Você está na página 1de 14

Essa é a minha resposta ao argumento que põe em dúvida a validade

lógica da Contradição Performativa. Eu analisei o argumento e pensei numa


solução que me pareceu a melhor para fornecer a minha resposta, extraindo da
síntese de cada parágrafo as proposições que fundamentam o argumento do
autor. Depois, divido-as em dois grupos, porque elas se relacionam, e procuro
responder cada um dos dois grupos de proposições.

AUTOR:
“No entanto, até agora só podemos concluir exatamente o que foi dito e nada
mais: que o reconhecimento de uma tal norma é condição necessária para a
atividade argumentativa. ​Disso não se segue, porém, que tal norma é, de
fato, válida. Quero dizer, ​verificar que é praxeologicamente necessário
pressupor uma determinada norma como válida (isto é, como correta,
verdadeira, legítima, deontologicamente justa) ​para realizar a ação
argumentativa não é suficiente nem necessário para concluir que tal norma
é, de fato, válida.”

SCHEFFEL:
Com o intuito de apresentar com clareza e simplicidade os argumentos do
autor, assim como os meus contra-argumentos, permito-me extrair do texto dele
uma série de proposições que guarnecem todo o poder semântico que o autor
comunica, sem que haja qualquer modificação em seu raciocínio lógico.

Proposição 1 : “Uma proposição que é conditio sine qua non da atividade


argumentativa não é necessariamente uma proposição verdadeira.”
AUTOR:
“Tenho total ciência de que não se pode argumentar contra a validade da norma
sem entrar numa contradição performativa, porém, t​ al contradição demonstra
apenas uma incompatibilidade entre o que está sendo proposto e uma
preferência subjetiva, contingente, do sujeito argumentador. Nada disso
tem a ver com o valor verdade do que está sendo proposto​, o que
demonstrarei na formalização abaixo. Em suma, caso a ação do indivíduo
requira que ele aceite X como válido e, na ação, ele escolha julgar X como
​ ão como as contradições da lógica
inválido, então houve uma contradição – n
formal, na qual duas afirmações autoexcludentes são afirmadas válidas ou
inválidas simultaneamente, violando o princípio de não contradição
(⊢(p∨¬p)), mas sim uma contradição performativa, prática, em que o conteúdo
da ação é conflitante com uma preferência que o indivíduo precisou fazer para
agir de tal forma.”

SCHEFFEL:
Sempre que o conteúdo de uma proposição contradiz uma de suas
condições necessárias, isto é, uma de suas pressuposições do ato de propor
essa proposição, acontece uma ​contradição performativa [1]. Nesse parágrafo, é
reconhecido pelo autor que, de fato, quem propõe uma refutação para uma
proposição que é condição necessária para a própria refutação entra em uma
contradição performativa. No entanto, o argumento é o de que a contradição
performativa não tem nada a ver com o valor-verdade da proposição, e ela
apenas denota uma simples incompatibilidade entre a preferência subjetiva
(juízo de valor contingente) e o conteúdo da proposição. Ou seja, a contradição
performativa não é uma justificativa suficiente para que tomemos a proposição
como verdadeira.

Depois, existe uma confusão no conceito de contradição performativa,


quando o autor alega o seguinte: ​“...caso a ação do indivíduo requira que ele
aceite X como válido e, na ação, ele escolha julgar X como inválido…”. ​Ora, se a
aceitação de X é condição necessária para a ação A, então é impossível que o
indivíduo realize a ação A sem aceitar a condição X. O máximo que ele poderia
fazer é realizar a ação A propondo uma proposição P cujo conteúdo entraria em
contradição com a condição necessária X de propor P, o que já classificamos
como contradição performativa. A própria proposição oferecida pelo autor é uma
contradição e merece ser descartada.
Além disso, existe uma última indagação de que a contradição
performativa não é uma contradição da lógica formal, que viola o princípio da
não-contradição porque o indivíduo afirma A e não A ao mesmo tempo, mas
meramente uma contradição performativa, desvinculada da lógica formal.

Dito isso, irei extrair os argumentos na forma das seguintes proposições:

Proposição 2 : “A contradição performativa não diz nada à respeito do


valor verdade da proposição proposta.”
Proposição 3 : ​“A contradição performativa não é uma contradição como
as da lógica formal, e não envolve a violação do Princípio da Não-Contradição.”

