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SAL & CALDEIRA

Newsletter
Suplemento à Newsletter N.º 19 Maio/Junho 2008
Tiragem 500 exemplares | Distribuição Gratuita

Alteração ao Pagamento Especial por Conta Trilha ou não a Senda da Ilegalidade

A
recente alteração ao pagamento concorrência da colecta do IRPC, não haven- único do IVA enquanto imposto sobre o valor
especial por conta, vulgo PEC, intro- do lugar a qualquer reembolso. Relativamen- acrescentado.
duzida pela lei 34/2007 de 31 te a parte que não foi deduzido nos termos do Em segundo lugar parece igualmente inques-
Dezembro no seu art.71º, tendo em conta o número anterior, até ao término do prazo ai tionável que a norma do art.71º do CIRPC
princípio de tributação do rendimento real previsto (art.66º da lei 34/2007). não constitui uma norma de incidência objec-
preconizado na lei geral tributária lei 2/2006 Os pagamentos especiais por conta apresen- tiva do IRPC, acrescentar o art.47º do
no seu art.89º, estará o estado a financiar o tam, no essencial, uma diferença de regime CIRPC, mas de uma norma exclusivamente
sistema fiscal com base na degradação dos em relação aos pagamentos por conta, pre- dirigida á regulamentação da matéria do
direitos dos contribuintes? Haverá conflito vistos no art.70 CIRPC lei 34/2007.É que pagamento do imposto, isto também compro-
entre o articulado na LGT 2/2006 e o enquanto os pagamentos por conta dão sem- vado pela inserção sistemática precisamente
art.71ºCIRPC (Lei 34/2007). O tema já aqui pre lugar a reembolso, quer quando o valor epigrafado pagamento.
abordado com particular ênfase na newsletter de imposto apurado, líquidas das deduções Estando em causa uma norma sobre o paga-
3 e 4 da AMOJOC, o que faremos neste arti- previstas nos artigos 64º, 65º e 68º do mento e não uma norma sobre incidência,
go é procurar a génese dos pagamentos CIRPC, das deduções relativas ao pagamen- não restam dúvidas, do ponto de vista con-
especiais por conta e a sua legalidade. to especial por conta não pode resultar um ceptual, os pagamentos especiais por conta
Para além do antecipado pagamento por valor negativo. Daqui decorre, quanto aos são, em confirmação da sua utilização verda-
conta em três prestações a decorrer nos pagamentos especiais por conta, que as deiros pagamentos por conta, ou seja um
meses de Maio, Julho e Agosto o legislador deduções relativas á diferença entre o seu mecanismo de anestesia fiscal utilizado pelo
fiscal estabeleceu ainda para os sujeitos montante e o montante do imposto apurado legislador para reduzir a dilação temporal
passivos que exerçam a título principal activi- poderão ser repercutidas nos três exercícios entre o momento da verificação do facto que
dade de natureza comercial industrial ou seguintes àquele a que o imposto respeita. A indicia a existência de capacidade contributi-
agrícola e não estejam abrangidos pelo regi- lei não prevê qualquer possibilidade de o va (a percepção do rendimento) e o momento
me simplificado de determinação do lucro sujeito passivo reaver o montante em exces- em que é devido o pagamento da divida fis-
tributável, a obrigação de proceder a um so dos pagamentos por conta, independe- cal, com prazos e regras de vencimento
pagamento especial por conta durante os mente de qual o seu rendimento real. Perante especificas, surgidas em momento anterior
meses de Junho, Agosto e Outubro (art.92º o regime jurídico que acima se analisou ao da formação definitiva da divida fiscal.
CIRPC decreto 21/02 revogado pela lei sumariamente, cabe perguntar qual será a A diferença entre os pagamentos especiais
34/2007 de 31 de Dezembro). natureza jurídica dos pagamentos especiais por conta e os pagamentos por conta não é
O montante deste pagamento especial por por conta. Trata-se de questão cuja resposta assim de natureza mas apenas de regime, os
conta é igual á diferença entre o valor corres- é essencial para que possa perceber qual o pagamentos especiais por conta são autênti-
pondente a 0.5% do respectivo volume de significado e o alcance das normas que os cos e verdadeiros pagamentos por conta,
negócios, com limite de 30.000,00mt e máxi- consagram e, em particular, para responder com um regime específico de dedução á
mo de 100.000,00mt, e o montante do paga- aos problemas jurídicos relevantes que a este colecta, que acima se descreveu sumaria-
mento por conta efectuados no ano anterior propósito se suscitam. mente ou seja os pagamentos especiais por
(art.71 CIRPC lei 34/2007). A primeira observação a fazer a este propósi- conta tem por base não apenas uma estimati-
A dedução relativa do pagamento especial to é a de que os pagamentos especiais por va de rendimento, mas um rendimento legal
por conta é efectuada ao montante apurado conta se situam, inquestionavelmente, na (ficção ou presunção de rendimento) que
na declaração periódica de rendimentos, do esfera dos impostos sobre o rendimento e poderá desembocar, caso não haja o reem-
próprio exercício, ou seguintes até ao máxi- não na esfera de outros âmbitos tributários, bolso, numa verdadeira colecta mínima.
