Yahanna Estrela cuidados.
Os pais, antes de saírem de casa, cedo,
Medicina – UFCG
SAÚDE DA FAMÍLIA E COMUNIDADE III
EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE
INTINERÁRIO DO CONHECIMENTO
✓ Concepção teórica de educação que surgiu na
América Latina;
✓ Todas as pessoas, têm uma busca criativa de
melhoria de suas vidas;
✓ Adoecimento mobiliza mudanças pessoais e
apoios de parentes e amigos para seu
enfrentamento;
✓ O saber da educação popular pode orientar essa
construção dialogada e participativa de soluções;
✓ Trabalho cotidiano em saúde a serviço do
fortalecimento da democracia, da justiça e da
solidariedade social.
CASO CLÍNICO
Durante reunião do Conselho Local da
Unidade Básica de Saúde, uma agente pastoral da
igreja trouxe sua preocupação com o estado de
saúde de Pedrinho, de 15 meses de idade. Ele
vinha tendo repetidos quadros de diarreia, que
resultaram em várias internações. Encontrava-se
gravemente desnutrido. Seu prontuário revelava
frequentes atendimentos médicos, todos com
anamneses bem feitas e documentadas, além de
prescrições criteriosas. Várias visitas da agente
comunitária de saúde foram feitas para orienta
cuidados higiênicos e tratamentos de hidratação
oral. Outras lideranças comunitárias mobilizaram-
se e agendaram uma visita conjunta com membros
da equipe de saúde.
No dia marcado, pessoas próximas à
família de Pedrinho apareceram para ajudar. Os
pais, que trabalham durante o dia, não estavam
presentes. Quem toma conta de Pedrinho é sua
irmã mais velha, Maria, de 9 anos de idade. Com
ajuda de uma moradora, amiga da família, Maria
conseguiu vencer seu constrangimento inicial e se
sentir à vontade para detalhar como organizava os
deixavam o mingau pronto em uma panela.
Quando Pedrinho demonstrava fome, Maria
esquentava um pouco o leite no fogão, enchia a
mamadeira e o alimentava. Ao final, despejava o
que sobrara na panela, que ficava parcialmente
tampada sobre o fogão. Ficou claro para a
comissão que o leite, assim armazenado e
recebendo periodicamente as sobras da
mamadeira, era logo contaminado, e a sua carga
bacteriana multiplicada, ao longo do dia.
Essa constatação, logo compartilhada com
vizinhos, criou consternação e mobilização. Duas
vizinhas se prontificaram a começar a acompanhar
a alimentação de Pedrinho, guardando o leite em
suas geladeiras, ajudando a preparar a mamadeira
e a tentar introduzir outros alimentos. No calor
daquela mobilização, formou-se uma comissão de
lideranças comunitárias e vizinhos para conversar
com os pais (que só chegam em casa após o fim do
expediente da equipe de saúde) e para continuar
mediando o diálogo com os profissionais de saúde
envolvidos. Pedrinho passou a ser o centro da
atenção da vizinhança e da associação de
moradores. Melhorou rapidamente, animando e
reforçando a rede de solidariedade criada.
Tornou-se referência da força da construção
compartilhada de cuidados, inspirando outras
iniciativas semelhantes. A participação da equipe
de saúde nessa mobilização fortaleceu a
organização comunitária local.
CONTEXTUALIZAÇÃO
✓ O conceito de Educação Popular NÃO é educação
informal dirigida ao público popular.
✓ É uma estratégia de construção da participação
popular no redirecionamento da vida social;
✓ Elemento fundamental → toma como ponto de
partida do processo pedagógico o saber anterior
do educando (o que a pessoa já sabe sobre aquilo
ou o que sabe que pode auxiliar na construção
conjunta).
✓ Confiança que o seu “bom senso” seja suficiente
para resolver os desafios propostos pela
necessidade de integração com a vida social;
✓ Reféns de normas e modismos teóricos de
gestores do sistema de saúde, que mudam
periodicamente ao sabor das trocas eleitorais dos
governos;

✓ Educação em saúde:
o Criação de vínculos entre o trabalho de saúde
e o pensar e o agir cotidiano da população;
o Disciplina teórica no Brasil no início do século
XX:
• Enfrentamento das epidemias e ✓
endemias que tanto atrapalhavam o
desenvolvimento.
o Predomina concepções educativas em saúde
voltadas para a imposição de normas e
comportamentos → Consideradas
adequadas, para as classes populares.