AUTOR:
“Nas contradições da lógica proposicional, o resultado é sempre falso, o
que é facilmente verificável numa tabela verdade, por mais que não seja
necessário, ​uma vez que proposições contraditórias são falsas por
definição. Tem-se duas proposições, ambas as quais não podem ser
verdadeiras simultaneamente, nem falsas ao mesmo tempo. ​Se uma delas é
verdadeira, a outra precisa, necessariamente, ser falsa, pois, do contrário,
todo o alicerce da lógica formal estaria destruído. ​Isso é o mesmo que dizer
que há uma relação de disjunção exclusiva entre elas, pois ou uma é verdadeira,
ou a outra é verdadeira (se uma é verdadeira, a outra é “excluída” de poder
conter este valor verdade, por isso disjunção “exclusiva”). Kant fala sobre a
existência de juízos disjuntivos, na Analítica Transcendental, em seu livro Crítica
da Razão Pura. Segundo ele, o juízo disjuntivo encerra uma relação de duas ou
mais proposições, porquanto a esfera de uma exclui a da outra, isto é, se se
exclui conhecimento de uma, então necessariamente se adiciona à outra, e se
se adiciona conhecimento a uma, então se exclui da outra. Há, pois, num juízo
disjuntivo, certa comunidade de conhecimentos, que consiste em se excluírem
reciprocamente, constituindo no todo o conteúdo de um só conhecimento
dado.[7]

Se uma proposição ​p afirma que ​um pentágono possui apótema e outra


proposição ​q afirma que ​pentágonos não possuem apótema​, então é necessário
que o valor verdade de uma proposição seja diferente do da outra, pois ambas
são mutuamente excludentes, impossíveis de serem ou ambas verdadeiras ou
ambas falsas, já que se pentágonos não possuem apótema, então não há como
haver um pentágono que o possua, e se pentágonos possuem apótema, então
não pode existir um que não o possua. Portanto, afirmar ambas as proposições
(um pentágono possui e não possui um apótema) é o mesmo que afirmar a
conjunção das duas (p∧q), o que é incorrer numa contradição, uma vez que
uma é a negação da outra (p∧¬p), e uma proposição contraditória é falsa por
definição. Formalizando, ((p∧q)↔(p∧¬p)⊢⊥).”

SCHEFFEL :
O autor afirma que proposições contraditórias são falsas por definição, e,
se uma proposição é verdadeira, e a negação dessa proposição também é
verdadeira, então todo o alicerce da lógica formal estaria destruído. É evidente
que os princípios que regem e que dão vida à essas afirmações que tomamos
como evidentes e óbvias são os Princípios da Lógica, mais especificamente o
Princípio da Não-contradição.

A única coisa que deixarei clara aqui, por enquanto, é a de que o autor
não forneceu nenhuma prova ou justificativa em relação ao Princípio da
Não-contradição ao qual faz uso em todo o seu discurso, como se o seu caráter
de questionamento, a necessidade de existir uma justificativa que não é a
contradição performativa, fosse extremamente eficaz e destrutivo contra a Ética
Argumentativa, mas ele não é direcionado para a própria base que o autor utiliza
para fornecer argumentos. Não irei extrair proposições deste parágrafo pois não
sou contrário ao que foi dito.

AUTOR:
​ o entanto, em se tratando de uma contradição performativa, não
“N
temos mais duas proposições, como na lógica formal​. Temos, agora, uma
proposição e uma condição pressuposta, de maneira que quando uma entra em
conflito com outra, a contradição prática se dá. Assim, se eu pressuponho que
tenho direito de autopropriedade, bem como meu interlocutor, e afirmo, numa
argumentação, que não há problema em agredir pessoas, ocorre aí uma
contradição performativa, uma vez que o conteúdo da minha asserção (a
permissividade da agressão) contradiz um pressuposto que eu escolhi assumir
ao argumentar (a pressuposição da validade da norma de propriedade). ...“

SCHEFFEL :
Nesse parágrafo, é dito que, quando se trata da contradição performativa,
não temos mais as duas proposições, uma inversa à outra, como na contradição
da lógica formal, porque o indivíduo não mais afirma “A e não A”, mas sim “A e
B”. É também utilizadas palavras que podem levar o leitor ao entendimento
errado de que “eu escolho assumir um pressuposto” e, além disso, “eu escolho
argumentar”. Na realidade, levando em conta que o autor concorda que o
reconhecimento da autopropriedade é condição necessária da atividade
argumentativa, se há a escolha de argumentar, se há a escolha de engajar-se na
atividade de comunicação argumentativa, ​então há a necessária e inconteste
aceitação da pressuposição, afinal ela é condição necessária da atividade
argumentativa. Eu não poderia argumentar sem assumir e pressupor a condição
necessária.

