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Endodontia 1

Por Ana Carolinne (Monitora)

Sumário:
• Anatomia do sistema de canais radiculares (SCR) – dentes uni e birradiculares
• Acesso ao sistema de canais radiculares (SCR) – dentes uni e birradiculares
• Instrumental de uso endodôntico
• Isolamento Absoluto
• Soluções irrigadoras: Substancias e técnicas
• Preparo químico-mecânico do SCR
• Medicação intracanal
• Obturação do SCR
• Retratamento Endodôntico
• Diagnóstico em Endodontia
• Alterações Pulpares
• Alterações Perirradiculares
Anatomia do sistema de canais radiculares (SCR)
Dentes uni e birradiculares
O conhecimento da morfologia do sistema de canais radiculares (SCR) é um dos
requisitos para se atingir o sucesso do tratamento endodôntico. Apesar das evoluções
que a Endodontia vem passando nos últimos anos, principalmente com o
desenvolvimento de novas ligas e instrumentos, a complexa anatomia do SCR ainda é
um fator limitante de um adequado preparo químico-mecânico, favorecendo a permanência de remanescentes
teciduais vivos e/ou necrosados bem como de biofilmes bacterianos em istmos, reentrâncias e ramificações do SCR

Anatomia da cavidade pulpar


A cavidade pulpar é definida como o espaço dentro do dente que abriga a polpa. Ela é dividida em câmara pulpar
(porção coronária) e canal radicular (porção radicular)
- Câmara pulpar: abriga a polpa coronária e acompanha a forma externa da coroa. Nos dentes anteriores, é contígua
ao canal, apresentando as paredes axiais (mesial, distal, vestibular e lingual ou palatina) e o teto (abaixo da incisal).
Nos posteriores, além das paredes axiais e do teto (localizado abaixo da superfície oclusal e apresentando
reentrâncias que correspondem às cúspides, os divertículos pulpares), também há o assoalho, onde estão as
entradas dos canais. No assoalho, pode existir o rostrum canali (presente em aproximadamente 50% dos casos), que
é uma canaleta escurecida unindo a entrada dos canais. Nos jovens, a câmara pulpar é bem ampla. Porém, com o
passar dos anos, há uma contínua deposição de dentina, além da possível formação de calcificações e reabsorção
interna, que modificam a sua configuração. Na câmara pulpar dos multirradiculares, pode existir a presença de um
canal que atinge o ligamento periodontal chamado de cavointerrradicular
- Canais: acompanham a forma externa da raiz, apresentando forma cônica da coroa para o ápice e terminando no
forame apical. São divididos em terço cervical, médio e apical, e apresentam variações quanto ao número, forma,
direção e configuração. Dificilmente possuem secção transversal circular, a não ser próximo ao ápice. A anatomia do
SCR é complexa e a presença de um canal reto com forame único é exceção, e não a regra
- Ramificações: a presença de ramificações é consideravelmente maior no terço apical, seguido pelo médio e, por
último, pelo cervical. Nos dentes posteriores, há uma maior incidência de ramificações. Os canais são classificados da
seguinte forma:
Principal: é o de maior calibre, percorre a raiz em toda sua extensão e é visualizado na radiografia
Colateral: segue um percurso paralelo ao principal, podendo alcançar o ápice de forma independente
Lateral ou adventício: sai do principal e termina no periodonto lateral dos terços cervical ou médio
Secundário: sai do principal e termina no periodonto lateral do terço apical
Acessório: sai do secundário e termina no periodonto lateral do terço apical
Interconduto ou intercanal: une 2 canais entre si
Recorrente: sai do canal principal e a ele volta, sem se exteriorizar
Reticular: une vários canais entre si formando um retículo
Delta apical: quando o canal principal termina no ápice em diversos forames
Normalmente, apenas o canal principal é tocado pelos instrumentos. Assim, a irrigação do SCR com uma grande
quantidade de NaOCl deve ser realizada de modo que o irrigante alcance essas ramificações. Além disso, a maioria
desses canais não são visíveis radiograficamente; porém, pode-se suspeitar de sua presença quando houver uma
área radiolúcida lateralmente ao periodonto. Após a obturação, o cimento pode preencher tais ramificações,
tornando-as visíveis na radiografia
- Istmo: é uma área estreita, em forma de fita, que liga 2 ou mais canais. O preparo químico-mecânico tem limitada
ação nessa região, que pode abrigar tecido pulpar vivo e/ou necrosado bem como biofilmes bacterianos,
impactando diretamente no sucesso do tratamento
- Região apical do canal: contém o segmento apical do canal principal, o forame apical e uma maior incidência de
ramificações. Irritantes presentes no interior do SCR têm acesso aos tecidos perirradiculares por essas vias. Por isso,
esta área é conhecida como zona crítica apical. Dessa forma, uma adequada limpeza, desinfecção e selamento dessa
região são cruciais para o sucesso do tratamento

O canal é formado pelo canal dentinário e cementário. O canal dentinário, muito maior que o cementário, é cônico e
tem o menor diâmetro voltado para o ápice, se estendendo da embocadura até a junção cementodentinária (JCD). A
JCD, também chamada de limite CDC (canal dentinocementário), é a região de transição onde o canal dentinário
termina e o cementário começa. Teoricamente, é a região de menor constrição do canal. Porém, essa constrição
apical (forame menor) geralmente não coincide com a JCD. O canal cementário é curto e bastante cônico, se
estendendo da JCD até o forame apical (forame maior). O forame apical é a principal abertura do canal na região
apical através do qual os tecidos da polpa e do ligamento periodontal se comunicam e por onde penetram os vasos
sanguíneos. O forame apical não possui formato uniforme e, na maioria das vezes, encontra-se lateralmente à
superfície da raiz (forame para-apical), em uma distância que pode variar de 0,3 a 3,5 mm do ápice radicular
É importante salientar que a maioria dos canais é curvo em sua porção apical. Assim, o conhecimento das direções
mais frequentes das curvaturas apicais é relevante para evitar iatrogenias durante o preparo do SCR, como
transporte do canal, degrau e perfuração. Outro conhecimento relevante é em relação à inclinação dos dentes na
arcada, a qual guarda uma relação direta com o acesso coronário

Principais características de cada elemento dentário


Incisivo central superior • Na maioria das vezes, apresenta um único canal,
• Raiz: única e reta. O formato da câmara pulpar e mas existe uma incidência razoável de dois canais.
do canal radicular geralmente é cônico- piramidal Dessa forma, é importante realizar a remoção do
• Apresenta 1 canal em quase 100% dos caso cíngulo lingual
• Comprimento médio: 21,5 - 22 mm • Possui a câmara pulpar achatada no sentido
Incisivo lateral superior mésio-distal e ampla no sentido vestíbulo-lingual
• Geralmente, é menor que o incisivo central • Na região apical também pode ter uma leve
• Raiz: única, com leve curvatura para a distal. Além curvatura para a distal
disso, o canal geralmente possui um achatamento Canino inferior
no sentido mésio-distal • Possui canal bem amplo e comprimento de
• Comprimento médio: aproximadamente 23 mm aproximadamente 25 mm
Canino superior • Geralmente, possui raiz e canal únicos
• Maior dente em comprimento da boca Primeiro pré-molar inferior
• Comprimento médio: aproximadamente 26 mm • Para diferenciar os pré-molares inferiores dos
• Raiz: única, com formato cônico-piramidal e superiores deve-se observar a face vestibular
também pode apresentar curvatura para a distal, destes dentes, desde a coroa até a raiz, pois
com extremidade extremamente afilada geralmente eles apresentam a cúspide vestibular
• Tem o cíngulo proeminente o que facilita o acesso bem mais alta que a palatina e existe ainda uma
à câmara pulpar inclinação da face vestibular em direção a lingual
• Câmara pulpar ampla, sendo maior no sentido • São dentes que normalmente apresentam um
vestíbulo-palatino canal amplo e bastante achatado no sentido
Primeiro pré-molar superior mésio-distal
• Apresenta, na maioria dos casos, duas raízes e dois • Apresenta raiz única em 80% dos casos, mas
canais (vestibular e palatino) também pode apresentar variações anatômicas
• Deve-se sempre ter mente a sua relação de fazendo com que ele tenha mais de um canal ou
proximidade com o soalho do seio maxilar uma bifurcação, geralmente no terço médio da
Segundo pré-molar superior raiz
• Bem similar ao primeiro pré-molar, no entanto, na Segundo pré-molar inferior
maioria das vezes, apresenta uma única raiz • Apresenta comprimento médio de
• Apesar de apresentar uma raiz na maioria dos aproximadamente 22 mm
casos, pode ter a presença de dois canais também. • É bem similar ao primeiro pré-molar, só que
• Geralmente, tem raiz e canal únicos. Por isso, é geralmente a ponta de cúspide da vestibular é
sempre importante, no momento da cirurgia de bem parecida em altura com a palatina
acesso, procurar a existência de um outro canal • O formato da anatomia interna do canal é
• A cavidade de acesso costuma ser um pouco parecido com a anatomia do primeiro pré-molar,
menor que a do primeiro pré-molar superior tem um achatamento mésio-distal, fazendo com
Incisivos inferiores que ele seja um pouco mais ovalado e alongado
• São dentes bem pequenos e com coroas que no sentido vestíbulo-lingual
costumam ser bastante pequenas também. Assim, • Geralmente apresenta um único canal
deve-se tomar cuidado com o tamanho das brocas • Tem menor incidência de bifurcação que o
que serão utilizadas durante o acesso e com a primeiro pré-molar inferior
inclinação da mesma

.
Acesso ao sistema de canais radiculares (SCR) - dentes uni e birradiculares
O acesso coronário pode ser definido como o preparo de uma cavidade na coroa do dente para se ter acesso à
cavidade pulpar, representada pela câmara pulpar e pelo canal radicular. É um tempo operatório que engloba desde
o acesso à câmara pulpar, seu preparo, até a obtenção da configuração final da cavidade pulpar, sua limpeza,
antissepsia e localização dos orifícios de entrada dos canais radiculares. Erros durante essa etapa do tratamento
podem tornar o canal radicular inoperável e, às vezes, inacessível. Em alguns casos, a permanência do teto da
câmara pulpar pode levar ao futuro escurecimento da coroa dentária pela retenção de restos pulpares, sangue e
resíduos. Divertículos não removidos podem ainda abrigar bactérias que servem de fonte para infecção secundária
do canal. Além disso, pode dificultar ou impedir a localização dos canais, resultando em surgimento,
desenvolvimento, persistência ou, até mesmo, na perpetuação da doença endodôntica

Princípios básicos gerais

Algumas medidas preliminares básicas devem ser tomadas antes de iniciar o acesso propriamente dito:

- Verificar a inclinação do dente e das raízes no arco dentário

- Remoção de toda dentina cariada e das restaurações que impeçam o adequado acesso aos canais radiculares

- Alisar as superfícies pontiagudas dos dentes, que possam interferir na colocação do lençol de borracha e facilitar a
realização do isolamento absoluto

- Remover todos os planos inclinados da coroa, que possam interferir no estabelecimento correto de referências
externas, para a futura instrumentação e obturação dos canais radiculares

- Estabelecer a área de eleição adequada de acordo com as características anatômicas do elemento dentário

Etapas operatórias

Acesso à câmara pulpar: esta etapa se inicia com o estabelecimento de uma área de eleição, confecção de uma
forma de contorno inicial e direção de trepanação. A área de eleição é o ponto escolhido para ser iniciado o desgaste
do dente

Preparo da câmara pulpar: consiste na remoção de todo restante da parede do teto e no preparo das paredes
laterais da câmara pulpar. Para essa manobra, podem ser utilizadas brocas esféricas e tronco-cônicas diamantadas
de pontas inativas (Endo Z ou 3082)

Forma de conveniência: é realizada com a intenção de dar uma conformidade à cavidade pulpar e facilitar outros
procedimentos operatórios. Essa etapa visa:

- Facilitar o franco acesso dos instrumentos endodônticos ao canal radicular

- Possibilitar a visualização e dar linhas diretas às paredes da cavidade pulpar em direção às entradas dos canais
(acesso direto e reto aos canais)

- Permitir que a cavidade adquira paredes lisas e planas, para favorecer a visualização adequada dos orifícios de
entrada dos canais radiculares

- Simplificar todas as manobras operatórias de instrumentação e de obturação dos canais radiculares


Acesso coronário dos grupos dentais

Incisivos e caninos superiores

- Área de eleição: área mais central da superfície palatina, próxima do cíngulo

- Direção de trepanação: a penetração inicial é realizada com a broca operada perpendicularmente à linha do longo
eixo do dente. Penetra-se, em profundidade, em toda a espessura do esmalte. Posteriormente, modifica-se a direção
de sua inclinação, de modo que ela fique paralela ao longo do eixo do dente

- Forma de contorno inicial: triangular com a base voltada para incisal e o vértice voltado para o cíngulo. Nos caninos
superiores, particularmente, pode ser necessária maior extensão no sentido cérvico incisal, por causa da presença
do divertículo central, o qual é voltado em direção à cúspide. Essa característica anatômica pode conferir aos caninos
superiores uma forma lanceolada ou de chama de vela

- Preparo da câmara pulpar: remoção completa do teto e preparo das paredes vestibular e palatina da câmara
pulpar, trabalhando com a broca de dentro para fora. Remove-se os divertículos pulpares e complementa-se, tanto
quanto possível, a forma de contorno inicial

- Forma de conveniência (configuração final da câmara pulpar): remoção das anfractuosidades, regularização e
alisamento dos ângulos mesial e distal do vértice da câmara pulpar, remoção da projeção dentinária na região do
cíngulo, proporcionando, ao final do preparo, um acesso direto e amplo ao canal (Figura 1)

Figura 1. Esquema de acesso de um incisivo superior (Fonte: Endodontia: Biologia e Técnica. Lopes & Siqueira Jr.)

Pré-molares superiores

- Área de eleição: área central da superfície oclusal, junto à fossa central

- Direção de trepanação: vertical, paralela ao longo eixo do dente

- Forma de contorno inicial: forma cônico-ovóide, achatada no sentido mesiodistal, com extensões maiores de
preparo no sentido vestíbulo-palatino

- Preparo da câmara pulpar: realizam-se a remoção completa do teto e o preparo das paredes laterais da câmara
pulpar

- Forma de conveniência (configuração final da câmara pulpar): com o auxílio de uma sonda endodôntica tipo Rhein
ou de um instrumento endodôntico tipo K de diâmetro compatível com o do orifício de entrada do canal (6, 8, 10 ou
15), observam-se a direção e a inclinação com a sua exploração inicial. A seguir, verifica-se a necessidade de
realização de desgastes compensatórios, a fim de permitir um acesso reto e direto ao canal ou canais radiculares
(Figura 2)

Figura 2. Esquema de acesso de um pré-molar superior (Fonte: Endodontia: Biologia e Técnica. Lopes & Siqueira Jr.)
Incisivos e caninos inferiores

- Área de eleição: área mais central da superfície lingual, próxima do cíngulo

- Direção de trepanação: é realizada em duas manobras. Primeiramente a penetração inicial é operada com a broca
de forma perpendicular à linha do longo eixo do dente. Penetra-se em profundidade em toda a espessura do
esmalte. Posteriormente, modifica-se a direção da broca, situada ainda no mesmo ponto central inicial, operando
agora na direção paralela ao longo eixo do dente, aprofundando alguns milímetros em direção à câmara pulpar

- Forma de contorno inicial: triangular, com a base voltada para incisal e o vértice voltado para o cíngulo. Nos
caninos inferiores, particularmente, pode ser necessária maior extensão no sentido cérvico-incisal, por causa da
presença do divertículo incisal mediano. Assim, o canino poderá apresentar uma conformação mais ovalada em
relação aos incisivos inferiores

- Preparo da câmara pulpar: remoção completa do teto e preparo das paredes laterais da câmara pulpar, sobretudo
das paredes vestibular e lingual

- Forma de conveniência (configuração final da câmara pulpar): remoção das anfractuosidades, regularização e
alisamento dos ângulos mesial e distal do vértice da câmara pulpar, remoção da projeção dentinária na região do
cíngulo para remoção do ombro lingual, proporcionando, ao final do preparo, um acesso direto e amplo ao canal
(Figura 3)

Figura 3. Esquema de acesso de um incisivo inferior (Fonte: Endodontia: Biologia e Técnica. Lopes & Siqueira Jr.)

Pré-molares inferiores

- Área de eleição: área central da superfície oclusal junto à fossa central, com discreta tendência para a mesial do
dente

- Direção de trepanação: vertical, paralela ao longo eixo do dente

- Forma de contorno inicial: forma cônico-ovóide, que deve ser iniciada pelo alargamento da área do ponto de
eleição, aprofundamento da broca em direção à câmara pulpar, com maior dimensão no sentido vestibulolingual,
para favorecer a eliminação das angulações do teto

- Preparo da câmara pulpar: realizam-se a remoção completa do teto e o preparo das paredes laterais da câmara
pulpar

- Forma de conveniência (configuração final da câmara pulpar): complementa-se, tanto quanto possível, a forma
cônica, elíptica e achatada no sentido mesiodistal da cavidade pulpar. A presença de dois ou três canais radiculares
poderá exigir maior abertura da cavidade para facilitar as manobras operatórias sobre eles (Figura 4)

Figura 4. Esquema de acesso de um pré-molar inferior (Fonte: Endodontia: Biologia e Técnica. Lopes & Siqueira Jr.
Instrumental de Uso Endodôntico
Durante a realização do tratamento endodôntico, lançaremos mão de diversos
instrumentais específicos para cada etapa. Por isso, é de fundamental
importância ter conhecimento dos mesmos bem como de suas características e
formas de emprego.

