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A partir do texto “Moral e ética: uma leitura psicológica” de Yves de La Taille, e das

discussões realizadas em sala de aula, é possível analisar como as questões acerca da

moralidade e ética individual são complexas e de difícil consenso social.

Ao longo do texto, Yves de La Taille discorre sobre os conceitos de ética e moral que

foram, com o passar dos anos, se modificando e aperfeiçoando. Entretanto, a fim de facilitar o

entendimento, concentramo-nos nos conceitos que definem a moral enquanto um conjunto de

práticas e regras impostas e/ou esperadas socialmente e a ética enquanto uma postura pessoal

do sujeito frente à moralidade.

Dessa forma, a moral, em tese, teria um consenso social acerca das regras impostas

pela sociedade, do bem e mal, certo e errado, o que fazer e não fazer, como fazer e quais

dessas práticas serão estimuladas socialmente. Já a ética, por sua vez, se concentraria no

sujeito e na sua capacidade de decidir se seguirá, ou não, àquela moralidade que lhe foi

apresentada no meio social.

Logo, é possível presumir que a moral envolve um sentimento de obrigatoriedade

social, isto é, a sociedade espera que o sujeito cumpra tudo aquilo que, perante esta

população, é correto e ético. Contudo, no decorrer do texto, percebe-se como nem sempre os

sujeitos cumprem aquilo que lhes é imposto socialmente. Desta forma, segundo La Taille

(2010): “para compreendermos os comportamentos morais dos indivíduos precisamos

conhecer a perspectiva ética que estes adotam”.

Dessa maneira, com base na frase apresentada, ao contrário do previsto, é possível

identificar que as questões de moral e ética dentre o meio social não possuem o consenso e

nem o resultado esperado. Isto porque a ética e moralidade envolve fatores que vão além de

somente regras impostas e o cumprimento coercitivo destas.

De acordo com o autor, existem variáveis que influenciam a ética dos sujeitos. Em

resumo, além do lado racional, possuímos razões pessoais e emocionais que desafiam nossa
capacidade de seguir à risca a moralidade esperada socialmente. Os sujeitos, ao longo de suas

vidas, deparam-se com situações que defrontam sua ética pessoal e o cumprimento absoluto

desta moral. Logo, é notório que existem raízes afetivas dentro da ação moral.

Além disso, o texto discorre sobre teorias e autores que buscam compreender o

funcionamento dos indivíduos perante a moral e a ética e, além de buscarem entender se

existe algo intrínseco nos sujeitos que os direcionam para o cumprimento destes deveres

morais.

O psicanalista Sigmund Freud (1991), por exemplo, afirmou que o superego funciona

como uma instância coercitiva e se manifestava enquanto imperativo categórico, isto é, existia

algo “dentro” do sujeito, semelhante à um tribunal, que o direcionaria para o cumprimento da

ética e moral. Já Jean Piaget (1977) apontou que existe enorme coerção exercida pela

sociedade no que tange aos termas morais impede que a maioria aceda à autonomia moral.

Logo, o sentimento de dever era exterior à consciência.

Independentemente das teorias e das perspectivas dos autores, é possível concluir que

a moralidade e a ética envolvem fatores que vão além do discernimento racional dos sujeitos.

Dessa maneira, é essencial ressaltar como tais temas não são capazes de possuírem um

consenso social acerca da sua criação e cumprimento de normas e deveres morais e éticos,

justamente pela complexidade do cumprimento destes.

Por mais que ética e moral possuam significados distintos, não há como negar a linha

tênue entre elas existente. Resgatemos, então, o conceito da moral enquanto um conjunto de

práticas e regras impostas e/ou esperadas socialmente, e a ética, por sua vez, como uma

postura pessoal do indivíduo frente à moralidade. Infere-se, portanto, o caráter próprio desses

dois conceitos. Além disso, ética e moral podem, ou não, coincidir. Ou seja, é possível que o

indivíduo seja ético e imoral ao mesmo tempo.


A exemplo disso temos o Dilema de Heinz, proposto por Kohlberg e apresentado por

Bee, H (1984, p. 103):

Na Europa, uma mulher estava quase à morte, com um tipo específico de


câncer. Havia um remédio que os médicos achavam que poderia salvá-la. Era uma
forma de rádio que um farmacêutico da mesma cidade havia descoberto recentemente.
O remédio era caro para se fazer e o farmacêutico estava cobrando dez vezes mais do
que ele lhe custava na fabricação. Ele pagava 200 dólares pelo rádio e cobrava 2000
dólares por uma pequena dose do remédio. O marido da mulher doente, Heinz,
procurou todo mundo que ele conhecia para pedir dinheiro emprestado, mas só
conseguiu aproximadamente 1000 dólares, a metade do preço do remédio. Ele disse
ao farmacêutico que sua mulher estava morrendo e pediu-lhe para vender o remédio
mais barato ou deixá-lo pagar o restante depois. Mas o farmacêutico disse: “Não, eu
descobri o remédio e vou ganhar muito dinheiro com ele”. Então Heinz ficou
desesperado e assaltou a farmácia para roubar o remédio para sua mulher.