mo de 3 exercícios fiscais, depois de efectua- como o imposto sobre o valor acrescentado. A não ilegalidade genérica dos pagamen-
das as deduções relativas, a dupla tributação Esta conclusão já decorreria, quanto mais tos especiais por conta e a necessidade
económica de lucros distribuídos, a dupla não fosse, da inserção sistemática da sua de interpretação conforme a Constituição
tributação internacional e a relativa a benefí- previsão, mas sempre seria corroborada por Perante a tese sustentada quanto a natureza
cios fiscais, que devem ser efectuadas até a uma interpretação que determinam o carácter (Continued on page 2)
(Continued from page 1) prias intenções, contribuir para a erosão de este propósito, já se disse mesmo que os
fundamentos tão básicos do Estado de Direi- pagamentos por conta do imposto constituem
jurídica dos pagamentos especiais por conta, to como os princípios da justa repartição dos deduções por natureza, uma vez que se trata
caberá que fundamentalmente nos preocupa, encargos tributários. O recurso a fixação de de montantes de imposto antecipadamente
será a exigência e a alteração de tais paga- rendimentos legais ou ao estabelecimento de pagos é evidente que sob pena de dupla
mentos ilegal? colectas mínimas pode mesmo justificar-se tributação tem que ser subtraídos á colecta
Em primeiro lugar, não é em si mesma ilegal especialmente em situações, como a presen- (abrimos um parênteses em relação ao IRPS
a imposição de tais pagamentos por conta te, simultaneamente de incumprimento gene- a característica das deduções por natureza
enquanto antecipações do imposto devido. ralizado dos deveres fiscais e de gravíssimas explica porque é que estas são as únicas que
Deve ter-se em conta que, embora o facto dificuldades orçamentais por parte do Estado conferem o direito ao reembolso da diferença
tributário sobre o qua1 incide o IRPC seja de (o que podemos considerar como uma fuga quando sejam superiores ao imposto devido,
formação sucessiva, uma vez que se está estrutural quanto ao cumprimento das obriga- tratar-se-á nesses casos de imposto indevi-
perante um imposto anual, aquele facto, o ções tributárias). damente cobrado, pelo que tem ser devolvi-
lucro anual, resultará da soma de uma suces- Simplesmente, a existência de pagamentos do).
são de rendimentos parcelares (uma factispé- por conta, rendimentos legais e colectas míni- O princípio de lucro real postula ainda que o
cie de formação sucessiva). Tratando-se o mas tem que se compatibilizar com o princí- reembolso não possa ser excessivamente
IRPC de um imposto sobre o rendimento, pio, legalmente estabelecido consagrado diferido no tempo em relação ao momento do
nenhuma objecção de ordem teórica existe a a propósito do imposto sobre os rendimentos pagamento de imposto, se ocorrer o contrá-
que momento do pagamento do imposto seja das empresas, da tributação do lucro real rio, poderá mesmo estar em causa a caracte-
aproximado do momento da percepção do (art.89º da LGT 2/2006) enquanto expressão rística do montante pago por conta como
rendimento, ainda que não se tenha formado do princípio mais vasto da Capacidade contri- antecipação do cumprimento da obrigação
integralmente o facto tributário. Se assim não butiva, ou seja a imposição de que todos fiscal, tratar-se-á então de um empréstimo
fosse, teria, por coerência, que se questionar contribuam para os encargos gerais da colec- forçado.
todo o sistema de pagamentos por conta, tividade na medida da sua capacidade não O princípio do lucro real postula, finalmente,
especiais ou não, existentes nos impostos acarreta o sacrifício da ideia de que ninguém que não pode haver lugar a qualquer colecta
sobre o rendimento (IRPC e IRPS), incluindo pode ser obrigado a contribuir para além da mínima se o sujeito passivo provar a ausên-
as retenções na fonte (uma vez que quando sua Capacidade, existindo mesmo um direito cia de rendimento (afastámos a legitimidade
não tenham a natureza liberatória também fundamental, análogo aos direitos, liberdades legal da hipótese da introdução, no sistema
são pagamentos por conta) o que até hoje e garantias, constitucionalmente salvaguarda- fiscal moçambicano dum minimum tax).
