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Ações de um animal não são descritas como ações pelo neurocientista inclinado ao cognitivismo;

pois ações não são sequer designadas por seu vocabulário técnico (como tampouco pelo da síntese
moderna, na biologia). Pois falar de ações implica, em geral, falar de experiências e falar de
propósitos; de parte, portanto, do que foi relegado à “citadela” subjetiva na alvorada da ciência
moderna. Ações são descritas pelas abordagens que Fuchs critica como meros movimentos,
portanto, senão de um tipo peculiar de corpo que, por algum motivo pré-teórico, discriminamos
como “vivo”. Os conhecidos experimentos que são mencionados pelo autor na seção 1.2.1 poderiam
ser bem recebidos por abordagens funcionalistas, cognitivistas; e interpretados como indicando
efeitos dos movimentos de organismos em meio à dinâmica ambiental, consistindo em
modificações nas estruturas e talvez até nas funções (evolutivamente relevantes) de diversos
sistemas do corpo em questão. O que os experimentos apresentados na seção 1.2.1 mostrariam ao
cognitivista seria, no máximo, que o tipo de dinâmica que apresenta um sistema organismo-
ambiente influi substancialmente na dinâmica funcional de diversos sistemas perceptuais, cujas
funções são aquelas bem conhecidas: representar, em diversas modalidades perceptuais, os fatos.

Surpreende o fato, portanto, de que o autor busca – nas seções 1.2.1 e 1.2.2 – mostrar a importância
do movimento corpóreo para o desenvolvimento da percepção, e não das ações que esse corpo,
agindo, constitui junto aos seus entornos. Que ele argumente em favor de “coincidências”,
“modulações mútuas” e “interações” entre Leib e Körper, o corpo vivo e o corpo vivido, o físico e o
subjetivo. A teoria enativo-ecológica que Fuchs alega defender é uma detração dessas dicotomias;
destaca-se por oferecer uma nova taxonomia de objetos de estudo e ancora-se na elaboração teórica
de um tipo de fenômeno que apenas no acoplamento de um indivíduo vivo ao seu ambiente pode se
manifestar: a ação intencional. Exatamente por isso, pode-se falar e se fala, desde os tempos de
Varela, em uma teleologia naturalizada e, por meio da teoria em que se ancora esse discurso, em
uma naturalização da consciência como fenômeno emergente da relação entre corpo vivo (agindo) e
coisas ao redor. Leib e Körper são elementos fenomenológicos manifestos, a cada um de nós, em
diferentes maneiras de experienciarmos nossos corpos. Como elementos (ou categorias) de análises
fenomenológicas, Leib e Körper são tipos de dados que a ciência enativo-ecológica da mente deve
coletar, mas não são categorias de análise e descrição do tipo de evento a que visa o estudo
científico das diversas capacidades de agir de seres vivos. Se essa confusão não for desfeita, corre-
se o risco de uma reaproximação com a atitude hegemônica que cinde, conceitualmente, fenômenos
subjetivos e fenômenos objetivos, e se reaviva a dificuldade já clássica de reconciliar os dois
domínios inventados numa única história natural.

A ciência moderna deu origem a ciências cognitivas cujos modelos de “sistemas cognitivos” são
entendidos em termos de racionalidade descritiva, teórica – i.e., do comportamento de descrever,
cujo propósito é descrever corretamente a realidade. E causas, e muitas delas, são imaginadas
(muitas delas sendo levadas a sério) para experiências, talvez apenas porque são muitas as
“representações”: coisas análogas, familiares a descrições, proposições, porém eventos espontâneos
e não intencionais (sob qualquer descrição que lhes caiba) que “subjazem” a qualquer experiência
possível e que constituem o fenômeno da cognição, tal como cognitivistas tentam entendê-lo. Em
contrapartida, a ciência enativo-ecológica busca ver e investigar apenas uma causa para cada
experiência: o caráter particular do acoplamento dinâmico (histórico, etc.) entre um corpo vivo e os
seus entornos. O cognitivismo impediu, embora não para sempre, analisar a experiência como tipo
histórico, natural, de fenômeno, mas o que o enativismo e a psicologia ecológica (mesmo
independentemente) viabilizam e se colocam a fazer é justamente uma análise da experiência nesses
termos. O cognitivismo não tem ferramentas para explicar como pode cada experiência ser uma
experiência de propósitos, de ações (que são feitas de sistemas organismo-ambiente adaptativos,
que por sua vez são feitos de reações bioquímicas, embora o fato de que sejam ações não se reduza
àquilo de que ações são feitas e que já existia antes delas); uma experiência vivenciada de maneira
contínua e ininterrupta. Essa experiência inclui, essencialmente, propriedades emergentes de nossas
relações, ao agirmos, com as coisas – todas as propriedades que descobrimos das coisas por
observação, por exemplo, são constitutivas da experiência. É de propriedades de nossos corpos e
propriedades dos seus entornos que emergimos, conscientes, conservando-nos individualmente e
transormando-nos, participatoriamente, por uma vida inteira de cada vez. Portanto, não é apenas de
propriedades de nossos corpos; é também de propriedades daquilo que vemos, tocamos, ouvimos,
ou de qualquer modo sintamos, que se faz toda experiência possível. Todas as propriedades que
descobrimos são também experienciadas, são relacionais; mesmo assim, elas explicam outras
propriedades experienciadas, relacionais, já descobertas antes; pois o que quer que tenha feito delas
constitutivas da experiência de quem as viu (no laboratório, no campo em geral), elas serão
propriedades que estarão lá mesmo sem constituir experiência alguma, senão parte do que
diretamente constitui a experiência que se tem. Pense-se no caso da água

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