O dilema acima nos mostra a situação de conflito entre moral e ética. Heinz foi imoral

ao roubar o remédio, afinal, ele quebrou uma regra pré-estabelecida socialmente, mas ético no

momento em que escolheu prezar pela vida de sua esposa. Ademais, observa-se, também, o

conflito de interesses e a “raíz emocional” presentes na ação de Heinz.

Há, ainda, o Dilema do trem, apresentado por Phillipa Foot: Um trem sem freios

avança em direção a cinco pessoas que estão amarradas na linha férrea. Você tem a opção de

acionar uma alavanca que o levará em outra direção, mas isso resultaria na morte de uma

outra única pessoa. Novamente nos vemos diante de um conflito ético-moral, há aqueles que

acreditam que puxar a alavanca seria a melhor opção, pois assim estaria poupando mais vidas,

mesmo que isso resulte na morte de outro indivíduo. Por outro lado, intervir na situação não

seria moral, já que isso findaria na morte de alguém que estaria a salvo caso não houvesse

nenhuma interferência.

Um amigo quer lhe contar um segredo e impõe como única condição que você não

conte a mais ninguém. Você concorda e descobre que ele atropelou um pedestre e, que por

isso se esconderia na casa de um familiar. A polícia te procura para saber o paradeiro de seu
amigo. Você o entregaria? Contar à polícia seria a conduta ética e moral. Entretanto, entregar

seu amigo seria imoral, já que lealdade é um consenso social.

“Choque de cultura” é outro dilema famoso. Aqui você é posto na posição de um

funcionário da Funai, que trabalha na Amazônia e recebe ordem de jamais, sob hipótese

alguma intervir na cultura indígena. Em dado momento você se depara com uma mulher

indígena aos prantos enquanto presencia a morte de seu bebê. Você impediria ou não a morte

da criança? A vida humana tem mais valor que as tradições de outro povo? Intervir na

situação passaria por uma visão etnocentrista. Deixar tudo como está segue os princípios do

relativismo cultural.

“A escolha de Sofia” conta a história de uma prisioneira polonesa em Auschwitz

“premiada” pelos soldados nazista com a difícil tarefa de escolher qual de seus filhos seria

executado e qual permaneceria vivo. Ela escolhe salvar o menino, acreditando que por ser

mais velho teria mais chances de sobreviver sozinho. A mãe se afasta de seu filho, e mais

tarde, atormentada com sua decisão, comete suicídio. Sofia está diante de um desafio moral, e

toma sua decisão pautada no utilitarismo, que expõe seu caráter de extrema injustiça.

Dilemas como o da entrevista de emprego - em que você se vê dividido entre

contratar seu amigo (este sendo menos qualificado para o cargo) ou uma outra pessoa

desconhecida para uma nova vaga de emprego na sua empresa; e o do dependente químico à

beira da morte, disputando um leito de hospital onde anteriormente fora reservado para sediar

uma importante reunião com os chefes de estado da Europa -, são marcados por conflitos de

interesse e embates entre ética e moral.

Por fim, temos os dilema do bote salva-vidas que comporta apenas 7 das 30 pessoas

que estão à deriva no mar após o naufrágio de um navio. O comandante tem a difícil decisão

de escolher quem deveria ser salvo e quem seria deixado no mar para morrer. Ele então

escolhe os sete mais fortes para remar até a costa e conseguir ajuda para os que foram
deixados no mar. Após algum tempo, todas as 30 pessoas são resgatadas com vida, e o

comandante vira réu em um julgamento no tribunal. Se pensarmos por um lado, o comandante

foi moral ao tomar a decisão que julgou mais adequada, o que reforça o caráter particular da

moralidade. Em contrapartida, essa seria a decisão mais ética a se tomar?

Ao decorrer do texto percebe-se a relação próxima entre ética e moral, e como ambas

são importantes ao delimitar os valores que levam o indivíduo a agir de determinada forma,

buscando sempre encontrar um modo mais harmônico para a convivência com os demais.

Além disso, é possível observar que os dilemas éticos presumem o cumprimento de normas

sociais, leis e doutrinas.

Vale ressaltar que, é provável que em algum momento da vida as pessoas se deparem

com dilemas éticos, seja no ambiente familiar, nas escolas, no trabalho, e até mesmo com seus

pares românticos. Nesse sentido, espera-se que os indivíduos tenham clareza quanto a seus

valores morais, a fim de tomar decisões conscientes, seguindo aquilo que acreditam.
REFERÊNCIAS

La Taille,Yves de. (2010). Moral e Ética: uma leitura psicológica. Psicologia: Teoria e

Pesquisa , 26 (esp), 105-114. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000500009.

Bee, H. A criança em Desenvolvimento. 3 ed. São Paulo: Harper & Row do Brasil,

1984.

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