Proposição 4 : “​ Não há duas proposições contraditórias sendo afirmadas


quando se trata da contradição performativa, mas sim duas proposições
quaisquer.”

AUTOR:
“Porém, se tentarmos formalizar esta contradição, ver-nos-emos presos
em um problema. ​Se r é o reconhecimento da norma de propriedade como
válida (o que pode ser “convertido” para a proposição “eu reconheço a
norma de autopropriedade como válida”) e s é a afirmação de que é
permitido agredir, então se ocorre uma contradição performativa, ou r ou s
está errado, enquanto o que restar está correto.”

SCHEFFEL:
Neste parágrafo, o autor tenta realizar uma formalização da contradição
performativa, definindo o pressuposto da atividade argumentativa como a
proposição r, e uma proposição qualquer, arbitrária, chamada s. Na forma da
seguinte proposição:

Proposição 5 : ​“Se r é a pressuposição, na forma da proposição “Eu reconheço


a norma de autopropriedade como válida.” e s é a afirmação, na forma da
proposição “É permitido agredir.” então se ocorre uma contradição performativa,
ou r ou s está errado, e o resto está correto.”

AUTOR:
“ r:= “Eu reconheço a norma de autopropriedade como válida”
s:= “É permitido agredir”
Dada a contradição performativa, tem-se que (r ⊻ ¬s) ↔ (¬r ⊻ s).
Se há uma disjunção exclusiva (operador XOR, para quem está familiarizado
com programação) entre ambas as proposições, então é necessário que uma
seja verdadeira enquanto a outra seja falsa. Não há como ambas serem
verdadeiras nem ambas serem falsas, pois o valor-verdade de ambas deve ser
diferente, dada a própria natureza do operador lógico. É a violação disto o que
caracteriza uma contradição. D ​ essa forma, caso tal contradição fosse
logicamente válida, chegaríamos à conclusão de que ou eu reconheço a
norma de autopropriedade como válida, ou é permitido agredir. ​Porém, se
isso fosse verdade, então seguiria, logicamente, que s ​ e eu não reconhecer a
norma de autopropriedade como válida (¬r), então é permitido agredir (s).​
Já ouvi alguns libertários dizerem que isto está correto (que não há obrigação
em seguir a ética a não ser que se demonstre preferência em segui-la [o que
seria um imperativo hipotético], e que isso seria amparado com o fato de que
não seria possível argumentar que tal agressão é válida, ou que uma punição
não seria justificável [vide princípio de estoppel]). Porém, como o Hoppe não
admite isso, não assumirei isso como fazendo parte de sua teoria. Quero apenas
que repare que o que está em jogo são as proposições ​“eu reconheço a norma
de autopropriedade como válida” e “é permitido agredir“, de maneira que a
única que tem relação com a validade da norma é a segunda, uma vez que
a primeira diz respeito a um estado de reconhecimento subjetivo do
indivíduo. É o valor verdade da segunda proposição que nos dirá se a
norma de propriedade é válida ou não. Se a segunda proposição for
verdadeira, então a norma de propriedade é inválida, pois é permitido infringi-la
(o que não deve acontecer em uma ética deontológica). ​Já a primeira
proposição, ela só nos pode oferecer informações acerca do que o
indivíduo reconhece como verdadeiro, o que é algo contingente, pois ele
poderia simplesmente não reconhecer a norma como válida, como quando
o faz numa agressão.”

