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parte IV

Metabolismo
e reprodução

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Capítulo 16 O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de


alimentação
Capítulo 17 O sistema digestivo: faringe, estômago e intestino
Capítulo 18 O sistema respiratório
Capítulo 19 O sistema circulatório
Capítulo 20 O sistema excretor e osmorregulação
Capítulo 21 O sistema reprodutor e reprodução
16
O sistema digestivo:
cavidade oral e
mecanismos de alimentação

A P R E S E N TA Ç Ã O O palato
Na Parte IV, examinamos como os animais obtêm as Língua, bochechas e lábios
matérias-primas necessárias à manutenção da vida e Glândulas orais
como as utilizam em seu metabolismo. A aquisição de A evolução do mecanismo de alimentação dos
alimento como fonte de energia para o metabolismo vertebrados
e outros processos fisiológicos é fundamental para a Enfoque 16-1 Cinese craniana ou mobilidade
sobrevivência do indivíduo. Com frequência, os animais intracraniana
competem intensamente por recursos alimentares em
seu ambiente natural e, por isso, uma maior eficiência

P
na aquisição e no processamento dos alimentos confere ara a maioria dos vertebrados, todos os processos
vantagem seletiva. Muitas das adaptações observadas metabólicos dependem da ingestão regular de ali-
nos mecanismos de alimentação dos vertebrados estão mentos, que, em muitos casos, devem ser mecanicamen-
correlacionadas à sua eficiência relativa em interações te triturados na cavidade oral antes de sofrerem digestão
competitivas. Outros fatores, como a camuflagem e química. Assim, o alimento é levado para a boca (inges-
outras estratégias de defesa da presa, também podem ter tão), processado (mastigação) e engolido (deglutição).
desempenhado papel importante na evolução de várias A mastigação serve a duas funções: (1) quebrar em pe-
características adaptativas do sistema de alimentação daços menores os alimentos ou as presas até que possam
dos vertebrados. ser deglutidos e (2) aumentar a área de superfície dos ali-
mentos, facilitando a penetração de enzimas digestivas e
elevando a taxa de decomposição química. Os alimentos
P O N TO S P R I N C I PA I S com paredes celulares resistentes, como folhas, caules e
O desenvolvimento do trato digestivo gramíneas, exigem extensa maceração mecânica para a
A boca e a cavidade oral eficácia das enzimas digestivas. Diversos sistemas de ali-
Meios básicos de alimentação mentação foram desenvolvidos ao longo da história evo-
Dentes lutiva dos vertebrados, permitindo a exploração de uma
Os mecanismos de alimentação dos vertebrados vasta gama de recursos. Neste capítulo, apresentamos
Alimentação no meio aquático: peixes e anfíbios uma breve revisão do funcionamento dos mecanismos de
Alimentação no meio aquático: tartarugas alimentação nos meios aquático e terrestre em uma pers-
Deglutição em anamniotas aquáticos pectiva evolutiva.
Alimentação no meio terrestre: amniotas
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 533

terior, que se estende em direção a cabeça; posterior, que


O desenvolvimento do trato digestivo se estende em direção a cauda; e médio, que permanece
conectado ao saco vitelínico.
A maior parte do trato digestivo se desenvolve a partir do À medida que o embrião continua a tomar forma e a
arquêntero embrionário (do grego, arche = início +en- se separar da massa vitelínica subjacente, o trato digestivo
teron = intestino), que é contínuo ao saco vitelínico em se torna tubular e aumenta em comprimento (Figura 16-
muitos vertebrados (Figura 16-1A). A endoderme do ar- 1B). A faringe se diferencia a partir da parte anterior do
quêntero forma apenas o revestimento do trato digestivo arquêntero, e uma série de divertículos laterais da faringe
e seus diferentes derivados, que são o revestimento das dão origem às bolsas faríngeas. A primeira delas forma o
passagens respiratórias, que evaginam próximas à parte espiráculo (nos peixes) ou as tubas auditivas e a cavidade
frontal do arquêntero, e as células secretoras do fígado, do ouvido médio de um tetrápode que possua tais estrutu-
pâncreas e outras protuberâncias glandulares do arquên- ras (Capítulo 4). Os brotos epiteliais de certas bolsas for-
tero. Os tecidos conjuntivos e os músculos das paredes de mam a glândula paratireoide e o timo. A glândula tireoide
órgãos localizados na cavidade do corpo, assim como o é uma evaginação da parte rostral do assoalho faríngeo.
epitélio celômico que os recobre, desenvolvem-se a partir Os pulmões e as passagens respiratórias são evaginações
da camada esplâncnica adjacente à placa lateral mesodér- da parte caudal do assoalho. Discutimos esses derivados
mica. Na região da cabeça e na região branquial, os mús- glandulares no Capítulo 15, e os derivados respiratórios
culos se originam a partir dos somitos e somitômeros, e os serão analisados no Capítulo 18. O esôfago conecta a fa-
tecidos conjuntivos e os arcos viscerais derivam de células ringe ao estômago em desenvolvimento, e o intestino se
da crista neural (Capítulo 4). Inicialmente, o arquêntero segue ao estômago. O fígado se desenvolve como uma
possui uma ampla conexão com o saco vitelínico, mas o evaginação ventral do arquêntero, caudalmente ao estô-
dobramento da cabeça, da cauda e da lateral do corpo mago e ao coração, e o pâncreas se desenvolve a partir
separa gradualmente o embrião do saco vitelínico. O ar- de uma ou mais protuberâncias ligadas, ou próximas, à
quêntero se diferencia em um intestino com regiões an- evaginação do fígado. Uma bexiga urinária se desenvolve

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Coração Primórdio do fígado

Região posterior do intestino


Faringe

Proctodeu
Bolsa de
Rathke
Estomodeu Alantoide
Saco vitelínico
A. Estágio inicial do desenvolvimento do trato digestivo

Estômago
Esôfago Primórdios pancreáticos

Pulmão
Intestino
delgado
Bolsas
faríngeas Intestino
grosso
Faringe
Bexiga
urinária
Glândula
FIGURA 16-1
tireoide Cloaca
Diagramas do desenvolvimento do trato digestivo
Haste alantoide de um vertebrado terrestre em vista lateral.
Língua
A. Estágio inicial da diferenciação do arquêntero
Haste vitelínica
em regiões posterior e anterior do intestino, mas o
Fígado saco vitelínico ainda está presente.
Cordão umbilical
Coração B. Estágio posterior do desenvolvimento, no qual
Cavidade oral as regiões do intestino estão se diferenciando.
B. Estágio posterior do desenvolvimento do trato digestivo Azul = ectoderme; amarelo = endoderme.
534 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

a partir do assoalho do intestino posterior na maioria dos sais. Uma narina externa dirige-se para cada saco nasal,
tetrápodes. Nos embriões de amniotas, esse divertículo ficando posicionada rostralmente à boca, e uma narina
aumenta e forma a alantoide, uma das membranas extra- interna partindo de cada saco encontra-se dentro da ca-
embrionárias (Capítulo 4). vidade oral.
Uma bolsa ectodérmica, o estomodeu (do grego, sto-
ma = boca + hodaion = caminho), invagina-se na porção Meios básicos de alimentação
frontal do embrião e se estende em direção ao arquêntero,
formando a cavidade oral, ou bucal. Quando a placa oral Uma breve discussão sobre os métodos de alimentação
entre o estomodeu e o arquêntero se quebra, a cavida- nos permite analisar as adaptações das estruturas orais
de oral e a faringe tornam-se contínuas. Um proctodeu para a obtenção do alimento. (Outros aspectos de ali-
ectodérmico semelhante (do grego, proktos = ânus) inva- mentação serão examinados quando falarmos sobre os
gina-se na extremidade caudal do embrião e é separado dentes, as mandíbulas e a língua.) Os urocordados, os ce-
do arquêntero durante um curto período de tempo pela falocordados e as larvas amocetes das lampreias não têm
membrana cloacal. Quando ela se rompe, o proctodeu e mandíbulas e se alimentam de partículas em suspensão
a extremidade caudal do arquêntero formam uma câmara por filtração. A corrente de água que passa pela boca e
chamada cloaca (do latim, cloaca = tubodo de esgoto), pela faringe é criada por uma combinação entre a movi-
que recebe as terminações dos tratos digestivo, urinário e mentação do conjunto de cílios e a movimentação das
reprodutor. abas velares pares na entrada da faringe, e a expansão e
contração alternadas da cavidade bucofaríngea. As par-
tículas de alimento suspensas na água ficam retidas pelo
muco e são levadas ao esôfago. Os métodos de retenção
A boca e a cavidade oral do alimento variam: nas larvas amocetes, o muco é se-
cretado por células caliciformes presentes nas bolsas fa-
A abertura da boca e a cavidade oral, ou bucal, são bas- ríngeas laterais, que abrigam as brânquias; as fibras mu-
tante variáveis entre vertebrados em função dos diferen- cosas originadas a partir de cada bolsa são levadas para
tes tipos de alimentos ingeridos e das inúmeras maneiras dentro do lúmen da faringe e se unem para formar um
pelas quais eles são ingeridos. Até mesmo a posição da cordão mucoso longitudinal, ao qual as partículas de ali-
abertura da boca varia (Figura 16-2). A abertura da boca mentos ficam aderidas, e que é transportado caudalmente
de uma mixina ou de uma lampreia se forma próxima à por ação ciliar. O endóstilo no assoalho da faringe não é
extremidade caudal do estomodeu. Na maioria dos peixes a fonte de muco, como se acreditava antigamente, mas
com mandíbulas, a abertura da boca se desenvolve na re- pode contribuir com enzimas digestivas. Os primeiros
gião entre o saco hipofisário e o par de placódios nasais vertebrados não tinham mandíbulas, mas o maior grau
embrionários. Tanto a entrada quanto a saída de cada saco de atividade (em comparação com os urocordados e ce-
nasal encontram-se em uma posição rostral em relação à falocordados) e seu aparelho sensorial mais desenvolvido
abertura da boca. Nos peixes e tetrápodes com coanas, podem ter permitido que esses animais passassem a se
a abertura da boca encontra-se na altura dos placódios na- alimentar de pequenos animais de corpo mole. Alguns
peixes sem mandíbulas mais antigos tinham placas ósseas
com dentículos nas extremidades da boca, que podem ter
Estomodeu
representado o primórdio dos dentes.
O desenvolvimento de dentes e mandíbulas possibili-
Bolsa de Rathke tou uma mudança no modo de alimentação dos vertebra-
dos, que poderiam, então, agarrar e mastigar uma presa
grande. A maioria dos peixes alimenta-se por sucção,
Arquêntero capturando a presa pela sucção de um grande volume de
água, incluindo a presa, para dentro da cavidade bucal.
Alguns peixes, por sua vez, são predadores e nadam com a
boca bem aberta, engolindo as presas. Muitas das espécies
Mixinas, lampreias de grupos filogeneticamente mais basais de vertebrados
A maioria dos peixes
terrestres se alimentavam avançando rápida e repetida-
Placódio mente a cabeça em direção à comida ou presa até que esta
Rhipidistia, incluindo os tetrápodes
nasal seja eventualmente engolida; Gans (1969) chamou esse
FIGURA 16-2 tipo de inercial. Outros vertebrados terrestres usam a lín-
O estomodeu e as estruturas associadas em um embrião de gua para transportar o alimento para a parte posterior da
craniata, indicando a região em que a abertura da boca se boca. A maioria dos vertebrados engole o alimento inteiro
desenvolve em grupos diferentes. O esquema de cores segue a ou em grandes pedaços, mas a maioria dos mamíferos e
Figura 16-1. alguns répteis são capazes de mastigar o alimento.
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 535