Etapas do tratamento endodôntico


1. Exame clínico: para a realização de um adequado exame clínico, é
necessário que se tenha na bandeja os seguintes instrumentais: espelho bucal nº 5, sonda exploradora n°5 e
nº 47, pinça de algodão, colher de dentina e sonda periodontal.
2. Anestesia: para a realização da anestesia, necessária antes de toda abordagem endodôntica, necessitamos
de: anestésico tópico, agulha (curta e longa), seringa carpule com refluxo e tubete anestésico.
3. Acesso coronário: para a realização do acesso coronário, utiliza-se brocas esféricas carbide 2, 4 e 6 (para
remoção do tecido cariado), brocas esféricas diamantadas 1012 HL, 1014 HL e 1016 HL (para o desgaste de
esmalte e dentina saudáveis com o intuito de chegar até a câmara pulpar), brocas tronco-cônicas
multilaminadas com ponta inativa (como a broca ENDO Z, que faz o refinamento do preparo e alisamento
das paredes axiais) e também de sondas exploradoras, que são utilizadas para localizar a embocadura dos
canais e presença de interferências na cavidade de acesso.
4. Isolamento absoluto: nessa etapa, são utilizados os seguintes materiais: arcos de isolamento (arco de Ostby
ou arco de Young), lençol de borracha, fio dental, pinça perfuradora de Ainsworth (para fazer um furo no
lençol de borracha), pinça porta grampo (pinça tipo Palmer) e espátula n° 1 (para remoção do lençol da asa
do grampo). Além disso, utiliza-se grampos, que podem ser divididos em: grampos para dentes anteriores
(210, 211 e 212), grampos para pré-molares (206, 207, 208 e 209), grampos para molares (200, 201, 202,
203, 204 e 205) e os grampos especiais, como W8A.
5. Instrumentação dos canais radiculares: durante essa etapa do tratamento endodôntico, diversos
instrumentos são utilizados, como régua milimétrica (para mensurar o comprimento que se deseja colocar
na lima), alargadores de Gates-Glidden (utilizadas no preparo do alargamento dos terços médio e cervical do
canal para realização da manobra do pré-alargamento), limas endodônticas e os instrumentais usados para a
irrigação (etapa que acontece concomitante ao preparo do canal), que são a seringa de 5 mL, agulha sem
bisel e de saída lateral e as cânulas de aspiração.

- Limas endodônticas
São instrumentos de natureza metálica, multicortantes, com arestas ou fios cortantes ao longo de seu corpo. A lima
endodôntica é composta pelo cabo (onde seguramos o instrumento), pelo cursor de silicone (que tem a função de
delimitar a medida) e pela parte metálica (que é dividida em parte ativa e intermediário) (Figura 1). A parte ativa do
instrumento sempre terá 16 mm. Dessa forma, o que vai determinar o comprimento total do instrumento, que pode
ser de 21, 25 ou 31 mm, é o tamanho do intermediário, que vai variar. (Figura 2)

Figura 1. Esquema de uma lima endodôntica


Figura 2. Esquema de uma lima endodôntica

Ao observarmos a parte ativa da lima da Figura 2, fica nítido que o final da sua parte ativa (D16) é mais calibroso que
a sua ponta (D0). Isso é devido à conicidade do instrumento. A conicidade de um instrumento é a relação entre o
aumento no diâmetro por unidade de comprimento (mm) da parte de trabalho. A conicidade dos instrumentos
convencionais é de 0,02 mm/mm, ou seja, há aumento de 2% a cada 1 mm da parte de trabalho. Para os
instrumentos da série ISO com conicidade 0,02, o aumento de D0 para D16 é de 0,32 mm. O cálculo da conicidade de
uma lima é feito da seguinte forma: pega-se o D0 da lima, que é a ponta da mesma (por exemplo, uma lima 25),
acrescenta-se 0,02 mm multiplicado pelo comprimento da parte ativa do instrumento que é sempre de 16 mm nas
limas manuais. Assim, em D1 será acrescentado 0,02 mm e a lima terá em D1 0,27 mm, em D2 será acrescentado
mais 0,02 mm e a mesma terá em D2 0,29 mm, e assim sucessivamente.

Os instrumentos manuais possuem séries, as quais são: série especial (instrumentos 6, 8 e 10), 1ª série (15-40), 2ª
série (45-80) e 3ª série (90-140). Além disso, há uma padronização nas cores dos instrumentos, conforme podemos
notar na Figura 3. As cores irão variar do mais claro para o mais escuro. Dessa forma, toda lima 15 será branca, toda
lima 20 será amarela, 25 será vermelha, 30 será azul, 35 será verde e 40 será preta. Na 2ª série, a mesma coisa,
assim como na 3ª série.

Figura 3. Esquema mostrando o tamanho, série e cor das limas manuais

Os instrumentos são classificados quanto à natureza da liga metálica, ao processo de fabricação, ao modo de
acionamento, ao desenho da parte de trabalho e ao tipo de movimento executado.

- Liga metálica: podem ser fabricados em aço carbono, aço inoxidável ou níquel-titânio (NiTi). As limas de aço
carbono são menos resistentes e apresentam maior risco de fratura, razão pela qual desapareceram do mercado. As
de aço inoxidável possuem boa resistência à corrosão e fratura, enquanto as de níquel-titânio possuem uma grande
flexibilidade, devido a superelasticidade
- Processo de fabricação: podem ser fabricados por torção, quando o fio metálico é torcido, ou por usinagem,
quando uma máquina realiza cortes no fio metálico para obtenção de um determinado tipo de instrumento
- Acionamento: podem ser manuais ou acionadas a motor
- Desenho da parte de trabalho:
I. farpados: possuem farpas e são indicados para remoção da polpa (extirpa polpa)
II. tipo K: são fabricados por torção ou usinagem, e variam em diâmetro entre 06 e 140. São divididos em 4
séries: especial (06 a 10), 1ª (15 a 40), 2ª (45 a 80) e 3ª (90 a 140). Têm secção reta transversal triangular
(tipo K flexo-file) ou quadrangular, sendo usados na modelagem dos canais através dos movimentos de
limagem e alargamento
III. tipo Hedstrom: são fabricados por usinagem, têm secção reta transversal circular e são empregados no
preparo dos segmentos achatados dos canais e no desgaste anticurvatura pelo movimento de limagem
(Figura 4)
IV. tipo de movimento executado: as limas podem ser utilizadas através dos movimentos de remoção,
exploração, limagem, alargamento (contínuo, parcial alternado ou parcial à direita) ou
alargamento/limagem. O movimento de remoção é usado na remoção da polpa, mecha de algodão,
medicação intracanal e material obturador, e consiste no avanço da lima, rotação de 1 ou 2 voltas à
direita e tração. O movimento de exploração é indicado para o conhecimento da anatomia interna,
esvaziamento inicial e odontometria, e consiste em pequenos avanços no sentido apical, com discretos
movimentos de rotação à direita e à esquerda, com pequenos retrocessos. O movimento de
alargamento consiste na rotação e avanço simultâneos seguido pela tração, propiciando um preparo do
canal mais centralizado. Em áreas achatadas dos canais, principalmente em canais ovais, utiliza-se o
movimento de limagem, que compreende a raspagem das paredes pelo avanço da lima seguido de força
lateral contra uma parede e tração.

Figura 4. Exemplo mostrando a secção transversal de cada tipo de instrumento

6. Instrumento para colocação da medicação intracanal e cimento endodôntico: para a colocação da


medicação intracanal, é utilizado um instrumento chamado de Lentulo. É um instrumento acionado no
contra-ângulo, com rotação no sentido horário, para levar a medicação para o interior do conduto radicular.
7. Obturação: nessa etapa, que tem como função vedar todo o espaço do canal outrora ocupado pelo tecido
pulpar, são utilizados os seguintes materiais: cone de papel absorvente (que tem a função de secar o canal),
cone de guta-percha (dividido em cone principal e acessório, é um material semiplástico utilizado para o
vedamento do canal), cimento endodôntico (utilizado para realizar a adesão do cone de guta-percha à
parede do canal e/ou entre os cones de guta-perchas), espaçador digital (utilizados para criar espaço entre
os cones de guta-percha para posterior colocação de outro cone), calcadores (utilizados na compactação
vertical da guta percha para o interior do canal) e brocas de McSpadden (utilizadas para realizar a
termoplastificação da guta percha quando do emprego da técnica híbrida de Tagger).

Limas Endodônticas
Lima Série Fabricação Secção Cabo Movimento Objetivo
Tipo K 1ª, 2ª, 3ª série ISO Torção em quadrangular Quadrado ¼ de volta Exploração
Série especial aço inox vazio Alargamento
Limagem
Flexo File 1ª série ISO Torção em triangular Quadrado 1/3 de volta Alargamento
aço inox cheio Limagem
Hedstroem 1ª, 2ª, 3ª série ISO Usinagem vírgula Círculo Não girar (alto Limagem
em aço inox poder de corte)

Diâmetro de ponta
Gates-glidden 1 2 3 4 5 6
Diametro (MM) 0,50 0,7 0,9 1,10 1,30 1,50
Isolamento absoluto em Endodontia
O isolamento absoluto é um meio empregado para isolar um ou mais dentes
do contato com fluidos orais e microrganismos durante tratamentos clínicos
restauradores e endodônticos, sendo também utilizado em algumas
modalidades de cirurgia perirradicular. Nos dias atuais, por questões
biológicas, éticas e legais, o isolamento absoluto é considerado um dos
princípios básicos da Endodontia, por impedir que, durante o tratamento, haja contato do campo operatório e dos
instrumentos de trabalho com saliva, sangue, fluidos tissulares e demais estruturas da cavidade oral.
Consequentemente, a não utilização do isolamento absoluto é considerada negligência profissional, podendo
ocasionar a contaminação da câmara pulpar e do canal radicular e até acidentes de maior complexidade.

No tratamento endodôntico, o isolamento absoluto proporciona as seguintes vantagens:

• Diminui o cansaço e melhora o desempenho profissional, porque possibilita a atuação em um campo seco,
isolado de saliva, sangue e outros fluidos
• Ajuda a manter o campo de trabalho asséptico e reduz a possibilidade de contaminação adicional ao canal
radicular, diminuindo a chance de desenvolvimento de infecções secundárias relacionadas com o fracasso
endodôntico
• Auxilia o controle de infecção. O uso do lençol de borracha diminui o risco de infecção cruzada e proporciona
uma excelente barreira contra a disseminação potencial de agentes infecciosos
• Protege o paciente contra possível ingestão e aspiração de pequenos instrumentos
• Impede o contato direto de detritos, substâncias químicas e medicamentos que possam ocasionar injúrias
aos tecidos da cavidade oral do paciente
• Promove o afastamento da língua e da bochecha, melhorando a visibilidade da área de trabalho pelo
operador
• Aumenta a chance de sucesso do tratamento endodôntico de forma significativa, quando comparado com
tratamentos realizados sem isolamento

Materiais e instrumentais utilizados para a realização do isolamento absoluto

• Lençol de borracha: é um lençol confeccionado em látex natural, fino e liso, comercializado nos tamanhos de
15 x 15 cm ou 13 x 13 cm, em diferentes espessuras, cores e aroma.
• Arco ou porta lençol: é fabricado em metal ou plástico autoclavável e tem por função fixar o lençol de
borracha, mantendo-o distendido, firme e liso. Na Endodontia, é indicado o arco de plástico, que não
necessita ser removido durante as tomadas radiográficas por ser radiolúcido. Dessa forma, a face do lençol
voltada para o dente em tratamento não entra em contato com a saliva, contribuindo para a manutenção da
cadeia asséptica. Os dois tipos de arcos mais usados são em forma de U (arco de Young) ou octogonal (arco
de Ostby). Além desses, são encontrados arcos dobráveis, indicados para pacientes que tenham “sensação
de falta de ar” ou claustrofóbicos e arcos descartáveis, que já vêm adaptados ao lençol, disponíveis também
para pacientes alérgicos.
• Pinça perfuradora: é responsável pela perfuração do lençol de borracha; sendo geralmente utilizado o
perfurador de Ainsworth. Como na Endodontia, na maioria das vezes, o isolamento é unitário, é
recomendado realizar um orifício no maior diâmetro para que possa receber o grampo. Com o lençol preso
no arco, o local da perfuração é realizado no centro para os dentes posteriores e 1 cm acima ou abaixo do
ponto central, para os dentes anteriores superiores e anteriores inferiores, respectivamente, sendo este
método simples, asséptico (dispensa o uso de marcação com canetas) e eficaz.
• Pinça porta-grampo: é utilizada para posicionar e remover o grampo do colo dentário por meio da sua
apreensão e distensão durante o uso. As pinças do tipo Palmer (reta) ou Brewer (com dupla curvatura) são
as mais usadas.
• Grampos: têm a finalidade de reter e manter a borracha adaptada ao colo clínico do dente, além de
promover o afastamento gengival. Os grampos mais comumente utilizados são numerados de acordo com
os grupos de dentes: 200 a 205 para molares; 206 a 208 para pré-molares; e 210 a 212 para caninos e
incisivos. Em dentes parcialmente erupcionados, mal posicionados, com coroas cônicas ou muito destruídas,
entre outras situações que dificultam o isolamento, são empregados grampos especiais, como 14, 14A e
W8A ou 8A para molares, e 00, 1, 1A e 2 para pré-molares e incisivos.
• Dispositivos auxiliares: com o objetivo de otimizar o isolamento absoluto, o profissional deve dispor de
dispositivos auxiliares, como fio dental, protetor gengival fotopolimerizável, entre outros.

Quando isolar?

Inicialmente, realiza-se a profilaxia no dente para eliminar o biofilme bacteriano e, em situações mais complexas,
pode ser necessária a cirurgia periodontal prévia, para aumento de coroa clínica com o objetivo de isolar e tratar
adequadamente o dente. Após a profilaxia, passa-se o fio dental nas regiões interproximais para verificar os contatos
dessas áreas e, se necessário, utiliza-se tira de lixa para regularizar arestas cortantes. Estando o paciente
devidamente anestesiado e a coroa do dente sem placa e/ou cálculo, o dente deve ser isolado para dar início ao
acesso à câmara pulpar e demais etapas do tratamento. No entanto, o lençol de borracha pode impedir a
observação da posição do dente e de seus vizinhos na arcada dentária, o que pode levar à ocorrência de perfurações
durante a abertura coronária em mãos inexperientes, como também em casos de difícil acesso à câmara pulpar,
como nos dentes com coroas inclinadas em relação à raiz, casos de fenestração de coroas totais, acesso endodôntico
em dentes preparados para prótese ou com calcificações na câmara, entre outras situações. Diante disso, não é
errado realizar o isolamento somente após a câmara pulpar ser trepanada, pois, ainda que ocorra a sua
contaminação, ela será fugaz e transitória, sendo rapidamente eliminada após os procedimentos de limpeza dos
canais

Técnicas de isolamento

Primeiro, escolhe-se o grampo de acordo com o dente e sua condição clínica e, uma vez adaptado ao colo dentário,
sua estabilidade e retenção são testadas, pressionando-o levemente com a ponta dos dedos polegar e indicador. Na
prova do grampo, é fundamental amarrá-lo corretamente com fio dental para prevenir sua ingestão ou aspiração em
caso de deslocamento ou fratura do dente. Terminado os procedimentos iniciais e a seleção do grampo, aplica-se o
isolamento com uma das opções técnicas apresentadas a seguir:

• colocação do conjunto, grampo, lençol de borracha e arco de uma só vez


• colocação do grampo no dente, seguido do lençol preso ao arco
• colocação do lençol/arco envolvendo o colo do dente, seguido do grampo

A escolha pela técnica de colocação depende do caso em particular e da preferência do profissional. Uma vez
posicionado, verifica-se a qualidade da vedação e realiza-se a desinfecção do campo operatório, incluindo a coroa
dentária, o grampo, o lençol e o arco, friccionando mecha de algodão ou gaze embebida em hipoclorito de sódio a
2,5%, no sentido centrífugo, iniciando-se no dente, quantas vezes for necessário durante o tratamento. É importante
desinfetar o campo operatório, pois bactérias residuais presentes na coroa do dente podem ser uma fonte de
infecção secundária. Além disso, tem sido demonstrado que tanto lençóis de borracha recém-abertos, como os
armazenados em consultórios, abrigam bactérias em suas superfícies que podem causar infecções secundárias e o
fracasso endodôntico
Soluções irrigadoras: substâncias e técnicas
O tratamento endodôntico está pautado na prevenção, manutenção ou
restabelecimento da saúde dos tecidos perirradiculares. Para isso, um adequado
preparo químico-mecânico do sistema de canais radiculares (SCR) é necessário,
promovendo sua limpeza, ampliação e modelagem. A ampliação e modelagem são
logradas pela ação mecânica dos instrumentos nas paredes dos canais, enquanto a
limpeza é alcançada pela ação mecânica dos instrumentos, pela ação química das
substâncias químicas auxiliares sobre tecidos e microrganismos, e pela irrigação-aspiração, que remove os resíduos
destes eventos

Propriedades de uma substância química auxiliar ideal

• Tensão superficial: a tensão superficial de um líquido está na força de atração de suas moléculas, que é
maior entre as de superfície. Quando a força de atração de um sólido é maior que a tensão superficial do
líquido, ocorre o molhamento dos sólidos pelos líquidos. Assim, quanto menor a tensão superficial do
líquido, maior será sua umectação e penetração no SCR
• Viscosidade: é a resistência de um fluido ao escoamento. Uma solução viscosa escoa com dificuldade nas
cânulas finas e longas, formando um jato líquido com menor alcance. Uma alta viscosidade diminui a
penetração do irrigante nas reentrâncias do SCR
• Atividade solvente de tecido: visa à dissolução de tecido pulpar vivo e/ou necrosado durante o preparo do
SCR. Essa atividade depende da relação entre volume da solução e massa de tecido, área de contato, tempo
de ação, temperatura da solução, agitação mecânica, concentração e renovação da solução. Quanto maior
for esses fatores, maior será a capacidade solvente
• Atividade antimicrobiana: a desinfecção do SCR é alcançada pela ação mecânica dos instrumentos, pela ação
química das substâncias auxiliares e pelo processo de irrigação-aspiração. Assim, uma substância com
atividade antimicrobiana terá um efeito adicional na desinfecção do SCR
• Atividade quelante: durante o corte da dentina por um instrumento é criada uma lama dentinária (smear
layer), que se adere às paredes dos canais, possuindo componentes orgânicos e inorgânicos. Os quelantes
removem íons cálcio da dentina, fixando-os quimicamente e removendo a parte inorgânica da smear layer
• Atividade lubrificante: as soluções, através do molhamento, mantêm as paredes dos canais hidratadas e
atuam como lubrificantes, reduzindo a força de atrito entre o instrumento e a dentina, diminuindo o seu
desgaste e preservando a sua capacidade de corte
• Suspensão de detritos: o processo de irrigação-aspiração mantém os detritos em suspensão, impedindo sua
sedimentação e obstrução do canal. Para isso, o canal deve estar sempre cheio com a solução, a qual deve
ser frequentemente renovada
• Biocompatibilidade: toda substância desinfetante possui toxicidade para células vivas, o que torna utópico
conciliar forte ação antimicrobiana e biocompatibilidade. Os efeitos lesivos de uma substância química sobre
os tecidos dependem da toxicidade, concentração, tempo e área de contato. Devido ao curto tempo em
contato com uma área reduzida dos tecidos perirradiculares, o efeito adverso de um irrigante tende a ser
mínimo

