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Advertência

As hipóteses de resposta que são apresentadas seguidamente servem de apoio às aulas práticas de
Direito Fiscal, tendo por base a bibliografia de referência, pelo que traduzem as opiniões
expressas nessa bibliografia e, como tal, não têm pretensão de originalidade científica. São
disponibilizadas às/aos estudantes com fins exclusivamente pedagógicos e não dispensam a
frequência das aulas nem a consulta da bibliografia.
Aulas práticas de Direito Fiscal – 2021/22

IRC:

1. Defina, resumidamente, com apelo à legislação relevante os seguintes conceitos:

a) Matéria coletável e lucro tributável;

Critérios de correção:
§ Temática do IRC;
§ Conceito de matéria coletável;
§ Conceito de lucro tributável;
§ Artigo 15.º CIRC.

Resolução:
A matéria tributável e o lucro tributável enquadram-se na temática do IRC, visto que este
é um imposto incidente sobre o lucro das pessoas coletivas, nos termos do artigo 3.º CIRC.
O lucro é a diferença entre rendimentos e despesas do sujeito passivo do imposto. A
matéria coletável é determinada pela dedução ao lucro tributável dos prejuízos e benefícios fiscais
aplicáveis, em conformidade com o artigo 15.º CIRC. A este propósito, o artigo 20.º CIRC
considera rendimentos os derivados de operações de qualquer natureza em consequência de uma
ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória.

b) Gastos e prejuízos fiscais;

Critérios de correção:
§ Temática do IRC;
§ Conceito de gastos e requisitos para a relevância fiscal (artigo 23.º CIRC);
§ Conceito de prejuízos fiscais e sua dedutibilidade (artigo 52.º CIRC).

Resolução:
Os gastos e os prejuízos fiscais assumem especial relevo no contexto do IRC, visto que,
incidindo este sobre o lucro das pessoas coletivas (vide alínea anterior), importa ter em conta as
variações negativas a que fica sujeito o património das pessoas coletivas e o esforço que estas
tiveram de empreender para obterem lucros.
Os gastos devem ser comprovados documentalmente, nos termos previstos no artigo 23.º,
n.º 3 CIRC, tratando-se, portanto, de uma prova escrita, sendo este o requisito formal.

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Paralelamente, os gastos têm que ser indispensáveis para a prossecução da atividade, sendo este
o requisito material, consagrado no artigo 23.º, n.º 1 CIRC. Os requisitos são cumulativos.
O CIRC permite o reporte para futuro de prejuízos fiscais por um período temporal
limitado. Nos termos do artigo 52.º CIRC, os prejuízos fiscais podem ser deduzidos aos lucros
tributáveis até 5 períodos de tributação posteriores. Os prejuízos fiscais são resultados negativos
que decorrem da diferença entre rendimentos e despesas. Os limites impostos legalmente visam
evitar a erosão da base tributável.

c) Exercício económico e princípio da especialização dos exercícios.

Critérios de correção:
§ Conceito de exercício económico (artigo 8.º CIRC);
§ Conceito de princípio da especialização dos exercícios (artigo 18.º CIRC).

Resolução:
O exercício económico corresponde ao ano civil, o que quer dizer que se tem em atenção
os rendimentos das pessoas coletivas sujeitas a IRC durante o exercício económico, ou seja,
durante o ano civil, de acordo com o artigo 8.º CIRC.
O princípio da especialização dos exercícios é um princípio contabilístico, previsto no
artigo 18.º CIRC, segundo o qual os rendimentos e os gastos se imputam ao período de tributação
em que são obtidos ou suportados. Assim sendo, comparte-se a vida das pessoas coletivas em
períodos de tempo distintos, coincidentes com o exercício económico.

2. Quais os requisitos exigidos pelo CIRC para a dedutibilidade de gastos?

Critérios de correção:
§ Problema da matéria coletável;
§ Distinção entre lucro tributável e matéria coletável;
§ Requisitos formal e material (artigo 23.º CIRC).