A EDUCAÇÃO POPULAR COMO
FERRAMENTA PARA A APS
✓ Educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997) foi o
pioneiro na sistematização;
✓ Profissionais descobriram que as classes populares
não eram simplesmente uma massa de carentes e
ignorantes, visão até então predominante no setor
da saúde;
✓ Maior solidariedade local, novas lideranças,
organizações comunitárias e protagonismo
político;
✓ 2013 → Política Nacional de Educação Popular em
Saúde no Sistema Único de Saúde (PNEPS-SUS),
Ministério da Saúde;
✓ A PNEPS-SUS reafirma o compromisso com a
universalidade, a equidade, a integralidade e a
efetiva participação popular no SUS, e propõe uma
prática político-pedagógica que perpassa as ações
voltadas para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, a partir do diálogo entre a
diversidade de saberes, valorizando os saberes
populares, a ancestralidade, o incentivo à
produção individual e coletiva de conhecimentos
e a inserção destes no SUS.
✓ 1960, Brasil → Desafios trazidos pela alfabetização
de adultos das classes populares;
✓ Hoje é aplicada em todos os campos do agir
humano;
✓ Busca construção com e não para;
✓ Ação pedagógica voltada para a formação do
protagonismo social
PRINCÍPIOS DA PNEPS
✓ Diálogo;
✓ Amorosidade;
✓ Problematização;
✓ Construção compartilhada do conhecimento;
Emancipação;
✓ Compromisso com a construção do projeto
democrático e popular.
✓ Diálogo é o encontro de conhecimentos
construídos histórica e culturalmente por sujeitos,
ou seja, o encontro desses sujeitos na
intersubjetividade, que acontece quando cada um,
de forma respeitosa, coloca o que sabe à
disposição para ampliar o conhecimento crítico de
ambos acerca da realidade, contribuindo com os
processos de transformação e de humanização.
✓ Amorosidade é a ampliação do diálogo nas
relações de cuidado e na ação educativa pela
incorporação das trocas emocionais e da
sensibilidade, propiciando ir além do diálogo
baseado apenas em conhecimentos e
argumentações logicamente organizadas.
✓ A problematização implica a existência de relações
dialógicas e propõe a construção de práticas em
saúde alicerçadas na leitura e na análise crítica da
realidade.
✓ A construção compartilhada do conhecimento
consiste em processos comunicacionais e
pedagógicos entre pessoas e grupos de saberes,
culturas e inserções sociais diferentes, na
perspectiva de compreender e transformar de
modo coletivo as ações de saúde desde suas
dimensões teóricas, políticas e práticas.
✓ A emancipação é um processo coletivo e
compartilhado no qual pessoas e grupos
conquistam a superação e a libertação de todas as
formas de opressão, exploração, discriminação e
violência ainda vigentes na sociedade e que
produzem a desumanização e a determinação
social do adoecimento
✓ O compromisso com a construção do projeto
democrático e popular é a reafirmação do
compromisso com a construção de uma sociedade
justa, solidária, democrática, igualitária, soberana
e culturalmente diversa que somente será
construída por meio da contribuição das lutas
sociais e da garantia do direito universal à saúde
no Brasil, tendo como protagonistas os sujeitos
populares, seus grupos e movimentos, que
 historicamente foram silenciados e com a participação popular, com a gestão
marginalizados. participativa, com o controle social, o cuidado, a
formação e as práticas educativas em saúde.

EIXOS ESTRATÉGICOS DA PNEPS-SUS ✓ São objetivos específicos da PNEPS-SUS:

I - promover o diálogo e a troca entre

I. Participação, controle social e gestão
práticas e saberes populares e técnico-científicos
participativa;
no âmbito do SUS, aproximando os sujeitos da
II. Formação, comunicação e produção de
gestão, dos serviços de saúde, dos movimentos
conhecimento;
sociais populares, das práticas populares de
III. Cuidado em saúde; e
cuidado e das instituições formadoras;
IV. Intersetorialidade e diálogos
II - fortalecer a gestão participativa nos
multiculturais.
espaços do SUS;
✓ O eixo estratégico da participação, controle social
III - reconhecer e valorizar as culturas
e gestão participativa tem por objeto fomentar,
populares, especialmente as várias expressões da
fortalecer e ampliar o protagonismo popular, por
arte, como componentes essenciais das práticas
meio do desenvolvimento de ações que envolvam
de cuidado, gestão, formação, controle social e
a mobilização pelo direito à saúde e a qualificação
práticas educativas em saúde;
da participação nos processos de formulação,
IV - fortalecer os movimentos sociais
implementação, gestão e controle social das
populares, os coletivos de articulação social e as
políticas públicas.
