as toxinas
bacterianas, procedimento que consistia em envolver o vírus n u m envoltório
lipídico que retardava sua absorção in situ. A preparação de suspensão de
cérebro de camundongo na gema de ovo permitia a obtenção de u m a taxa de
imunização satisfatória após u m a única injeção. O desenvolvimento desse
novo procedimento, segundo Laigret e Nicolle, fez cair por terra a última
31
objeção contra a vacina viva do Instituto Pasteur de T ú n i s .
Entretanto, levantou-se u m a outra objeção contra a vacina de Laigret:
a segurança da administração do vírus neurotrópico de modo isolado. Tal
objeção b a s e a v a - s e nas observações repetidamente feitas no m a c a c o , es¬
pecialmente pelos pesquisadores da Fundação Rockefeller. Os críticos c e n -
s u r a v a m i m p l i c i t a m e n t e o s pesquisadores de T ú n i s de t e r e m passado à
e x p e r i m e n t a ç ã o e m seres h u m a n o s s e m adequada verificação prévia dos
riscos de administração de sua vacina em u m modelo animal. Roubaud e
S t e f a n o p o u l o , do I n s t i t u t o Pasteur de Paris, f i z e r a m , a p a r t i r de 1 9 3 3 ,
reservas à eventual utilização de vírus neurotrópico:

A persistência do vírus na circulação por vários dias, a possível reto-


mada de uma virulência normal para o macaco e, por outro lado, os
casos de encefalite amarílica levantados por autores americanos nos
rhesus e no camundongo após uma picada de stegomyia infectados com
o vírus neurotrópico recomendam, evidentemente, a maior prudência
32
no eventual emprego de tal vírus para a vacinação no h o m e m .

Henrique A r a g ã o t a m b é m c o m u n i c o u a partir de 1 9 3 3 que o emprego de


v í r u s cerebral de c a m u n d o n g o , s e g u n d o a técnica de Sellards e Laigret,
parecia-lhe perigosa. Ele havia constatado, c o m o o u t r o s autores, a m o r t e
de dois Macacus rhesus a p ó s a injeção de tal v í r u s , o que, s e g u n d o ele,
indica "o q u ã o facilmente o vírus do c a m u n d o n g o pode recuperar o poder
33
letal para o Macacus rhesus".
E m 1 9 3 5 , M a x Theiler e Loring W h i t m a n , dos laboratórios da IHD
e m N o v a York (Theiler deixou o D e p a r t a m e n t o de Medicina Tropical da
Universidade de Harvard para t r a b a l h a r n a Fundação Rockefeller), p u b l i -
c a r a m u m a advertência c o n t r a a v a c i n a ç ã o a partir u n i c a m e n t e do vírus
n e u r o t r ó p i c o . Eles i n d i c a r a m que m a c a c o s e m que se havia injetado u m
vírus neurotrópico de c a m u n d o n g o desenvolveram, em alguns poucos c a -
sos, u m a encefalite fatal, fato s u f i c i e n t e m e n t e g r a v e p a r a desqualificar
qualquer vacinação h u m a n a . M e s m o a injeção de u m a quantidade m u i t o
pequena de vírus pode induzir u m a encefalite; apenas a introdução s i m u l -
tânea de u m s o r o i m u n e p r o d u z u m a proteção suficiente. A l é m disso, o
método de Laigret baseava-se na suposta atenuação do vírus pela secagem
dos cérebros de c a m u n d o n g o s e x p o s t o s ao ar. Para Theiler e W h i t m a n ,
esse m é t o d o era t o t a l m e n t e ilusório: s u a própria experiência, a s s i m c o m o
a de Findlay, n ã o indicou n e n h u m a modificação biológica do vírus da fe-
b r e a m a r e l a c o m a e x p o s i ç ã o a o ar. O ú n i c o efeito dessa exposição é a
diminuição do n ú m e r o de partículas virais ativas, resultado que pode ser
obtido mais facilmente c o m a diluição da suspensão imunizante. Theiler e
W h i t m a n t a m b é m indicam que Laigret reconstituiu s u a vacina liofilizada
em á g u a salgada, m a s o vírus da febre amarela perderia rapidamente sua
atividade e m s o l u ç ã o salina, s e m proteínas; todas a s filtragens de v í r u s
feitas a partir de u m a solução do vírus em á g u a salgada corriam, a partir
34
de então, grande risco de serem inexatas. O emprego da vacina de Laigret,
contendo quantidades desconhecidas de vírus vivo e não modificado, apre-
s e n t a v a , a partir das c o n c l u s õ e s de Theiler e W h i t m a n , todos os riscos
conhecidos da injeção de u m vírus neurotrópico isoladamente. Faltava ex-
plicar a raridade das complicações neurológicas em pessoas que h a v i a m
recebido a vacina. Theiler e W h i t m a n reconheceram que à vacinação h u -
m a n a conduzida por Laigret não se seguiu n e n h u m acidente mortal e houve
poucas complicações pós-vacinais sérias, "ao contrário do que poderíamos
esperar a partir de nossas experiências nos m a c a c o s " . A relativa ausência
de complicações em h u m a n o s pode, segundo Theiler e W h i t m a n , ser atri-
buída ao fato de que os pesquisadores norte-americanos utilizaram m a c a -
cos j o v e n s , ao passo que Laigret só imunizou adultos nos quais a barreira
que separa o sistema nervoso da circulação é m e n o s permeável à passa-
gem dos vírus do que a de u m a pessoa nova. A vacina de Laigret induz, de
todo modo, muitas reações indesejáveis: "No emprego desse vírus, as fre-
qüentes reações febris e o ocasional a t a q u e do sistema n e r v o s o [...] são
sérios i n c o n v e n i e n t e s " . Theiler e W h i t m a n r e c o m e n d a r a m , p o r t a n t o , a
utilização do vírus j u n t o c o m o soro imune, esperando o desenvolvimento
35
de u m a cepa viral menos patogênica.
Do m e s m o modo, Pierre Mollaret, responsável pelo centro de vacina-
ção do i n s t i t u t o , onde é aplicada a i m u n i z a ç ã o por v í r u s e soro i m u n e
(segundo u m método adaptado por Stefanopoulo depois de u m a tempora-
da no Laboratório da Febre Amarela da IHD em Nova York em 1 9 3 3 ) , ex-
plica em 1 9 3 6 que ele considera perigosa a vacinação pelo vírus neurotrópico
isoladamente pelos graves s i n t o m a s por vezes observados, e pelo risco de
que o vírus neurotrópico desenvolva u m a exagerada afinidade c o m o siste-
3 6
ma nervoso h u m a n o . M o l l a r e t acrescenta, e n t r e t a n t o , que a vacina de
Laigret foi testada em grande n ú m e r o de indivíduos e que a t a x a de aci-
dentes sérios foi m u i t o b a i x a . S e m dúvida, os dirigentes da F u n d a ç ã o
Rockefeller não deram o m e s m o crédito aos dados publicados por Laigret.
S a w y e r (diretor da IHD desde 1 9 3 5 ) visitou Paris em 1 9 3 6 e registrou em
seu diário ter ouvido ecos de m u i t o s efeitos colaterais p r o v o c a d o s pela
vacina de Laigret na África. Ele soube t a m b é m que os planos de vacinação
em massa na AOF haviam sido cancelados, e que o general Sorel, chefe do
serviço médico das colônias, limitara os testes da nova vacina de Laigret a
1 . 0 0 0 voluntários. Além disso, Sorel pediu que o sangue desses voluntários
fosse e x a m i n a d o , p r o v a v e l m e n t e para verificar a presença de anticorpos
37
c o n t r a a febre a m a r e l a . No m e s m o ano, u m a publicação de Sorel resu-
mindo os resultados da vacinação de 1 . 8 6 0 pessoas pelo método Sellards-
Laigret na África Ocidental Francesa indicou que 9 1 8 delas apresentaram
reações à vacina: 6 7 3 reações registradas c o m o leves, 2 0 2 médias ( u m a
38
doença de três a nove dias) e 4 3 graves.
Em 1 9 3 6 , Laigret não sustenta mais que sua vacina é isenta de efei-
tos colaterais (segundo ele, observaram-se reações febris em 2 2 % das pes-
soas vacinadas, reações febris tardias em 9% das pessoas vacinadas e, em
raras ocasiões, u m a sintomatologia nervosa de grande gravidade). Em sua
resposta às críticas de seus detratores, ele insiste na impossibilidade de
eliminar totalmente os riscos inerentes às vacinas vivas: "Por mais que se
t o m e cuidado na p r e p a r a ç ã o , por m a i s prudência que se t e n h a e m seu
emprego, as vacinas vivas são suscetíveis de provocar manifestações que
ultrapassem o s e u o b j e t i v o " . E n t r e t a n t o , "os r i s c o s da v a c i n a ç ã o
antiamarílica não podem, nem por u m m o m e n t o , ser comparados aos ris-
cos da febre amarela". Além disso, ele reafirmou que a injeção simultânea
de soro imune quase não protegia de tais acidentes, pois a vacinação - e os
acidentes - decorrem da presença do vírus vivo no o r g a n i s m o . Não pode
haver u m sem o o u t r o . Q u a n t o ao risco ligado à utilização de u m vírus
transferido para o c a m u n d o n g o , este não será f o r ç o s a m e n t e eliminado
com a passagem à utilização de u m vírus preparado em u m a cultura das
células, tal c o m o o 1 7 E :

Do ponto de vista das reações meníngeas, não nos iludamos: elas


voltarão a aparecer com o vírus das culturas. Ε a discussão não estará
em absoluto encerrada, pois M. Mollaret ainda poderá se perguntar se
um germe clandestino não terá penetrado nos tecidos vivos que servem
39
de suporte para as culturas de vírus in vitro.

Laigret explica, por o u t r o lado, que em pessoas vacinadas c o m vírus e soro


i m u n e - especialmente de origem a n i m a l - , o b s e r v a m - s e freqüentes rea-
ções ao soro injetado, difíceis de serem dissociadas dos efeitos colaterais
da própria imunização. Ele conclui que apesar de ainda faltarem estatísti-
cas sobre a duração e a eficácia da proteção vacinai, "nós temos, na vaci-
nação da febre amarela, u m a a r m a eficaz cujo emprego deve ser generali-
40
z a d o " . C o m efeito, os poderes públicos franceses continuaram as c a m p a -
nhas de vacinação c o m o vírus neurotrópico isoladamente.
Em 1 9 3 1 , os especialistas da Fundação Rockefeller no Brasil t a m -
bém haviam considerado a possibilidade de se restringirem ao único vírus
neurotrópico. Soper debateu c o m Belisário Penna, diretor do DNSP no gover-
no Vargas, sobre a possibilidade de experimentar o vírus neurotrópico c o m
u m a quantidade decrescente de soro imune. Penna achava que tais experi-
ências poderiam ser realizadas nos marinheiros brasileiros isolados no h o s -
pital naval, ao passo que seu colega do ministério da Saúde, o Dr. Novis,
que paralelamente dirigia u m grande asilo de alienados na Bahia, propôs
que estes c o n t r i b u í s s e m : "Temos n e s t a i n s t i t u i ç ã o c e n t e n a s de pessoas
que estarão a nossa inteira disposição para qualquer teste que queiramos
41
fazer". As experiências em macacos realizadas em Nova York indicaram,
entretanto, que reduzir a quantidade de soro imune injetado c o m o vírus
n e u r o t r ó p i c o era perigoso, pois havia sido c o n s t a t a d a u m a importante
mortalidade a partir de determinados valores-limite entre os macacos t r a -
tados dessa maneira. A idéia da experimentação em seres h u m a n o s é, en-
tão, abandonada e, até 1 9 3 7 , os especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller
42
utilizaram u n i c a m e n t e a vacina " v í r u s - s o r o " .
Esses especialistas c o n t i n u a r a m o debate sobre a questão da eventual
divisão de responsabilidades em u m a (futura) c a m p a n h a de vacinação em
m a s s a . Para S a w y e r , a responsabilidade deveria recair u n i c a m e n t e sobre
os poderes públicos brasileiros - donde sua retórica sobre a i m p o r t â n c i a
dos médicos brasileiros na luta contra a febre amarela. Russel era favorá-
vel a u m a e x p e r i m e n t a ç ã o b e m planejada, realizada em u m a escala bem
pequena. Em 1 9 3 1 , Soper inclinava-se favoravelmente a u m a solução que
combinasse recursos norte-americanos e brasileiros. Propôs que o labora-
tório da Bahia desse apoio logístico (fornecimento dos vírus e soros, exe-
c u ç ã o dos testes de laboratório), m a s que a o r g a n i z a ç ã o prática de u m a
c a m p a n h a de v a c i n a ç ã o e os c o n t a t o s c o m as pessoas vacinadas fossem
inteiramente confiados aos médicos brasileiros. Ele não se pronunciou cla-
43
ramente sobre a responsabilidade pela c a m p a n h a . Até 1 9 3 6 , esses deba-
tes tiveram interesse meramente teórico. A direção da Fundação Rockefeller
desaconselhou q u a l q u e r e x p e r i m e n t a ç ã o em seres h u m a n o s até o desen-
v o l v i m e n t o de u m a cepa vacinai mais atenuada, e n q u a n t o que a v a c i n a -
ção " v í r u s - s o r o " l i m i t o u - s e às pessoas que t r a b a l h a v a m c o m o vírus da
febre a m a r e l a e ao pequeno n ú m e r o de indivíduos que viajavam para as
44
zonas e n d ê m i c a s . Em 1 9 3 6 , u m a epidemia de febre amarela silvestre no
Brasil modificou radicalmente os dados da questão. Pela primeira vez, os
especialistas da Fundação Rockefeller v i r a m - s e c o n f r o n t a d o s c o m o pro-
45
blema da aplicação de sua vacina "vírus-soro" em u m a escala m a i o r .

A Utilização de Vírus Atenuado e de Soro Imune no


Brasil, 1936-1937

No início de 1 9 3 6 , c h e g a m ao Rio de J a n e i r o relatórios registrando


u m a epidemia de febre amarela silvestre entre os colonos de origem euro-
péia que viviam em Londrina, no Paraná. As notícias são alarmantes: em
fevereiro, novos casos são diariamente recenseados na região. Na época, a
ú n i c a v a c i n a t i d a c o m o a c e i t á v e l p e l o s p e s q u i s a d o r e s da Fundação
Rockefeller que trabalhavam no Brasil era a vacina à base de vírus atenuado
(o 1 7 E , produzido em cultura de células), associada a u m soro i m u n e espe-
cífico. S u a preferência era pela u t i l i z a ç ã o do s o r o h i p e r i m u n e humano,
que não provoca reações às proteínas estranhas (na época, o soro h u m a n o
não era associado à t r a n s m i s s ã o das doenças infecciosas, exceto a sífilis),
m a s este não podia ser obtido em quantidade suficiente para u m a c a m p a -
nha de imunização de grande envergadura. Deviam ficar de braços c r u z a -
dos diante da a m e a ç a de epidemia, o u t e n t a r u m a v a c i n a ç ã o imperfeita
c o m u m soro de o r i g e m a n i m a l ? A escolha recaiu, inicialmente, sobre o
s o r o de c a v a l o , c u j a u t i l i z a ç ã o m o s t r o u - s e p r o b l e m á t i c a , em r a z ã o da
46
inconstância das reações s o r o l ó g i c a s . Os pesquisadores do laboratório da
IHD em Nova York c o n s t a t a r a m que era muito mais fácil chegar a resulta-
dos reproduzíveis utilizando-se soro de cabra, e que este permitia, além
disso, obter-se u m a t a x a de anticorpos m u i t o mais alta do que u m soro
h u m a n o . O soro de cabra revelou-se u m reativo imperfeito. Ele protegeu
os m a c a c o s da injeção de u m a dose letal do vírus da febre amarela (cepa
Asibi), m a s tal proteção foi de curta duração e inoperante em alguns p o u -
cos c a s o s : u m m a c a c o m o r r e u de febre a m a r e l a apesar de u m a injeção
47
prévia de soro imune de c a b r a .

A secreção e a destruição das proteínas e s t r a n h a s podem v a r i a r de


u m a espécie a outra, e a baixa eficácia protetora do soro de cabra no macaco
não necessariamente desqualificava sua utilização no h o m e m . Na falta de
u m o u t r o método para vacinar contra a febre amarela, os especialistas da
Fundação Rockefeller decidiram a s s u m i r o risco. Dezesseis pessoas f o r a m
vacinadas no Rio c o m o vírus 1 7 E associado a diferentes doses de soro de
cabra, e os pesquisadores a c o m p a n h a r a m o nível de anticorpos produzidos
(pelo teste de proteção do c a m u n d o n g o ) e o nível de vírus na c i r c u l a ç ã o
após i m u n i z a ç ã o (por u m a dosagem das diluições do sangue das pessoas
vacinadas no cérebro dos c a m u n d o n g o s ) . Tais experiências d e m o n s t r a r a m
que, para se n e u t r a l i z a r o vírus no s a n g u e , o soro de cabra era m e n o s
eficaz do que o soro h u m a n o . Além disso, 13 das 1 6 pessoas vacinadas
tiveram febre alta, e cinco apresentaram reações locais e / o u generalizadas
ao soro de cabra. Aventou-se, então, u m a outra possibilidade: a de recorrer
ao soro de m a c a c o . Os testes preliminares realizados em Nova York indi-
c a r a m que o soro não induzia reações locais o u generalizadas graves (do-
48
res, u r t i c a r i a , e d e m a ) . Esse s o r o , e n t r e t a n t o , n ã o existia no Brasil n o
início de 1 9 3 6 . Os pesquisadores da Fundação Rockefeller a p r e s s a r a m - s e ,
nesse m o m e n t o , em iniciar sua produção no laboratório da Bahia, e depois
c m r e a l i z a r t e s t e s p r e l i m i n a r e s da v a c i n a . O Dr. Kerr, da Fundação
Rockefeller, pretendia em seguida estender a experimentação a Campo Gran-
de ( M a t o Grosso), onde h a v i a m sido registrados vários casos de febre a m a -
49
rela silvestre. A epidemia de Londrina alterou esses p l a n o s .
Essa a m e a ç a foi c o n s i d e r a d a s u f i c i e n t e m e n t e séria p a r a j u s t i f i c a r
q u e se t e n t a s s e u m a v a c i n a ç ã o e m larga escala c o m os m e i o s de que se
d i s p u n h a n o local. Rickard i n f o r m o u a S a w y e r que os diretores de três
grandes c o m p a n h i a s estrangeiras o h a v i a m c h a m a d o para lhe pedir que
agisse i m e d i a t a m e n t e . O t r a b a l h o n a floresta, e x p l i c a r a m , era a b s o l u t a -
m e n t e essencial à sua empresa, e sua interrupção certamente os levaria à
50 51
ruína. Kerr propôs iniciar i m e d i a t a m e n t e a v a c i n a ç ã o . W r a y Lloyd se
opôs. C o m u n i c o u por telegrama que considerava o soro de cabra perigoso
demais para a i m u n i z a ç ã o em m a s s a de seres h u m a n o s . Rickard, que es-
tava substituindo temporariamente Soper na direção do escritório da F u n -
d a ç ã o Rockefeller n o Rio de J a n e i r o , a c h o u q u e a u r g ê n c i a da s i t u a ç ã o
justificava o risco, desde que se prevenissem as pessoas imunizadas quan-
to à possibilidade de as proteínas de cabra p r o v o c a r e m efeitos colaterais.
Ele telefonou a Kerr para lhe t r a n s m i t i r a advertência de Lloyd, p o r é m o
aconselhou a c o n t i n u a r a vacinação. Lloyd reagiu pedindo que fosse envi-
ado u m telegrama ao laboratório de Nova York solicitando todo o soro de
m a c a c o que lá houvesse disponível. Os funcionários das c o m p a n h i a s es-
trangeiras que t r a b a l h a v a m n a região f o r a m os primeiros vacinados. A o
voltar, Lloyd explicou que a reação do organismo às proteínas de cabra n ã o
era o único risco que as populações c o r r i a m : c o m o o s o r o de c a b r a era
evacuado rapidamente, e c o m o se esperava que ele n ã o contivesse sufici-
entemente a multiplicação do vírus, as pessoas vacinadas c o r r i a m o risco
de desenvolver febre amarela. Rickard, de fato, a n o t o u em seu diário que
várias pessoas tratadas apresentaram manifestações febris b a s t a n t e
marcadas (diferentes das reações ao próprio soro de cabra), m a s que, feliz-
mente, n e n h u m caso de doença grave fora registrado.
A s s i m , 2 1 5 habitantes de Londrina f o r a m vacinados c o n t r a a febre
a m a r e l a - apenas o pessoal hospitalar e os h o m e n s que t r a b a l h a v a m na
floresta - c o m adição de soro de cabra. Rickard observa que

a situação é, de modo geral, satisfatória, e as atitudes dos funcionári-


os das empresas e das outras pessoas em Londrina é de profunda grati-
dão, semelhante à que normalmente toca aqueles que consideram te-
rem sido salvos em u m desastre. Todas as pessoas vacinadas aceitaram
52
com entusiasmo doar sangue para a pesquisa.

Antes de começar, Kerr t e s t o u a sensibilidade ao soro de c a b r a , r e c u s a n -


do-se a v a c i n a r os 2 1 indivíduos v í t i m a s de u m a forte r e a ç ã o c u t â n e a
a p ó s a i n j e ç ã o prévia de u m a p e q u e n a q u a n t i d a d e de s o r o s o b a pele;
essas pessoas c o r r i a m o risco de u m c h o q u e anafilático que podia levar à
m o r t e . Tal acidente, e n t r e t a n t o , o c o r r e u , em u m a pessoa que n ã o havia
desenvolvido reação cutânea significativa; ela foi salva graças a u m a rápi-
53
da injeção de adrenalina. Kerr ficou em Londrina por mais duas semanas,
para o b s e r v a r as reações das pessoas vacinadas e coletar seus soros. Para
g a r a n t i r que a coleta se fizesse e m b o a s condições, ele recebeu do Rio de
Janeiro u m gerador elétrico portátil, u m a centrífuga, u m a autoclave e u m
54
refrigerador. Os resultados da v a c i n a ç ã o f o r a m mitigados: 1 7 8 das 2 1 5
pessoas vacinadas reagiram à injeção de soro (os sintomas foram sentidos
no local da injeção em 1 7 1 casos; observaram-se seis casos generalizados,
dos quais três graves, e u m choque anafilático). Quarenta e quatro pessoas
t a m b é m relataram reações imputáveis ao vírus, fosse elevação da tempera-
t u r a o u dor de c a b e ç a , o c o r r i d a s , e m geral, entre 1 0 e 1 3 dias a p ó s a
imunização. Esses dados foram vistos c o m o indicação de que o soro de cabra
só oferecia, na m e l h o r das hipóteses, u m a proteção parcial contra o vírus
vacinai. Além disso, a t a x a de vacinação obtida não foi considerada m u i t o
55
boa: 1 3 % das pessoas vacinadas n ã o desenvolveram anticorpos protetores.
A u t i l i z a ç ã o d o s o r o de c a b r a f o i c o n s i d e r a d a uma solução
emergencial; os especialistas da Fundação Rockefeller preferiram, inicial-
m e n t e , e m p r e g a r o s o r o de m a c a c o . E m abril, 1 1 2 pessoas p u d e r a m ser
vacinadas em Londrina pelo Dr. Laemmert c o m o soro hiperimune de m a -
56
caco, enviado às pressas do laboratório da IHD em Nova Y o r k . Muitos
outros foram realizados no Brasil entre j a n e i r o de 1 9 3 6 e j u n h o de 1 9 3 7 -
o u , dito de o u t r a m a n e i r a , até a i n t r o d u ç ã o da v a c i n a 1 7 D n o país. Os
testes mais importantes, além do de Londrina, foram o de W r a y Lloyd em
Anápolis, em Goiás ( 1 1 2 pessoas), os realizados n o estado do Paraná em
empregados da construção das linhas ferroviárias ( 2 2 3 pessoas) e em Campo
Grande, M a t o Grosso, em 2 2 9 soldados ali estacionados. Soper a c h o u que
os t r a b a l h a d o r e s da ferrovia e os soldados e r a m candidatos ideais p a r a
esse tipo de experimento; eram grupos submetidos a vigilância, c o m p o s t o s
p o r p e s s o a s disciplinadas, o que facilitava o a c o m p a n h a m e n t o a l o n g o
57
prazo. As reações locais à injeção de soro de m a c a c o f o r a m c l a r a m e n t e
m a i s severas do que as provocadas pelo soro de c a b r a . A s reações febris
f o r a m freqüentes, m a s e m geral m e n o s g r a v e s . Foi a t a x a de i n s u c e s s o
ainda m a i s alta que c o n s t i t u i u o principal revés da v a c i n a ç ã o : 1 8 % das
p e s s o a s v a c i n a d a s n ã o d e s e n v o l v e r a m a n t i c o r p o s p r o t e t o r e s - t a x a que
v a r i o u em função do local: o Dr. L a e m m e r t registrou 1 0 % de insucessos
58
em Londrina, m a s quase u m terço em Campo Grande. Esse percentual foi
atribuído ao fato de que o soro de m a c a c o talvez contivesse u m a q u a n t i -
dade m u i t o alta de anticorpos contra o vírus da febre amarela, impedindo,
a s s i m , a m u l t i p l i c a ç ã o do v í r u s n o o r g a n i s m o e o d e s e n v o l v i m e n t o de
u m a i m u n i d a d e a t i v a . A grande dificuldade da v a c i n a ç ã o c o m u m s o r o
i m u n e , c o n c l u í r a m Soper e S m i t h , era a calibragem e x a t a da quantidade
de a n t i c o r p o s presente n o soro; u m a quantidade m u i t o grande impede a
i m u n i z a ç ã o , a o p a s s o que u m a quantidade m u i t o p e q u e n a n ã o chega a
prevenir os s i n t o m a s ligados à multiplicação viral. Dada a amplitude da
missão, Soper e S m i t h receberam c o m alívio a chegada do vírus 1 7 D , que
59
podia ser utilizado sem s o r o .
U m a complicação inesperada ocorreu alguns meses depois da vacina-
ção a partir de soro de macaco: u m n ú m e r o considerável de pessoas desen-
volveu icterícia. A título de exemplo, entre os 2 2 9 soldados vacinados pelo
Dr. Laemmert e m 1 9 3 6 , 2 6 casos de icterícia - dos quais 15 suficientemen-
60
te graves para demandar hospitalização - f o r a m recenseados. Em termos
clínicos, essa icterícia era m u i t o semelhante à "icterícia catarral", doença
freqüente atribuída a causas diversas, tais c o m o a l g u m a s intoxicações ali-
mentares o u a presença de substâncias tóxicas, que podia afetar o funciona-
m e n t o do fígado. A correlação pôde ser estabelecida graças ao a c o m p a n h a -
m e n t o minucioso das pessoas vacinadas, que foram sangradas várias vezes
e interrogadas c o m cuidado sobre os sintomas consecutivos à vacinação. As
investigações epidemiológicas e x c l u í r a m a possibilidade de u m a epidemia
independente de icterícia infecciosa o u de i n t o x i c a ç ã o a l i m e n t a r ; elas n ã o
revelaram a u m e n t o excepcional da t a x a de icterícia nas localidades por onde
viviam as pessoas vacinadas, nem o surgimento de icterícia entre os m e m -
bros de sua família o u pessoas próximas. A eventualidade de a icterícia ter
sido resultado de u m a m u t a ç ã o do vírus da febre amarela (doença caracteri-
zada precisamente por u m a icterícia m u i t o forte) t a m b é m foi afastada, pois
a l g u n s lotes de vacina preparada c o m o m e s m o suco viral m a s c o m u m
o u t r o lote de s o r o n ã o p r o v o c a r a m efeitos colaterais. As suspeitas v o l t a -
os
r a m - s e , então, para dois lotes de soro de m a c a c o (n 9 e 1 4 ) , que teriam
provocado u m a média de 3 2 % de icterícia entre as pessoas vacinadas, t a x a
excepcionalmente alta. Apesar de n ã o se ter apresentado n e n h u m a prova
direta, todos os índices concorreram para que se estabelecesse u m nexo c a u -
sal entre aqueles lotes de soro hiperimune e o surgimento da icterícia. A l g u -
m a s observações indicaram, paralelamente, que u m soro i m u n e humano
t a m b é m podia p r o v o c a r icterícia. Cidadãos "privilegiados" a q u e m havia
sido administrada u m a vacina à base de soro h u m a n o (fora dos testes rea-
lizados e m grande escala), especialmente dois funcionários de alto escalão
da c o m p a n h i a aérea Panair do Brasil e a m u l h e r do Dr. P a t e r n o s t r o e m
61
Macaraju, n o Acre, t a m b é m desenvolveram u m a icterícia pós-vacinal. Hugh
S m i t h , u m dos responsáveis pela c a m p a n h a de v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre
a m a r e l a o r g a n i z a d a pela F u n d a ç ã o Rockefeller no Brasil, l e m b r o u - s e de
que, quando chegou ao Rio de Janeiro, foi informado da história dos dois
funcionários da Panair; segundo ele, a gravidade desses dois incidentes e
as i n f o r m a ç õ e s c o m u n i c a d a s sobre c a s o s s e m e l h a n t e s de icterícia p ó s -
vacinal na Inglaterra levaram a u m a profunda investigação epidemiológica
62
sobre a icterícia entre as pessoas vacinadas em M a t o G r o s s o .
A o b s e r v a ç ã o de que a v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a pode ser
seguida de icterícia foi feita pela primeira vez em 1 9 3 6 , na Inglaterra, por
63
Findlay e M a c C a l l u m . Os dois pesquisadores fizeram, em sua c o m u n i c a -
ção publicada em 1 9 3 7 , a ligação entre as publicações anteriores que h a -
v i a m estabelecido a correlação entre a a d m i n i s t r a ç ã o do soro i m u n e e o
64
surgimento de icterícia, especialmente em animais domésticos. Eles m e n -
cionaram sobretudo as pesquisas de Sir Arnold Theiler (o pai de M a x Theiler),
que descreveu em 1 9 1 8 u m a icterícia grave, e m e s m o fatal, em cavalos
imunizados contra a African horse sickness c o m u m vírus e u m soro imune.
Foi a produção de u m a vacina sem soro imune que pôs fim àquela epide-
65
mia de icterícia e q ü i n a . Findlay i m p u t o u s i s t e m a t i c a m e n t e a icterícia
pós-vacinal à presença de u m vírus c o n t a m i n a d o r . Ele presumia que tal
vírus - provavelmente oriundo do soro imune - teria contaminado o vírus
1 7 E utilizado para a vacinação, e depois sido transferido para certos lotes
do vírus vacinador. Em u m colóquio sobre a febre amarela realizado em
Amsterdã em setembro de 1 9 3 8 , ele afirmou ter observado casos de infec-
ções secundárias após u m a icterícia pós-vacinal (ou seja, em m e m b r o s da
família ou do círculo do doente que não haviam sido imunizados contra a
febre amarela). Soper e seus colegas a f i r m a r a m que nunca haviam encon-
trado casos assim, m e s m o entre os soldados que h a v i a m dividido as b a r -
66
racas c o m pessoas atingidas pela icterícia. Findlay não apresentou prova
direta da presença de u m hipotético vírus contaminador. Sua convicção de
que a icterícia p ó s - v a c i n a l era induzida por u m v í r u s que não era u m
m u t a n t e do 17E, mas oriundo de u m a fonte externa, baseava-se na elimi-
n a ç ã o de todas as demais possibilidades. Em u m a c o n v e r s a c o m Soper,
Findlay t a m b é m evocou casos de icterícia ocorridos após injeção de u m
soro imune contra o sarampo, epidemia que ele t a m b é m atribuiu à c o n t a -
67
minação do soro imune por u m vírus desconhecido.

Em 1 9 3 8 , o debate sobre as origens da hepatite pós-vacinal parecia


a s s u m i r u m a dimensão p u r a m e n t e acadêmica. Novas vacinas s u b s t i t u í -
ram aquelas que haviam combinado u m a cepa atenuada do vírus da febre
a m a r e l a c o m u m soro hiperimune. Ao m e s m o tempo, os pesquisadores
franceses, conscientes das complicações neurológicas da vacinação segundo
o procedimento de Laigret, t e n t a r a m intervir na interação entre o vírus
vacinador e o o r g a n i s m o , modificando as técnicas de i m u n i z a ç ã o . O c o r o -
nel Peletier, diretor do Instituto Pasteur de Dacar, desenvolveu u m método
q u e a s s o c i a v a a v a c i n a ç ã o c o n t r a a v a r í o l a à v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre
68
amarela, e introduziu u m a m i s t u r a dessas duas vacinas por escarificação.
A i n o v a ç ã o de Peletier foi a p r e s e n t a d a c o m o , a c i m a de t u d o , u m m e i o
prático de realizar c a m p a n h a s de vacinação em m a s s a entre as populações
69
indígenas. Investigações ulteriores revelaram que a introdução do vírus
neurotrópico da febre amarela por escarificação da pele reduziu a freqüên-
cia e a gravidade das complicações neurológicas sem, n o entanto, eliminá-
las de m o d o radical: a vacina "francesa" c o n t i n u o u a induzir raros casos
70
de encefalite. O laboratório da IHD e m Nova York c o n c e n t r o u seus traba-
lhos na modificação do próprio vírus da febre amarela. A cepa 1 7 D desen-
volvida nesse laboratório e utilizada sem soro foi testada e m larga escala
em 1 9 3 7 s e m p r o v o c a r n o v o s casos de icterícia. E m 1 9 3 8 , Soper dizia-se
convencido de que os casos de icterícia pós-vacinal estavam ligados à u t i -
lização de soro imune, método de vacinação considerado caro, complicado
71
e perigoso, "abandonado s e m p e s a r " . U m a certa p r e o c u p a ç ã o seguiu o
a n ú n c i o de Findlay, que a f i r m a v a ter e n c o n t r a d o c a s o s de icterícia p ó s -
v a c i n a l m e s m o entre as pessoas i m u n i z a d a s pelo vírus da febre a m a r e l a
injetado s e m s o r o . Verificou-se q u e esses c a s o s h a v i a m sido o b s e r v a d o s
e m p e s s o a s v a c i n a d a s pela cepa 1 7 E C , v a r i a n t e a t e n u a d a da cepa 1 7 E .
Quando Findlay passou, e m o u t u b r o de 1 9 3 7 , à vacinação a partir da cepa
72
1 7 D , não foi registrado mais n e n h u m caso de icterícia. Os pesquisadores
da Fundação Rockefeller estavam, a partir de então, convencidos de terem
resolvido os grandes problemas da vacinação c o n t r a a febre amarela.

A Vacina 17D no Brasil, 1937-1942: triunfos e fracassos


de uma campanha de vacinação em massa

A cepa 1 7 D foi desenvolvida por M a x Theiler e seus colegas e m 1 9 3 6 .


O artigo, assinado por Theiler e S m i t h , que a descreveu pela primeira vez
apresentou seu desenvolvimento c o m o resultado de u m a estratégia delibe-
73
rada. Os pesquisadores do laboratório da IHD t e n t a r a m desenvolver u m a
cepa viral imunizante que tivesse u m a propensão, ainda que m í n i m a , a se
fixar nos ó r g ã o s internos (viscerotropismo diminuído), m a s sem afinidade
demasiado m a r c a d a c o m o tecido nervoso (neurotropismo diminuído). As
passagens de u m a cepa virulenta do vírus da febre amarela para as células
embrionárias de galinha geraram a cepa 1 7 E , de viscerotropismo diminuí-
do. Em sua publicação, Theiler e S m i t h a f i r m a m que a eliminação do teci-
do n e r v o s o de g a l i n h a da preparação das células e m c u l t u r a - i n o v a ç ã o
apresentada c o m o u m a etapa lógica de seu procedimento - teria levado,
m a i s tarde, ao desenvolvimento de u m a cepa, a 1 7 D , de n e u r o t r o p i s m o
reduzido. M a c a c o s f o r a m vacinados, sem que o m e n o r efeito colateral fos-
se observado. L e m b r a n d o aquela época, S m i t h reconhece que a perda de
virulência do 1 7 D foi, na verdade, fruto de u m a m u t a ç ã o fortuita. Theiler,
S m i t h e seus colegas transferiram, então, rotineiramente, o vírus da febre
amarela e m cultura de tecido, e verificaram periodicamente sua virulência
para os c a m u n d o n g o s . Após a p r o x i m a d a m e n t e 8 9 passagens, eles c o n s t a -
t a r a m que o vírus injetado nos cérebros dos c a m u n d o n g o s n ã o provocava
mais u m a paralisia parcial que levava à morte, m a s apenas u m a paralisia
parcial da metade posterior do corpo, m u i t a s vezes seguida de cura, tendo
c o m o única seqüela u m a paralisia residual das patas traseiras. O vírus que
induziu essa doença atípica foi injetado nos macacos e, explica Smith, "demo-
74
nos conta, desse modo, de que estávamos c o m a nossa vacina nas m ã o s " .
Theiler a p r e s e n t o u esses resultados e m u m a reunião dos m e m b r o s
do Laboratório da Febre Amarela ocorrida n o escritório de Sawyer, em 2 de
n o v e m b r o de 1 9 3 6 . Explicou que o n o v o vírus g a r a n t i a a o m a c a c o u m a
boa imunização, sem complicações secundárias; ele n ã o podia induzir u m a
encefalite ( i n f l a m a ç ã o do tecido cerebral a c o m p a n h a d a de p e r t u r b a ç õ e s
nervosas graves) u n i c a m e n t e q u a n d o era inoculado diretamente n o cére-
b r o . Theiler propõe que se passe rapidamente a u m a v a c i n a ç ã o s e m s o r o
i m u n e n o h o m e m . Os participantes c o n c o r d a m em testar a n o v a v a c i n a
n o Brasil, provavelmente n o a c a m p a m e n t o militar de C a m p o Grande. Os
testes serão fiscalizados pelo Dr. S m i t h (colaborador n o desenvolvimento
75
do 1 7 D ) , que irá a o local para o r g a n i z a r os primeiros t e s t e s . Enquanto
espera, recebe a proposta de testar a vacina em voluntários saudáveis, em
76
Nova Y o r k .

A produção de 1 7 D n o Laboratório da Febre Amarela do Rio de J a n e i -


ro (inaugurado o f i c i a l m e n t e em 1 9 3 8 pela F u n d a ç ã o Rockefeller, e
c o n s t r u í d o n o terreno do I n s t i t u t o Oswaldo Cruz, em M a n g u i n h o s ) i n i -
c i o u - s e e m 1 7 de j a n e i r o de 1 9 3 7 . A v a c i n a foi produzida e m o v o s de
galinha embrionados (as células e m c u l t u r a n ã o a p r e s e n t a r a m rendimen-
to suficiente para u m a produção de m a s s a ) . A fabricação da cepa 1 7 E era,
paralelamente, abandonada e m 1 9 de j a n e i r o de 1 9 3 7, dada a previsão de
sua completa substituição pelo 1 7 D . Tratava-se de u m a empreitada a m b i -
ciosa: a produção local deveria suprir todas as necessidades da v a c i n a ç ã o
n o Brasil e, n o futuro, abastecer os países vizinhos. O início da operação
foi lento. E m abril de 1 9 3 7 , a titulação da vacina c o n t i n u a sendo conside-
77
rada insuficiente. E n q u a n t o se esperava o desenvolvimento da vacina em
larga escala, a vacina era testada em voluntários, n o Rio. O n o v o ajudante
de l a b o r a t ó r i o c o n t r a t a d o foi a primeira pessoa vacinada n o Brasil pelo
78
1 7 D sem soro (em 1 5 de fevereiro). Cinco outros candidatos foram t r a t a -
dos n o m e s m o dia, oito em 2 de m a r ç o , e dez em 1 7 de m a r ç o de 1 9 3 7 .
Todos f o r a m submetidos a coletas de sangue periódicas, a fim de testar o
s u r g i m e n t o do v í r u s n a c i r c u l a ç ã o s a n g u í n e a e o d e s e n v o l v i m e n t o dos
anticorpos protetores. Na maioria dos casos, a vacina induziu o surgimento
passageiro do vírus 1 7 D n o sangue alguns dias depois da vacinação. Todas
as pessoas v a c i n a d a s p r o d u z i r a m a n t i c o r p o s ; em todos os c a s o s , m e n o s
79
em u m , sua t a x a foi considerada satisfatória. Os testes se intensificaram
n a primavera de 1 9 3 7 . No fim de m a i o , 1 0 5 pessoas são vacinadas c o m o
1 7 D n o Rio de J a n e i r o . E m j u n h o , u m a irrupção de febre amarela silvestre
n o estado de M i n a s Gerais criou a ocasião para o primeiro teste em c a m p o ,
realizado na região de Varginha. E m agosto, u m a o u t r a c a m p a n h a é o r g a -
nizada n a m e s m a região. A s condições dessas c a m p a n h a s f o r a m especial-
m e n t e favoráveis. A presença da febre amarela n o setor durante os meses
precedentes suscitou grande interesse pela vacinação entre os proprietários e
os t r a b a l h a d o r e s das grandes fazendas de café. A existência de u m a b o a
rede rodoviária que permitia o acesso dos veículos às plantações facilitou a
80
o r g a n i z a ç ã o dessa c a m p a n h a . A l é m disso, os c o n t r a m e s t r e s mantinham
registros escritos da presença dos operários n o t r a b a l h o , o que p e r m i t i u
c o n s t a t a r que na primeira série de 2 8 9 pessoas vacinadas, apenas nove se
a u s e n t a r a m nos dias que se s e g u i r a m à v a c i n a ç ã o .
A c a m p a n h a de v a c i n a ç ã o estendeu-se ao l o n g o dos meses s e g u i n -
tes. Ao todo, 3 8 . 0 7 7 pessoas ( h o m e n s , m u l h e r e s e crianças de m a i s de 2
anos) f o r a m vacinadas naquela região até o fim do ano (em Varginha, Três
Corações e L a v r a s ) . Práticas rotineiras de v a c i n a ç ã o e m l a r g a escala e m
c a m p o e modalidades de registro e de a c o m p a n h a m e n t o dos dados f o r a m
elaboradas durante a c a m p a n h a . A t a x a de complicações pós-vacinais c o n -
t i n u o u m u i t o baixa: apenas 6 9 pessoas ficaram sem condições de cumprir
s u a s o b r i g a ç õ e s cotidianas.