ninguém se lembrou de sugerir (Art.114º da do a que tal não ocorra. Direito esse cuja Nestas três situações e porventura noutras, o
LGT2/2006). consagração reside mesmo na intenção de pagamento especial por conta em IRPC vem
Em segundo lugar, também não são em si prescrever, em princípio, a tributação segun- evidenciar uma clivagem entre o rendimento
mesmas ilegais a fixação de rendimentos do indícios de rendimento. real e o esforço contributivo exigido ao sujeito
legais ou a existência de colectas mínimas. O A Obrigação de tributação pelo rendimen- passivo. O pagamento especial por conta
art. 38º, da Constituição exige que a restrição to real artigo 89 e os pagamentos por con- vem mesmo penalizar fiscalmente uma estra-
de direitos, liberdades e garantias, neste ta artigo 114 LGT 2/2006 tégia perfeitamente legitima de gestão de
caso, como veremos, o direito a ser tributado A avaliação directa tem por fim a determina- uma empresa no sentido de melhorar a sua
segundo o lucro real (Lei 2/2006), vise a sal- ção do rendimento real ou do valor dos bens, competitividade.
vaguarda de um outro interesse constitucio- segundo os critérios estabelecidos na lei, P.S: Com a adopção paulatina das IAS/IFRS
nalmente protegido. Embora a lei não o diga fundamentalmente orientados para a conside- no normativo contabilístico moçambicano,
expressamente, a presunção de rendimento e ração e averiguação de cada caso individual- face ao calendário já divulgado será que esta
a colecta mínima presentes no pagamento mente.(art.89LGT 2/2006) em vista um novo CIRPC, com uma alteração
especial por conta visam o combate a evasão Assim sendo, o princípio do lucro real postula profunda no seu coração? Os custos de exer-
fiscal cujo fundamento constitucional não é que a antecipação do pagamento do imposto cícios anteriores serão aceites como custos
difícil de encontrar no princípio do Estado de não possa ser desrazoável, ou seja não é fiscais? Serão as IAS/IFRS fonte do direito do
Direito democrático (art.3º Constituição da admissível que, por antecipação do paga- Balanço fiscal?
República), no princípio da igualdade (art.35º mento ser para um momento em que, não só
da Constituição da República) e nos objecti- ocorreu o facto tributário (rendimento anual), Referências:
Constituição da Republica
vos do sistema fiscal, que visa a satisfação como nem sequer ocorreu ainda a percepção Lei Geral Tributária lei 2/2006
das necessidades financeiras do Estado e parcelar do rendimento do sujeito a imposto, CIRPC decreto 21/2002
outras entidades publicas e uma repartição a sua efectivação seja de molde a prejudicar CIRPC Lei 34/2007
Wate, Teodoro Andrade, Introdução ao direito
justa dos rendimentos e da riqueza (art.127 gravemente a saúde económica da empresa, fiscal, W & W editora, Maputo
da Constituição da República). obviamente que este argumento só se aplica Ibraimo, Ibraimo, O Direito e a Fiscalidade,
Deve ter-se em conta que estes mecanismos às empresas que sejam fiscalmente viáveis Maputo
Mota, A. M. Cardoso — Teoria e Técnica de
podem, inclusivamente, constituir os únicos ou seja, aquelas cuja sustentabilidade econó- Impostos,21ª edição, rei dos livros 1997
meios adequados, não como é natural para mica seja possível num quadro de cumpri- Ferreira, Rogério Fernandes, A Tributação do
acabar com a evasão fiscal, mas para garan- mento das suas obrigações fiscais. As lucro real,2ª edição Lisboa 1972
Ferreira, Leonor Fernandes -A Influência da
tir que determinados sujeitos passivos em empresas cuja viabilidade económica depen- Fiscalidade na formação e na aplicação da
situações de evasão fiscal serão obrigados, de da evasão fiscal pura e simplesmente poupança das empresas, in CTF nº 382
pelo menos, a desenvolver algum esforço devem deixar de existir. Sanches, José Luís Saldanha, estudos do
direito contabilísticos e fiscal, coimbra,2000
contributivo para os encargos gerais da O princípio de lucro real postula também que
comunidade politica. O discurso garantístico os pagamentos por conta não possam exce- Artigo Gentilmente Cedido Pela AMOJOC
fundamentalista jurídico-fiscal corre o risco der o imposto devido e logo, o reembolso Por: Clotilde Mateus Cumbana e Ana Filipe
Figueira Cordeiro
de, em total contradição com as suas pró- integral dos montantes em que o exceder. A Consultoras Fiscais

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