SCHEFFEL :
Neste parágrafo, o autor utiliza a ética argumentativa e a contradição
performativa de forma confusa para formar um argumento de que o valor
verdade de uma proposição, “é permitido agredir” está intimamente relacionado
com o valor verdade de uma outra proposição “Eu reconheço a norma de
autopropriedade como válida.”, e vice-versa. Dessa forma, como reconhecer
uma proposição como válida depende de um juízo de valor, então, se o indivíduo
julgasse que ele não reconhece a norma de autopropriedade como válida, então
automaticamente seria permitido agredir. O argumento pode ser resumido na
seguinte proposição:
Proposição 6 : ​“Caso a contradição performativa fosse logicamente válida,
chegaríamos à conclusão de que ou eu reconheço a norma de autopropriedade
como válida, ou é permitido agredir. Então, se eu não reconhecer a norma de
autopropriedade como válida (¬r), então é permitido agredir (s).”

AUTOR:
“O que quero dizer é que na disjunção exclusiva entre o reconhecimento
da norma e a validade da norma em si, um dos termos é absolutamente
contingente (o reconhecimento da norma). Isso quer dizer que tal norma pode
ser reconhecida ou não, o que é analítico, pois a própria norma pressupõe poder
não ser seguida (do contrário, seria um juízo descritivo, não normativo). Porém,
quando um lado da disjunção é verdadeiro, o outro precisa ser falso, e
vice-versa. Assim, o valor verdade de “é permitido agredir” fica totalmente
dependente do valor verdade de “reconheço a norma de autopropriedade como
válida“, e vice-versa, o que é absurdo, uma vez que esta proposição é
contingente e totalmente subordinada aos juízos de valor do indivíduo. Afirmar a
validade de tal disjunção, isto é, a ​ firmar a validade epistêmica/lógica da
contradição performativa, é o mesmo que dizer que não é permitido agredir
caso você não queira agredir, e só é permitido agredir caso você queria
agredir, o que é uma aberração ética.”

SCHEFFEL:
É dito que o reconhecimento de uma norma como válida é contingente,
porque depende de um juízo de valor individual que é contingente, não
necessário. Portanto, se a contradição performativa for logicamente válida, o
valor verdade da proposição “eu reconheço a norma de propriedade” que pode
ser verdadeiro ou falso, dependendo do juízo do indivíduo, rege absolutamente o
valor verdade da proposição “é permitido agredir”, resultando no absurdo ético.
Isso pode ser resumido na proposição:

Proposição 7 : ​“Afirmar a validade epistêmica/lógica da contradição


performativa, é o mesmo que dizer que não é permitido agredir caso você não
queira agredir, e só é permitido agredir caso você queria agredir.”
AUTOR:
​Isso mostra a invalidade lógica da contradição performativa, que,
diferentemente da contradição comum da lógica formal, apenas demonstra
uma incompatibilidade entre uma preferência do indivíduo e o conteúdo de
uma proposição, cuja pressuposição é a dita preferência. Não se pode
afirmar que a proposição que um indivíduo que entra em contradição
performativa afirma é falsa apenas por conta da contradição performativa
em si. N​ ão há informação suficiente para se concluir isso, uma vez que a
contradição performativa nada tem a ver com o valor verdade da proposição
exposta, mas sim com a relação harmoniosa ou desarmoniosa entre a
proposição feita e algo pressuposto para que tal proposição pudesse ser feita.
Da mesma forma, o fato de o sujeito reconhecer uma norma como válida
não faz com que ela seja válida, ainda que tal reconhecimento seja
condição necessária para uma determinada atividade.”

Proposição 8 : “​ A proposição 7 justifica a invalidade lógica da contradição


performativa.”

Proposição 9 : “Não se pode afirmar que a proposição que um indivíduo que


entra em contradição performativa afirma é falsa apenas por conta da
contradição performativa em si.”

Respondendo os argumentos.

Proposição 1:​ “Uma proposição que é conditio sine qua non da atividade
argumentativa não é necessariamente uma proposição verdadeira.”

Proposição 2: “A contradição performativa não diz nada à respeito do valor


verdade da proposição proposta.”

Proposição 3: “​ A contradição performativa não é uma contradição como as da


lógica formal, e não envolve a violação do Princípio da Não-Contradição.”