As pessoas imunizadas foram principalmente trabalhadores agrícolas e


suas famílias, ou seja, indivíduos cujo estado de saúde m u i t a s vezes deixa
a desejar. Nessas condições, surpreende constatar que não se tenham
atribuído mais problemas de saúde à vacinação. [...] A nosso ver, o nú-
mero de pessoas que faltaram ao trabalho está razoavelmente próximo
da verdade, pois os proprietários desenvolveram u m sistema elaborado
81
de acompanhamento das atividades do pessoal que trabalha na fazenda.

A p r o d u ç ã o e a difusão do 1 7 D f o r a m rapidamente aceleradas d u -


rante o a n o de 1 9 3 7 e na primeira metade de 1 9 3 8 . E m 1 9 de o u t u b r o de
1 9 3 7 , Soper avalia o n ú m e r o de pessoas vacinadas sem soro e m m a i s de
82
1 0 . 0 0 0 ( c o n t a v a m - s e 5 . 0 9 2 e m 2 1 de s e t e m b r o ) . Ele relatou que 3 9 . 0 0 0
pessoas h a v i a m sido vacinadas a o longo do a n o de 1 9 3 7 , ao passo que, em
j a n e i r o de 1 9 3 8 , e m u m a s e m a n a v a c i n a r a m - s e 4 9 . 0 0 0 e m J u i z de Fora;
a j u s t a p o s i ç ã o dessas cifras permite medir a difusão exponencial da n o v a
v a c i n a . A duração do ciclo de produção da v a c i n a foi abreviada - de três
83
s e m a n a s para cinco dias - para dar resposta a o crescimento da d e m a n d a .
Em setembro de 1 9 3 8 , S a w y e r c o n s t a t a v a que 6 0 0 . 0 0 0 pessoas j á h a v i a m
sido v a c i n a d a s c o n t r a a febre a m a r e l a n o Brasil, n o m a i s das vezes e m
caráter urgente, após u m a irrupção local da doença. Talvez tivesse c h e g a -
do a hora, estimou ele, de desenvolver u m p r o g r a m a de vacinação a longo
prazo, de m o d o a erguer u m a proteção em t o r n o das regiões onde a febre
84
a m a r e l a silvestre g r a s s a v a . E m abril de 1 9 3 8 , Soper ficou p r e o c u p a d o
com o futuro dos p r o g r a m a s de eliminação da febre amarela que ele havia
instalado. Ele explicou que,

sem dúvida, a vacina fornecerá u m meio mais barato de controle da


febre amarela do que a eliminação dos Aedes aegypti. Quando o público
e os responsáveis pelos serviços de saúde pública souberem que está
disponível u m a vacina eficaz, penso que assistiremos a u m a mudança
psicológica em sua atitude. Será muito mais difícil obter recursos para o
trabalho sobre a febre amarela. A ameaça das epidemias dessa doença
perderá muito de seu peso quando todas as pessoas importantes de
uma comunidade e todos os viajantes puderem ser imunizados.

O desenvolvimento da vacina t a m b é m poderia ter efeitos nefastos n a luta


c o n t r a a febre a m a r e l a n a África: "Os responsáveis nas colônias estão i n -
teressados e x c l u s i v a m e n t e n a s e g u r a n ç a dos europeus, o que explica sua
total falta de interesse pelos métodos de controle das larvas dos m o s q u i t o s
85
o u pelos serviços de v i s c e r o t o m i a " .
Em u m artigo que resume o primeiro a n o de vacinação c o m o 1 7 D
n o Brasil, S m i t h , Penna e Paoliello explicaram que a vacina só havia indu-
zido efeitos m ó r b i d o s m u i t o leves (dores de cabeça, elevação da t e m p e r a -
tura, fraqueza passageira), o u m e s m o inexistentes. O procedimento, além
disso, foi m u i t o eficaz: a p r o x i m a d a m e n t e 9 5 % dos vacinados desenvolve-
r a m u m a t a x a s a t i s f a t ó r i a de a n t i c o r p o s p r o t e t o r e s . Os a u t o r e s descre-
v e m , em u m a n e x o , os procedimentos de rotina quando de u m a c a m p a n h a
de vacinação em c a m p o . A equipe se compõe de u m médico, u m assistente
e u m m o t o r i s t a / s e c r e t á r i o . Duas mesas são preparadas e m u m prédio onde
ocorrerá a vacinação: u m a para a reconstituição das vacinas, o u t r a para o
registro dos dados. O secretário deve escrever o n o m e , a idade e o sexo de
cada pessoa vacinada, a s s i m c o m o a ordem de inoculação. Se for vacinado
u m g r u p o pequeno de indivíduos ( 3 0 0 - 4 0 0 pessoas), u t i l i z a m - s e f o r m u ¬
lários especiais inseridos n o livro de vacinação. Se o n ú m e r o de pessoas for
maior, é m a i s c ô m o d o distribuir pedaços de papel n o s quais as pessoas
v a c i n a d a s t r a z e m as i n f o r m a ç õ e s pedidas - procedimento que pressupõe
u m a t a x a adequada de alfabetização. Cada pessoa entrega s u a ficha n o
m o m e n t o da vacinação. Esses papéis são enfileirados n a ordem de entrega
em u m fio de ferro, antes de serem copiados, à noite, no livro de v a c i n a -
ção. A mesa que serve para a preparação das vacinas deve, na medida do
possível, ser colocada e m u m c ô m o d o separado, p a r a n ã o a t r a p a l h a r a
circulação das pessoas vacinadas. O próprio ato é altamente estandardizado,
para que a sua execução seja rápida. A vacina liofilizada (secada a frio e a
v á c u o ) é diluída 1 0 0 o u 2 0 0 vezes c o m á g u a fisiológica estéril, inicial-
mente 1 / 1 0 n a ampola original, em seguida 1 / 1 0 o u 1 / 2 0 diretamente na
seringa. Cada seringa serve para vacinar de 1 0 a 2 0 pessoas; a a g u l h a é
trocada para cada pessoa vacinada (figura 1 0 ) . U s a m - s e n o r m a l m e n t e dois
porta-agulhas redondos c o m 3 6 agulhas cada; u m é esterilizado enquanto
o o u t r o está em uso. A ú l t i m a diluição de cada lote de vacina reconstituída
é injetada em seis c a m u n d o n g o s , para se verificar se a vacina está ativa e
86
se assegurar de que ela não induz reações a n o r m a i s . Além de u m a v a c i -
n a ç ã o rápida, esse p r o c e d i m e n t o p e r m i t i u l o c a l i z a r as p e s s o a s t r a t a d a s
por cada lote e determinar a fonte dos potenciais problemas pós-vacinais.
V á r i a s s e m a n a s depois, u m o u t r o médico p a s s a v a n a s localidades p a r a
coletar a m o s t r a s de soros, verificar a t a x a de anticorpos protetores e inter-
r o g a r as pessoas v a c i n a d a s p a r a colher i n f o r m a ç õ e s sobre a s eventuais
seqüelas da i m u n i z a ç ã o . Esses dados eram, e m seguida, transferidos para
87
o livro da v a c i n a ç ã o .
A rapidez do sucesso do 1 7 D t r o u x e a l g u n s problemas. Foi preciso
passar rapidamente da escala do laboratório de pesquisas a u m a produção
semi-industrial. S m i t h e Penna f o r a m n o m e a d o s responsáveis pela fabri-
3 88
cação que, e m 1 9 3 8 , atingiu de 3 0 0 a 8 0 0 c m / d i a . Inicialmente, a dire-
ç ã o da IHD n ã o estava convencida de que tal aceleração fosse desejável.
U m m e m o r a n d o redigido por J o h a n n e s Bauer ( u m dos responsáveis pelo
Laboratório da Febre Amarela de Nova York), a pedido da direção, m e n c i o -
na as fortes pressões exercidas pelos brasileiros sobre a Fundação Rockefeller
para ampliar as c a m p a n h a s de vacinação; entretanto, ele considera que n o
a t u a l estado dos c o n h e c i m e n t o s e dada a falta de técnicos c o m p e t e n t e s ,
89
talvez fosse mais prudente desacelerar a produção da v a c i n a . A recomen-
dação parecia difícil de ser seguida n o Rio de J a n e i r o , e m razão da exten-
são das epidemias de febre amarela silvestre. Ele prometeu, todavia, t o m a r
o m á x i m o de precauções para garantir a b o a qualidade da vacina produzi-
da n o Rio, fosse a preparação de lotes de t a m a n h o limitado o u a realização
90
de vários testes de patogenia para cada l o t e . E m m a r ç o de 1 9 3 8 , a de-
m a n d a p o r v a c i n a n o Brasil parecia u l t r a p a s s a r as capacidades locais de
p r o d u ç ã o de 1 7 D e m embriões de galinha. O laboratório do Rio t a m b é m
t i n h a dificuldades em m a n t e r u m a t i t u l a ç ã o u n i f o r m e de v í r u s n a v a c i -
91
na. Os responsáveis pelo laboratório consideraram a possibilidade de en-
riquecer a v a c i n a c o m u m v í r u s produzido n o cérebro do c a m u n d o n g o .
Hesitaram por u m tempo. A passagem pelo c a m u n d o n g o torna, é verdade,
possível a rápida o b t e n ç ã o de a l t a s t i t u l a ç õ e s de v í r u s , m a s a o m e s m o
t e m p o a u m e n t a o risco de c o n t a m i n a ç ã o acidental p o r v í r u s de c a m u n -
92
dongo, c o m o o v í r u s de coriomeningite linfocitária. Pesquisadores ingle-
ses s u s p e i t a r a m que tais vírus estivessem n a o r i g e m de a l g u n s c a s o s de
icterícia pós-vacinal. Soper, que estava a par dessas suspeitas, a n o t o u e m
seu diário que casos isolados de icterícia foram recenseados no Brasil após
a v a c i n a ç ã o c o m u m vírus cultivado e m células embrionárias de c a m u n -
93
dongos. Finalmente, a produção de 1 7 D nos ovos fertilizados a u m e n t o u ,
94
e renunciou-se ao projeto de utilizar a vacina produzida no c a m u n d o n g o .

A partir de 1 9 3 8 , os especialistas da Fundação Rockefeller no Brasil


c o n s t a t a r a m que os lotes de 1 7 D e r a m de qualidade desigual e que alguns
95
deles induziam b a i x o teor de a n t i c o r p o s . Inicialmente, Soper pensou que
tais flutuações p o d i a m ser i m p u t a d a s à presença de anticorpos c o n t r a o
vírus da febre amarela n o soro h u m a n o utilizado c o m o diluente n a prepa-
ração da vacina. As investigações realizadas n o Laboratório da Febre A m a -
rela da IHD em Nova York m o s t r a r a m que a adição de proteínas era indis-
pensável para impedir a rápida perda da eficácia de u m a vacina liofilizada
e reconstituída, e garantir a homogeneidade das injeções vacinadoras ( u m a
a m p o l a de v a c i n a i m u n i z a v a de 1 0 0 a 2 0 0 pessoas; se a v a c i n a perdia
rapidamente sua atividade em diluição, a primeira e a última pessoa i m u -
nizadas c o m essa a m p o l a recebiam doses de vírus ativo m u i t o diferentes).
Disso, os pesquisadores concluíram que o soro h u m a n o obtido a partir do
sangue de voluntários saudáveis era o melhor diluente proteínico possível,
c o m o risco de reações às p r o t e í n a s e s t r a n h a s p r a t i c a m e n t e descartado.
Soper a c h o u o soro h u m a n o problemático em razão da eventual presença
de s u b s t â n c i a s inibidoras do v í r u s da febre a m a r e l a e das diferenças que
96
pudesse haver entre os diversos l o t e s .
Uma c a m p a n h a de v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a realizada n o
Espírito S a n t o evidenciou a insuficiência da proteção induzida por alguns
lotes de v a c i n a . U m a irrupção de febre a m a r e l a silvestre o c o r r e u naquele
estado n o o u t o n o de 1 9 3 8 . A c a m p a n h a de vacinação e m m a s s a (aproxi-
m a d a m e n t e 1 0 0 . 0 0 0 pessoas), realizada e m fins de 1 9 3 8 e início de 1 9 3 9 ,
não impediu o surgimento de casos entre as pessoas vacinadas a partir do
97
m ê s de f e v e r e i r o . Testes i m u n o l ó g i c o s r e v e l a r a m m a i s t a r d e q u e u m a
parte significativa das pessoas vacinadas n ã o desenvolveu anticorpos p r o -
tetores. Os lotes de vacinas condenados teriam perdido seu poder vacinador
após u m a m o d i f i c a ç ã o espontânea da antigenicidade de u m a subcepa de
1 7 D . Esta parecia ter perdido, de m o d o inexplicável, 8 0 % de seu poder
a a
vacinador entre a 3 5 0 e a 390 p a s s a g e m e m c u l t u r a . A detecção dessa
m u t a ç ã o tornou-se difícil pelo fato de que o vírus m u t a n t e havia perdido a
capacidade de induzir anticorpos protetores n o h o m e m , conservando a c a -
pacidade de provocar u m a encefalite n o c a m u n d o n g o (a indução de encefalite
era o teste de rotina empregado para verificar se o 1 7 D não havia perdido
seu poder patogênico). Soper e seus colegas decidiram restringir a v a c i n a -
ção até que todos os lotes fossem verificados. Nesse caso, recriminou-se o
n ú m e r o excessivo de t r a n s f e r ê n c i a s e m c u l t u r a , s e m que n o e n t a n t o se
pudesse c o m p r o v á - l a s . Conseqüentemente, os responsáveis pelo l a b o r a t ó -
rio do Rio de J a n e i r o decidiram l i m i t a r o n ú m e r o de p a s s a g e n s de u m a
9 8
determinada subcepa a 2 5 0 e, se possível, a 2 0 0 .

As c a m p a n h a s de v a c i n a ç ã o , q u a s e t o t a l m e n t e i n t e r r o m p i d a s por
alguns meses, foram retomadas em 1 9 3 9 . Nesse ínterim, surgiu u m outro
problema: a icterícia pós-vacinal. Os r u m o r e s que c i r c u l a v a m desde m a i o
99
de 1 9 3 8 f o r a m desmentidos pelos responsáveis da Fundação Rockefeller.
E m o u t u b r o de 1 9 3 9 , p e s s o a s t r a t a d a s c o m o lote 4 6 7 d e s e n v o l v e r a m
u m a icterícia q u a t r o o u cinco meses após a v a c i n a ç ã o . Os trabalhadores
da fábrica situada perto de Campos p a g a r a m u m preço alto: a p r o x i m a d a -
m e n t e 5 0 casos de icterícia entre as 2 6 7 pessoas vacinadas e m m a i o . A o
todo, 2 7 % das pessoas desenvolveram a doença, a l g u m a s em s u a f o r m a
grave. U m estudo realizado n o local evidenciou p o u c o s casos de icterícia
nas pessoas cujo n o m e n ã o foi encontrado nas listas, apesar de elas terem
a f i r m a d o q u e h a v i a m se b e n e f i c i a d o da v a c i n a . U m a i n v e s t i g a ç ã o
epidemiológica revelou que a icterícia s u r g i u em todas as localidades e m
que pessoas h a v i a m sido vacinadas pelo m e s m o lote, m a s que a t a x a de
indivíduos doentes variou conforme os locais. O lote 4 6 7 teria provocado,
ao todo, 1 4 0 casos de icterícia, u m deles m o r t a l . E m Campos, 6 das 2 6 1
pessoas vacinadas teriam desenvolvido u m a icterícia. O lote 4 6 9 foi igual-
m e n t e c o n d e n a d o . Kerr p e n s o u que a l g u n s lotes de v a c i n a h a v i a m sido
produzidos e m 1 9 3 9 c o m s o r o n ã o - i n a t i v a d o (na época, c o n s i d e r a v a - s e
que a inativação do soro, o u seja, seu aquecimento a 5 6 ° C por 3 0 m i n u t o s ,
era u m a medida suficiente p a r a eliminar q u a l q u e r c o n t a m i n a ç ã o v i r a l ) .
U m a reunião do pessoal do laboratório do Rio permitiu verificar que o lote
icterogênico da vacina havia m e s m o sido preparado c o m u m soro inativado;
revelou-se, todavia, impossível excluir a possibilidade de que o vírus utili-
zado para a preparação desse lote tivesse sido anteriormente cultivado em
presença de soro ativo, pois a l g u n s lotes de 1 7 D h a v i a m sido preparados
e m condições descritas c o m o "perturbadoras". A c o n t a m i n a ç ã o pôde, a s -
sim, intervir m a i s cedo, e ser p o s t e r i o r m e n t e perpetuada pelas passagens
100
sucessivas do v í r u s . Soper e Kerr c o n s t a t a r a m , na m e s m a ocasião, que
os lotes de v í r u s que e n t r a r a m n a p r e p a r a ç ã o dos lotes icterogênicos de
vacina n ã o eram mais utilizados n o laboratório. Os responsáveis pela p r o -
d u ç ã o decidiram classificar o s u r g i m e n t o de icterícia p ó s - v a c i n a l c o m o
u m infeliz acidente, p r o v a v e l m e n t e imputável a u m a disfunção m o m e n -
tânea da linha de produção. U m a fiscalização m a i s rigorosa do processo
de f a b r i c a ç ã o do 1 7 D se i m p u n h a l e g i t i m a m e n t e , m a s a i n t e r r u p ç ã o da
vacinação contra a febre amarela em pleno período epidêmico não se j u s t i -
ficava. É interessante observar que n e m esse incidente, n e m os incidentes
u l t e r i o r e s p r o v o c a r a m rejeição à v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a pela
população o u gerou u m a c a m p a n h a da imprensa brasileira c o n t r a a v a c i -
na. A ó t i m a acolhida q u e t i v e r a m as c a m p a n h a s de v a c i n a ç ã o c o n t r a s t a
singularmente c o m a resistência às o u t r a s medidas introduzidas pelo SFA.
Essa diferença pode ser atribuída ao fato de que a vacinação era u m a m e -
dida de p r o t e ç ã o individual, u m a t o v o l u n t á r i o cujo benefício era facil-
mente avaliável. Além disso, o fato de que n u m primeiro m o m e n t o ( 1 9 3 5 -
1 9 3 6 ) a vacinação ( c o m soro hiperimune) tenha sido reservada a cidadãos
privilegiados, tais c o m o os funcionários das c o m p a n h i a s estrangeiras e os
m e m b r o s de suas famílias, fez crescer o seu prestígio.
Em j a n e i r o de 1 9 4 0 , o Dr. Sérvulo de Lima, da Fundação Rockefeller,
relata u m c a s o de icterícia que se seguiu à v a c i n a ç ã o pelo lote 4 8 7 , que
não havia sido indicado c o m o indutor de icterícia pós-vacinal. Em maio de
1 9 4 0 , relatórios provenientes do sul do estado do Espírito S a n t o (sempre
ameaçado por irrupções de febre amarela silvestre) dão notícia de n u m e r o -
sos casos de icterícia provenientes de três novos lotes da vacina, todos de
101
produção recente. Os responsáveis pela F u n d a ç ã o Rockefeller decidem
n o v a m e n t e i n t e r r o m p e r as c a m p a n h a s de v a c i n a ç ã o e m m a s s a e realizar
pesquisas aprofundadas sobre a c a u s a da icterícia. Eles l a n ç a m pesquisas
epidemiológicas de g r a n d e e n v e r g a d u r a e m t o d o s a s regiões e m que os
lotes suspeitos f o r a m usados, que revelam 1 . 0 7 2 casos, 2 4 deles fatais, de
icterícia associados à vacinação pelos lotes condenados. A distribuição dos
casos n ã o era h o m o g ê n e a : o s adultos e s t a v a m m a i s e x p o s t o s do que os
j o v e n s , os h o m e n s mais do que as mulheres; os moradores das cidades e os
pobres eram, igualmente, mais atingidos. A l é m disso, os casos de icterícia
eram reagrupados em a l g u m a s localidades e em algumas famílias o u coa¬
bitações [households]. Esse esquema suscita, segundo Soper, a possibilidade
de que exista u m fator adicional suscetível de favorecer a icterícia; poderia
tratar-se de u m elemento ligado ao status socioeconômico das pessoas a t i n -
gidas, a ancilostomíase o u a desnutrição, por exemplo. A f o r m a clínica da
doença era semelhante à da doença qualificada nos anos 1 9 3 0 c o m o "icte-
rícia epidêmica" o u "icterícia infecciosa". A principal diferença era que a
doença induzida pela vacina c o n t r a a febre a m a r e l a t i n h a u m período de
102
incubação m u i t o m a i o r .

O l a b o r a t ó r i o do Rio de J a n e i r o c o n t r a t a pesquisas intensivas para


identificar rapidamente a c a u s a da infecção da v a c i n a . O Dr. J o h n F o x e
seus colegas c o m e ç a r a m pelo e x a m e sistemático de todos os lotes e pelo
estudo do c o n j u n t o dos elementos potencialmente contaminadores. O pri-
meiro c o m p o n e n t e suspeito foi o soro h u m a n o . F o x c o n s t a t o u que todos
os lotes de soro h u m a n o recentemente empregados h a v i a m sido inativados
em condições corretas. Ele admitiu, entretanto, a possibilidade de que u m a
i n a t i v a ç ã o b e m realizada n ã o fosse suficiente p a r a destruir u m eventual
103
agente i n f e c c i o s o . A fieira dos embriões de galinha foi e m seguida p a s -
sada pelo crivo, apesar de s u a proveniência uniforme parecer afastar qual-
quer risco. U m a m u t a ç ã o do vírus 1 7 D foi a terceira eventualidade consi-
104
derada; a q u a r t a foi a existência de u m agente tóxico na p r e p a r a ç ã o .
A o elaborar seu p r o g r a m a de investigação, F o x e Soper l a m e n t a m
n ã o terem aproveitado as ocorrências precedentes de hepatite que se segui-
r a m a u m a i m u n i z a ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a para fazer estudos m a i s
105
profundos sobre a etiologia desta d o e n ç a . E m j u n h o , F o x vai a Vitória,
n o Espírito S a n t o , p a r a e s t u d a r u m a epidemia de icterícia p ó s - v a c i n a l .
S u a s investigações epidemiológicas s u g e r i r a m - l h e a possibilidade de que,
além de u m agente contido em lotes específicos de vacina, u m o u t r o a g e n -
te etiológico circulasse n o local. Ele sublinha a i m p o r t â n c i a do a c o m p a -
n h a m e n t o da distribuição geográfica dos casos, e recomenda o e x a m e dos
casos de icterícia que n ã o estão ligados à vacinação c o n t r a a febre a m a r e -
1 0 6
la. Ao voltar ao Rio, propõe testar em c a m p o todos os lotes disponíveis
da vacina c o n t r a a febre amarela; dessa maneira, e m cinco meses se sabe-
107
rá quais são os lotes que n ã o induzem icterícia, idéia à qual Soper se o p õ e .
E m setembro de 1 9 4 0 , os pesquisadores do laboratório do Rio estão
cada vez m a i s convencidos de que "o s o r o h u m a n o é a p o r t a de entrada
mais provável para a c o n t a m i n a ç ã o " . Eles c h e g a r a m a essa conclusão prin-
cipalmente por eliminação sistemática de todos os demais elementos s u s -
108
peitos. A possibilidade de u m a m u t a ç ã o icterogênica do v í r u s 1 7 D foi
excluída c o m base e m indicações i m u n o l ó g i c a s : n ã o foi possível estabele-
cer n e n h u m a c o r r e l a ç ã o e n t r e a t a x a de a n t i c o r p o s c o n t r a o 1 7 D e o
s u r g i m e n t o de icterícia. Pessoas que n ã o h a v i a m desenvolvido anticorpos
c o n t r a a febre a m a r e l a , o u as vacinadas que j á h a v i a m sido i m u n i z a d a s
por u m c o n t a t o anterior c o m o vírus (a existência de u m a imunidade pre-
cedente à vacinação pode ser verificada comparando-se a t a x a de anticorpos
séricos i m e d i a t a m e n t e após a v a c i n a ç ã o e a l g u m a s s e m a n a s depois) c a í -
ram doentes, por vezes sofrendo formas g r a v e s de i c t e r í c i a . E m
contrapartida, o soro era mais difícil de separar. Os pesquisadores do l a b o -
r a t ó r i o do Rio e n u m e r a r a m as c i r c u n s t â n c i a s n a s q u a i s os s o r o s f o r a m
associados a u m a icterícia, fosse ela a icterícia pós-vacinal dos cavalos, a
que surge após a a d m i n i s t r a ç ã o de u m soro c o n t r a o s a r a m p o o u ainda
aquela ligada à vacinação contra a febre amarela por u m vírus 1 7 E a s s o -
109
ciado ao s o r o h i p e r i m u n e . Eles a c o n s e l h a m , então, que toda v a c i n a ç ã o
seja interrompida, que se importe de Nova York u m novo lote de vírus 1 7 D ,
e que se inicie a produção de u m a vacina sem soro h u m a n o : "Na ausência
de u m a ameaça real de febre amarela, não podemos estimular as pessoas a
110
se vacinarem c o m u m produto n o qual nós m e s m o s não c o n f i a m o s " .

E m a g o s t o de 1 9 4 0 , Kerr p r o p õ e p r o d u z i r u m a v a c i n a u t i l i z a n d o
c o m o diluente apenas o líquido de embrião de galinha (o 1 7 D é cultivado
em ovos fertilizados de galinha; a própria vacina provém do líquido clari-
ficado de embriões de galinha infectados pelo vírus, diluído e m s o r o h u -
m a n o . Kerr propõe diluir a s u s p e n s ã o dos embriões infectados c o m u m
líquido s e m e l h a n t e o r i u n d o de e m b r i õ e s de g a l i n h a n ã o infectados pelo
111
vírus). Não era a primeira tentativa dos pesquisadores do Rio de descar-
t a r o u s o do s o r o h u m a n o : e m 1 9 3 9 , eles j á h a v i a m tentado utilizar a
g o m a arábica, m a s o 1 7 D não havia sobrevivido em u m a suspensão desta
112
substância. Os p r i m e i r o s testes e m l a b o r a t ó r i o o c o r r e r a m e m fins de
agosto, os primeiros testes n o h o m e m em fins de setembro. Os resultados
são j u l g a d o s satisfatórios, e a vacina sem soro, preparada c o m u m a cepa
n o v a de 1 7 D importada de Nova York e o líquido de embrião de galinha,
entra em fase de produção em m a s s a e m o u t u b r o de 1 9 4 0 . Ela é testada
pela primeira vez e m c a m p o em n o v e m b r o de 1 9 4 0 (em São Mateus, Belo
H o r i z o n t e ) , e depois, a partir do fim de 1 9 4 0 , seu u s o se generaliza e m
todo o território brasileiro. N e n h u m caso de icterícia pós-vacinal foi regis-
1 1 3
trado n o Brasil depois de dezembro de 1 9 4 0 .
A c o n c l u s ã o prática dos pesquisadores brasileiros que e s t u d a r a m a
epidemia de icterícia é isenta de ambigüidade: o soro h u m a n o é visto c o m o
a fonte m a i s provável de c o n t a m i n a ç ã o . Soper e seus colegas produziram
u m a v a c i n a s e m s o r o h u m a n o , e n ã o o c o r r e r a m m a i s c a s o s de icterícia
p ó s - v a c i n a l n o Brasil, até que desapareceram. As conclusões teóricas são
mais complicadas. As enquetes epidemiológicas não revelaram o nexo c a u -
sal s i m p l e s e n t r e a d i s t r i b u i ç ã o dos lotes de v a c i n a e o s u r g i m e n t o de
icterícia. A hipótese, defendida especialmente por J o h n F o x (ver adiante),
de u m "segundo f a t o r i c t e r o g ê n i c o " poderia explicar p o r que a icterícia
s u r g i u e m determinados lugares, determinadas coabitações e determina-
das famílias. Soper estava disposto a admitir a existência de u m outro "agente
causal" da icterícia. A variabilidade da distribuição e das manifestações da
icterícia poderia se explicar, segundo ele, pelos diferentes graus de resistên-
cia individual a u m único agente causal da doença, diferenças que podem
ser hereditárias, m a s m a i s provavelmente refletem fatores ambientais ( n u -
114
trição, estado geral de saúde, presença de outras p a t o l o g i a s ) .
Encerrado o episódio de icterícia p ó s - v a c i n a l , Soper e seus colegas
v i r a m - s e d i a n t e de u m a n o v a dificuldade. E m j u n h o de 1 9 4 1 , f o r a m
registrados c a s o s de encefalite n a cidade de G u a n h ã e s , em M i n a s Gerais,
de 7 a 1 4 dias após a v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a realizada c o m o
1 1 5
lote E 7 0 1 . Foi u m médico local, o Dr. J o s é Eulálio, que, observando se-
melhanças entre todos aqueles casos, estabeleceu o elo c o m a recente c a m -
p a n h a de vacinação contra a febre amarela e alertou o escritório da Funda-
116
ção Rockefeller n o R i o . Após u m breve período de hesitação, os responsá-
veis pela Fundação Rockefeller decidiram realizar uma enquete
epidemiológica aprofundada n o local. Avalia-se e m 2 3 9 o n ú m e r o de c a -
sos de encefalite p ó s - v a c i n a l n a região (trata-se de u m a avaliação m í n i -
m a , pois a encefalite n e m sempre era fácil de diagnosticar; além disso, ela
podia ser confundida c o m o u t r a s doenças, c o m o a m a l á r i a ) ; 1 0 1 c a s o s
f o r a m considerados leves, 8 3 intermediários e 5 5 severos, a c o m p a n h a d o s
de s i n t o m a s neurológicos graves. As c r i a n ç a s são p a r t i c u l a r m e n t e afeta-
das, e o s j o v e n s , m a i s g r a v e m e n t e a t i n g i d o s . U m a c r i a n ç a m o r r e u de
encefalite. A o c o n t r á r i o da h e p a t i t e p ó s - v a c i n a l o b s e r v a d a n o B r a s i l , a
f r e q ü ê n c i a da encefalite n ã o foi m a i s a l t a e m a l g u m a s f a m í l i a s o u e m
a l g u n s l u g a r e s ; a o c o n t r á r i o , ela parecia a t a c a r a l e a t o r i a m e n t e entre as
117
pessoas v a c i n a d a s .
A encefalite observada nas pessoas vacinadas contra a febre amarela
p a r e c i a - s e c l i n i c a m e n t e c o m o u t r a s encefalites de o r i g e m v i r a l . R e s t a v a
saber se ela era induzida pelo próprio 1 7 D o u por u m vírus contaminador.
Os pesquisadores do l a b o r a t ó r i o da febre a m a r e l a n ã o c o n s e g u i r a m evi-
denciar u m v í r u s c o n t a m i n a n t e injetando o lote de v a c i n a suspeita e m
solução de á g u a salgada (que inativa o vírus da febre amarela) em cobaias.
O fracasso de todas as tentativas de isolar u m agente putativo de icterícia
p ó s - v a c i n a l n ã o h a v i a impedido a a d o ç ã o da hipótese de s u a e x i s t ê n c i a .
Os pesquisadores da Fundação Rockefeller, entretanto, preferiram atribuir a
encefalite ao próprio 1 7 D , pois ele era capaz de induzir a encefalite n o m a -
caco, e a vacinação apenas c o m o vírus neurotrópico engendrou alguns c a -
sos de encefalite n o h o m e m . Os pesquisadores do Rio c o n s t a t a r a m , a l é m
disso, que a subcepa de 1 7 D que eles haviam utilizado na série de vacinação
condenada provocara u m a t a x a especialmente alta de encefalite n o m a c a c o
( 2 8 % para u m a injeção direta no cérebro, contra os 5% induzidos pelas subcepas
utilizadas a n t e r i o r m e n t e ) . Finalmente, pesquisas i m u n o l ó g i c a s i n d i c a r a m
que as pessoas que haviam sofrido de formas graves de encefalite desenvol-
v e r a m t a x a s particularmente altas de anticorpos contra o 1 7 D (contrarian-
do a ausência de qualquer relação entre a taxa de anticorpos contra o 1 7 D e
118
o s u r g i m e n t o da icterícia p ó s - v a c i n a l ) .

A conclusão dos pesquisadores da Fundação Rockefeller n o Brasil foi


de que a epidemia de encefalite pós-vacinal havia sido induzida pela súbi-
ta m u t a ç ã o de u m a subcepa de v í r u s 1 7 D utilizada n o lote E 7 1 8 . Esse
fenômeno n ã o pôde ser explicado pelo n ú m e r o demasiado grande de t r a n s -
ferências e m u m a cultura de tecido (explicação aventada em 1 9 3 9 para se
entender a perda de antigenicidade de u m a subcepa de 1 7 D ) . A s u b c e p a
condenada n o episódio de encefalite havia sido transferida apenas 2 0 v e -
zes e m cultura, o que levou à preocupante conclusão de que "as m u t a ç õ e s
indesejáveis do vírus podem ocorrer m e s m o após u m n ú m e r o reduzido de
passagens". Tais mutações, a f i r m a r a m os pesquisadores do Rio, são relati-
v a m e n t e raras. O 1 7 D c o n t i n u a a manter, segundo eles, v a n t a g e m sobre o
v í r u s n e u r o t r ó p i c o utilizado pelos franceses n a África. Se r e t o m a r m o s as
classificações de Sorel, o v í r u s n e u r o t r ó p i c o francês i n d u z i u r e a ç õ e s de
severidade média o u grave e m a p r o x i m a d a m e n t e 1 3 % das pessoas v a c i n a -
119
das. Por c o m p a r a ç ã o , m e s m o o lote E 7 1 8 , caso único entre os n u m e r o -
sos lotes de 1 7 D , induziu apenas 2 , 6 6 % de reações de severidade média a
grave. M a s a utilização de u m vírus vivo abria a possibilidade de que o u -
tras mutações ocorressem:

Ainda que a observação dos macacos inoculados com as subcepas


virais possa indicar que ocorreu uma mutação indesejável, a melhor
proteção contra os incidentes futuros de natureza semelhante é, para
nós, u m cuidadoso acompanhamento de u m número adequado de pes-
120
soas vacinadas.

Os especialistas da Fundação Rockefeller n o Brasil c o n c l u í r a m , c o m base


em sua experiência em acidentes pós-vacinais, que apenas estudos de c a m p o
b e m feitos sobre os efeitos da vacinação podem prevenir tais acidentes ou,
pelo m e n o s , a t e n u a r seu impacto. Seus colegas do laboratório da IHD em
Nova York n ã o p a r t i l h a r a m dessa opinião.