Embora os vertebrados se alimentem de várias manei- tação altamente especializado, no qual o animal se agarra à
ras, a alimentação por filtração é particularmente eficiente presa e raspa sua carne, sugando o sangue e outros fluidos
em habitats onde grande quantidade de organismos rela- do corpo.
tivamente pequenos está disponível. Muitos vertebrados Os dentes verdadeiros se originaram juntamente com
com mandíbula, de peixes a mamíferos, apresentam adap- as mandíbulas e estão presentes na cavidade bucal dos
tações para esse modo de vida, muitas delas convergen- gnatostomados (a menos que tenham sido perdidos se-
tes. Todos os vertebrados que se alimentam por filtração cundariamente). O típico dente de um adulto é composto
são aquáticos, ou pelo menos alimentam-se na água, e o por dentina revestida, na superfície exposta, por uma ca-
volume de água filtrada é bastante grande, de forma que mada de esmalte (Figura 16-3A); a estrutura desses mate-
o animal consiga obter comida suficiente. Os dentes são riais é semelhante àquela das escamas ósseas (Capítulo 6).
reduzidos ou perdidos, e alguns tipos de estruturas de fil- Os vasos sanguíneos e os nervos que nutrem o dente en-
tração retêm o alimento. Alguns exemplos de vertebra- tram por sua base e permanecem na cavidade pulpar cuja
dos com mandíbulas que se alimentam por filtração são entrada é inicialmente ampla durante o desenvolvimento
o tubarão-elefante, a raia-jamanta, o arenque, os girinos, e o crescimento do dente, mas torna-se relativamente mais
os patos, os flamingos e as baleias. (Consulte Sanderson e estreita em um dente maduro. A parte do dente que se
Wassersug, 1990, para uma revisão desse tópico.) projeta para fora da gengiva e, portanto sujeita ao desgas-
te, é a coroa; a parte ancorada na gengiva e, às vezes na
mandíbula, é a raiz.
Dentes O desenvolvimento da dentina e do esmalte dos dentes
Espécies viventes de vertebrados sem mandíbulas não é semelhante ao desenvolvimento das escamas ósseas. De
possuem dentes ósseos, mas apresentam dentes córneos fato, a origem evolutiva dos dentes foi provavelmente, a
(queratinizados) associados à boca e à língua de mixinas e partir da região denticulada das escamas (Figura 6-6A)
lampreias adultas. Proteínas semelhantes ao esmalte estão em associação com a formação das mandíbulas. A primei-
presentes nos dentes córneos das mixinas. Nas lampreias, ra indicação da formação dentária no embrião é o cresci-
os dentes córneos fazem parte de um método de alimen- mento, na gengiva, de uma crista longitudinal de células
Esmalte
Dentina
Coroa
Gengiva Língua
Lábio inferior
Cavidade pulpar
(vasos sanguíneos Germes
e nervos) dentários

Ligamento Epitélio
Raiz periodontal

Cemento
Lâmina dentária

Osso da mandíbula

A. Dente maduro de um mamífero B. Estágio inicial do desenvolvimento

Primórdio do dente
de substituição
Epitélio externo
Atrofiamento do esmalte
da lâmina
dental Retículo estrelado Órgão do esmalte FIGURA 16-3
Epitelio interno Estrutura e desenvolvimento
Esmalte do esmalte = do dente. A. Dente maduro
ameloblastos de um mamífero. B. Estágio
inicial do desenvolvimento
Dentina Odontoblastos do dente. C. Estágio posterior
Papila dentária
Mesênquima do desenvolvimento, no qual
a papila do dente produz o
esmalte e a dentina.
Azul= esmalte; vermelho=
dentina; roxo= cemento;
C. Estágio posterior do desenvolvimento amarelo= gengiva.
536 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

epiteliais chamada lâmina dentária (Figura 16-3B). As lita que os dentes suportem forças mais intensas. Os dentes
papilas dentárias subjacentes crescem para dentro da tecodontes das espécies basais do grupo Therapsida e os
lâmina dentária e interagem com as células epidérmicas dos mamíferos atuais, em conjunto com muitas outras al-
para formar uma série de primórdios dentários. O me- terações nas estruturas orais, estão associados ao aumento
sênquima dentro dessas papilas é derivado da crista neu- da atividade, que, por sua vez, está intimamente associada
ral. A lâmina dentária logo atrofia, mas os primórdios à maior e mais rápida ingestão e processamento do alimen-
dentários permanecem nas mandíbulas por toda a vida to, e a mastigação do alimento, que aumenta a área dispo-
da maioria dos vertebrados e durante o desenvolvimento nível para a ação das enzimas digestivas.
embrionário dos mamíferos. Cada dente se desenvolve a Na maioria dos vertebrados, novos dentes podem se
partir de brotos dentários que derivam secundariamente desenvolver a partir dos primórdios dentários mantidos ao
dos primórdios dentários (Figura 16-3C). A porção do longo de toda a vida do animal conforme os dentes mais
broto dentário derivada da lâmina dentária epidérmica velhos caem ou se desgastam; tais vertebrados são deno-
forma o órgão do esmalte, que reveste a papila dentária. minadas polifiodontes (do grego, polyphyes = múltiplo +
As células centrais do órgão do esmalte secretam glicopro- odont = dente). Nesse caso, um novo dente começa a se
teínas para os espaços intercelulares e depois se separam, formar antes que o dente mais velho seja perdido e, à me-
formando um arranjo reticular difuso de células em for- dida que o novo dente amadurece, a raiz do dente antigo
ma de estrela, e; em contraste, as células da superfície do é reabsorvida e esse dente se solta, e, por fim, cai. A per-
órgão do esmalte mantêm-se organizadas em um tecido da e a substituição seguem um ciclo complexo: ondas de
epitelial. A camada interna desse epitélio diferencia-se em ativação que induzem a formação do novo dente que são
ameloblastos colunares, que produzem o esmalte. As cé- transmitidas lentamente ao longo das mandíbulas, no sen-
lulas adjacentes da papila dentária formam odontoblastos tido antero-posterior, e ondas de substituição sucessivas, e
também colunares, que produzem a dentina. às vezes sobrepostas, seguem umas às outras. Dessa forma,
Nos peixes, os dentes podem estar distribuídos por toda existem, simultaneamente, áreas onde dentes velhos foram
a cavidade oral e faringe – nas mandíbulas, no palato, na perdidos, onde dentes recém-formados estão emergindo e
língua e em alguns arcos branquiais. Os dentes dos tetrá- onde dentes totalmente formados estão presentes. Os so-
podes geralmente ficam limitados às margens da mandí- quetes vazios tendem a ser ladeados por dentes totalmente
bula e, às vezes, ao palato. Eles são ligados a estruturas formados ou recém-surgidos. Esse mecanismo garante que
subjacentes por meio de fibras de tecido conjuntivo que pelo menos metade da dentição esteja sempre funcional.
formam um ligamento periodontal e, às vezes, também Nem todos os vertebrados são polifiodontes; a maioria dos
se ligam pelo cemento, um tipo de osso acelular e avas- mamíferos é difiodonte, apresentando apenas dois con-
cular. Como pode ser visto na Figura 16-4, as raízes dos juntos de dentes: os de leite (ou decíduos) e os permanen-
dentes são frequentemente ligadas frouxamente ao topo tes. As baleias dentadas são monofiodontes e apresentam
ou ao lado da margem da mandíbula; esse tipo de fixação apenas um único conjunto de dentes.
superficial dos dentes às mandíbulas é chamado acrodonte Embora o tamanho do dente possa variar, todos os den-
ou pleurodonte. Dentes acrodontes diferem dos pleuro- tes da maioria dos peixes, anfíbios e répteis têm uma for-
dontes principalmente poe estarem ligados ao topo ou à ma semelhante; tal condição é denominada homodontia.
superfície interna da mandíbula, em vez da superfície ex- A forma dos dentes está relacionada ao modo como são
terna, e também por apresentarem um grau mais limitado usados (Figura 16-5): na maioria dos peixes e nos primei-
de substituição. Os dentes também podem estar inseridos ros tetrápodes, os dentes são cones simples com a função
na mandíbula em soquetes profundos, um tipo de fixação de evitar que a presa capturada consiga escapar. Os dentes
chamada tecodonte (do grego, theke = caixa) que possibi- dos tubarões são normalmente triangulares, com bordas
afiadas e, às vezes, serradas, e são usados para perfurar e
Ligação frouxa à mandíbula rasgar o alimento, permitindo que o animal devore sua
presa em grandes pedaços. As ações de perfurar e rasgar
Dente materiais que podem facilmente ser manipulados, como a
carne, impõem desafios físicos distintos daqueles encon-
Inserido trados ao cortar materiais mais resistentes, como um peda-
profundamente
ao soquete
ço de madeira (Frazzetta, 1988). Frazzetta acredita que os
dentes lisos são particularmente adequados para perfurar
Mandíbula
e que dentes serrilhados são mais eficientes para cortar.
Os peixes e alguns tetrápodes que se alimentam de ma-
A. Acrodonte B. Pleurodonte C. Tecodonte
riscos e plantas possuem dentes achatados que podem se
FIGURA 16-4 fundir para formar placas dentárias próprias para esmagar
Secções verticais dos dentes e da mandíbula inferior de o alimento. As cobras que caçam pequenos mamíferos ca-
vertebrados mostrando os tipos de inserção do dente e sua pazes de morder para se defender desenvolveram métodos
ligação à mandíbula. para imobilizar a presa, sendo que um desses métodos en-
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 537

A. Characiformes B. Tubarão

C. Pargo D. Raia

FIGURA 16-5
Exemplos de diferentes tipos de dentes em alguns peixes. A. Dentes cônicos de espécies do grupo Characiformes (uma ordem de
peixes sul-americanos e africanos). B. Dentes triangulares funcionais e de substituição de um tubarão. C. Dentes semelhantes a pinos
de um pargo (um peixe perciforme). D. Placas dentárias esmagadoras de uma raia.
Fontes: A, baseado em Gregory; C-D, baseado em Lagler, Bardach e Miller (1962).