Resolução:
A questão em apreço insere-se na temática da matéria coletável, visto que é aí que os
gastos assumem especial importância. Para a distinção entre lucro tributável e matéria coletável,
vide questões anteriores.
Os gastos devem ser comprovados documentalmente, nos termos previstos no artigo 23.º,
n.º 3 CIRC, tratando-se, portanto, de uma prova escrita, sendo este o requisito formal.
Paralelamente, os gastos têm que ser indispensáveis para a prossecução da atividade, sendo este

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o requisito material, consagrado no artigo 23.º, n.º 1 CIRC. Os requisitos são cumulativos. Para
limitar a dedutibilidade de gastos, o artigo 23.º-A CIRC elenca gastos que não podem ser
fiscalmente dedutíveis (ex.: despesas não documentadas, despesas ilícitas, multas e coimas).

3. Defina, fazendo apelo às disposições relevantes do CIRC, os seguintes conceitos:

a) Depreciações e amortizações;

Critérios de correção:
§ Conceito de depreciação (artigo 29.º CIRC);
§ Conceito de amortização (artigo 29.º CIRC);
§ Relevância no âmbito das deduções, em sede de IRC (artigo 23.º, n.º 2, alínea g) CIRC).

Resolução:
O artigo 23.º, n.º 1, alínea g) CIRC concede uma dedução para depreciação de bens do
ativo fixo do contribuinte. Estes bens podem ser bens tangíveis (ex.: edifício, máquina) ou
intangíveis (ex.: elementos de propriedade industrial). Os terrenos não são depreciáveis porque
não estão sujeitos a nenhuma depreciação; também não se admite nenhuma dedução relativamente
a obras de arte.
As depreciações não são menos valias realizadas porque não há uma alienação, ligando-
se à perda de valor de bens móveis ou imóveis corpóreos fixos. As amortizações são
desvalorizações de bens intangíveis/incorpóreos. Importa ter em conta o artigo 29.º CIRC.

b) Princípio da independência;

Critérios de correção:
§ Matéria dos preços de transferência;
§ Conceito de princípio da independência (artigo 63.º, n.º 1 CIRC).

Resolução:
O princípio da independência insere-se na problemática do regime dos preços de
transferência, ou seja, no âmbito das medidas anti-abuso. As medidas anti-abuso enquadram-se
num movimento de combate à fraude e ao planeamento fiscal abusivo. Veja-se, a este propósito,
a diretiva 2018/822, em que, nos considerandos, se destaca que “Os Estados-Membros enfrentam
cada vez mais dificuldades para proteger as suas matérias coletáveis nacionais da erosão à medida
que as estruturas de planeamento fiscal se tornaram particularmente sofisticadas, aproveitando
muitas vezes a maior mobilidade tanto dos capitais como das pessoas no mercado interno”.

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O princípio da independência impõe que as empresas que se encontrem numa relação
especial (ex.: grupos de sociedades), nas suas transações, devem adotar termos e condições
substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre
entidades independentes em operações comparáveis, nos termos do artigo 63.º, n.º 1 CIRC.
Procura-se, portanto, assegurar a prática de preços de mercado, contribuindo para uma sã
concorrência.

c) Acordos prévios sobre preços de transferência.

Critérios de correção:
§ Matéria do regime dos preços de transferência;
§ Noção dos acordos (138.º CIRC).

Resolução:
Sobre o regime dos preços de transferência, vide a questão anterior.
Estes são acordos entre um contribuinte e a AT que visam estabelecer, com carácter
prévio, o método ou métodos suscetíveis de assegurar a determinação dos termos e condições que
seriam normalmente acordados entre entidades independentes nas operações comerciais e
financeiras efetuadas entre entidades relacionadas. Estão previstos no artigo 138.º CIRC.

4. Explique desenvolvidamente o modo de tributação dos lucros distribuídos no sistema


fiscal português.

Critérios de correção:
§ Noção de lucro distribuído;
§ Problema da dupla tributação (em sede de IRC, os lucros e, em sede de IRS, na categoria
E – artigo 5.º, n.º 2, alínea h) CIRS);
§ Vários sistemas em confronto;
§ Explicação sucinta de cada um dos sistemas.