Icterícia Pós-vacinal no Exército Americano

E m m a r ç o de 1 9 4 2 , u m a epidemia de icterícia eclodiu entre os solda-


dos recentemente vacinados contra a febre amarela. A notícia desconcertou
os funcionários do laboratório da IHD. Os pesquisadores de Nova York, e
mais especificamente Bauer e Sawyer, não esperavam que a vacina pudesse
induzir u m a icterícia. Sua primeira reação foi negar que a epidemia de hepa-
tite tivesse a l g u m a relação c o m a v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a . S u a
atitude é de surpreender. Desde 1 9 3 7 , a ligação entre a icterícia e a vacina-
ção c o n t r a a febre a m a r e l a era conhecida por todos os pesquisadores que
trabalhavam nessa área. S a w y e r anota em seu diário de m a r ç o de 1 9 3 8 que
encontrara Findlay n o Instituto Wellcome, e m Londres, e que h a v i a m ido
j u n t o s a u m a reunião da Royal Society o f Medicine, onde Findlay apresen-
tara u m a conferência sobre "Hepatite e icterícia associadas à i m u n i z a ç ã o
121
c o n t r a a l g u m a s doenças v i r a i s " . C o m o diretor do IHD, S a w y e r sabia de
todos os problemas que a vacinação antiamarílica havia encontrado n o B r a -
sil. Ele recebeu cópias de todos os diários mantidos pelo pessoal da Fundação
Rockefeller nesse país, assim c o m o das cartas e relatórios detalhados sobre o
a s s u n t o , e participou a t i v a m e n t e dos debates sobre a icterícia surgida e m
pessoas imunizadas c o m o 1 7 D produzido n o Rio de J a n e i r o . Entretanto,
seus colaboradores e ele próprio não levaram a sério a possibilidade de que
tal desventura ocorresse c o m o produto que eles haviam desenvolvido.
Até 1 9 4 0 , o laboratório da IHD em Nova York havia produzido u m a
quantidade limitada de v a c i n a c o n t r a a febre a m a r e l a , destinada às pes-
soas que viajavam para regiões tropicais. C o m a Segunda Guerra Mundial,
t o r n o u - s e necessária u m a c o b e r t u r a vacinai adequada dos soldados a m e ¬
r i c a n o s . O l a b o r a t ó r i o de N o v a York v o l t o u - s e , e n t ã o , p a r a a p r o d u ç ã o
s e m i - i n d u s t r i a l de v a c i n a s . E m u m a r e u n i ã o q u e c o n g r e g a v a , e m 1 0 de
j u n h o de 1 9 4 0 , os r e p r e s e n t a n t e s do E x é r c i t o , do Public Health Service
(PHS) e o s diretores da F u n d a ç ã o Rockefeller, o s r e p r e s e n t a n t e s do PHS
p e r g u n t a r a m se a Fundação Rockefeller poderia produzir 1 0 0 . 0 0 0 doses de
vacina c o n t r a a febre amarela por a n o para o Exército americano. A vacina
seria reservada, e utilizada em caso de necessidade. A produção da vacina
pela Fundação Rockefeller era vista c o m o u m a medida temporária. Os di-
retores da Fundação Rockefeller f o r a m , c o m efeito, c h a m a d o s pelo gover-
n o a m e r i c a n o a apresentar u m plano de produção da vacina para o serviço
de saúde do Exército, a n e x a n d o a avaliação de seu c u s t o , a s s i m c o m o a
lista do pessoal técnico que poderia assumi-la, a fim de permitir a r e t o m a -
da da produção pelo PHS, o qual devia assegurar a proteção dos cidadãos
122
a m e r i c a n o s e m caso de g u e r r a . Inicialmente, os dirigentes da Fundação
Rockefeller h e s i t a r a m : n ã o e s t a v a m certos de que u m laboratório da IHD
devesse t r a n s f o r m a r - s e em fornecedor de vacina para o Exército dos E s t a -
123
dos U n i d o s .
A o longo do verão de 1 9 4 0 , u m a severa epidemia de febre a m a r e l a
124
eclodiu nas m o n t a n h a s de Nuba, n o Sudão, então sob protetorado i n g l ê s .
O Medical Research Council (MRC) britânico, incapaz de fornecer a q u a n -
tidade de vacina requerida para a proteção das populações civis sudanesas,
dirigiu-se à Fundação Rockefeller a partir do o u t o n o de 1 9 4 0 . Findlay, e m
n o m e do MRC, pediu u m a primeira remessa de 2 5 0 . 0 0 0 doses, e depois a
destinação de 5 0 . 0 0 0 doses por s e m a n a . B a u e r respondeu a Findlay que
era difícil para u m laboratório de pesquisa lançar-se à produção em m a s s a
de vacina. Entretanto, sob a dupla pressão dos exércitos americano e b r i t â -
nico, os diretores científicos da Fundação Rockefeller m u d a r a m de opinião
e r e c o m e n d a r a m a criação de u m laboratório permanente dedicado à p r o -
dução da vacina da IHD. U m andar da Fundação Rockefeller seria posto à
disposição desse laboratório. U m m e m b r o associado do Instituto Rockefeller,
o Dr. Kenneth Goodner, é contratado para a s s u m i r sua direção. E m dezem-
b r o de 1 9 4 0 , a IHD e n v i o u pela p r i m e i r a vez 1 0 0 . 0 0 0 doses de v a c i n a
125
c o n t r a a febre amarela ao S u d ã o .
Em 1 9 4 0 , a entrada dos Estados Unidos na guerra n ã o estava defini-
da. D u r a n t e o verão de 1 9 4 1 , ela parecia iminente. Estava claro que, nesse
caso, tropas seriam enviadas a regiões onde a febre amarela era endêmica,
tais c o m o o Caribe. Em 1 0 de j a n e i r o de 1 9 4 1 , o coronel S i m m o n s explicou
ao Dr. Parran [Surgeon General] e ao Dr. Veledee, diretor do PHS, que a, seu
ver, o L a b o r a t ó r i o da Febre A m a r e l a da F u n d a ç ã o Rockefeller n ã o seria
capaz de produzir v a c i n a e m quantidade suficiente para as tropas a m e r i ¬
canas. W a r r e n (que estava substituindo temporariamente S a w y e r na dire-
ção da IHD) a n o t o u e m seu diário e m 1 8 de j a n e i r o que o Dr. Parran se
havia p e r g u n t a d o sobre a possibilidade de recorrer a u m l a b o r a t ó r i o c o -
m e r c i a l . W a r r e n e s t i m o u q u e a F u n d a ç ã o Rockefeller poderia acelerar a
produção da vacina b e m mais rapidamente do que u m laboratório c o m e r -
cial, totalmente desprovido de experiência na área. Além disso, se a produ-
ç ã o devia p a s s a r à escala industrial, os representantes de u m a empresa
farmacêutica privada - citou-se Lederle - deveriam aprender o método n o
l a b o r a t ó r i o da IHD. W a r r e n considerava p r o b l e m á t i c a a p r e s e n ç a desses
representantes da indústria. P a r r a n respondeu que eles i r i a m à IHD e m
n o m e do governo dos Estados Unidos, e n ã o enviados por sua firma, m a s
W a r r e n c o n t i n u o u cético: n ã o estava persuadido de que tal distinção p u -
126
desse ser m a n t i d a .
E m 2 0 de j a n e i r o de 1 9 4 0 , B a u e r recebeu u m a c a r t a do Dr. Veledee
comunicando-lhe a decisão de envolver duas firmas farmacêuticas na p r o -
dução da v a c i n a c o n t r a a febre amarela. A Fundação Rockefeller era c h a -
m a d a a a s s u m i r a f o r m a ç ã o de seus representantes. B a u e r opôs-se forte-
m e n t e à idéia. W a r r e n relata e m seu diário que n ã o era de m o d o a l g u m
certo que o diretor do I n s t i t u t o Rockefeller, o Dr. Gosser, permitiria u m a
associação desse tipo, e m r a z ã o da experiência negativa ocorrida n o p a s -
sado c o m a l g u m a s firmas c o m e r c i a i s , n o t a d a m e n t e c o m os l a b o r a t ó r i o s
Lederle, e n t ã o cogitados. O Dr. Veledee propôs que os representantes das
firmas comerciais fossem nomeados m e m b r o s do National Health Institute
(NHI), pelo t e m p o que durasse sua a t u a ç ã o na Fundação Rockefeller, p r o -
posta descartada por Bauer. O diretor da Fundação Rockefeller, apoiado por
Bauer, respondeu que a instituição estava pronta a colaborar c o m o gover-
n o dos Estados Unidos, m a s que n ã o era o caso de acolher e m suas insta-
lações os r e p r e s e n t a n t e s de f i r m a s c o m e r c i a i s . Fosdick a f i r m o u q u e t a l
decisão n ã o refletia u m a oposição em princípio à p r o d u ç ã o c o m e r c i a l de
v a c i n a c o n t r a a febre a m a r e l a . O principal p r o b l e m a era, segundo ele, o
fato de que o s laboratórios da IHD e r a m m u i t o cheios de funcionários e
não podiam acolher estagiários estranhos ao serviço. Por o u t r o lado, expli-
c o u ele, a técnica a ser desenvolvida é m u i t o simples, e todos os detalhes
127
do procedimento f o r a m p u b l i c a d o s .
E m 3 1 de j a n e i r o de 1 9 4 1 , Veledee declarou n ã o estar e m condições
de v o l t a r a t r á s e m seus c o m p r o m i s s o s a s s u m i d o s a n t e r i o r m e n t e , e que
achava adequado promover a produção comercial da vacina c o n t r a a febre
a m a r e l a . Fosdick i r r i t o u - s e c o m essa resposta, l e m b r a n d o que ele estava
presente n a conferência a que Veledee se referia, e que n ã o havia entendido
que o PHS a s s u m i r a c o m p r o m i s s o s comerciais. E m u m a c a r t a a Veledee,
ele a f i r m a v a ter e x p r i m i d o f r a n c a m e n t e s u a o p i n i ã o e se o p o s t o , t a n t o
q u a n t o possível, à produção comercial de vacina c o n t r a a febre a m a r e l a .
Em 1 3 de fevereiro, Veledee respondeu-lhe que após a leitura do m e m o r a n -
do de S a w y e r datado de 9 de j u l h o de 1 9 4 0 , o qual indica que a Fundação
Rockefeller n ã o podia se c o m p r o m e t e r a produzir p e r m a n e n t e m e n t e essa
vacina, o PHS havia decidido, dado o caráter urgente das demandas, recor-
rer aos laboratórios comerciais. Das cinco empresas farmacêuticas c o n v i -
dadas a ingressar nessa área, duas aquiesceram. S u a s motivações, s e g u n -
do Veledee, são de ordem puramente patriótica, pois seus diretores h a v i a m
sido informados de que não se tratava de u m a produção que traria lucros.
W a r r e n e seus colegas explicaram então a Veledee que a situação da F u n -
dação Rockefeller h a v i a m u d a d o desde j u n h o de 1 9 4 0 , n o t a d a m e n t e e m
função da criação de u m laboratório especial voltado exclusivamente para
a produção das vacinas. A fundação era capaz, n o m o m e n t o , de g a r a n t i r
r a p i d a m e n t e u m a p r o d u ç ã o e m m a s s a . Para Veledee, se a F u n d a ç ã o
Rockefeller estava efetivamente pronta para fabricar a vacina, era possível
dispensar a c o l a b o r a ç ã o dos l a b o r a t ó r i o s c o m e r c i a i s . Ele a c r e s c e n t o u , n o
entanto, que os laboratórios que j á se h a v i a m equipado c o m vistas a essa
produção deviam ser autorizados a produzir a m o s t r a s de vacina e s u b m e t ê -
1 2 8
las ao National Health Institute para testá-las e m c a m p o .
A decisão final confiando a produção à Fundação Rockefeller foi t o -
m a d a em fins de j a n e i r o de 1 9 4 1 . Na época, os pesquisadores que t r a b a -
l h a v a m e m Nova York consideravam seriamente a possibilidade de passar
ao método de preparação da vacina sem soro desenvolvido n o Rio de J a n e i -
ro n o o u t o n o de 1 9 4 0 , apesar de n e n h u m a decisão ter sido t o m a d a a res-
peito. I n i c i a l m e n t e , eles h e s i t a r a m e m p a s s a r a o líquido de e m b r i õ e s de
galinha, pois o poder de proteção do vírus da febre amarela se havia reve-
lado m e n o s a m p l o do que o poder do soro h u m a n o . Essa objeção foi refu-
tada pelos pesquisadores brasileiros que d e m o n s t r a r a m que tal poder era,
todavia, a m p l a m e n t e suficiente p a r a as necessidades de u m a v a c i n a ç ã o
em c a m p o ; u m a s u s p e n s ã o n o líquido de e m b r i ã o de g a l i n h a m a n t i n h a
intacta a titulação do vírus durante três horas a 3 7 ° C . Os pesquisadores de
129
Nova York n ã o e s t a v a m , e m absoluto, convencidos pela d e m o n s t r a ç ã o .
A necessidade de se p a s s a r m u i t o rapidamente à p r o d u ç ã o e m m a s s a de
vacina em Nova York interrompeu os debates sobre a passagem à produção
da vacina sem soro. Os responsáveis pelo laboratório da IHD n ã o conside-
r a r a m o m o m e n t o o p o r t u n o para a introdução de m u d a n ç a s m a i o r e s n o
m é t o d o de produção da vacina, pois estas d e m a n d a r i a m múltiplos testes
para se g a r a n t i r a qualidade do n o v o produto. M e l h o r seria concentrar-se
130
n a p r o d u ç ã o de u m c o m p o s t o que j á tivesse sido t e s t a d o . Em 1 9 4 1 , o
l a b o r a t ó r i o da F u n d a ç ã o Rockefeller p r o d u z 7 . 7 1 9 . 1 2 0 doses de vacina
contra a febre amarela, aproximadamente 5 6 . 0 0 0 em janeiro, entre 3 0 0 . 0 0 0
e 4 0 0 . 0 0 0 doses por mês entre fevereiro e o u t u b r o , e m a i s de 6 0 0 . 0 0 0
doses em n o v e m b r o e dezembro. A produção se acelerou em fevereiro e
m a r ç o de 1 9 4 2 . Até dezembro de 1 9 4 1 , a maioria das doses é ou enviada
à África, o u retomada pela M a r i n h a a m e r i c a n a . O Exército, que até n o -
v e m b r o de 1 9 4 1 c o n s u m i u m u i t o pouco dessa vacina, t o r n a - s e no m o -
m e n t o da entrada dos Estados Unidos na guerra, em dezembro de 1 9 4 1 ,
seu principal c o m p r a d o r : a p r o x i m a d a m e n t e 4 2 2 . 0 0 0 doses são, a s s i m ,
adquiridas naquele mês, 5 8 7 . 0 0 0 em j a n e i r o de 1 9 4 2 , 7 8 6 . 0 0 0 em feve-
131
reiro, contra 8 1 4 . 0 0 0 em m a r ç o .
S a w y e r dizia-se convencido de que a vacina produzida em Nova York
era de altíssima qualidade. Essa convicção, baseada na confiança no savoir-
faire e no profissionalismo de seus colegas, nutriu-se t a m b é m do fato de
que n e n h u m a queixa tenha sido associada à vacina produzida no labora-
tório da IHD. Informado da hepatite pós-vacinal ocorrida no Brasil, ele viu
os problemas da vacina brasileira c o m o reflexo das dificuldades em desen-
132
volver " u m a empresa tecnológica de p o n t a " em u m país p e r i f é r i c o . A
decisão de Soper de eliminar o soro da vacina produzida no Brasil, sem
133
pedir explicitamente sua autorização, o enfureceu. Soper, por sua vez,
achava que a ausência de queixas no local da vacina produzida em Nova
York podia ser a t r i b u í d a sobretudo à falta de acompanhamento
epidemiológico, r e s u l t a n t e da falta de e n t u s i a s m o dos pesquisadores da
IHD para seguir as pistas que indicassem a existência de complicações. A
vacina de Nova York teria adquirido excelente reputação, sublinhou Soper,
porque n i n g u é m se havia dado ao trabalho de verificar se ela provocava
134
p r o b l e m a s de s a ú d e . A s s i m , em 3 0 de j u n h o de 1 9 4 1 , Soper envia a
S a w y e r (com cópia para Bauer) u m a carta na qual os convida a levar em
consideração o caso de u m piloto da Pan American Airways, Sr. Koepke, que
sofrerá de icterícia após a vacinação c o m o 1 7D produzido em Nova York:

os sintomas da doença do Sr. Koepke são absolutamente idênticos aos


da icterícia pós-vacinal observada no Brasil. [...] Apesar de ser impossí-
vel atribuir arbitrariamente este caso à vacinação contra a febre amare-
la, achamos importante chamar vossa atenção para sua existência, c
sugerir que se faça um estudo sobre o surgimento de icterícia entre as
135
pessoas vacinadas com o mesmo lote.

Bauer não e n c o m e n d o u investigação epidemiológica, m a s enviou a carta


de Soper ao escritório do PHS em M i a m i , onde Sr. Koepke fora vacinado.
U m a enquete muito rápida realizada pelo responsável local pelo PHS (a car-
ta de Soper datava de 2 0 de j u n h o ; a dele, de 2 6 de j u n h o ) revela que dos 9 0
funcionários da Pan A m e r i c a n A i r w a y s vacinados a o m e s m o t e m p o , três
o u t r a s pessoas q u e i x a r a m - s e de perturbações hepáticas m u i t o s meses após
a vacinação; segundo a versão oficial do PHS, não há razão para se suspeitar
de u m a relação de c a u s a e efeito entre a vacina e as perturbações hepáti-
136
cas. O caso é, portanto, arquivado. Sawyer, irritado c o m a insistência de
Soper, reitera e m dezembro de 1 9 4 1 a afirmação de que n e n h u m a queixa
fora apresentada até aquele dia contra a vacina fabricada em Nova York:

Os resultados recentes da vacinação realizada em larguíssima escala


sugerem fortemente que as precauções que nós havíamos tomado para
evitar qualquer contaminação mostraram-se adequadas. Espero que o
mesmo ocorra agora, pois a produção da vacina deste laboratório ul-
137
trapassou este ano os três milhões de doses.

Em 2 0 de m a r ç o de 1 9 4 2 , o Dr. Karl Meyer, da Comission o n Tropical


Diseases (instalada e m dezembro de 1 9 4 1 pelo Board for the Investigation
o f Epidemic Diseases in the A r m y , em função das atividades do Exército
a m e r i c a n o nas regiões tropicais, e presidida por S a w y e r ; Soper t a m b é m a
integrava) c h a m a a atenção de S a w y e r para u m a irrupção de icterícia ocor-
rida entre os soldados estacionados na Califórnia. É apontada u m a centena
de casos, todos detectados de seis a oito semanas após a vacinação contra a
febre amarela. A enquete epidemiológica parece condenar os lotes 3 3 1 , 3 3 4 ,
3 3 5 , 3 3 8 , 3 4 0 e 3 6 7 . S a w y e r a n o t a imediatamente e m seu diário que a
etiologia da doença c o n t i n u a misteriosa. O coronel S i m m o n s lhe telefona
para p r o p o r que seja n o m e a d a u m a c o m i s s ã o de investigação que irá ao
local. S i m m o n s achava importante descartar a possibilidade de u m a icterí-
cia decorrente de leptospirose. S a w y e r imediatamente se dispôs a partir. A
Comission o n Tropical Diseases n o m e o u imediatamente os Drs. Meyer (que
m o r a v a em San Francisco), Sawyer e Bauer, da IHD, e o Dr. Eaton, m e m b r o
da c o m i s s ã o da gripe (a proposta inicial de S a w y e r era que o Dr. B a y n e -
Jones, do escritório do Surgeon General, se associasse àquela investigação).
A comissão parte para a Califórnia n o m e s m o dia, e visita os a c a m p a m e n -
138
tos militares em que haviam sido observados casos de icterícia.
E m 2 3 de m a r ç o , S a w y e r dirige-se, por telegrama, a George Strode,
u m dos responsáveis pelo Laboratório da Febre Amarela de Nova York: "A
investigação está progredindo. As perspectivas são boas. A vacina não está
139
c o m p r o m e t i d a . I n f o r m e a Fosdick e G o o d n e r " . Strode responde imedia-
t a m e n t e que

todos ficaram muito felizes quando recebemos seu telegrama sobre


a vacina contra a febre amarela, pois ele traz notícias igualmente ani-
madoras. Essa história nos pesou muito nos últimos dias. Telefonei
imediatamente ao Dr. Goodner, e o Sr. pode imaginar como ele ficou
contente. Esperamos que todas as investigações futuras reforcem o seu
140
sentimento de que a vacina não é culpada.

Em 2 5 de m a r ç o , S a w y e r escreve n o v a m e n t e a Strode: "Bauer e eu estamos


cada v e z m a i s c o n f i a n t e s de q u e se t r a t a de u m a epidemia de icterícia
infecciosa q u e n ã o está ligada à v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a " . Ele
m e n c i o n a casos de icterícia que a t i n g i r a m pessoas n ã o vacinadas que h a -
v i a m trabalhado e m a c a m p a m e n t o s militares. Strode responde em 2 8 de
abril: "Fiquei feliz em receber sua carta e em saber que as provas em favor
de u m a epidemia de icterícia sem relação c o m a vacinação c o n t r a a febre
1 4 1
a m a r e l a se a c u m u l a m " .
Os fatos que se s e g u i r a m n ã o c o n f i r m a r a m as suposições dos pes-
quisadores da Fundação Rockefeller. O n ú m e r o de casos ocorridos no Exér-
cito sofreu u m rápido a u m e n t o . Os novos casos registrados n a Califórnia
s ã o e x a m i n a d o s pela c o m i s s ã o de i n v e s t i g a ç ã o . M e y e r (especialista e m
medicina tropical) lembrou-se, mais tarde, de que S a w y e r se irritara várias
vezes c o m a sugestão que ele havia feito desde o início dos trabalhos, o u
seja, a de que era necessário relacionar a icterícia dos soldados aos relató-
rios redigidos por Findlay e MacCallum em 1 9 3 8 , segundo os quais a icte-
rícia poderia o c o r r e r m e s m o n a a u s ê n c i a de adição de s o r o h i p e r i m u n e .
Para Sawyer, essas observações indicavam apenas que a vacina produzida
142
pelo B u r r o u g h s - W e l l c o m e estava c o n t a m i n a d a , e a s s i m c o n t i n u o u . Em
3 0 de m a r ç o , W a r r e n , que s u b s t i t u i u S a w y e r em Nova York, recebe u m
relatório sobre os casos de hepatite observados em soldados vacinados n o
estado de M a s s a c h u s e t s , o b s e r v a ç ã o que t o r n a a hipótese de u m a epide-
143
m i a isolada de hepatite na costa do Pacífico m u i t o m e n o s p r o v á v e l . Em
1 de abril, S a w y e r a n o t a em seu diário que S i m m o n s , que encomendou a
investigação detalhada de todos os casos de icterícia ocorridos na Califórnia,
relata 8 0 casos de icterícia e m u m hospício no qual n ã o se havia utilizado
a v a c i n a . Ele se opõe radicalmente à s u g e s t ã o de suspender a v a c i n a ç ã o
c o m os lotes posteriores ao 3 3 1 . De fato, se tal decisão fosse t o m a d a , a
c a m p a n h a de vacinação dos soldados deveria ser interrompida, pois o n ú -
m e r o de doses restantes seria insuficiente. Tal medida poderia retardar o
144
r i t m o do envio de soldados aos territórios u l t r a m a r i n o s . E m 3 de abril,
S a w y e r escreve a Strode informando que a icterícia foi observada m a j o r i -
tária, m a s não exclusivamente, em pessoas vacinadas, e que sua
epidemiologia c o n t i n u a v a m i s t e r i o s a :

Nossa pesquisa é fascinante, mas, mais do que isso, desconcertante.


Os soldados vacinados em u m acampamento militar de San Diego fo¬
ram, mais tarde, enviados a dois acampamentos diferentes. 3% desses
enviados a u m dos campos desenvolveram icterícia; no outro caso, não
houve ocorrência da doença. O prazo entre a vacinação e o surgimento
da icterícia é variável, e a distribuição dos casos não faz sentido em
nenhuma teoria. As provas continuam, no entanto, a se acumular, e a
145
resposta há de estar em algum lugar.

S a w y e r registra em seu diário, e m 6 de abril, que M a x Theiler, consideran-


do a partir de então a hipótese da c o n t a m i n a ç ã o da vacina pelo soro h u -
m a n o c o m o a l t a m e n t e provável, gostaria de passar imediatamente à p r o -
d u ç ã o da v a c i n a s e m s o r o , t r a n s i ç ã o q u e s e g u n d o Theiler deveria levar
1 4 6
a p r o x i m a d a m e n t e duas s e m a n a s .
U m a conferência sobre a icterícia n o E x é r c i t o é realizada e m 7 de
abril, n o escritório do Surgeon General n o Departamento de Guerra [War
D e p a r t m e n t ] . Nela, n o t i c i a r a m - s e 8 0 0 casos de icterícia nos Estados U n i -
dos, 5 0 0 n o Havaí, e 1 0 0 no Panamá. O Dr. Maxcy, da Universidade J o h n s
Hopkins, é incumbido pelo Surgeon General de estudar a epidemiologia da
doença. Em 8 de abril, S a w y e r conversa c o m Bauer sobre a epidemia. Bauer,
que n a o c a s i ã o v i u os diários de Soper, c o n s t a t a que a icterícia ocorrida
entre os soldados vacinados é m u i t o parecida c o m a descrita por Soper e
Findlay. Os pesquisadores do laboratório da IHD consideraram, m a i s t a r -
de, que a icterícia n ã o estava ligada ao v í r u s da febre a m a r e l a . Procede-
r a m , então, à verificação de todos os elementos: primeiro o soro, depois os
ovos e as cepas de vírus. Em 9 de abril, S a w y e r a n o t a em seu diário que
todo o pessoal do Laboratório da Febre Amarela em Nova York havia c o n -
cordado em interromper a produção de vacina c o m soro h u m a n o . Eles n ã o
a c h a v a m que pudesse se t r a t a r de u m a m u t a ç ã o do 1 7 D , e a seu ver os
o v o s e r a m u m a fonte de c o n t a m i n a ç ã o m a i s i m p r o v á v e l ainda, pois os
casos de icterícia surgiram no Brasil em 1 9 3 6 , quando a vacina emprega-
da havia sido produzida nos embriões de c a m u n d o n g o . Sawyer, c o n s u l t a -
do por Fosdick, propõe, inicialmente, que se e x a m i n e m c o m cuidado os
ovos antes de m u d a r o m o d o de produção da vacina, e depois admite que a
decisão final sobre a produção de vacina sem soro cabia ao g r u p o do l a b o -
ratório de Nova York (o próprio S a w y e r estava e m c a m p o , na Califórnia,
onde foi consultado a distância). No início dessa conversação, Sawyer en-
via u m telegrama a Nova York para assinalar que, após ter refletido, ele
acata a decisão de passar à produção de vacina s e m soro, m a s ao m e s m o
t e m p o pede que se estude cuidadosamente a possibilidade de que os ovos
147
estejam i n f e c t a d o s . Strode propõe que B a u e r apresente o p r o b l e m a da
destruição dos lotes de v a c i n a suspeitos e m W a s h i n g t o n , q u a n d o de s u a
148
visita ao D e p a r t a m e n t o de G u e r r a .
E m 1 0 de abril, Strode pede a S a w y e r que supervisione a produção de
vacina s e m soro. No m e s m o dia, escreve t a m b é m a Crawford, constatando
que se os casos de icterícia eram, em sua maioria, associados à vacinação
c o n t r a a febre a m a r e l a , eles ainda e s t a v a m l o n g e de h a v e r estabelecido
1 4 9
f o r m a l m e n t e a e x i s t ê n c i a de u m n e x o c a u s a l . E m 1 1 de abril, B a u e r
escreve a S a w y e r informando que o n ú m e r o de casos de icterícia c o n t i n u a
a c r e s c e r r a p i d a m e n t e , a t i n g i n d o 2 . 5 0 0 n o E x é r c i t o . A p e s a r da falta de
provas formais, as suspeitas v o l t a m - s e para a vacina:

Bayne-Jones [do PHS] está mais inclinado do que os outros a atribuir


a icterícia ao soro. No entanto, todos estão convencidos de que a vacina-
ção deve continuar. O coronel Simmons insistiu especialmente nesse
ponto, e explicou que, u m a vez interrompida a vacinação, seria extre-
mamente difícil retomá-la, pois fora preciso u m ano inteiro para con-
vencer o comando do Exército da importância dessa medida protetora.
Além disso, u m a interrupção da vacinação provocará sérias complica-
150
ções internacionais.

E m 11 de abril, S a w y e r confessa a Strode sua perplexidade: "Ainda que a


prova esteja longe de ser adequada, agora estou inclinado a reconhecer que
as v a c i n a ç õ e s t ê m u m a relação c o m a icterícia; m a s está cada v e z m a i s
151
difícil torná-la consistente". Em 1 3 de abril, Bauer apresenta u m relatório
detalhado ao Surgeon General. No m e s m o dia, B a y n e - J o n e s anuncia a Bauer
por telefone que o Dr. M a x c y (representante do Surgeon General) recomen-
dou a suspensão da utilização da vacina. M a x c y informara previamente a
152
S a w y e r que tomaria tal providência, e este n ã o se opôs f o r m a l m e n t e .
As conclusões provisórias da enquete suscitada pela Comission o n Tropi-
cal Diseases do Exército americano sobre a icterícia nos acampamentos milita-
res f o r a m tornadas públicas em 1 3 de abril. Elas implicam indiretamente a
vacina contra a febre amarela na gênese da hepatite. A icterícia, segundo o
relatório de pesquisa, parece estar ligada a alguns lotes de vacina, especialmen-
te àqueles que haviam sido produzidos há relativamente pouco t e m p o .
N e n h u m a epidemia paralela de icterícia foi, a l é m disso, observada
entre a população civil que vivia nos arredores. O g r u p o recomenda a s u s -
pensão, por pelo m e n o s dois meses, da vacinação c o m os lotes c o m n ú m e -
ro superior a 3 3 0 , que deverão ser examinados. Enquanto esperava, a c o -
m i s s ã o de i n v e s t i g a ç ã o s u g e r i u q u e o s soldados enviados a o s países de
risco fossem previamente tratados c o m a vacina produzida pelo l a b o r a t ó -
rio do PHS e m Hamilton, M o n t a n a , o u c o m a vacina produzida e m B o g o -
tá, na C o l ô m b i a , q u e u t i l i z a m , a m b a s , o v o s e s o r o de o r i g e m diferente
153
daquelas empregadas e m Nova Y o r k . E m 1 4 de abril, S a w y e r destaca em
seu diário o a u m e n t o do n ú m e r o de casos de icterícia. C o n t a m - s e 2 . 5 0 0
casos n o Estados Unidos e 7 0 0 n o Havaí, u m deles c o m óbito. U m a carta
de J . E. Alicata, do laboratório de parasitologia de Honolulu, datada de 7
de abril de 1 9 4 2 , dá notícia de u m a epidemia pós-vacinal em Honolulu. O
Dr. Dryer afirma que o PHS poderia aumentar, n u m prazo de dois meses, a
produção da vacina para se atingir 2 0 0 . 0 0 0 doses mensais, se a Fundação
Rockefeller não fizesse n e n h u m a objeção. O coronel S i m m o n s n ã o aprecia-
va a idéia de haver duas fontes distintas de vacina contra a febre amarela,
154
e declarou preferir a Fundação Rockefeller ao P H S .
E m 1 6 de abril, B a y n e - J o n e s , após ter c o n t a t a d o S a w y e r , i n f o r m a
por telefone a W a r r e n que o S u r g e o n General r e c o m e n d o u oficialmente a
suspensão dos lotes apontados. Parece se estabelecer u m consenso sobre o
elo entre a vacina e a icterícia. O único que ainda t e m dúvidas é o coronel
S t e p h e n s o n , da D i v i s ã o de M e d i c i n a P r e v e n t i v a da M a r i n h a a m e r i c a n a
(que foi praticamente poupada). Ele afirma, em 1 5 de abril, n ã o estar em
condições de inculpar formalmente a vacina, por falta de provas conclusi-
vas. Em 1 8 de abril, Stephenson explica que a decisão de suspender t e m p o -
r a r i a m e n t e as v a c i n a ç õ e s c o n t r a a febre a m a r e l a deve ser avaliada c o m
cuidado: "O Exército n ã o t e m experiência em incidentes desse tipo", e ele
155
"não vê razões válidas para modificar os procedimentos de r o t i n a " .
E m 1 8 de abril, S a w y e r escreve a S i m m o n s : "Temos u m a forte s u s -
peita de que os lotes de vacina 3 3 1 , 3 3 5 e 3 3 8 f o r a m c o n t a m i n a d o s por
u m vírus originário o u de ovos fertilizados, o u de soro h u m a n o aquecido
156
utilizado na produção da v a c i n a " . E m 2 3 de abril, durante a conferência
realizada e m W a s h i n g t o n sobre a icterícia n o Exército, M a x c y dá notícia
de a p r o x i m a d a m e n t e 5 . 0 0 0 c a s o s . Os participantes c o n s t a t a m a falta de
resultados conclusivos sobre a etiologia da icterícia. A maioria deles acusa
o s o r o h u m a n o , m a s S i m m o n s c o n t i n u a a suspeitar dos o v o s . S a w y e r
remeteu ao Dr. B a y n e - J o n e s u m m a n u s c r i t o do Dr. Fox recentemente en-
157
viado por Soper, relativo à irrupção de icterícia pós-vacinal n o B r a s i l . O
relatório final da c o m i s s ã o de investigação que e x a m i n o u a icterícia entre
os militares é publicado e m 2 9 de abril. Esse relatório, redigido por Sawyer,
amplia a s conclusões preliminares do grupo. Ele explica que

a análise preliminar das irrupções presentes no Exército, juntamente


com a experiência de irrupções precedentes após imunização contra a
febre amarela ou injeção de soro contra a rubéola, sugerem fortemente
que u m agente hepatogênico envolvido nesses ataques é u m vírus
filtrável presente no sangue de alguns doadores saudáveis na Inglater-
ra, nos Estados Unidos e no Brasil, que é resistente ao fenol e ao aqueci-
mento a 56°C por uma hora. [...] Nunca será demais sublinhar a gran¬
de importância da investigação da presente irrupção de icterícia, dada a
158
utilização crescente das injeções de soro, plasma ou sangue h u m a n o .

E m 1 9 de m a i o , S a w y e r escreve ao coronel S t e p h e n s o n para tentar


convencê-lo a i n t e r r o m p e r a distribuição dos estoques a n t i g o s de v a c i n a
contra a febre amarela, e esperar a chegada da n o v a vacina sem soro que
159
deveria ficar pronta aproximadamente u m m ê s depois. E m 2 5 de maio,
em u m a o u t r a conferência, os participantes debatem sobre o prazo neces-
sário para se testar u m a vacina sem soro. Todos os participantes c o n c o r -
d a m q u e u m a i n t e r r u p ç ã o da p r o d u ç ã o e m l a r g a escala p o r três meses
(tempo necessário para o s testes e m c a m p o da n o v a vacina) é l o n g a de-
mais. Decidem acelerar a produção da vacina sem soro a fim de constituir
estoques p r o n t o s para serem distribuídos a partir do m o m e n t o em que a
160
n o v a v a c i n a tivesse sido t e s t a d a . E m 2 7 de m a i o , S a w y e r escreve a
S t e p h e n s o n p a r a pedir i n s i s t e n t e m e n t e a destruição de todos os lotes de
vacina c o n t r a a febre amarela, pois os casos de icterícia h a v i a m sido a s s o -
ciados aos novos lotes, além daqueles inicialmente condenados. Stephenson
responde que, ao que t u d o indica, a m a i o r i a dos lotes da a n t i g a v a c i n a
contra a febre amarela j á havia sido utilizada; era tarde demais para retirá-
las de circulação. E m u m a reunião em 2 9 de m a i o , S a w y e r propôs que a
nova vacina fosse distribuída ao Exército e que as antigas reservas fossem
161
destruídas.
A recomendação do S u r g e o n General de suspender a vacinação c o n -
tra a febre a m a r e l a datava de 1 6 de abril, e os testes de vacina s e m soro
c o m e ç a r a m em 3 0 de m a i o . Quase ao m e s m o tempo, os estoques da v a c i -
n a antiga f o r a m substituídos pelos da n o v a vacina. Entretanto, a decisão
oficial de i n t e r r o m p e r q u a l q u e r v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a só foi
t o m a d a e m 3 de j u n h o . A conferência sobre o t e m a "Icterícia e encefalite
após vacinação contra a febre amarela", que reunia representantes da IHD,
do Exército e da M a r i n h a , decide f o r m a l m e n t e suspender por três meses,
até que o problema seja resolvido, a vacinação do pessoal do Exército, c o m
exceção das pessoas obrigadas a se deslocar para zonas endêmicas. A deci-
são é aprovada por u m a conferência do National Research Council realizada
em 1 7 de j u n h o em Washington. O Surgeon General anunciou publicamen-
te que a v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a devia se restringir às pessoas
que viajavam para as regiões onde a doença grassava. O coronel Stephenson
d e c l a r o u - s e a b a l a d o c o m essa decisão: segundo ele, teria sido preferível
interromper t o t a l m e n t e a distribuição da vacina a t o m a r medidas parciais
162
e decretar e x c e ç õ e s .
O l a b o r a t ó r i o da F u n d a ç ã o Rockefeller passa, n o m ê s de j u n h o , à
produção acelerada da vacina sem soro. Kenneth Goodner, responsável pela
produção, ficou m u i t o aflito c o m o episódio de hepatite pós-vacinal. Seu
colega Strode o descreve, n o início de 1 9 4 2 , c o m o "nervoso e deprimido".
Goodner t a m b é m t e m e que sejam m o v i d o s processos c o n t r a a F u n d a ç ã o
Rockefeller e o a t i n j a m pessoalmente. Segundo ele, a fundação n u n c a de-
v e r i a ter se l a n ç a d o n a p r o d u ç ã o e m l a r g a e s c a l a da v a c i n a . J o h n D .
Rockefeller J u n i o r trata do problema da vacina c o m o diretor da IHD, Fosdick.
Convencido de que a Fundação Rockefeller n ã o c o m e t e u n e n h u m erro i n -
tencional e de que todo o saber científico disponível foi investido n a p r o -
dução da v a c i n a , Rockefeller m a n t é m - s e imperturbável. Fosdick e Strode
c o n c o r d a m que, n o futuro, o PHS o u a indústria deverão r e t o m a r a p r o d u -
ção da v a c i n a c o n t r a a febre amarela. W a r r e n i m p u t o u os problemas en-
c o n t r a d o s à m u d a n ç a de escala: n o Brasil c o m o n o s Estados U n i d o s , a
p a s s a g e m à produção em m a s s a se fez a c o m p a n h a r de disfunções. E m 7
de j u l h o , o Dr. Veledee, do NHI, debateu a oportunidade de autorizar a IHD
a produzir a v a c i n a c o n t r a a febre a m a r e l a . Ele a c h a v a que sempre seria
possível entregar a v a c i n a ao Exército sem passar por u m longo procedi-
163
m e n t o de autorização f o r m a l . E m 11 de setembro de 1 9 4 2 , u m a reunião
dos representantes do Exército, da M a r i n h a e da Fundação Rockefeller en-
dossa a conclusão de que a vacina sem soro é eficaz, e n ã o provoca icterí-
cia. Os p a r t i c i p a n t e s r e c o m e n d a r a m , c o n s e q ü e n t e m e n t e , a r e t o m a d a da
164
vacinação n o Exército e na M a r i n h a .
A p a r t i r de m a i o de 1 9 4 2 , o l a b o r a t ó r i o da F u n d a ç ã o Rockefeller
lança u m a a m p l a pesquisa para identificar e isolar o agente da icterícia e
revelar imediatamente o n e x o c a u s a l entre os lotes de soro c o n t a m i n a d o s
e os lotes ictéricos da v a c i n a . C o m a rápida aceleração da p r o d u ç ã o da
vacina e m Nova York, o Laboratório da Febre Amarela c o n s u m i u de 8 a 1 0
litros de soro h u m a n o . O Dr. T h o m a s Turner, da Escola de Medicina da
Universidade J o h n s H o p k i n s , r e s p o n s a b i l i z o u - s e pela c o l e t a de s o r o ; os
v o l u n t á r i o s f o r a m p r i n c i p a l m e n t e estudantes de medicina, i n t e r n o s , e n -
f e r m e i r a s e t é c n i c o s de l a b o r a t ó r i o da cidade de B a l t i m o r e . O s o r o dos
doadores foi misturado, e o pool de soro n o r m a l era enviado semanalmente
a Nova York. Esse soro serviu para diluir o líquido dos embriões de galinha
infectados contendo o vírus 1 7 D , à proporção de u m a medida de líquido de
1 6 5
embrião para q u a t r o medidas de soro h u m a n o . A partir de maio, o labo-
ratório de Nova York dedicou-se a pesquisar os doadores que e s t a v a m n a
origem dos lotes ictéricos. Bauer pediu ao Dr. Turner, de Baltimore, que lhe
166
apresentasse os dossiês médicos daqueles d o a d o r e s . M a x c y , da Escola de
Medicina da Universidade J o h n s Hopkins, comprometeu-se a realizar u m a
enquete n o local. Ele sugeriu que u m a hepatite, ainda que m u i t o r e m o t a e
difícil de ser localizada, poderia estar n a o r i g e m da c o n t a m i n a ç ã o a t u a l ,
pois o agente infeccioso podia ficar oculto n o sangue. E m 6 de m a i o , c o -
m e n t a n d o os dados coletados por M a x c y , Bauer n o t o u que o soro dos dois
doadores v í t i m a s , n o passado, de hepatite havia sido incluído na prepara-
ção dos dois lotes de vacina mais ictéricos. Essa indicação n ã o tinha, toda-
167
via, valor de p r o v a . Bauer apresentou m a p a s que m o s t r a v a m as p r o v á -
veis correlações entre os lotes de soro suspeitos e os lotes de vacina c o n t a -
168
minados. Eaton, que e x a m i n o u esses dados, n ã o estava convencido de
que eles d e m o n s t r a v a m o papel direto do soro na gênese da hepatite. S a w y e r
pareceu, inicialmente, concordar c o m a opinião de Eaton. Escreveu-lhe e m
1 8 de m a i o , dizendo que "a prova de que o soro h u m a n o é inteiramente
responsável pela c o n t a m i n a ç ã o n ã o é de m o d o a l g u m satisfatória". Entre-
t a n t o , ele ficou i m p r e s s i o n a d o c o m os dados coletados p o r B a u e r e, e m
carta enviada a M e y e r e m 2 1 de maio, afirmou que os novos m a p a s prepa-
rados por Bauer eram completamente límpidos e indicavam fortes correla-
169
ções entre soro e i c t e r í c i a .
As suspeitas de B a u e r e de M a x c y v o l t a r a m - s e para os portadores
i n v i s í v e i s do v í r u s da i c t e r í c i a . B a u e r m e n c i o n o u u m e s t u d o s o b r e a
disfunção hepática observada em estudantes de medicina que revelou que
170
8% deles f o r a m vítimas de "hepatite crônica s u b c l í n i c a " . Um memoran-
do redigido por Bauer e m 3 0 de o u t u b r o de 1 9 4 2 sugeria que entre setem-
b r o de 1 9 4 1 e j a n e i r o de 1 9 4 2 , por razões que ainda c o n t i n u a v a m m i s t e -
r i o s a s , u m n ú m e r o a n o r m a l m e n t e elevado de d o a d o r e s de s a n g u e e m
171
B a l t i m o r e e r a m portadores de u m vírus i c t e r o g ê n i c o . E m fins de 1 9 4 2 ,
S a w y e r propõe que u m estudo estatístico detalhado da epidemia de icterí-
1 7 2
cia p ó s - v a c i n a l seja financiado pela I H D . A m i s s ã o é confiada a Persis
P u t n a m , que e m dezembro do m e s m o a n o vai a Washington, a c o m p a n h a -
do de u m a colega, a Srta. Mead, para consultar os dossiês sobre a icterícia,
e transferir os dados para cartões perfurados. O destino de todos os lotes
de soro foi analisado, o que permitiu estabelecer correlações entre os lotes
que c o n t i n h a m pelo m e n o s u m doador q u e houvesse sofrido de icterícia
a n t e r i o r m e n t e e o s u r g i m e n t o de hepatite na v a c i n a . Tais correlações f o -
r a m consideradas estatisticamente significativas, m a s longe de serem per-
feitas. O relatório oficial sobre a icterícia n o Exército, publicado e m 1 9 4 4 ,
173
r e t o m a os resultados dessa e n q u e t e .

Nesse ínterim, a imprensa v o l t o u suas atenções para o caso. O j o r n a l


The Chicago Daily Tribune de 2 5 de j u n h o publica u m artigo intitulado "Há
2 8 . 5 8 5 casos de icterícia, 6 5 deles m o r t a i s " (trata-se das cifras oficiais; a
avaliação oficiosa foi de a p r o x i m a d a m e n t e 5 0 . 0 0 0 casos de icterícia p ó s -
174
vacinal). O artigo m e n c i o n a que o S u r g e o n General havia, inicialmente,
se o p o s t o à generalização da v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a , m a s fora
v o t o vencido. A dificuldade inicial e m estabelecer u m a a p r o x i m a ç ã o , por
causa do período m u i t o longo de incubação dessa doença, foi mencionada
pelo a u t o r do artigo, para q u e m a questão estava em, finalmente, saber se
n ã o se havia cometido u m erro de j u l g a m e n t o prejudicial; ele solicita u m
inquérito sobre o a s s u n t o . U m artigo publicado n o Journal of the American
Medical Association em 1 de o u t u b r o de 1 9 4 2 , da pena de seu redator-chefe,
o Dr. Morris Fishbein, critica o Chicago Daily Tribune por ter suscitado t e -
m o r e s inúteis. A l é m de o a r t i g o ser n o c i v o para o m o r a l das t r o p a s , as
acusações feitas eram, segundo Fishbein, t o t a l m e n t e desprovidas de f u n -
damento. As verificações a que a vacina contra a febre amarela foi s u b m e -
tida eram efetivamente adequadas, e "a partir do m o m e n t o em que a icte-
rícia s u r g i u e m a s s o c i a ç ã o c o m u m a v a c i n a c o n t r a a febre a m a r e l a , os
m e l h o r e s t a l e n t o s m é d i c o s dos Estados Unidos dedicaram s u a s forças a
175
elucidar a questão". O Chicago Daily News (concorrente do Chicago Daily
Tribune) publica em 5 de agosto u m artigo intitulado "Os médicos do Exér-
cito c o n t ê m a icterícia: as críticas são refutadas", seguido, em 6 de agosto,
de "A incidência da icterícia diminui n o Exército, afirma Fishbein. A doen-
ça provocada pela vacinação será eliminada". A m e n s a g e m implícita é que
a epidemia de icterícia a g o r a pertence ao passado. O fato de o m o r a l das
t r o p a s ter sido a t i n g i d o foi e f e t i v a m e n t e v i s t o c o m o u m a transgressão
grave. E m 1 8 de o u t u b r o de 1 9 4 2 , o New York Times escreve, em u m artigo
intitulado "A icterícia n o Exército. Ligada ao soro c o n t r a a febre amarela.
Ela diminui cada vez m a i s " , que

u m dos jornais de Chicago criou uma tempestade em torno dos casos


de icterícia que se seguiram à inoculação dos soldados com a vacina
contra a febre amarela. Nosso jornal examinou, portanto, a suposta
negligência do Exército, e não encontrou nenhum sinal que a confirme,
176
e nada que possa provocar críticas.

