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AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Tradução de Iraci D. Poleti.

São Paulo:
Boitempo, 2004.

ESTADO DE EXCEÇÃO COMO PARADIGMA DE GOVERNO

p. 11: “1.1. A contiguidade essencial entre estado de exceção e soberania foi


estabelecida por Carl Schmitt em seu livro Politische Theologie (Schmitt, 1922).
Embora sua famosa definição do soberano como ‘aquele que decide sobre o estado de
exceção’ tenha sido amplamente comentada e discutida, ainda hoje, contudo, falta uma
teoria do estado de exceção no direito público, e tanto juristas quanto especialistas em
direito público parecem considerar o problema muito mais como uma quaestio facti do
que como um genuíno problema jurídico (...) estado de exceção constitui urn ‘ponto de
desequilíbrio entre direito público e fato político’ (Saint-Bonnet, 2001, p. 28) que-como
a guerra civil, a insurreição e a resistência - situa-se numa ‘franja ambígua e encerra, na
intersecção entre o jurídico e o político’ (Fontana, 1999, p. 16). A questão dos limites
torna-se ainda mais urgente: se são fruto dos períodos de crise política e, como tais,
devem ser compreendidas no terreno político e não no jurídico – constitucional (De
Martino, 1973, p. 320)”,

p.12: “as medidas excepcionais encontram-se na situação paradoxal de medidas


jurídicas que não podem ser compreendidas no plano do direito, e o estado de exceção
apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal (...).

E essa terra de ninguém, entre o direito público e o fato político e entre a ordem
jurídica e a vida, que a presente pesquisa se prop6e a explorar. Somente erguendo o véu
que cobre essa zona incerta poderemos chegar a compreender o que esta em jogo na
diferença – ou na suposta diferença – entre o político e o jurídico e entre o direito e o
vivente. E só então será possível, talvez, responder a pergunta que não para de ressoar
na história da política ocidental: o que significa agir politicamente?

1.2. Entre os elementos que tornam difícil uma definição do estado de exceção,
encontra-se, certamente, sua estreita relação com a guerra civil, a insurreição e a
resistência. Dado que é o oposto do estado normal, a guerra civil se situa numa zona de
indecidibilidade quanto ao estado de exceção, que e a resposta imediata do poder estatal
aos conflitos internos mais extremos (...)”.

p. 13: “O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a


instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a
eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de
cidadãos que, por qualquer razão pareçam não integráveis ao sistema político. Desde
então [a partir do 3º Reich (...)], a criação voluntária de um estado de emergência
permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou- se
uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados
democráticos”.

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p. 14: “1.3.

1.3. o significado imediatamente biopolítico do estado de exceção como


estrutura original em que o direito inclui em si o vivente por meio de sua própria
suspensão aparece claramente na ‘military order’, promulgada pelo presidente dos
Estados Unidos no dia 13 de novembro de 2001, e que autoriza a ‘indefinite detention’ e
o processo perante as ‘military commissions’ (não confundir com os tribunais militares
previstos pelo direito da guerra) dos não cidadãos suspeitos de envolvimento (...).

(...). A novidade da ‘ordem’ do presidente Bush era em anular radicalmente todo


estatuto jurídico do indivíduo, produzindo, dessa forma, um ser juridicamente (...).

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p. 15: “(...) a escolha da expressão ‘estado de exceção’ implica uma tomada de


posição quanto a natureza do fenômeno que se propõe a estudar e quanto a lógica mais
adequada a sua compreensão (...). O estado de exceção não é um direito especial (como
o direito da guerra), mas, enquanto suspensão da própria ordem jurídica, define seu
patamar ou seu conceito-limite.

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p. 16: “A história do termo ‘estado de sítio fictício ou político’ (...) Remonta à


doutrina francesa, em referência ao decreto napoleônico de 24 de dezembro de 1811, o
qual previa a possibilidade de um estado de sítio que podia ser declarado pelo
imperador, independentemente da situação efetiva de uma cidade sitiada ou diretamente
ameaçada pelas forças inimigas (...). A origem do instituto do estado de sitio encontra-
se no decreto de 8 de julho de 1791 da Assembleia Constituinte francesa, que distinguia
entre etat de paix, em que a autoridade militar e a autoridade civil agem cada uma em
sua própria esfera; etat de guerre, em que a autoridade civil deve agir em consonância
com a autoridade militari etat de siege, em que "todas as func;6es de que a autoridade
civil e investida para a manutenção da ordem e da polícia internas passam para 0
comando militar, que as exerce sob sua exclusiva responsabilidade" (ibidem) (...). A
história posterior do estado de sítio e a história de sua progressiva emancipação em
relação a situação de guerra a qual estava ligado na origem, para ser usado, em seguida,
como medida extraordinária de polícia em caso de desordens e sedições internas,
passando, assim, de efetivo ou militar a fictício ou político.

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p. 17: “A expressão ‘plenos poderes’ (pleins pouvoirs), com que, às vezes, se


caracteriza o estado de exceção, refere-se ampliação dos poderes governamentais e,
particularmente, a atribuição ao executivo do poder de promulgar decretos com força-
de-lei. Deriva da noção de plenitudo potestatis, elaborada no verdadeiro laboratório da
terminologia jurídica moderna do direito público, o direito canônico. O pressuposto aqui
é que o estado de exceção implica um retorno a um estado original ‘pleromatico’ em
que ainda não se deu a distinção entre os diversos poderes (legislativo, executivo etc.).
Como veremos, o estado de exceção ao constituir muito mais um estado ‘kenomatico’,
um vazio de direito, e a ideia de uma indiscrição e de uma plenitude originaria do poder
deve ser considerada como um ‘mitologema’ jurídico, análogo à ideia de estado de
natureza (não por caso, foi exatamente o próprio Schmitt que recorreu a esse
‘mitologema’). Em todo caso, a expressão ‘plenos poderes’ define uma das possíveis
modalidades de ação do poder executivo durante o estado de exceção, mas não coincide
com ele”.

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p. 18: 11.5. (...) estafetas [os autores que registraram a transformação dos
regimes democráticos pela expansão dos poderes executivos durante as 2 guerras
mundiais, sobretudo a 1ª Guerra, porque aparece como um laboratório de experiência e
e/ou aperfeiçoamento de mecanismos e/ou dispositivos funcionais do estado de exceção
como paradigma de governo] que anunciam o que hoje temos claramente diante dos
olhos, ou seja, que, a partir do momento em que ‘o estado de exceção [...] tornou-se a
regra’ (Benjamin, 1942, p. 697), ele não só sempre se apresenta muito mais como uma
técnica de governo do que como uma medida excepcional, mas também deixa aparecer
sua natureza de paradigma constitutivo da ordem jurídica.

(...) a extensão dos poderes do executivo no âmbito legislativo por meio da


promulgação de decretos e disposições, como consequência da delegação contida em
leis ditas de ‘plenos poderes’.

Entendemos por leis de plenos poderes aquelas por meio das quais se
atribui ao executivo um poder de regulamentação excepcionalmente
amplo, em particular o poder de modificar e de anular, por decretas, as
leis em vigor. (Tingsten, 1934, p. 13)”.

Uma das características essenciais do estado de exceção – a abolição provis6ria


da distinção entre poder legislativo, executivo e judiciário – mostra, aqui, sua tendência
a transformar-se em pratica duradoura de governo.

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p. 20: “‘Na era at6mica em que 0 mundo agora entra, e provável que o uso dos
poderes de emergência constitucional se torne a regra e não a exceção’ (ibidem, p. 297)
(...).

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