volve o uso de grandes dentes sulcados ou ocos – as presas dos mamíferos placentários é a presença de três pequenos
– para injetar na vítima o veneno secretado por glândulas dentes incisivos (abreviado por I) na extremidade rostral
salivares modificadas. de cada lado das mandíbulas superior e inferior, seguidos
Os dentes foram reduzidos ou perdidos em espécies por um único canino (C), quatro pré-molares (P) e três
para as quais não conferiam vantagem aos métodos de molares (M). A quantidade de cada tipo de dente pode ser
alimentação. Os girinos dos sapos alimentam-se principal- expressa como uma fórmula dentária em que o numerador
mente de material vegetal e, em vez de dentes, eles pos- e o denominador indicam o número de cada tipo de dente
suem papilas córneas, chamadas dentes labiais, ao redor presente em uma metade da mandíbula superior e inferior,
da abertura da boca que auxiliam na captura de plantas. respectivamente. Assim, no exemplo citado anteriormente,
Pequenos pedaços de alimentos vegetais são raspados pelos a fórmula dentária é: I 3/3, C 1/1, P 4/4, M 3/3. O núme-
bicos córneos na região anterior da mandíbula e separados ro de dentes tende a ser reduzido em espécies mais recentes
da corrente respiratória por filtração dentro da cavidade de mamíferos placentários. A fórmula dentária dos huma-
bucofaríngea. As larvas carnívoras de salamandras, por sua nos é I 2/2, C 1/1, P 2/2, M 3/3. Os marsupiais e os gru-
vez, alimentam-se por sucção e possuem pequenos dentes pos extintos de mamíferos são caracterizados por fórmulas
para segurar sua presa. Muitos sapos terrestres e salaman- dentárias diferentes; um marsupial, por exemplo, apresenta
dras adultas não possuem dentes verdadeiros nas margens uma fórmula dentária de I 5/4, C 1/1, P 2/2, M 4/4.
da mandíbula; assim, o alimento é capturado por um mo- Na maioria dos mamíferos, os dentes começam a emer-
vimento rápido da língua e aprisionado na boca por dentes gir quando o período de amamentação termina. Os den-
palatais. Um bico córneo envolvendo a mandíbula subs- tes incisivos, caninos e pré-molares decíduos emergem
titui a função dos dentes nas tartarugas e nas aves atuais. com o crescimento da mandíbula e são substituídos por
Nos mamíferos, a ingestão e a mastigação do alimento outros maiores e permanentes enquanto a mandíbula ain-
foram acompanhadas pelo desenvolvimento de dentes es- da está crescendo. Desenvolve-se uma boa oclusão entre
pecializados para diferentes funções; esse tipo de dentição, as duas arcadas, necessária para mastigação. Os dentes
com dentes com formas diferentes, é conhecido como hete- molares surgem posteriormente – no caso dos humanos,
rodontia (Figura 16-6). A condição primitiva da dentição o primeiro molar (m1) se desenvolve aproximadamente
538 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

FIGURA 16-6
Vista lateral do crânio e mandíbula do cão caçador
africano Lycaon, ilustrando os tipos e o número de Molares
dentes dos mamíferos eutérios. Esse animal perdeu Incisivos Caninos Pré-molares
o último molar superior, que está presente em
eutérios mais antigos. O último pré-molar superior e
o primeiro molar inferior dessa espécie, e da maioria
dos carnívoros terrestres atuais, são especializados
como dentes carniceiros de cisalhamento.
Fonte: Baseado em Vaughan. Paraconide Talonide reduzido
Metaconide

aos 6 anos o segundo molar (M2) aos 12 anos e o terceiro feros, próximos à linhagem dos Theria (como o grupo
molar (M3) e os dentes do siso aos 18 anos de idade – e †Symmetrodonta), as cúspides formavam um triângulo
não são substituídos, já que o tamanho final da mandíbula com a cúspide primária no ápice (Figura 16-7B). O ápice
é atingido aproximadamente ao mesmo tempo que o úl- do molar superior foi direcionado lingualmente, ao pas-
timo molar surge. A precisa oclusão e a substituição den- so que o molar inferior foi rotacionado labialmente. O
tária limitada estão entre as sinapomorfias dos mamíferos. espaçamento entre os dentes permitia que um molar infe-
A forma dos dentes está diretamente relacionada a seu rior se encaixasse entre os dois superiores, formando uma
uso. Os incisivos são dentes tipicamente pequenos, em eficiente superfície de cisalhamento conforme os dentes
forma de pá, usados para cortar e pegar a comida. Os ro- deslizavam entre si (Figura 16-7C). A configuração trian-
edores possuem apenas dois pares de incisivos (ao con- gular, chamada trígono no molar superior e de trigonido
trário dos humanos, que possuem quatro pares) que são no molar inferior, aumentou o número de superfícies de
bastante grandes e especializados em roer alimentos vege- cisalhamento (comparado à disposição linear mais primi-
tais. A cavidade pulpar de cada incisivo permanece aberta, tiva), tornando a mastigação mais eficaz.
e o dente apresenta crescimento contínuo à medida que Um cone adicional, o protocone, desenvolveu-se no
suas pontas se desgastam. O esmalte só está presente na ápice lingual do molar superior nos ancestrais dos marsu-
superfície frontal e forma uma aresta afiada de corte já que piais e dos mamíferos placentários. Duas das três cúspi-
a dentina, menos dura, na superfície interna se desgasta des originais permaneceram próximas à base do trígono
mais rapidamente. As presas dos elefantes e as presas es- e são chamadas paracone (rostral) e metacone (caudal;
piraladas dos narvais são exemplos de incisivos altamente Figura 16-7D). Pequenos cones acessórios podem estar
modificados. presentes. As três cúspides originais do molar inferior fo-
Os caninos geralmente são dentes grandes e cônicos, ram mantidas e são chamadas protoconide, paraconide
usados para capturar e perfurar a presa, eles são bem desen- e metaconide. Uma ponta baixa, conhecida como taloni-
volvidos nos carnívoros (Figura 16-6). Os caninos de al- de, originou-se a partir de uma crista na borda caudal do
guns porcos machos são modificados em presas defensivas. trigonido. A parte central da talonide formou uma bacia
As coroas dos dentes caninos dos humanos assemelham-se oca flanqueada por pequenas cúspides: uma entoconide
e funcionam como incisivos, mas as raízes são típicas de do lado lingual, e uma ectoconide no lado labial. Duran-
dentes caninos, sendo muito maiores que as dos incisivos. te a oclusão dentária, o protocone do molar superior se
Primitivamente, os pré-molares são dentes punciona- encaixou na bacia talonide, conferindo poder de esmaga-
dores e os molares combinam as ações de cortar e esma- mento que veio a complementar a ação de cisalhamento
gar. Esses dentes, coletivamente chamados molares, são conforme as cristas do trígono e do trigonido deslizavam
os mais complexos e variáveis. Exceto pelo primeiro pré- entre si. Esses tipos de molares, chamados molares tribos-
-molar, cada um tem duas ou mais raízes, e a coroa pos- fênicos, estão presentes em todos os marsupiais e mamí-
sui um complexo padrão de cúspides cônicas conectadas feros placentários. Os molares tribosfênicos em sua forma
por cristas afiadas. Os molares dos primeiros mamíferos original ainda estão presentes em espécies mais antigas de
conhecidos (como o †Morganucodon do final do Triás- mamíferos placentários insetívoros, mas foram bastante
sico) tinham uma grande cúspide central flanqueada por modificados em muitos táxons derivados em associação
um par de cúspides menores (Figura 16-7A). Nos grupos com mudanças na dieta.
mais antigos, essas cúspides eram dispostas em uma se- A ação de cisalhamento dos dentes molares é acen-
quência linear, mas em grupos mais recentes de mamí- tuada nos carnívoros (Figura 16-6). Nas espécies atuais
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 539

A. Molar de um mamífero primitivo B. †Symmetrodonta C. Oclusão de um


†Symmetrodonta

Paracone Molar 1
Pré-molar 4
Canino

Incisivos
Protocone
Metacone
D. Dentes superiores de um insetívoro

Protoconide Molar 1
Pré-molar 4 Hipoconide
Canino

Talonide
Incisivos
Paraconide
Metaconide Entoconide
E. Dentes inferiores de um insetívoro

FIGURA 16-7
A evolução dos dentes molares dos mamíferos. A. O molar superior de um mamífero primitivo (como o
†Morganucodem) em vista lateral (esquerda) e oclusal (direita). B. Os dentes de um †Symmetrodonta:
vista lateral de um molar esquerdo inferior (esquerda) e vista oclusal de um molar direito superior
(direita). C. Vista lateral da oclusão dos molares superiores e inferiores de um †Symmetrodonta. D-E.
A dentição de um insetívoro com molares tribosfênicos. Com a apresentação dos dentes direitos
superiores na fileira de cima (D) e dos dentes esquerdos inferiores na fileira de baixo (E), pode-se
visualizar a oclusão dentária. Observe que as protoconides dos molares inferiores encaixam-se entre as
protoconides dos molares superiores quando os dentes se aproximam.

do grupo Carnivora (gatos e cães, por exemplo), o quarto cúspides dos molares superiores quanto as dos inferiores
pré-molar superior e o primeiro molar inferior são espe- tornaram-se montículos arredondados em vez de cones
cializados como dentes carniceiros cortadores (do latim, afiados e, assim, formaram-se as superfícies esmagadoras e
carnis = carne). As cúspides do quarto pré-molar superior trituradoras; esse tipo de molar é chamado de bunodon-
são dispostas linearmente e formam uma face de cisalha- te e está presente em humanos, porcos e herbívoros mais
mento no lado lingual do dente, que cruza a crista de ci- antigos. A altura geral do dente não aumenta, e o dente
salhamento no lado labial do molar inferior, formada pela é descrito como tendo uma coroa baixa (Figura 16-9C).
paraconide e pela metaconide. A potoconide e a talonide As quatro cúspides do molar bunodonte, originalmen-
são reduzidas na maioria dos carnívoros e foram perdidas te separadas, e algumas cúspides acessórias fundiram-se
nos felinos. Os dentes pós-carniceiros podem ser reduzi- para formar cristas, ou lofos, em herbívoros mais espe-
dos ou podem ter sido perdidos. cializados. Esse tipo de molar, chamado lofodonte está
A ação esmagadora dos molares é maior nos onívoros e presente nos perissodáctilos, elefantes e roedores (Figura
nos herbívoros. A origem de um hipocone na extremida- 16-9A). Nos artiodáctilos, as quatro cúspides originais
de caudolingual do molar superior ao lado do protocone continuaram independentes, mas alongaram-se rostro-
resultou na modificação do trigonido em um dente com -caudalmente, adquirindo o formato de meia-lua; esse
forma quadrada (Figura 16-8, lado esquerdo). O molar tipo de dente é chamado molar selenodonte (Figura 16-
inferior também adquiriu uma forma quadrada pela perda 9B). Os dentes lofodontes e selenodontes são funcional-
da paraconide e pela elevação da talonide até a altura do mente idênticos. Muitos dos pré-molares desses grupos de
resto do trigonido (Figura 16-8, lado direito). Tanto as mamíferos adquiriram, com frequência, formas molares,
540 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

Molares tribosfênicos
Metacone Paracone
Hipoconide
Protoconide

Paraconide
Protocone
Entoconide Metaconide

Molares bunodontes
Metacone Paracone
FIGURA 16-8 Hipoconide Protoconide
A evolução dos molares. Os molares tribosfênicos
primitivos são mostrados na fileira de cima e os
molares bunodontes, na fileira de baixo. Os molares
direitos superiores estão representados na coluna da
Entoconide Metaconide
esquerda e os molares esquerdos inferiores na coluna Hipocone Protocone
da direita. Fonte: Baseado em Romer e Parsons. Superiores Inferiores