A substância química auxiliar ideal deveria apresentar as seguintes propriedades: baixa tensão superficial, baixa
viscosidade, solvente de matéria orgânica, atividade antimicrobiana, atividade quelante, lubrificante, remover
detritos e ser biocompatível ou ter baixa toxicidade. Entretanto, nenhuma substância química preenche todos esses
requisitos
Principais substâncias utilizadas

Hipoclorito de sódio (NaOCl)

• Por apresentar atividade antimicrobiana de amplo espectro e capacidade solvente de tecido, é a solução de
escolha da maioria dos endodontistas
• Concentração: classificado como um composto halogenado, é comercializado nas seguintes concentrações:
o Líquido de Dakin: NaOCl a 0,5% neutralizado com ácido bórico
o Líquido de Dausfrene: NaOCl a 0,5% neutralizado com bicarbonato de sódio
o Solução de Milton: NaOCl a 1% estabilizado por 16% de cloreto de sódio
o Licor de Labarraque: NaOCl a 2,5
o Soda clorada: NaOCl a 4-6%
o Água sanitária: NaOCl a 2-2,5%
• Há controvérsias quanto à concentração ideal do NaOCl. O uso de altas concentrações reside no fato de que
quanto maior a concentração, maior a atividade antibacteriana e capacidade solvente de tecido. Porém,
alguns problemas estão relacionados com o seu uso em altas concentrações. Um deles é a irritação dos
tecidos quando extravasado. Outra preocupação é a de que altas concentrações, como a de 5,25%, afetam
significativamente o módulo de elasticidade e a resistência à flexão da dentina. Isso ocorre devido ao alto
efeito proteolítico do NaOCl a 5,25%, desnaturando o colágeno da matriz dentinária.
• Propriedades: além da atividade antimicrobiana e da capacidade solvente de tecido, tem ação
desodorizante, clareadora, lubrificante, baixa tensão superficial e detergente, promovendo a saponificação
de lipídios.
• Mecanismo de ação: o NaOCl somente existe em solução aquosa, originando o hidróxido de sódio (base
forte) e o ácido hipocloroso (ácido fraco). A dissolução tecidual ocorre pela ação combinada do hidróxido de
sódio com o ácido hipocloroso, cada um reagindo com determinados componentes da polpa. A ação
desodorizante ocorre pela atividade letal do cloro sobre bactérias e seus produtos, eliminando o mau odor.
O ácido hipocloroso é o responsável pela atividade antimicrobiana, a qual está relacionada com o pH do
meio. Além da concentração e do pH, a temperatura também influencia na atividade antimicrobiana e na
capacidade solvente de tecido, uma vez que o aumento da temperatura implica em um aumento dessas
propriedades. Outro fator relevante é a relação entre volume da solução e massa de tecido. Quanto maior
essa relação, maior a capacidade solvente de tecido e atividade antimicrobiana do NaOCl
• Vantagens e desvantagens:
o Vantagens: barato, rápida atuação, desodorizante, lubrificante, pronunciada atividade
antimicrobiana, relativamente não tóxico nas condições de uso, inativa endotoxinas, solvente de
matéria orgânica, concentrações facilmente determinadas e clareador
o Desvantagens: instável ao armazenamento, corrosivo, inativado por matéria orgânica, irritante para
pele e mucosa, forte odor, descora tecidos e remove carbono da borracha
• Considerações clínicas: devido à instabilidade, deve ser armazenado em frascos de cor âmbar, ao abrigo da
luz. Águas sanitárias das marcas Q-Boa, Super Globo e Clorox podem ser utilizadas como substância química
auxiliar

Clorexidina

• Desenvolvida em 1940 para ser um antiviral, a clorexidina foi esquecida em razão de sua baixa atividade
antiviral, sendo redescoberta anos depois como agente antibacteriano
• Definição: é uma bisbiguanida catiônica, sendo uma base forte, praticamente insolúvel em água. O sal
digluconato de clorexidina (0,12 a 2%) é o mais utilizado, estando disponível na forma líquida ou em gel
• Propriedades: possui atividade antibacteriana de amplo espectro (bascteriostática em baixas concentrações
e bactericida em altas concentrações) e substantividade, ou seja, se liga à hidroxiapatita do esmalte e da
dentina, sendo liberada lentamente à medida que sua concentração no meio decresce, podendo manter
seus efeitos por até 21 dias. É relativamente atóxica. A clorexidina não deve ser utilizada como irrigante
principal nos tratamentos endodônticos de rotina pois não apresenta capacidade solvente de tecido e
porque é menos efetiva na eliminação de bactérias gram-negativas do que gram-positivas. Alguns trabalhos
recomendam seu uso como irrigante final, pois promove uma desinfecção prolongada devido a sua
substantividade e aumenta a adesão de cimentos resinosos às paredes dentinárias. Buscando corrigir suas
propriedades indesejáveis, alguns autores têm sugerido seu uso associado ao NaOCl. Entretanto, a forte
pigmentação acastanhada e a impregnação na dentina oriunda dessa combinação, que gera o composto
paracloroanilina, desabonam seu uso. Pode ser a substância química de eleição quando o paciente
apresentar alergia ao NaOCl e no tratamento de dentes necrosados associado à rizogênese incompleta,
devido ao alto risco de extravasamento

Ácido etilenodiamino tetracético dissódico (EDTA)

• É uma substância quelante que promove a remoção de íons cálcio da dentina, fixando-os quimicamente.
Está disponível na forma líquida ou em gel. Apresenta baixa toxicidade e pequeno poder de descalcificação.
Tem ação autolimitante, necessitando de tempo para obtenção de seu efeito. À medida que ocorre seu
contato com a dentina, há reação com os íons cálcio, neutralização e perda da ação química, necessitando
de trocas constantes. É indicado na remoção da smear layer após o preparo. Para isso, é recomendado o uso
do EDTA a 17% por 3 minutos. Por agir somente na parte inorgânica (mineral) da smear layer, deve-se
realizar, em seguida, uma irrigação com NaOCl para remoção da parte orgânica. Também pode ser utilizado
para negociar canais atrésicos e calcificados, sendo necessário um grande volume e constante renovação

Ácido cítrico

• É um ácido fraco, solúvel em água, que atua sobre os tecidos mineralizados do dente, promovendo sua
desmineralização. É empregado na remoção da parte inorgânica da smear layer, sendo utilizado de forma
semelhante ao EDTA. Sua concentração mais utilizada é 10%

Outras substâncias

• Água de cal: substância hemostática usada na irrigação de dentes vitais e com rizogênese incompleta.
• Água oxigenada: foi indicada em associação ao NaOCl por acreditar que a efervescência gerada promoveria
uma melhor limpeza do SCR. Porém, estudos não mostraram maiores benefícios no uso dessa associação.
• Glicerina: excelente lubrificante indicado na exploração de canais atrésicos.
• Água destilada, soluções anestésicas e soro fisiológico: não apresentam propriedades químicas, sendo
indicados apenas como irrigantes.

Aspectos técnicos da irrigação-aspiração

A irrigação-aspiração ocorre pelo fluxo de fluidos decorrente da diferença de pressão na embocadura e no interior
do canal. A irrigação é realizada concomitantemente à aspiração, renovando a substância química e tornando a
limpeza mais efetiva. Tem como objetivos a remoção de detritos e a redução de microrganismos do interior do SCR.
Para a limpeza dos canais, não é tão importante a química da solução, mas sim o volume empregado. A irrigação-
aspiração é influenciada pelos seguintes fatores:

• Propriedades físicas do irrigante: deve possuir baixa viscosidade e baixa tensão superficial para que atinja a
complexa anatomia do SCR.
• Anatomia do canal: quanto mais amplo e reto, mais fácil é a limpeza, não só pela maior penetração da
agulha, mas também pelo uso de agulhas mais calibrosas, levando um maior volume de solução.
• Diâmetro da agulha: a profundidade de penetração da agulha depende da relação diâmetro do preparo do
canal/diâmetro da agulha. O jato da solução alcança de 1 a 2 mm além da ponta da agulha. Assim, para uma
melhor irrigação, a agulha deve ser posicionada 2 mm aquém do comprimento de trabalho (CT). Agulhas
mais seguras com ponta fechada e/ou saída lateral podem ir até 1 mm aquém do CT.
• Técnica de instrumentação: o preparo dos terços cervical e médio antes do apical favorece a penetração do
irrigante e a remoção de detritos, reduzindo o risco de extrusão. Além disso, preparos apicais amplos
promovem uma melhor desinfecção do SCR.
Preparo químico-mecânico do SCR
O tratamento endodôntico está pautado na prevenção,
manutenção ou restabelecimento da saúde dos tecidos
perirradiculares. Para isso, é necessária a realização de uma
série de procedimentos, tendo cada um deles a sua
importância. De acordo com o famoso axioma da Endodontia,
o mais importante é o que se retira do canal e não o que se
coloca nele. Assim, diante da conhecida complexidade
anatômica do sistema de canais radiculares (SCR) e sem
querer minimizar a importância da obturação, fica evidente que a etapa de modelagem do SCR é a mais desafiadora
do tratamento endodôntico.

Objetivos do preparo químico-mecânico

O preparo químico-mecânico tem como objetivos promover uma adequada limpeza, ampliação e modelagem do
SCR. Embora distintos, esses objetivos são alcançados simultaneamente, pois eles se completam.

- Limpeza: visa à eliminação de tecido pulpar vivo e/ou necrosado e de bactérias do SCR, criando um ambiente
propício para a reparação dos tecidos perirradiculares. A limpeza é alcançada pelo somatório da ação mecânica dos
instrumentos endodônticos nas paredes do canal, da ação química das substâncias químicas auxiliares (dotadas de
propriedades como solvente de matéria orgânica e atividade antimicrobiana), e complementada pela remoção de
detritos do canal através do canal helicoidal das limas e do processo de irrigação-aspiração, pelo fluxo e refluxo do
irrigante.

- Ampliação e modelagem: visam, através do uso de limas e alargadores, à confecção de um canal cônico-progressivo
com menor diâmetro apical, utilizando instrumentos com diâmetros e conicidades adequados à anatomia do canal.
Assim, evitam-se problemas como degraus, perfurações e transporte do canal. Uma correta ampliação e modelagem
permite uma maior incorporação de paredes dentinárias possivelmente infectadas, bem como melhora a eficácia da
irrigação, possibilitando uma melhor limpeza do SCR. Além disso, cria uma forma geométrica adequada para a
obturação.

Instrumentos endodônticos

Maynard (1838) desenvolveu o 1º instrumento endodôntico a partir de uma mola de relógio. Entretanto, a
fabricação dos instrumentos em escala industrial só ocorreu em 1875. Em 1958, Ingle & Levine publicaram as
primeiras propostas para a padronização dos instrumentos. Em 1976, essas propostas foram acatadas pela American
Dental Association/International Organization for Standardization (ISO), tornando oficial as normas para fabricação
das limas. Desde então, elas são padronizadas, sendo compostas pelo cabo e corpo, que inclui o intermediário e a
parte de trabalho de 16 mm (D0 ao D16), com conicidade aumentando 0,02 mm a cada mm. São fabricadas em 21,
25, 28 e 31 mm de comprimento, sendo o intermediário a parte variante. Não há normas de fabricação para as limas
mecanizadas. Os instrumentos são classificados quanto à natureza da liga metálica, ao processo de fabricação, ao
modo de acionamento, ao desenho da parte de trabalho e ao tipo de movimento executado.

• Liga metálica: podem ser fabricados em aço carbono, aço inoxidável ou níquel-titânio (NiTi). As limas de aço
carbono são menos resistentes e apresentam maior risco de fratura, razão pela qual desapareceram do
mercado. As de aço inoxidável possuem boa resistência à corrosão e fratura, enquanto as de NiTi possuem
uma grande flexibilidade, devido à superelasticidade.
• Processo de fabricação: podem ser fabricados por torção, quando o fio metálico é torcido, ou por usinagem,
quando uma máquina realiza cortes no fio metálico para obtenção de um determinado tipo de instrumento.
• Acionamento: podem ser manuais ou acionadas a motor.
• Desenho da parte de trabalho:
• - Farpados: possuem farpas e são indicados para remoção da polpa (extirpa polpa).
• - Tipo K: são fabricados por torção ou usinagem, e variam em diâmetro entre 06 e 140. São divididos em 4
séries: especial (06 a 10), 1ª (15 a 40), 2ª (45 a 80) e 3ª (90 a 140). Têm secção reta transversal triangular ou
quadrangular, sendo usados na modelagem do SCR através dos movimentos de limagem e alargamento.
• - Tipo Hedstrom: são fabricados por usinagem, têm secção reta transversal circular e são empregados no
preparo dos segmentos achatados dos canais e no desgaste anticurvatura pelo movimento de limagem.
• - Especiais: incluem os alargadores de Gates-Glidden (GG), Largo, Peeso, Batt e LA Axxess, e as limas de NiTi.
• - Tipo de movimento executado: as limas podem ser utilizadas através dos movimentos de remoção,
exploração, limagem, alargamento (contínuo, parcial alternado ou parcial à direita) ou
alargamento/limagem. O movimento de remoção é usado na remoção da polpa, mecha de algodão,
medicação intracanal e material obturador, e consiste no avanço da lima, rotação de 1 ou 2 voltas à direita e
tração. O movimento de exploração é indicado para o conhecimento da anatomia interna, esvaziamento
inicial e odontometria, e consiste em pequenos avanços no sentido apical, com discretos movimentos de
rotação à direita e à esquerda, com pequenos retrocessos. O movimento de alargamento consiste na
rotação e avanço simultâneos seguido pela tração, propiciando um preparo do canal mais centralizado. Em
áreas achatadas dos canais, principalmente em canais ovais, utiliza-se o movimento de limagem, que
compreende a raspagem das paredes pelo avanço da lima seguido de força lateral contra uma parede e
tração.

Limite apical de instrumentação

Esse limite geralmente não exerce influência significativa na incidência de dor pós-operatória, exceto nos casos de
sobreinstrumentação e sobreobturação, os quais apresentam uma maior incidência de dor. Entretanto, a
controvérsia quanto a esse limite reside em sua influência no resultado do tratamento a longo prazo. Além da
anatomia de cada SCR apresentar suas singularidades, as condições patológicas envolvidas também devem ser
levadas em consideração. Na clínica, o profissional se depara com polpas vitais, polpas necrosadas e casos de
insucesso (retratamento). O sucesso do tratamento depende do reconhecimento das diferenças entre essas
situações, onde os casos de polpa necrosada e insucesso são caracterizados pela presença de uma infecção,
enquanto as polpas vitais são livres de infecção. Assim, o tratamento de bio e necropulpectomias, com ou sem lesão
perirradicular associada, pode apresentar estratégias diferentes. A região apical (zona crítica apical) do canal contém
o segmento apical, o forame apical e uma maior incidência de ramificações, as quais permitem uma íntima relação
com os tecidos perirradiculares. O canal é formado pelo canal dentinário e cementário. A junção cemento-dentinária
(JCD) é definida como a região de transição onde o canal dentinário termina e o cementário começa. Teoricamente,
é o local de maior constrição do canal. A maioria dos autores concorda que o limite apical ideal da instrumentação
seria na JCD; porém, na maioria das vezes, isto não é possível devido à grande variabilidade na sua localização e à
dificuldade em detectá-la clinicamente. Além disso, a JCD nem sempre representa o diâmetro mais constrito do
canal, sendo considerada um ponto essencialmente histológico. Assim, como o forame apical se encontra, em
média, deslocado 0,5 mm aquém do ápice radicular e a JCD está, em média, a 0,5 mm do forame apical, Lopes &
Siqueira Jr (2015) recomendam que o limite apical de instrumentação, tanto em bio como em necropulpectomias,
seja estabelecido 1 mm aquém do ápice radiográfico, sendo esta medida chamada de comprimento de trabalho (CT).

Passo a passo da técnica crown-down modificada da UFF

- Radiografia inicial, anestesia, acesso, isolamento absoluto e localização dos canais.

- Cateterismo: exploração inicial do canal uma lima tipo K 10 com movimento de remoção até o terço médio para
visualizar a direção de entrada da lima e realizar o esvaziamento inicial do canal.

- Pré-alargamento: preparo dos terços cervical e médio com uma sequência de 3 alargadores de GG em ordem
decrescente (exemplo: 3, 2 e 1), escolhida de acordo com o diâmetro do canal. Em canais curvos, deve ser realizado
o desgaste anticurvatura, direcionando o preparo para a zona volumosa da raiz (zona de segurança), evitando
rasgos.
- Determinação do CT: realizada com uma lima tipo K 15 através do localizador apical eletrônico, por ser mais preciso
e confiável. Porém, pode-se utilizar o método radiográfico, com o CT ficando 1 mm aquém do ápice radiográfico.

- Instrumentação inicial do terço apical: a 1ª lima utilizada deve ser de diâmetro imediatamente inferior à última GG
usada. Como nesse exemplo a GG1 (50) foi a última utilizada, inicia-se o preparo apical com uma lima tipo K 45, a
qual deve ser introduzida no canal e trabalhada através do movimento de alargamento parcial alternado ou
contínuo até o CT. Se não chegar no CT, seleciona-se uma lima menos calibrosa (exemplo: 40) e repete-se o
processo. A 1ª lima a alcançar o CT é chamada de lima do diâmetro anatômico (DA) (exemplo: 35).

- Ampliação do diâmetro apical: a partir da lima do DA, utiliza-se de 2 a 3 limas mais calibrosas para alargar a região
apical. Se a lima do DA foi 35, utiliza-se as limas 40, 45 e 50 no CT. A última lima utilizada no CT é chamada de lima
do diâmetro cirúrgico ou de memória (exemplo: 50).