redes solidárias de cuidado e promoção da saúde
✓ O eixo estratégico da formação, comunicação e
na perspectiva da mobilização popular em defesa
produção de conhecimento compreende a
do direito universal à saúde;
ressignificação e a criação de práticas que
V - incentivar o protagonismo popular no
oportunizem a formação de trabalhadores e
enfrentamento dos determinantes e
atores sociais em saúde na perspectiva da
condicionantes sociais de saúde;
educação popular, a produção de novos
VI - apoiar a sistematização, a produção de
conhecimentos e a sistematização de saberes com
conhecimentos e o compartilhamento das
diferentes perspectivas teóricas e metodológicas,
experiências originárias do saber, da cultura e das
produzindo ações comunicativas, conhecimentos
tradições populares que atuam na dimensão do
e estratégias para o enfrentamento dos desafios
cuidado, da formação e da participação popular
ainda presentes no SUS.
em saúde;
✓ O eixo estratégico do cuidado em saúde tem por
VII - contribuir com a implementação de
objeto fortalecer as práticas populares de cuidado,
estratégias e ações de comunicação e de
o que implica apoiar sua sustentabilidade,
informação em saúde identificadas com a
sistematização, visibilidade e comunicação, no
realidade, linguagens e culturas populares;
intuito de socializar tecnologias e perspectivas
VIII - contribuir para o desenvolvimento de
integrativas, bem como de aprimorar sua
ações intersetoriais nas políticas públicas
articulação com o SUS.
referenciadas na Educação Popular em Saúde;
✓ O eixo estratégico da intersetorialidade e diálogos
IX - apoiar ações de Educação Popular na
multiculturais tem por objeto promover o
Atenção Primária em Saúde, fortalecendo a gestão
encontro e a visibilidade dos diferentes setores e
compartilhada entre trabalhadores e
atores em sua diversidade, visando o
comunidades, tendo os territórios de saúde como
fortalecimento de políticas e ações integrais e
espaços de formulação de políticas públicas;
integralizadoras.
X - contribuir com a educação permanente
dos trabalhadores, gestores, conselheiros e atores
dos movimentos sociais populares, incorporando
OBJETIVOS DA PNEPS aos seus processos os princípios e as práticas da
educação popular em saúde; e
✓ Tem como objetivo geral implementar a Educação XI - assegurar a participação popular no
Popular em Saúde no âmbito do SUS, contribuindo planejamento, acompanhamento,
 monitoramento e avaliação das ações e
estratégias para a implementação da PNEPS-SUS.
COMO FAZER EDUCAÇÃO POPULAR?
✓ Formas de transmitir saberes;
✓ Escuta e compreensão, para então poder
encontrar algo seu que possa acrescentar;
✓ Diálogo é o elemento central da EP;
✓ Envolvimento de cada pessoa no processo
educativo → paciência;
✓ Ao invés de procurar difundir conceitos e
comportamentos considerados corretos, procura
problematizar, em uma discussão aberta, o que
está incomodando e, possivelmente, oprimindo.
PEDAGOGIA DA PROBLEMATIZAÇÃO
✓ Pressuposto da incompletude de todos os saberes;
✓ Valorização dos saberes dos usuários, dos
moradores e dos movimentos sociais envolvidos:
o Intuição;
o Sensibilidade;
o Emoção que surge na arte;
o Vida espiritual;
o Brincadeiras, nas festas e na agressividade
guerreira.
VALORIZAÇÃO DE SABERES E LÓGICAS
HABITUALMENTE DESCONSIDERADAS
✓ Menos apego às suas próprias verdades e mais
abertura às surpresas que surgem a partir do
processo participativo;
✓ Profissional invista em processos de elaboração de
suas emoções, expectativas e utopias;
✓ Valorizar os movimentos sociais é também saber
questioná-los.
✓ Locais informais de solidariedade e apoio social:
o Grupos de vizinhança;
o Redes de parentesco;
o Grupos religiosos;
o Associações esportivas;
o Grupos artísticos;
o Pastorais.
CASO CLÍNICO
Esta é uma situação vivida e narrada pela médica
Mayara Floss:
No meu último atendimento da manhã, já ao
meio-dia, nos dias de agenda cheia.
- Não vou mais amamentar, não tenho leite.
- Me conta mais sobre isso?
- Ah, é isso, a criança chupa, chupa e não sai
nada. Não saiu nem no hospital. E tem os
pontos para você tirar.
- Certo, como você está alimentando ela?
- Ah, com o “leite X”, né? Ele é bom?
- Sim, pode ser. E ela está se adaptando?
- Mais ou menos. O cocô está muito duro. Mas já
comecei a dar o “leite X” na maternidade.