Segurança Sanitária e Saber Científico: o debate sobre a


icterícia pós-vacinal
Em 1 9 4 3 , a icterícia transmitida pelo soro m u d a de status dentro da
F u n d a ç ã o Rockefeller. De l a m e n t á v e l fonte de c o n t a m i n a ç ã o das v a c i n a s
fabricadas n o s l a b o r a t ó r i o s que t i n h a m dificuldade e m m a n t e r padrões
adequados de produção, ela passa a ser u m dos principais objetos de pes-
quisa do laboratório da IHD e m Nova York. Em setembro de 1 9 4 2 , a IHD
decide oficialmente incluir a icterícia infecciosa e m seu p r o g r a m a de pes-
quisa e destinar 3 0 0 . 0 0 0 dólares a tais estudos, que se apóiam na expertise
desse laboratório em virologia (tratava-se de u m dos laboratórios de ponta
nessa área, e u m dos primeiros a introduzir técnicas novas, tais c o m o a
177
conservação dos vírus e m células e m cultura e a ultracentrifugação). As
experiências realizadas n o laboratório da IHD e m Nova York p r o c u r a r a m
induzir u m a icterícia experimental e m cobaias e m a n t e r o vírus a que se
a t r i b u í a esta doença e m u m a c u l t u r a de células. Tentativas s e m e l h a n t e s
f o r a m feitas e m o u t r o s laboratórios, c o m o o do Department o f Public Health
do estado da Califórnia, o u os laboratórios da Fundação Hooper, na U n i -
versidade da Califórnia (onde M e y e r trabalhava). Tais pesquisas n ã o c h e -
g a r a m n e m ao isolamento do agente responsável pela doença n e m ao esta-
belecimento de u m modelo experimental de icterícia infecciosa t r a n s m i t i -
178
da pelo s o r o .
A inexistência de modelos a n i m a i s favoreceu a e x p e r i m e n t a ç ã o e m
seres h u m a n o s . Os especialistas do PHS que h a v i a m estudado a epidemia
de icterícia pós-vacinal ocorrida n a s ilhas S t . T h o m a s e S t . J o h n (Virgin
Islands) u t i l i z a r a m o soro dos doentes para realizar experiências sobre a
t r a n s m i s s ã o desta doença. I n j e t o u - s e e m 1 8 9 v o l u n t á r i o s de a m b o s os
sexos (recrutados e m u m a "instituição que t e m u m a população de 1 . 7 0 0
pessoas") o u a vacina c o n t r a a febre amarela, o u diversas concentrações de
s o r o de pessoas que sofriam de icterícia p ó s - v a c i n a l , o u ainda u m s o r o
tratado por diferentes métodos para destruir o seu agente infeccioso. Trinta
v o l u n t á r i o s d e s e n v o l v e r a m icterícia, dos q u a i s sete c a s o s r e l a t i v a m e n t e
severos e 2 3 moderados. A distribuição dos casos indicou que seu agente
era u m vírus filtrável, capaz de sobreviver a u m aquecimento a 5 6 ° C du-
r a n t e m e i a h o r a , a 4 ° C p o r u m t e m p o m a i s prolongado, e à liofilização
(secagem a frio a v á c u o ) . Todas as t e n t a t i v a s de t r a n s m i t i r a icterícia às
cobaias (macacos, porcos, coelhos, porquinhos-da-índia, ratos, c a m u n -
dongos e hamsters) fracassaram. Os especialistas do PHS o b s e r v a r a m que,
dada a resistência extraordinária do agente da icterícia aos m e i o s h a b i t u -
ais de n e u t r a l i z a ç ã o dos v í r u s , t o r n a v a - s e i m p e r a t i v o e n c o n t r a r o m a i s
rápido possível u m meio de detectar esse agente n o sangue ou, o u t r a alter-
nativa, de desenvolver u m método de t r a t a m e n t o dos produtos sanguíneos
179
que eliminasse o risco de t r a n s m i s s ã o da icterícia por tais p r o d u t o s .
Findlay e M a r t i n p r o c u r a r a m , em 1 9 4 3 , determinar por que a vaci-
n a ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a n ã o havia provocado casos secundários de
infecção. Realizaram, portanto, u m certo n ú m e r o de experiências em q u a -
t r o v o l u n t á r i o s saudáveis, todos oficiais do Exército britânico (recompen-
sados " c o m gratidão e admiração"). Três dos quatro voluntários em cujas
narinas se i n t r o d u z i u m a t e r i a l e x t r a í d o da l a v a g e m da cavidade
nasofaríngea de indivíduos que sofriam de icterícia induzida pela v a c i n a ¬
ç ã o c o n t r a a febre a m a r e l a desenvolveram icterícia. O período de i n c u b a -
ç ã o foi de 3 0 a 5 0 dias, e os s i n t o m a s clínicos f o r a m s i m i l a r e s a o s de
icterícia infecciosa. Findlay e M a r t i n h a v i a m anotado, anteriormente, que
em 1 9 3 8 relatórios sobre a epidemia de icterícia que se seguiu à injeção de
soro i m u n e c o n t r a o s a r a m p o d e s t a c a r a m casos secundários desenvolvi-
dos a partir de casos de infecção pelo soro. A pesquisa realizada c o n f i r m o u
que o agente responsável pela icterícia transmitida por soro ( m u i t o p r o v a -
velmente, u m vírus) t a m b é m estava presente nas secreções nasais e / o u na
saliva. Seu trabalho n ã o conseguiu explicar por que à epidemia de icterícia
180
pós-vacinal n o Exército n ã o se s e g u i r a m casos s e c u n d á r i o s .
U m m e m o r a n d o publicado e m j a n e i r o de 1 9 4 3 pelo m i n i s t é r i o da
Saúde britânico determina as coordenadas sobre a t r a n s m i s s ã o da icterícia
181
pelo soro e os produtos s a n g u í n e o s . As provas c o m e ç a r a m a se a c u m u l a r
a p a r t i r de 1 9 3 7 : epidemia de icterícia c o n s e c u t i v a da a d m i n i s t r a ç ã o de
soro c o n t r a o s a r a m p o n a Inglaterra; vários casos de icterícia observados
e m a n i m a i s domésticos que h a v i a m recebido soro; e, mais recentemente,
182
casos de icterícia após injeção de produtos s a n g u í n e o s . O memorando,
de grande clareza, conclui que o a s s u n t o é de grande importância. A c o m -
p r e e n s ã o do m e c a n i s m o de i n d u ç ã o da icterícia, s e g u n d o os a u t o r e s do
m e m o r a n d o , quase n ã o avançara desde 1 9 3 7 . No entanto, u m a conclusão
se impõe: "A freqüência dos incidentes elimina todas as dúvidas sobre a
a s s o c i a ç ã o entre a injeção dos p r o d u t o s s a n g u í n e o s e o s u r g i m e n t o da
icterícia. D e v e m o s e n c a r a r a possibilidade de que o u t r o s c a s o s o c o r r a m ,
especialmente após a t r a n s f u s ã o de sangue". Na falta de m é t o d o próprio
p a r a identificar o a g e n t e da icterícia, e dada a impossibilidade de i n t e r -
r o m p e r as t r a n s f u s õ e s s a n g u í n e a s n a s situações de emergência, o ú n i c o
r e c u r s o possível é a rápida identificação dos lotes de s o r o e de p l a s m a
icterogênicos, e s u a eliminação. Isso s u p u n h a u m a c o m p a n h a m e n t o m i -
nucioso dos resultados da utilização de cada lote de sangue e de produtos
183
sanguíneos. Comentando o memorando, o editorial da Lancet afirma que
n ã o se trata de u m a c o n s t a t a ç ã o científica, m a s apenas de u m a advertên-
cia aos médicos sobre a possibilidade de que a injeção de produtos s a n g u í -
neos induza icterícia. De fato, apesar da existência de n u m e r o s a s pesqui-
sas e x p e r i m e n t a i s sobre o a s s u n t o , a prova estava longe de ser f o r m a l -
m e n t e estabelecida; até o m o m e n t o , t r a t a v a - s e de fortes suposições. Pode
ser, acrescenta o editorialista da Lancet, que, observando-se mais de perto,
184
se verifique que tal icterícia é m a i s freqüente do que se i m a g i n a .
O artigo de S a w y e r e seus colegas que expõem o ponto em que estão
os c o n h e c i m e n t o s s o b r e a epidemia de icterícia p ó s - v a c i n a l n o E x é r c i t o
185
a m e r i c a n o insiste na incerteza sobre a etiologia desta d o e n ç a . As expli¬
cações fornecidas pelos autores a l e g a m a ausência de n e x o c a u s a l entre a
icterícia e a presença de soro n a v a c i n a c o n t r a a febre amarela. Os casos
observados n a I n g l a t e r r a f o r a m associados à c o n t a m i n a ç ã o potencial da
cepa viral utilizada para a imunização; os registrados n o Brasil em 1 9 3 7 e
1 9 3 8 , atribuídos a u m s o r o de m a c a c o c o n t a m i n a d o ; as c o n t a m i n a ç õ e s
o b s e r v a d a s n o B r a s i l e m 1 9 3 9 e 1 9 4 0 e r a m d i s t r i b u í d a s de m a n e i r a
inabitual, e os pesquisadores presentes n o local a v a n ç a r a m a hipótese de
que estavam e m c a u s a dois fatores etiológicos, dos quais apenas u m liga-
do ao soro h u m a n o empregado na produção da vacina. Para descrever o
e p i s ó d i o de i c t e r í c i a p ó s - v a c i n a l o c o r r i d o n o B r a s i l , a p a l a v r a mais
freqüentemente empregada por S a w y e r e seus colegas é "peculiar": a dis-
t r i b u i ç ã o g e o g r á f i c a dos c a s o s foi peculiar, a variabilidade das t a x a s de
icterícia induzidas pelo m e s m o lote de s o r o e m localidades diferentes foi
peculiar, o fato de a doença ter sido mais severa entre adultos do que entre
186
crianças foi peculiar, a freqüência m a i o r à c a m p a n h a foi peculiar. Dian-
te de tantas coisas peculiares, quase n ã o é de se espantar que os responsá-
veis pelo laboratório da Fundação Rockefeller em Nova York n ã o t e n h a m
procedido c o m o seus colegas brasileiros, e que o soro h u m a n o n ã o tenha
sido descartado da linha de p r o d u ç ã o da v a c i n a c o n t r a a febre a m a r e l a .
A l é m disso, os fatos q u e l i g a r a m o s o r o h u m a n o à icterícia e m o u t r o s
casos, tais c o m o a administração de soro contra o s a r a m p o o u a transfu-
são de sangue e de produtos sanguíneos, forneceram prova apenas parcial;
alguns casos f o r a m descritos na literatura especializada, m a s tudo leva a
crer que tratava-se de fatos isolados. O soro contra o sarampo foi difundi-
do em larga escala nos Estados Unidos sem provocar efeitos indesejáveis,
as transfusões t o r n a r a m - s e prática corrente em vários países sem que n e -
les tenha ocorrido u m a epidemia de icterícia, e em 1 9 4 0 u m a publicação
c o m u n i c o u o fracasso das tentativas de transferir a icterícia por transfu-
187
são direta do sangue dos doentes a voluntários s a u d á v e i s .

Sawyer e seus colegas apresentam a ausência de provas


e p i d e m i o l ó g i c a s c l a r a s c o m o j u s t i f i c a t i v a p a r a s u a i n a ç ã o até a b r i l de
1 8 8
1942. M a i s tarde, seus ex-colegas da Fundação Rockefeller imputaram
seu erro a duas causas distintas. A primeira explicação é conjuntural: é o
caráter do diretor da IHD que é condenado. S a w y e r é, c o m efeito, descrito
c o m o u m a personalidade rígida, c o m certa aversão a m u d a r o c u r s o de
u m a ação iniciada, e dotada de u m senso de responsabilidade exagerado e
p o u c o inclinada a dividir seu poder. Ele preferiu t o m a r todas as decisões
s o z i n h o , s e m c o n s u l t a r os o u t r o s especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller
n e m os m e m b r o s da direção científica da fundação. T a m b é m n ã o colocou
os responsáveis pelos serviços de saúde do Exército a par dos problemas de
desenvolvimento da vacina c o n t r a a febre amarela e dos acidentes o c o r r i -
dos n o Brasil. Se eles tivessem sido informados, a decisão de l a n ç a r u m a
c a m p a n h a de m a s s a poderia ter sido t o m a d a c o m conhecimento de causa,
e a responsabilidade por u m acidente teria, a s s i m , sido partilhada entre
189
todos os envolvidos. A segunda explicação para o erro de S a w y e r baseia-
se na diferença entre "os h o m e n s de laboratório" e "os h o m e n s de c a m p o " ,
e e n t r e e a lógica da i n v e s t i g a ç ã o científica e a da a ç ã o e m m a t é r i a de
saúde pública. M e y e r e S m i t h a t r i b u e m as decisões discutíveis de S a w y e r
à sua falta de experiência em c a m p o . Hackett resume esse a r g u m e n t o e m
u m a c a r t a enviada a Meyer:

[Sawyer] adotou uma atitude de pesquisador, para quem uma cadeia


causal não pode ser aceita antes de ser provada. Soper tinha a atitude do
responsável pela saúde pública guiado pelo princípio de precaução e
para quem, se a etiologia de um fato com sérias conseqüências sobre a
saúde não for clara, é preciso seguir todas as pistas e eliminar qualquer
190
entidade suspeita até que se possa provar sua inocuidade.

O e x a m e c o m p a r a t i v o das p r á t i c a s dos especialistas da F u n d a ç ã o


Rockefeller e m Nova York e de seus colegas n o Brasil pode efetivamente
revelar diferenças significativas. Tais diferenças, p a r a m i m , n ã o se l i m i -
t a m unicamente à natureza da prova exigida para se iniciar u m a ação. Em
Nova York e n o Rio de Janeiro, os pesquisadores tiveram dúvidas q u a n t o à
solidez do nexo causal entre a icterícia e o soro h u m a n o , e nos dois locais
eles a g i r a m c o m base em u m a prova imperfeita, em correlações parciais e
em dados epidemiológicos por vezes difíceis de explicar. Soper, Fox e seus
colegas n o Rio de J a n e i r o i n t e r r o m p e r a m a produção da vacina c o m soro
h u m a n o e desenvolveram, paralelamente, complicadas especulações sobre a
possibilidade de u m a dupla etiologia da icterícia pós-vacinal. S a w y e r alegou
as dissonâncias entre a distribuição dos casos de hepatite e m c a m p o e a
distribuição dos lotes suspeitos de vacina, aceitando em princípio a c o n c l u -
são de que a irrupção de icterícia estava ligada à c o n t a m i n a ç ã o da vacina
191
contra a febre amarela, provavelmente veiculada pelo soro h u m a n o .
U m a diferença mais pertinente, a m e u ver, é que se verifica entre a
natureza do controle exercido em u m a região voltada para o "laboratório"
e a daquele exercido em u m a região orientada para o "campo". O l a b o r a t ó -
rio de N o v a York dedicou-se principalmente ao c o n t r o l e da v a c i n a . S e u s
responsáveis supuseram que a supervisão da qualidade do vírus e dos de-
m a i s produtos utilizados para a vacinação era suficiente para g a r a n t i r os
192
resultados desejados. Isso pode explicar a resistência de Bauer a s u b s t i -
tuir o soro h u m a n o por líquido de embrião de galinha. Envolvido na pro¬
c u r a da v a c i n a perfeita, ele a c h o u que o soro h u m a n o era melhor, pois
a s s e g u r a v a u m a m e l h o r qualidade de sobrevida a o v í r u s dessecado. Por
seu lado, os pesquisadores do laboratório do Rio n ã o v i s a v a m a produzir
u m a vacina perfeita, m a s sim u m a adequada cobertura vacinai da popula-
ção. Conseqüentemente, e s t a v a m c o m p l e t a m e n t e satisfeitos em c o n s t a t a r
que a qualidade de sobrevida do vírus n o líquido de embrião era suficiente
p a r a a s necessidades p r á t i c a s da v a c i n a ç ã o e m c a m p o . A ênfase dada à
ação de seu p r o d u t o - a indução da imunidade c o n t r a a febre a m a r e l a -
pode explicar por que suas publicações i n t e r e s s a v a m - s e u n i c a m e n t e pela
v a c i n a ç ã o c o n t r a a febre amarela, sem m e n c i o n a r as conseqüências mais
amplas do fato de que o soro h u m a n o considerado "normal" pudesse c o n -
ter vírus de icterícia infecciosa (e talvez o u t r o s v í r u s ) . E m contrapartida,
os pesquisadores que t r a b a l h a v a m nos Estados Unidos, m a i s preocupados
c o m o próprio produto do que c o m sua ação, sublinharam imediatamente
as sérias i m p l i c a ç õ e s da o b s e r v a ç ã o de que u m soro h u m a n o "normal"
poderia t r a n s m i t i r doenças graves p o r m e i o da u t i l i z a ç ã o dos p r o d u t o s
193
derivados do sangue h u m a n o e m m e d i c i n a .
Os especialistas da Fundação Rockefeller n o Brasil (que dirigem u m
serviço de saúde pública do governo brasileiro) enfatizaram o a c o m p a n h a -
m e n t o detalhado das pessoas vacinadas. A preparação das listas e a elabo-
ração das estatísticas da vacinação foram atividades tão importantes quanto
a própria v a c i n a ç ã o . Tal equivalência se concretiza pela presença de duas
m e s a s n o s p o n t o s de distribuição de v a c i n a : u m a p a r a a p r e p a r a ç ã o da
solução de 1 7 D , das seringas e das agulhas, a o u t r a para a preparação das
listas de pessoas vacinadas e a para a disposição dos impressos padroniza-
dos n o livro da v a c i n a ç ã o . Tais f o r m u l á r i o s , parecidos c o m os impressos
utilizados pelos inspetores do Serviço da Febre Amarela que c o n t r o l a r a m a
eliminação dos m o s q u i t o s aegypti, e r a m ferramentas simples m a s eficien-
tes n o a c o m p a n h a m e n t o de u m n ú m e r o m u i t o grande de pessoas. M a i s
tarde, foi designado u m médico especialmente p a r a a coleta de s o r o e o
194
acompanhamento pós-vacinação. Os casos de icterícia e de encefalite f o -
r a m postos em evidência graças a esse dispositivo de vigilância das pessoas.
A existência de registros escritos assumia u m a importância crucial: os pes-
quisadores da Fundação Rockefeller n o Brasil n ã o souberam c o m o classifi-
car os indivíduos que desenvolveram icterícia e disseram ter sido vacinados
contra a febre amarela, m a s cujo n o m e n ã o aparecia nas listas preparadas
pela Fundação Rockefeller; seria preciso considerá-los c o m o casos de icterí-
195
cia pós-vacinal o u casos de icterícia independentes da v a c i n a ç ã o ?
A o r g a n i z a ç ã o do laboratório do Rio de J a n e i r o reflete a integração
da produção da vacina nas atividades de proteção e de vigilância das popu¬
lações h u m a n a s . U m m e s m o prédio abrigava o local de fabricação da v a -
cina, u m laboratório de entomologia onde se estudavam os m o s q u i t o s , e
espaços dedicados às investigações epidemiológicas da febre amarela; pra-
ticou-se n u m m e s m o lugar grande quantidade de e x a m e s patológicos de
amostras de fígado. Essas atividades não eram em absoluto
c o m p a r t i m e n t a d a s : testes de proteção do c a m u n d o n g o verificaram a pre-
sença de a n t i c o r p o s em pessoas v a c i n a d a s , em c r i a n ç a s que v i v i a m em
locais suspeitos de endemia, e no s a n g u e dos a n i m a i s silvestres; e x a m e s
histológicos f o r a m realizados n o fígado de pessoas que h a v i a m falecido
em c o n s e q ü ê n c i a de u m a "febre" suspeita e em m a c a c o s infectados n o
laboratório. As m e s m a s pessoas, m u i t a s vezes ao m e s m o tempo, se dedi-
c a r a m à pesquisa, à p r o d u ç ã o do 1 7D, à vigilância epidemiológica e ao
c o n t r o l e da eficácia das v a c i n a ç õ e s . Em c o n t r a p a r t i d a , o l a b o r a t ó r i o da
IHD em Nova York foi fundado c o m o único objetivo de domesticar o vírus
da febre amarela. S u a atividade focalizou exclusivamente esse vírus - sua
m o d i f i c a ç ã o , sua h o m o g e n e i z a ç ã o e sua c o n s e r v a ç ã o em c u l t u r a . A l é m
disso, o estudo desse vírus foi desenvolvido unicamente no espaço fechado
do l a b o r a t ó r i o . U m a vez terminado o período dos testes preliminares da
vacina, os pesquisadores de Nova York se desinteressaram dos efeitos in-
duzidos nos indivíduos imunizados. O a c o m p a n h a m e n t o das pessoas v a -
cinadas só começou depois do anúncio da irrupção de hepatite, e foi reali-
zado sob a forma de u m a enquete epidemiológica que se interessou e x c l u -
s i v a m e n t e pelos indivíduos doentes. Tais enquetes são m u i t o diferentes,
na f o r m a e n o objetivo, das i n v e s t i g a ç õ e s destinadas a a c o m p a n h a r as
eventuais conseqüências da vacinação em c a m p o , que se interessam pelo
196
c o n j u n t o da população v a c i n a d a .
A h i s t ó r i a da febre a m a r e l a ilustra a dificuldade - b e m conhecida
dos h i s t o r i a d o r e s da t e c n o l o g i a - de fiscalizar todos os e l e m e n t o s n ã o -
h u m a n o s do sistema: a opção dos pesquisadores de Nova York por c o n t r o -
lar u m a vacina por meio da supervisão rigorosa de todos os elementos de
u m a linha de produção revelou-se menos eficiente do que a dos pesquisa-
dores do Rio, que o p t a r a m por controlar sua vacina indiretamente, medin-
197
do seus efeitos em u m a p o p u l a ç ã o b e m f o c a l i z a d a . A l é m disso, essa
história evidencia a especificidade dos dispositivos técnicos utilizados em
m a t é r i a de saúde pública. Nessa área, dispositivos eficientes i n t e g r a m e
m i s t u r a m técnicas de vigilância e de manipulação das coisas - culturas de
m i c r o r g a n i s m o s , testes de laboratório, coleções de a m o s t r a s de materiais
biológicos - c o m técnicas de vigilância e de manipulação dos indivíduos -
listas, f o r m u l á r i o s , quadros sinópticos e estatísticos. A c o n j u n ç ã o dessas
técnicas de vigilância cria u m a d i n â m i c a social de h o m o g e n e i z a ç ã o das
pessoas e de seu meio n a t u r a l , vista c o m o u m c o m p o n e n t e essencial da
modernização. Assim, não é de espantar que Vargas, preocupado em m o -
dernizar o Brasil, tenha apoiado irrestritamente as c a m p a n h a s da Funda-
ção Rockefeller.