FIGURA 16-9 Ectolofo


Algumas adaptações dos
dentes molares para trituração. Esmalte
A. Vista oclusal do molar
Coroa
lofodonte de um rinoceronte. Dentina
B. Vista oclusal do molar
selenodonte de um cervo.
C. Representação de um molar Cemento
de coroa baixa (esquerda) e Raiz
de um molar de coroa alta, ou Lofo transversal
hipsodonte (direita), em cortes
verticais. O esquema de cores
segue a Figura 16-3. A. Molar de um rinoceronte B. Molar de um cervo C. Molares de coroas alta e baixa
Fonte: Baseado em Vaughan. (Rhinoceros)

sendo que, em alguns casos, os pré-molares e os mola- então, a ser flanqueadas de um lado pelo cemento e do
res podem ser distinguidos apenas por seu padrão de de- outro pela dentina.
senvolvimento embrionário. (Lembre-se de que os pré-
-molares são substituídos por dentes permanentes e que
os molares não são substituídos.) Os dentes molares das
espécies que se alimentam de gramíneas e outros vege- Os mecanismos de alimentação
tais abrasivos estão sujeitos a um desgaste considerável; dos vertebrados
as adaptações para esse tipo de alimentação incluem o au-
mento na altura das cristas ou das cúspides em forma de O estudo dos mecanismos de alimentação nos vertebra-
meia-lua, e a migração do cemento partindo da raiz em di- dos vem progredindo graças ao avanço de técnicas como
reção à superfície do dente e para dentro dos vales entre as a filmagem em alta velocidade, que permite analisar a mo-
cristas e as cúspides. Esse tipo de dente é chamado molar vimentação de ossos com a gravação simultânea da eletro-
de coroa alta, ou hipsodonte (Figura 16-9C). Os den- miografia da atividade muscular, e o uso de medidores de
tes tornaram-se mais resistentes ao desgaste em função da tensão que permitem a determinação precisa da deforma-
maior área disponível. À medida que as cristas são desgas- ção. Essas novas abordagens experimentais nos dão maior
tadas, camadas alternadas de cemento, esmalte e dentina compreensão não apenas das funções precisas dos sistemas
são expostas. Como esses materiais apresentam diferentes estruturais, mas também das transformações do crânio e
graus de rigidez, sendo o esmalte o material mais duro e dos músculos associados ao longo da evolução dos verte-
a dentina o mais macio, o grau de desgaste de cada um brados. Analisaremos, a seguir, a cabeça dos vertebrados
deles é diferente. As cristas afiadas do esmalte passaram, sob uma perspectiva funcional.
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 541

Alimentação no meio aquático: los ventrais, que se estendem do hioide à cintura peitoral
peixes e anfíbios (músculo rectus cervicis, coraco-hioideo ou esterno-hioi-
deo) e entre a mandíbula e a cintura peitoral (músculo
O ponto de partida para a evolução do mecanismo de coracomandibular; Figura 16-11A). Alguns tubarões po-
alimentação nos peixes Actinopterygii parte do padrão dem apresentar uma grande abertura bucal e a maioria
encontrado nos peixes “†Paleoniscoides” (Figura 16-10), também pode projetar a mandíbula superior, aumentan-
nos quais o movimento de abertura da boca é feito por do de forma significativa o volume da boca e da faringe.
músculos epaxiais que levantam a cabeça (Figura 16-10D) Tais movimentos resultam em uma força de sucção que
e, ao mesmo tempo, pelos músculos ventrais do corpo (hi- arrasta a presa para dentro da cavidade bucal. A maioria
paxial), e pelo músculo inter-hioideo (esterno-hioideo), dos tubarões combina os movimentos de alimentação por
que se estende da cintura peitoral ao hioide, que puxam a sucção com os de captura ativa das presas. A adução da
mandíbula inferior para baixo, resultando em uma gran- mandíbula resulta em uma mordida forte graças à grande
de abertura bucal (mas não no aumento do volume da musculatura adutora da mandíbula e aos músculos pré-
cavidade bucal). Acredita-se que esses peixes capturavam -orbitais (Figura 16-11B). Durante a fase de recuperação,
suas presas surpreendendo-as com sua boca bem aberta e o volume da boca e da faringe é restaurado pelos músculos
fazendo um movimento brusco em sua direção. Uma vez levantador do palatoquadrado, inter-hioideo e interman-
que a presa estivesse dominada, a boca era fechada por dibular, que puxam o hioide e o palatoquadrado para a
um conjunto de músculos que fecham a mandíbula, os frente e para cima. A relação entre o ponto de inserção do
adutores da mandíbula (Figura 16-10C). músculo adutor da mandíbula e a articulação da mandí-
Os tubarões também abrem sua mandíbula pelo levan- bula produz um grande torque ao redor da articulação da
tamento da cabeça feito pelos músculos epaxiais ao mes- mandíbula e, portanto, uma força externa otimizada nos
mo tempo em que ela é puxada para baixo pelos múscu- dentes. O tubarão Squalus acanthias e alguns outros tuba-

Músculos epaxiais Arco palatopterigoideo

Opérculo
Pré-maxila Subopérculo
Pré-maxila
Maxila
Cintura
Complexo peitoral
adutor da
mandíbula Hioide
Cintura peitoral Músculos hipaxiais

A. Músculos usados na alimentação B. Componentes esqueléticos

Músculos epaxiais
Adutor da
mandíbula

Músculos
Brânquiomandibular Brânquiomandibular hipaxiais
Inter-hioideo
C. Músculos de fechamento da mandíbula D. Músculos de abertura da mandíbula

FIGURA 16-10
Diagrama da cabeça de um actinopterígio fóssil (um “†paleoniscoide”), em vista lateral, mostrando o mecanismo de alimentação. A.
Cabeça e reconstrução dos músculos utilizados na alimentação. B. Principais componentes esqueléticos da cabeça.
C. Linhas de ação dos músculos (setas laranjas largas) que fecham a mandíbula. D. Linhas de ação dos músculos que abrem a
mandíbula (setas laranjas largas). Fonte: Adaptado de Lauder.
542 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

Condrocrânio Levantador da Hiomandibula Músculos epaxiais


hiomandíbula

Palatoquadrado

Mandíbula

Músculos hipaxiais
Coracomandibular Rectus cervicis
A. Abertura da boca

Palatoquadrado Levantador do
Condrocrânio palatoquadrado
Hiomandibula

Pré-orbital Adutor da
mandíbula

Mandíbula
Inter-hioideo e Hioide
intermandibular Cintura peitoral

B. Fechamento da boca

Palatoquadrado
FIGURA 16-11 Mandíbula
Diagramas da cabeça de um
tubarão, em vista lateral, mostrando
o mecanismo de alimentação. As Condrocrânio
setas laranjas largas mostram as
linhas de ação dos músculos, com
a largura das setas representando o
nível relativo da atividade muscular.
As setas estreitas mostram a direção
do movimento dos componentes
esqueléticos. A. Abertura da boca.
B. Fechamento da boca. Hiomandibula
C. Vista dorsal. C. Vista dorsal

rões (especialmente o tubarão-branco, que é o maior peixe ósseos e da mobilidade entre eles (Figura 16-12). Dessa
carnívoro marinho vivo do mundo) podem abrir bastante forma, observa-se algumas mudanças estruturais marcan-
a boca e gerar mordidas muito fortes, com dentes afiados tes ao longo da evolução deste grupo de peixes, como:
e serrilhados. Para uma análise abrangente da eletromio-
grafia e da cinemática do mecanismo de alimentação de 1. Na mandíbula superior, a pré-maxila aumentou de ta-
um tubarão esqualiforme, consulte Wilga e Motta (1998). manho e possuía um alto grau de mobilidade, além
Uma nova organização do crânio nos peixes actinop- de ser o único único elemento dentado, enquanto a
terígios resultou no aumento do número de elementos maxila, também altamente móvel mas sem dentes, era
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 543

Arco palatopterigoideo Articulação do tipo


bola-soquete

Complexo adutor
da mandíbula

Opérculo

Gênio-hioideo

Cintura peitoral
Ligamento

Hioide
A. Fechamento da boca Interopérculo

Levantador do opérculo
Músculos epaxiais

Arco palatopterigóideo

Pré-maxila
FIGURA 16-12
Diagramas da cabeça de um
Maxila peixe teleósteo recente, em vista
lateral, mostrando o mecanismo
de alimentação. As setas laranjas
largas mostram as linhas de ação dos
músculos, com a largura representando
o nível relativo da atividade muscular.
Gênio-hioideo
As setas estreitas mostram a direção
Articulação da do movimento dos componentes
mandíbula esqueléticos. A. Fechamento da boca.
Esterno-hioideo Músculos
B. Abertura da boca hipaxiais B. Abertura da boca.

capaz de movimentar para a frente e para trás (Figura fora. Seus movimentos são transferidos para os outros
16-12). dois ossos que cobrem as brânquias (o subopérculo e
2. O arco palatopterigoide, que forma a suspensão da o interopéculo) e para o canto posterior da mandíbula
mandíbula, mudou de uma posição oblíqua (Figura através de um ligamento.
16-10B) para uma posição mais vertical, levando a um 5. O hioide conectou-se ao revestimento das brânquias
aumento substancial do volume da cavidade bucal. por um ligamento, de modo que o movimento e as
3. Concomitante à orientação vertical do arco palatop- forças do aparelho hioide também fossem indiretamen-
terigoide, a articulação da mandíbula foi deslocada de te transferidos para a mandíbula inferior. Nesse tipo de
uma posição posteroventral à órbita (Figura 16-10B) design, a abertura da boca é resultado do levantamen-
para uma posição anteroventral (Figura 16-12B). to da cabeça, feito pela ação dos músculos epaxiais, ao
4. O osso que cobre as brânquias (opérculo), original- passo que a ação simultânea dos músculos hipaxial e
mente ligado firmemente ao crânio (Figura 16-10B), esterno-hioideos puxa o hioide para trás e para baixo
separou-se desse e se encaixou ao arco palatopterigoi- (Figura 16-12B). Esse movimento do hioide é trans-
de em uma articulação do tipo bola-soquete (Figura mitido por um ligamento ao interopérculo, que está li-
16-12A), podendo ser rotacionado e projetado para gado à região inferior e posterior da mandíbula. Assim,
544 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