Como sabemos pela ​Lei do Terceiro Excluído,​ ​toda e ​qualquer proposição


é atrelada à um valor-verdade, representando a veracidade da proposição, que
pode ser verdadeiro, ou falso. Uma dada proposição já é, em si mesma,
verdadeira ou falsa. Para melhor entendimento, podemos admitir que uma
norma nada mais é do que uma ​proposição normativa,​ e, como tal, ainda é uma
proposição. Uma proposição que é ​condição necessária (conditio sine qua non)
para uma atividade é uma proposição sem a qual - se ela fosse falsa - a
atividade simplesmente não aconteceria. Por exemplo, a proposição “Eu existo.”,
é uma condição necessária para a atividade de estabelecer qualquer proposição.
É ​necessário que a proposição “Eu existo.” seja verdadeira para que surja a
atividade de estabelecer qualquer proposição. Claro que uma discussão possível
é saber se uma dada proposição é de fato condição necessária para uma
atividade, mas essa já é outra discussão.

Sim, a contradição performativa não é uma contradição como as da lógica


formal. Ela é de uma categoria de justificação diferenciada, mais profunda,
porque ela permite que exista uma ​justificação final sobre uma dada proposição.
Os alicerces que o autor usou para formular a sua crítica e que utiliza como
arma para atacar a contradição performativa são os princípios da lógica formal.
E por que ele não utiliza o próprio argumento contra a sua própria sustentação?
Ora, escolhendo apenas um dos princípios, o mais precípuo deles, que é o da
não-contradição​, podemos estabelecer exatamente a mesma crítica. Como
ocorre a justificação do princípio da não-contradição? Qual é o argumento que
prova que tal princípio seja verdadeiro? Pode parecer absurdo exigir uma
justificação desse princípio em primeira instância. Ele é evidente demais. E de
fato é absurdo se entendermos ​justificação c​ omo ​provas ​no sentido da
matemática ou puramente da lógica formal como sugere o autor, ou melhor,
tomando as palavras de Karl Otto Apel:

“deduction of propositions from propositions in an xiomatizable


syntactical-semantic system or induction of general propositions from particular
propositions or, more generally, of propositional predicates from sense data” [2]

É claro que se exigirmos que seja assim definido, e que o campo da


justificação se torne limitado pela exigência de que a justificativa final signifique e
abarque apenas o sentido de derivar algo de outra coisa, não iremos conseguir
justificar absolutamente nada, porque não temos escapatória possível que não
seja cair em um intransponível trilema [3]:

1) Cairemos em uma regressão infinita da justificação, na medida em que


cada princípio da justificação deve ser ele próprio novamente justificado,
ou
2) Cairemos em um em um círculo lógico (petitio principii), em que o
princípio a ser justificado já está pressuposto em sua justificativa, ou
3) Cairemos em uma dogmatização de um princípio (chamado também de
axioma), que o proponente não está preparado para justificar além do
próprio axioma

É curioso perceber que o autor da crítica fica retido na terceira


possibilidade, na parte de seu texto que afirma “... ​uma vez que proposições
contraditórias são falsas por definição”. A ​ própria base para formular que
existem contradições entre proposições, que é o princípio da não-contradição,
depende de uma justificativa que não pode ser fornecida através da forma de
justificação final que o autor utiliza, e permanece retida na necessidade analítica
de cair no trilema. Essa é a derrota final do seu argumento. Além disso,
podemos perceber que a própria exigência dessa forma de justificação é
falaciosa, porque em um sentido mais profundo, ela é precisamente dogmática
(e cai em um petitio principii): estabelecer no sentido sugerido o conceito de
justificativa filosófica desde o início de que cada justificação deve resultar de
derivação de alguma outra coisa.

Dessa forma, podemos perceber que não faz sentido manter-nos


limitados por essa forma exígua de justificação. Existem certas proposições tão
fundamentais e basilares, como o princípio da não-contradição, que só podem
ser justificadas, e dessa forma, provadas como verdadeiras, através de uma
justificação mais sofisticada, chamada de ​contradição performativa [​ 3]. A
inevitabilidade de se cair em uma lógica circular para tais proposições não segue
da sintaxe ou da semântica, mas sim da pragmática-transcendental, porque ela
é reflexivamente observável para o sujeito da argumentação. As condições ​sine
qua non da atividade argumentativa são verificadas através da ​auto-reflexão
transcendental acerca da argumentação e não podem ser negadas sem que
haja a supracitada inconsistência (contradição performativa).

O argumento da contradição performativa foi usado pela primeira vez por


Aristóteles no livro da Metafísica. Aristóteles usa esse argumento para justificar a
necessidade do princípio da não-contradição.