Notas

1
STOKES, Α.; BAUER, J . Η. & HUDSON, Ν. P. The transmission o f yellow fever to
Macacus rhesus. Journal of the American Medical Association, 9 0 ( 4 ) : 2 5 3 - 2 5 4 , 1 9 2 8 .
2
BERRY G. P. & KITCHEN S. F. Yellow fever accidentally contracted in the laboratory.
American Journal of Tropical Medicine, 1 1 : 3 6 5 - 4 3 4 , 1 9 3 1 .
3
ARAGÃO, H. de B. Relatório a respeito de algumas pesquisas sobre a febre amarela.
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, supl. 2 : 2 3 - 3 4 , 1 9 2 8 ; HINDLE, E. A yellow fever
vaccine. The British Medical Journal, 1 : 9 7 6 - 9 7 7 , 1 9 2 8 ; PETTIT, A. Rapport sur la valeur
immunisante des vaccins employes contre la fièvre j a u n e et la valeur thérapeutique
du sérum anti-amaril. CR de l'Académie de Médecine (Paris), 1 0 5 : 5 2 2 - 5 2 6 , 1 9 1 3 . Esse
relatório é o resultado das deliberações de uma comissão da Académie des Sciences,
composta pelos Srs. Pettit (relator), Roux, Bernard, Renault e Marchoux.
4
SAWYER, W. Α.; KITCHEN S. F. & LLOYD, W. Vaccination against yellow fever with
imune serum and virus fixed for mice. The Journal of Experimental Medicine, 55(1 ) : 9 4 5 -
9 6 9 , 1 9 3 2 , às páginas 9 4 5 - 9 4 6 . PETTIT, A. Rapport sur la valeur immunisante des
vaccins employes contre la fièvre j a u n e et la valeur thérapeutique du sérum anti-
amaril, op. cit. Em 1 9 3 6 , Findlay e MacKenzie, de um lado, Gordon e Hugues, de outro,
demonstraram que as preparações à base de vírus morto eram incapazes de conferir
imunidade ativa contra a febre amarela. Cf. FINDLAY G. M. & MacKENZIE, R. D.
Attempts to produce i m m u n i t y against yellow fever with killed virus. Journal of
Pathology and Bacteriology, 4 3 : 2 0 5 - 2 0 8 , 1 9 3 6 ; GORDON J . E. & HUGHES, T.P.A study of
inactivated yellow fever virus as immunizing agent. Journal of Immunology, 30:221-
234, 1936.
5
Soper a Russel, 2 8 de janeiro de 1 9 2 9 ; Russel a Connor, 14 de fevereiro de 1 9 2 9 ; Soper
a Russel, 6 de março de 1 9 2 9 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 6 0 .
6
Soper a Russel, 2 de abril de 1 9 2 9 ; Soper a Russel, 18 de abril de 1 9 2 9 , RAC, RG 1.1, série
3 0 5 , caixa 2 0 , dossiê 1 6 0 .
7
Carlos Chagas, citado por PETTIT, A. Rapport sur la valeur immunisante des vaccins
employés contre la fièvre j a u n e et la valeur thérapeutique du sérum anti-amaril, op.
cit., p . 5 2 3 - 5 2 4 . Pettit é categórico: "Concluindo: a vacinação antiamarílica ainda não
está pronta no que concerne à espécie humana", Idem, p.524. Aragão foi o primeiro
pesquisador brasileiro a estudar a febre amarela no macaco. Sua vacinação, realiza-
da em condições emergenciais, pode ser comparada às tentativas de Freire no fim do
século XIX, que distribuiu uma vacina às populações sem que sua eficácia ou sua
inocuidade tivessem sido testadas rigorosamente; além disso, n e n h u m desdobra-
m e n t o regular estabeleceu o grau de proteção obtido. Em artigo ulterior, Aragão
explica que é essencial que o vírus esteja vivo para que ele imunize contra a febre
amarela, sem no entanto fazer menção a suas campanhas de vacinação em larga
escala, com um vírus morto, Cf. ARAGÃO, H. de B. Emploi du virus vivant dans la
vaccination contre la fièvre jaune. CR de la Société de Biologie, 1 1 2 , p . 1 . 4 7 1 - 1 . 4 7 3 , 1 9 3 3 .
8
Soper relatou que o laboratório da IHD em Nova York manteve duas cepas de vírus de
febre amarela originárias do Brasil: a cepa FW (de Francisco Weiss, paciente húnga-
ro), isolada no início da epidemia do Rio na primavera de 1 9 2 8 , e a cepa BB (de
Bernardo Bragg, j u d e u russo), de 2 de setembro de 1 9 2 8 . Em ambos os casos, o
sangue dos doentes foi injetado no macaco, e os tecidos de u m macaco infectado
foram enviados a Nova York, cf. Soper a Hackett, 6 de outubro de 1 9 5 1 , RAC, RG 3 . 1 ,
série 9 0 8 , caixa 1, dossiê 8.
9
THEILER, M. Susceptibility o f white mice to the virus of yellow fever. Science, 71:367-
369,1930.
10
SAWYER, W. Α.; KITCHEN, S. F. & LLOYD, W. Vaccination against yellow fever with
i m m u n e serum and virus fixed for mice. Proceedings of the Society for Experimental
Biology and Medicine, 2 9 : 6 2 - 6 4 , 1 9 3 1 - 1 9 3 2 ; dos mesmos autores, Vaccination against
yellow fever with immune serum and virus fixed for mice. The Journal of Experimental
Medicine, 5 5 ( 1 ) : 9 4 5 - 9 6 9 , 1 9 3 2 .
11
THEILER, M. A n n a l s of Tropical Medicine and Parasitobgy, 24:249-256, 1930.
12
SAWYER, W. Α.; KITCHEN, S. F. & LLOYD, W. Vaccination against yellow fever with
immune serum and virus fixed for mice, op. cit. Em sua primeira série de experiências,
Sawyer, Kitchen e Lloyd utilizaram 3 2 macacos; todos foram periodicamente san-
grados para se acompanhar a evolução da taxa de anticorpos no sangue.
13
Notas de Hackett sobre a entrevista c o m Sawyer, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 3,
dossiê 1 9 .
14
Notas de Hackett sobre a febre amarela, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 8, dossiê 8 6 - 1 3 2 ;
Wilson a Hackett, 6 de setembro de 1 9 5 1 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1, dossiê 8. As
q u a t r o primeiras pessoas vacinadas receberam u m a preparação não-centrifugada
de cérebro infectado; após terem sido constatadas reações dolorosas no local da
injeção, o protocolo de preparação da vacina foi modificado, e os pacientes seguintes
receberam u m a vacina centrifugada e filtrada.
15
SAWYER, W. Α.; KITCHEN, S. F. & LLOYD, W Vaccination against yellow fever with
immune serum and virus fixed for mice, op. cit.
16
ROUBAUD, E. & STEFANOPOULO, G. J . Recherches sur la transmission par la voie
stégomyenne du virus neurotrope murin de la fièvre j a u n e . Bulletin de la Société de
Pathologie Exotique, 2 6 : 3 0 5 - 3 0 9 , 1 9 3 3 . Ver também MOLLARET, P. Le Traitement de la
Fièvre Jaune. Paris: J . - B . Ballière et fils, 1 9 3 6 , p. 1 1 8 . Essa avaliação teve que ser modi-
ficada ulteriormente. O relatório dos trustees da IHD para 1 9 3 8 revela que mosquitos
podiam disseminar o vírus 1 7 D , "um outro golpe de sorte na luta contra a febre
amarela", Manuscrito, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 4 , dossiê 1 8 8 . Em 1 9 3 3 e em
1 9 3 6 Stefanopoulo recebeu u m a bolsa da Fundação Rockefeller para realizar pesqui-
sas sobre a febre amarela no Institut Pasteur, Paris.
17 ΡΕΤΤΓΓ, A. & STEFANOPOULO, G. J . Utilisation du sérum antiamaril d'origine animale
pour la vaccination de l'homme. Bulletin de l'Académie de Médecine, 1 1 0 , 3ª série, p . 6 7 -
76, 1 9 3 3 ; A R A G Ã O , H. de B. Emploi du virus vivant dans la vaccination contre la
fièvre jaune, op. cit.; STEFANOPOULO, G. J . Sur la vaccination contre la fièvre j a u n e .
Bulletin de l'Académie de Médecine, 1 9 3 5 , 1 1 3 , p. 7 8 - 9 6 ; Τ. Ρ. Hughes e W. Uoyd, resulta­
dos não publicados, citados em SOPER, F. L. & SMITH, Η. Η. Yellow fever vaccination
with cultivated virus and hyper immune serum. American Journal of Tropical Medicine,
1 8 : 1 1 1 - 1 3 4 , 1 9 3 8 , à página 1 1 4 . A morte de Lloyd em 1 9 3 6 desacelerou as pesquisas
sobre a vacinação c o m u m soro hiperimune de origem animal em Nova York, Cf.
SOPER, F. L. & SMITH, H. H., Idem, p.112.
18
LLOYD, W. Lemploi d'un virus cultive associe à l'immunité dans la vaccination contre la
fièvre jaune. Bulletin de l'Office International d'Hygiène Publique, 2 7 ( 2 ) : 2 . 3 6 5 - 2 . 3 6 8 , 1 9 3 5 .
19
M O U L I N , A . - M . T h e P a s t e u r I n s t i t u t e s b e t w e e n the t w o W o r l d W a r s : the
t r a n s f o r m a t i o n o f the i n t e r n a t i o n a l s a n i t a r y order. In: WEINDLING, P. (Ed.)
International World Organizations and Movements, 1918-1939. Cambridge: Cambridge
University Press, 1 9 9 5 , p . 2 4 4 - 2 6 5 ; PELIS, K. Prophet for profit in French North Africa:
Charles Nicolle and the Pasteur Institute of Tunis, 1 9 0 3 - 1 9 3 6 . Bulletin of the History of
Medicine, 7 1 : 5 8 3 - 6 2 2 , 1 9 9 7 .
20
THEILER, M. Susceptibility of white mice to the virus of yellow fever, op. cit.
21
SELLARDS A. W. & LAIGRET, J . Comptes Rendus de l'Académie des Sciences (Paris),
1 9 4 : 1 . 0 6 9 - 1 . 0 7 0 ; 2 . 1 7 5 - 2 . 1 7 7 , 1 9 3 2 ; LAIGRET, J . Archives de l'Institut Pasteur de Tunis,
2 1 ( 3 ) : 1 1 1 - 1 1 5 , 1 9 3 3 ; Idem, 2 2 ( 2 ) , p . 1 9 8 - 2 0 7 , 1 9 3 3 ; LAIGRET J . Bulletin de la Société de
Pathologie Exotique, 2 6 ( 4 ) : 8 0 6 - 8 1 7 , 1 9 3 3 .
22
LAIGRET, J . Sur la vaccination contre la fièvre j a u n e par le virus de Max Theiler.
Bulletin de l'Office International d'Hygiène Publique, 2 6 ( 1 ) : 1 . 0 7 8 - 1 . 0 8 2 , 1 9 3 4 .
23
Segundo Mollaret, as primeiras vacinações feitas em Túnis foram conduzidas por
Sellards com a assistência de Laigret; depois, Sellards partiu, deixando Laigret condu-
zir suas pesquisas sozinho; o erro teria ocorrido nesse momento. Cf. MOLLARET, Ρ. Le
Traitement de la Fièvre Jaune, op. cit., p.114.
24
LAIGRET J - Sur la vaccination contre la fièvre jaune par le virus de Max Theiler, op.
cit., p . 1 . 0 7 9 - 1 . 0 8 0 .
25
Haffkine, outro pasteuriano que aplicou fielmente o método de Louis Pasteur para
elaborar uma vacina (anticólera), também propôs duas vacinações sucessivas, urna
com um "vírus" atenuado e depois outra com um "vírus" ativo, mas teve que renun-
ciar a esse procedimento em razão das dificuldades inerentes à dupla vacinação em
campo. Cf. LÕWY, I. From guinea pigs to man: the development of Haffkine's anti-
cholera vaccine. Journal of the History of Medicine and Allied Sciences, 4 7 : 2 7 0 - 3 0 6 , 1 9 9 2 .
26
MATHIS, C.; LAIGRET J . & DURIEUX, C. Trois mille vaccinations contre la fièvre j a u n e
en Afrique Occidentale Française au moyen d'un virus vivant de souris, atténué par le
vieillissement. Comptes Rendus de l'Académie des Sciences (Paris), 1 9 6 : 7 4 2 - 7 4 4 , 1 9 3 4 . Os
poderes coloniais franceses envolveram-se diretamente na pesquisa de u m a vacina
contra a febre amarela: assim, o relatório do Dr. Pettit sobre o valor imunizante das
vacinas contra a febre amarela, escrito em 1 9 3 1 , foi preparado a pedido do ministro das
Colônias, que, em carta enviada à Académie des Sciences, cobrava a avaliação das
vacinas existentes. Cf. PETTIT, A. Rapport sur la valeur immunisante des vaccins
employés contre la fièvre jaune et la valeur thérapeutique du sérum anti-amaril, op. cit.
27
Grifo do original. MATHIS, C.; LAIGRET J . & DURIEUX, C. Trois mille vaccinations
contre la fièvre j a u n e en Afrique Occidentale Française au moyen d'un virus vivant
de souris, atténué par le vieillissement, op. cit., p.744.
28
NICOLLE, C. & LAIGRET, J . La vaccination contre la fièvre j a u n e par le virus arnaril
vivant, desséché et enrobé. Comptes Rendus de l'Académie des Sciences (Paris), 2 0 1 : 3 1 2 -
314,1935.
29
NICOLLE, C. & LAIGRET J. La vaccination contre la fièvre j a u n e par le virus amaril
vivant, desséché et enrobé, op. cit., p . 3 1 3 .
30
MOLLARET, Ρ. Le Traitement de la Fièvre Jaune, op. cit., p . 1 1 5 .
31
Idem.
32
ROUBAUD, Ε. & STEFANOPOULO, G. Recherches sur la transmission par la voie
stégornyenne du virus neurotrope murin de la fièvre jaune, op. cit., p . 3 0 9 .
33
ARAGÃO, H. de B. Emploi du virus vivant dans la vaccination contre la fièvre jaune.
Comptes Rendus de la Société de Biologie (Paris), 1 1 2 : 1 . 4 7 1 - 1 . 4 7 3 , 1 9 3 3 .
34
Em seu primeiro artigo, Laigret descreve a filtragem da solução-mãe glicerinada, não
a das vacinas dessecadas e reconstituídas. LAIGRET, J . L. Sur la vaccination contre la
fièvre j a u n e par le virus de M a x Theiler, op. cit., p . 1 . 0 8 0 ; do m e s m o autor, Les
vaccinations contre la fièvre jaune. Annales de Médecine, 4 2 : 4 6 3 - 4 7 7 , 1 9 3 7 , à página
4 6 8 . A diferença entre os resultados de Theiler e os de Laigret pode ser explicada pela
diferença de resistência das cepas virais: as cepas vacinadoras desenvolvidas n o
laboratório da IHD em Nova York revelaram-se, finalmente, mais frágeis do que as
utilizadas pelos pesquisadores franceses na África.
35
THEILER, M. & LORING, W. Le danger de la vaccination par le virus amaril neurotrope
Seul. Bulletin de l'Office International de l'Hygiène Publique, 2 7 : 1 . 3 4 2 - 1 . 3 4 , 1 9 3 5 7 . Poderia
parecer que o sucesso da vacina havia sido, em parte, fruto do acaso: uma verificação
adequada no macaco teria desqualificado qualquer uso no homem; mas, os humanos
são, provavelmente, menos sensíveis aos efeitos secundários do que os m a c a c o s .
U m a versão modificada foi empregada em larga escala na África até os anos 1 9 6 0 .
Estudos realizados ulteriormente demonstraram, entretanto, que - c o m o Theiler e
W h i t m a n haviam prognosticado - a vacina neurotrópica francesa era mais perigosa
para as crianças novas do que o 1 7 D . MONATH, T. P. Yellow fever vaccines: the
success o f empiricism, pitfalls of application and transition to molecular vaccinology.
In: PLOKT1NE, S. & FANTIN1, B. (Eds.) Vaccinia, Vaccination and Vaccinology: Jenner,
Pasteur and their successors. Paris: Elsevier, 1 9 9 6 , p . 1 5 7 - 1 8 2 .
36
MOLLARET, P. Le Traitement de la Fièvre Jaune, op. cit., p. 1 1 3 - 1 2 2 . O método de vacina-
ção de Laigret foi também aplicado no Instituto Pasteur de Paris, no serviço do Dr.
René Martin. Idem, p . 1 1 9 .
37
Diário de Soper em 1 9 3 6 , anotações de 3 de j u l h o de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.2, Diários, caixa
5 5 . Sawyer anotou em seu diário que suspeitava que Laigret fosse incapaz de respon-
der ao pedido de testar o sangue das pessoas vacinadas. Ε t a m b é m registrou que
Stefanopoulo, insatisfeito com o salário recebido no Instituto Pasteur, havia pleiteado
um cargo na IHD. S a w y e r não incentivou seu ato, por a c h a r que o trabalho de
Stefanopoulo teria mais valor na França e em suas colônias.
38
SOREL, F. La vaccination anti-amarile em Afrique Occidentale Française. Mise en
application du procede du vaccin Sellers-Laigret. Bulletin de l'Office International d'Hygiène
Publique, 2 8 : 1 . 3 2 5 - 1 . 3 5 6 , 1 9 3 6 .
39
LAIGRET, J . De l'interprétation des troubles consécutifs a u x vaccinations par des
virus vivants, en particulier à la vaccination de la fièvre j a u n e . Bulletin de la Société de
Pathologie Exotique, 2 9 : 2 3 0 - 2 3 4 , 1 9 3 6 .
40
LAIGRET, J . Les vaccinations contre la fièvre jaune, op. cit., p. 4 7 7 .
41
Soper a Russel, 4 de setembro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 7 .
42
Sawyer a Uoyd, 9 de outubro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 8 .
43
Soper a Davis, 2 3 / 0 9 / 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 6 8 .
44
Soper a Russel, 3 0 de novembro de 1 9 3 1 , RAC, RG 1.1, série 3θ5, caixa 2 1 , dossiê 1 6 8 .
45
A partir de 1 9 3 5 , Soper sustentou que, em caso de epidemia de febre amarela silvestre,
a Fundação Rockefeller deveria organizar campanhas de vacinação c o m o 17E e com
soro de cabra. Uoyd se opôs à idéia. Cf. diário de Soper, 14 de outubro de 1 9 3 5 , RAC,
RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 9 , dossiê 2 1 0 .
46
ΡΕΤΤIΤ, A. & STEFANOPOULO, G. J . Utilisation du sérum antiamaril d'origine animale
pour la vaccination de l ' h o m m e , op. cit. STEFANOPOULO, G. S u r la vaccination
contre la fièvre jaune, op. cit; FINDLAY, G. M. Immunisation contre la fièvre j a u n e au
moyen du virus neutrotrope vivant et d'immunserum hétérologue, op. cit.
47
SOPER, F. L. & SMITH, Η. Η. Yellow fever vaccination w i t h cultivates v i r u s and
immune and hyper immune serum. American Journal of Tropical Medicine, 1 8 : 1 1 1 - 1 3 4 ,
1 9 3 8 , às páginas 1 1 4 - 1 1 5 .
48
O soro de macaco foi testado no homem em 1 9 3 5 por Theiler e Smith. Cf. THEILER M.
& SMITH, Η. Η. L'emploi du sérum hyper i m m u n de singe dans la vaccination contre
la fièvre j a u n e . Bulletin de l'Office International d'Hygiène Publique, 2 8 : 2 . 3 5 4 - 2 . 3 5 7, 1 9 3 6 .
O preço de u m a dose de soro de macaco foi avaliado em u m dólar; o de u m a dose de
soro h u m a n o c o m u m , em 0 , 5 7 dólar; o de soro hiperimune - que tem u m a taxa
especialmente alta de anticorpos - , em 3 , 7 0 dólares.
49
Diário do laboratório do Rio de 1 9 3 6 - 1 9 3 7 , anotações de 5 de fevereiro de 1 9 3 6 , RAC,
RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 4 4 , dossiê 2 5 0 ; Diário de Rickard (que dirigiu o escritório da
Fundação Rockefeller no Rio de Janeiro na ausência temporária de Soper), anotações
de 11 de fevereiro de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 , dossiê 2 1 2 . Rickard a
Sawyer, 18 de fevereiro de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 1 , dossiê 1 7 8 .
50
Rickard a Sawyer, 12 de março de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 2 , dossiê 1 7 9 .
51
Diário de Rickard, anotações de 2 0 de fevereiro de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
3 0 , dossiê 2 1 2 . Não encontrei registro dos debates sobre a possibilidade de se utilizar
a vacina neurotrópica de Laigret. Essa vacina foi considerada perigosa demais pelos
dirigentes da Fundação Rockefeller. Cf. Diário de Sawyer em 1 9 3 6 , anotações de 3 de
julho, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 5 .
52
Rickard a Sawyer, 1 9 de março de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 2 , dossiê 1 7 9 .
Indivíduos imunizados também foram sangrados para se obter soro imune h u m a n o
para futuras vacinações.
53
Diário de Rickard, anotações de 5 de março de 1 9 3 6 , 6 de maio de 1 9 3 6 e 15 de março
de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 , dossiê 2 1 2 .
54
Diário de Rickards, anotações de 5 de março de 1 9 3 6 e 15 de março de 1 9 3 6 , RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 , dossiê 2 1 2 .
55
Diário do laboratório do Rio dos anos 1 9 3 6 - 1 9 3 7 , anotações de 11 de março de 1 9 3 6 ,
RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 4 4 , dossiê 2 5 0 .
56
Diário de Rickard, anotações de 5 de março de 1 9 3 6 , 6 de maio de 1 9 3 6 e 15 de março
de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 , dossiê 2 1 2 . Diário de Soper (de volta ao Rio
a partir de abril), anotações de 4 de maio de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 ,
dossiê 2 1 2 . Wilson a Sawyer, 5 de dezembro de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 ,
dossiê 1 8 0 . A permissão para vacinar soldados no Mato Grosso foi obtida após longos
prazos burocráticos.
57
Diário de Soper, anotações de 11 de abril de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 ,
dossiê 2 1 2 .
58
Diário de Soper em 1 9 3 7 , anotações de 14 de fevereiro, 16 de fevereiro, RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 3 0 , dossiê 2 1 3 .
59
SOPER F. L. & SMITH Η. H. Yellow fever vaccination with cultivates virus and immune
and hyper immune serum, op. cit., p . 1 3 1 .
60
Soper a Sawyer, 2 de abril de 1 9 3 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 8 1 . Wilson
a Sawyer, 2 de j u n h o de 1 9 3 7 , RAC, RG 1.1, caixa 2 3 , dossiê 1 8 3 .
61
Diário do laboratório do Rio dos anos 1 9 3 6 - 1 9 3 7 , anotações de 13 de abril de 1 9 3 7 ,
RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 4 4 , dossiê 2 5 0 ; Diário de Soper em 1 9 3 7 , anotações de 17
de j u l h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 , dossiê 2 1 3 . Smith se lembra do caso dos dois
funcionários da Panair, que não o surpreendera além da medida, pois Findlay o havia
informado da existência de casos semelhantes. Muitos deles não foram detectados.
provavelmente porque as pessoas vacinadas c o n t r a febre amarela antes de u m a
viagem aos trópicos que desenvolveram icterícia alguns meses mais tarde atribuíram
sua doença às conseqüências dessa estada, mais do que à vacinação.
62
Carta de Smith a Hackett, de 4 de fevereiro de I 9 6 0 , RAC, RG 1.1, série 9 0 8 , caixa 2 ,
dossiê 1 8 . 2 .
63
Soper l e m b r o u - s e de que Findlay havia assinalado a presença dessa doença por
ocasião de u m congresso de microbiologia realizado em Londres, no verão de 1 9 3 6 .
Soper a Hackett, 1 8 de outubro de 1 9 5 5 , RAC, RG 1.1, série 9 0 8 , caixa 3, dossiê 1 4 .
64
FINDLAY, G. M . & MACCALLUM, F. O. Note on acute hepatitis and yellow fever
immunization. Transactions of the Royal Society for Tropical Medicine and Hygiene, 3 1 : 2 9 7 -
3 0 8 , 1 9 3 7 ; dos mesmos autores, Hepatitis and jaundice association with imunization
against certain virus diseases. Proceedings of the Royal Society of Medicine, 3 1 : 7 9 9 - 8 0 8 ,
1 9 3 8 . Findlay relatou a Taylor que havia observado 17 casos de icterícia pós-vacinal
em 1 . 0 0 0 pessoas vacinadas. Cf. Diário do laboratório do Rio nos anos 1 9 3 6 - 1 9 3 7 ,
anotações de 13 de abril de 1 9 3 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 4 4 , dossiê 2 5 0 . A
publicação de Findlay e MacCalum (de 2 3 de março de 1 9 3 8 ) menciona 8 7 casos em
3 . 1 0 0 pessoas vacinadas. Cf. Hepatitis and jaundice associated w i t h i m u n i z a t i o n
against certain virus diseases, op. cit., p . 7 9 9 .
65
Sir Arnold Theiler, "5th and 6th reports o f the Director o f the Veterinary Research",
Department of Agriculture, Union of South Africa, 1 9 1 8 , p . 1 - 1 6 4 .
66
Diário de Soper em 1 9 3 8 , anotações de 2 9 de setembro de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 3 1 , dossiê 2 1 4 . Hoje, poderíamos concluir que ambos, Findlay e Soper, tinham
razão. A icterícia transmitida pelo soro (hepatite B) pode sê-lo também por contato,
porém mais dificilmente; ela supõe, com efeito, contatos íntimos (relações sexuais,
troca de saliva, mordida, grande proximidade): a transmissão pode ocorrer em famí-
lia, principalmente entre cônjuges, ao passo que u m a interação menos próxima, tal
c o m o a coabitação nas mesmas cabanas militares, não ocasionará c o n t a m i n a ç ã o .
Em 1 9 3 8 , os pesquisadores não consideraram a existência de vários agentes infecciosos
capazes de induzir as mesmas manifestações clínicas de icterícia infecciosa.
67
Diário de Soper em 1 9 3 8 , anotações de 6 de outubro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 1 ,
dossiê 2 1 4 . Soper observa que Findlay não levou em consideração a possibilidade de
u m a epidemia independente de icterícia infecciosa entre as crianças às quais havia
sido administrado o soro contra o sarampo.
68
DURIEUX, C. Mass yellow fever vaccination in French Africa, south o f Sahara. In:
SMITHBOURNE et al. Yellow Fever Vaccination: Genève: WHO, 1 9 5 6 , p . 1 1 5 - 1 2 1 .
69
M. Peletier (diretor do Instituto Pasteur de Dacar) a Pasteur Vallery-Radot (delegado
na direção dos Institutos Pasteur de U l t r a m a r ) , 13 de fevereiro de 1 9 3 9 ; Pasteur
Vallery-Radot a Peletier, 2 1 de fevereiro de 1 9 3 9 ; Pasteur Vallery-Radot a Peletier, 2 de
fevereiro de 1 9 3 9 , Arquivo do Instituto Pasteur de Dacar, Correspondência geral,
1 9 3 7 - 1 9 5 4 (há cópias no Arquivo do Instituto Pasteur, Paris, Dossiê Dacar). PELETIER,
M.; DURIEUX, C.; JONCHÈRE, H. & ARQUIÉ, E. Vaccination mixte contre la fièvre
j a u n e et la variole sur les populations indigenes du Senegal. Bulletin de l'Académie de
Médecine, 1 2 3 : 1 3 7 - 1 4 7 , 1 9 4 0 . A vacina mista varíola-febre amarela foi administrada
em larga escala na Africa Oriental Francesa (AOF). Aproximadamente 1 0 0 . 0 0 0 doses
de vacina foram distribuídas em 1 9 4 0 , aproximadamente 4 0 0 . 0 0 0 em 1 9 4 1 , quase 11
milhões de doses entre 1 9 4 2 e 1 9 4 4 . Pasteur Vallery-Radot a Peletier, 3 0 de j u n h o de
1 9 4 0 ; Durieux (diretor do Instituto Pasteur de Dacar após 1 9 4 0 ) a Pasteur Vallery-
Radot, 19 de abril de 1 9 4 0 ; Durieux ao médico-chefe Sorel, 12 de fevereiro de 1 9 4 1 ;
Durieux a Pasteur Vallery-Radot, 1 6 de novembro de 1 9 4 4 , Arquivo do Instituto
Pasteur de Dacar, Correspondência geral, 1 9 3 7 - 1 9 5 4 .
70
U m estudo realizado em 1 9 4 5 pela UNRRA (United Nations Relief and Rehabilitation
Administration) comparou a eficácia da vacina francesa (vírus neurotrópico origi-
nário do cérebro do camundongo introduzido por escarificação) c o m a do 17D, de-
senvolvido pelos especialistas da Fundação Rockefeller, em soldados franceses. A
vacina francesa provocou u m a taxa de anticorpos mais alta, mas a taxa de complica-
ções e sua gravidade foram mais consideráveis, sem que no entanto tenham atingido
um nível que justificasse a interrupção da vacinação. Notas de Hackett sobre a febre
amarela, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 8, dossiê 8 6 - 1 3 2 . A vacina francesa produziu
irrupções de encefalite pós-vacinal em Brazzaville ( 1 9 4 4 ) , na Costa Rica ( 1 9 5 1 ) , e na
Nigéria. Durieux a Noèl Bernard (vice-diretor do Instituto Pasteur de Paris), 17 de
março de 1 9 5 2 , 11 de abril de 1 9 5 2 , Arquivo do Instituto Pasteur de Dacar, Correspon-
dência geral, 1 9 3 7 - 1 9 5 4 . Estudos ulteriores revelaram u m a taxa de 0,4% de casos de
encefalite grave em crianças vacinadas, dos quais 4 0 % levaram à morte. A vacina
neurotrópica francesa - que tem a vantagem de ser mais estável, mais fácil, portanto,
de ser empregada nos países subdesenvolvidos - continuou a ser administrada na
Africa francófona, mas estudos (especialmente ao fim de u m a campanha de vacinação
em massa no Senegal, em 1 9 6 5 ) revelaram alta porcentagem (1 a 2%) de casos de
encefalite entre as crianças. A doença foi atribuída ao próprio vírus, não a uma reação
alérgica ao tecido de camundongo. Esses dados concorreram para a passagem gradual
à vacinação exclusivamente com o 17D (a fabricação da vacina neurotrópica foi inter-
rompida em 1 9 8 2 ) . A vacinação sistemática contra a febre amarela, instaurada pelos
poderes coloniais franceses, desapareceu com o fim da colonização. STUART, G. Reactions
following vaccination against yellow fever. In: SMITHBOURNE et al. Yellow Fever
Vaccination, op. cit., p. 1 4 3 - 1 8 9 ; MONATH, Τ P. Yellow fever vacines: the success of
empiricism, pitfalls o f application and transition to molecular vaccinology, op. cit.
71
Carta de Soper a Morgan, 5 de abril de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê
1 8 4 . Soper não menciona mais casos de icterícia pós-vacinal com soro imune h u m a -
no, talvez descartados c o m o "anomalias".
72
Sawyer a Soper, 8 de abril de 1 9 3 8 ; Sawyer a Soper, 2 9 de abril de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 2 3 4 , dossiê 1 8 4 ; Sawyer a J . A. O'Brien (responsável pela campanha
contra a febre amarela na Guiné britânica), 16 de setembro de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1,
série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 8 5 . Sawyer estava convencido de que os problemas en-
contrados pelos ingleses eram conseqüência da contaminação das cepas virais 17E e
17C durante sua transferência para o laboratório na Inglaterra. Ele ficou surpreso
com o fato de alguns colegas ingleses ainda acreditarem que a contaminação provi-
nha do soro.
73
THEILER, M. &. SMITH, Η. Η The use o f yellow fever virus modified b y in vitro cultivation
for human immunization. Journal of Experimental Medicine, 6 5 : 7 6 5 - 8 0 0 , 1 9 3 7 .
74
Notas de Hackett sobre a vacinação contra a febre amarela, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 ,
caixa 8, dossiê 8 6 - 1 3 2 ; Carta de Smith a Hackett de 4 de fevereiro de 1 9 6 0 , RAC, RG 3 1 ,
série 9 0 8 , caixa 2 dossiê 1 8 . 2 .
75
Diário de Sawyer em 1 9 3 6 , anotações de 2 de novembro de 1 9 3 6 , RAC, RG 1.2, Diários,
caixa 5 5 .
76
THEILER, M. & SMITH, Η. Η. The use o f yellow fever virus modified b y in vitro
cultivation for h u m a n immunization, op. cit., p . 7 9 8 - 7 9 9 . Esse artigo, que descreve o
17D, relata os resultados obtidos em oito voluntários, dois imunes e seis não-imunes.
77
Diário do laboratório do Rio de Janeiro nos anos 1 9 3 6 - 1 9 3 7 , anotações de 1 9 de
janeiro de 1 9 3 7 , 8 de abril de 1 9 3 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 4 4 , dossiê 2 5 0 .
78
Diário de Smith, anotações de 15 de fevereiro de 1 9 3 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 6 ,
dossiê 2 2 3 .
79
SMITH, Η. Η.; PENNA, Η. Α. & PAOLIELLO, Α. Yellow fever vaccination with cultured
virus (17D) without immune serum. American Journal of Tropical Medicine, 1 8 : 4 3 7 -
468,1938.
80
Diário de Smith, anotações de 2 5 de maio de 1 9 3 7 , 8 de j u n h o de 1 9 3 7 , 2 2 de agosto de
1 9 3 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 6 , dossiê 2 2 3 .
81
SMITH, Η. Η.; PENNA, Η. Α. & PAOLIELLO, Α. Yellow fever vaccination with cultured
virus (17D) without immune serum, op. cit., p . 4 4 9 - 4 6 0 , citação à página 4 5 7 .
82
Diário de Soper em 1 9 3 7 , anotações de 1 9 de outubro de 1 9 3 7 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 3 0 , dossiê 2 1 3 .
83
Diário de Soper em 1 9 3 8 , anotações de 1 9 de janeiro, 1 de fevereiro, RAC, RG 1.1, série
3 0 5 , caixa 3 0 , dossiê 2 1 4 .
84
Sawyer a A. J . O'Brian, 2 9 de setembro de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 ,
dossiê 1 8 5 .
85
Soper a Sawyer, 18 de abril de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 8 4 .
Quando u m a epidemia de febre amarela eclodiu no Sudão em 1 9 4 0 , os poderes coloniais
ingleses i m p o r t a r a m vacinas para imunizar o conjunto da população nas regiões
atingidas. Cf. Heather Bell, "Medical Research and medical practice in the A n g l o -
Egyptian Sudan, 1 8 9 9 - 1 9 4 0 " , PhD Thesis, University o f Oxford, 1 9 9 6 . Da mesma
forma, os esforços empreendidos pelos poderes coloniais para imunizar o conjunto
da população da AOF contra a febre amarela testemunham u m a estratégia de con-
trole da doença diferente, e não u m a indiferença ao destino das populações locais.
Durieux a Pasteur Vallery-Radot, 1 6 de novembro de 1 9 4 4 , Arquivo do Instituto
Pasteur de Dacar, Correspondência geral, 1 9 3 7 - 1 9 5 4 .
86
SMITH, Η. Η.; PENNA, Η. Α. & PAOLIELLO, Α. Yellow fever vaccination with cultured
virus (17D) without immune serum, op. cit., p . 4 6 5 - 4 6 8 ; entrevista de José Fonseca da
Cunha, médico brasileiro empregado pelo Serviço da Febre Amarela, realizada em
1 9 8 7 no âmbito do projeto de história oral "Memória de Manguinhos", dirigido por
Nara Britto e Wanda Hamilton, Acoc.
87
Os testes de viabilidade da vacina realizados em c a m p o foram interrompidos em
j u n h o de 1 9 3 8 , por causa da dificuldade de deslocamento com as gaiolas de c a m u n -
dongos. Os testes restringiram-se ao laboratório do Rio, Acoc, documento RF 3 8 . 0 4 . 0 9 ,
Relatório anual da Fundação Rockefeller para 1 9 3 8 .
88
Idem. Normalmente, cada mililitro de vacina permite imunizar u m a centena de pessoas.
89
Warren (vice-diretor da IHD) a Soper, 3 de março de 1 9 3 8 , RAC , RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 2 3 , dossiê 1 8 4 .
90
Soper a Sawyer, 11 de março de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 8 4 .
91
Soper a Sawyer, 2 1 de fevereiro de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 8 4 ;
Diário de Sawyer em 1 9 3 8 , RAC, RG 1 2 . 1 , caixa 5 5 , Diários.
92
Warren a Soper, 3 de março de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 8 4 .
93
Diário de Sawyer em 1 9 3 8 , RAC, RG 1 2 . 1 , caixa 5 5 , diários; Diário de Soper em 1 9 3 8 ,
anotações de 2 1 de março de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 , dossiê 2 1 4 . Soper
observou paralelamente que algumas pessoas se queixavam de fortes reações febris
à vacinação. Ele considerou essas queixas exageradas e contentou-se em constatar
que boatos atribuíam tais reações ao fato de que as pessoas bebiam escondidas. Esses
boatos lhe pareceram capazes de impedir que as pessoas solicitassem u m a licença
médica após a vacinação.
94
Soper a Sawyer, 16 de abril de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 8 4 .
95
Diário de Soper em 1 9 3 9 , anotações de 2 7 de janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 ,
dossiê 2 1 5 .
96
Diário de Soper em 1 9 3 8 , anotações de 13 de abril, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 ,
dossiê 2 1 4 .
97
Soper a Sawyer, 3 de março de 1 9 3 9 e 3 de abril de 1 9 3 9 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
2 3 , dossiê 1 8 6 ; Acoc, Relatório da IHD, 1 9 3 9 , documento RF 4 0 . 0 2 . 0 7 .
98
Diário de Soper em 1 9 3 9 , anotações de 1 de março, 13 de março e 2 6 de junho, RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 , dossiê 2 1 5 ; Diário de Soper em 1939, anotações de 12 de setembro,
RAC, RG 1 2 . 1 , caixa 5 6 ; Acoc, relatório da IHD para 1 9 3 9 , documento Fundação Rockefeller,
4 0 . 0 2 . 0 7 . SOPER, F. L. SMITH Η. Η. & PENNA, Η. A. Yellow fever vaccination: field results
as measured by the mouse protection test and epidemiological observations. Proceedings of
the Third International Congress of Microbiology, 1 9 3 9 , p. 3 5 1 - 3 5 3 .
99
Soper a Sawyer, 2 3 de maio de 1 9 3 9 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 8 5 .
100
Diário de Soper em 1 9 3 9 , anotações de 5 de dezembro, 12 de dezembro e 16 de
dezembro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 0 , dossiê 2 1 5 . Diário do laboratório do Rio de
Janeiro, anotações de 12 de dezembro de 1 9 3 9 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 6 , dossiê
2 2 3 . FOX, J . P; MANSO, C.; PENNA, H. A. & PARÁ, M. Observations on the ocurrence
o f icterus in Brazil, following vaccination against yellow fever. The American Journal
of Hygiene, 3 6 ( 2 ) : 6 8 - 1 1 6 , 1 9 4 2 .
101
Diário de Soper em 1 9 4 0 , anotações de 2 2 de janeiro, 2 5 de julho, 17 de j u n h o , RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 3 2 , dossiê 2 1 6 .
102
Diário de Soper em 1 9 4 0 , anotações de 12 de j u l h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 2 ,
dossiê 2 1 6 .
103
Diário de Fox em 1 9 4 0 , anotações de 15 de maio, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 2 ,
dossiê 2 1 5 . Mais tarde, pesquisadores observaram que o vírus da hepatite Β era muito
resistente à inativação por calor.
104
Diário de Fox em 1 9 4 0 , anotações de 16 de maio, 17 de maio, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 3 2 , dossiê 2 1 5 .
105
Diário de Fox em 1 9 4 0 , anotações de 11 de j u n h o , 13 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 3 2 , dossiê 2 1 6 .
106
Diário de Fox em 1 9 4 0 , anotações de 15 de j u n h o , 16 de j u n h o , 18 de j u n h o , RAC, RG
1.1, série 3 0 5 , caixa 3 2 , dossiê 2 1 6 .
107
Diário de Fox em 1 9 4 0 , anotação de 2 1 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 2 ,
dossiê 2 1 6 .
108
Diário de Fox em 1 9 4 0 , anotação de 3 de setembro, Idem.
109
Diário de Fox em 1 9 4 0 , anotação de 3 de setembro, Ibidem.
110
Diário de Soper em 1 9 4 0 , anotação de 2 de outubro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 2 ,
dossiê 2 1 6 .
111
Diário de Fox em 1 9 4 0 , anotação de 2 0 de agosto, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 2 ,
dossiê 2 1 6 .
112
Soper a Sawyer, 3 0 de dezembro de 1 9 3 8 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 8 5 ;
Bauer a Soper, 2 0 de abril de 1 9 3 9 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 2 3 , dossiê 1 8 6 . A
"goma da Arábia" foi utilizada para suspender a vacina neurotrópica utilizada pelos
pesquisadores franceses na África.
113
Diário de Soper em 1 9 4 0 , anotações de 13 de novembro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa
3 2 , dossiê 2 1 6 ; Diário de Fox em 1 9 4 0 , anotações de 2 8 de outubro, 3 0 de setembro e
1 0 de dezembro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 2 , dossiê 2 1 6 .
114
Idem, anotação de 5 de outubro de 1 9 4 0 . FOX, J . P.; MANSO, C.; PENNA, H. A. & PARÁ,
M . Observations on the ocurrence o f icterus in Brazil, following vaccination against
yellow fever, op. cit., p . 1 0 2 - 1 0 4 . Pode-se avançar várias hipóteses para explicar re-
trospectivamente a distribuição inabitual dos casos de icterícia pós-vacinal no Brasil:
tratou-se da presença de u m co-fator ambiental ou infeccioso, o u de u m a epidemia
mista de vários tipos de hepatite? Poderia ter sido realizada u m a enquete epidemiológica
para verificar se a epidemia foi induzida pelo vírus da hepatite Β (candidato mais
plausível). U m a enquete desse tipo foi realizada em 1 9 8 7 entre os veteranos do
Exército americano que sofreram de icterícia após terem sido vacinados contra a
febre a m a r e l a . Ela c o n f i r m o u a suposição. Curiosamente, m u i t o poucas pessoas
entre as registradas c o m o infectadas pela vacina em 1 9 4 2 continuaram portadoras
do vírus por muito tempo o u sofreram seqüelas tardias, sem dúvida para grande
alívio dos responsáveis pelos serviços de saúde do Exército. Os autores da enquete não
consideram a possibilidade, mencionada por outros virologistas, de os soldados te-
rem sofrido de infecção subclínica e, por isso, não terem sido consignados nos regis-
tros do Exército americano. Eles poderiam ter se tornado portadores do vírus e sofri-
do efeitos a longo prazo dessa infecção (hepatite, câncer do fígado). Cf. SEFF, L. B . ;
BEEBE, G. W ; HOOFNAGLE J . H. et al. A serologic follow up o f the 1 9 4 2 epidemics o f
post-vaccination hepatitis in the United States Army. New England Journal of Medicine,
3 1 6 ( 1 6 ) : 9 6 5 - 9 7 0 , 1 9 8 7 . As questões levantadas pelos pesquisadores brasileiros sobre
a epidemiologia da icterícia pós-vacinal foram mencionadas para justificar os fatos
de os responsáveis pela produção da vacina contra a febre amarela no laboratório da
IHD em Nova York não terem observado as conclusões práticas de seus colegas do Rio
e de o soro h u m a n o não ter sido subtraído da cadeia de produção da vacina contra a
febre amarela. SAWYER, W. Α.; MEYER, Κ. Ε ; EATON, Μ. D.; BAUER, J . Η. PUTNAM P.
& SCHWENTEKER, F. F. Jaundice in the A r m y personnel in the Western region o f the
United States and its relation to vaccination against yellow fever. The American Journal
of Hygiène, 4 0 : 3 5 - 1 0 7 , 1 9 4 4 , à página 4 0 .
115
FOX, J . R; LENNETTE, Ε. H.; MANSO, C. & AGUIAR, J . R. S. Encephalitis in man following
vaccination with 1 7 D virus. The American Journal of Hygiene, 3 6 ( 2 ) : 1 1 7 - 1 4 2 , 1 9 4 2 .
116
Diário de Soper em 1 9 4 1 , anotações de 17 de j u l h o , 2 2 de julho, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 3 3 , dossiê 2 1 7 ; Diário do laboratório do Rio de Janeiro, RAC, RG 1.1, série 3 0 5 ,
caixa 3 6 , dossiê 2 2 2 .
117
Diário do laboratório do Rio de Janeiro, anotações de 8 de outubro de 1 9 4 1 , 13 de
outubro de 1 9 4 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 6 , dossiê 2 2 2 .
118
Diário do laboratório do Rio de Janeiro, anotações de 13 de outubro de 1 9 4 1 , 2 0 de
outubro de 1 9 4 1 , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 6 , dossiê 2 2 2 .
119
SOREL, S. La vaccination anti-amarile em Afrique Occidentale Française. Mise en
application du procede du vaccin Sellers-Laigret, op. cit.
120
FOX, J . R; LENNETTE, Ε. H.; MANSO, C. & AGUIAR, J . R. S. Encephalitis in m a n
following vaccination with 1 7 D virus, op. cit., p. 1 4 0 .
121
Diário de Sawyer em 1 9 3 8 , anotações de 2 3 de março, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 5 .
122
Diário de Sawyer em 1 9 4 0 , anotações de 1 0 de j u n h o , RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 5 ;
SAWYER, W. A. et al. Jaundice in the A r m y personnel in the Western region o f the
United States and its relations to vaccination against yellow fever, op. cit., p . 4 2 - 4 4 .
123
Notas de Hackett sobre a febre amarela, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 3, dossiê 1 9 . 1 b .
124
BELL, Η. Medical research and medical practice in the Anglo-Egyptian Sudan, 1 8 9 9 -
1 9 4 0 , op. c i t . A epidemia do Sudão atingiu u m a região afastada dos centros urbanos.
Os doentes eram praticamente todos nativos, e não colonos. Contaram-se mais de
1 5 . 0 0 0 casos, e a mortalidade foi de aproximadamente 10%.
125
Diário de Sawyer em 1 9 4 0 , anotações de 5 de outubro, 14 de dezembro, 2 6 de dezem-
bro, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 5 .
126
Diário de Sawyer e de Warren em 1 9 4 1 , anotações de 1 0 de janeiro, 18 de janeiro,
RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 .
127
Idem, anotações de 2 0 de janeiro e 2 9 de janeiro de 1 9 4 1 .
128
Idem, anotações de 31 de janeiro, 7 de fevereiro, 13 de fevereiro de 1 9 4 1 .
129
Diário de Fox em 1 9 4 1 , anotação de 9 de maio, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 5 , dossiê 2 2 2 .
U m a ampola reconstituída era suficiente para vacinar u m a centena de pessoas, o que
raramente levava mais de três horas. Os restos de suspensão do vírus reconstituído
eram sempre jogados fora.
130
Notas de Hackett sobre a febre amarela, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 8, dossiê 8 6 - 1 3 2 .
Hackett relata o ponto de vista de seus colegas de Nova York. Também teria sido
possível desenvolver o argumento oposto, e sugerir que a passagem a u m a produção
em larga escala multiplica os risco de acidentes e torna ainda mais imperativa a
aplicação do princípio de precaução.
131
SAWYER, W. A. et al. Jaundice in the A r m y personnel in the Western region o f the
United States and its relations to vaccination against yellow fever, op. cit., p. A3.
132
Soper a Sawyer, 7 de novembro de 1 9 4 1 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê" 1 2 9 ;
Notas de Hackett sobre a febre amarela, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 8, dossiê 8 6 . 1 3 2 ;
Soper a Hackett, 18 de outubro de 1 9 5 5 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 3, dossiê 1 4 .
Segundo Smith, os pesquisadores do laboratório de Nova York tendiam a não levar
em consideração as informações provenientes de outros países quando elas contra-
diziam sua própria experiência. Smith a Hackett, 4 de fevereiro de 1 9 6 0 , RAC, RG 3 . 1 ,
série 9 0 8 , caixa 2 , dossiê 1 8 . 2 .
133
A reação enraivecida de Sawyer foi relatada a Soper por Kerr. Cf. Soper a Hackett, 2 3
de março de 1 9 6 0 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 2 , dossiê 1 8 . 2 .
134
Entrevista de Hackett com Soper, 6 de j u n h o de 1 9 5 1 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 1,
dossiê 8 6 .
135
Soper a Sawyer, 3 0 de j u n h o de 1 9 4 1 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 2 9 ; Diário
de Soper em 1 9 4 1 , anotações de 2 0 de j u n h o , RAC, RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 3 , dossiê
217.
136
Dr. G. L. Dunahoo, do PHS, a Bauer, 2 6 de j u n h o de 1 9 4 1 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa
16, dossiê 1 2 9 .
137
Sawyer a Soper, 1 6 de dezembro de 1 9 4 1 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 2 9 .
138
Diário de Soper em 1 9 4 2 , anotações de 2 0 de março, 2 2 de março, RAC, RG 1 2 . 1 ,
Diários, caixa 5 6 .
139
Telegrama de Sawyer a Strode, 2 3 de março de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 ,
dossiê 1 3 0 .
140
Strode a Sawyer, 2 3 de março de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 0 .
141
Sawyer a Strode, 2 5 de março de 1 9 4 2 ; Strode a Sawyer, 2 8 de março de 1 9 4 2 , RAC,
RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 0 .
142
Carta de Mayer a Hackett, 18 de março de 1 9 6 0 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 2 , dossiê
18.2.
143
Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 3 0 de março, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 .
144
Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 1 de abril, 6 de abril, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários,
caixa 5 6 .
145
Sawyer a Strode, 3 de abril de 1 9 4 0 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 1 .
146
Theiler reconheceu o risco que podia haver em abandonar u m procedimento de
produção j á testado, mas desde o anúncio do surgimento de casos de hepatite ligados
à vacinação, ele achou que seria mais sensato mudar o modo de fabricação da vacina.
Diário de Soper em 1 9 4 2 , anotações de 6 de abril, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 .
147
Telegrama de Sawyer à Fundação Rockefeller, 9 de abril de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 ,
caixa 1 6 , dossiê 1 3 1 .
148
Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 7 de abril, 8 de abril, 9 de abril, RAC, RG 1 2 . 1 ,
Diários, caixa 4 6 .
149
Strode a Sawyer, 1 0 de abril de 1 9 4 2 ; Strode a Crawford, 1 0 de abril de 1 9 4 2 , RAC, RG
1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 1 .
150
Bauer a Sawyer, 11 de abril de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 16, dossiê 1 3 1 .
151
Sawyer a Strode, 11 de abril de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 1 .
152
Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 31 de abril, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 . Carta
de Mayer a Hackett, 18 de março de 1 9 6 0 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 2 , dossiê 1 8 2 .
153
Memorando, Comissão das Doenças Tropicais, 13 de abril de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série
1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 1 .
154
Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 1 4 de abril, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 .
155
Stephenson a Bauer, 1 5 de abril e 18 de abril de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 ,
dossiê 1 3 1 . Em 2 9 de abril, Stephenson afirma ainda que pretende continuar a vaci-
nação contra a febre amarela. Cf. Stephenson a Sawyer, 2 9 de abril de 1 9 4 2 , RAC, RG
1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 1 . Não está claramente estabelecido c o m o a Marinha
escapou da epidemia de icterícia pós-vacinal. SAWYER, W. A et al. Field studies and
statistical analyses establisching a relationship between the incidence o f j a u n d i c e
and certain lots o f yellow fever vaccine. American Journal of Hygiene, 3 9 : 3 3 7 - 4 3 0 ,
1 9 4 4 ; dos mesmos autores, Jaundice in the A r m y personnel in the Western region o f
the United States and its relations to vaccination against yellow fever, op. cit., p . 6 4 .
156
Sawyer a Simmons, 18 de abril de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 1 .
157
Sawyer ao Dr. Eaton, 4 de maio de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 1 .
Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 2 3 de abril, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 .
158
Relatório da Comission on Tropical Diseases do Exército britânico, redigido por seu
presidente, W. A. Sawyer, 2 9 de abril de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê
1 3 1 . Sobre a aceleração do emprego do sangue e dos produtos sangüíneos nos Esta-
dos Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, ver CREAGER, A. Producing molecular
t h e r a p e u t i c s f r o m h u m a n b l o o d : E d w i n C o h n ' s w a r t i m e e n t e r p r i s e . In:
CHADAVERIAN, S. de & KAMMINGA, H. Molecularizing Biology and Medicine. Harwood
Academic Publishers, 1 9 8 9 , p. 1 0 7 - 1 3 8 . A partir de meados de abril. Sawyer incenti-
vou a produção de vacina sem soro. Em maio, ele espera que a vacina esteja pronta no
fim de j u n h o de 1 9 4 2 . Relatório do Board for the Investigation o f Influenza and other
Epidemic Diseases in the Army, 1 2 - 1 3 de maio de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 17,
dossiê 1 4 6 .
159
Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 4 de maio, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 .
Sawyer a Stephenson, 1 9 de maio de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 2 .
160
Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 9 de maio, 12 de maio, 2 5 de maio, RAC, RG
1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 . Eaton a Sawyer, 2 9 de maio de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 ,
caixa 1 6 , dossiê 1 3 2 .
161
Sawyer a Stephenson, 2 7 de maio de 1 9 4 2 . Stephenson a Sawyer, 2 9 de maio de 1 9 4 2 ,
RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 2 . Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 2 9
de maio de 1 9 4 2 , RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 .
162
Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 3 de j u n h o , 2 5 de j u n h o , 3 0 de j u n h o , RAC,
RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 . Stephenson a Sawyer, 2 6 de j u n h o de 1 9 4 2 , RAC, RG 1,
série 1 0 0 , caixa 16, dossiê 1 3 4 .
163
Diário de Strode em 1 9 4 2 , anotações de 1 de julho, 7 de julho, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários,
caixa 5 6 .
164
Memorando, reunião sobre a vacinação contra a febre amarela, 11 de setembro de
1 9 4 2 , RAC, RG 1, caixa 16, dossiê 1 3 0 .
165
Anotações de Hackett sobre a febre amarela, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 3, dossiê
19.1b.
166
Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 19 de maio, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 .
167
Maxcy a Sawyer, 4 de maio de 1 9 4 2 ; Bauer a Maxcy, 6 de maio de 1 9 4 2 , RAC, RG 1 2 . 1 ,
Diários, caixa 5 6 .
168
Diário de Sawyer em 1 9 4 2 , anotações de 19 de maio, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 .
Em 18 de maio, Sawyer assinalou que "o Dr. Bauer, que estuda as ligações entre os
lotes da vacina e a icterícia, está mais convencido do que nunca de que o agente
iatrogênico é originário do sangue dos doadores". Cf. Sawyer a Stephenson, 19 de
maio de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 2 .
169
Eaton a Sawyer, 8 de maio de 1 9 4 2 ; Sawyer a Eaton , 18 de maio de 1 9 4 2 ; Sawyer a
Stephenson, 1 9 de maio de 1 9 4 2 ; Sawyer a Mayer, 21 de maio de 1 9 4 2 , RAC, RG 1,
série 1 0 0 , caixa 16, dossiê 1 3 2 . Mayer não estava inteiramente convencido; segundo
ele, o surgimento súbito da contaminação a partir do lote 3 1 8 não era compatível com
a hipótese de que o soro era o único culpado. Cf. Mayer a Sawyer, 2 9 de maio de 1 9 4 2 ,
RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 2 . A dúvida persistiu para vários pesquisado-
res. Muench (da Fundação Rockefeller) escreve em 11 de j u n h o que as correlações
entre os lotes de soro suspeitos e os lotes de vacina icterogênicos não são satisfatórias
e refletiram u m a distribuição aleatória; ele não vê no soro o agente portador da
c o n t a m i n a ç ã o . Comentário de Muench sobre um memorando de Goodner, 11 de
j u n h o de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 4 .
170
Bauer ao Dr. Hargett, 21 de maio de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 2 .
171
Memorando de Bauer, 3 0 de outubro de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 16, dossiê 1 3 8 .
172
Bayne-Jones a Sawyer, 2 5 de fevereiro de 1 9 4 3 e 2 de março de 1 9 4 3 , RAC, RG 1, série
1 0 0 , caixa 17, dossiê 1 4 1 .
173
Diário de Strode em 1 9 4 2 , anotações de 16 de outubro, 15 de dezembro, 31 de dezem-
bro, RAC, RG 1 2 . 1 , Diários, caixa 5 6 . A categoria "doadores com histórico de icterícia"
compreendia indivíduos atingidos por "icterícia catarral" (portanto, segundo as clas-
sificações recentes, também indivíduos que tenham sofrido de hepatite A, que em
geral não é transmissível pelo soro).
174
Recortes de jornais, RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 16, dossiê 1 2 9 . Sobre a avaliação do
número de casos de hepatite, ver SEFF, L. Β.; BEEBE, G. W.; HOOFNAGLE, J . H. et al. A
serological follow up of the 1 9 4 2 epidemics of post-vaccination hepatitis in the United
States army, op. cit.
175
F1SHBEIN, M. Jaundice following yellow fever vaccination. Journal of the American
Medical Association, 1 de outubro de 1 9 4 2 , p. 1.110.
176
Recortes de jornais, RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 16, dossiê 1 2 9 .
177
Memorando, 12 de setembro de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 0 .
178
SAWYER, W. A. et al. Jaundice in the Army personnel in the Western region of the
United States and its relations to vaccination against yellow fever, op. cit., p . 9 1 - 1 0 1 .
179
OLIPHANT, J . W ; GILLIAM, A. G. & LARSON, C. L. Jaundice following administration
of human serum. Public Health Reports, 5 8 ( 3 3 ) : 1 . 2 3 3 - 1 . 2 4 2 , 1 9 4 3 .
180
FINDLAY, G. M. & MARTIN, Ν. H. Jaundice following yellow fever immunization. The
Lancet, 2 4 4 : 6 7 8 - 6 8 0 , 1 9 4 3 . Mais tarde, Findlay conduziu experiências realizadas em
humanos com o vírus da hepatite. STANTON, J . M. Health Policy and Medical Research:
hepatitis Β in the UK since the 1940's, 1 9 9 5 . PhD Thesis, London: London School of
Hygiene and Tropical Medicine. Mayer, que tomou conhecimento das pesquisas de
Findlay e de Martin, surpreendeu-se com o fato de não haver ocorrido uma epidemia
de hepatite no Exército americano. Mayer a Sawyer, 3 0 de outubro de 1 9 4 3 , RAC, RG
1, série 1 0 0 , caixa 17, dossiê 1 3 9 .
181
Homologous serum j a u n d i c e . M e m o r a n d u m prepared by medical officers o f the
Ministry o f Health. The Lancet, 2 2 4 : 8 3 - 8 8 , 1 9 4 3 .
182
Casos de hepatite ocorridos após uma transfusão de produtos sangüíneos (plasma
ou soro h u m a n o dessecado e reconstituído) foram descritos pelos Drs. Morgan e
Williamson, do Hospital de São Bartolomeu, em Londres. Cf. MORGAN, Η. V. &
WILLIAMSON, D. A. J . Jaundice following administration of human blood products.
British Medical Journal, 1:750,753, 1 9 4 3 .
183
Homologous serum jaundice, op. cit., citação p.88. Pode-se observar que ao reconhe-
cimento de um problema não se seguem obrigatoriamente conseqüências práticas.
Os pesquisadores e os médicos ingleses foram os primeiros a fazer explicitamente a
ligação entre a hepatite e a injeção de soro humano, mas a produção da vacina contra
a febre amarela contendo soro humano só foi interrompida em Londres em janeiro de
1 9 4 3 , ou seja, seis meses depois dos Estados Unidos. Anotações de Hackett sobre a
febre amarela, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 3, dossiê 19.1b. A mudança de atitude dos
poderes públicos britânicos deve-se à epidemia de hepatite pós-vacinal observada a
partir de outubro de 1 9 4 2 entre os soldados britânicos.
184
Editorial "Unexplained jaundice". The Lancet, 2 2 4 : 7 7 - 7 8 , 1 9 4 3 .
185
SAWYER, W. A. et al. Jaundice in the Army personnel in the Western region of the
United States and its relations to vaccination against yellow fever, op. cit. O artigo foi
recebido em 2 6 de novembro de 1 9 4 3 e publicado em 1 9 4 4 .
186
SAWYER, W. A. et al. Jaundice in the Army personnel in the Western region of the
United States and its relations to vaccination against yellow fever, op. cit.
187
Homologous serum jaundice, op. cit., citação à página 8 8 . Editorial "Unexplained
jaundice", op. cit. SAWYER, W. A. et al. Jaundice in the A r m y personnel in the Western
region of the United States and its relations to vaccination against yellow fever, op.
cit., p . 4 0 - 4 1 .
188
SAWYER, W. A. et al. Jaundice in the Army personnel in the Western region o f the
United States and its relations to vaccination against yellow fever, op. cit., p . 6 7 - 6 8 .
LAINER, F. Zur Frage des Infektiositat des Icterus. Wien. Klin. Wochenschr, 5 3 : 6 0 1 - 6 0 4 ,
1 9 4 0 . Em 1 9 4 0 , não se fazia distinção entre a icterícia transmitida pelos alimentos
(hoje, hepatite A) e a transmitida pelo soro (hepatite B). As circunstâncias da epide-
mia de hepatite pós-vacinal ocorrida no Exército americano não foram mais claras
do que as da epidemia brasileira; a distribuição dos casos foi, muitas vezes, conside-
rada "inexplicável": o mesmo lote de vacina contaminada provocou taxas de hepatite
muito diferentes nos vários lugares, lotes preparados com o soro incriminado não
provocaram hepatite, e a Marinha praticamente escapou da epidemia, apesar de uma
campanha de imunização em larga escala.
189
Hackett a Smith, 2 9 de janeiro de 1 9 6 0 ; Meyer a Hackett, 18 de março de 1 9 6 0 ; Hackett
a Margaret Sawyer, 1 de abril de 1 9 6 0 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 2, dossiê 1 8 . 2 .
190
Anotações de Hackett sobre a febre amarela, RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 4 , dossiê 2 7 .
Smith a Hackett, 4 de fevereiro de 1 9 6 0 ; Meyer a Hackett, 18 de m a r ç o de 1 9 6 0 ;
Hackett a Meyer, 2 3 de março de 1 9 6 0 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 2 , dossiê 1 8 . 2 .
191
Soper a Sawyer, 2 0 de abril de 1 9 4 2 (o memorando de Fox sobre a icterícia pós-
vacinal no Brasil figura em anexo), RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 1 .
192
Soper escreve, assim, que o laboratório de Nova York empreendeu muitos esforços
para a seleção dos doadores de soro h u m a n o normal, mas o acompanhamento das
pessoas vacinadas foi estranhamente negligenciado. Soper a Hackett, 2 3 de março de
1 9 6 0 , RAC, RG 3 . 1 , série 9 0 8 , caixa 2 , dossiê 1 8 . 2 .
193
Relatório da Comission on Tropical Diseases do Exército americano, redigido por seu
presidente, W. A. Sawyer, em 2 9 de abril de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 16, dossiê
131.
194
Exemplos das formas utilizadas para registrar os indivíduos vacinados pelo 17D, e
depois acompanhar sua taxa de anticorpos, são reproduzidos na primeira publicação
relativa a esse ripo de vacinação no Brasil: SMITH, Η. Η.; PENNA, Η. Α. & PAOLIELLO, Α.
Yellow fever vaccination with cultured virus (17D) without immune serum, op. cit
195
Diário do laboratório do Rio de Janeiro, anotações de 12 de dezembro de 1 9 3 9 , RAC,
RG 1.1, série 3 0 5 , caixa 3 6 , dossiê 2 2 3 . FOX, J . R; MANSO, C.; PENNA, H. A. & PARÁ,
Μ. Observations on the ocurrence o f icterus in Brazil, following vaccination against
yellow fever, op. cit.
196
U m exemplar do questionário empregado pelo escritório do S u r g e o n General na
investigação dos casos de icterícia sem causa conhecida é anexado à carta de Bauer a
Sawyer de 11 de abril de 1 9 4 2 , RAC, RG 1, série 1 0 0 , caixa 1 6 , dossiê 1 3 1 .
197
É irônico constatar que os especialistas da Fundação Rockefeller no Brasil acompa-
nharam eficazmente os efeitos da vacinação em populações rurais tidas como "atra-
sadas", enquanto nos Estados Unidos a população na qual se injetou a vacina era
composta de soldados, grupo em princípio particularmente fácil de fiscalizar. Sobre
as dificuldades encontradas no estágio do desenvolvimento dos testes clínicos das
novas terapias nos Estados Unidos nesse período, ver MARKS, Η. The Progress of
Experiment: science and the therapeutic reform in the United States, 1900-1990. Cambridge:
Cambridge University Press, 1 9 9 7 .
Febre sob Controle: a medicinatropicalentre saber
universal epráticaslocalizadas

A Medicina Tropical como Instrumento de Mudança


Social, 1900-1950
Na primeira metade do século X X , especialistas a f i r m a r a m que u m
conhecimento sólido sobre os agentes e os modos de transmissão das doen-
ç a s ( d i t o de o u t r o m o d o , o d e s e n v o l v i m e n t o d a b a c t e r i o l o g i a , da
p a r a s i t o l o g i a , da v i r o l o g i a e da e n t o m o l o g i a médica) era u m a c o n d i ç ã o
necessária e suficiente para o c o n t r o l e destas. A eliminação parcial - o u
m e s m o total, em alguns poucos casos - de a l g u m a s doenças transmissíveis
de determinadas regiões do globo (no caso da varíola, do m u n d o inteiro)
parece ter reforçado essa idéia, forjada n o fim do século X I X . Esses b o n s
resultados n ã o eram, entretanto, suficientes para m a s c a r a r os reveses s o -
fridos n o s países e m desenvolvimento: infecções tais c o m o a tuberculose,
a m a l á r i a , as doenças diarréicas da infância, a e s q u i s t o s s o m o s e o u ainda
a leishmaniose visceral n ã o puderam ser contidas. M e s m o a freqüência da
febre amarela a u m e n t o u claramente nos anos 1 9 9 0 , ainda que os esforços
de erradicação desta doença empreendidos desde 1 9 8 6 t e n h a m ilustrado a
1
luta f r u t u o s a c o n t r a as patologias dos países tropicais. Os historiadores
q u e a n a l i s a r a m as t e n t a t i v a s de c o n t r o l e dos a g e n t e s , o r g a n i s m o s o u
artrópodes, de t r a n s m i s s ã o das doenças aos h u m a n o s s i t u a r a m essa h i s -
tória n o c o n t e x t o da expansão do Ocidente, e a c o m p a n h a r a m o papel que
2
a ciência e a "medicina científica" nela d e s e m p e n h a r a m .
A "medicina colonial", "medicina tropical" o u "medicina dos climas
quentes" foi estudada por alguns historiadores através dos usos das técni-
cas médicas produzidas n o Ocidente e transferida para os países quentes.
O u t r o s e n f a t i z a r a m as diferenças existentes entre a medicina dos países
colonizados o u dominados e aquela praticada na metrópole, e o papel espe-
cífico desempenhado por essa medicina na proteção da saúde daqueles que
saíam dos países ocidentais (colonos, soldados, comerciantes), na rentabili-
dade de seus investimentos (plantações, indústrias de capital estrangeiro) e,
3
ocasionalmente, na m a n u t e n ç ã o o u ampliação de sua esfera de influência.
O u t r o s , ainda, s u b l i n h a r a m as similitudes entre as práticas da "medicina
colonial" e as da medicina da metrópole, e a dimensão bilateral da transfe-
rência dos conceitos e das práticas. Eles c h a m a r a m a atenção para o fato de
que m u i t o s aspectos da medicina dita "colonial", c o m o a vigilância rígida
das doenças transmissíveis e a homogeneização das práticas corporais e do
entorno imediato aos homens, foram inicialmente desenvolvidos nos países
4
quentes antes de serem importados pela metrópole.