quando essa ligação é puxada para baixo (pela muscu- peixes. A abertura da boca é auxiliada pela contração dos
latura associada ao hioide), a mandíbula é abaixada. músculos hipaxial e rectus cervicis (esterno-hioideo), que
Nos peixes teleósteos mais recentes desenvolveu- resultam no aumento do volume das cavidades bucais e
-se um terceiro mecanismo de abertura da boca, que faríngea (Figura 16-13B) e na sucção da água e presa para
envolve a rotação do opérculo, que cobre as brânquias dentro da boca, que é então fechada pelo complexo mus-
por meio da ação de um músculo que o eleva (músculo cular adutor da mandíbula, que puxa a mandíbula inferior
levantador do opérculo). Essa rotação é transmitida à para cima. Assim como nos peixes, o fechamento da boca
extremidade posterior da mandíbula por um ligamen- é seguido por uma fase de recuperação, durante a qual a
to, resultando no deslocamento da mandíbula para posição do hioide é restaurada pelo músculo gênio-hioi-
baixo (Figura 16-12B). Enquanto a mandíbula é des- deo (Figura 16-13A) e a água é forçada para fora da boca.
locada para baixo, a pré-maxila se projeta para a frente;
e esse movimento é chamado protrusão mandibular. Alimentação no meio aquático: tartarugas
Ao mesmo tempo, o arco palatopterigoide, que forma
as paredes laterais da cavidade bucal, se projeta para Os ancestrais das tartarugas, como todos os amniotas,
fora enquanto o assoalho bucofaríngeo, formado pelo eram terrestres. No entanto, muitos grupos se readapta-
hioide, é abaixado. Dessa forma, o volume da cavida- ram a habitats aquáticos e desenvolveram mecanismos de
de bucal aumenta significativamente. Esse aumento captura de presa que se assemelham aos observados nos
repentino no volume da cavidade bucofaríngea leva peixes e anfíbios: as tartarugas que se alimentam na água
a água e a presa, sugada com a água, para dentro da também utilizam a depressão do hioide para expandir a
boca. O fechamento da boca ocorre pela ação da mus- cavidade bucofaríngea e puxar água para dentro da boca,
culatura adutora da mandíbula (Figura 16-12A) e, em mas as presas, no entanto, não são sugadas e sim captu-
seguida, ocorre a fase de recuperação, na qual o hioide radas por uma rápida extensão simultânea do pescoço e
é projetado para a frente e para cima, retornando a da cabeça (captura ativa). A sucção criada pela depressão
sua posição original através da ação do músculo gê- do hioide parece manter a presa no lugar e evitar que
nio-hioideo (que é o coracomandibular no tubarão). o movimento súbito da cabeça para a frente a empurre
O volume original da boca é restaurado, e a água é para longe. Summers et al. (1998) chamaram isso sucção
empurrada para sair pelas brânquias, enquanto a presa compensatória.
é retida.
Deglutição em anamniotas aquáticos
Esse design funcional básico com componentes mó-
veis no crânio associados a uma extensa musculatura foi Uma vez que o alimento é capturado, ele deve ser trans-
mantido por toda a radiação adaptativa de mais de 25 portado para a faringe e para o esôfago. Os anamniotas
mil espécies de peixes actinopterígios, apesar de muitas aquáticos usam o transporte hidráulico para isso: tanto
variações terem evoluído. A eficiência e a versatilidade da nos peixes quanto nos anfíbios aquáticos as correntes de
combinação entre os modos de alimentação por sucção e água dentro da boca e da faringe transportam a presa.
por captura ativa existente na água permitiram que esses Essas correntes são criadas por movimentos cíclicos re-
peixes explorassem qualquer recurso alimentar concebível petidos das mandíbulas e do hioide que se assemelham
entre os 9 mil metros das profundezas abissais existente bastante à sequência de abertura e fechamento da boca e
até os 3 mil metros de altura dos córregos das montanhas. das fases de recuperação durante a captura da presa.
As aberturas bucais dos peixes que se alimentam no fundo Nos teleósteos, elementos dorsais e a maioria dos ele-
são voltadas para baixo, ao passo que as bocas dos peixes mentos posteriores ventrais dos arcos branquiais são espe-
que se alimentam na superfície da água são direcionadas cializados em estruturas com dentes, as mandíbulas farín-
para cima. Peixes que se alimentam de outros peixes pos- geas, com músculos retrator e protrator. Essas mandíbulas
suem mandíbulas compridas, enquanto os raspadores de faríngeas podem arrastar a presa e os alimentos para o esô-
algas possuem mandíbulas curtas. Uma abertura bucal fago, trabalhando em conjunto com o transporte hidráu-
quase circular, mais eficaz para a sucção, está presente na lico. Em muitos peixes, as mandíbulas faríngeas e os mús-
maioria dos peixes. culos associados se especializaram de modo que pudessem
As salamandras aquáticas também se alimentam por funcionar não somente no transporte da presa e dos ali-
sucção de forma semelhante aos peixes actinopterígios. mentos, como também na mastigação antes da deglutição.
O crânio é levantado pelos músculos epaxiais ao mesmo
tempo que a mandíbula inferior é rebaixada pela ação do
Alimentação no meio terrestre: amniotas
músculo depressor da mandíbula, que se origina no qua-
drado e se insere no osso articular da mandíbula caudal- Uma das principais modificações resultantes da transi-
mente à articulação da mandíbula com o crânio (Figura ção da vida aquática para a vida terrestre na evolução dos
16-13). O músculo depressor da mandíbula é um mús- vertebrados foi o mecanismo de alimentação. Diferenças
culo exclusivo dos tetrápodes que não está presente nos significativas no design dos sistemas de alimentação ocor-
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 545

Músculo adutor
da mandíbula

Cintura peitoral

Gênio-hioideo
Hioide
A. Fechamento da boca

Quadrado Músculos epaxiais


FIGURA 16-13
Diagramas da cabeça de uma
salamandra aquática, em vista
lateral, mostrando o mecanismo
Músculo depressor de alimentação. As setas laranjas
da mandíbula largas mostram as linhas de ação dos
músculos, com a largura das setas
representando o nível relativo da
atividade muscular. As setas estreitas
mostram a direção do movimento
dos componentes esqueléticos.
A. Fechamento da boca.
B. Abertura da boca.
Gênio-hioideo Rectus cervicis Fonte: Adaptado de Reilly e Lauder
B. Abertura da boca (esterno-hioideo) Músculos hipaxiais (1990).

reram em decorrência da densidade do ar ser menor que pelas ações dos músculos protrator e pterigoide e levanta-
a da água, o que impossibilita os animais terrestres de su- dor do pterigoide, que movimentam os ossos pterigoides
garem suas presas, como fazem os animais aquáticos. O para a frente e para cima em relação à caixa craniana e,
mecanismo de sucção é, portanto, quase universal nos ver- como os ossos pterigoides são firmemente articulados aos
tebrados aquáticos, mas não é útil para a captura de pre- demais componentes anteriores do crânio, o focinho é ele-
sas por tetrápodes terrestres. A diferença essencial entre a vado. A mandíbula é levemente rebaixada pela contração
alimentação terrestre e a aquática é que, nos vertebrados moderada do músculo depressor da mandíbula, enquanto
terrestres, os movimentos coordenados da mandíbula e da o hioide é puxado para a frente pelo músculo mandíbulo-
língua substituem o fluxo de água. -hioideo (gênio-hioideo). Esse estágio é seguido pela
A cinemática da alimentação de um lagarto é utilizada abertura rápida, na qual se observa a máxima e repentina
aqui como modelo para um ciclo de alimentação de um abertura da boca (Figura 16-14B). Essa abertura rápida é
vertebrado terrestre (Figura 16-14). Para todos os ver- causada por fortes contrações da musculatura depressora
tebrados terrestres, incluindo os anfíbios, os répteis e as da mandíbula e dos músculos esterno-hioideo e mandíbu-
aves que têm crânios cinéticos e os mamíferos, que não lo-hioideo. Após a abertura rápida, o mecanismo de fe-
possuem cinese craniana, o ciclo de alimentação consiste chamento rápido é ativado por fortes contrações da mus-
em quatro estágios: (1) abertura lenta, (2) abertura rá- culatura adutora da mandíbula e do músculo pterigoideo
pida, (3) fechamento rápido e (4) fechamento lento/po- (Figura 16-14C). A mandíbula é elevada, e a abertura da
tência do golpe. O ciclo começa com a abertura lenta boca diminui rapidamente. O estágio final é o fechamen-
da mandíbula. Nos lagartos e em outros amniotas com to lento/potência do golpe em que o focinho é abaixado
crânios cinéticos, o focinho é elevado em relação à caixa pela forte ação do músculo pterigoideo, que puxa os ossos
craniana. Esse movimento de uma parte do crânio em re- pterigoides caudalmente e para baixo (Figura 16-14D).
lação à caixa craniana é chamado cinese craniana, que se Ao mesmo tempo, a contração forte e contínua do com-
torna possível pela presença de uma articulação transversal plexo adutor da mandíbula resulta em uma forte mordida.
do tipo dobradiça no teto do crânio. Nos lagartos, essa Em alguns répteis, a potência do golpe inclui cortar, dila-
articulação transversal está localizada acima da margem cerar e esmagar a presa. A cinese craniana nas cobras e nas
posterior da órbita (Figura 16-14A). A cinese é efetivada aves é discutida no Enfoque 16-1.
546 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

Articulação transversal Levantador do pterigoide


Pterigoide Quadrado
Protrator do
pterigoide

Depressor
da mandíbula

Aparelho hioide
Mandíbulo-hioideo
A. Abertura lenta

Levantador do pterigoide Músculos epaxiais


Articulação transversal
Protrator do
pterigoide

Depressor
da mandíbula

Esterno-hioideo
Mandíbulo-hioideo

B. Abertura rápida

Articulação transversal
Complexo adutor Depressor
da mandíbula da mandíbula

Pterigoideo Esterno-hioideo
C. Fechamento rápido

Articulação transversal
Depressor
Complexo adutor
da mandíbula
da mandíbula

FIGURA 16-14
Diagramas da cabeça de um lagarto, em vista
lateral, mostrando o mecanismo de alimentação.
As setas laranjas largas mostram as linhas de ação
dos músculos, com a largura representando o
nível relativo da atividade muscular. As setas
estreitas mostram a direção do movimento dos
componentes esqueléticos. A. Abertura lenta. B. Pterigoideo
Esterno-hioideo
Abertura rápida. C. Fechamento rápido.
D. Fechamento lento/poder do golpe. D. Fechamento lento/potência do golpe
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 547

EN FO Q U E 16- 1 Cinese craniana ou mobilidade intracraniana

“Cinese craniana” é o termo para o movimento relativo en- ta que as cobras engulam presas grandes e inteiras depois que
tre partes adjacentes do crânio (por exemplo, entre a caixa as tenham imobilizado por constrição ou injeção de veneno.
craniana e o focinho; Figura 16-14B). A cinese craniana está Os crânios cinéticos também alcançaram um alto grau de
presente em uma grande variedade de vertebrados, mas foi desenvolvimento durante a radiação adaptativa das aves mo-
perdida nos mamíferos. É uma característica primitiva dos dernas. Funcionalmente, os crânios das aves podem ser divi-
tetrápodes e sofreu diferentes modificações em muitas linha- didos em quatro unidades: (1) a caixa craniana, (2) o palato
gens evolutivas. As serpentes do grupo Viperidae (figuras A e B) ósseo e o quadrado, (3) a mandíbula superior e (4) a mandí-
apresentam um alto grau de cinese craniana: a caixa craniana bula inferior (figuras C e D). O quadrado permite movimentos
é sólida, mas a perda do teto temporal libera o osso esqua- anteroposteriores; o palato ósseo também desliza para a fren-
mosal para se movimentar lateral e rostralmente; o quadrado te e para trás. A articulação do tipo dobradiça está presente
apresenta uma articulação móvel com o esquamosal; um liga- na junção frontonasal. O protrator do pterigoide participa da
mento conecta as extremidades rostrais das duas metades da cinese ao transmitir sua força para a frente, em direção à base
mandíbula, permitindo que elas se separem; a contração dos da mandíbula superior, próximo à articulação transversal da
músculos protrator e levantador do pterigoideo puxa o palap- junção frontonasal, causando a rotação do bico para cima.
terigoide para a frente e para cima; a maxila, que apresenta O músculo depressor da mandíbula a abaixa, e os músculos
presas altamente especializadas, é empurrada para a frente pterigoideo e adutor da mandíbula abaixam a mandíbula su-
e rotacionada, resultando na projeção da presa. Ao mesmo perior, garantindo o fechamento das mandíbulas.
tempo, o esquamosal move-se para cima e o quadrado move- Acredita-se que a cinese craniana das aves aumente a ca-
-se anterior e lateralmente, enquanto a mandíbula é abaixada pacidade de manipulação das mandíbulas, já que um con-
pela musculatura depressora da mandíbula, produzindo uma junto versátil de forças precisas é bastante valioso para abrir
enorme abertura da boca. O fechamento da boca resulta na sementes ou obter partes comestíveis, para prensar materiais
depressão e na retração do arco palatopterigoideo. Durante a na construção dos ninhos, para alisar as penas, ou para efe-
deglutição, o arco palaptorigoideo é protraído e retraído, agin- tuar outras atividades. A cinese craniana também promove a
do, na verdade, como uma catraca, com cada um dos lados absorção de impactos em aves como os pica-paus, além de
podendo ser protraído e retraído independentemente. Juntos, permitir que as aves mantenham uma linha estável de visão
eles puxam a presa para o esôfago. A cinese craniana possibili- enquanto se alimentam.