- Recuo escalonado: a partir da lima de memória, utiliza-se de 2 a 3 limas mais calibrosas recuando-se 1 mm do CT.
Nesse exemplo, como a lima de memória foi a 50, utiliza-se a lima 55 na medida do CT - 1 mm, a lima 60 na medida
do CT - 2 mm e a lima 70 na medida do CT - 3 mm.

A partir do momento em que o dente é isolado, deve-se manter a câmara pulpar e os canais inundados com NaOCl,
o qual deve ser constantemente renovado entre cada troca de instrumento. Deve-se realizar também a patência,
com uma lima tipo K 10 no comprimento de patência (CT + 1 mm), entre cada troca de lima. Ao final da modelagem
do SCR, remove-se a smear layer com um quelante (EDTA ou ácido cítrico). Em seguida, realiza-se uma nova irrigação
com NaOCl e, por fim, soro fisiológico para neutralizar as soluções empregadas.
Medicação Intracanal
A função da medicação intracanal em endodontia é o combate aos
microrganismos que resistiram à sanitização do sistema de canais radiculares
proporcionada pelo preparo químico-cirúrgico. Portanto, é importante o
controle de reações inflamatórias após o preparo do canal radicular,
ocupando fisicamente o espaço do canal para evitar recontaminação
microbiana.

Tem-se como objetivo atuar como barreira físico-química contra infecção e reinfecção, reduzir a inflamação
perirradicular e sintomatologias, controlar oxidação de via sistêmica (caso de paciente que chega com abscesso e é
necessário uso de alguma medicação para controlar aquele processo), solubilizar matéria orgânica, inativar produtos
microbianos, estimular a reparação por tecido mineralizado ou não.

O que que uma substância precisa ter para ser considerada boa para medicação intracanal?

➢ Apresentar amplo espectro antimicrobiano;


➢ Ter boa capacidade de penetração e difusão no tecido dentinário;
➢ Ter atividade prolongada;
➢ Ser ativo em presença de matéria orgânica;
➢ Neutralizar produtos tóxicos;
➢ Ser biocompatível;
➢ Não alergênico;
➢ Não alterar a cor do dente;
➢ Ser de fácil aplicação, obtenção e remoção;
➢ Estimular, ou ao menos, não interferir no processo de reparo dos tecidos periapicais.

Diante das zonas de propagação bacteriana, existe medicação ideal? Vale analisar cada caso:
Em polpa viva existem duas situações: quando existe tempo hábil de realizar todo o tratamento no mesmo dia
(tratamento imediato), ou quando não se tem o tempo hábil, ou aconteceu algum imprevisto que impede de fechar
no mesmo dia (tratamento mediato). Em ambos teremos o mesmo objetivo de controlar a reação inflamatória e de
preservar a vitalidade das células do coto periodontal.

Quando falamos em tratamento imediato temos:


Pulpectomia, em que falamos da remoção do tecido pulpar em todo o sistema.
O preparo do canal
A obturação
Nesse tratamento imediato não haverá o uso de medicamento intracanal.

Quando falamos em tratamento mediato temos:


Vamos poder escolher o curativo com
Corticosteróide/ antibiótico (Otosporin)
É uma associação corticóide-antibiótico indicado para tratamento nos dentes de polpa viva, utilizado com o objetivo
de reduzir a inflamação e a pressão intra-pulpar. Deve ficar no interior do canal por no máximo 7 dias.
Hidróxido de cálcio
O hidróxido de cálcio é colocado em toda a extensão do canal com o objetivo de potencializar a desinfecção do
mesmo, atua provocando a lise de bactérias em virtude de seu ph extremamente alcalino.
Propriedades do hidróxido de cálcio:
• Anti-inflamatório: ação higroscópica (efeito desidratante), pela formação de proteinato de cálcio e pela
inibição da fosfolipase.
• Obs: A ação higroscópica promove uma ação anti-inflamatória. A própria ação antibacteriana, uma vez que
impede que a infecção se propague, não vai se ter a inflamação, pois se tem primeiro uma infecção, as
células ficarão alteradas e por isso teremos uma inflamação
• Logo, a ação inflamatória se dá ao evitar o acúmulo de líquido e da ação antibacteriana que não vai deixar
que a inflamação seja formada.
• Neutralização de produtos ácidos (que são liberados pelas bactérias)
• Ativadora de fosfatase alcalina: a fosfatase alcalina é responsável pela formação de um tecido mineralizado.
• Ação antibacteriana
• Aplicação do Hidróxido de Cálcio

Lentulo: com muito cuidado. Ele não deve ter o mesmo calibre da lima, pois se for do mesmo tamanho ele pode
quebrar. Deve-se ter uma lentulo de calibre menor. Deve-se observar o contra-ângulo garantindo que este esteja no
sentido horário.

O hidróxido de cálcio sozinho é um pó e ele sozinho não faz nada. Ele é fabricado a partir do bicarbonato de cálcio.
Para o hidróxido de cálcio agir, ele precisa liberar seus íons de cálcio. Por isso, temos os veículos.

O veículo inerte é aquele que não vai sobrepor a ação do hidróxido de cálcio. Ele vai apenas ajudar a liberar os íons.
São eles:

- Liberação rápida - hidrossolúveis: quando se deseja que a medicação tenha uma atuação rápida no interior do
sistema de canais radiculares.

• Água destilada
• Soro fisiológico
• Anestésico
• Metilcelulose

- Liberação lenta - hidrossolúveis: uma situação, por exemplo, em que o paciente irá viajar. Dá para esperar uma
semana com o paciente com esse curativo bem compactado. Logo, coloca-se um HC que proporciona liberação de
seus íons de cálcio e hidroxila sejam liberados lentamente.

• Polietileno glicol 400


• Propileno glicol
• Carbowax
• Glicerina

- Há também outro tipo de veículos que são os veículos lipossolúveis, que são de liberação lenta.

• Paramonoclorofenol canforado ou PMCC ( veículo biologicamente ativo, acrescenta na propriedade


antibacteriana do hidróxido de cálcio).
• Em polpa morta, o objetivo é combater a infecção. E a dor? A infecção acarreta a inflamação e a inflamação
acarreta a dor.

A penetração desinfetante consiste em realizar o acesso, remover todo o conteúdo do terço cervical e médio
O objetivo dessa medicação no tratamento imediato (penetração desinfetante) é eliminar as bactérias daquela área.
Tricresolformalina: É um potente bactericida, altamente irritante (por isso não se coloca no canal, fica só na câmara
pulpar) e é um fixador celular, impede que as bactérias extravasem pelo ápice. Indicado para uso em dentes com
necrose pulpar e/ou lesão periapical. Possui ação a distância, através da liberação de vapores.
*Começou a instrumentação mas não foi possível terminar, qual medicação que se deve utilizar?
Paramonoclorofenol.
• Para potencialização da atividade antimicrobiana e diminuição da toxicidade o paramono foi associado à
cânfora.
• O paramono é muito volátil e deve-se tomar cuidado com o paciente e a sua pele, pois queima. Quando
usado em excesso pode causar pericementite medicamentosa, uma inflamação com agente químico. O ideal
é colocar uma gota em uma bolinha de algodão e retirar o excesso.
• Possui atividade antisséptica.

Clorexidina:
• É um potente antimicrobiano, eficaz contra a maioria das bactérias, inclusive fungos. É uma espécie de
detergente catiônico e causa danos a membrana externa das bactérias. Ela tem como propriedade a
substantividade, capacidade da substância de se aderir a hidroxiapatita da dentina e assim ser liberada no
meio conforme sua concentração vai diminuindo, por essa razão ela apresenta efeito duradouro.

Medicação antibiótica:

• Utiliza-se como medicação intracanal normalmente em uma endodontia regenerativa e no caso de


apicificação (por exemplo, a criança caiu e o ápice estava aberto e necrosado) para eliminar a infecção e
poder obturar e colocar HC, se usa uma pasta antibiótica.
• Após a medicação coloca-se o curativo, blindando o trabalho realizado e impedindo que a saliva possa
contaminar o sistema.

EMPREGO DE MEDICAMENTOS

• O estado pulpar vai definir qual medicação intracanal usar.


• Canal não totalmente instrumentado:
- bolinha de algodão com Otosporin
- Polpa viva
- Canal totalmente preparado: Hidróxido de cálcio
• Canal não totalmente instrumentado:
- Paramono
- Polpa necrosada
- Canal totalmente instrumentado: Hidróxido de cálcio
Obturação do SCR
O tratamento endodôntico (TE) é realizado através de diversas etapas operatórias, tendo cada uma
delas seus detalhes técnicos e grau de importância. É possível que uma lesão perirradicular regrida
após um adequado preparo químico-mecânico, mesmo sem obturação. Isso ocorre devido a
remoção significativa de bactérias do SCR. Porém, canais preparados e não obturados resultariam em fracasso a
longo prazo, pois esse espaço vazio seria propício para proliferação de bactérias remanescentes e estabelecimento
de novos microrganismos. Uma obturação adequada elimina este espaço, reduzindo os riscos de reinfecção. Assim, a
obturação do SCR consiste no selamento de toda extensão da cavidade endodôntica, desde sua abertura coronária
até o seu término apical, objetivando que o material obturador preencha todo o espaço outrora ocupado pelo tecido
pulpar, promovendo um adequado selamento nos sentidos apical, lateral e coronário.

A principal via para substratos chegarem as bactérias remanescentes no SCR após o TE ocorre pela percolação de
fluidos, oriundos dos tecidos perirradiculares, através do forame apical pelo espaço existente entre o material
obturador e as paredes do canal. Uma obturação com selamento apical adequado impede a entrada de fluidos e o
tráfego de volta de bactérias e seus produtos para os tecidos. As ramificações também funcionam como vias de
comunicação entre irritantes residuais e os tecidos perirradiculares. Assim, um bom selamento lateral também é
requerido para o sucesso do TE.

Momento da obturação

Alguns requisitos devem ser respeitados antes da obturação:

- Preparo químico-mecânico completo: o canal só deve ser obturado quando sua modelagem, ampliação, limpeza e
desinfecção tiverem sido completadas;

- Ausência de exsudação persistente: a drenagem de exsudato no momento da obturação sugere que o tratamento
não foi eficaz na eliminação da infecção. Além disso, a presença de umidade no canal interfere nas propriedades
físicas do cimento. Nestes casos, deve-se refazer o preparo químico-mecânico e utilizar uma medicação intracanal a
base de hidróxido de cálcio antes da obturação;

- Ausência de sintomatologia: a presença de sensibilidade à percussão, sensação de “dente crescido” ou dor


espontânea no momento da obturação indica falha em eliminar a infecção presente no SCR e/ou houve erros de
procedimento. O tratamento indicado é o mesmo dos casos de exsudação persistente;

- Ausência de odor fétido: a presença de odor fétido indica a permanência da infecção no SCR. Ácidos graxos,
poliaminas, amônia e compostos sulfurados são os principais produtos bacterianos responsáveis pelo odor. O
tratamento indicado é o mesmo dos casos de exsudação persistente.

Limite apical de obturação

É consensual que o material obturador esteja confinado ao interior do SCR, com a obturação atingindo as
proximidades do forame apical. Em biopulpectomias, onde as bactérias estão ausentes, o limite apical de obturação
não representa maiores problemas quanto ao sucesso do TE. Porém, nos casos de dentes despolpados e
contaminados, este limite representa um tópico controverso. Um estudo mostrou que canais obturados no limite de
0 a 2 mm do ápice radiográfico apresentaram 94% de sucesso, enquanto os sobreobturados ou obturados mais de 2
mm aquém do ápice apresentaram índices menores de sucesso: 76% e 68%, respectivamente. Lopes & Siqueira Jr
(2020) recomendam que o limite apical de obturação esteja localizado 0,5 a 2 mm aquém do ápice radiográfico, pois
permite a eliminação do espaço vazio, reduzindo o risco de ulterior colonização bacteriana. Obturações muito
aquém não são indicadas pois deixam um segmento extenso do canal sem preenchimento, no qual microrganismos
poderão se restabelecer. Casos de sobreobturação também podem influenciar negativamente o resultado do TE. O
insucesso desses casos não ocorre devido ao efeito tóxico dos materiais extravasados, mas sim pela falta de
selamento apical causada pela sobreobturação associada a presença de microrganismos.
Materiais obturadores

Núcleos sólidos

- Guta-percha: é um isômero da borracha, porém mais dura, quebradiça e menos elástica. É encontrada em 2 fases
cristalinas: alfa e beta. A fase alfa (extraída da árvore) é quebradiça à temperatura ambiente, mas torna-se pegajosa,
aderente e com maior escoamento quando aquecida (fusão a 65ºC). A fase beta (disponível comercialmente) é
estável e flexível à temperatura ambiente, mas não apresenta adesividade quando aquecida (fusão a 56ºC) e tem
menor escoamento que a alfa. É o material sólido mais utilizado na obturação, sendo mais encontrado na forma de
cones. Existem 2 tipos de cones: padronizados (calibrados ou principais) e auxiliares (acessórios). Os padronizados
apresentam diâmetros e conicidades determinados, enquanto os auxiliares possuem conicidades e pontas variáveis.
Possuem a seguinte composição: guta-percha (19-20%), óxido de zinco (60-75%), radiopacificadores (sulfato de
bário; 1,5-17%), e outras substâncias (resinas, ceras e corantes; 1-4%). Não podem ser esterilizados pelo calor,
devendo ser descontaminados através da imersão em NaOCl a 2,5-5,25% por 1 minuto. Suas vantagens são:
adaptam-se facilmente às irregularidades do canal quando utilizados em várias técnicas de obturação, bem tolerados
pelos tecidos perirradiculares, radiopacos, facilmente plastificados por meios físicos e químicos, estabilidade
dimensional nas condições de uso, não alteram a cor do dente e podem ser facilmente removidos. As desvantagens
são: pequena resistência mecânica à flexo-compressão, pouca adesividade e podem ser deslocados por pressão.

- Cone de prata: foi introduzido na Endodontia pois era mais fácil de ser inserido no canal e por achar que se obteria
o mesmo sucesso da guta-percha. Porém, sua incapacidade de preencher as irregularidades do SCR favorece a
infiltração e apresenta corrosão em contato com fluidos. Não são mais utilizados.

Cimentos
Devido à falta de adesão da guta-percha às paredes dentinárias, torna-se necessário o uso do cimento. Embora a
guta-percha deva ser o principal constituinte da massa obturadora, os cimentos são empregados para reduzir a
interface entre a guta-percha e as paredes do canal e mesmo entre os cones de guta-percha, quando da utilização da
técnica de compactação lateral. O cimento ideal deveria apresentar as seguintes propriedades: fácil inserção e
remoção, bom tempo de trabalho, promover um selamento tridimensional do SCR, estabilidade dimensional nas
condições de uso, bom escoamento, radiopaco, não manchar estrutura dentária, adesividade às paredes do canal,
força coesiva, insolúvel nos fluidos teciduais e saliva, solúvel ou reabsorvível nos tecidos perirradiculares,
impermeável no canal, biocompatível e com atividade antimicrobiana. Porém, nenhum cimento possui todas essas
propriedades. Há inúmeros tipos de cimentos, os quais são classificados de acordo com seu componente principal:
- Cimentos à base de óxido de zinco e eugenol: são compostos por óxido de zinco e eugenol associados a outras
substâncias para melhorar suas propriedades. O eugenol possui atividade antibacteriana, efeito analgésico e anti-
inflamatório, porém é citotóxico. A maioria das suas propriedades físico-químicas e biológicas varia com a proporção
de pó/líquido. Seus representantes são: cimento de Grossman (Fill Canal, EndoFill e Procosol), cimento de Rickert
(Pulp Canal Sealer e Pulp Canal Sealer EWT), Endomethasone e Tubli-Seal.
- Cimentos contendo hidróxido de cálcio: foram idealizados com o intuito de reunir as propriedades biológicas do
hidróxido de cálcio. Porém, há uma grande preocupação com a dissolução dessa substância, criando falhas na
obturação. Seus representantes são: Sealapex, Sealer 26, CRCS, Apexit Plus e Acroseal.
- Cimentos resinosos: têm excelentes propriedades físico-químicas, como adesão à dentina e selamento marginal.
São divididos em 2 categorias: à base de resina epóxica (AH 26, AH Plus e Sealer Plus) e à base de metacrilato
(Epiphany/Real Seal e EndoRez). O AH Plus é considerado o cimento “padrão ouro”.
- Cimentos à base de ionômero de vidro: foram idealizados devido às várias propriedades benéficas do ionômero de
vidro, como atividade antibacteriana, efeito cariostático, adesão química à estrutura dentária e biocompatibilidade.
Seus representantes são: Ketac-Endo e Activ GP.
- Cimentos à base de silicone: foram idealizados devido a boa tolerância tecidual e capacidade seladora do silicone.
Seus representantes são: RoekoSeal Automix e GuttaFlow.
- Cimentos biocerâmicos: biocerâmicas são compostos cerâmicos biocompatíveis devido à sua similaridade com o
processo de formação da hidroxiapatita e à capacidade de induzir uma resposta regenerativa. Com a
nanotecnologia, tornou-se possível seu uso como cimento. Sua composição é à base do Agregado de Trióxido
Mineral (MTA), incluindo silicatos tricálcicos e dicálcicos, fosfatos de cálcio, hidróxido de cálcio e óxido de zircônio.
Apresentam excelente biocompatibilidade, boa atividade antibacteriana e pH elevado. Entretanto, ainda faltam
estudos clínicos para o seu uso. Seus representantes são: MTA Fillapex, EndoSequence, Total Fill e Bio-C Sealer.
Técnicas de obturação

Diversas técnicas têm sido propostas para se obter uma obturação mais homogênea, preenchendo todo o espaço do
SCR. Porém, não há na literatura um estudo mostrando uma maior taxa de sucesso do TE quando da utilização de
uma determinada técnica. As técnicas de obturação são:
- Técnica da compactação lateral: consiste na colocação sucessiva de cones auxiliares lateralmente a um cone
principal bem ancorado no canal. É a técnica mais utilizada, sendo empregada na maioria das situações clínicas.
Apresenta a desvantagem de não preencher as irregularidades do SCR tão bem quanto as técnicas termoplásticas. A
técnica consiste nos seguintes passos:
• 1. Seleção do espaçador: tem a função de abrir espaços para a colocação de cones acessórios lateralmente
ao principal. Um espaçador manual de maior calibre deve penetrar livremente no canal 2 a 3 mm aquém do
comprimento de trabalho (CT);
• 2. Seleção do cone principal: é selecionado de acordo com a última lima utilizada no CT. Devem ser
observados 3 critérios nessa seleção: visual, o cone não pode ter distorções após sua retirada do canal; tátil,
deve apresentar resistência ao deslocamento coronário e apical; e radiográfico, deve estar no limite
estabelecido;
• 3. Secagem do canal: após o protocolo de irrigação final (substância quelantes, NaOCl e soro), o canal deve
ser seco com pontas aspiradoras seguido de cones de papel estéreis;
• 4. Preparo do cimento obturador: deve ser manipulado de acordo com a recomendação do fabricante;
• 5. - Colocação do cone principal: após a colocação do cimento nas paredes do canal, que pode ser feita com
lima, lentulo, cone de guta-percha ou inserto ultrassônico, o cone principal deve ser levado ao canal;
• 6. Compactação lateral propriamente dita: o espaçador selecionado deve ser colocado lateralmente ao cone
principal. Em seguida, deve-se remover o espaçador e colocar um cone acessório com cimento nesse espaço.
Isso deve ser repetido até o espaçador entrar somente na embocadura do canal. Uma radiografia deve ser
realizada para avaliar a qualidade da obturação;
• 7. Compactação vertical: deve-se cortar o excesso de guta-percha e realizar a compactação no sentido apical
com um compactador a frio. A obturação deve ficar abaixo da junção amelo-cementária. A câmara pulpar
deve ser limpa com álcool, removendo resíduos do material obturador. A cavidade deve ser restaurada com
material provisório ou definitivo. Deve-se remover o isolamento absoluto e realizar a radiografia final.