Os pesquisadores que a c e n t u a m a especificidade da "medicina c o l o -


nial" e os que alegam suas características c o m u n s à medicina da m e t r ó p o -
le c o n c o r d a m e m pelo m e n o s u m p o n t o : decididamente, essa m e d i c i n a
adotou o modelo médico ocidental. A "medicina tropical" nascida por volta
do fim do século X I X , era, de modo geral, disseminada o u pelos especialis-
tas ocidentais (assistidos p o r s u b a l t e r n o s n a t i v o s ) , o u , m a i s r a r a m e n t e ,
p o r m é d i c o s l o c a i s q u e h a v i a m e s t u d a d o n o Ocidente (a c a m p a n h a de
5
Oswaldo Cruz é u m exemplo emblemático da "medicina tropical" n a t i v a ) .
A aceitação (que n ã o foi n e m imediata, n e m linear) da teoria m i c r o b i a n a
das doenças e a a t e n u a ç ã o , dela decorrente, das percepções anteriores b a -
seadas nas noções de "aclimação" e de "imunidade racial" levaram à c o n -
c l u s ã o de que os h o m e n s b r a n c o s n ã o estão irremediavelmente c o n d e n a -
dos p o r s u a c o n s t i t u i ç ã o a u m a m á a d a p t a ç ã o a o s países q u e n t e s . Eles
podem, a s s i m , viver nos trópicos evitando o duplo perigo da doença e da
degenerescência, desde que s u p r i m a m de seu meio, entretanto, os agentes
e o s v e t o r e s da d o e n ç a . Os e s p e c i a l i s t a s r e c o m e n d a m , p o r t a n t o , o
autocontrole aos brancos (prática de u m a higiene corporal adequada e in-
trodução de medidas sanitárias apropriadas nas moradias), o qual deve ser
redobrado, dada a impossibilidade p r á t i c a de c o n f o r m a r o a m b i e n t e e m
q u e o s n a t i v o s v i v e m às n o r m a s s a n i t á r i a s européias e de c o n t r o l a r os
corpos autóctones, fonte de c o n t a m i n a ç ã o tanto mais perigosa porque in-
visível; os n a t i v o s i m u n i z a d o s s e r i a m , c o m efeito, portadores saudáveis
6
dos agentes de doenças perigosas para os europeus.
As atividades dos médicos que t r a b a l h a m nas colônias e as da F u n -
7
dação Rockefeller se inscrevem nesse quadro geral. Todavia, m u i t a s vezes
suas respectivas m o t i v a ç õ e s divergem. A Fundação Rockefeller, o r g a n i z a -
ção filantrópica, tinha, n o início, c o m o objetivo declarado contribuir para
o b e m - e s t a r da humanidade c o m o u m todo, n ã o unicamente nos territóri-
os postos sob a tutela de u m a potência colonial empenhada e m defender
seus interesses particulares. Não é ocioso lembrar a q u i que o sentido pri-
8
meiro da palavra "filantropia" é " a m o r à humanidade". A escolha da s a ú -
de pública c o m o alvo primeiro da a ç ã o filantrópica, todavia, t a m b é m foi
motivada pela redução dos riscos para as populações ocidentais decorrente
da ampliação, e m escala planetária, da p r o m o ç ã o da saúde; as tentativas
que v i s a v a m a erradicar a febre amarela dos países da América, portanto,
t a m b é m t i n h a m c o m o objetivo a f a s t a r definitivamente q u a l q u e r a m e a ç a
que pairasse sobre os Estados Unidos e proteger os cidadãos a m e r i c a n o s
c h a m a d o s a t r a b a l h a r nesses países.
Os fundadores da Fundação Rockefeller adotaram o princípio da v a -
lidade universal da ciência médica c o m o base de sua ação filantrópica. A
criação da IHD esteve explicitamente ligada à ambição de desenvolver u m a
"ciência da saúde pública", c o m a saúde resumindo-se, nessa perspectiva,
à ausência de doenças o u , m a i s e x a t a m e n t e , à ausência de p a t ó g e n o s es-
pecíficos. Ela se apoiou, antes de tudo, nos conhecimentos da biologia e da
medicina, e orientou-se prioritariamente para a profissão médica. U m dos
principais objetivos da F u n d a ç ã o Rockefeller foi a difusão de u m ensino
científico da saúde pública. Daí a fundação e o financiamento da Escola de
Higiene e de Saúde Pública da Universidade J o h n s Hopkins, e m Baltimore,
i n a u g u r a d a e m 1 9 1 8 e i n s t a l a d a e m seus prédios definitivos e m 1 9 2 2 ,
i n s t i t u i ç ã o q u e f o r m o u g e r a ç õ e s de especialistas e m s a ú d e p ú b l i c a n a
América do Norte e acolheu m u i t o s alunos estrangeiros. Ela serviu de modelo
para as escolas de saúde pública criadas pela Fundação Rockefeller no e s -
t r a n g e i r o , e s p e c i a l m e n t e e m S ã o Paulo. Todas essas escolas t r a t a r a m o
e n s i n o das disciplinas científicas c o m o o c e r n e de seus p r o g r a m a s . Os
a l u n o s adquiriram, em primeiro lugar, conhecimentos sobre os m i c r o r g a -
n i s m o s e os parasitos que induzem as doenças, sobre os artrópodes que as
t r a n s m i t e m , e o domínio das técnicas de laboratório que permitem estudar
os patógenos e seus vetores. F o r a m t a m b é m iniciados nas técnicas de ad-
m i n i s t r a ç ã o da saúde pública.
O postulado da universalidade da ciência médica, difundido nas es-
colas de saúde p ú b l i c a criadas pela F u n d a ç ã o Rockefeller, p r e s s u p u n h a ,
a l é m disso, q u e os m é t o d o s de s a ú d e p ú b l i c a desenvolvidos n o s países
industrializados do Norte podiam ser aplicados c o m sucesso nos países do
S u l . N u m e r o s o s b o l s i s t a s dos países periféricos, f o r m a d o s n a Escola de
Higiene e de Saúde Pública da Universidade J o h n s Hopkins, tornaram-se
9
m a i s tarde zelosos embaixadores da a b o r d a g e m n o r t e - a m e r i c a n a .
Os diretores da IHD s u b l i n h a r a m a i m p o r t â n c i a da pesquisa funda-
m e n t a l para a solução dos problemas de saúde n o m u n d o . Essa opinião é
ilustrada e m fevereiro de 1 9 4 5 por Wendell Stanley, m e m b r o do Instituto
Rockefeller e r e n o m a d o especialista em virologia, para q u e m a "vitória s o -
bre a febre amarela" seria u m dos exemplos mais impressionantes da apli-
c a ç ã o das pequisas de l a b o r a t ó r i o de p o n t a ao c o n t r o l e de u m a d o e n ç a
viral h u m a n a , aplicação que m o s t r a a via para a solução de o u t r o s proble-
m a s de saúde. Ele resume:

O público deve exigir que o ataque contra esses inimigos invisíveis


seja feito com o mesmo vigor com que atacamos agora nossos inimi-
gos visíveis. A pesquisa científica é a base desse ataque, e o desenvolvi-
mento da pesquisa permitirá que, um dia, dominemos todas as doenças
10
virais.

Os pesquisadores e os médicos formados na escola pasteuriana tam-


b é m e n f e t i z a r a m a i m p o r t â n c i a da pesquisa f u n d a m e n t a l p a r a o desen-
v o l v i m e n t o da m e d i c i n a t r o p i c a l . Os pesquisadores franceses, ligados a
u m Estado colonial, a c e n t u a r a m , contudo, o caráter bidirecional do fluxo
entre a periferia e o centro, e a importância das colônias c o m o recurso para
11
o desenvolvimento da ciência na m e t r ó p o l e . Em 1 9 3 8 , Pasteur Vallery-
Radot é n o m e a d o delegado na direção dos Institutos Pasteur de Ultramar.
Em u m a c a r t a - c i r c u l a r dirigida aos diretores desses institutos q u a n d o a s -
s u m i u suas funções, ele declarava:

Ε nessas filiais que reside, em grande parte, o futuro do Instituto


Pasteur de Paris. Nosso instituto só será grande no mundo se suas filiais
se desenvolverem. Em seus laboratórios devem ser realizadas pesquisas
que só neles podem ser solucionadas. Há u m campo imenso a ser ex-
plorado nesses países novos onde tantos esforços j á foram feitos, e onde
há tanto a fazer do ponto de vista das doenças infecciosas do homem e
dos animais. Os americanos e os alemães nos invejam por ainda termos
tanto a colher. Eles nos observam e nos julgam. Saibamos mostrar-lhes
que não estamos aquém de nossa missão. Foi nos países da África e da
Ásia que a microbiologia realizou, desde suas origens, seus maiores
12
progressos. É neles que ela é chamada a realizá-los.
A pesquisa científica e m medicina tropical c o n c e n t r o u - s e n o s a g e n -
tes e n o s vetores das doenças. A opinião segundo a q u a l o c o n t r o l e das
doenças t r a n s m i s s í v e i s deve o b r i g a t o r i a m e n t e p a s s a r pela e l i m i n a ç ã o de
seus agentes e dos vetores de t r a n s m i s s ã o foi partilhada por quase todos
os especialistas da Fundação Rockefeller. Lewis Hackett, h o m e m de c a m p o
por excelência, ridicularizou os especialistas europeus que, nos anos 1 9 2 0 ,
i m a g i n a v a m soluções p a r a o p r o b l e m a da m a l á r i a que n ã o se b a s e a v a m
e x c l u s i v a m e n t e n a erradicação dos m o s q u i t o s :

O sucesso das medidas antimosquitos no sul dos Estados Unidos foi


visto inicialmente como u m exagero tipicamente americano, quando
não como u m a invenção pura e simples, e uma comissão foi enviada
aos Estados Unidos em 1 9 2 7 para estudar essa questão. Ela informou
que não era possível tirar conclusões definitivas da experiência america-
na, porque a malária estava, de todo modo, desaparecendo por razões
sociais e econômicas, sem relação com as medidas tomadas contra esta
doença. O coronel James, conselheiro médico do Colonial Office britâni-
co, descreveu a malária como u m a doença social, perpetuada por más
condições de habitação e de nutrição e por cuidados médicos inadequa-
dos, e exprimiu sua convicção de que a doença tende a desaparecer
espontaneamente quando as condições de vida melhoram de modo sig-
nificativo. O Prof. Marchoux, o mais conhecido especialista francês em
malária, sustentou que esta doença atinge os países atrasados, e será
eliminada progressivamente com a ampliação da civilização.

A h i s t ó r i a da l u t a c o n t r a a m a l á r i a , r e s u m e Hackett e m seu a r t i g o , de-


m o n s t r o u , n o e n t a n t o , c l a r a m e n t e q u e a e r r a d i c a ç ã o dos v e t o r e s era o
ú n i c o m e i o eficaz de c o n t r o l á - l a ; ele a c r e s c e n t a que é i r ô n i c o c o n s t a t a r
que, das três doenças selecionadas pela Fundação Rockefeller para d e m o n s -
t r a r a viabilidade de s u a eliminação, a a n c i l o s t o m í a s e c o n t i n u a presente,
"impossível de ser eliminada por c a u s a das vicissitudes do caráter h u m a -
n o " , a febre a m a r e l a revelou-se i m o r t a l após a descoberta de s u a f o r m a
silvestre, " m a s a malária, proteiforme e tenaz, esse inimigo infinitamente
13
adaptável e cheio de recursos, parece em vias de e x t i n ç ã o " .
A IHD foi dissolvida e m 1 9 5 1 , decisão j u s t i f i c a d a pela criação (em
14
j u n h o de 1 9 4 8 ) da Organização Mundial da Saúde ( O M S ) . Wilbour Sawyer,
à frente da IHD e n t r e 1 9 3 5 e 1 9 4 4 , e s b o ç a v a e m 1 9 5 1 u m b a l a n ç o da
atividade da organização. S e u artigo, intitulado Ά medicina c o m o i n s t r u ­
m e n t o social: a medicina tropical", ilustra o p o n t o de vista desenvolvido
pela IHD n o período entre-guerras. A s doenças tropicais são apreendidas
e x c l u s i v a m e n t e sob o â n g u l o da presença de seus agentes. Consequente¬
mente, seu controle é u m a atividade baseada em u m saber científico univer-
salmente aplicável, que t o r n a possível o desenvolvimento de métodos efici-
15
entes de eliminação dos agentes e dos vetores de t r a n s m i s s ã o . Os intertítulos
do artigo de S a w y e r - a) Os agentes que induzem doenças tropicais; b) A
descoberta e a conquista dos vetores das doenças tropicais; c) Os vermes na
medicina tropical; d) Prevenção pela vacinação; e) A quimioterapia e os a n -
tibióticos - r e s u m e m a mensagem emitida: a eliminação das doenças tropi-
cais só depende da eliminação eficaz de seus agentes e vetores. A ú l t i m a
parte, intitulada "A medicina tropical c o m o i n s t r u m e n t o social", introduz,
entretanto, u m elemento n o v o . As doenças tropicais, explica Sawyer, são
patologias próprias das regiões subdesenvolvidas que n ã o sairão desta c o n -
dição em u m futuro próximo. A coexistência entre doenças e a pobreza afeta
as possibilidades de intervenção na área da saúde pública:

No início do século, supôs-se que a melhoria da saúde seria rapida-


mente seguida por u m aumento da produção, e que u m a melhor situ-
ação econômica levaria a u m progresso social. Provavelmente o traba-
lho na área da saúde teria tido esse resultado se não fossem os efeitos
adversos da guerra e as perturbações do comércio internacional. [...] O
problema é muito mais amplo do que a saúde, que não pode florescer
16
em u m ambiente socioeconômico adverso.

O Controle das Doenças Tropicais após 1950: campanhas


"verticais" e "horizontais"

O artigo de S a w y e r representa u m a tendência mais corrente. Depois


da Segunda Guerra Mundial, os especialistas da Fundação Rockefeller, que
antes partilhavam, e m sua grande maioria, da opinião externada pelo fun-
dador da Fundação Rockefeller, Frederick Gates, para q u e m a doença era o
m a l s u p r e m o n a vida dos h o m e n s e a principal fonte dos o u t r o s males -
tais c o m o a pobreza, o crime, a ignorância, as taras hereditárias, o vício e
a inoperância - , reconheceram gradualmente a impossibilidade de separar
17
a saúde do c o n j u n t o dos fatores s o c i o e c o n ô m i c o s . A idéia n ã o era nova;
ela havia sido manifestada por gerações de higienistas que, desde o século
X I X , defenderam u m a percepção da saúde que englobasse os p r o b l e m a s
econômicos, sociais, culturais e políticos. Em u m relatório, que t o r n o u - s e
célebre, sobre a epidemia de tifo ocorrida n a Silésia e m 1 8 4 7 , o m é d i c o
a l e m ã o Rudolf V i r c h o w (que m a i s tarde se t o r n a r á u m dos pioneiros da
histologia e deputado n o Reichstag) a s s o c i o u a doença à pobreza, à falta
de educação e à opressão dos camponeses daquela região; para ele, a m a -
n e i r a m a i s eficiente de m e l h o r a r a s condições s a n i t á r i a s da Silésia e de
prevenir as epidemias futuras passava pela distensão do regime de ocupa-
ção alemão e pela atribuição de m a i o r g r a u de a u t o n o m i a aos camponeses
18
poloneses. O desenvolvimento das "ciências p a s t e u r i a n a s " n ã o aboliu o
interesse pelo estudo das ligações entre as condições de vida, o meio a m b i -
19
ente e a d o e n ç a . Na França, tal tendência foi representada pela "medicina
holística" do e n t r e - g u e r r a s (René Leriche foi u m de seus líderes) e pelos
m é d i c o s que c o n t i n u a r a m as tradições h i g i e n i s t a s . Tais c o r r e n t e s s u b l i -
n h a r a m as relações entre o micróbio e o "campo", c o m este último englo-
bando ao m e s m o t e m p o as "predisposições n a t u r a i s " (portanto, a heredi¬
tariedade e a trajetória do indivíduo) e as condições socioeconômicas que
20
a f e t a m essas "predisposições n a t u r a i s " .
Na I n g l a t e r r a dos a n o s 1 9 3 0 , médicos p r o g r e s s i s t a s e s t u d a r a m os
l a ç o s e n t r e a s c o n d i ç õ e s de vida e a saúde. U m dos p o r t a - v o z e s dessa
corrente, J o h n Ryle, t o r n o u - s e e m 1 9 4 2 o primeiro titular da cadeira de
"medicina s o c i a l " da Universidade de O x f o r d . D u r a n t e o s a n o s 1 9 3 0 e
1 9 4 0 , Ryle a f i r m o u que a medicina técnica e tecnicista havia negligenciado
a i n v e s t i g a ç ã o das v e r d a d e i r a s f o n t e s da d o e n ç a , o u seja, a fadiga, a
disfunção social, i n d u s t r i a l o u d o m é s t i c a , a i n s e g u r a n ç a e c o n ô m i c a e a
m á n u t r i ç ã o . A m e l h o r i a das condições de vida das populações, explicou
Ryle, faria m a i s e m prol da redução dos problemas de saúde do que u m
i n v e s t i m e n t o pesado e m n o v a s terapias. Opiniões semelhantes f o r a m e x -
pressas por a l g u n s especialistas em doenças tropicais. A c o m i s s ã o da m a -
lária da Liga das Nações publicou e m 1 9 2 4 u m relatório afirmando que a
supressão desta doença n ã o dependia unicamente da eliminação dos m o s -
q u i t o s . A resistência à m a l á r i a a u m e n t a n a s populações b e m n u t r i d a s e
corretamente alojadas: Ά malária é u m a doença social e, c o m o a tubercu-
lose, ela pode ser contida e até m e s m o p a r c i a l m e n t e eliminada [...] c o m
medidas de higiene adequadas", opinião ridicularizada p o r Hackett. Dois
anos depois, a m e s m a c o m i s s ã o volta a martelar a idéia de que é errôneo
concentrar os esforços n o controle dos vetores:

Desde o advento dos novos conhecimentos sobre a transmissão da


malária pelos mosquitos, tendemos a esquecer que há numerosos mé-
todos de luta contra esta doença, e que alguns são eficientes sem que seja
21
necessário o esforço de reduzir a população dos mosquitos".
D u r a n t e a S e g u n d a G u e r r a M u n d i a l , os especialistas da F u n d a ç ã o
Rockefeller, levados a c o l a b o r a r m a i s estreitamente c o m seus colegas de
o u t r o s países (em particular c o m os britânicos), c o m e ç a m a t e s t e m u n h a r
a l g u m interesse pelos laços existentes entre a doença e o a m b i e n t e
socioeconômico. Em 1 9 4 4 , a direção da Fundação Rockefeller encarrega o
Dr. J o h n B . Grant, da IHD, de preparar u m relatório sobre a "medicina
social", entendida c o m o u m dos temas importantes dos tempos que viriam.
Ao longo dos a n o s 1 9 2 0 e 1 9 3 0 , Grant, que trabalhava no Pekin U n i o n
Medical College, havia desenvolvido u m ensino em saúde pública que le-
v a v a em consideração a especificidade das condições s o c i o e c o n ô m i c a s da
China e estruturado serviços de educação sanitária para as c a m p a n h a s . A
o c u p a ç ã o j a p o n e s a levou G r a n t à África do Sul, onde ele se envolveu na
fundação de u m serviço de saúde nacional. Seu relatório, entregue à F u n -
dação Rockefeller em 1 9 4 7 , sublinha a importância da legislação social na
m a n u t e n ç ã o da saúde das populações. Medidas c o m o o acesso universal
aos cuidados, a i n s t a u r a ç ã o de u m salário m í n i m o , a licença-maternida¬
de, o auxílio para moradia e a elaboração de políticas nacionais em m a t é -
ria de nutrição seriam, assim, mais importantes para a saúde das popula-
ções do que a eliminação de doenças específicas.

O relatório de Grant está impregnado do o t i m i s m o que caracteriza o


período p ó s - g u e r r a . S u a c o n c l u s ã o antecipa a i n s t a u r a ç ã o de u m a nova
saúde pública, capaz de integrar plenamente as dimensões sociais da s a ú -
de e de nelas a t u a r : "O e s t a b e l e c i m e n t o u n i v e r s a l de s e r v i ç o s de saúde
c o m o ' u m a ciência social a serviço da humanidade' promoverá u m a nova
era, que melhorará enormemente o bem-estar e a felicidade da humanida-
de". Esse relatório contribuiu, provavelmente, para a decisão de dissolver a
IHD e de fundir os r a m o s saúde pública e medicina para formar a Division
o f Medicine and Public Health. Esta divisão, c o m o a direção da Fundação
Rockefeller explicou em 1 9 5 0 , devia a b a n d o n a r a idéia, a partir de então
considerada errônea, da eliminação das doenças particulares, e optar por
u m a abordagem pluridisciplinar da ecologia h u m a n a . Ela devia reconhecer
a interdependência dos fatores que influem na saúde e levar em considera-
ção que " u m a abordagem dos problemas da saúde pública que faz a b s t r a -
22
ção do b e m - e s t a r econômico e social das pessoas não é r e a l i s t a " .
E n t r e t a n t o , o princípio de interdependência das c a u s a s biológicas e
sociais da doença esbarrou logo depois da Segunda Guerra Mundial em u m
a x i o m a predominante, forjado durante o conflito: a confiança depositada
n a s soluções t e c n o l ó g i c a s a t r a v é s do l a n ç a m e n t o de grandes programas
n a c i o n a i s e i n t e r n a c i o n a i s . O período p ó s - g u e r r a é balizado p o r grandes
p r o g r a m a s de controle das doenças transmissíveis nos países do Sul base-
ados n a erradicação dos agentes e dos vetores das doenças. A febre a m a r e -
la o c u p o u u m espaço reduzido nesses esforços. S u a presença oficial (regis-
trada n a s estatísticas da O M S ) é débil - a l g u m a s c e n t e n a s de c a s o s p o r
a n o são recenseados n a Africa e n a A m é r i c a Latina, m a s apenas os casos
confirmados por u m diagnóstico confiável e pesquisas de laboratório, fato
relativamente r a r o n a s zonas por ela atingidas, f o r a m levados em c o n t a .
U m a m e l h o r avaliação é obtida pelas pesquisas sorológicas realizadas após
irrupções maiores de febre amarela. Segundo as fontes da O M S , epidemias
severas de febre a m a r e l a f o r a m observadas em 1 9 6 0 - 1 9 6 2 na Etiópia (es-
timativa de pelo m e n o s 2 0 0 . 0 0 0 casos c o m mortalidade de 3 0 % ) , n o Senegal
e m 1 9 6 5 (até 2 2 . 0 0 0 c a s o s c o m 4 4 % de m o r t a l i d a d e ) e n a Nigéria e m
1 9 6 9 ( 1 0 0 . 0 0 0 casos e 4 0 % de mortalidade). Exceto nos casos de epidemi-
as ( c o m p u t a d o s c o m o "febre a m a r e l a silvestre", c o m exceção do Senegal,
onde se observou, e m Diourbel, a t r a n s m i s s ã o pelo aegypti), a mortalidade
foi apresentada c o m o "esporádica"; avaliou-se o n ú m e r o a n u a l de vítimas
e m m u i t o s m i l h a r e s de pessoas (várias centenas n a A m é r i c a Latina). Na
África, as medidas sistemáticas contra a febre amarela f o r a m praticamen-
te abandonadas a p a r t i r dos a n o s 1 9 6 0 , tendência que a O M S p r o c u r o u
i n v e r t e r a p a r t i r do f i m dos a n o s 1 9 8 0 e s t i m u l a n d o as c a m p a n h a s de
23
v a c i n a ç ã o nas regiões a t i n g i d a s .

Nos a n o s 1 9 5 0 e 1 9 6 0 , as c a m p a n h a s da O M S c o n t r a as doenças
tropicais são dominadas pela luta c o n t r a a malária, que t a m b é m é t r a n s -
mitida pelos m o s q u i t o s . O p r o g r a m a de erradicação mundial da malária,
lançado o f i c i a l m e n t e e m 1 9 5 5 , era inspirado n o sucesso dos p r o g r a m a s
implementados na Europa e nos Estados Unidos. Os especialistas da O M S
e s t a v a m c o n v e n c i d o s de q u e o d e s e n v o l v i m e n t o do D D T (inseticida q u e
c o n t i n u a v a a t i v o seis m e s e s após s u a p u l v e r i z a ç ã o ) p e r m i t i r i a e l i m i n a r
d e f i n i t i v a m e n t e o s m o s q u i t o s v e t o r e s da m a l á r i a de t o d a s a s z o n a s
infectadas n o m u n d o . Os especialistas da Fundação Rockefeller (Paul Russel,
Fred Soper) estão entre os principais arquitetos da c a m p a n h a mundial c o n t r a
a m a l á r i a . Eles se a p o i a r a m n o sucesso das c a m p a n h a s regionais realiza-
das e m c o n d i ç õ e s e c o l ó g i c a s , s o c i o c u l t u r a i s e p o l í t i c a s específicas, tais
c o m o a c a m p a n h a de Soper contra o Anopheles gambiae n o nordeste do B r a -
sil o u c o n t r a os m o s q u i t o s que t r a n s m i t e m a m a l á r i a n a Sardenha, para
p r o m o v e r a a m p l i a ç ã o das estratégias desenvolvidas d u r a n t e essas c a m -
24
p a n h a s e m escala m u n d i a l .
A c a m p a n h a da O M S c o n t r a a m a l á r i a e as c a m p a n h a s de m e n o r
envergadura contra outras doenças transmissíveis realizadas nos anos 1 9 5 0
inseriram-se n o c o n t e x t o econômico, cultural e social do pós-guerra. Elas
baseavam-se n a suposição de que a aplicação da tecnologia ocidental - da
penicilina ao D D T - representava a chave do progresso h u m a n o . Os Esta-
dos Unidos defendiam u m a política de c a m p a n h a s sanitárias implementada
em larga escala nos países e m desenvolvimento. A melhoria da saúde e do
nível de vida nos países tropicais, p e n s a r a m seus dirigentes, serviria aos
interesses econômicos e políticos de seu país. O secretário de Estado George
M a r s h a l l a f i r m o u em 1 9 4 8 , em u m a conferência sobre as doenças t r o p i -
cais, que

a conquista das doenças que tornam milhões de pessoas débeis e indi-


ferentes, a otimização da produção dos alimentos em terras que apre-
sentam u m rendimento muito fraco são de enorme importância para a
situação global no mundo. [...] Não é preciso muita imaginação para
visualizar o aumento da produção de alimento e de matérias-primas, o
incremento do comércio e, acima de tudo, a melhoria das condições de
vida e o progresso social e cultural que resultará do controle das doen-
ças tropicais.

Além disso, tal conquista poderia ser feita por meios p u r a m e n t e técnicos,
c o m o explica o h i s t o r i a d o r Randall Packard: "As n a ç õ e s industrializadas
n ã o e r a m obrigadas a se preocupar c o m as t r a n s f o r m a ç õ e s sociais e eco-
n ô m i c a s c o m p l e x a s c a p a z e s de s u s c i t a r q u e s t õ e s p o l í t i c a s difíceis. Elas
25
p u d e r a m limitar-se à pulverização de inseticidas".
A c a m p a n h a de erradicação da malária figura c o m o u m a c a m p a n h a
"vertical" clássica, o u seja, de empreendimento planejado e guiado por es-
p e c i a l i s t a s v i n d o s de f o r a , s e m l e v a r e m c o n s i d e r a ç ã o o c o n t e x t o
s o c i o e c o n ô m i c o . S e u s chefes e n f a t i z a r a m a i m p o r t â n c i a de u m a o r g a n i -
zação eficiente e a centralização das tarefas. Seu p o n t o de vista era b a s -
t a n t e a n á l o g o ao s u s t e n t a d o pelos especialistas da F u n d a ç ã o Rockefeller
ao l o n g o de suas c a m p a n h a s de erradicação dos m o s q u i t o s . S e g u n d o os
responsáveis pela O M S , na época

os administradores da saúde em todo o mundo aceitaram a idéia de


que algumas doenças de grande importância podem e devem ser elimi-
nadas por campanhas de alvo único. [...] A palavra campanha não foi
escolhida por acaso: há evidentes paralelos com o planejamento e a
logística das campanhas militares.

O p l a n e j a m e n t o de u m a c a m p a n h a desse tipo devia c o m e ç a r pela


preparação de m a p a s detalhados e pela divisão das tarefas:

Cada vilarejo, povoado, fazenda isolada, deve ser localizado e indica-


do em u m mapa; depois, devem-se preparar plantas e mapas na escala
dos vilarejos, e neles indicar cada prédio e cada moradia. U m plano de
ação é estabelecido com base nos mapas, que indicam as casas a serem
tratadas em datas precisas. Os vilarejos devem ser divididos em setores,
cada u m atribuído a u m chefe de grupo: cada casa deve ser numerada e
atribuída a uma equipe de tratamento, e o trabalho deve ser feito de casa
26
em casa, e cuidadosamente registrado.

O ú n i c o o b j e t o dessa c a m p a n h a c o n t r a a m a l á r i a era a e l i m i n a ç ã o dos


m o s q u i t o s ; a mobilização dos habitantes c o m o agentes sanitários e a di-
fusão de material educativo, filmes e b r o c h u r a s n ã o deixavam de lembrar
os e s f o r ç o s envidados pelos r e p r e s e n t a n t e s da F u n d a ç ã o Rockefeller n o
Brasil para convencer a população local da i m p o r t â n c i a da neutralização
dos Aedes aegypti e dos Anopheles gambiae. Se no início a campanha registrou
sucessos, ela rapidamente s u b m e r g i u e m vários setores. A resistência ao
D D T desenvolvida pelo m o s q u i t o e a dificuldade em inserir esses p r o g r a -
m a s ao l o n g o do t e m p o c o n s t i t u í r a m obstáculos consideráveis. E m 1 9 6 8 ,
os e s p e c i a l i s t a s da O M S e s t i m a r a m q u e dos 1 4 8 países a t i n g i d o s pela
malária em 1 9 5 5 , 3 5 a f i r m a v a m ter erradicado a doença ( 1 6 deles c o m a
ajuda da O M S ) , 5 4 h a v i a m iniciado p r o g r a m a s de erradicação ( c o m mais
o u m e n o s s u c e s s o ) , 2 2 p a í s e s e x p e r i m e n t a v a m p r o g r a m a s de "pré-
erradicação" e, finalmente, em 3 7 deles (principalmente na Africa), não havia
27
n e n h u m p r o g r a m a local, apesar da existência de u m projeto m u n d i a l .

A esquistossomose, induzida por vermes e depois propagada por u m


m o l u s c o , e cujo a p a r e c i m e n t o está ligado à presença de terrenos p e r m a -
n e n t e m e n t e inundados, t a m b é m foi alvo das grandes c a m p a n h a s s a n i t á -
rias do pós-guerra. O reconhecimento de seu caráter de "flagelo do desen-
v o l v i m e n t o " - a c o n s t r u ç ã o de grandes b a r r a g e n s destinadas à produção
de eletricidade (obras a p r e s e n t a d a s c o m o e m b l e m á t i c a s do " p r o g r e s s o " )
c r i o u as condições ideais para a proliferação dos m o l u s c o s - e s t i m u l o u a
luta, que n o e n t a n t o deu poucos resultados. Em compensação, as c a m p a -
n h a s i n t e n s i v a s t i v e r a m u m s u c e s s o m a i s m a n i f e s t o e m países c o m o o
J a p ã o o u Porto Rico, onde f o r a m a c o m p a n h a d a s do a u m e n t o do nível de
vida, traduzido pela m u d a n ç a nos métodos agrícolas e u m a notável
melhoria do acesso aos cuidados. Na ausência desses fatores colaterais, n o
Egito por exemplo, as c a m p a n h a s c o n t r a a esquistossomose tiveram p o u -
28
cos e f e i t o s .
Confrontados c o m os problemas colocados pelos p r o g r a m a s de g r a n -
de envergadura, os especialistas e m saúde pública que t r a b a l h a v a m n o s
países e m desenvolvimento, e m a i s especificamente os da O M S , modifica-
r a m seu discurso nos anos 1 9 6 0 , para apontar a principal causa das doen-
ças n o s trópicos - que n ã o é o parasito, o m i c r o r g a n i s m o , o v í r u s o u o
29
verme, m a s a p o b r e z a . Em 1 9 6 9 , u m relatório da O M S que e x a m i n a v a as
causas do fracasso do p r o g r a m a de luta contra a malária declara que

a planificação dos programas de erradicação da malária limitou-se,


muitas vezes, a problemas puramente ligados à doença, e não levou em
consideração de maneira adequada os elementos sociais e econômicos,
tais como o perfil da comunidade rural, a natureza do desenvolvimento
econômico, os costumes da população, os fluxos migratórios nas
regiões atingidas pela malária, as atitudes das pessoas em relação à
30
doença, seu nível de educação e suas prioridades.