Ectopterigoide

Esquamosal

Esquamosal
Quadrado Levantador
do pteriogoide
Quadrado

Maxila Protator do
pteriogoide

Palatoquadrado

A. Cascavel com presas retraídas. B. Cascavel com presas protraídas para o ataque.

(Continua)
548 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

Cinese craniana ou mobilidade intracraniana


EN FO Q U E 16- 1 (continuação)

Complexo adutor Protrator do pterigoide


da mandíbula Caixa craniana
Articulação do tipo
dobradiça na junção
frontonasal

Mandíbula
superior
Depressor da
Palato ósseo mandíbula

Mandíbula Quadrado
Pterigoideo
Músculos hioideos

C. Galinha com a mandíbula fechada. D. Galinha com a mandíbula aberta.

A cinese craniana em uma cascavel (A e B) e em uma galinha (C e D), mostrando a mobilidade dos complexos palapterigoideo e quadrado e
da articulação do tipo dobradiça na junção frontonasal.

Os quatro estágios do ciclo de alimentação são encon- mastigam a comida, e o movimento da mandíbula infe-
trados em todos os mamíferos estudados, inclusive nos rior para trás lhes permite utilizar os dentes molares para
humanos. A abertura lenta começa com as ações (das triturar a comida. Os dentes incisivos e molares não são
porções) anterior e posterior do músculo digástrico (Fi- utilizados ao mesmo tempo. Os roedores e os elefantes
gura 16-15A). O papel do músculo digástrico na abertura trituram seu alimento com movimentos da mandíbula in-
da mandíbula é uma característica recente, única de ma- ferior para a a frente e para trás, ao passo que a maioria
míferos; esse músculo substituiu o sistema mais antigo de dos outros herbívoros mastiga com a movimetação das
abertura da mandíbula de répteis e anfíbios, em que a mus- mandíbulas de um lado para outro. Um carnívoro move
culatura depressora da mandíbula puxava um processo do sua mandíbula inferior lateralmente para utilizar primeiro
osso articular da mandíbula. Nos mamíferos, o osso arti- os dentes carniceiros de um lado e depois do outro antes
cular foi modificado em um ossículo auditivo. A abertura da mastigação. Um mamífero geralmente mastiga apenas
lenta é efetivada principalmente pelo músculo digástrico, e de um lado da boca por vez.
o hioide move-se para a frente por causa da contração do Os dentes, a forma e o tamanho das mandíbulas, a for-
gênio-hioideo. Assim como nos répteis, a abertura lenta é ma e a posição da articulação mandibular, e o tamanho e
seguida pela abertura rápida, quando a abertura bucal au- a disposição dos músculos da mandíbula são adaptados
menta rapidamente pela atividade dos músculos esterno- ao tipo de alimento ingerido. Uma comparação da me-
-hioideo e gênio-hioideo, puxando a mandíbula para baixo cânica da mandíbula de um carnívoro e de um herbívo-
(Figura 16-15B). Essa ação é possível porque o hioide é ro é um bom exemplo das diferentes adaptações (Figura
estabilizado por contrações simultâneas das porções ante- 16-16): a articulação da mandíbula de um carnívoro fica
rior e posterior do digástrico. No próximo estágio (fecha- no mesmo plano horizontal que os dentes, sendo eficaz
mento rápido), a mandíbula é elevada rapidamente pelas para cortar o alimento porque aproxima os dentes molares
contrações dos músculos masseter e pterigoideo (Figura como as lâminas de uma tesoura, com os dentes carnicei-
16-15C). O estágio final, fechamento lento/potência do ros, que ficam mais próximos da articulação, sendo utili-
golpe, é caracterizado por fortes contrações dos múscu- zados primeiro. A articulação mandibular é formada por
los masseter, pterigoideo e temporal, enquanto o hioide um côndilo mandibular cilíndrico que se ajusta em uma
move-se para trás (Figura 16-15D). Durante esse estágio, fossa mandibular transversal; tal configuração restringe os
o alimento é cortado em pedaços menores. movimentos para trás e para a frente da mandíbula infe-
A mastigação exige uma oclusão precisa dos dentes in- rior, mas permite que se mova levemente para os lados e
feriores em relação aos superiores. Conforme o alimen- para cima e para baixo. A articulação mandibular de um
to é obtido e processado, essas posições podem mudar. herbívoro, pelo contrário, encontra-se em um plano dife-
O movimento da mandíbula inferior para frente permite rente do plano dos dentes, que fica bem acima do plano
aos roedores a utilização de seus dentes incisivos enquanto dos dentes nos coelhos, mas às vezes fica abaixo, como era
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 549

Masseter + pterigoideo

Digástrico
posterior

Digástrico
posterior
Esterno-hioideo
Hioide
Digástrico anterior
Gênio-hioideo Digástrico anterior
Gênio-hioideo
A. Abertura lenta B. Abertura rápida

Temporal Temporal

Digástrico
Digástrico
posterior
posterior

Esterno-hioideo Masseter + pterigoideo Hioide


C. Fechamento rápido Masseter + pterigoideo
D. Fechamento lento Esterno-hioideo

FIGURA 16-15
Diagramas da cabeça de um felino, em vista lateral, mostrando o mecanismo de alimentação. As setas laranjas largas mostram as
linhas de ação dos músculos, com a largura das setas representando o nível relativo da atividade muscular. As setas estreitas mostram
a direção do movimento dos componentes esqueléticos. A. Abertura lenta. B. Abertura rápida. C. Fechamento rápido.
D. Fechamento lento/potência do golpe.

o caso em alguns dinossauros herbívoros. Como conse- do músculo e o fulcro (articulação mandibular) sobre o
quência, todos os dentes molares de um lado são utiliza- qual ele age (figuras 16-16A, 16-16C e 16-16E). O com-
dos concomitantemente, como se fossem as duas superfí- ponente vertical da linha de ação do músculo provê uma
cies de um quebra-nozes. O côndilo e a fossa mandibular poderosa força de mordida, e o componente horizontal
formam superfícies relativamente achatadas, o que confere puxa a mandíbula para trás para dentro da fossa mandi-
a liberdade de movimentos necessária à mandíbula infe- bular e mantém a integridade da articulação. Essa força de
rior para triturar os alimentos. retração para trás é particularmente importante para um
O músculo temporal é desenvolvido nos carnívoros e carnívoro, porque ele compensa a grande força exercida na
constitui mais da metade da musculatura adutora. Ele se parte frontal da mandíbula conforme puxa sua presa com
origina em uma grande fossa temporal e se insere no lon- seus dentes caninos. O músculo masseter na superfície la-
go processo coronoide da mandíbula, configuração que teral da mandíbula e o músculo pterigoideo na superfície
dá a esse músculo um longo braço de alavanca e, con- medial contribuem para a força da mordida e formam um
sequentemente, uma vantagem mecânica. O braço de complexo muscular que move a mandíbula inferior de um
alavanca é a distância perpendicular entre a linha de ação lado para outro a fim de empregar os dentes carniceiros.
550 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

Processo coronoide
Fossa temporal Processo coronoide Fossa temporal

Processo angular Processo


angular
Fossa massetérica
Fossa massetérica

A. Crânio de um felino B. Crânio de um coelho

Braço de momento
Braço de momento do músculo temporal
Linha de ação do do músculo temporal Linha de ação do
músculo temporal músculo temporal
Processo
Processo coronoide condiloide

Processo Linha de ação do


condiloide músculo masseter
Linha de ação do superficial
músculo masseter
superficial

Braço de momento
do músculo masseter

C. Mandíbula de um gato D. Mandíbula de um coelho Braço de momento


do músculo masseter
Articulação da
Temporal mandíbula

Temporal

Articulação da
mandíbula

Masseter Masseter

E. Músculos de fechamento da mandíbula de um gato F. Músculos de fechamento da mandíbula de um coelho

FIGURA 16-16
A mecânica da mandíbula de um carnívoro, representada com base em um felino (coluna esquerda), e a de um herbívoro,
representda com base em um coelho (coluna direita). As linhas através dos dentes indicam a forma que os dentes superiores e
inferiores se unem com o fechamento das mandíbulas: como uma tesoura em um carnívoro (A) ou como um quebra-nozes em
um herbívoro (B). Em um carnívoro (C), o braço de momento mais longo do temporal intensifica a função muscular, ao passo que
o herbívoro (D) possui um masseter mais poderoso devido ao maior comprimento de seu braço de momento. A localização da
articulação das mandíbulas e os tamanhos relativos dos músculos masseter e temporal diferem significativamente entre carnívoros e
herbívoros (E e F).
Fonte: A-D, baseado em Walker e Homberger.
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 551

Em um nítido contraste, os músculos masseter e pteri- sentes lateral e caudalmente às coanas e formam sulcos
goideo de um herbívoro formam a maior parte da muscu- que dão continuidade às passagens de ar mais caudalmen-
latura adutora. A posição alta da articulação mandibular e te (Figura 16-17B). Um palato duro ósseo, que mais tar-
o processo angular aumentado da mandíbula aumentam diamente veio a separar as passagens das cavidades oral e
o comprimento do braço de alavanca e conferem maior nasal, originou-se a partir de dobras semelhantes nos cro-
vantagem mecânica a esses músculos (figuras 16-16B, 16- codilos, em grupos basais de Therapsida e nos mamíferos
16D e 16-16F). O masseter geralmente é composto por (Capítulo 7). Um palato mole segue caudalmente a partir
duas camadas de fibras com linhas de ação quase perpen- do palato duro dos mamíferos e divide a parte rostral da
diculares entre si que fornecem forças para a frente e para faringe em partes nasal e oral. Juntos, os palatos duro e
trás e forças verticais fortes. O masseter e o pterigoideo mole constituem o palato secundário (Figura 16-17C).
posicionam os dentes e fornecem a maior parte das forças O palato duro de muitos mamíferos possuem rugas pala-
complexas necessárias para triturar os alimentos. Nenhu- tais transversais cornificadas que podem ajudar a prender
ma grande força para frente é direcionada à parte frontal o alimento durante a mastigação. As placas cornificadas
das mandíbulas. O músculo temporal, a fossa temporal e das baleias sem dentes, usadas na alimentação por suspen-
o processo coronoide são pequenos. são, desenvolveram-se a partir de cristas semelhantes.