Resolução:
Os dividendos são os lucros que as sociedades comerciais, após o pagamento de IRC,
decidem distribuir aos sócios. Integram a categoria E do IRS, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea
h) CIRS. Os lucros distribuídos estão sujeitos a dois níveis de tributação: ao nível da sociedade e,
posteriormente, ao nível do sócio, visto que os dividendos são transferidos aos sócios pela
sociedade.

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Para evitar o problema da dupla tributação, existem vários sistemas fiscais: (Nota: vai
seguir-se a resolução da questão 6 sobre IRS por serem questões semelhantes)
O sistema fiscal visa tratar do problema relacionado com o facto de os lucros distribuídos
estarem sujeitos a dois níveis de tributação: ao nível da sociedade e, posteriormente, ao nível do
sócio, visto que os dividendos são transferidos aos sócios pela sociedade.
Em sede de IRS, de uma forma complexa e contrária ao princípio da simplicidade, o
legislador consagrou várias soluções. Assim, por força do disposto nos artigos 40.º-A e 39.º-A
CIRS, os lucros devidos por pessoas coletivas sujeitas e não isentas de IRC são, no caso da opção
pelo englobamento, considerados em apenas 50% do seu valor, pelo que se consagra aqui um
sistema de isenção parcial. Por outro lado, está também consagrado um sistema de imputação, na
medida em que o artigo 71.º, n.º 1, alínea a) CIRS sujeita estes rendimentos a uma taxa liberatória
de 28%. O mesmo sistema está consagrado no artigo 78.º, n.º 1, alínea j) CIRS que prevê uma
dedução à coleta relativa à dupla tributação internacional.
No sistema de isenção, os lucros distribuídos são tributados ao nível da sociedade e
isentos nas mãos dos sócios. Há uma isenção material, diferente da isenção pessoal, visto que
incide apenas sobre o rendimento.
O sistema de imputação pode ser parcial ou total. Num sistema de imputação total, o IRC
pago é totalmente creditado ou reembolsado ao sócio individual, mitigando-se a dupla tributação
dos dividendos. Diversamente, num sistema de imputação parcial, os sócios que recebem
dividendos beneficiam de um crédito parcial que reflete apenas uma parte do imposto subjacente
aos dividendos (IRC).

5. Em que circunstâncias é que um escritório de representação pode ter personalidade


tributária?

Critérios de correção:
§ Estabelecimento estável (artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) CIRC);
§ Conceito de estabelecimento estável;
§ Beneficia de personalidade tributável.

Resolução:
O escritório de representação pode, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) CIRC,
ter personalidade tributária quando seja um estabelecimento estável de um não residente.
O estabelecimento estável é um conceito intimamente ligado com o princípio da
territorialidade, na medida em que permite tributar rendimentos de não residentes que possuam
uma base organizativa estável em território nacional sem preencher os testes de residência (sede
ou direção efetiva). Tal estabelecimento não assume personalidade jurídica, mas pode ter

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personalidade tributária, em conformidade com o disposto no artigo 15.º LGT. O estabelecimento
estável está dependente de uma entidade residente ou não residente e desenvolve uma atividade
de natureza empresarial, podendo assumir as formas previstas no artigo 5.º, n.º 2 CIRC. Estes
sujeitos passivos de imposto ficam obrigados aos pagamentos por conta.
O estabelecimento estável é uma instalação material através da qual se desenvolve uma
atividade lucrativa.

6. Exemplifique as situações de não obrigatoriedade de designação de representante fiscal.

Critérios de correção:
§ Obrigatoriedade de representação fiscal para não residentes que obtenham rendimentos
em território nacional (artigos 130.º CIRS, 126.º CIRC, 30.º CIVA e 5.º, n.º 6 CAU);
§ Dispensabilidade para os não residentes com residência na UE ou EEE;
§ Dispensabilidade quando os sujeitos passivos do imposto adiram ao serviço público de
notificação eletrónica (artigo 19.º, n.º 15 LGT).