A l é m disso, a e x t r a p o l a ç ã o do s u c e s s o do c o n t r o l e dos v e t o r e s p a r a o s
países de c l i m a t e m p e r a d o a o s países t r o p i c a i s estaria apoiada e m dois
pressupostos errados: as idéias de que os m e s m o s métodos de controle da
doença podem ser utilizados em u m país industrializado e em u m país em
d e s e n v o l v i m e n t o , e de q u e a e l i m i n a ç ã o da m a l á r i a de regiões c o m o a
Índia o u a África tropical, onde a doença existe desde sempre, seria t ã o
fácil de realizar q u a n t o n a s zonas de i m p l a n t a ç ã o r e l a t i v a m e n t e recente
31
dessa p a t o l o g i a . Esta ú l t i m a suposição foi reforçada pela c o n f i a n ç a de-
positada na universalidade da ação letal do DDT, que dispensou - por erro
- os especialistas do estudo m i n u c i o s o da ecologia dos insetos: " E m u m
primeiro m o m e n t o , a pulverização de D D T parecia c u r t o - c i r c u i t a r a n e -
cessidade da b i o l o g i a e s u b s t i t u í - l a p o r u m a disciplina administrativa
32
meticulosa". O sucesso unívoco da c a m p a n h a de erradicação do Anopheles
gambiae do norte do Brasil (que, para Soper, provava que a eficiência de u m
p r o g r a m a de erradicação dos vetores dependia unicamente de sua excelên-
cia organizacional) c o n t r a s t o u c o m a quase impossibilidade de controlar o
Anopheles gambiae n a África Central. Tal d e s s e m e l h a n ç a foi a t r i b u í d a a o
fato de que o gambiae, m o s q u i t o africano surgido n o Brasil s o m e n t e p o r
volta de 1 9 3 0 , estava m a l adaptado a seu n o v o nicho ecológico. A partir
de 1 9 6 9 , o p r o g r a m a de "erradicação da m a l á r i a " foi r e b a t i z a d o c o m o
"programa de controle da malária", e passa ao segundo plano n a s disposi-
ções o r ç a m e n t á r i a s da O M S .
A partir dos anos 1 9 7 0 , a palavra de ordem da O M S foi o desdobra-
m e n t o das c a m p a n h a s apoiando-se n a s populações locais. A o r g a n i z a ç ã o
- s o b a d i n â m i c a direção de Halfdan M a h l e r - l a n ç o u e n t ã o u m c e r t o
n ú m e r o de " p r o g r a m a s h o r i z o n t a i s " , o u seja, p r o g r a m a s comunitários
c e n t r a d o s n o s cuidados p r i m á r i o s , dispensados p r i n c i p a l m e n t e pelas e n -
fermeiras e pelo pessoal paramédico, aos olhos dele as únicas estruturas
verdadeiramente democráticas, posto que controladas, de m o d o ideal, pela
base. O objetivo dos p r o g r a m a s sanitários passou da erradicação da doen-
ça à redução da morbidade. Os especialistas da O M S c o n s i d e r a v a m , por
exemplo, que n o s a n o s 1 9 8 0 o m a i o r p r o b l e m a da e s q u i s t o s s o m o s e n ã o
era a drástica redução da prevalência do parasito o u de seu vetor (difícil de
obter s e m m u d a n ç a s estruturais determinantes nos países atingidos pela
doença), m a s a d i m i n u i ç ã o da morbidade induzida p o r esse p a r a s i t o . O
objetivo das c a m p a n h a s de c o n t r o l e da e s q u i s t o s s o m o s e v i u - s e r a d i c a l -
mente modificado: a eliminação de seus vetores e o t r a t a m e n t o de todas as
pessoas infectadas f o r a m substituídos pela intenção de reduzir os efeitos
nocivos da infecção. U m a nova técnica de filtragem dos excrementos e da
u r i n a e a n u m e r a ç ã o dos v á r i o s o v o s de parasito p e r m i t i r a m identificar
r a p i d a m e n t e as p e s s o a s infectadas q u e p o r t a v a m u m a c a r g a m a c i ç a de
v e r m e s . Convinha, então, t r a t a r especificamente as pessoas p a r a as quais
a esquistossomose representava u m verdadeiro problema de saúde. Na prá-
tica, esse m é t o d o esbarrava e m dificuldades maiores: as análises de l a b o -
ratório n e m sempre são confiáveis, e a correlação entre o n ú m e r o de para-
sitos e o estado de saúde da pessoa infectada está submetida a variações de
pessoa p a r a pessoa. Tratava-se, entretanto, de u m a verdadeira revolução
c o n c e i t u a l : a doença n ã o era m a i s definida c o m o "a presença do agente
p a t ó g e n o " , m a s c o m o a deterioração do estado de saúde, e o objetivo da
c a m p a n h a s a n i t á r i a era enunciado e m t e r m o s de m e l h o r a do b e m - e s t a r
dos h u m a n o s , e n ã o se r e s u m i a m a i s à eliminação dos invertebrados. As
tentativas de controle dos agentes da doença n ã o f o r a m t o t a l m e n t e a b a n -
d o n a d a s , m a s s i m i n t e g r a d a s às c a m p a n h a s de c u i d a d o s : a e n t r e g a de
m e d i c a m e n t o s foi a c o m p a n h a d a de c a m p a n h a s de higiene, de m e l h o r i a
qualitativa da á g u a potável, e ligada aos esforços pontuais para limitar a
33
população dos m o l u s c o s portadores do v e r m e da e s q u i s t o s s o m o s e .
As novas abordagens em matéria de saúde pública consideraram u m
dever levar e m consideração as condições sociais e econômicas c a r a c t e r í s -
ticas dos países quentes. Seus p r o m o t o r e s explicaram que u m a "medicina
t r o p i c a l " n ã o devia ser u m a m e d i c i n a a j u s t a d a a o s t r ó p i c o s , m a s uma
disciplina t o t a l m e n t e nova, que se desenvolvesse integralmente nos países
que precisam t r a t a r suas populações. Segundo eles, a "medicina tropical"
tradicional, baseada na suposta universalidade do saber médico, era m u i -
tas vezes elaborada a p a r t i r de c a s o s ocidentais atingidos pelas doenças
das regiões t r o p i c a i s . Isso n ã o a d v i n h a n e c e s s a r i a m e n t e de u m a r e c u s a
deliberada a t r a t a r os problemas específicos das populações dessas regiões,
m a s antes do hábito dos médicos de t o m a r c o m o referência o "indivíduo
n o r m a l " , implicitamente ocidental; tal procedimento pode ser c o m p a r a d o
à tradição, que v i g o r o u por m u i t o tempo, de testar os novos medicamen-
tos e m h o m e n s , m a s n ã o em mulheres. Os métodos preventivos e c u r a t i -
vos que só levam e m c o n t a os indivíduos b e m nutridos, geralmente b a s -
t a n t e resistentes e beneficiários dos a v a n ç o s da m e d i c i n a t e c n i c i s t a dos
países i n d u s t r i a l i z a d o s , r e v e l a m - s e p o u c o adaptados a o t r a t a m e n t o das
pessoas subnutridas, que sofrem de patologias múltiplas e n ã o t ê m acesso
às terapias de ponta. O t r a t a m e n t o de seus problemas pressupõe soluções
práticas que só podem ser desenvolvidas l o c a l m e n t e , e que serão m u i t o
diferentes daquelas destinadas aos ocidentais em t r â n s i t o nos trópicos. O
d i s c u r s o oficial dos dirigentes da O M S p r o c l a m o u que u m a verdadeira
"medicina dos países quentes" devia ser desenvolvida p a r a o s h a b i t a n t e s
34
desses países, e c o m sua participação a t i v a .

A partir dos a n o s 1 9 7 0 , a adoção dos p r o g r a m a s " h o r i z o n t a i s " foi


quase u n a n i m e m e n t e aceita pelos especialistas e políticos c o m o u m passo
adiante r u m o à m e l h o r i a da saúde das populações dos países quentes, e
c o m o a t r a n s f o r m a ç ã o de u m a m e d i c i n a t r o p i c a l q u e c o n s i d e r a s s e tais
doenças a c i m a de tudo c o m o "o fardo do h o m e m b r a n c o " em u m a aborda-
g e m que colocava os habitantes dos países tropicais (e n ã o os m o s q u i t o s ,
35
os vermes o u os moluscos) n o centro de suas preocupações. A implanta-
ção de p r o g r a m a s horizontais de controle das doenças tropicais esbarrou,
e n t r e t a n t o , e m u m grande o b s t á c u l o : a dificuldade e m e n c o n t r a r m e i o s
suficientes para implantá-los e m todos os lugares onde e r a m necessários.
A l é m disso, esses p r o g r a m a s n ã o l e v a r a m e m c o n t a a s c o a ç õ e s de u m
s i s t e m a globalizado; a o b t e n ç ã o dos créditos dos o r g a n i s m o s i n t e r n a c i o -
nais está sempre submetida a injunções políticas; a determinação de pre¬
ferências n o nível de u m planejamento regional é resultado de negociações
c o m p l e x a s ; as v a c i n a s e os m e d i c a m e n t o s utilizados n a s c a m p a n h a s de
saúde que se beneficiam de a l g u m f i n a n c i a m e n t o e x t e r n o devem se c o n -
f o r m a r a padrões internacionais; finalmente, os responsáveis por tais c a m -
p a n h a s t ê m c o m o principal interlocutor as c o m p a n h i a s farmacêuticas i n -
36
ternacionais.
Se a O M S o p t o u por p r o g r a m a s horizontais, tal guinada n ã o levou
ao abandono p u r o e simples dos p r o g r a m a s verticais. Estes, ainda que de
alcance mais restrito, produziram r e s u l t a d o s t a n g í v e i s , i l u s t r a d o s pela
c a m p a n h a de erradicação m u n d i a l da varíola, lançada e m 1 9 6 7 . Dirigida
de c i m a p a r a b a i x o , o c a s i o n a l m e n t e conduzida c o m m e i o s a u t o r i t á r i o s ,
sem n e n h u m a a s p i r a ç ã o a desenvolver e s t r u t u r a s p e r m a n e n t e s de saúde
pública, e centrada exclusivamente n a eliminação do agente de u m a p a t o -
logia infecciosa, essa c a m p a n h a vangloriou-se, legitimamente, de ter obtido
37
a primeira erradicação completa de u m a doença h u m a n a . O programa PEV
(Expanded P r o g r a m o n I m m u n i z a t i o n ) , o u t r o exemplo de c a m p a n h a "qua-
se vertical", t e m por objetivo a d m i n i s t r a r seis vacinas essenciais ao c o n -
38
j u n t o das c r i a n ç a s p e q u e n a s n o s países e m via de d e s e n v o l v i m e n t o . A
v a c i n a ç ã o , descrita c o m o " u m m e i o de m e l h o r a r a saúde, s e m ser u m
39
m e c a n i s m o de m u d a n ç a social", n ã o foi, p o r t a n t o , escolhida por a c a s o .
A possibilidade de controlar a doença sem introduzir m u d a n ç a s sociais o u
econômicas foi vista c o m o u m a v a n t a g e m pelos representantes dos pode-
res públicos que n ã o t ê m os meios e / o u intenção de implementar tal m u -
dança. Ela pode t a m b é m angariar o assentimento das populações que teri-
a m sido submetidas, a n t e r i o r m e n t e , "para seu próprio b e m " , a interven-
ções g o v e r n a m e n t a i s arbitrárias (tais c o m o as c a m p a n h a s sanitárias for-
çadas); u m a a ç ã o que p r o m e t e p r e m u n i - l a s c o n t r a a doença sem n o en-
tanto perturbar seus hábitos o u seu modo de vida pode deixá-las aliviadas.
A vacinação tem, além disso, u m a relação qualidade/preço particularmente
atraente, se for definida, c o m o o fazem m u i t a s vezes os próprios especia-
listas da O M S , c o m o a melhoria, a m e n o r custo, da saúde dos segmentos
40
da população mais aptos a entrarem n o mercado de t r a b a l h o .

Se os programas verticais de vacinação (inicialmente o programa c o n -


tra a varíola, depois o PEV) foram apresentados c o m o grandes sucessos da
OMS e da Unicef, o m e s m o n ã o se poderia dizer do controle de outras doen-
ças t r a n s m i s s í v e i s n o s países em vias de desenvolvimento ( m a s t a m b é m
nos setores marginais dos países desenvolvidos, c o m o atesta, por exemplo,
o recente a u m e n t o dos casos recenseados de t u b e r c u l o s e ) . O desenvolvi-
m e n t o dos cuidados c o m u n i t á r i o s deu resultados impressionantes e m a l -
g u m a s localidades; a s i t u a ç ã o global da saúde nos países e m desenvolvi-
m e n t o n ã o m u d o u , entretanto, de maneira significativa ao longo dos últi-
m o s 3 0 anos. A lentidão do progresso dos programas de saúde baseados n o
desenvolvimento dos cuidados primários e n a ação n o seio das c o m u n i d a -
des locais foi atribuída pelos que a deploraram à deterioração da situação
econômica de m u i t o s países em desenvolvimento e à constante redução do
nível g l o b a l da ajuda i n t e r n a c i o n a l fornecida a esses países - agravada
ainda m a i s pelo fim da guerra fria e pelo desaparecimento do bloco sovié-
tico. Halfdan Mahler fez soar o a l a r m e em 1 9 8 8 , antecipando "as c o n s e -
qüências nefastas da difusão do egoísmo e do niilismo e m relação ao de-
s e n v o l v i m e n t o " , e fazendo ver que "ao l o n g o do t e m p o , t o r n o u - s e c l a r o
que pouco progresso será obtido sem a melhoria geral da situação e c o n ô -
mica e social" - constatação que fez eco às propostas de S a w y e r em 1 9 5 1 ,
sobre a dificuldade de conduzir c a m p a n h a s de saúde pública eficientes em
4 1
um ambiente socioeconômico adverso. A luta c o n t r a as doenças
transmissíveis nos países em desenvolvimento ilustra a m á x i m a do h i s t o -
riador da medicina Charles Rosenberg: quando se fala de saúde, "é impossí-
42
vel separar o técnico do político, do econômico, do cultural e do demográfico".

A Saúde Pública, Fator de Normalização?

Gilberto H o c h m a n , a u t o r de u m estudo sobre os acontecimentos que


precederam a fundação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP)
em 1 9 2 0 , explica que r e c u s o u - s e a c o n c l u i r seu t r a b a l h o c o m c o m p a r a -
ções c o m o presente quando dimensionou todo o alcance da degradação da
situação da saúde pública n o Brasil nos anos 1 9 9 0 . Ele j u s t i f i c a tal esco-
lha c o m u m a citação (extraída de u m a obra de J o ã o do Rio, publicada em
1 9 1 0 ) na qual u m diretor de hospital desaconselha a u m h o m e m a visita
a u m a m i g o atingido pela varíola, porque "As e m o ç õ e s f a z e m m a l neste
43
período". É difícil, n o entanto, tratar u m a s s u n t o c o m o as tentativas de
eliminação da febre a m a r e l a n o Brasil abstraindo de seus efeitos a l o n g o
p r a z o sobre a saúde pública, m a s t a m b é m sobre a sociedade e a c u l t u r a
44
brasileiras. Cinqüenta a n o s depois do e n c e r r a m e n t o oficial da interven-
ç ã o da F u n d a ç ã o Rockefeller n o Brasil, seu b a l a n ç o c o n t i n u a n ã o sendo
consensual.
A história do controle da febre amarela n o Brasil sob os auspícios da
Fundação Rockefeller foi apresentada c o m o u m dos raros exemplos de s u -
cesso de u m a c a m p a n h a "vertical" e m u m país e m desenvolvimento, na
área da saúde. Até os a n o s 1 9 8 0 , todas as histórias do controle da febre
a m a r e l a n o Brasil (inclusive as escritas por autores brasileiros) apresenta-
r a m a c a m p a n h a c o n t r a esta doença c o m o u m dos grandes sucessos da
medicina do século X X e c o m o u m a vitória da ciência sobre a "maldição
dos trópicos". Segundo essa versão, a paternidade de tal vitória é atribuída
a p e n a s a o s e s p e c i a l i s t a s n o r t e - a m e r i c a n o s , a o s especialistas b r a s i l e i r o s
ajudados por especialistas (ou "técnicos") norte-americanos, aos virólogos,
a o pessoal de c a m p o , o u ainda aos especialistas em administração da s a ú -
45
de. A partir dos anos 1 9 8 0 (em seguida à abolição da ditadura militar n o
Brasil, fato c a p a z de favorecer o f l o r e s c i m e n t o de u m a reflexão crítica),
alguns historiadores e sociólogos brasileiros insurgiram-se c o n t r a os rela-
tos que a p r e s e n t a v a m a a ç ã o da Fundação Rockefeller c o m o u m b e m i n -
46
contestável. Eles t r a n s f o r m a r a m as gloriosas histórias da "vitória sobre a
febre a m a r e l a " o u a "erradicação do Anopheles gambiae" em narrativas que
a f i r m a v a m a ambivalência da intervenção da Fundação Rockefeller no Brasil
e seus laços c o m a e x p a n s ã o capitalista n o r t e - a m e r i c a n a .

Sérgio Góes de Paula, Andréa M o r a e s e Lúcia Pinto apresentam, a s -


sim, a c a m p a n h a c o n t r a o Anopheles gambiae lançada e m Natal c o m o u m a
tentativa de i m p o r ao Brasil a ética do trabalho capitalista. A divisão das
tarefas, a c r o n o m e t r a g e m do labor dos técnicos de laboratório, a vigilância
rigorosa dos empregados do Serviço da Malária, o desprezo d e m o n s t r a d o
pelos s e n t i m e n t o s das populações locais são t a m b é m facetas da eficiência
4 7
m i l i t a n t e do c a p i t a l i s m o . M a r i a Eliana Labra criticou a sistemática
superestimação do papel dos pesquisadores norte-americanos n a luta c o n -
tra a febre a m a r e l a n o Brasil, preferindo, de sua parte, a f i r m a r a i m p o r -
t â n c i a das c o n t r i b u i ç õ e s científicas brasileiras (a descrição das alterações
patológicas típicas n o fígado dos doentes falecidos de febre a m a r e l a o u a
definição das zonas endêmicas da doença); sublinhou, além disso, a resis-
tência dos médicos brasileiros às abordagens importadas dos Estados U n i -
dos. A a u t o r a reconhece de b o m grado os talentos administrativos de Soper
e de seus colegas, assim c o m o o fato de que o SFA conseguiu afastar, nos
a n o s 1 9 3 0 , a a m e a ç a de u m a t a q u e de febre a m a r e l a u r b a n a n o Brasil,
m a s a f i r m a a importância de lembrar que o SFA, apresentado c o m o u m a
estrutura norte-americana, era então financiado quase que exclusivamente
48
pelo governo brasileiro. Outros trabalhos de história (de Luiz Antonio de
C a s t r o - S a n t o s e de Lina Rodrigues de Faria) condenam o que c h a m a m de
"visão conspiratória" da atividade da Fundação Rockefeller, que vê atrás de
cada agente sanitário u m preposto do imperialismo americano, e propõem
u m a definição m a i s positiva do papel dos especialistas n o r t e - a m e r i c a n o s
no desenvolvimento da saúde pública no Brasil, sobretudo na promoção da
educação na área da saúde pública e na organização dos serviços sanitári-
os no interior do país. Eles sublinham t a m b é m que os especialistas norte-
a m e r i c a n o s c h e g a r a m a u m país em plena efervescência política, dotado
de u m a rica t r a d i ç ã o de pesquisa médica, e que p r e c i s a r a m se a d a p t a r
49
parcialmente às condições l o c a i s .
Poderíamos, a partir dessas duas interpretações divergentes, propor
u m a síntese suscetível de separar os méritos e as relativas deficiências da
i n t e r v e n ç ã o dos especialistas da Fundação Rockefeller, e sua c o n t r i b u i ç ã o
para o resultado final, a saber, o controle da febre amarela no Brasil. Isso,
entretanto, significaria correr o risco de construir u m a história desprovida
de relevo, desconsiderando o caráter singular da c a m p a n h a contra a febre
amarela no Brasil, e que silenciaria sobre elementos c o m o as ressonâncias
entre os objetivos da Fundação Rockefeller e os do m o v i m e n t o sanitário
brasileiro, o u as similitudes existentes entre as abordagens desenvolvidas
por Soper e seus colegas e os objetivos políticos do governo Vargas. U m a
análise "chapada" a s s i m apagaria as convergências - e as divergências -
entre as abordagens dos cientistas e dos políticos brasileiros e n o r t e - a m e -
ricanos e ocultaria as complexidades inerentes à condução de u m a c a m p a -
nha de saúde em u m país independente politicamente, m a s não e c o n o m i -
camente, confrontado c o m graves problemas de subdesenvolvimento e às
voltas c o m a procura de sua identidade nacional. U m a história desse tipo
provavelmente obscureceria o papel das práticas dos especialistas da F u n -
dação Rockefeller no Brasil no estabelecimento de noções tais c o m o p r o -
gresso e modernidade, m a s t a m b é m , indiretamente, no a u m e n t o da efici-
ência da m ã o - d e - o b r a , na aceleração da integração da economia nacional
(com a participação das elites locais) em u m sistema de trocas mundial e
na a c e i t a ç ã o de u m a p o s i ç ã o b e m d e t e r m i n a d a ( e m b o r a n ã o c o m p l e t a -
mente imóvel) de u m país na divisão do trabalho em escala planetária.
A i n t e g r a ç ã o dos p a í s e s / r e g i õ e s / g r u p o s periféricos em u m a ordem
e c o n ô m i c a e social mundial demanda a u n i f o r m i z a ç ã o e a n o r m a l i z a ç ã o
das pessoas e dos objetos, processo que t o r n a possível sua c i r c u l a ç ã o . A
n o r m a l i z a ç ã o , explica Herbert M a r t e n s , é u m dos elementos constitutivos
da modernidade e deve ser vista c o m o u m processo dinâmico que a c o m p a -
n h a o "crescimento", a " t r a n s f o r m a ç ã o " e o "progresso". A n o r m a l i z a ç ã o
- que leva à homogeneização das práticas - facilita o controle das pessoas
e de suas ações, e m decorrência da possibilidade de quantificar e o r ç a r o
t r a b a l h o realizado; está, p o r t a n t o , ligada à s u a gestão científica e r a c i o -
nal. M a r t e n s m e n c i o n a , a título de exemplo, a fixação, n a A l e m a n h a , de
n o r m a s e m matéria de insetos nocivos à agricultura. Os especialistas, após
terem estabelecido o que é u m "inseto nocivo", definiram o limite aceitá-
vel de tais insetos, os meios de estudá-los, e finalmente f i x a r a m os meios
de c o n t r o l á - l o s . A partir de então, as práticas dos agricultores t o r n a r a m -
50
se acessíveis à quantificação e a o c o n t r o l e .
O u t r o exemplo de n o r m a l i z a ç ã o e de homogeneização, as tentativas
de c o n t r o l e da c u l t u r a das plantas nas colônias francesas, estudadas por
Christophe Bonneuil. Os cientistas coloniais, depois de t e r e m d e m o n s t r a -
do que o nativo n ã o sabia tirar partido de seu meio, desenvolveram m é t o -
dos científicos de cultura e de exploração das plantas (agricultura colonial)
e de g e s t ã o do pessoal. O a m p l o p r o j e t o de d e s e n v o l v i m e n t o das z o n a s
abertas à irrigação realizada pela agência do Niger nos anos 1 9 3 0 ilustra
esses métodos. Esse projeto compreendia a transferência maciça das p o p u -
lações para novos vilarejos construídos segundo u m plano "racional", nos
quais os habitantes eram submetidos a u m regime de trabalho quase m i -
litar, sob a vigilância de instrutores nativos e de inspetores europeus. Esse
e x e m p l o n i g e r i a n o e a s t e n t a t i v a s similares f i g u r a m , e n t r e t a n t o , c o m o
exceções. E m geral, apenas u m a pequena parcela das populações c a m p o -
nesas foi moldada pela disciplina da agricultura industrial. M a s u m a nor-
malização parcial pode ser suficiente para se introduzir u m controle rela-
tivamente eficaz. A s sociedades rurais dos países em desenvolvimento f o -
r a m enquadradas por especialistas em benefício da intensificação das c u l -
t u r a s comerciais. Esses especialistas, m u i t a s vezes vindos do exterior, fis-
calizaram os campos, coletaram a m o s t r a s , t r a ç a r a m m a p a s e pilotaram a
disseminação dos grãos. Seu trabalho t o r n o u o m u n d o rural mais perme-
ável às práticas da estação experimental (o laboratório da agricultura t r o -
51
pical) e m a i s transparente à a ç ã o a d m i n i s t r a t i v a .
A medicina e a saúde pública c o n t r i b u e m para o estabelecimento de
critérios de normalidade dos indivíduos, para a introdução de métodos de
i n v e s t i g a ç ã o padronizados e p a r a a h o m o g e n e i z a ç ã o das populações p o r
meio das técnicas o r g a n i z a c i o n a i s , c o m o a o r d e n a ç ã o das inscrições e o
t r a t a m e n t o estatístico dos dados. Soper explica, a s s i m , que

o viajante ocasional e o turista percebem uma enorme variedade entre


os humanos de raças diferentes que vivem em regiões diferentes. Mas
para aqueles que se ocupam da saúde pública no mundo, a humanida-
de é notavelmente uniforme em suas reações aos programas de saúde,
uma vez que algumas adaptações são feitas para contemplar as cultu-
ras e os costumes locais. Isso também é verdadeiro para os empregados
dos serviços governamentais de saúde, que têm u m a tendência a res-
ponder em todos os lugares da mesma maneira às mesmas práticas
52
administrativas.

Soper e seus colegas i n s i s t i r a m n a i m p o r t â n c i a das técnicas a d m i -


n i s t r a t i v a s (a g e s t ã o do pessoal) que a m p l i a m a eficiência da v i g i l â n c i a
dos agentes das doenças. Essas técnicas administrativas, c o m o as da p a -
tologia, da virologia o u da entomologia médica, foram apresentadas c o m o
u m i n s t r u m e n t o neutro que n ã o afeta o c o n t e x t o em que é aplicado. E m
1 9 1 3 , ao descrever o papel das brigadas a n t i m o s q u i t o s (instauradas por
Oswaldo Cruz), o cônsul da G r ã - B r e t a n h a n o Rio de J a n e i r o acrescenta:

O papel dessas brigadas não foi compreendido pela população, e as


pessoas resistiram fortemente à sua intervenção, porque suspeitaram
de que o governo procurava obter informações sobre sua vida privada,
as quais poderiam, mais tarde, ser usadas contra elas. Tal suspeita é
totalmente justificada em u m país onde o aparelho da justiça é muito
frágil e o poder, completamente desprovido de escrúpulos. [...] Dada a
convicção geral de que o governo é totalmente corrompido, as pessoas
têm dificuldade em acreditar que tal vigilância seja totalmente desinte-
53
ressada.

O diplomata britânico estava convencido de que n a ausência de corrupção


e de denegação da j u s t i ç a , as medidas de saúde pública n ã o podem ser a
mais do que a aplicação de medidas neutras e objetivas postas a serviço do
b e m c o m u m . M a s , é possível falar e m "vigilância t o t a l m e n t e desinteres-
sada"? A s t é c n i c a s , i n s i s t e m o s h i s t o r i a d o r e s e filósofos da t e c n o l o g i a ,
n u n c a são c o m p l e t a m e n t e neutras: elas i n c o r p o r a m os pressupostos e os
v a l o r e s das pessoas q u e as d e s e n v o l v e r a m . S u a pretensa neutralidade é
u m meio eficaz de m a s c a r a r esses pressupostos e valores: do m e s m o m o d o
que u m a fechadura define relações de propriedade, u m a linha de produção
i n c o r p o r a a idéia de hierarquia, a divisão de t r a b a l h o e a desvalorização
54
das tarefas m a n u a i s .
As técnicas administrativas utilizadas pelos especialistas da Funda-
ção Rockefeller no Brasil incorporaram valores múltiplos, tais c o m o a "efi-
ciência", a "produtividade" e a "modernidade". Sua j u n ç ã o c o m a ideologia
da "saúde para todos" a m p l i o u a eficiência dessa incorporação de valores
às técnicas. Sérgio Góes de Paula e seus colegas a f i r m a r a m que a Fundação
Rockefeller havia tentado implantar no Brasil a ideologia da eficiência ne-
cessária à produção capitalista manipulando a gestão do tempo. A intro-
dução de métodos quase industriais de organização do trabalho durante as
c a m p a n h a s de erradicação dos mosquitos visava à promoção da passagem
do tempo "rural" (que se adapta às estações e ao clima) ao tempo "urbano"
(absoluto, imutável, e próprio para produzir coisas - "time is money"). Esse
tempo u r b a n o foi apresentado c o m o u m i n s t r u m e n t o capaz de transfor-
m a r a ordem social e de lançar o país na modernidade. Poderíamos acres-
centar que os especialistas da Fundação Rockefeller só conseguiram impor
diretamente sua visão de gestão do tempo a u m n ú m e r o reduzido de pes-
soas: a l g u n s milhares de trabalhadores do SFA e do Serviço da M a l á r i a .
Desse p o n t o de v i s t a , os padrões da indústria brasileira p r o v a v e l m e n t e
desempenharam u m papel m u i t o mais importante na t r a n s f o r m a ç ã o dos
caipiras brasileiros em proletariado urbano, que t r o c a r a m o "tempo rural"
pelo " t e m p o i n d u s t r i a l " . A i m p o r t â n c i a das c a m p a n h a s da F u n d a ç ã o
Rockefeller residia em o u t r o ponto, c o m o sublinhou Gustavo Capanema,
ministro da Saúde de Vargas, o u seja, na criação de u m elo entre o trabalho
eficaz, o controle rigoroso dos indivíduos e o progresso, medido pela redu-
ção do risco de epidemias. M a s esse elo continuava instável: Góes de Paula
e seus colegas observaram, apropriadamente, que "é mais fácil eliminar os
55
m o s q u i t o s do que eliminar idéias".
As c a m p a n h a s sanitárias, explica Marilena Chauí, são u m meio po-
deroso de difusão de u m a c u l t u r a das elites. A s s i m , a educação para a
higiene e para as "boas maneiras" pode ser u m meio de impor outras rela-
ções c o m o tempo, o espaço doméstico, os imóveis e o vestuário. Ela pode
ser empregada c o m o objetivo de adaptar u m camponês "primitivo" à dis-
ciplina necessária a u m emprego na indústria. U m t e x t o da C o m p a n h i a
Telefônica do Rio de Janeiro publicado em 1 9 3 3 , que trata do aprendizado
do trabalho das mulheres operadoras das linhas telefônicas, afirma que "o
t e m p o de t r a b a l h o deve ser t r a n s f o r m a d o em u m a verdadeira escola de
higiene". A l é m disso, as c a m p a n h a s s a n i t á r i a s n ã o e n v i a m as m e s m a s
mensagens a todos os estratos sociais. Nos bairros abastados das cidades,
a propagação das regras de higiene ajudou os habitantes a melhor c o n t r o -
lar os riscos à s u a saúde e a a u m e n t a r a c o n f i a n ç a e m si m e s m o s . E m
compensação, n o c a m p o e nos bairros urbanos pobres, onde a i m p l a n t a ç ã o
de medidas de higiene m o s t r a v a - s e n o mais das vezes impossível, o prin-
cipal efeito da propaganda sanitária foi a desvalorização dos c o n h e c i m e n -
tos e das experiências das pessoas, e sua t r a n s f o r m a ç ã o em não-saber, em
o b s c u r a n t i s m o , até m e s m o em superstição. O discurso da ciência apresen-
tada c o m o universal pode, desse modo, ocultar as tensões e as divisões que
56
decorrem da distância que separa as classes dominantes das d o m i n a d a s .
O a r g u m e n t o de C h a u í ecoa as reflexões, feitas pelos m o v i m e n t o s
o r i u n d o s de g r u p o s d o m i n a d o s e / o u m a r g i n a i s (tais c o m o as m i n o r i a s
étnicas o u sexuais, os povos colonizados) sobre a percepção e a utilização
da n o ç ã o de universal. Segundo esses feudos, o universal realmente e x i s -
tente, aquele que cada u m pode encontrar em sua própria história e situar
e m lugares precisos, serviu para impor o ponto de vista dos dominantes. A
m i s s ã o civilizatória do Ocidente (baseada na suposição de que os h a b i t a n -
tes "primitivos" dos países colonizados o u dominados podem ser "esclare-
57
cidos" e elevados - a o m e n o s a l g u n s deles - a o nível dos o c i d e n t a i s ) e
t a m b é m a sujeição das mulheres, em n o m e do saber médico o u biológico,
são exemplos m a r c a n t e s disso.

Os advogados da noção de ciência universal s u s t e n t a r a m que só exis-


tia u m a ú n i c a ciência, cuja unicidade e universalidade decorrem a u t o m a -
ticamente das propriedades de seu objeto de estudo, a saber, a natureza. Se
a natureza é universal, estável e obedece a leis imutáveis, é n a t u r a l que a
(boa) ciência seja, ela t a m b é m , universal: o "vírus da febre amarela" é u m a
m e s m a entidade, q u e obedece às m e s m a s leis da física, da q u í m i c a e da
biologia n o Senegal, n a A m a z ô n i a o u n u m t u b o de ensaio n o I n s t i t u t o
Pasteur, e induz a m e s m a p a t o l o g i a e m todos os lugares e e m todas as
sociedades. Estudos históricos recentes, entretanto, q u e s t i o n a r a m e
problematizaram a idéia de "universalidade da ciência", que n ã o é de m o d o
a l g u m evidente. Os historiadores das ciências estudaram o modo c o m o os
cientistas fabricam o universal através da difusão dos i n s t r u m e n t o s e das
práticas. Eles s u b l i n h a r a m que os saberes são sempre produzidos e m u m
determinado lugar; é apenas em u m segundo m o m e n t o que o local se t o r -
na geral e universal. Segundo eles, n ã o é por serem universais que os c o -
n h e c i m e n t o s científicos c i r c u l a m ; eles são universais porque c i r c u l a m . A
circulação e a difusão das práticas, dos instrumentos, dos reagentes e das
pessoas d e m a n d a m u m investimento importante e contínuo de tempo, di-
58
nheiro e t r a b a l h o . U m dos objetos deste estudo foi a demonstração de u m a
intensa circulação das pessoas, do saber, dos reagentes e dos instrumentos
para que entidade "vírus da febre amarela" esteja presente na Bahia o u n o
Rio de Janeiro. U m o u t r o t e m a foi a evidenciação da historicidade da iden-
tificação das "doenças tropicais" c o m a presença de seus agentes e vetores.
O fato de reconhecer que a ciência, o u melhor, as práticas dos cien-
tistas estão ancoradas n a sociedade e n a cultura t o r n a problemático o uso
do conceito de ciência tratada c o m o descritora do m u n d o de u m ponto de
vista situado "em lugar n e n h u m " e produtora de u m saber universal, n e u -
59
tro e objetivo. N ã o se pode falar de "saber u n i v e r s a l " s e m u m e x a m e
crítico do que este t e r m o contempla, do que ele exclui, o que ele oculta, e
sem se determinar a q u e m ele beneficia. Tal " a c u s a ç ã o " às atividades dos
c i e n t i s t a s n ã o deve n e c e s s a r i a m e n t e levar à s u a d e s v a l o r i z a ç ã o . M e s m o
que se adote o a r g u m e n t o de que, em ú l t i m a análise, a ciência ocidental
ajudou a melhor assentar o poder dos dominantes - estratos privilegiados
dos países industrializados - sobre o resto do m u n d o , há u m a diferença de
dimensão entre esta "última análise" que interessa ao teórico e as ativida-
60
des que a t i n g e m as populações de maneira c o n c r e t a . As c a m p a n h a s m u n -
diais de saúde são e m p r e e n d i m e n t o s c o m p l e x o s de m ú l t i p l a s faces, m a s
podemos arriscar a afirmação de que, até prova em contrário, a eliminação
da varíola o u os p r o g r a m a s de vacinação em larga escala - m e s m o que às
vezes se trate de ações realizadas c o m métodos autoritários - f o r a m bené-
ficos para o c o n j u n t o da humanidade. U m a avaliação - positiva o u nega-
tiva - das conseqüências das atividades realizadas e m n o m e da ciência é,
entretanto, baseada em u m a apreciação de tais atividades e m seu c o n t e x -
to. Pode-se c o n c o r d a r c o m Stephen Kunitz, para q u e m a biomedicina e a
saúde pública são baseadas n a generosa suposição de que os seres h u m a -
nos são essencialmente iguais, m a s tal conjectura veicula ao m e s m o t e m -
po todas as ambigüidades do universalismo e do individualismo ocidental;
apenas o e x a m e detalhado das ações específicas na área da saúde pública
pode revelar se elas fazem a v a n ç a r o u e n t r a v a m a c a u s a da democracia e
61
da igualdade.
V a n e w a r B u s h , responsável pelos p r o g r a m a s de pesquisa ligados ao
esforço de g u e r r a dos Estados Unidos (foi diretor do Office for Scientific
Research a n d Development do g o v e r n o a m e r i c a n o - OSRD), escreveu, n o
início do segundo conflito mundial, u m célebre relatório sobre os futuros
r u m o s da pesquisa n o s Estados U n i d o s , intitulado "Science, t h e endless
62
frontier" (Ciência, a fronteira s e m f i m ) . O título refere-se à ideologia da
fronteira dos Estados Unidos: a m a r c h a p a r a o Oeste a c a b o u , m a s resta
u m a fronteira a ser conquistada - a ciência - , e esta missão supõe inves-
t i m e n t o s q u a s e ilimitados e m r e c u r s o s m a t e r i a i s e h u m a n o s . Contudo,
u m a o u t r a interpretação do título do relatório de B u s h é possível, a qual
veria n a expressão "ciência, a fronteira sem f i m " a idéia da criação e da
r e c r i a ç ã o infinita de fronteiras pela ciência. U m dos m a i o r e s papéis da
ciência seria, a s s i m , o estabelecimento de fronteiras e de limites: entre as
atividades, as coisas, os territórios, os c l i m a s e as categorias de pessoas.
Os pesquisadores ocidentais que v i e r a m trabalhar n o Brasil, m a s t a m b é m
os médicos, pesquisadores o u políticos brasileiros que t i n h a m c o m o obje-
tivo o " s a n e a m e n t o do país" a c r e d i t a r a m poder t r a ç a r fronteiras entre a
63
"superstição" e a "ciência", o "atraso" e a "modernidade", "nós" e " e l e s " .
O papel da ciência c o m o criadora de fronteiras e p r o d u t o r a de dife-
r e n ç a s pode ser p e r c e b i d o c o m o u m a c o n t r a p a r t e s i m é t r i c a a o papel
h o m o g e n e i z a d o r e n o r m a l i z a d o r de certas práticas científicas. A s c o n s e -
qüências das duas ações são c o m p l e m e n t a r e s : a primeira favorece a m a -
n u t e n ç ã o das h i e r a r q u i a s e das estratificações, a o p a s s o que a s e g u n d a
favorece a circulação e as trocas; ora, as estratificações e as trocas c u m -
prem, a m b a s , papel importante n a divisão mundial do trabalho. A s c a m -
p a n h a s c o n t r a a febre a m a r e l a n o Brasil i l u s t r a m esse duplo efeito das
práticas científicas. Os especialistas que as dirigiram a p o i a r a m - s e e m sua
visão de u m saber universalmente válido para apresentar os habitantes do
país c o m o "nativos supersticiosos", que devem ser forçados a aceitar m e -
didas s a n i t á r i a s benéficas p a r a t o d o s . A o m e s m o t e m p o , v a l e r a m - s e da
m e s m a percepção do saber científico para p r o m o v e r a adoção de práticas
apresentadas c o m o capazes de, em certo prazo, apagar as diferenças entre
os brasileiros e os h a b i t a n t e s dos países industrializados.
A partir dos a n o s 1 9 7 0 , a multiplicação das controvérsias sobre os
u s o s da ciência - da utilização das n o v a s energias, passando pela defesa
do meio ambiente, o debate sobre os o r g a n i s m o s geneticamente modifica-
dos, o u ainda as condições de exploração dos recursos naturais dos países
subdesenvolvidos pelos países ocidentais - pôs n o v a m e n t e e m q u e s t ã o a
noção da expertise neutra e válida em todos os lugares, e p r o m o v e u a per-
cepção da i n v e s t i g a ç ã o científica e da expertise c o m o atividades l o c a l i z a -
64
das. Os especialistas que i m p õ e m n o r m a s , t r a ç a m fronteiras e e x e r c e m
c o n t r o l e s o b r e os indivíduos s ã o c o n v i d a d o s a levar e m c o n s i d e r a ç ã o a
variabilidade das c u l t u r a s h u m a n a s e das situações locais, m a s t a m b é m a
lembrar-se de que "traçar u m a fronteira é sempre a s s u m i r u m a responsa-
65
bilidade". A a n c o r a g e m da p r o d u ç ã o dos c o n h e c i m e n t o s científicos nas
p r á t i c a s l o c a l i z a d a s , l o n g e de i n v a l i d á - l a s , pode ser v i s t a , a o c o n t r á r i o ,
c o m o u m a validação s u p l e m e n t a r desses c o n h e c i m e n t o s por meio de s u a
a n e x a ç ã o a o c o n j u n t o das atividades h u m a n a s . Ao m e s m o tempo, tal a n -
c o r a g e m esboça a possibilidade - q u e é a p e n a s u m a possibilidade entre
66
o u t r a s - de desenvolver u m a ciência mais aberta à cidadania. Na área da
saúde pública, u m a ciência "aberta" n ã o se contentará c o m u m a "vigilância
sanitária verdadeiramente desinteressada" dirigida por especialistas neutros
e objetivos, m a s irá aspirar a u m a "vigilância verdadeiramente interessada",
estabelecida e m concerto c o m as pessoas a serem vigiadas e que se esforce
em levar e m consideração seus interesses e suas preocupações.
Nos países e m d e s e n v o l v i m e n t o , as q u e s t õ e s m a i s u r g e n t e s e s t ã o
em o u t r o ponto - pelo m e n o s por e n q u a n t o . Elas se c o n c e n t r a m na i n t r o -
dução e na m a n u t e n ç ã o de medidas eficazes de luta contra as doenças. No
início do século X X I , o principal problema do controle da febre amarela na
A m é r i c a Latina n ã o é a vigilância demasiado rígida desta patologia reali-
zada e m n o m e das leis universais da ciência, m a s , e m m u i t a s instâncias,
o abandono de todas as tentativas de controle (na prática, a negligência n a
l u t a c o n t r a o s m o s q u i t o s aegypti), m u i t a s v e z e s j u s t i f i c a d a p e l a s leis
inexoráveis da e c o n o m i a m u n d i a l . Tal a b a n d o n o pode levar a u m a s i t u a -
ção especialmente perigosa. A eliminação do vetor de u m a doença engen-
dra populações i n t e i r a m e n t e desprovidas de imunidade. Se tal eliminação
for seguida de u m a reinfestação pelo m e s m o vetor, produz-se o pior c e n á -
rio possível do p o n t o de v i s t a da saúde pública. U m a epidemia de febre
a m a r e l a u r b a n a n a A m é r i c a Latina, e x p l i c a m o s epidemiologistas, seria
" u m a bomba-relógio moderna. Estamos aqui, sentados, esperando que isso
67
aconteça".