- Técnica híbrida de Tagger: McSpadden (1980) teve a ideia de plastificar e compactar a guta-percha através da ação
mecânica de um instrumento em rotação contínua; porém, era difícil obter o controle apical da obturação. Isso foi
contornado por Tagger et al. (1984), que recomendaram a compactação lateral a frio do segmento apical, seguida
pela termoplastificação dos terços médio e cervical com um compactador em rotação contínua, plastificando a guta-
percha e promovendo uma compactação lateral e apical. Suas vantagens são: dispensa equipamentos especiais,
proporcionando uma opção de baixo custo para termoplastificação da obturação; possibilita a correção da
obturação quantas vezes forem necessárias; e é de rápida execução.

- Técnica de Schilder: é um conjunto de manobras no sentido coroa-ápice (down-pack) seguido pela progressiva
colocação da guta-percha aquecida no sentido ápice-coroa (backfill). Os passos dessa técnica são: (i) seleção de 3
compactadores verticais compatíveis com os terços cervical, médio e apical. Em seguida, o cone de guta-percha deve
ser posicionado 1 a 2 mm aquém do CT. Após a secagem do canal, o cone é envolto com cimento e inserido no canal;
(ii) a fase do down-pack corresponde à obturação do terço apical no sentido coroa-ápice. Após a cimentação do
cone, um instrumento condutor de calor é aquecido, inserido no canal até o terço cervical e a guta-percha removida.
Faz-se a compactação vertical com o compactador selecionado. O procedimento é repetido no terço médio,
resultando em um remanescente de 4 a 5 mm de guta-percha apical; e (iii) a fase backfill corresponde à obturação
dos terços médio e cervical no sentido ápice-coroa através da colocação de pequenos pedaços de guta-percha
cortados, os quais são plastificados com um condutor de calor e compactados verticalmente até que todo o canal
esteja preenchido.

- Técnica do cone único pareado: consiste na utilização de um único cone com as mesmas dimensões da última lima
utilizada no CT. Seu uso foi recentemente impulsionado pelo movimento reciprocante. Apresenta taxa de sucesso
similar à outras técnicas, porém é realizada de forma mais simples e rápida.
Proservação

Quando bem executado, a taxa de sucesso do TE pode chegar a 95%. O caso deve ser avaliado periodicamente, de 6
em 6 meses. Biopulpectomias devem ser proservadas por, no mínimo, 1 ano, enquanto necropulpectomias por, no
mínimo, 2 anos. O controle clínico-radiográfico é o meio disponível para estabelecer o êxito ou fracasso do TE.
Critérios de avaliação do sucesso incluem: ausência de sensibilidade à palpação e percussão; ausência de fístula e
tumefação; função dentária normal; normalidade do espaço do ligamento periodontal e regressão da lesão, quando
presente; e ausência ou paralisação da reabsorção.
Retratamento Endodôntico
O tratamento endodôntico está pautado na prevenção, manutenção ou
restabelecimento da saúde dos tecidos perirradiculares. Embora o
tratamento apresente um alto grau de sucesso (aproximadamente 95%),
falhas podem ocorrer e estão frequentemente associadas à presença de
uma infecção intrarradicular persistente em canais previamente não
instrumentados, túbulos dentinários ou nas irregularidades do complexo
sistema de canais radiculares (SCR). Nesses casos, o retratamento é
indicado para reduzir o conteúdo bacteriano intracanal e permitir a cura dos tecidos perirradiculares. A
reintervenção endodôntica é um procedimento realizado sobre um dente que já recebeu uma tentativa prévia de
tratamento definitivo, resultando numa condição que requer uma intervenção adicional para se obter um resultado
bem-sucedido. De um modo geral, compreende a remoção do material obturador, possível localização de canal não
encontrado, ganho da patência, repreparo químico-mecânico e reobturação do SCR, com o objetivo de superar as
deficiências do tratamento anterior.

Etiologia do fracasso endodôntico


A presença de sinais (radiolucidez, fístula e/ou tumefação) e sintomas (dor) da doença perirradicular associada a
dentes tratados endodonticamente indica o fracasso na manutenção ou restauração da saúde perirradicular. Uma
revisão da literatura mostrou que as causas da doença pós-tratamento podem ser divididas em fatores microbianos
(infecção intrarradicular e extrarradicular) e não-microbianos (reação a corpo estranho e cistos verdadeiros).

Fatores microbianos
• Infecção intrarradicular: a literatura tem demonstrado a associação da periodontite apical pós-tratamento à
infecção intrarradicular, mesmo em dentes aparentemente bem tratados. Bactérias que resistiram aos
processos de desinfecção geralmente estão localizadas em áreas de difícil acesso dentro do SCR, as quais
incluem canais laterais, ramificações, istmos e túbulos dentinários. A infecção intrarradicular pode ser
persistente ou secundária. A persistente é causada por bactérias presentes no 1º tratamento, que não foram
eliminadas e/ou controladas com sucesso, sendo essa a principal causa da periodontite apical pós-
tratamento. A secundária é causada por bactérias introduzidas no SCR após a quebra da cadeia asséptica
durante o 1º tratamento ou por falha no selamento coronário após a conclusão do mesmo.
• Infecção extrarradicular: em alguns casos, bactérias podem superar a defesa do hospedeiro e estabelecer
uma infecção além dos limites do forame apical. Geralmente, é associada à inflamação aguda e caracterizada
por um abscesso com fístula. No entanto, tem sido sugerido que, em alguns casos, uma infecção
extrarradicular pode estar associada à inflamação crônica e levar ao insucesso. Essa condição está
relacionada à formação de biofilme na superfície externa da raiz, formando colônias de actinomicose no
interior da lesão. A infecção extrarradicular pode ser dependente ou independente da intrarradicular. A
dependente é aquela mantida pela proliferação constante e invasão dos tecidos perirradiculares por
bactérias presentes na infecção intrarradicular. Assim, a infecção extrarradicular não se sustenta sem a
intrarradicular. A independente é aquela que não é mais estimulada pela infecção intrarradicular e pode não
responder ao tratamento endodôntico convencional. Porém, não há claras evidências até o momento de que
uma infecção extrarradicular possa existir como um processo autossustentável, independente da infecção
intrarradicular.

Fatores não microbianos

Embora técnicas modernas demonstrem que a maioria dos canais de dentes com periodontite apical pós-tratamento
estejam associados às infecções intra ou extrarradiculares, há alguns relatos de casos que sugerem que algumas
lesões podem não cicatrizar devido a fatores não microbianos endógenos (cristais de colesterol e cistos verdadeiros)
ou exógenos (reações a corpo estranho ao material obturador extravasado ou cone de papel). Porém, na maioria
desses casos, é difícil descartar a presença de uma infecção. A participação de fatores não microbianos como causa
exclusiva do insucesso ainda precisa ser comprovada. Além disso, erros de procedimentos como instrumentos
fraturados, degraus, perfurações e sobreobturações não são a causa direta da doença pós-tratamento. Na maioria
desses casos, uma infecção está presente e é a responsável pela inflamação persistente ou emergente.
Diagnóstico diferencial

Antes do retratamento, devemos descartar a possibilidade de dor:

• Não odontogênica: o diagnóstico diferencial deve incluir síndrome de dor miofacial, dor neurogênica e
psicossomática, disfunção temporomandibular, síndrome de cefaléia vascular, doença do sistema nervoso
central, e infecção herpética ou por outros vírus.
• Odontogênica de origem não endodôntica: o diagnóstico diferencial deve incluir trauma oclusal, doença
periodontal e fraturas dentárias.

Indicações

Um paciente apresentando periodontite apical pós-tratamento possui 4 opções de tratamento: fazer nada, extrair o
dente, retratar ou cirurgia perirradicular. Endodonticamente, a opção recai sobre retratamento ou cirurgia
perirradicular. A escolha vai depender dos seguintes fatores: acesso ao canal, localização e situação anatômica do
dente, envolvimento com peças protéticas, qualidade do tratamento endodôntico previamente realizado e
envolvimento periodontal. O retratamento pode ser indicado quando: (i) tratamento prévio apresentar obturação
inadequada do SCR e exposição prolongada à saliva; (ii) exame clínico revelar persistência de sintomas como dor à
percussão e palpação, fístula, edema, mobilidade e impossibilidade de mastigação; (iii) observar-se
radiograficamente rarefações ósseas em áreas previamente inexistentes, espaço do ligamento periodontal
aumentado, aumento de área radiolúcida e progressão da reabsorção radicular; e (iv) quando o dente for submetido
a cirurgia perirradicular, onde o canal se apresente inadequadamente instrumentado e obturado.

Etapas do retratamento endodôntico

As razões para o fracasso do tratamento endodôntico primário são de natureza microbiológica; portanto, o sucesso
do retratamento dependerá da desinfecção do SCR. Porém, o retratamento pode apresentar desafios técnicos
durante as suas etapas, as quais são: remoção da restauração coronária, remoção de retentores intrarradiculares,
remoção do material obturador, e repreparo químico-mecânico, medicação intracanal e reobturação do SCR.

Remoção da restauração coronária

Pode ser simples (amálgama, resina, ionômero de vidro ou blocos) ou complexa (coroas metálicas ou cerâmicas). As
restaurações simples são removidas com brocas. Quanto às complexas, pode-se tentar a sua remoção, quando
houver defeito ou cárie, ou manutenção. A manutenção pode ocultar rotações dentárias e impedir a visualização da
câmara pulpar. Porém, quando apresenta boa qualidade, favorece o isolamento absoluto, mantém os dentes em
função e a estética. Elas podem ser removidas por:

• Remoção por desgaste: são utilizadas brocas esféricas diamantadas e multilaminadas transmetal. Pode ser
desgastada por completo, o que consome tempo, ou por seccionamento, agilizando a remoção
• Remoção por ultrassom: a energia ultrassônica promove a quebra da linha de cimento, possibilitando a
remoção da restauração por tração com auxílio de um instrumento
• Remoção por tração: o saca-prótese ou extrator pneumático podem ser usados na remoção de coroas e
pontes fixas. Com o choque mecânico, o cimento é fraturado e há o deslocamento da coroa. Esses aparelhos
devem ser usados com cautela devido ao risco de fratura
• Remoção por combinação de métodos: a associação de 2 ou mais métodos possibilita uma remoção mais
rápida, segura e eficaz
Remoção de retentores intrarradiculares

Os fatores que influenciam sua retenção são: comprimento, diâmetro, conicidade e acabamento de superfície.
Comprimentos e diâmetros maiores aumentam a retenção; pinos cilíndricos apresentam retenção superior aos
cônicos. Quanto à configuração de superfície, os rosqueados ou serrilhados são mais retentivos que os lisos. Além
disso, o material utilizado na cimentação (cimentos resinosos são mais difíceis de serem removidos) e a localização
do dente no arco (quanto mais posterior, maior a dificuldade) também influenciam na remoção. Podem ser
removidos por:

• Remoção por tração: é indicada na remoção de pinos metálicos fundidos ou pré-fabricados. Pode ser feita
com dispositivos especiais ou não. A tração com fórceps ou porta-agulha remove os retentores fracamente
fixados no canal. Porém, a maneira mais indicada para remoção é através de dispositivos como o alicate
saca-pinos e o pequeno gigante, que aplicam no topo radicular uma força igual e com sentido contrário ao
da remoção do retentor. As desvantagens desses sistemas são o tamanho do dispositivo, que impede seu
uso em dentes posteriores e em pacientes com limitada abertura de boca, e o risco de fratura.
• Remoção por ultrassom: o ultrassom impacta mecanicamente na porção extrarradicular do retentor
metálico, fragmentando o cimento e facilitando sua remoção por tração. É necessário desgastar o núcleo,
para que apresente um diâmetro coronário similar ao retentor. Nos multirradiculares, o núcleo deve ser
dividido em 2 partes (nos superiores, separa-se a parte vestibular da palatina; nos inferiores, a parte mesial
da distal). É um método conservador, seguro e eficiente, que evita perfurações e minimiza os riscos de
fratura.
• Remoção por desgaste: os retentores metálicos podem ser removidos com brocas. Porém, essa abordagem
pode levar ao enfraquecimento da raiz e até à perfuração. Enquanto os métodos de tração e ultrassom são
conservadores, o de desgaste é mutilante e promove acentuada perda de estrutura dentária.
• Remoção por combinação de métodos: a associação de 2 ou mais métodos possibilita uma remoção mais
rápida, segura e eficaz.
• Remoção de retentores pré-fabricados: pinos roscados são removidos pelo movimento de rotação à
esquerda através de chaves específicas, pinças ou pontas de ultrassom. Os pinos pré-fabricados não
metálicos (fibra de vidro) são removidos por desgaste com brocas.

Remoção do material obturador

Diversas técnicas têm sido propostas, que vão desde a utilização de instrumentos manuais e mecanizados,
associados ou não a solventes, até o emprego de calor e ultrassom. Independentemente da técnica utilizada, é
importante que a remoção não altere a morfologia interna do SCR.

- Canais obturados com guta-percha e cimento: a guta-percha pode ser removida por meios mecânicos
(instrumentos), térmicos (calcadores aquecidos ou aparelhos específicos), químicos (solventes) ou pela associação
destes métodos, enquanto os cimentos são removidos pela ação mecânica dos instrumentos.

• Obturações com compactação deficiente: nesses casos, a remoção é simples. Após a remoção do material
obturador da câmara pulpar, realiza-se irrigação abundante com NaOCl, insere-se uma lima Hedstroem em
sentido apical entre a parede do canal e o material obturador, e faz-se um movimento de tração no sentido
coronário para remoção do cone;
• Obturações bem compactadas: quando a obturação é homogênea e bem condensada, a remoção torna-se
mais complicada. Pode-se remover o material obturador do terço cervical com brocas de Gates-Glidden ou
instrumentos aquecidos. O solvente pode ser colocado nesse espaço e, em seguida, limas manuais tipo
Hedstroen ou K podem ser usadas na remoção da obturação dos terços médio e apical. Nenhum
instrumento ou técnica é capaz de remover completamente o material obturador do SCR. Esse material
remanescente pode interferir na desinfecção, impedindo que instrumentos, irrigantes e medicações atinjam
bactérias remanescentes no SCR;
• Solventes: são utilizados para dissolver a guta-percha e facilitar a penetração da lima na massa obturadora.
O clorofórmio, solvente mais eficaz, é carcinogênico e não mais recomendado. O xilol é extremamente
tóxico e apresenta menor efetividade que o clorofórmio. O eucaliptol é menos efetivo, mas apresenta
propriedades antibacterianas e anti-inflamatórias, e parece ser o solvente de escolha atualmente. Dissolvida
pelo solvente, a guta-percha amolecida pode disseminar-se para as complexidades do SCR, tornando sua
remoção mais difícil. Assim, o uso de solventes deve ser restrito a casos em que a penetração da guta-percha
pareça impossível, não devendo ser utilizada no terço apical devido ao risco de extravasamento. O óleo
essencial de laranja parece ser um solvente eficaz para os cimentos, enquanto o cone de Resilon pode ser
dissolvido pelo clorofórmio.

- Canais obturados com pastas e cimentos: pastas que não tomaram presa são de fácil remoção, sendo removidas
com limas e bastante irrigação com NaOCl. Cimentos que tomaram presa apresentam uma maior dificuldade de
remoção. Instrumentos tipo K podem ter sua porção final cortada e serem utilizados para fragmentar o cimento.

- Canais obturados com cones de prata: cones de prata não seccionados podem ser apreendidos por uma pinça
Stieglitz e removidos por tração. Cones de prata seccionados apresentam maiores dificuldades na remoção.
Inicialmente, deve-se buscar uma passagem entre o cone e o canal com instrumentos tipo K. Em seguida, uma lima
Hedstroen é introduzida nesse espaço. Com pequenos movimentos de penetração, deve-se cravar suas hélices no
cone de prata e realizar a tração.

- Canais obturados com carreadores plásticos (Thermafil e Guttacore): podem ser removidos com limas tipo
Hedstroen inseridas lateralmente ao material em uma profundidade adequada seguido de tração.