Resolução:
A representação fiscal existe para prevenir a fraude e abuso fiscais. Os não residentes,
sejam pessoas coletivas ou singulares, quando obtenham rendimentos em território nacional,
devem indicar uma pessoa singular ou coletiva, com residência em Portugal, para os representar
junto da AT (artigos 130.º CIRS, 126.º CIRC, 30.º CIVA e 5.º, n.º 6 CAU).
Os não residentes com residência na UE ou EEE estão dispensados do cumprimento desta
obrigação, mas, no caso dos residentes no EEE, o EM tem que ter aderido ao regime de trocas de
informações fiscais vigentes na UE, nos termos dos artigos 126.º, n.º 2 CIRC e 130.º, n.º 2 CIRS.
Por outro lado, em conformidade com o disposto no artigo 19.º, n.º 15 LGT, o cumprimento da
obrigação é também dispensado quando os sujeitos passivos do imposto adiram ao serviço público
de notificação eletrónica.

7. Identifique as medidas anti-abuso no sistema fiscal português e explique as suas


consequências.

Critérios de correção:
§ Noção de medida anti-abuso;
§ Objetivo de combate à fraude e ao planeamento fiscal abusivo;
§ Cláusula geral anti-abuso (artigo 38.º LGT), medidas especiais (preços de transferência e
subcapitalização – artigos 63.º, 66.º e 67.º CIRC);
§ Consequência: correção da matéria tributável.

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Resolução:
As medidas anti-abuso enquadram-se num movimento de combate à fraude e ao
planeamento fiscal abusivo. Alguns Estados apenas têm uma cláusula geral anti-abuso (ex.: artigo
38.º LGT), ao passo que outros têm disposições especiais e ainda há quem, como acontece entre
nós, combine disposições especiais e uma cláusula geral. As medidas anti-abuso podem assumir
a forma de uma disposição geral aplicável a uma pluralidade de factos ou sujeitos passivos, de
um regime especial (ex.: preços de transferência) ou de disposições avulsas.
O artigo 38.º LGT consagra uma cláusula geral anti-abuso, nos termos da qual a ineficácia
dos negócios jurídicos não obsta à tributação, nem se consideram as operações que tenham como
objetivo frustrar o objetivo ou a finalidade das normas fiscais (ex.: não fica impedida a tributação
devida quando as partes simularam uma doação para pagamento de menos impostos, mas, na
verdade, celebraram uma compra e venda).
O regime dos preços de transferência procura eliminar a manipulação da base tributável,
através do aumento ou diminuição dos preços acordados entre partes relacionadas entre si, com o
fim de redução ou eliminação da carga fiscal, nos termos do artigo 63.º, n.º 1 CIRC. Estas práticas
ocorrem geralmente em multinacionais ou grupos económicos integrados, o que torna
extremamente relevante a definição do conceito de “relações especiais”. As empresas que se
encontrem numa relação especial (ex.: grupos de sociedades), nas suas transações, devem adotar
termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites
e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, consoante impõe o artigo
63.º, n.º 1 CIRC. Procura-se, portanto, assegurar a prática de preços de mercado, contribuindo
para uma sã concorrência. O artigo 63.º, n.º 3 CIRC indica vários métodos para a determinação
dos preços de transferência, tendo primazia o método do preço comparável de mercado. Quando
o sujeito passivo não respeite estas exigências, decorre do artigo 63.º, n.º 9 que a AT pode efetuar
correções na determinação do lucro tributável, partindo do valor que teria sido obtido numa
situação normal de mercado.
O regime da subcapitalização, consagrado no artigo 67.º CIRC, visa evitar a erosão da
base tributável das pessoas coletivas residentes em Portugal; “A subcapitalização corresponde a
um recurso excessivo a capitais de terceiros como forma de financiamento das sociedades” (ac.
STA, 08-11-2017, Fonseca Carvalho). Verifica-se o recurso frequente a vários mecanismos de
planeamento fiscal, tais como o endividamento excessivo, para evitar a dupla tributação de lucros
distribuídos. Do artigo 67.º CIRC resulta a limitação quantificada dos gastos de financiamento
para efeitos de determinação do lucro tributável. Por outro lado, o rendimento de pessoas coletivas
estrangeiras pode ser diretamente imputado a acionistas residentes ao abrigo do regime fiscal das
Controlled Foreign Corporation (CFC) se tal rendimento não for tributado ou estiver sujeito a
um regime fiscal preferencial. A participação pode ser direta ou indireta. Nos termos do disposto
no artigo 66.º, n.º 1 CIRC, os lucros ou rendimentos obtidos por entidades não residentes em

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território nacional e submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável são imputados aos
sujeitos passivos de IRC residentes em território nacional que detenham, direta ou indiretamente,
mesmo que através de representante ou interposta pessoa, pelo menos 25% das partes de capital,
dos direitos de voto ou dos direitos sobre os rendimentos ou dos elementos patrimoniais dessas
entidades.