Notas
1
Fièvre j a u n e : un programme de vaccination des populations à risque pour 1 9 9 7 . Le
Quotidien du Médecin, 1 6 de dezembro de 1 9 9 6 .
2
V á r i a s coletâneas recentes f o r a m dedicadas a esse a s s u n t o , c o m o , por exemplo:
MacLEOD, R.& LEWIS, Μ. (Eds.) Disease, Medicine and Empire. London: Routledge, 1 9 8 8 ;
ARNOLD, D. (Ed.) Imperial Medicine and Indigenous Society. Manchester: Manchester
University Press, 1 9 8 0 ; ARNOLD, D. (Ed.) Warm Climates and Western Medicine: the
emergence of tropical medicine, 1500-1900. Amsterdam Rodopi, 1 9 9 6 ; ANDREWS, B. &
CUNNIGHAM, A. (Eds.) Contested Knowledge: resistances to Western medicine. Manchester:
Manchester University Press, 1 9 9 7 .
3
Por exemplo: FARLEY, J . Bilharzia: a history of imperial tropical disease. Cambridge:
Cambridge University Press, 1 9 9 1 , p . 2 9 1 - 3 0 4 ; ARNOLD, D. Colonizing the Body: State
medicine and epidemic disease in Nineteenth century India. Berkeley: University o f California
Press, 1 9 9 3 .
4
MOULIN, A.-M. Tropical without the tropics, the turning point o f Pastorian medicine
in North Africa. In: ARNOLD, D. (Ed.) Warm, Climates, op. cit., p. 1 6 0 - 1 8 0 ; ANDERSON,
W. Where is post-colonial history o f medicine? Bulletin of the History of Medicine,
7 2 : 5 2 2 - 5 3 0 , 1 9 9 8 ; MARKS, S. W h a t is colonial about colonial medicine? And w h a t
happened to imperialism and health? Social History of Medicine, 10:205-219, 1997.
5
Para u m estudo dos diferentes casos de aceitação acrítica das abordagens importadas
do Ocidente, ver CUETO, M. Tifus viruelle e indigenismo: Manuel Núñez Butrón y el
medicina rural en Puno. In: CUETO, M. El Regreso de Ias Epidemias. Lima: Instituto de
Estudios Peruanos, 1 9 9 7 , p . 8 7 - 1 2 6 .
6
ANDERSON, W. Immunities o f Empire: race, disease and the new tropical medicine.
Bulletin of the History of Medicine, 7 0 : 9 4 - 1 1 8 , 1 9 9 6 . A segregação entre nativos e bran-
cos foi proposta como u m a medida eficaz de luta contra a febre amarela na África. Cf.
Relatório da missão sanitária no Senegal, 1 9 0 1 , Arquivo do Instituto Pasteur, Paris,
a
dossiê Simond, Sim., p . 1 9 - 2 2 ; Minutas da 4 5 reunião do Advisory Commitee for
Tropical Africa, 5 de novembro de 1 9 1 2 , dossiê Ronald Ross, C G / 5 9 / A 1 , Wellcome
Archives, Londres; C. Findlay, Memorandum on Yellow Fiever in Africa (manuscri-
to), dossiê Findlay, C G / 5 9 / A 1 , Wellcome Archives, Londres.
7
A política sanitária nas colônias francesas, inspirada no ideal da "missão civilizatória"
da França, foi, em geral, mais intervencionista do que a desenvolvida nas colônias
britânicas.
8
René Meunier sublinha o papel da filantropia na promoção dos povos ditos "atrasados"
a u m nível superior de civilização. Cf. MEUNIER, R. Sociologie Coloniale: introduction à
l'étude de contact des races. Paris: Les Éditions Domat-Montchrestien, 1 9 3 2 , p . 1 9 3 - 1 9 4 .
9
FEE, Ε. Disease and Discovery: a history of the Johns Hopkins School of Hygiene and Public
Health, 1916-1939. Baltimore: J o h n s Hopkins University Press, 1 9 8 7 ; FARLEY, J .
Bilharzia... op. cit., p . 7 2 - 9 6 .
10
STANLEY, W. M. Progress in the conquest o f virus dieases. Science, 101(2.617):185-
1 8 8 , 1 9 4 5 , citação à p. 1 8 8 .
11
MOULIN, A . - M . Patriarchal science: the network o f overseas Pasteur Institutes. In:
PETITJEAN, P.; JAMI, C. & MOUUN, A.-M. (Eds.) Science and Empires. Dodrecht: Kluwer,
1 9 2 2 , p . 3 0 7 - 3 2 2 ; MOULIN, A.-M. Tropical without the tropics, the turning point o f
Pastorian medicine in North Africa. In: ARNOLD, D. (Ed.) Warm Climates, op. cit.
12
Carta de Pasteur Vallery-Radot aos diretores dos Institutos Pasteur de Ultramar, 18
de janeiro de 1 9 3 8 , Arquivo do Instituto Pasteur de Dacar, Correspondência geral,
1 9 3 7 - 1 9 4 5 . Arquivo do Instituto Pasteur de Paris.
13
HACKETT, L. W. Once upon a time: Presidential address. American Journal of Tropical
Medicine and Hygiene, 9 ( 2 ) : 1 0 5 - 1 1 5 , 1 9 6 0 , citação p.111 e 1 1 5 .
14
The First Ten Years of the World Health Organization. Genève: OMS, 1 9 5 8 , p . 4 5 9 . Pode-se
observar que Geraldo de Paula Souza (brasileiro formado pela Fundação Rockefeller)
foi u m dos três delegados na conferência sobre as organizações internacionais de San
Francisco (abril de 1 9 4 5 ) que escreveram o primeiro documento sobre a necessidade
de u m a organização mundial da saúde. SZE, S. The Origins of World Health Organization:
a personnal memoir. Boca Raton, Florida: Lisz Publications, 1 9 8 2 .
15
SAWYER, W. A. Medicine as a social i n s t r u m e n t : tropical medicine. New England
Journal of Medicine, 2 4 4 ( 6 ) : 2 1 7 - 2 2 4 , 1 9 5 1 .
16
Idem, p . 2 2 4 .
17
A declaração de Gates é o memorando sobre a criação da Fundação Rockefeller ( 1 9 1 3 ) ,
citado por Raymond Fosdick em The Story of the Rockefeller Foundation. New York:
Harper, 1 9 5 2 , p . 2 3 .
18
TAYLOR, R. & RIEGER, A. Rudolf Virchow and the typhus epidemic in Upper Silesia: an
introduction and translation. Sociology of Health and Illness, 6 ( 2 ) : 2 0 1 - 2 1 7 , 1 9 8 4 .
19
MURAD, M . & ZYLBERMAN, P. L'Hygiène dans la Republique. Paris:Fayard, 1 9 9 6 ;
MENDELSOHN, A. From eradication to equilibrium: h o w epidemics became complex
after World W a r I. In: GAUDILLIÈRE, J.-P. & LÖWY, I. (Eds.) Transmission: diseases
between heredity and infection. Harwood Academic Publishers (no prelo).
20
WEISZ, G. A moment o f synthesis: medical holism in France between the wars. In:
LAWRENCE, C. & WEISZ, G. (Eds.) Greater than the Parts. Oxford: Oxford University
Press, 1 9 9 8 .
21
FARLEY, J . Bilharzia, op. cit., p . 1 7 4 ; HACKETT, L. W. Once upon a time: Presidential
address, op. cit., p . 1 1 1 . Sobre a Comissão da Malária da Liga das Nações, ver também
CORBELLINI, G. Acquired immunity against malaria as a tool for the control o f the
disease: the strategy proposed b y the Malaria Comission of the League o f Nations in 1933. Paras

22
Citado por FARLEY, J . Bilharzia, op. c i t . , p. 1 8 5 - 1 8 6 .
23
The Second Ten Years of World Health Organization. Genève: OMS, 1 9 8 6 , p . 1 0 4 - 1 0 5 ;
Prevention and Control of Yellow Fever in Africa. Genève: OMS, 1 9 8 6 .
24
Randall Μ . Packard, "No other logical choice": global malaria eradication and the
politics o f international health in the post-war era. Parassitologia, 40(1-2):.217-229,
1 9 9 8 . Segundo Parker, em 1 9 5 5 os dirigentes da OMS j á estavam a par do fato de que
os mosquitos desenvolvem rapidamente resistência ao DDT.
25
Citado por Randall Packard, "No other logical choice"... op. cit.
26
COTTREL, J . D. The Prevention of Tropical Disease and World Health Organization's Rural
Health Campaigns. Genève: OMS, 1 9 5 7 (brochura).
27
The Second Ten Years of World Health Organization. Geneve: OMS, 1 9 6 8 , p. 1 5 9 - 1 7 4 ;
SIDDIQUI, J . World Health and World Politics: the World Health Organization and the UN
System. London: Hurst and Company, 1 9 9 5 , p. 1 2 3 - 1 9 1 ; NELVTLLE, M. G. International
Health Organizations and Their Work. Ediburgh, London: Churchill Livigstone, p . 2 4 7 - 2 8 0 .
28
FARLEY, J . Bilharzia, op. cit.
29
MAEGRAITH, B . One World. London: Althalon Press, 1 9 7 3 ; FARLEY, J . Bilharzia, op. cit.,
p . 2 9 8 - 3 0 1 . O livro de Robert S. Desowitz, The Malaria Caper: more tales of parasites and
people, research and reality (New York, London: W. W. Norton & Company, 1 9 9 1 ) , é a
narrativa vulgarizada do fracasso do programa de erradicação da malária.
30
FARLEY, J . Bilharzia, op. cit.; SIDDIQUI, J . World Health and World Politics, op. cit., p. 1 6 3 .
31
ZULUETA, J . de. T h e end o f malaria in Europe: an eradication o f the disease b y
control measures. Parassitologia, 40, 1998.
32
BRADLEY, J . - D . The particular and the general: issues o f specificity and vericality in
the history of malaria control. Parassitologia, 40, 1998.
33
FARLEY, J . Bilharzia, op. cit.
34
SIDDIQUI, J . World Health and World Politics, op. cit
35
A expressão "fardo do h o m e m branco" é do poema de Rudyard Kipling escrito por
ocasião da conquista das Filipinas pelos Estados Unidos.
36
SIDDIQUI, J . World Health and World Politics, op. cit., p . 1 9 6 - 1 9 7 ; DESOWITZ, R. S. The
Malaria Capers, op. cit.
37
HOPKINS, J . W. The Eradication of Smallpox: organizational learning and innovation in
world health. Boulder, Colorado: Westwien Press, 1 9 8 9 . Segundo Siddiqui, o sucesso
da campanha contra a varíola pode ser atribuído ao fato de que se tratava de u m a
doença exclusivamente h u m a n a e de que no início da c a m p a n h a ela atingiu u m
número limitado de regiões, ou seja, algumas dezenas de milhares de pessoas - escala
muito distante da escala de prevalência da malária ou da tuberculose. SIDDIQUI, J .
World Health and World Politics, op. c i t . A varíola foi uma "doença demonstrativa", pois
sua erradicação demonstrou a viabilidade das campanhas de saúde verticais, mas os
especialistas estão de acordo sobre a natureza da demonstração feita desse modo.
38
As vacinas concernem à poliomielite, à difteria, à coqueluche, ao tétano, à tuberculo-
se e ao sarampo; a adição da vacina contra a hepatite Β e a febre amarela está em
discussão. Essa campanha pode ser caracterizada como "quase vertical", pois, apesar
de bem planejada e feita de cima para baixo, e utilizando técnicas "sem população",
ela ocasionalmente estimulou o desenvolvimento das estruturas de saúde pública
local, e inseriu-se em outras campanhas de saúde, especialmente naquelas que visam
à proteção materna e infantil. GOODLIFE, J . A Chance to Live: the heroic story of the global
campaign to immunize the world children. New York: Macmillan, 1 9 9 1 .
39
WRIGHT, Ρ. F. Global immunization, a medical perspective. Social Sciences and Medicine,
41:609-616,1995.
40
MURRASKIN, W. The War Against Hepatitis B: a history of the international task force on
hepatitis Β immunization. Philadelphia: University o f Pennsylvania Press, 1 9 9 5 .
41
MAHLER, H. Preface. In: WHO, Four Decades of Achievement. Genève: OMS, 1 9 8 8 .
42
ROSENBERG, C. Holism in the Twentieth century medicine. In: LAWRENCE, C. &
WEISZ, G. (Eds.) Greater than the Parts, Holism in Biomedicine, 1920-1950. Oxford,
London: Oxford University Press, 1 9 9 8 , p . 3 3 2 - 3 5 2 , citação p . 3 4 5 .
43
HOCHMAN, G. A Era do Saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil. São
Paulo: Hucitec, 1 9 9 8 . Hochman, entretanto, não esconde u m a certa admiração pelos
autores do projeto do DNSP que acreditavam no dever do Estado de trabalhar pela
melhoria da saúde de seus cidadãos.
44
Pesquisadores brasileiros t e n t a r a m c o m p a r a r as c a m p a n h a s de saúde pública do
passado e do presente. Cf. RIBEIRO, M. A. R. História sem Fim...: inventário da saúde
pública, São Paulo, 1880-1930. São Paulo: Editora Unesp, 1 9 9 3 ; MINAYO, M. C. S.
(Org.) Os Muitos Brasis: saúde e população na década de 80. São Paulo, Rio de Janeiro:
Hucitec, Abrasco, 1 9 9 5 .
45
Por exemplo, SAWYER, W. A. A history o f the activities of the Rockefeller Foundation
in the investigation and control o f yellow fever. The American Journal of Tropical
Medicine, 1 7 : 3 5 - 5 0 , 1 9 3 7 ; WARREN, A. J . Landmarks in conquest o f yellow fever. In:
STRODE, G. (Ed.) Yellow Fever. New York, London: MacGraw Hill, 1 9 5 1 , p . 5 - 3 7 ; THEILLER,
M. Yellow fever. In: RIVERS, Τ. M. (Ed.) Viral and Rickettsial Infections of Man. Philadelphia:
J . - B . Lippncott, 1 9 4 8 , p . 4 2 0 - 4 4 0 ; FRANCO, O. História da Febre Amarela no Brasil. Rio de
Janeiro, Ministério da Saúde, 1 9 6 9 .
46
O argumento pode ser estendido à intervenção dos pesquisadores franceses, mas seu
papel, muito breve e muito estreitamente ligado ao dos personagens-chave da medi-
cina brasileira, c o m o Oswaldo Cruz, não foi, até onde sei, objeto de pesquisas e
debates no Brasil.
4 7
GÓES DE PAULA, S.; MORAES, A. & PINTO, L. Relatório parcial de pesquisa "A campa-
nha do Anopheles gambiae no Brasil", documento da Casa de Oswaldo Cruz, 1 9 9 0 .
48
LABRA, Μ. Ε. O Movimento Sanitarista no Brasil nos Anos 1920: da conexão sanitária
internacional à especialização em saúde pública no Brasil, 1 9 8 5 . Dissertação de Mestrado,
Rio de Janeiro: Escola Brasileira de Administração Pública-FGV, p . 2 2 1 - 2 5 2 .
49
CASTRO-SANTOS, L. A. de. A Fundação Rockefeller e o Estado nacional. Revista Bra-
sileira de Estudos da População, 6 ( 1 ) : 1 0 5 - 1 1 0 , 1 9 8 9 ; FARIA, L. R. de. Os primeiros anos
da reforma sanitária n o Brasil e a a t u a ç ã o da Fundação Rockefeller, 1 9 1 5 - 1 9 3 0 .
Physis, 5 ( 1 ) : 1 0 9 - 1 3 0 , 1 9 9 5 ; FARIA, L. R. de. A Fase Pioneira da Reforma Sanitária no
Brasil: a atuação da Fundação Rockefeller, 1915-1930, 1 9 9 4 . Dissertação de Mestrado,
Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Uerj. Sobre o papel da Fundação Rockefeller
n o desenvolvimento dos serviços sanitários no Brasil, ver t a m b é m GADELHA, P.
Conforming strategies o f public health campagnes to disease specificity and national
contexts: Rockefeller Foundation's early campaigns against h o o k w o r m and malaria
in Brazil. Parassitologia, 40(1-2):159-175, 1998.
50
MARTENS, H. Technological normalization: social normalization perspectives on the
role o f forma-symbolic techniques, seminário, CRHST, 3 de dezembro de 1 9 9 6 .
51
BONNEUIL, C. Crafting and discipling in the tropics: plant science int the French
colonies. In: KRIGE, J . & PESTRE, D. Science in the Twentieth Century. Harwood, 1 9 9 7 ;
BONNEUIL, C. Ingénierie et experimentation des sociétés rurales en Afrique: quelques
remarques sur l'emergence du développement. Seminário "Les sciences et la mattrise
du 'facteur humain'", EH ESS, 1 0 de novembro de 1 9 9 8 .
52
SOPER, F. L. Ventures in World Health: the memoirs of Fred Lowe Soper. Washington DC:
Paho, 1 9 7 7 , p. 1 3 5 .
53
Carta de Ernest Hambloch, cônsul-geral da Grã-Bretanha no Rio de Janeiro, a Sir
Eduard Bart, datada de 11 de j u l h o de 1 9 1 3 . Wellcome Archive, dossiê Ronald Ross,
G C / 5 9 / / A 1 (documentos da Subcomissão da Febre Amarela).
54
FEENBERG, A. Alternative Modernity: the technical turn in philosophy and social theory.
Berkeley: University o f California Press, 1 9 9 5 ; TILES, M. & OBERDIEK, H. Living in a
Technological Culture: human tools and human values, London: Routledge, 1 9 9 5 ; LÖWY, I.
The legislation of things. Studies in the History and Philosophy of Sciences, 2 8 ( 3 ) : 5 3 3 - 5 4 3 ,
1997.
55
GÓES DE PAULA, S.; MORAES, A. & PINTO, L. Relatório parcial de pesquisa "A campa-
nha do Anopheles gambiae no Brasil", op. cit. Poderíamos acrescentar que m e s m o a
eliminação dos Aedes aegypti viria a se revelar u m a missão bem mais árdua do que o
previsto.
56
CHAUÍ, M. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Moder-
na, 1 9 8 1 , p . 3 7 - 5 3 .
57
Outros conceitos, tais c o m o o socialismo ou a democracia, também aliam intenções
inicialmente generosas e potencialidades excepcionais, mas marcadas por u m passa-
do difícil.
58
Por exemplo, SHAPIN & SCHAFFER. Leviatan and the Air Pump, op. cit.; SCHAFFER, S.
The manufacture o f ohms. In: COZZNES, S. & BUDS, R. (Eds.) Invisible Connections.
Bellingham, WA: SPIE Press, 1 9 9 2 , p . 2 3 - 5 6 ; LATOUR, B. Give me a laboratory and I
will raise the world. In: KNORR-CETINA, K. & MULKAY, M. (Eds.) Science Observed.
London: Sage, 1 9 8 3 , p . 1 4 1 - 1 7 0 ; KOHLER, R. E. The Lords of the Fly. Chicago, London:
The University o f Chicago Press, 1 9 9 4 .
59
A expressão "view from nowhere" usada para descrever a ciência ocidental é de
Herbert Butterfield.
60
WALLERSTEIN, I. Historical Capitalism. London: Verso, 1 9 8 3 .
61
KUNITZ, S. Hookworm and pelagra-exemplary diseases in the New South. Journal of
the Historical of Social Behaviour, p . 1 2 9 - 1 4 8 , 1 9 8 8 , p . 1 4 5 , citado por Paulo Gadelha,
Conforming strategies o f public health campaigns, op. cit.
62
BUSH, V. Science, The Endless Frontier: a report to the president. Washington, DC: US
Government Printing Office, 1 9 4 5 .
63
O controle exercido em n o m e de u m a racionalidade científica única, universal e
imparcial, segundo Paul Forman, desempenhou papel fundamental no advento da
modernidade. Cf. FORMAN, Ρ. Recent science: late-modern and post-modern. In:
SODERQUIST, Τ (Ed.) Historiography of Modern Science and Technology. Harwood Academic
Publishers, 1 9 9 7 , p . 1 7 9 - 2 1 4 .
64
A resistência às recomendações dos especialistas é bem mais antiga. Os cidadãos
americanos que ameaçaram processar os funcionários do CDC se eles pulverizassem
DDT em seus quintais o u os habitantes das aldeias africanas que, n o dizer dos
poderes coloniais b r i t â n i c o s , poderiam se revoltar c a s o se tentasse introduzir a
viscerotomia em sua região, opuseram-se de maneira efetiva às medidas de controle
que achavam inaceitáveis.
65
Essa frase de Denis Woods está inscrita c o m o epígrafe no artigo de J a m e s Moore,
Wallace's malthusian movement: the c o m m o n context revised, em LIGHTEMAN, B .
(Ed.) Victorian Science in Context. Chicago: Chicago University Press, 1 9 9 6 , p . 2 9 1 . Moore
afirma que o malthusianismo de Wallace tem suas origens em seu trabalho c o m o
geômetra no País de Gales.
66
Também é concebível, por exemplo, que em u m mundo dominado por u m a lógica
neoliberal, a maioria dos pesquisadores científicos, financiados por fundos privados,
avaliem a legitimação de seu trabalho unicamente segundo a lógica do benefício de
seus empregadores.
67
Entrevista com o Dr. Gubler, diretor da Divisão de Doenças Transmissíveis por Vetores
n o Center o f Disease Control (CDC) de Atlanta, Estados Unidos. Gary Taubes, A
mosquito bites back, The New York Times Magazine, 2 4 / 8 / 1 9 9 7 . U m a epidemia de febre
amarela na América Latina poderia, provavelmente, ser rapidamente interrompida
combinando-se a pulverização de inseticidas potentes c o m u m a campanha de vaci-
nação de toda a população ameaçada - desde que a cidade atingida tenha c o m o
mobilizar os recursos financeiros adequados.
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Índice onomástico

AGRAMONTE, Aristides - 5 9 , 6 0 , 61 BEAUPERTY, Louis-Daniel - 4 5


ALBUQUERQUE, J o ã o Pedro - 2 0 2 , 2 0 3 , 2 0 4 BEEUWKES, Henry - 2 2 4
ALFONSO, Pedro - 74 BENJAMIN, Walter - 2 9 3
ALMEIDA, Antonio de - 1 4 8 BERNARD, Claude - 3 1
ALMEIDA, Miguel Osório de - 1 4 1 BERNARDES - 1 5 9
ALVES, Rodrigues - 7 0 , 8 6 , 9 1 , 9 2 , 1 4 5 BERT, Paul - 5 2
ALVES RIBEIRO, Benjamin - 1 4 7 BIAO, Mario - 2 2 2
ANDRADE, Almir de - 2 7 0 BINET, Alfredo - 1 4 8
ANDRADE, Nuno de - 8 8 , 8 9 , 9 0 , 9 2 BONFIM, Manuel - 1 0 0
ANTUNES, Waldemar Sá - 2 9 4 BONNEUIL, Christophe - 3 9 9

AQUINO, Leão de - 74 BOREL - 6 4

ARAGÃO, Henrique - 3 1 7 , 3 1 8 , 3 2 0 , 3 2 4 , BOSHELL, Jorge - 3 0 4

ARAÚJO, Silva - 4 1 BOYD - 3 0 2

ARAÚJO, Souza - 2 0 7 , 2 0 8 , 2 1 7 BRAS, Wenceslau - 1 0 5

AUBERT - 2 5 3 BROUSSAIS, François - 3 0

AUTAN, Henrique - 1 4 2 BUCHANAN, George - 5 0 , 5 1 , 5 9

AZEVEDO SODRÉ, A. A. - 5 9 BULHÕES DE CARVALHO - 8 2


BURKE, A. W. - 2 3 5 , 2 6 3 , 2 6 4
BABES, Victor - 5 3 BUSH, Vanewar - 4 0 3 , 4 0 4
BARBOSA, Plácido - 1 3 4 BUXTON - 1 7 0
BARBOSA, Rui - 9 5
BARBOSA DE MOURA - 2 6 2 CALMETTE, Albert - 8 6
BARRETO, Castro - 1 4 1 CANGUILHEM, Georges - 13
BARROS, Barreto - 1 6 1 CAPANEMA, Gustavo - 2 8 9 , 2 9 4 , 4 0 1
BARROSO, Sebastião - 1 5 0 , 1 5 7 , 1 5 8 CARDOSO FONTES, Antonio - 2 0 0
BAUER, Johannes - 1 7 1 , 3 3 8 , 3 4 5 , 3 4 6 , 3 4 7 , CARMONA Y VALLE, Manuel - 5 4 , 5 5 , 5 6 .
349, 350, 351, 352, 353, 356, 357, 362 57, 109
BAYNE-JONES - 3 5 0 , 3 5 3 , 3 5 4 CARROLL, James - 6 0 , 6 1 , 6 5 , 7 5 , 1 1 1 , 1 1 2
CARTER, Henry Rose - 5 0 , 5 1 , 6 3 , 1 2 7 , 1 2 8 , EATON - 3 5 0 , 3 5 7
131,204, 257 ETTLING, J o h n - 1 2 5
CASTRO-SANTOS, Luiz Antonio de - 3 9 8 EULÂLIO, José - 3 4 3
CHAGAS, Carlos - 9 3 , 1 4 2 , 1 4 3 , 1 4 5 , 2 0 0 ,
2 0 1 , 2 0 2 , 203, 2 0 4 , 2 5 9 , 318, 365 FABΙΑΝΟ, Jaime Eurípides - 2 9 6 , 2 9 7
CHANTEMESSE, André - 6 4 FARQUAR, Percival - 2 0 1
CHAPÔT-PRÉVOST, Eduardo - 5 5 FERRARO, Antonio - 74
CHAUÍ, Marilena - 2 9 3 , 2 9 4 , 4 0 1 , 4 0 2 FIGUEIREDO, Paulo Augusto - 2 7 0 , 2 7 1
CHEVRIN, Nicolas - 5 0 , 5 1 FINDLAY, G. M. - 3 2 0 , 3 2 4 , 3 3 2 , 3 3 3 , 3 4 5 ,
CÍCERO, Padre - 2 1 1 , 2 1 2 , 2 3 0 , 2 3 1 346, 351, 352, 359, 360
CLARKE, R. J . - 2 8 7 FINLAY, Carlos - 1 3 , 3 4 , 5 6 , 5 7 , 6 2 , 6 3 , 6 4 ,
CLEVELAND - 5 5 65, 6 6 , 6 7 , 70, 1 1 1 , 128

COGGENSHALL, Arthur - 1 7 7 , 3 0 2 FISHBEIN, Morris - 3 5 8

COMTE, Auguste - 9 0 FLECK, Ludwik - 2 0

CONNOR, M i c h a e l - 1 3 3 , 1 5 6 , 1 5 9 , 1 6 0 , 1 6 1 , FLEXNER, Simon - 1 5 5


165, 166, 210, 2 1 1 , 2 1 3 , 262, 2 6 3 , 2 6 4 , FONTENELLE, J.-P - 1 4 2 , 2 6 9
265 FOSDICK, Raymond - 3 0 0 , 3 4 7 , 3 5 0 , 3 5 2 ,
CONSELHEIRO, Antônio - 9 7 356
CORDEIRO, Albino - 2 2 4 FOUREAU - 2 5 4
COUNCILMAN, W. Τ - 2 0 5 , 2 0 6 FOX, J o h n - 3 4 1 , 3 4 3 , 3 5 4 , 3 6 2
COURTIN, Philip - 3 8 FRAGA, Clementino - 1 5 9 , 1 6 1 , 1 6 2 , 1 6 3 ,
COUTO, Miguel - 5 9 , 1 0 7 164, 224, 2 6 4

COWDREY, Ε. V. - 2 2 1 FRANÇA - 2 8 5

CRAWFORD, P. J . - 2 1 3 , 2 2 7 , 2 3 4 , 2 6 7 , 2 8 2 , FREIRE, Domingos - 5 3 , 5 4 , 5 5 , 5 6 , 5 7 , 8 0 ,


283, 284, 288 85, 86, 317

CRONON, William - 2 7 FREYRE, Gilberto - 2 6 9 , 2 9 4

CRUZ, Oswaldo - 1 5 , 3 7 , 3 9 , 4 2 , 4 3 , 5 5 , 8 0 , FROBISHER, Martin - 2 1 4


85, 86, 87, 88, 90, 9 1 , 9 2 , 93, 94, 95, 96, FROSCH - 6 8
101, 105, 107, 127, 130, 134, 142, 143, FROST, W. H . - 1 6 9 , 1 7 0
145, 150, 160, 162, 163, 164, 2 0 0 , 2 0 1 ,
250, 251, 253, 278, 292, 382, 400
GATES, Frederick - 1 2 3 , 3 8 6
CUETO, Marcos - 1 3 2
GAY, Douglas Merril - 1 5 6
CUNHA, Euclides da - 9 6 , 9 7 , 9 8 , 9 9 , 1 0 0 ,
GERONIMO, Raimundo - 79
102, 107
GILMORE - 2 3 8
CUNHA, J o s é Fonseca da - 2 2 0 , 2 9 1
GÓES DE PAULA, Sérgio - 3 9 7 , 4 0 1
DARLING, Samuel - 1 3 5 . 1 4 6 GOMES DE FARIA, José - 2 0 2
DAVIS, Nelson - 1 7 3 , 2 1 6 , 2 1 9 GOODNER, Kenneth - 3 4 6 , 3 5 0 , 3 5 1 , 3 5 5 ,
356
DECRAIS - 73
GORDILHO - 2 8 3 , 2 8 4
DELAPORTE, François - 2 4 , 6 0 , 6 2
GORGAS, William - 3 4 , 3 5 , 6 4 , 6 5 , 6 9 , 7 0 ,
DOYLE - 2 1 8 , 2 1 9 , 2 3 1 , 2 8 4 , 2 8 7
87, 127, 130, 1 3 1 , 149, 2 0 4 , 2 5 1 , 2 5 2 ,
DRYER - 3 5 4 253, 254, 258, 278
DURHAM - 6 3 , 6 4 GOSSER - 3 4 7
GOUVEIA, Delmiro - 1 0 6 LOBATO, Monteiro - 1 0 7 , 1 0 8 , 1 4 3 , 1 4 4
GRALL - 71 LOEFFLER - 6 8
GRANT, J o h n - 3 8 6 LOUIS, Pierre - 5 0 , 5 1
GRASSI, Baptista - 61 LOURENÇO FILHO - 1 4 7
GRIMAUD - 2 5 3 LUÍS, Washington - 1 6 3 , 2 6 7
GUERNER, Nuno - 1 4 7 LUTZ, Adolpho - 5 5 , 5 8 , 7 0 , 7 1 , 8 0 , 8 6 , 8 9 ,

GUITERAS, J u a n - 6 8 , 6 9 , 7 0 , 1 3 1 93, 2 0 2

GUMPLOWICZ, Ludwik - 9 7 LYSTER, T. C. - 2 0 4

HACKETT, Lewis - 1 3 1 , 3 6 2 , 3 8 5 , 3 8 7 MAAS, Clara - 6 8

HACKING, Ian - 1 9 7 MACCALLUM, F. O. - 3 3 2 . 3 5 1

HAMBLOCH, Ernst - 9 4 MACHADO, Astrogildo - 2 0 1 , 2 0 2

HANSON, Henry - 1 3 2 , 1 3 3 MAGALHÃES, Agamenon - 2 7 3

HARRISON, J . - B . - 5 4 MAGALHÃES, Pedro Severiano de - 41

HAVELBURG, Wolf - 5 7 , 5 8 MAHLER, Halfdan - 3 9 3 , 3 9 6

HINDLE, Eduard - 3 1 7 , 3 1 8 MANGA, Roberto - 1 4 7

HOCHMAN, Gilberto - 3 9 6 MANHÃES - 2 8 5

HUDSON, Paul - 1 7 1 , 3 1 7 MANSON, Patrick - 6 2

HUGHES, T. P. - 3 2 0 MARCHOUX, Émile - 13, 7 1 , 74, 7 5 , 76, 8 1 ,


82, 8 3 , 85, 8 8 , 128, 162, 164, 3 8 5
JAMES - 3 8 5 MARSHALL, George - 3 9 0
MARTENS, Herbert - 3 9 9
KERR, Warwick - 1 6 5 , 2 2 7 , 3 2 8 , 3 2 9 , 3 3 0 , MARTIN GONÇALVES, Francisco - 2 9 7
340, 342
MARTIN, Ν. H. - 3 6 0
KITCHEN - 2 2 1 , 3 1 9 , 3 2 0 , 3 2 1
MARTINS, Antonio - 2 0 1
KOCH - 3 4 , 3 6 , 5 4
MARTINS DE ROSÁRIO, Edgar - 2 8 8
KUMM, Henry - 2 1 7 , 2 1 9 MASSON, M a x - 1 7 1
KUNITZ, Stephan - 4 0 3 MATHIS - 3 1 9
MAUDSLEY, Henry - 9 7
LABRA, Maria Eliana - 3 9 7
MAXCY - 3 5 2 , 3 5 3 , 3 5 4 , 3 5 6 , 3 5 7
LACERDA, J o ã o Baptista - 9 3 , 5 7 , 5 8 , 8 0
MEAD - 3 5 7
LAEMMERT, Hugo - 3 3 0 , 3 3 1
MEDEIROS, Maurício de - 1 5 7
LAIGRET, J . - 3 1 9 , 3 2 1 , 3 2 2 , 3 2 3 , 3 2 4 , 3 2 5 ,
MEIRELLES, Zeferino - 74
326, 332
MÉLIÈS, François - 5 0 , 5 1 , 5 9
LAMBERT, R. A. - 2 0 5 , 2 0 6
METCHNIKOFF, Elie - 74
LAZEAR, Jesse - 6 1 , 6 6 , 1 1 2
MEYER, Karl - 3 5 0 , 3 5 1 , 3 5 7 , 3 5 9 , 3 6 2
LEÃO, Pacheco - 2 0 2 , 2 0 3 , 2 0 4
MOLLARET, Pierre - 3 2 1 , 3 2 3 , 3 2 5 , 3 2 6
LE DANTEC, Félix - 5 4 , 5 9 , 75
MORAES, Andréa - 3 9 7
LEOBERTO - 2 3 8 , 2 3 9
MORGAN - 2 8 1
LERICHE, René - 3 8 7
MOURA, Julio de - 4 1
UMA, Sérvulo - 2 9 4 , 3 4 0
LLOYD, W r a y - 3 1 9 , 3 2 0 , 3 2 1 , 3 2 9 , 3 3 0 MUENCH - 2 1 2 , 2 1 3
MULHAERT - 2 5 7 RICKARD, E. R. - 2 1 7 , 2 2 2 , 2 2 3 , 2 2 4 , 2 2 6 ,
MEYERS - 6 3 , 6 4 227, 228, 231, 329
ROCHA, Franco da - 1 4 8
NEGRI, José Oliveira - 2 9 7 ROCHA LIMA, Henrique de - 1 6 0 , 1 6 1 , 2 2 1
NEIVA, Arthur - 1 0 1 , 1 0 2 , 1 0 3 , 1 0 4 , 1 0 5 , ROCKEFELLER, J o h n D. - 1 2 3 , 2 3 0 , 2 3 1 , 3 5 6
143, 200, 2 0 1 , 2 0 2 RODRIGUES DE FARIA, Una - 3 9 8
NICOLE, Charles - 3 2 1 ROSE, Wickliffe - 1 2 4 , 1 3 5 , 1 3 6 , 1 3 7 , 1 3 8 ,
NOC - 2 5 3 149
NOGUCHI, Hideo - 1 5 5 , 1 5 6 , 1 5 7 , 1 6 6 , 1 7 2 ROSENBERG, Charles - 1 9
NOGUEIRA VASCONCELOS, José - 2 9 7 ROSS, Ronald - 6 1 , 2 4 9 , 2 5 0 , 2 5 1 , 2 5 3
NOVIS - 2 3 5 , 3 2 6 ROUBAUD, Ε. - 3 2 4
NOVY, Frederick - 5 9 , 75 ROUX, Émile - 3 4 , 3 6 , 5 7 , 7 4
RUSSEL, Frederick - 1 6 5 , 1 6 6 , 1 6 9 , 1 7 0 , 2 1 4 ,
OBREGÓN, Álvaro - 1 3 3 222, 223, 224
RUSSEL, Paul - 3 8 9
PACKARD, Randall - 3 9 0 RYLE, J o h n - 3 8 7
PAOUELLO - 3 3 6
PARRAN - 3 4 6 , 3 4 7 SÁ, Carlos - 141
PARREIRAS, Décio - 2 2 3 SALGADO FILHO - 2 7 3
PASTEUR, Louis - 5 2 , 5 4 , 3 2 1 , 3 2 2 , 3 3 3 SALIMBENI TAURELLI, Albert - 1 3 , 7 4 , 76
PAULA SOUZA, Geraldo - 1 4 2 , 1 4 4 , 1 4 5 , SANARELLI, Giuseppe - 5 8 , 5 9 , 6 0 , 6 1 , 8 9 ,
146, 148 317
PEDRO II - 5 2 SAWYER, Wilbour - 1 6 6 , 1 6 7 , 1 7 1 , 2 1 3 ,
PEIXOTO, Afrânio - 1 0 7 , 1 7 8 215, 219, 220, 224, 232, 233, 235, 265,
319, 320, 321, 322, 325, 327, 329, 334,
PELETIER, Μ. - 3 3 3
336, 345, 347, 348, 349, 350, 351, 352,
PENNA, Belisário - 1 0 1 , 1 0 2 , 1 0 3 , 1 0 4 , 1 0 5 , 353, 354, 355, 357, 360, 361, 362, 385,
106, 107, 108, 143, 200, 201, 202, 207, 386, 396
273
SCANELL - 2 2 6
PENNA, Η. Α. - 3 3 6
SCHEPER-HUGUES, Nancy - 2 9 2
PEREIRA, Miguel - 1 0 4 , 1 0 5 , 1 7 8
SCHMIDT, Otto - 1 5 8
PEREIRA PASSOS - 91 SEIDL, Carlos - 5 8 , 7 4 , 8 0 , 8 1 , 1 2 8
PESSOA, Epitácio - 1 0 8 SELLARDS, Andrew W a t s o n - 1 5 6 , 3 1 9 ,
PETTIT, Auguste - 3 1 7 , 3 2 1 321, 324, 325
PINTO, Lúcia - 3 9 7 SHANON, Raymond - 1 7 3 , 2 3 4 , 2 3 8
PIRES, Acácio - 1 0 6 SIMOND, Paul-Louis - 1 3 , 7 4 , 7 5 , 7 6 , 7 7 ,
PORTO - 2 8 5 78, 8 1 , 82, 83, 84, 85, 128, 2 5 3 , 2 5 4 ,
255,258
PUTNAM, Persis - 2 1 4 , 2 6 5 , 2 6 7 , 3 5 7
SIMMONS - 3 4 6 , 3 5 0 , 3 5 1 , 3 5 3 , 3 5 4
RAICHMAN, Ludwik - 1 6 2 SMILLIE, Wilson - 1 3 5 , 1 3 6 , 1 4 4 , 1 4 5 , 2 1 9 ,
220
REED, Walter - 5 8 , 6 0 , 6 1 , 6 4 , 6 5 , 6 6 , 6 7 ,
6 8 , 6 9 , 75 SMITH, Hugh - 3 3 1 , 3 3 3 , 3 3 4 , 3 3 6 , 3 3 8 ,
362
RIBAS, Emílio - 70, 8 6
SMITH, Lucian - 2 1 1 , 2 6 2 , 2 6 3 , 2 6 6
RIBEIRO, Maria Alice - 1 8 0
SOLORZANO, Armando - 1 3 3 WHITE, Joseph - 1 2 7 , 1 5 3 , 1 5 9 , 2 5 9 , 2 6 0
SOPER, Fred Lowe - 1 4 0 , 1 5 9 , 1 6 3 , 1 6 5 , 1 6 7 , WHITMAN, Loring - 3 2 4 , 3 2 5
1 7 5 , 2 0 9 , 2 1 4 , 2 1 5 , 2 1 6 , 21 7, 2 1 8 , 2 1 9 , WILSON, Bruce - 2 7 3 , 2 7 4 , 2 7 6 , 2 8 8 , 3 0 3 ,
221, 222, 223, 224, 225, 226, 229, 230, 320
232, 233, 236, 237, 238, 264, 265. 266,
WINSLOW - 1 7 0
271, 272, 273, 280, 281, 283, 285, 286,
288, 289, 294, 296, 299, 300, 301, 302, WORBOYS, Michael - 4 9
303, 304, 305, 306, 326, 327, 329, 330, WRIGHTSON, W. D. - 2 0 4
331, 332, 333, 335, 336, 338, 339, 340,
WUCHERER, Otto - 4 0 , 4 1
341, 342, 343, 349, 350, 352, 354, 362,
389, 392, 397, 398, 4 0 0
YERSIN, Alexandre - 8 6
SOREL, F. - 3 2 5 , 3 3 4
SOUZA ARAÚJO, Η. C. de - 2 0 7 , 2 0 8
SOUZA GOMES, Elzo de - 2 9 6
SOUZA, J o a q u i m José de - 2 8 7
SPENCER, David - 3 0 5
STANLEY, Wendell - 3 8 4
STEFANOPOULO, Georges - 3 1 7 , 3 2 0 , 3 2 1 ,
324, 325
STEPHENSON - 3 5 4 , 3 5 5
STERNBERG, George - 5 5 , 5 6 , 5 7 , 5 9 , 6 0 , 61
STOKES, Adrian - 1 5 7 , 1 7 1 , 3 1 7
STRODE, George - 3 5 0 , 3 5 1 , 3 5 2 , 3 5 3 , 3 5 6
SUTTON, J . H. - 5 4

TAVARES DA SILVA, Amílcar - 2 9 0


TEIXEIRA - 81
THEILER, Arnold - 3 3 2
THEILER, M a x - 1 5 6 , 1 7 2 , 3 1 9 , 3 2 1 , 3 2 4 ,
325, 332, 333, 334, 352
TROUSSEAU, Armand - 5 0
TUCKER, H. C. - 1 3 5
TURNER, Thomas - 3 5 6
VALLERY-RADOT, Pasteur - 3 8 4
VARGAS, Getúlio - 4 3 , 1 4 6 , 1 6 7 , 1 7 4 , 1 7 5 ,
224, 267, 268, 269, 270, 272, 273, 292,
293, 365, 398,401
VELEDEE - 3 4 6 , 3 4 7 , 3 4 8 , 3 5 6
VIANA MOOG, Clodomir - 2 9 4
VIRCHOW, Rudolf - 3 8 6

WARREN, Andrew - 1 7 7 , 3 4 7 , 3 4 8 , 3 5 1 ,
354, 356
WELSH, William - 6 7
Formato: 16x2 3 cm
Tipologia: Marigold e Carmina Lt BT
2
Papel: Pólen BOLD 7 0 g / m (miolo)
2
Cartão Supremo 2 5 0 g / m (capa)
Fotolitos: Laser vegetal, (miolo)
Engenho e Arte Editoração Gráfica Ltda. (capa)
Impressão e acabamento: Imprinta Express Gráfica e Editora Ltda.
Rio de Janeiro, agosto de 2 0 0 6 .

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