Repreparo químico-mecânico, medicação intracanal e reobturação do SCR

Após a remoção do material obturador, realiza-se o repreparo químico-mecânico com o objetivo de eliminar tecido
necrosado/infectado e biofilmes bacterianos residuais. Em muitos casos, canais adicionais podem ser encontrados,
sendo estes uma possível origem do insucesso. Para isso, a câmara pulpar deve ser minuciosamente examinada. A
tomografia computadorizada de feixe-cônico tem se mostrado extremamente relevante na localização de canais
adicionais bem como na visualização da anatomia, iatrogenias e reabsorções. Outro procedimento importante
durante o retratamento é a correta determinação do comprimento de trabalho, de forma que instrumentos,
irrigantes e medicações alcancem todo comprimento do canal. Manobras coroa-ápice são recomendadas para a
neutralização do conteúdo tóxico. Tendo em vista que a infecção é a responsável pela persistência da doença
perirradicular, meios mecânicos e químicos devem ser empregados para criar um ambiente favorável ao reparo
desses tecidos. Assim, uma irrigação abundante com NaOCl, dotado de atividade antimicrobiana de amplo espectro
e capacidade solvente de tecido, deve ser realizada seguida pelo uso de uma substância quelante (EDTA ou ácido
cítrico) para remoção da smear layer. Uma medicação intracanal à base de hidróxido de cálcio também deve ser
usada. A obturação deve ser bem compacta e homogênea, ficando confinada ao canal, 1 a 2 mm aquém do ápice
radicular.
Diagnóstico em Endodontia
O sucesso do tratamento endodôntico é um caminho percorrido em diversas etapas,
tendo cada uma delas a sua importância. O diagnóstico constitui-se no primeiro passo
dessa caminhada, onde o profissional busca obter informações sobre os sinais e
sintomas da doença com o objetivo de identificá-la. A técnica de diagnóstico exige uma
abordagem sistemática do paciente, incluindo a anamnese (exame subjetivo), o exame clínico (exame objetivo) e os
exames complementares. A interpretação e o cruzamento dos dados obtidos nessas etapas possibilita o fechamento
do diagnóstico com o seu correto tratamento

Anamnese (exame subjetivo)

É um passo fundamental para o estabelecimento do diagnóstico, no qual o profissional poderá obter importantes
informações do paciente. A mais importante dessas informações é a queixa principal, onde o paciente deve ser
guiado a relatar os motivos (sinais e sintomas) que o levaram a procurar atendimento. Além disso, deve-se obter a
história da doença atual, analisando seu início, duração, características, evolução, se há fatores que a modificam e se
houve tratamento prévio. Deve-se avaliar também a história médica, observando as condições gerais de saúde do
paciente, como: presença de doenças hereditárias, alterações cardiovasculares, gastrointestinais, hematológicas e
neurológicas. Também deve-se verificar a existência de alergias a medicamentos ou produtos odontológicos bem
como conferir se o paciente faz uso de alguma medicação que possa interagir com anestésicos locais ou remédios
utilizados durante o tratamento

Exame clínico (exame objetivo)

Após a anamnese, realiza-se o exame clínico, que cumpre o papel de sustentar e confirmar as informações coletadas.
Através dos recursos semiotécnicos, procura-se avaliar os sinais e sintomas, confrontando-os com os exames
complementares. Os recursos semiotécnicos utilizados são:

• Inspeção: começa assim que o paciente entra no consultório, pois a simples observação da expressão facial
pode apresentar informações relevantes. Em seguida, inspeciona-se a boca como um todo, devendo ser
observado alteração de cor da coroa, estado das restaurações, exposição pulpar, presença ou não de cáries,
presença de edema e/ou fístula, e demais aspectos dos tecidos moles e língua
• Palpação: palpa-se a região da face do dente suspeito para investigar alterações. Depois, com a ponta do
dedo indicador, deve-se palpar a região apical do dente, verificando se há dor, edema, flutuação,
endurecimento ou crepitação
• Percussão horizontal e vertical: deve-se percutir a coroa do dente tanto horizontal como verticalmente com
o cabo do espelho ou com o dedo quando se suspeitar de dor. A percussão vertical positiva tem sido
associada às alterações endodônticas, enquanto a horizontal está relacionada com alterações periodontais
• Mobilidade dentária: verifica-se o comprometimento da inserção periodontal, que pode estar alterado
devido à doença periodontal, extensão da doença pulpar para o ligamento periodontal, fratura radicular,
hábito parafuncional e traumas. É realizado com dois cabos de espelhos, um na vestibular e outro na
lingual/palatina, aplicando-se uma força para tentar movimentar o dente. A mobilidade pode ser grau 1
(ligeiramente maior que o normal), grau 2 (moderadamente maior que o normal) e grau 3 (severamente
maior que o normal)
• Sondagem periodontal: verifica-se se há ou não normalidade do periodonto, auxiliando no diagnóstico
diferencial de problemas endodônticos e periodontais, da associação de ambos ou de fraturas verticais. Com
uma sonda periodontal, verifica-se as proximais e a região de furca do dente
• Rastreamento de fístula: a fístula deve ser rastreada com um cone de guta-percha até o ponto de maior
resistência. Em seguida, realiza-se uma radiografia para visualizar a origem da secreção purulenta. Auxilia no
diagnóstico de uma lesão endodôntica ou periodontal, ou fratura radicular
Outros recursos semiotécnicos podem ser utilizados, como:

• Testes clínicos pulpares: apenas mostram a capacidade da polpa em responder ou não aos estímulos
dolorosos, sem dizer o real estado de higidez pulpar. Apesar de fornecerem respostas subjetivas,
constituem-se em um grande recurso no auxílio do diagnóstico
• Teste pelo frio: consiste na redução da temperatura intrapulpar, estimulando as terminações nervosas a
partir da vasoconstrição. Pode-se utilizar o bastão de gelo, a neve carbônica (gelo seco) ou o spray de gás
refrigerante (tetrafluoretano). Um resultado negativo pode indicar necrose pulpar, enquanto que um
resultado positivo revela vitalidade pulpar. Se a dor cessa após a remoção do estímulo, a polpa tende a estar
saudável ou levemente inflamada; porém, se a dor persiste, pode-se estar diante de uma inflamação pulpar
aguda. Para o uso do gás refrigerante, deve-se isolar (relativo) e secar o dente, aplicar o gás sobre uma
bolinha de algodão e, em seguida, testar o dente suspeito. Antes, deve-se fazer o mesmo em um dente
normal para o paciente saber a resposta basal
• Teste pelo calor: o calor é transferido ao dente pelo aquecimento de sua superfície com água morna, fricção
de taça de borracha ou bastão de guta-percha aquecida. Devido à vasodilatação provocada, a resposta
dolorosa é imediata e intensa em dentes com inflamação pulpar aguda. Em polpas normais, a resposta
positiva é tardia. Para o uso do bastão de guta-percha aquecida, deve-se isolar (relativo) e secar o dente,
aplicar vaselina sobre sua superfície para evitar que a guta-percha fique aderida, aquecer a guta-percha
sobre a chama da lamparina e, por fim, aplicá-la no dente suspeito. Testa-se antes um dente normal
adjacente
• Teste elétrico: consiste em uma corrente elétrica de alta frequência aplicada sobre o dente por um aparelho,
provocando estimulação das fibras nervosas pulpares. Esse teste foi recomendado no protocolo de
diagnóstico da American Association of Endodontists (2013). Para a sua realização, deve-se isolar (relativo) e
secar o dente, aplicar a ponteira do eletrodo na parte sadia do mesmo, iniciando a transmissão de corrente.
Dentes normais adjacentes devem ser testados para estabelecer um padrão. Em uma polpa normal, a
sensação é de discreto e suave formigamento. Em caso de anormalidade, as respostas poderão ocorrer com
estímulos abaixo (polpa hiperativa) ou acima (polpa hipoativa) do esperado. Resposta negativa indica
necrose pulpar. Respostas falso-positivas (necrose parcial da polpa, ansiedade do paciente, isolamento
deficiente e contato com restaurações metálicas) e falso-negativas (calcificações, dentes traumatizados e
rizogênese incompleta) podem ocorrer
• Teste da anestesia seletiva: utilizado quando o paciente apresenta dor difusa ou reflexa, sendo os resultados
dos outros testes inconclusivos. Deve anestesiar o dente suspeito de ser o causador da dor. Se a dor cessar, a
suspeita é confirmada, identificando-se o dente que provoca (algógeno) e o que reflete (sinálgico) a dor
• Teste de cavidade: consiste na estimulação do dente suspeito, sem anestesia, com uma broca em alta
rotação, pois a cavitação poderá provocar sensibilidade. Caso não haja resposta, suspeita-se de necrose. Em
poucos casos, o paciente com necrose poderá acusar desconforto, que é atribuído às fibras nervosas do tipo
C remanescentes. É um teste elucidativo quanto à sensibilidade pulpar em dentes com câmara pulpar
atrésica e com restaurações ou próteses. Por ser invasivo, deve ser utilizado como último recurso, quando os
resultados dos outros testes forem inconclusivos

Teoria Hidrodinâmica:
Calor: movimentação do fluido em sentido interno ou da polpa.
Frio: movimentação do fluido em sentido externo ou contrário da polpa
Exames complementares
São constituídos pelo exame radiográfico, hematológico, prova bioquímica do sangue e biópsia
• Exame radiográfico: a observação de uma boa imagem radiográfica pode auxiliar a compreensão dos sinais e
sintomas, facilitando o diagnóstico. As radiografias convencionais utilizam imagens bidimensionais de uma
realidade tridimensional (3D), o que dificulta um maior entendimento do caso. Além disso, muitas vezes se
faz necessária a dissociação dos ângulos de incidência do raio-x para visualização de estruturas sobrepostas.
O exame radiográfico possibilita observar alterações no esmalte, dentina, câmara pulpar, canais e tecidos
perirradiculares. O advento da radiografia digital trouxe inúmeras vantagens sobre a convencional, como
menor dose de radiação, visualização instantânea, manipulação conveniente e fácil arquivamento
• Exame tomográfico: com o objetivo de superar as deficiências das radiografias convencionais, foi introduzida
a tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC), que permite a visualização da imagem nos planos
sagital, axial e coronal, obtendo-se assim uma imagem 3D. A literatura é enfática ao evidenciar sua
superioridade frente a radiografia convencional. Entretanto, por utilizar radiação ionizante, só deve ser
indicada se as informações adicionais obtidas através desse exame ajudarem potencialmente no diagnóstico
e/ou na melhoria do tratamento do caso. Em 2014, a Sociedade Europeia de Endodontia se posicionou sobre
o uso desse recurso listando todas as suas indicações, entre elas a utilização no diagnóstico de patologias
perirradiculares apresentando sinais e sintomas contraditórios

Diagnóstico pulpar

Várias classificações e terminologias de diagnóstico têm sido utilizadas gerando controvérsias. Buscando-se um
consenso no diagnóstico clínico, as terminologias e classificações a seguir se baseiam nos termos sugeridos pela
American Association of Endodontists (2013)

• Polpa normal: o diagnóstico clínico indica uma polpa sem sintomas e responsiva aos testes de vitalidade
• Pulpite reversível: o diagnóstico clínico indica a presença de inflamação pulpar a qual volta ao normal após
tratamento adequado de acordo com a sua etiologia. Quando um estímulo (frio ou doce) é aplicado, há o
aparecimento de uma dor, que some após a remoção do mesmo. Os fatores etiológicos incluem cárie,
dentina exposta (sensibilidade dentinária) e restaurações profundas. Palpação e percussão resultam em
respostas negativas. Radiograficamente, é semelhante ao quadro de polpa normal. O tratamento consiste na
remoção do fator etiológico de tecido cariado e restauração com proteção pulpar
• Pulpite irreversível sintomática: o diagnóstico clínico indica que a polpa vital inflamada é incapaz de retornar
à sua higidez, mesmo após a remoção dos fatores agressores. Pode apresentar dor aguda após estímulo
térmico (demorando a cessar após a remoção do estímulo), espontânea, e localizada ou irradiada. Os fatores
causais incluem cáries profunda, restaurações extensas ou fraturas com exposição pulpar. A resposta à
palpação e percussão pode ser negativa ou positiva, e o aspecto radiográfico pode ser normal ou com ligeiro
espessamento do espaço do ligamento periodontal (LP). Esses fatores irão depender da fase (inicial ou
tardia) da pulpite irreversível. O tratamento consiste na pulpectomia ou, quando indicada (casos de
rizogênese incompleta), na pulpotomia
• Pulpite irreversível assintomática: o diagnóstico clínico indica que a polpa está inflamada e incapaz de
retornar à sua condição normal. Paciente não relata sintomas. Quando existente, a dor costuma ser
intermitente, sobretudo por compressão. É geralmente observada em pacientes jovens, com cárie profunda
cuja remoção leva à exposição pulpar. Radiograficamente, há presença de cárie e o espaço do LP pode ou
não estar espessado. Exemplos de pulpite irreversível assintomática incluem pulpite crônica ulcerada,
pulpite crônica hiperplásica e reabsorção interna. O tratamento é o mesmo da pulpite irreversível
sintomática
• Necrose pulpar: o diagnóstico clínico indica necrose pulpar, sendo posterior à pulpite irreversível sintomática
ou assintomática. Com a necrose, o dente geralmente não responde aos testes elétrico e pelo frio. Contudo,
se o calor for aplicado por um tempo prolongado, o dente pode responder positivamente. A necrose pode
ser parcial ou completa e pode não envolver todos os canais de um mesmo dente. Por esse motivo, o dente
pode apresentar sintomatologia confusa. Quando a infecção se estende para os tecidos perirradiculares,
pode haver sintomatologia à percussão ou dor espontânea. Radiograficamente, pode variar desde padrões
de normalidade, passando por quadros de espessamento do espaço do LP até o aparecimento de uma lesão
perirradicular. O tratamento endodôntico é o indicado nesses casos
Diagnóstico perirradicular

As terminologias e classificações a seguir também se baseiam nos termos sugeridos pela American Association of
Endodontists (2013)

• Periodontite apical sintomática (aguda): refere-se à inflamação perirradicular com dor à mordida e/ou
percussão e palpação. A dor pode ser latejante. Pode ter origem na necrose pulpar ou em traumas
mecânicos (força ortodôntica excessiva, contato prematuro, trauma oclusal, sobreinstrumentação e
extravasamento de NaOCl). Quando acompanhada de necrose, as respostas aos testes térmicos e elétrico
são negativas; a dor à percussão e palpação resulta em um dente muito sensível. Um sinal característico e
patognomônico desse quadro é a sensação de “dente crescido”, devido à extrusão do dente.
Radiograficamente, apresenta discreto espessamento do espaço do LP e/ou lesão perirradicular. O
tratamento endodôntico é o indicado. Porém, nos casos associados a dentes com vitalidade pulpar, a
remoção dos fatores desencadeadores (força ortodôntica excessiva, contato prematuro e trauma oclusal)
pode levar a remissão do quadro
• Periodontite apical assintomática (crônica): consiste na inflamação e destruição do periodonto apical, não
havendo dor ou sendo muito discreta. Por estar relacionada com dentes necrosados, os testes pulpares são
negativos, bem como não há desconforto importante quanto à palpação e percussão. Nesta classificação se
encontram o granuloma e o cisto periapical, os quais são indistinguíveis clinicamente. Porém, a TCFC pode
evidenciar o cisto quando há presença evidente de cavidade cística. Radiograficamente, há uma radiolucidez
apical. O tratamento endodôntico é o indicado
• Abscesso perirradicular crônico: é uma reação inflamatória à infecção pulpar e necrose com pouco ou
nenhum desconforto e secreção intermitente de pus através de uma fístula. Em geral, um dente com
abscesso perirradicular crônico não apresenta sintomas clínicos nem responde aos testes de vitalidade
pulpar. Radiograficamente, apresenta radiolucidez apical. O dente não é sensível à mordida, mas pode
apresentar “sensibilidade diferente” à percussão. É distinguida da periodontite apical assintomática devido a
drenagem intermitente pela fístula, a qual deve ser rastreada. O tratamento endodôntico está indicado
• Abscesso perirradicular agudo: é uma reação inflamatória à infecção pulpar e necrose caracterizada por
início rápido. Apresenta dor espontânea, à mastigação, à percussão e palpação, formação de pus e edema. O
dente não responde aos testes de vitalidade pulpar, exibindo diferentes graus de mobilidade. Pode ser
decorrente da agudização de uma periodontite crônica assintomática (abscesso fênix). A radiografia pode
exibir desde um aumento do espaço do LP até uma radiolucidez apical. O edema pode ser intra e/ou
extraoral e a infecção pode progredir para a cortical ou espaços medulares do osso, o que caracteriza a
osteomielite, ou se difundir pelos tecidos moles como uma celulite, sendo duas formas consideradas
perigosas: a angina de Ludwig e a trombose do seio cavernoso. O paciente frequentemente estará febril, e
os linfonodos cervical e submandibular podem apresentar sensibilidade à palpação. O tratamento pode ser
dividido em 2 etapas: drenagem da coleção purulenta e tratamento endodôntico inicial, sendo indicada a
colocação de uma medicação intracanal a base de hidróxido de cálcio; e, em seguida, finalização do
tratamento endodôntico. A prescrição de antibiótico é indicada quando há envolvimento sistêmico. Deve ser
diferenciado do abscesso periodontal lateral, pois este tem origem na lesão periodontal e não endodôntica
• Osteíte condensante: também chamada de osteomielite esclerosante focal ou osteíte esclerosante, é o
crescimento patológico dos ossos maxilomandibulares acompanhado de sintomas clínicos discretos. É uma
resposta dos tecidos ósseos perirradiculares a uma agressão de baixo estímulo inflamatório ou microbiano,
caracterizada por crescimento ósseo periódico. Clinicamente, áreas de esclerose óssea aparecem associadas
a ápices de dentes com pulpite e grandes lesões cariosas, em dentes necrosados e em casos de tratamento
endodôntico inadequado. Radiograficamente, observa-se massa densa e uniforme, e vaga transição para o
osso circunjacente combinada com perda da lâmina dura e aumento do espaço do LP, ou ainda como uma
lesão apical difusa radiopaca. Não apresenta uma margem radiolúcida, como se costuma observar na
displasia cemento-óssea focal e também não se verifica radiopacidade separada do ápice, como no caso da
esclerose óssea idiopática, ambas sem etiologia endodôntica
Alterações Pulpares
O endodontista está voltado para o diagnóstico, prevenção e
tratamento das patologias pulpares e perirradiculares. Para ser
bem-sucedido nessas práticas, é de suma importância ter o
conhecimento dos aspectos clínicos (sinais e sintomas) e
radiográficos destas patologias. As principais alterações
patológicas que acometem a polpa são de natureza inflamatória e de etiologia infecciosa. A inflamação é a principal
resposta da polpa a uma gama variada de estímulos que causam sua injúria. A agressão à polpa pode ser de origem
física (térmica ou mecânica), química ou biológica. As agressões físicas são derivadas de preparos cavitários
profundos, remoção de estrutura dentária sem irrigação adequada, trauma oclusal, curetagem periodontal
profunda, trauma por impacto e movimentação ortodôntica, enquanto as agressões químicas incluem a toxicidade
de materiais restauradores, condicionamento ácido, e agentes clareadores, dessecantes e desinfetantes. Apesar
dessas agressões serem capazes de induzir a inflamação pulpar, elas são geralmente transitórias. A inflamação se
desenvolve, mas não persiste. Como bactérias representam uma agressão biológica que é frequentemente
persistente, a resposta inflamatória a essa agressão também é persistente. Assim, os microrganismos são essenciais
para o desenvolvimento e perpetuação das doenças pulpares.