8. Explique a técnica de majoração dos gastos.

Critérios de correção:
§ Noção da técnica;
§ Exemplos;
§ Alguns casos na lei: artigos 78.º, n.º 8 CIRS; 31.º, n.º 6 CIRS; 81.º, n.º 6 CIRC; 50.º-A,
n.º 9, alínea b) CIRC; 86.º-B, n.º 11 CIRC; 48.º, n.º 6 CIRC.

Resolução:
Através da técnica da majoração dos gastos, o legislador admite a dedutibilidade de gastos
num valor superior ao valor efetivo (ex.: os gastos foram de 200 e admite-se uma majoração de
50, pelo que o contribuinte vai poder deduzir 250).
A legislação fiscal consagra vários casos destes. A título meramente exemplificativo,
vejam-se os artigos 78.º, n.º 8 CIRS; 31.º, n.º 6 CIRS; 81.º, n.º 6 CIRC; 50.º-A, n.º 9, alínea b)
CIRC; 86.º-B, n.º 11 CIRC; 48.º, n.º 6 CIRC. Sempre que o legislador utiliza esta técnica,
prossegue certas finalidades que entendeu relevantes (ex.: incentivo à inovação nos direitos de
autor e de propriedade intelectual, incentivo à natalidade).

9. Relacione preços de transferência com o princípio da independência.

Critérios de correção:
§ O regime dos preços de transferência como regime especial de medidas anti-abuso;
§ Objetivo deste regime (artigo 63.º CIRC);
§ Noção do princípio da independência;
§ Relação entre os conceitos.

Resolução:
Para a noção do regime enquanto regime especial de medidas anti-abuso e para o seu
objetivo, vide questões anteriores.
Do artigo 63.º, n.ºs 1 e 2 CIRC resulta um princípio da independência, segundo o qual,
nas relações comerciais ou financeiras entre sujeitos passivos, devem ser contratados, aceites e

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praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam
contratados em situações normais de mercado. Por outro lado, o legislador utiliza também o
conceito de “relações especiais”, pelo que existe uma correlação necessária entre este conceito e
o princípio da independência. Entendida literalmente, esta correlação pode levar ao
comprometimento do princípio da independência quando não se consiga provar a situação de
relação especial. Apesar disso, este problema tem vindo a ser analisado internacionalmente e
alguns ordenamentos têm deixado de atender à situação de relações especiais.
O princípio da independência é a base do regime dos preços de transferência porque é
desse princípio que decorre a ideia norteadora do regime: a prática de preços de mercado para
evitar a erosão da base tributável.

10. Qual o âmbito de aplicação da cláusula geral anti-abuso?

Critérios de correção:
§ Noção de cláusula geral anti-abuso (artigo 38.º LGT);
§ Na ausência de medidas especiais anti-abuso, verificando-se uma situação que
consubstancie um abuso, recorre-se à cláusula geral.

Resolução:
O sistema português é um dos sistemas fiscais que combina uma cláusula geral anti-abuso
com regimes e disposições especiais anti-abuso (ex.: regimes dos preços de transferência e da
subcapitalização) – vide página 168 do manual adotado.
A cláusula geral anti-abuso encontra-se consagrada no artigo 38.º LGT. Desta cláusula
decorre que a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação e as operações que frustrem
o objeto ou a finalidade dos preceitos ficais são desconsideradas para efeitos fiscais. Nos termos
gerais de Direito, a cláusula aplica-se quando não há uma medida especial que se aplique ao caso,
como sempre decorreria das regras gerais sobre normas gerais e normas especiais.
A este propósito, é de referir o artigo 63.º CPPT. A aplicação desta cláusula tem que ser
devidamente fundamentada, de acordo com o n.º 3 do referido artigo. O sujeito passivo tem direito
a audição prévia (artigo 63.º, n.º 4, alínea a) e n.º 5 CPPT). A aplicação da cláusula está também
dependente de autorização do dirigente máximo do serviço ou do funcionário em quem ele tiver
delegado essa competência (artigo 63.º, n.º 7 CPPT). A decisão de aplicar a cláusula é passível de
impugnação (artigo 63.º, n.º 11 CPPT).