“Há alguns, todavida, como indicamos, que afirmam que é possível a


mesma coisa ser e não ser, dizendo adicionalmente que é possível sustentar
esta opinião. Muitos, mesmo entre os filósofos da natureza, adotam essa teoria.
Mas já postulamos a impossibilidade de simultaneamente ser e não ser, e por
este meio demonstraremos ser esse o mais certo de todos os princípios. Alguns,
realmente, exigem que mesmo isso seja demonstrado, o que acontece por
faltar-lhes educação [em lógica], pois indica falta de educação [em lógica]
ignorar do que devemos exigir demonstração e do que não devemos. É
absolutamente impossível haver demonstração para tudo, visto que o processo
iria ao infinito, de sorte que mesmo assim não haveria nenhuma demonstração.
Se, por outro lado, há algumas coisas cuja demonstração não precisa ser feita,
eles são incapazes de declarar qual princípio consideram o mais indemonstrável
do que aquele em pauta. Mesmo no caso dessa posição, entretanto, estamos
capacitados a demonstrar a impossibilidade mediante refutação. Se ele não se
pronunciar, seria um despropósito buscar um argumento contra alguém que não
tem argumentos próprios acerca de nada, na medida em que se recusa a
raciocinar, e essa pessoa, como tal, realmente não é melhor do que um vegetal.
E distingo a demonstração por refutação da demonstração simples, porque
nesta poder-se-ia pensar que alguém assume exatamente o que está em
questão, ao passo que, se a discussão for provocada por uma outra pessoa,
teremos a demonstração por refutação e não a demonstração pura e simples. O
ponto de partida para todas essas discussões não é a exigência de que nosso
oponente venha a dizer que alguma coisa é ou não é (uma vez que poderia
supor ser isto estar assumindo o que está em questão), mas que devesse dizer
alguma coisa significativa tanto para si mesmo quanto para outrem (o que é
essencial desde que se espere que algum argumento se suceda, caso contrário
é impossível que tal pessoa raciocine consigo mesma ou com outra pessoa);
concedido isso, a demonstração será possível, uma vez que haverá alguma
coisa já definida. Entretanto, a pessoa responsável pela demonstração não é
quem demonstra, mas quem reconhece, pois embora desconheça a razão,
admite-a. Ademais, a pessoa que reconhece desse modo terá reconhecido a
verdade de algo à parte da demonstração de {de sorte que nem tudo será “assim
e não assim”}.”​ [Aristóteles, Metafísica, 1006a11–1006a28]

Para resumir, Aristóteles argumenta que é autocontraditório negar o


princípio da não-contradição, e o é porque qualquer afirmação que queremos
comunicar pressupõe o princípio da não contradição, e a sua negação constitui
uma contradição performativa. O argumento aristotélico é compartilhado pela
maioria dos autores escolásticos. [4]

Como sabemos, a argumentação é o método único de justificação de


proposições [5], é o meio ao qual recorremos para alegar que a nossa
proposição é válida intersubjetivamente, através de razões que somos capazes
de fornecer. Uma vez que uma dada proposição é verificada como ​conditio sine
qua non da atividade argumentativa, podemos concluir que a proposição é
necessariamente verdadeira​, porque em todas as instâncias possíveis de
argumentação que se ponha a dada proposição em cheque, ou que se tente
verificá-la, ou que se questione a sua verdade, o proponente estará
implicitamente assumindo a proposição como verdadeira, e aceitando que a
contradição performativa é suficiente para justificá-la como tal, e estará
assumindo que existe uma inconsistência em todos os seus atos
contra-argumentativos, porque ele irá inevitavelmente cair em uma contradição
performativa. Se ele simplesmente questionar o argumento alegando que há
contradições, em última instância ele buscará a contradição performativa para
ter a sua base justificada, da mesma forma que buscará no princípio da
não-contradição a base para afirmar que algo é contraditório. E se ele não alegar
nada, então não merece resposta. Esse é o fardo que qualquer indivíduo que
adentre o campo da argumentação terá de carregar.

Proposição 4: ​“Não há duas proposições contraditórias sendo afirmadas


quando se trata da contradição performativa, mas sim duas proposições
quaisquer.”

Proposição 5: ​“Se r é a pressuposição, na forma da proposição “Eu reconheço


a norma de autopropriedade como válida.” e s é a afirmação, na forma da
proposição “É permitido agredir.” então se ocorre uma contradição performativa,
ou r ou s está errado, e o resto está correto.”