Resposta pulpar à agressão

A cárie é a causa mais comum de agressão ao complexo dentinopulpar. Por continuidade biológica, dentina e polpa
respondem à agressão bacteriana através de 3 mecanismos principais: redução da permeabilidade dentinária,
formação de dentina terciária e resposta imune. Os 2 primeiros mecanismos envolvem a dentina e são realizados
para reforçar as barreiras contra a invasão bacteriana. Os 3 mecanismos podem se desenvolver simultaneamente,
apresentando intensidade e duração proporcional à agressão.
• Redução da permeabilidade dentinária: é um mecanismo de defesa contra o avanço bacteriano em direção à
polpa. Em dentes vitais, o movimento do fluido dentinário em direção externa e a presença de conteúdo
tubular vital influenciam a permeabilidade dentinária, podendo retardar a invasão bacteriana. Além disso, a
polpa pode fazer com que a dentina exposta se torne menos permeável através da deposição de dentina
esclerosada.
• Formação de dentina terciária: é uma forma da polpa recuar em resposta ao avanço bacteriano, retardando
sua exposição. A dentina terciária pode ser reacional ou reparadora. Enquanto a dentina reacional é
produzida por odontoblastos primários, que aumentam a formação de dentina em resposta a um estímulo
irritante suave/moderado, a dentina reparadora é feita por células recém-formadas, semelhantes aos
odontoblastos, em resposta a um estímulo severo que resultou na morte dos odontoblastos primários.
Assim, há diminuição do volume e alteração da forma da câmara pulpar.
• Resposta imune: à medida que a cárie destrói a dentina e se aproxima da polpa, a resposta inflamatória
torna-se maior. No entanto, a inflamação da polpa normalmente não se torna severa até que a mesma seja
exposta. Quando exposta, há o contato direto com bactérias, desenvolvendo, invariavelmente, inflamação
severa seguida de necrose e infecção. O tempo decorrido entre a exposição pulpar e a infecção de todo o
canal é imprevisível, mas normalmente é um processo lento. Na resposta da polpa exposta à infecção são
observados eventos vasculares típicos da inflamação, incluindo vasodilatação e aumento da permeabilidade
vascular. Isso ocasiona a formação de edema, seguido de aumento da pressão intratecidual, o que pode ser
crítico para a polpa, por estar circundada por paredes duras e inextensíveis de dentina. A drenagem é então
afetada, ficando a remoção de resíduos tóxicos prejudicada, o que pode levar a necrose. Essa sequência de
eventos ocorre na área adjacente à agressão e não em toda extensão pulpar. A necrose total da polpa é
resultante da acumulação gradual de focos de necrose. Após a necrose de um compartimento pulpar, o
biofilme bacteriano avança em direção apical e o tecido imediatamente adjacente à região infectada vai ser
agredido e reagir da mesma forma. Portanto, os eventos de agressão bacteriana, inflamação, necrose e
infecção ocorrem na polpa por incrementos de tecido, que se aglutinam e migram apicalmente até que toda
polpa esteja necrosada e infectada.
Patologias pulpares

Diferentes classificações e terminologias do diagnóstico endodôntico vêm sendo utilizadas ao longo dos anos,
gerando controvérsias e discussões. Buscando resolver tal situação, a Sociedade Americana de Endodontia (AAE)
realizou, em 2008, uma conferência de consenso para a adoção de uma classificação diagnóstica padronizada,
estabelecendo os critérios radiográficos, resultados objetivos de testes e critérios clínicos necessários para validar o
diagnóstico em Endodontia.

- Polpa normal:
• É uma condição clínica em que a polpa se encontra livre de sintomas e responde normalmente aos testes
pulpares. Apresenta resposta positiva ao teste térmico, cessando assim que o estímulo é removido. É
recomendado realizar os testes pulpares dos dentes adjacentes e contralateral hígidos previamente para
que o paciente saiba a resposta normal.

- Pulpite reversível

• Definição: é uma condição clínica baseada em achados subjetivos e objetivos que indicam a presença de
uma leve inflamação pulpar, a qual cessa e a polpa volta ao seu estado normal após a remoção da agressão
• Etiologia: estímulos leves ou de curta duração que não causam exposição pulpar, como cáries, exposição
dentinária (hipersensibilidade dentinária) por erosão e atrição, a maioria dos procedimentos restauradores,
curetagem periodontal profunda e fraturas de esmalte resultando na exposição dos túbulos dentinários
podem levar a um quadro de pulpite reversível.
• Características histopatológicas: em resposta à agressão, os vasos sanguíneos pulpares tornam-se dilatados
(hiperemia) com consequente edema. A resposta hiperêmica em uma área localizada da polpa pode ser
acompanhada de um leve a moderado infiltrado inflamatório. Geralmente, a polpa encontra-se organizada
• Sinais e sintomas: é geralmente assintomática. Porém, o paciente pode relatar dor aguda, rápida e localizada
em resposta a estímulos (frio ou doce) que normalmente não evocam dor, cedendo imediatamente após a
remoção do mesmo. O edema é discreto nessa fase, exercendo pressão subliminar sobre as fibras nervosas
A-delta, responsáveis pela inervação e dor dentinária. Assim, não há dor espontânea
• Testes pulpares:
-Frio: evoca dor aguda, rápida e localizada, que passa logo após a remoção do estímulo. A dentina
normalmente é mais sensível ao frio do que ao calor. Segundo a teoria hidrodinâmica, isso ocorre devido à
diferença à resistência ao movimento do fluido pelos túbulos dentinários quando o mesmo se move no
sentido da polpa ou interno (calor aplicado) ou no sentido contrário à polpa ou externo (frio aplicado). No
sentido externo, o fluido pressiona o odontoblasto para o interior dos túbulos, resultando em maior pressão
contra odontoblastos e fibras nervosas. No sentido interno, o odontoblasto é empurrado em direção à
polpa, oferecendo menos resistência ao deslocamento intratubular do fluido
- Calor: o paciente pode acusar dor tardia ao estímulo, à medida que a temperatura pulpar aumenta pela
manutenção do mesmo
- Elétrico: a intensidade da corrente elétrica necessária para o paciente acusar formigamento é igual ou
levemente inferior à de um dente normal
- Cavidade: a estimulação dentinária através de brocas, sonda exploradora ou colher de dentina evoca dor,
indicando vitalidade pulpar. É um teste de grande valia em dentes com restaurações extensas, os quais
podem não reagir aos demais testes
• Testes perirradiculares: são negativos, pois não há envolvimento dos tecidos perirradiculares
• Aspectos clínicos e radiográficos: observa-se cárie ou restaurações extensas próximo a câmara pulpar,
porém ainda não há exposição
• Tratamento: consiste na remoção do agente agressor, seguido de proteção pulpar indireta e aplicação de um
curativo a base de óxido de zinco e eugenol, dotado de efeito analgésico e anti-inflamatório. Após 1 semana,
o caso é reavaliado e considera-se a possibilidade de restaurar o dente definitivamente, desde que haja
remissão dos sintomas. É importante diferenciar a pulpite reversível da hipersensibilidade dentinária,
presente em casos de exposição dentinária cervical, com um estímulo térmico ou mecânico causando dor.
Nesses casos, recomenda-se a restauração da cavidade.
- Pulpite irreversível

• Definição: é uma condição clínica baseada em achados subjetivos e objetivos que indicam que a polpa vital
inflamada é incapaz de retornar ao seu estado de higidez, mesmo após a remoção do agente agressor.
Segundo a classificação da AAE, pode ser dividida em sintomática e assintomática.
• Etiologia: geralmente é uma progressão da pulpite reversível. Danos pulpares severos decorrentes de
remoção extensa de dentina, cáries profundas ou mesmo a falta de suprimento sanguíneo para a polpa por
trauma ou movimentação ortodôntica podem causar uma pulpite irreversível.
• Características histopatológicas: danos diretos (por meio de fatores de virulência) ou indiretos (por evocar
resposta inflamatória na polpa) causados por bactérias atraem neutrófilos para o local, liberando enzimas e
radicais livres. Com isso, a resposta inflamatória torna-se exacerbada (severa), com aumento da
permeabilidade vascular e elevação da pressão tecidual, que compromete a sobrevivência da polpa
progredindo invariavelmente para necrose. A necrose pode ser retardada se o exsudato inflamatório for
absorvido por vasos linfáticos ou drenado pela área da exposição. Se essa área for selada, a necrose terá
progressão rápida. Em alguns casos, a pulpite irreversível pode instalar-se mesmo sem haver exposição
pulpar.
• Sinais e sintomas: nos estágios iniciais da pulpite irreversível sintomática, o paciente pode relatar dor
provocada, aguda e localizada, persistindo por um tempo após a remoção do estímulo. O paciente pode
relatar também aumento da dor ao decúbito. Com o avanço da inflamação, há um aumento da dor, que
pode ser pulsátil, lancinante, contínua e espontânea. A sincronia de ativação das fibras pulpares em resposta
aos batimentos cardíacos explica a dor pulsátil, aumentada pelo esforço físico. Nesses casos, analgésicos não
costumam surtir efeito. Entretanto, a pulpite irreversível é geralmente assintomática. Isso ocorre devido a
drenagem satisfatória do exsudato inflamatório para o meio oral (impedindo a dor oriunda da compressão
das fibras nervosas pelo edema) e da liberação de mediadores químicos (bradicinina e histamina) na polpa.
• Testes pulpares:
- Frio: nos estágios iniciais, há uma resposta positiva. Nos estágios mais avançados, a resposta é negativa
devido à perda de atividade por hipóxia e degeneração das fibras A-delta. Nos casos sintomáticos, o frio
causa alívio da dor graças ao seu efeito vasoconstritor e anestésico
- Calor: é positivo. Nos casos sintomáticos, o calor potencializa a dor devido à vasodilatação
- Elétrico: a polpa apenas responde à altas correntes
- Cavidade: geralmente é positiva
• Testes perirradiculares: são geralmente negativos, estando a resposta inflamatória localizada e restrita à
polpa. Entretanto, um estudo mostrou que 57% dos pacientes com pulpite irreversível apresentaram
alodinia mecânica em resposta ao teste de percussão
• Aspectos clínicos e radiográficos: observa-se a presença de cárie e/ou restaurações extensas, que
geralmente expõem a polpa quando removidas. Porém, a exposição pulpar não é condição sine qua non
para a pulpite irreversível. Se a causa da exposição for microbiana, considera-se que a polpa está inflamada
irreversivelmente. Em casos de exposições traumáticas recentes (máximo de 48 horas) ou iatrogenias
assépticas, considera-se que a inflamação pulpar tem caráter de reversibilidade, podendo-se realizar o
capeamento direto, pois ainda não houve tempo para maciça colonização e invasão bacteriana.
Radiograficamente, o espaço do ligamento periodontal pode estar normal ou espessado
• Tratamento: consiste na remoção parcial (pulpotomia) ou total (pulpectomia) do tecido pulpar, ou na
extração dentária. Quando a destruição dentária for muito extensa e impossibilitar sua restauração, a
extração está indicada. Segundo a literatura, a pulpotomia pode ser realizada em dentes com ápice aberto,
devido à grande vascularização da polpa jovem, ou em dentes cuja polpa apresenta características
macroscópicas de saúde, como sangramento vermelho vivo. O grande viés dessa abordagem é a falta de
previsibilidade do tratamento, devido à ausência de certeza quanto à remoção total do tecido pulpar
inflamado/necrosado. O tratamento endodôntico convencional tem como objetivo debridar todo conteúdo
pulpar através de um adequado preparo químico-mecânico. Devido à presença de tecido pulpar vivo e,
consequentemente, na ausência de infecção em toda extensão do canal, o tratamento deve, sempre que
possível, ser realizado em sessão única
• Em determinadas situações, a inflamação pulpar aguda pode tornar-se crônica, sem progredir diretamente
para necrose. Isso ocorre quando a agressão bacteriana tem sua intensidade reduzida e/ou quando há
drenagem satisfatória do exsudato inflamatório. Em cáries extensas de dentes jovens (cujas polpas
apresentam grande vascularização), a inflamação crônica pode resultar na formação de um pólipo, a pulpite
irreversível hiperplásica, que é caracterizada pela proliferação de tecido granulomatoso se projetando para o
meio oral a partir da câmara pulpar. Com o tempo, o pólipo torna-se epiteliado, pois células epiteliais
descamadas da mucosa oral são absorvidas pelo tecido granulomatoso. Esse quadro é geralmente
assintomático; porém, o paciente pode relatar dor à mastigação. Clinicamente, há sangramento ao toque do
pólipo, devido a sua extrema vascularização. Radiograficamente, observa-se exposição pulpar por cárie
extensa e profunda. Por se tratar de uma forma de pulpite irreversível, o tratamento indicado é o mesmo
desses casos, conforme descrito acima. Em dentes com ápice aberto, a pulpotomia deve ser o tratamento de
escolha, com o intuito de manter a polpa apical e permitir a complementação radicular
• Alterações degenerativas da polpa, como calcificação e reabsorção interna, podem eventualmente se
desenvolver durante o curso de um processo inflamatório crônico. A calcificação extensa (cálculos pulpares
ou calcificação difusa) ocorre como resposta a trauma, lesões cariosas ou outros irritantes. Outro tipo de
calcificação é a metamorfose calcificante, com formação extensa de tecido duro nas paredes dentinárias,
podendo levar a diferentes graus de obliteração pulpar. A inflamação pulpar crônica pode ainda iniciar uma
reabsorção interna dos tecidos duros adjacentes, avançando em direção a periferia. O tratamento desses
casos consiste na pulpectomia com a remoção completa do tecido pulpar, recomendando-se a colocação de
uma medicação à base de hidróxido de cálcio e posterior obturação

- Necrose pulpar

• Definição: é um diagnóstico clínico que indica a morte pulpar. Na maioria dos casos, é decorrente de uma
contínua agressão à polpa (pulpites reversível e irreversível abandonadas ao próprio curso) até que os
mecanismos de defesa não sejam mais capazes de reagir ao agente agressor
• Etiologia: podem ser classificadas em
o Necrose de liquefação. Comum em áreas de infecção bacteriana. Resulta da ação de enzimas
hidrolíticas de origem bacteriana e/ou endógena (neutrófilos), que promovem a destruição tecidual
o Necrose de coagulação. Causada por trauma, com interrupção do suprimento sanguíneo pulpar
devido ao rompimento do feixe vásculo-nervoso ocasionando isquemia tecidual
o Necrose gangrenosa. Quando o tecido que sofreu necrose de coagulação é invadido por bactérias,
que promovem a liquefação. Ocorre em dentes traumatizados cujas polpas sofreram necrose de
coagulação asséptica e se tornaram infectadas. Os modelos de coagulação e liquefação coexistem na
gangrena pulpar
• Sinais e sintomas: é geralmente assintomática, podendo o paciente ter relatado episódio prévio de dor.
Entretanto, dependendo da condição dos tecidos perirradiculares, a dor pode estar presente
• Testes pulpares:
-Frio: é sempre negativo
-Calor: geralmente não evoca dor. Porém, o paciente pode acusar sensibilidade pela presença de fibras
nervosas do tipo C, que por serem mais resistentes à hipóxia, podem permanecer responsivas por
determinado tempo após a necrose
-Elétrico: não há resposta. Em raras ocasiões, se houver fibras do tipo C viáveis ou se a polpa apresentar
necrose de liquefação, altas correntes podem evocar uma resposta positiva (resultado falso-positivo)
-Cavidade: é sempre negativo
• Testes perirradiculares: podem evocar resposta positiva ou negativa, dependendo da condição dos tecidos
perirradiculares. A necrose por si só não causa periodontite apical ao menos que o canal esteja infectado
• Aspectos clínicos e radiográficos: observa-se a presença de cárie e/ou restaurações extensas que alcançaram
a polpa. Quando a causa da necrose for traumática, a coroa pode estar hígida. Radiograficamente, o espaço
do ligamento periodontal pode estar normal, espessado ou uma lesão perirradicular pode estar presente, o
que vai depender do envolvimento dos tecidos perirradiculares
• Tratamento: consiste na realização do tratamento endodôntico ou na extração, em caso de grande
destruição e impossibilidade de restauração do dente. O tratamento endodôntico deve ser pautado na
remoção de todo tecido necrosado e possivelmente infectado, através de um adequado preparo químico-
mecânico. Alguns autores preconizam a utilização de uma medicação à base de hidróxido de cálcio antes da
obturação.
• Previamente tratado: é uma categoria de diagnóstico clínico que indica que o dente foi tratado
endodonticamente de forma completa, estando os canais selados com materiais obturadores definitivos. O
dente normalmente não responde aos testes pulpares ou elétrico.
• Terapia anteriormente iniciada: é uma categoria de diagnóstico clínico que indica que o dente foi
previamente tratado endodonticamente de forma parcial (pulpotomia ou pulpectomia). Dependendo do
nível da terapia, o dente pode ou não responder aos testes pulpares.
Alterações Perirradiculares
O endodontista está voltado para o diagnóstico, prevenção e
tratamento das patologias pulpares e perirradiculares. Para ser
bem-sucedido nessas práticas, é de suma importância ter o
conhecimento destas alterações quanto aos seus aspectos
histopatológicos bem como suas manifestações clínicas e
radiográficas. As principais alterações patológicas que acometem
os tecidos perirradiculares são de natureza inflamatória e de
etiologia infecciosa. A inflamação é a principal resposta dos tecidos
perirradiculares aos estímulos que causam injúria. A intensidade da resposta inflamatória varia conforme o tipo e a
intensidade da agressão. Quando a agressão é persistente e não se resolve pelos mecanismos inespecíficos de defesa
do hospedeiro (imunidade inata), instala-se um processo inflamatório crônico, caracterizado pela participação da
resposta imunológica adaptativa, de caráter específico. Neste caso, se a resposta imunológica não consegue eliminar
o agente agressor, ela consegue, na maioria das vezes, controlá-lo, confinando-o ao local da agressão. Na persistência
da agressão, os próprios mecanismos de defesa podem gerar dano tecidual. Nas doenças perirradiculares, a
destruição tecidual causada pelas defesas do hospedeiro à uma agressão persistente parece ser mais significativa do
que os efeitos diretos proporcionados pelas bactérias. A agressão aos tecidos perirradiculares pode ser de origem
física, química ou biológica. As agressões físicas são derivadas da sobreinstrumentação, trauma e sobreobturação,
enquanto as agressões químicas são representadas pela sobreobturação e pelo extravasamento de hipoclorito de
sódio (NaOCl) ou outras substâncias tóxicas. Apesar das agressões físicas e químicas serem capazes de induzir a
inflamação dos tecidos perirradiculares, elas são geralmente transitórias. A inflamação se desenvolve, mas não
persiste. Como os microrganismos representam uma agressão biológica que é frequentemente persistente, a resposta
inflamatória à agressão bacteriana também é persistente. Por isso, os microrganismos são essenciais para o
desenvolvimento e perpetuação das patologias perirradiculares