11. Uma empresa estrangeira é proprietária de vários imóveis localizados no Porto,


encontrando-se esses imóveis arrendados. Serão tributados esses rendimentos em Portugal?

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Critérios de correção:
§ Tratando-se de uma empresa, o problema coloca-se em sede de IRC (assumindo que se
trata de pessoa coletiva);
§ Princípio da territorialidade;
§ Eventual existência de estabelecimento estável;
§ Os rendimentos serão tributados em Portugal (artigos 4.º, n.º 2 e n.º 3, alínea a); 56.º
CIRC).

Resolução:
Partindo do pressuposto de que a empresa é uma pessoa coletiva, o problema coloca-se
em sede de IRC. Note-se, porém, que esta afirmação não é inequívoca porque uma empresa não
coincide necessariamente com uma sociedade comercial. Uma pessoa singular pode ter uma
empresa (ex.: comerciante em nome individual) e, nesse caso, teríamos rendimentos prediais,
integrantes da categoria F em sede de IRS, nos termos do artigo 8.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) CIRS,
ou da categoria B.
Neste caso, assume especial importância o princípio da territorialidade, nos termos do
qual os Estados exercem a sua jurisdição sobre todos os bens, pessoas e transações conexionados
com o seu território, o que possibilita que o Estado possa tributar qualquer atividade de qualquer
contribuinte dentro do seu território, independentemente da ligação do contribuinte à jurisdição
desse Estado, o que implica não tomar em conta a residência ou nacionalidade do contribuinte.
Assim sendo, os rendimentos em causa rendimentos serão tributados em Portugal, como decorre
do artigo 4.º, n.º 2 e n.º 3, alínea a) CIRC.
É de equacionar a possibilidade de a empresa ter um estabelecimento estável em Portugal,
em conformidade com o artigo 5.º CIRC, caso em que os rendimentos se imputam a esse
estabelecimento porque ele tem personalidade tributária (artigo 15.º LGT). Não sendo um
estabelecimento estável, em conformidade com o artigo 56.º CIRC, os rendimentos obtidos pela
empresa são determinados de acordo com as regras do CIRS.

12. Qual a taxa de IRC aplicável a uma empresa com sede em Portugal com um lucro
tributável de 20.000.000€?

Critérios de correção:
§ A taxa de IRC é uma taxa proporcional, fixada em 21% (artigo 87.º CIRC);
§ O lucro tributável em causa leva à aplicação da derrama estadual, numa taxa adicional de
5% (artigo 87.º-A CIRC);
§ Valorização das respostas que referissem as dificuldades de qualificação da derrama
estadual.

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Resolução:
O IRC obedece a uma taxa proporcional, atualmente fixada em 21%, nos termos do artigo
87.º, n.º 1 CIRC, pelo que a esta empresa seria aplicada essa taxa. Contudo, dado o elevado valor
do lucro tributável, é necessário atender à derrama estadual, consagrada no artigo 87.º-A, n.º 1
CIRC, pelo que sobre este lucro tributável incidirá uma taxa adicional de 5%. A derrama estadual
é uma figura que causa enormes dificuldades de qualificação jurídico-tributária, tendo sido criada
para aumentar as receitas do Estado.

Bibliografia:
SILVA, JOÃO NUNO CALVÃO DA – Elisão fiscal e cláusula geral anti-abuso, ROA, ano 66, II,
2006. Disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-ii-set-
2006/doutrina/joao-nuno-calvao-da-silva-elisao-fiscal-e-clausula-geral-anti-abuso/. (10-03-
2022)
TEIXEIRA, GLÓRIA – Glossário Fiscal. Almedina, 2021.
TEIXEIRA, GLÓRIA – Manual de Direito Fiscal, 6.ª ed. Almedina. 2021.

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