O palato Língua, bochechas e lábios


O teto da cavidade oral é chamado palato. Nos vertebra- A principal diferença entre a alimentação nos meios aquá-
dos aquáticos, o palato é achatado e liso, ao passo que, nos tico e terrestre é o mecanismo de transporte de alimentos.
vertebrados terrestres, ele apresenta saliências. Muitos pei- Na água, as correntes de água criadas pelos movimentos
xes e tetrápodes primitivos possuem dentes palatais. Um dos ossos do crânio e do hioide transportam a presa para
par de narinas internas, as coanas, abrem-se próximo à dentro da boca e da cavidade faríngea. Em contraste, os
extremidade rostral do palato nos peixes com coanas, anfí- vertebrados terrestres dependem de movimentos da lín-
bios, répteis, aves e mamíferos (Figura 16-17). Acredita- gua. A língua se desenvolve no assoalho da cavidade buco-
-se que as coanas dos peixes que as possuem atuem como faríngea em muitos vertebrados. A lampreia tem uma “lín-
saídas para as correntes olfativas de água que circulam por gua” protrusível que possui dentes córneos e é usada para
suas cavidades nasais. As coanas dos tetrápodes são parte raspar a carne da presa. Na maioria dos peixes, o basal, um
das passagens de ar do sistema respiratório. A maioria dos elemento ventral mediano do hioide, forma uma estrutura
tetrápodes possui órgãos vomeronasais e suas entradas semelhante à língua chamada língua primária, que não
podem estar associadas às coanas ou podem ser entradas é muscular. Em algumas espécies, ela apresenta dentes. A
independentes, perfuradas no palato (Capítulo 12). Em língua primária de um peixe não desempenha um papel no
muitos répteis e aves, pequenas dobras palatais estão pre- transporte nem na manipulação dos alimentos.

Dentes vomerinos Abertura do órgão Abertura do ducto


vomeronasal nasopalatino para o
Coana sob a dobra órgão vomeronasal

Dentes
maxilares Coana
Palato
Assoalho duro
da órbita Dobra do
palato
Palato
mole
Tuba
auditiva

Tonsila
palatina
Esôfago Ângulo de corte
da mandíbula Tuba auditiva
A. Sapo B. Lagarto C. Cachorro Coana

FIGURA 16-17
Diagramas do palato de alguns tetrápodes, em vista ventral. A. Sapo. B. Lagarto. C. Cachorro.
Fontes: A, baseado em Walker (1998); b-c, baseado em Romer e Parsons.
552 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

As línguas musculares móveis dos tetrápodes são su- caracterizado pela adução rápida da mandíbula enquanto
portadas pelo hioide e pelos arcos branquiais anteriores a língua e a hioide continuam a se mover para trás. O ciclo
e invadidas pela musculatura hipobranquial (Capítulo é concluído com o fechamento lento, sem que uma grande
10). Apenas a região mais caudal da língua dos tetrápo- força de mordida seja aplicada pelos músculos adutores. A
des é homóloga à língua primária dos peixes. O restante língua e o hioide revertem suas direções e movem-se para
da língua de um anfíbio é chamado campo glandular e a frente (Figura 16-19D). Um número variável de ciclos
se desenvolve como uma elevação ventromedial entre o de transporte carregará o alimento pela cavidade oral, e
hioide e os arcos e mandibulares. Nos amniotas, um par o transporte é regularmente interrompido pelos ciclos de
de saliências linguais laterais mais rostrais foi adicionado mordida, durante os quais a língua se move para a frente
ao campo glandular, agora chamado tubérculo ímpar, e ou para os lados na abertura rápida, posicionando o ali-
à língua primária (Figura 16-18A). A língua muscular de mento entre os dentes para ser mastigado no fechamento
todos os tetrápodes desempenha um papel importante no rápido.
transporte e na deglutição do alimento. Nos mamíferos, Nos mamíferos, os movimentos da língua também
ela também posiciona o alimento entre os dentes superio- resultam dos movimentos da mandíbula e do hioide, e
res e inferiores. do movimento produzido pela própria língua. Os mo-
Os movimentos da língua têm sido estudados por meio vimentos da língua de felinos estão associados aos perfis
de imagens sequenciais de raio X de línguas nas quais fo- característicos dos movimentos da mandíbula e do hioide,
ram implantados marcadores rádio-opacos (Figura 16- como descrito nos quatro estágios do ciclo de transporte
19). Tanto nos répteis como nos mamíferos, os movi- dos répteis (Figura 16-19), com exceção da longa dura-
mentos da língua estão relacionados aos movimentos do ção (> 45% da duração do ciclo) do estágio de abertura
hioide e das mandíbulas nos quatro estágios previamente lenta. A língua move-se para a frente durante o estágio de
discutidos. Durante a abertura lenta, a mandíbula inferior abertura lenta e para trás durante a maior parte do restante
abre-se lentamente e a língua e o hioide movem-se para a do ciclo de transporte. Durante esse estágio estendido de
frente e para cima. Contrações e expansões também ocor- abertura lenta, a língua dos felinos se expande e se projeta
rem entre diferentes partes da língua muscular (Figura sob o alimento. O comprimento da língua nesse momen-
16-19). Primeiro, a região anterior se expande e se move to é cerca de 60% maior que a da língua retraída. A língua
para a frente sob o alimento. Ela então se contrai para trás carregando alimento e se movimentando para a frente se
sob o alimento e a língua, como um todo, move-se para projeta para as rugas palatais; esse contato com as rugas
a frente segurando o alimento contra o palato. No final impediria que o alimento se movesse para a frente, junto
do estágio de abertura lenta, a língua e o hioide estão em com a língua, e o manteria posicionado mais posterior-
suas posições mais anteriores e a língua está sob o alimen- mente. A retração e o encurtamento da língua em outros
to (Figura 16-19B). Durante a abertura rápida, a boca se estágios do ciclo acontecem com a língua longe do palato.
abre rapidamente enquanto a língua e o hioide são arrasta- A protração e a extensão da língua contra as rugas pala-
dos posteriormente, carregando o alimento de volta para tais, seguidas pela retração e pelo encurtamento da língua
cavidade bucal (Figura 16-19C). O fechamento rápido é para longe do palato formam a base do mecanismo de

Protuberâncias Campo glandular


laterais da língua ou tubérculo ímpar Corno do hioide (arco III)

Glote
Epiglote
Ponto de evaginação
Hioide
da glândula tireoide
Glote
Traqueia
Laringe Língua “primária”

A. Língua de um mamífero em desenvolvimento B. Salamandra C. Pica-pau

FIGURA 16-18
Desenvolvimento e estrutura da língua. A. Desenvolvimento da língua de um mamífero, em vista dorsal. B. Língua de uma salamandra
Plethondontidae capturando um inseto. C. Língua e o aparelho hioide de suporte de um pica-pau.
Fontes: A, baseado em Corliss; B, adaptado de Noble (1931).
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 553

A. Fechada transporte de alimentos na cavidade oral dos mamíferos


(Thexton e McGarrick, 1989).
A língua muitas vezes é usada na obtenção de alimen-
tos, e a maioria dos sapos e das salamandras e alguns lagar-
tos, como os camaleões do Velho Mundo, podem projetar
rapidamente parte de sua língua para fora da boca para
capturar o alimento (Figura 16-18B), que fica aderido à
Marcadores ponta da língua, pois esta é coberta por um muco visco-
implantados Hioide so. Um pica-pau possui uma língua espinhosa e comprida
na língua que é suportada por um aparelho hiobranquial elaborado,
parte do qual é abrigado em um tubo ósseo que se curva
ao redor da parte de trás do crânio (Figura 16-18C). De-
B. Abertura lenta pois de ter feito um buraco em uma árvore com o bico,
o pica-pau projeta sua língua para capturar um inseto ou
Alimento uma larva. Os mamíferos que se alimentam de formigas
e cupins também obtêm o alimento com suas línguas
compridas e viscosas. Alguns dos músculos da língua do
tamanduá-bandeira estendem-se caudalmente a ponto de
se aproximarem da extremidade posterior do esterno. As
papilas espinhosas da língua dos gatos e de outros carní-
voros ajudam os animais a raspar a carne de um osso.
Língua
A língua também é usada de muitas outras formas: a
presença de papilas gustativas e outros receptores a torna
um importante órgão sensorial; as cobras e alguns lagartos
possuem línguas protrusíveis e bifurcadas, que são usadas
C. Abertura rápida em associação com o órgão vomeronasal para detectar pis-
tas olfativas (Capítulo 12); a ofegação, mecanismo obser-
vado em cachorros e outros mamíferos, é importante para
a evaporação da água da superfície da língua, ajudando na
regulação da temperatura do corpo; nós, humanos, ob-
viamente, usamos nossa língua na fala e na manipulação e
deglutição da comida.
Os lábios e as bochechas carnosas que caracterizam os
marsupiais e os mamíferos placentários auxiliam a língua
na manipulação do alimento dentro da boca, além de se-
rem usados pelos recém-nascidos para sugar o leite dos
mamilos ou mamas da mãe. Os monotremados possuem
bicos córneos e, por isso, não podem sugar; assim, os fi-
lhotes de monotremados chupam os pelos sobre os quais
D. Fechamento lento o leite é secretado em vez de sugarem o leite diretamente
dos mamilos. Em muitas espécies de roedores, parte de
cada bochecha é evaginada abaixo dos músculos faciais
para formar um par de grandes bolsas nas quais a comida
pode ser temporariamente armazenada.

Glândulas orais
FIGURA 16-19 A maioria dos peixes não possui glândulas orais, exceto
Representações dos quatro estágios do transporte de por células secretoras de muco dispersas. As lampreias são
alimentos no lagarto Ctenosaurus, feitas a partir de um filme
uma notável exceção: elas possuem um par de grandes
cinerradiográfico. Os pequenos pontos na região da língua
são os marcadores da língua e do hioide. glândulas que secretam o anticoagulante necessário para
Fonte: Baseado em Smith. manter o sangue da presa fluindo livremente à medida que
554 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