Resposta dos tecidos perirradiculares à agressão


Na maioria das vezes, a lesão perirradicular pode ser considerada uma sequela da cárie. Os eventos de agressão
bacteriana, inflamação, necrose e infecção ocorrem na polpa por incrementos de tecido, que se aglutinam e migram
apicalmente até que toda polpa esteja necrosada e infectada. À medida que esse processo se aproxima do forame
apical, os tecidos perirradiculares são afetados. Os mecanismos de defesa do hospedeiro contra a infecção
intrarradicular são representados pela imunidade inata e adaptativa. A resposta inata é a primeira linha de defesa e
pode ser subdividida em duas fases. A fase inicial é imediata, sendo considerada uma resposta pré-inflamatória. Após a
invasão, bactérias são combatidas por macrófagos e pelo sistema complemento ativado. O encontro de bactérias com
esses mecanismos de defesa desencadeia a produção e liberação de mediadores químicos da inflamação, os quais
induzem alterações vasculares e recrutam mais células de defesa para o local. Em resposta às bactérias não eliminadas
pelos mecanismos inatos imediatos, uma inflamação aguda com todos os seus elementos vasculares e celulares se
desenvolve, dando origem à periodontite apical aguda. Se a resposta inflamatória não consegue reduzir
significativamente a intensidade da agressão oriunda do canal, o processo avança e exacerba, dando origem a uma
inflamação caracterizada por exsudação purulenta (pus), o abscesso perirradicular agudo. Como a resposta aguda só
pode reduzir a intensidade da agressão, mas não eliminar a fonte da infecção localizada no sistema de canais radiculares
(SCR), o processo inflamatório cronifica. A inflamação crônica contém elementos da resposta imune adaptativa bem
como do processo de reparação, condição conhecida como periodontite apical crônica (ou assintomática). Como a
infecção persiste no SCR, o processo crônico resulta em reabsorção óssea, dando origem ao granuloma perirradicular.
Posteriormente, à medida que os restos epiteliais de Malassez começam a proliferar nos granulomas, a lesão torna-se
um granuloma epiteliado. Com a passagem do tempo e a contínua proliferação de epitélio, uma cavidade revestida por
epitélio se forma no tecido, o cisto perirradicular. Assim, o granuloma e o cisto são formas de periodontite apical crônica.
Quando o tratamento endodôntico é bem realizado, há um desequilíbrio a favor do hospedeiro e o reparo dos tecidos
é iniciado. Entretanto, a resposta inflamatória crônica pode, em muitos casos, ser instalada sem um episódio agudo
prévio. Isso ocorre quando a agressão bacteriana é de baixa intensidade (menor número e virulência das bactérias)
desde o início. Além disso, a capacidade de defesa do hospedeiro (resistência orgânica) também apresenta um papel
fundamental nessas situações. Portanto, dependendo da relação entre a intensidade da agressão bacteriana e o
mecanismo de defesa do hospedeiro, haverá o desenvolvimento de uma resposta inflamatória aguda (periodontite
apical aguda e abscesso perirradicular agudo) ou crônica (periodontite apical crônica, granuloma, cisto ou abscesso
perirradicular crônico)
Patologias perirradiculares
- Periodontite apical aguda
• Definição: ocorre quando do desenvolvimento de uma inflamação aguda no ligamento periodontal (LP), sendo
caracterizada pela permeabilidade vascular e consequente edema, causando elevação da pressão hidrostática tecidual.
Como resultado, fibras nervosas são comprimidas gerando dor. Além disso, mediadores químicos (bradicinina,
prostaglandina e histamina) gerados também estão relacionados à dor. Pode ser causada por uma agressão bacteriana de
alta intensidade com bactérias saindo pelo forame apical, sobreinstrumentação, extravasamento de substâncias NaOCl e
debris, contato prematuro ou movimentação ortodôntica
• Características histopatológicas: observa-se hiperemia e presença de um infiltrado inflamatório no LP contendo neutrófilos
polimorfonucleares. Fibras colágenas podem estar dilaceradas devido ao edema
• Sinais e sintomas: há dor intensa, espontânea, latejante e localizada. Pode haver extrema sensibilidade ao toque e sensação
de dente “crescido”, devido à extrusão dentária visando acomodar o edema. A mastigação provoca ou exacerba a dor
• Testes pulpares: são negativos, pois a polpa está necrosada
• Testes perirradiculares:
o Percussão: é sempre positivo, podendo ser extremamente doloroso
o Palpação: pode revelar sensibilidade ou não, dependendo da extensão da inflamação
• Achados radiográficos: observa-se um espessamento do espaço do LP apical devido à extrusão do dente. Devido a rapidez
do processo, não há tempo hábil para ocorrer reabsorção óssea perirradicular
• Tratamento: consiste na eliminação do agente agressor através de um adequado preparo químico-mecânico com irrigação
abundante com NaOCl, medicação intracanal e posterior obturação do SCR. Para alívio da dor, o dente deve ser retirado
de oclusão e um analgésico/anti-inflamatório deve ser prescrito

- Abscesso perirradicular agudo


• Definição: em virtude da persistência da agressão, há uma exacerbação da resposta inflamatória, caracterizada por
inflamação purulenta. Isso acontece devido a presença de bactérias altamente virulentas associadas à infecção.
Juntamente com enzimas proteolíticas liberadas por bactérias, enzimas lisossomais e radicais oxigenados são liberados por
neutrófilos, os quais promovem liquefação tecidual, gerando pus. O processo agudo não costuma durar mais do que 72
horas, sendo bastante eficaz em reduzir a agressão bacteriana, embora isso possa custar a destruição tecidual. No entanto,
a disseminação da infecção para espaços anatômicos da cabeça e pescoço pode levar a quadros clínicos graves. Há autores
que dividem a fase do abscesso em inicial (próximo ao forame apical), em evolução (invade trabeculado ósseo) e evoluído
(perfura o periósteo e invade tecido mole)
• Características histopatológicas: presença de reação inflamatória intensa e adjacente ao forame apical, caracterizada pela
presença de pus. Células inflamatórias podem ser detectadas combatendo bactérias. Fibras periodontais podem estar
dilaceradas pelo intenso edema
• Sinais e sintomas: presença de dor espontânea, pulsátil, lancinante e localizada, podendo ou não apresentar envolvimento
sistêmico (linfoadenite regional, febre ou mal-estar). A dor é grande quando o abscesso está intraósseo ou subperiosteal.
Um grande alívio ocorre após a ruptura do periósteo pelo pus, atingindo os tecidos moles
• Inspeção: observa-se tumefação intra e/ou extraoral, flutuante ou não, que dependerá do estágio de evolução do abscesso.
Em alguns casos, verifica-se a presença de mobilidade e ligeira extrusão dentária
• Testes pulpares: são negativos, pois a polpa está necrosada. Em raras ocasiões, os testes de calor e elétrico podem oferecer
resultados falso-positivos pela presença de líquido no canal. Os testes de frio e de cavidade são os mais seguros
• Testes perirradiculares: apresentam resultado positivo, sendo o teste de percussão bastante doloroso
• Achados radiográficos: observa-se destruição óssea perirradicular, caso o abscesso se desenvolva a partir da agudização
de uma inflamação crônica (granuloma ou cisto). Quando o mesmo se desenvolve como extensão direta da necrose e
infecção pulpar, verifica-se apenas o espessamento do espaço do LP. Pode ser observada destruição da coroa por cárie ou
presença de restauração profunda
• Tratamento: consiste na drenagem da coleção purulenta via canal, incisão da mucosa, ou ambos seguidas da eliminação
do agente agressor através de um adequado preparo químico-mecânico com irrigação abundante com NaOCl, medicação
intracanal e posterior obturação do SCR. Analgésicos e/ou anti-inflamatórios devem ser prescritos. O emprego de
antibióticos deve ser realizado em casos de comprometimento sistêmico
• Vias de disseminação e drenagem do abscesso: a disseminação da infecção pode seguir vias diferentes e resultar em
tumefação intra ou extraoral. O abscesso irá se disseminar por áreas de menor resistência e a proximidade do ápice com
a cortical óssea irá influenciar se a tumefação será por vestibular ou lingual/palatina. A angina de Ludwig resulta na
obstrução das vias aéreas e em risco de vida, ocorrendo quando os espaços submentoniano, sublingual e submandibular
são envolvidos simultaneamente. Infecções do espaço canino ou fundo de vestíbulo têm chances de resultar em trombose
do seio cavernoso
- Periodontite apical crônica
• Definição: quando a resposta inflamatória associada à periodontite apical aguda é eficaz na redução da
agressão, a resposta cronifica. Células imunocompetentes (linfócitos, plasmócitos e macrófagos) são atraídas
para a região, dando início a resposta imunológica adaptativa. Está estabelecida a periodontite apical crônica.
Se o agressor for de baixa intensidade, esse quadro pode ser estabelecido sem um episódio agudo prévio. Pode
ser classificada como periodontite apical crônica inicial, granuloma e cisto. Esta classificação histológica
representa estágios na evolução da lesão. Clinicamente, essas lesões apresentam as mesmas características.
Radiograficamente, enquanto a periodontite apical crônica inicial se apresenta com espaço do LP normal ou
espessado, granuloma e cisto são caracterizados por reabsorção óssea perirradicular
• Características histopatológicas: observa-se a presença de um infiltrado inflamatório crônico (linfócitos,
plasmócitos e macrófagos) e de componentes do processo de reparo (fibroblastos, fibras nervosas e vasos
sanguíneos neoformados) no LP adjacente ao forame apical. Ainda não há reabsorção óssea
• Sinais e sintomas: ausentes, podendo o paciente ter relatado episódios prévios de dor
• Inspeção: presença de cárie profunda ou de restauração extensa
• Testes pulpares: são negativos pois a polpa está necrosada
• Testes perirradiculares: são negativos
• Achados radiográficos: o espaço do LP encontra-se normal ou espessado. A causa da necrose pode ser
detectada (cárie e/ou restaurações extensas)
• Tratamento: consiste na eliminação do agente agressor através de um adequado preparo químico-mecânico
com irrigação abundante com NaOCl, medicação intracanal e posterior obturação do SCR. Nos casos de
insucesso, pode-se optar pela cirurgia perirradicular

- Granuloma perirradicular
• Definição: resulta da necrose pulpar, sendo uma evolução da periodontite apical crônica. É a patologia
perirradicular mais comumente encontrada
• Características histopatológicas: há um infiltrado inflamatório crônico associado a elementos de reparação,
caracterizando um tecido granulomatoso que substitui o osso reabsorvido. Circunscrevendo a lesão, encontra-
se uma cápsula de fibras colágenas. As células inflamatórias mais comuns são macrófagos, linfócitos,
plasmócitos e mastócitos
• Patogênese: em resposta à agressão bacteriana, células inflamatórias presentes no LP e no osso produzem uma
gama de mediadores químicos. Como resultado, o osso é reabsorvido e substituído por tecido granulomatoso,
constituído de células imunocompetentes e do processo de reparo. Assim, o processo reabsortivo cria um
espaço capaz de comportar um maior número de células de defesa, impedindo a disseminação da infecção. Isso
possibilita um equilíbrio entre a agressão e os mecanismos de defesa. Há o depósito de fibras colágenas na
periferia do tecido granulomatoso, que encapsulam a lesão, formando o granuloma perirradicular. A
proliferação dos restos epiteliais de Malassez leva ao granuloma epiteliado. A reabsorção radicular,
principalmente envolvendo cemento, pode ser observada acompanhando a reabsorção óssea. Mesmo assim, o
cemento é muito menos reabsorvido que o osso devido: presença de pré-cemento e cementoblastos, restos
epiteliais de Malassez e ausência de vascularização
• Sinais e sintomas: é assintomático
• Inspeção: presença de cárie e/ou restauração extensa. A coroa do dente pode estar escurecida
• Testes pulpares: são negativos
• Testes perirradiculares: são negativos. Em raras ocasiões, o paciente pode queixar-se de sensibilidade
• Achados radiográficos: presença de uma área radiolúcida (reabsorção óssea) bem circunscrita associada ao
ápice ou lateralmente à raiz. Cárie ou restauração extensa podem ser observadas
• Tratamento: consiste na eliminação do agente agressor através de um adequado preparo químico-mecânico
com irrigação abundante com NaOCl, medicação intracanal e posterior obturação do SCR. Nos casos de
insucesso, pode-se optar pela cirurgia perirradicular
- Cisto perirradicular
• Definição: sempre se origina de um granuloma, que se tornou epiteliado, embora nem todo granuloma evolua
para um cisto. Mantida a infecção do SCR, a proliferação epitelial assume maiores proporções, gerando lojas no
interior de aglomerações de células epiteliais, formando o cisto perirradicular. Tal mecanismo sugere que este
tipo de lesão é resultado de uma infecção de longa duração
• Características histopatológicas: é uma cavidade patológica contendo material fluido ou semissólido, composto
por células epiteliais degeneradas. Esta loja é revestida por epitélio estratificado pavimentoso e escamoso. Pode
ser classificado como “verdadeiro” ou “em bolsa” (ou “baía”), dependendo da relação da loja cística com o canal
via forame apical ou lateral. Se a loja cística está imediatamente contígua ao canal, ele é chamado de cisto “em
bolsa”. Se a loja cística não tem relação com o canal, é chamado de “verdadeiro”. Em contato com o epitélio,
há um tecido granulomatoso composto por macrófagos, linfócitos e plasmócitos, além de fibroblastos e vasos
neoformados. Cristais de colesterol também podem ser observados. Externamente, encontra-se uma cápsula
de tecido conjuntivo, que separa a lesão do osso
• Patogênese: várias teorias tentam explicar a formação da loja cística, sendo a mais plausível aquela que sugere
o envolvimento do sistema imune. Ela se baseia na presença de elementos da resposta imunológica adaptativa
(linfócitos T e B, plasmócitos, macrófagos, células NK, anticorpos e componentes do sistema complemento) na
lesão
• Sinais e sintomas: é assintomático
• Inspeção: presença de cárie e/ou restauração extensa. A coroa do dente pode estar escurecida
• Testes pulpares: são negativos
• Testes perirradiculares: são negativos. Em raras ocasiões, o paciente pode se queixar de sensibilidade
• Achados radiográficos: assemelha-se ao do granuloma, o que faz com que as duas entidades sejam
indistinguíveis radiograficamente. Entretanto, essa diferenciação é questionável, pois o tratamento é o mesmo.
A loja cística pode assumir grande diâmetro, provocando deslocamento dos dentes envolvidos
• Tratamento: consiste na eliminação do agente agressor através de um adequado preparo químico-mecânico
com irrigação abundante com NaOCl, medicação intracanal e posterior obturação do SCR. Nos casos de
insucesso, pode-se optar pela cirurgia perirradicular
• Reparo dos cistos: existe uma crença de que as lesões císticas não regridem após o tratamento endodôntico.
Porém, a literatura mostra que esta afirmativa não procede. O cisto é resultado da resposta do hospedeiro à
infecção do SCR. Se eliminada a causa da proliferação epitelial, esta cessa e o sistema imune promove
gradualmente a destruição e remoção das células epiteliais proliferadas

- Abscesso perirradicular crônico


• Definição: também conhecido como periodontite apical supurativa, resulta do egresso gradual de irritantes do
canal para os tecidos perirradiculares, com consequente formação de exsudato purulento no interior de um
granuloma. Essa lesão pode se originar da cronificação do abscesso perirradicular agudo
• Características histopatológicas: presença de zonas de necrose de liquefação contendo neutrófilos
polimorfonucleares desintegrados, circundadas por macrófagos e neutrófilos. A fístula comunica essas zonas à
periferia, sendo revestida por epitélio ou por tecido conjuntivo inflamado
• Sinais e sintomas: assintomático, encontrando-se associado a uma drenagem intermitente ou contínua por
meio de fístula intra ou extraoral
• Inspeção: presença de cárie e/ou restauração extensa. Uma fístula, ativa ou não, pode ser observada
• Testes pulpares: são negativos
• Testes perirradiculares: são negativos. Em raras ocasiões, o paciente pode se queixar de sensibilidade
• Achados radiográficos: como no granuloma e cisto, observa-se uma área de destruição óssea perirradicular,
indistinguível destas patologias. Todavia, os limites da área radiolúcida podem não ser bem definidos, como no
granuloma e cisto. Cáries e/ou restaurações extensas profundas podem ser detectadas
• Tratamento: consiste na eliminação do agente agressor através de um adequado preparo químico-mecânico
com irrigação abundante com NaOCl, medicação intracanal e posterior obturação do SCR. A regressão da fístula
é um indicativo de que os procedimentos intracanais foram realizados adequadamente. Nos casos de insucesso,
pode-se optar pela cirurgia perirradicular.

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