- Entendi, vamos examinar? Posso examinar suas
mamas também?
Durante o exame, a criança começou a chorar,
aquele choro incessante de fome. Era o choro dela
e do meu estômago de fome também.
- Já que ela está chorando tanto, quer tentar dar
o peito?
- Ué, posso tentar, mas o leite não vai descer...
Não desceu no meu outro menino.
- Vamos tentar?
Era a nossa fome. Fome de mamar, fome de
amamentar, fome de paciência. Sentei e, nos
próximos 40 minutos, ficamos ali aprendendo a dar
de mamar, encontrando a melhor posição, fazendo
as contas sobre o preço do leite artificial... Enfim,
conversando. O leite veio, devagar, descendo por
todos os canalículos, calmo, manso, quente –
matando essa fome de viver.
O PAPEL HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO
POPULAR NA CONSTITUIÇÃO DA APS
BRASILEIRA
✓ 1970:
o Iniciativas de departamentos de medicina
preventiva de algumas universidades;
o Trabalhos pastorais das igrejas cristãs;
o Redes de Agentes de Saúde → 1991, o
programa de ACS e, posteriormente, o
Programa Saúde da Família (PSF);
o Controle social por conselhos de saúde não
foi uma invenção do SUS.
 COMO APLICAR A EDUCAÇÃO POPULAR NA ✓ EP não é uma atividade a mais que alguns
APS profissionais fazem de forma periférica à rotina do
serviço;
✓ EP não devem ser responsabilidade apenas de
✓ Crise de vida:
alguns profissionais, mas de todos.
Causada por uma doença → fragiliza a pessoa e
seu grupo social, podendo quebrar barreiras que
✓ Nem todos têm, inicialmente, habilidade e gosto
protegem sua intimidade;
para a EP:
o A alegria, a criatividade e a riqueza
✓ Profissional de saúde:
pedagógica de suas práticas, quando se cria
Adquire confiança e está próximo → acesso a essa
um ambiente participativo e amoroso,
intimidade, muitas vezes desarrumada e povoada
convencem e seduzem muitos desses
de precariedades, que não costuma ser revelada.
profissionais resistentes;
✓ Como investir na construção de relações de
✓ Não é fácil lidar com tantas emoções e questões
diálogo e em atitudes de escuta compreensiva em
inesperadas;
meio a tanto sufoco no trabalho?
✓ Revelação das potencialidades e a belezas do
trabalho em saúde;
✓ Enorme o número de profissionais de saúde que
✓ Gratidão profunda das pessoas, em momentos tão
sonham, buscam e se empenham em fazer com
difíceis, é estruturante de um novo sentido e gosto
que seu trabalho tenha um significado mais
do trabalho profissional;
grandioso;
✓ Transformação das atividades rotineiras da APS:
✓ Problemas com dimensões misteriosas, que não
o Espaços de esclarecimento crítico das raízes
se tem como esclarecer em curto prazo:
dos problemas de saúde;
o Exigem ações imediatas, muitas vezes
o Superação da baixa autoestima decorrente da
dependentes de condições materiais, valores
opressão e marginalidade;
e iniciativas de familiares que não se conhece
o Ampliação da solidariedade social;
bem;
o Fortalecimento do protagonismo dos
o Complexidade e incerteza, é impossível um
moradores.
agir profissional prescritivo e orientado
apenas por um saber técnico, por mais que
✓ População e seus movimentos organizados
seja aprimorado;
continuam investindo na criação e na condução de
o Diálogo com as pessoas envolvidas,
práticas voltadas para o enfrentamento dos
construindo-se coletivamente as soluções
problemas de saúde;
necessárias.
✓ Apostar intensamente em uma relação
autenticamente dialogada com os usuários;
✓ Eficácia clínica está, portanto, subordinada à
✓ Novo ânimo para os seus profissionais e novos
eficácia pedagógica da relação com a pessoa e com
desafios, dando um sabor muito instigante ao
a sua família;
trabalho em saúde.
✓ Nos espaços coletivos de debate, as dimensões
sociais presentes nos problemas pessoais de
saúde são mais facilmente explicitadas e
aprofundadas;
✓ Visitas domiciliares exigem tempo e competem
com a pressão por um maior número de consultas
individuais → Ajudam muito o profissional a
entender melhor a dinâmica de vida comunitária;
✓ Participação em reuniões dos movimentos
comunitários locais, festas, celebrações e lutas por
interesses comunitários permite ao profissional
estabelecer parcerias e conhecer as outras lógicas
surpreendentes de organizar as vidas ali
presentes;