elas se alimentam dele. As glândulas orais, incluindo as


glândulas salivares multicelulares, são bem desenvolvidas A evolução do mecanismo de
nos vertebrados terrestres. Suas secreções mucosas e aquo- alimentação dos vertebrados
sas lubrificam o alimento e facilitam sua manipulação e
deglutição. As glândulas salivares modificadas de algumas Grandes mudanças no sistema de alimentação e no com-
cobras produzem os venenos hemolíticos ou neurotóxicos portamento se originaram ao longo da evolução dos ver-
que são injetados na vítima pelas presas, imobilizando-a. tebrados (Figura 16-21). Reilly e Lauder (1990) identifi-
A secreção das enzimas digestivas não é uma função im- caram como primitivas as seguintes cinco características:
portante das glândulas salivares da maioria dos vertebra-
dos terrestres, embora alguns anfíbios e mamíferos sinteti- 1. O transporte da presa é realizado pelas correntes de
zem uma pequena quantia de amilase salivar, uma enzima água dentro da cavidade oral.
que ativa a hidrólise do amido. 2. O tamanho da abertura da boca permanece constante
As cavidades orais dos mamíferos são particularmente antes da fase de abertura rápida.
bem equipadas com células secretoras dispersas e grandes 3. A abertura da boca é resultado da depressão pronun-
glândulas salivares (Figura 16-20). A maioria dos mamífe- ciada da mandíbula inferior (pelo músculo esterno-
ros possui glândulas parótida, mandibular e sublingual -hioideo) e da elevação da cabeça (pelos músculos epa-
bem desenvolvidas, e algumas espécies possuem uma xiais).
glândula zigomática no assoalho da órbita e glândulas 4. Uma fase de recuperação sucede a ingestão da presa.
bucal e molar abaixo da membrana mucosa dos lábios. 5. A retração da hioide pelo esterno-hioideo é simultânea
A saliva é composta principalmente por secreções aquosas ao estágio da abertura rápida.
e mucosas que são importantes para lubrificar o alimento Essas características estão presentes em todos os peixes
durante a mastigação e a deglutição. Os humanos estão ósseos e nos tubarões. A única característica que perma-
entre os poucos mamíferos que secretam amilase salivar. nece semelhante em todos os vertebrados é a quinta. Nos
A digestão do amido tem início durante a mastigação e tetrápodes, uma língua muscular se desenvolveu para o
continua no estômago até que a alta acidez das secreções transporte da presa dentro da cavidade oral, função que
gástricas interrompa a ação da amilase. A saliva de uma se tornou mais elaborada e importante nos amniotas. Ou-
vaca, quando engolida, provê um meio de cultura em uma tras três características se modificaram nos amniotas: (1) a
das câmaras do estômago, o rúmen, no qual as bactérias mastigação e o ciclo de transporte da presa começam com
que fazem a digestão da celulose se multiplicam (Capítulo o estágio de abertura lenta antes do estágio de abertura rá-
17); uma vaca produz mais de 100 litros de saliva por dia. pida, (2) a abertura da boca é resultado do rebaixamento
Toxinas são produzidas pelas glândulas salivares de alguns da mandíbula em vez da elevação da cabeça e (3) o está-
insetívoros, e um anticoagulante é secretado pelas glându- gio de recuperação não é mais distinto. Duas inovações
las salivares dos morcegos-vampiro. evolutivas surgiram nos amniotas: a alimentação inercial e
um ciclo mastigatório de quatro estágios para o processa-
mento dos alimentos na boca. Em muitos répteis e aves,
especialmente aqueles com línguas reduzidas ou especia-
Glândula parótida lizadas, observa-se a alimentação inercial. Uma vez que
a presa é capturada, a cabeça é puxada rapidamente para
trás, impondo um movimento posteriormente direciona-
do sob a presa (Smith, 1986). As mandíbulas são, então,
Glândula
zigomática abertas rapidamente e a cabeça é impulsionada para a fren-
te de modo a englobar a presa. Esses impulsos inerciais
são repetidos até que a presa chegue ao esôfago. A maioria
das aves, das cobras e dos lagartos carnívoros emprega a
alimentação inercial, que envolve essa movimentação rá-
pida de aceleração-desaceleração dos complexos cranial e
cervical.
Abertura do ducto
Com o surgimento do complexo ciclo mastigatório de
da glândula parótida Glândula mandibular
sob o lábio, próximo quatro estágios, os amniotas passaram a usar suas mandí-
Glândula sublingual
ao dente carniceiro bulas e línguas não apenas para transportar toda a presa ou
Abertura dos ductos mandibular e sublingual
sob a língua, próximo à linha central
pedaços grandes de alimentos para o esôfago, mas também
para morder, alinhar, mastigar, compactar e transportar o
FIGURA 16-20 alimento para o esôfago. Esse processamento altamente
As glândulas salivares de um felino. eficiente do alimento proporcionou uma maior taxa de di-
Fonte: Baseado em Walker e Homberger. gestão de uma ampla variedade de alimentos.
O sistema digestivo: cavidade oral e mecanismos de alimentação 555

Actinopterygii

Dipnoi

1. Transporte da presa para dentro da cavidade oral por meio


de correntes de água
2. Abertura constante da boca antes da fase de abertura Amphibia
rápida.
3. Abertura da boca causada pela depressão da mandíbula
inferior e pela elevação da cabeça
4. Fase de recuperação presente

Tetrapoda
Testudines

Reptila
5. Retração do hioide simultânea à fase de abertura rápida

Amniota
6. Transporte do alimento para dentro da cavidade
oral por meio de movimentos da língua
Diápsida

7. Fase de abertura lenta


antes da abertura rápida Mammalia

8. Fase de recuperação ausente


9. Alimentação inercial
10. Ciclo mastigatório de quatro estágios para
o processamento de alimentos dentro da
cavidade oral
11. O tamanho da abertura da boca aumenta
principalmente pela depressão da
mandíbula inferior

FIGURA 16-21
A evolução dos padrões de alimentação dos vertebrados. Fonte: Adaptado de Reilly e Lauder (1990).

RESUMO
1. Os vertebrados obtêm a comida e outros nutrientes 4. O esmalte e a dentina dos dentes são semelhantes ao
necessários para sustentar seu metabolismo por meio esmalte e dentina das escamas ósseas. O esmalte é
do sistema digestivo. Os alimentos devem ser ingeri- produzido pelos ameloblastos do órgão do esmalte e
dos, às vezes quebrados mecanicamente, transporta- a dentina, pelos odontoblastos.
dos pela boca, engolidos e digeridos quimicamente. 5. Na maioria dos vertebrados, os dentes são ligados
2. O revestimento e os derivados glandulares do trato frouxamente às mandíbulas ou aos elementos esque-
digestivo desenvolvem-se a partir do arquêntero endo- léticos subjacentes (dentição acrodonte e pleurodon-
dérmico. O resto da parede se desenvolve a partir do te), mas, quando as forças que agem nos dentes são
mesênquima, sendo que a maior parte vem da meso- grandes, eles são posicionados em soquetes (dentição
derme esplâncnica. O estomodeu ectodérmico forma tecondonte).
a cavidade oral, ao passo que o proctodeu, também
ectodérmico, contribui com a cloaca. 6. Ondas sucessivas de formação de dentes novos subs-
3. Urocordados, cefalocordados e lampreias em estágio tituem os dentes ao longo de toda a vida da maioria
larval alimentam-se por filtração. Muitos tipos de dos vertebrados, mas, na maioria dos mamíferos, a
mecanismos de alimentação são observados entre os substituição é limitada a um conjunto decíduo e um
vertebrados. A maioria dos peixes e dos tetrápodes conjunto permanente de dentes.
aquáticos alimenta-se por sucção, mas muitos peixes 7. Todos os dentes possuem forma similar na maioria dos
se alimentam por captura ativa da presa. No geral, vertebrados (isto é, são homodontes), e essa forma está
muitos vertebrados terrestres se alimentam por inér- relacionada ao tipo de alimento ingerido e ao método
cia. Os mamíferos mastigam o alimento. usado para obtê-lo. Nos terápsidas mais recentes e na
556 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

maioria dos mamíferos, os dentes são diferenciados e corrente de água. As modificações evolutivas na ca-
têm diferentes funções (isto é, são heterodontes). beça relacionadas à alimentação por sucção incluem:
8. Os dentes começam a se desenvolver na maioria dos (1) o alargamento e o aumento da mobilidade da
mamíferos após o final do período de amamentação, pré-maxila, acompanhados por mudanças na maxi-
e o padrão de erupção e substituição garante a boa la que possibilitam seu balanço para a frente e para
oclusão, necessária para a mastigação. trás; (2) um aumento na orientação vertical do arco
9. Os incisivos são dentes tipicamente pequenos usados palatopterigoideo; (3) um deslocamento anterior da
para cortar, colher e pegar os alimentos. Os caninos articulação mandibular; (4) a separação do opérculo
são dentes geralmente grandes, cônicos, usados para do teto do crânio e a evolução de uma articulação
agarrar, perfurar e matar a presa. A função primária móvel entre o opérculo e o arco palapterigoideo; e
dos pré-molares é a de perfuração, e os molares com- (5) a evolução de mecanismos que transmitem o mo-
binam as ações de cortar e esmagar. vimento e as forças desenvolvidas no hioide sobre a
10. Os molares dos mamíferos ancestrais eram tricodon- mandíbula inferior.
tes, com três cúspides arranjadas linearmente, e um 15. As salamandras aquáticas também se alimentam por
deslocamento das cúspides para uma configuração sucção, e os padrões de alimentação assemelham-se
triangular, como observado no grupo †Synetrodon- aos dos peixes actinopterígios exceto pelo músculo de-
ta aumentou o número de facetas de cisalhamento. pressor da mandíbula.
Marsupiais e placentários ancestrais tinham molares 16. O alimento é transportado pela cavidade bucofarín-
tribosfênicos em que uma ponta baixa foi adicionada gea dos anamniotas aquáticos por uma corrente de
aos molares inferiores associada à nova função de es- água. Os movimentos repetidos das mandíbulas e do
magar o alimento em adição à ação de cisalhamento hioide, que se assemelham aos movimentos usados
original. na captura da presa geram a corrente de água.
11. Os dentes, principalmente os pré-molares e os mo- 17. Os movimentos coordenados da mandíbula e da lín-
lares, foram sofrendo modificações associadas a dife- gua muscular substituem o fluxo de água pela boca dos
rentes dietas dos mamíferos. Os carnívoros contem- vertebrados terrestres. O ciclo de alimentação envolve
porâneos têm um conjunto de dentes carniceiros de quatro fases: (1) abertura lenta, (2) abertura rápida,
cisalhamento cuja origem se deu a partir do último (3) fechamento lento e (4) fechamento rápido com
pré-molar superior e do primeiro molar inferior. o desenvolvimento de força suficiente para agarrar,
Os onívoros e os herbívoros mais antigos têm mo- cortar, triturar ou mastigar os alimentos. Esses movi-
lares bunodontes, de coroa baixa, com tipicamente mentos são acompanhados pelo desenvolvimento de
quatro cúspides arredondadas. As cúspides formam um grau de cinese craniana na maioria dos répteis e
cristas (molares lofodontes) ou meias-luas (molares das aves, mas não nos mamíferos.
selenodontes) nos herbívoros mais especializados. Os 18. As bochechas e os lábios carnosos dos marsupiais e
herbívoros que se alimentam de alimentos altamente mamíferos eutérios auxiliam na manipulação do ali-
abrasivos possuem molares de coroa alta. mento e são usados pelos recém-nascidos durante a
12. Os peixes actinopterígeos do grupo “†Paleoniscoi- amamentação.
des” alimentavam-se por captura ativa da presa. Ele- 19. A não ser pelas células dispersas produtoras de muco,
var a cabeça e abaixar a mandíbula inferior produzia a maioria dos peixes não possui glândulas orais; no
uma grande abertura da boca e permitia ao peixe cap- entanto, elas são bem desenvolvidas nos tetrápodes.
turar sua presa. As mandíbulas eram, então, fechadas. As glândulas salivares dos mamíferos incluem as glân-
13. A maioria dos tubarões captura a presa por uma com- dulas parótida, mandibular, sublingual, zigomática,
binação de alimentação por sucção e por captura ativa. molar e bucal. As glândulas de alguns mamíferos pro-
Eles podem formar uma grande abertura da boca ao duzem amilase salivar.
elevar o crânio e abaixar a mandíbula inferior. 20. As coanas abrem-se em um palato primário nos pei-
14. Os peixes actinopterígios alimentam-se por sucção. xes com coanas, anfíbios, répteis e aves. Nos mamí-
Muitas partes do crânio são altamente móveis, o ta- feros, um palato duro desloca a abertura das coanas
manho da cavidade bucofaríngea é rapidamente au- para a faringe e um palato mole divide a parte rostral
mentado e o alimento é sugado juntamente com uma da faringe em partes nasais e orais.

REFERÊNCIAS
As referências para este capítulo são combinadas com as refrên-
cias do Capítulo 17.

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