Proposição 6: ​“Caso a contradição performativa fosse logicamente válida,


chegaríamos à conclusão de que ou eu reconheço a norma de autopropriedade
como válida, ou é permitido agredir. Então, se eu não reconhecer a norma de
autopropriedade como válida (¬r), então é permitido agredir (s).”

Proposição 7: ​“Afirmar a validade epistêmica/lógica da contradição


performativa, é o mesmo que dizer que não é permitido agredir caso você não
queira agredir, e só é permitido agredir caso você queria agredir.”

Proposição 8: ​“A proposição 7 justifica a invalidade lógica da contradição


performativa.”

Proposição 9: “Não se pode afirmar que a proposição que um indivíduo que


entra em contradição performativa afirma é falsa apenas por conta da
contradição performativa em si.”
Sim, há duas proposições contraditórias, o que refuta a ​Proposição 4​.
Como exemplo, podemos pensar em uma pessoa que tenta defender que não
existe, alegando “Eu não existo". É claro que ocorre uma contradição
performativa porque a proposição “Eu existo” precisa ser verdadeira para que o
ato de alegar “Eu não existo” ocorra. Nessa contradição, existem duas
proposições bem definidas sendo afirmadas contraditoriamente. A primeira
proposição é a condição necessária da atividade “Eu existo”, que está sendo
afirmada como verdadeira implicitamente. A segunda proposição é a proposição
que se externaliza explicitamente “Eu não existo”. Dessa forma, existe uma
inconsistência, uma contradição, entre a proposição que se alega implicitamente
na ação de alegar e o conteúdo da proposição que se alegou explicitamente.

Farei apenas uma atualização da ​Proposição 5. ​A pressuposição, isto é,


a proposição que se alega implicitamente é, na verdade, “Eu devo seguir a
norma de autopropriedade”. O que chamamos de reconhecimento é apenas o
fato de que quando se argumenta, como essa proposição é uma ​conditio sine
qua non da atividade, então se alega que essa proposição seja verdadeira, se
reconhece que ela seja válida. Então, ​R = “Eu tenho o dever de seguir a norma
de autopropriedade” e, a segunda proposição, apenas por clareza, vamos dizer
que “É permitido agredir” se traduz, com a mesma semântica, na proposição “É
permitido violar a norma de autopropriedade”, ou, em outras palavras, ​S = “Eu
não tenho o dever de seguir a norma de autopropriedade”. A ​ gora sim, com os
termos extremamente bem clarificados, podemos dizer que ocorre a contradição
performativa, e um dos dois termos é, de fato, falso.

Ora, como em todas as instâncias possíveis de argumentação, em todas


as instâncias possíveis de justificação dessa proposição, é ​necessário que a
proposição R seja verdadeira,​ então em todas elas a proposição S é falsa,
porque ​R = ¬S, ​isto é, são mutuamente excludentes.​ Eu poderia afirmar que a
proposicao S seja verdadeira, incorrendo na intransponível contradição
performativa, cujo poder já demonstramos acima. Isso refuta a ​Proposição 6.
Com essa clarificação acerca das proposições envolvidas na contradição
performativa, podemos facilmente perceber que a validade da norma de
autopropriedade, como ​conditio sine qua non ​da argumentação, não depende da
vontade do sujeito, mas que ela é verdadeira e pode ser verificada como tal
através da reflexão pragmática-transcendental acerca da argumentação, e que
não pode ser tomada como falsa sem que o sujeito caia em contradição [6].
Nada impede que o sujeito negue a condição, mas nada impede também que
alguém negue que exista, mas isso não altera que ela de fato existe, assim
como não altera o fato de que a condição seja verdadeira. As outras proposições
utilizam a ​Proposição 6 como base, e, como são vinculadas a essa proposição
que foi refutada, não merecem minha resposta.

“And that is that. The ethics of argumentation stands unimpaired.”​ - HHH

[1] K.O. Apel, Discourse Ethics

[2] K.O. Apel, Discourse Ethics

[3] K.O. Apel, Discourse Ethics

[4] M. Eabrasu, A reply to the current critiques formulated agains Hoppe's


Argumentation Ethics

[5] J. Habermas, Verdade e Justificação

[6] H.H. Hoppe, On The Ethics of Argumentation

Você também pode gostar