Você está na página 1de 5

O CONHECIMENTO CIENTÍFICO

KOSHE, José Carlos. O conhecimento científico. IN________. Fundamentos da Metodologia


Científica. 34ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
“O conhecimento científico surge da necessidade de o homem não assumir uma
posição meramente passiva, de testemunha dos fenômenos, sem poder de ação ou controle dos
mesmos. Cabe ao homem, otimizando o uso da sua racionalidade, propor uma forma
sistemática, metódica e crítica da sua função de desvelar o mundo, compreendê-lo, explicá-lo
e dominá-lo.” (p. 29)

“O que impulsiona o homem em direção à ciência é a necessidade de compreender a


cadeia de relações que se esconde por trás das aparências sensíveis dos objetos, fatos ou
fenômenos, captadas pela percepção sensorial e analisadas de forma superficial, subjetiva e a
crítica pelo senso comum. O homem quer ir além dessa forma de ver a realidade
imediatamente percebida e descobrir os princípios explicativos que servem de base para a
compreensão da organização, classificação e ordenação da natureza em que está inserido. Não
é a simples organização ou classificação que caracterizam um conhecimento científico, mas a
organização e classificação sustentadas em princípios explicativos.” (p.29)

“O conhecimento científico é um produto resultante da investigação científica. Surge


não apenas da necessidade de encontrar soluções para problemas de ordem prática da vida
diária, característica essa do conhecimento do senso comum, mas do desejo de fornecer
explicações sistemáticas que possam ser testadas e criticadas através de provas empíricas e da
discussão intersubjetiva. É produto, portanto, da necessidade de alcançar um conhecimento
“seguro”. Pode surgir, como problema de investigação, também das experiências e crenças do
senso comum, mesmo que muitas vezes se refira a fatos ou fenômenos que vão além da
experiência vivencial imediata. A investigação científica se inicia quando se descobre que os
conhecimentos existentes, originários quer das crenças do senso comum, das religiões ou da
mitologia, quer das teorias filosóficas ou científicas, são insuficientes e impotentes para
explicar os problema

s e as dúvidas que surgem. ” (p. 29-30)

“A investigação científica se inicia, portanto, (a) com a identificação de uma dúvida,


de uma pergunta que ainda não tem resposta; (b) com o reconhecimento de que o
conhecimento existente é insuficiente ou inadequado para esclarecer essa dúvida; (c) que é
necessário construir uma resposta para essa dúvida e (d) que ela ofereça provas de segurança e
de confiabilidade que justifiquem a crença de ser uma boa resposta (de preferência, que seja
correta)” (p. 30)

“O ideal da racionalidade está em atingir uma sistematização coerente do


conhecimento presente em todas as suas leis e teorias. O conhecimento das diferentes teorias e
leis se expressa formalizado em enunciados que, confrontados uns com os outros, devem
apresentar elevado nível de consistência lógica entre suas afirmações. O princípio da não-
contradição requer que se corrija ou elimine as contradições que porventura existam entre as
diferentes explicações que compõem o corpo de conhecimentos, quer seja numa determinada
área ou entre diferentes áreas de conhecimento. Essa verificação da coerência lógica entre os
enunciados, ou entre teorias e leis, é um dos mecanismos que fornece um dos padrões de
aceitação ou rejeição de uma teoria pela comunidade científica: os padrões da verdade
sintática. Os enunciados científicos devem estar isentos de ambigüidade e de contradição
lógica. É uma das condições necessárias, embora não suficiente.” (p. 31)

“O ideal da objetividade, por sua vez, pretende que as teorias científicas, como
modelos teóricos representativos da realidade, sejam construções conceituais que re-
presentem com fidelidade o mundo real, que contenham imagens dessa realidade que sejam
“verdadeiras”, evidentes, impessoais, passíveis de serem submetidas a testes experimentais e
aceitas pela comunidade científica como provadas em sua veracidade. Esse é o mecanismo
utilizado para avaliar a verdade semântica. A objetividade do conhecimento científico se
fundamenta em dois fatores, interdependentes entre si: (a) a possibilidade de um enunciado
poder ser testado através de provas fatuais e (b) a possibilidade dessa testagem e seus
resultados poderem passar pela avaliação crítica intersubjetiva feita pela comunidade
científica.” (p. 32)

“A ciência exige o confronto da teoria com os dados empíricos, exige a verdade


semântica, como um dos mecanismos utilizados para justificar a aceitabilidade de uma teoria.
Esse fator, por si só, porém, não garante a objetividade do conhecimento científico. Apesar de
a ciência trabalhar com dados, provas fatuais, ela não fica isenta de erros de interpretação
dessas provas. Por mais que se esforce, o cientista, o investigador, estará sempre sendo
influenciado por uma ideologia, por uma visão de mundo, pela sua formação, pelos elementos
culturais e pela época em que vive.” (p. 33)

“Popper (1977, p. 93) nos fornece essa interpretação ao afirmar que um enunciado
científico é objetivo quando, alheio às crenças pessoais, puder ser apresentado à crítica, à
discussão, e puder ser intersubjetivamente submetido a teste. Para ele (1975, p. 46), objetivo
significa que “o conhecimento científico deve ser justificável, independentemente de capricho
pessoal; uma justificativa será `objetiva’ se puder, em princípio, ser submetida à prova e
compreendida por todos. Ao contrário do senso comum, portanto, o conhecimento científico
não aceita a opinião ou o sentimento de convicção como fundamento para justificar a
aceitação de uma afirmação.” (p.33)

“Ao contrário do que costuma acontecer no senso comum, a linguagem do


conhecimento científico utiliza enunciados e conceitos com significados bem específicos e
determinados. A significação dos conceitos é definida à luz das teorias que servem de marcos
teóricos da investigação, proporcionando-lhes, dessa forma, um sentido unívoco, consensual e
universal. A definição dos conceitos, elaborada à luz das teorias, transforma-os em construtos,
isto é, em conceitos que têm uma significação unívoca convencionalmente construída e dessa
forma universalmente aceita pela comunidade científica.” (p. 33)

“Como conseqüência, pode-se constatar que a ciência desenvolve testes mais rigorosos
do que os do senso comum para aceitar uma teoria. Essas provas rigorosas, além de
proporcionar condições mais confiáveis para a localização e correção dos possíveis erros, lhe
permitem também estabelecer maior confiabilidade nas predições, tais como as de terremotos,
eclipses, percurso e localização de planetas, cometas e outros fenômenos astrofísicos, reações
químicas, efeitos na biosfera, reações no comportamento humano e tantas outras em todas as
áreas do conhecimento. No entanto, esse elevado poder de teste que está presente no
conhecimento científico não lhe confere maior estabilidade ou dogmatismo de suas teorias.”
(p. 34)

“Essa natureza do conhecimento científico é decorrente da forma como é produzido e


justificado. Um conhecimento, para ser aceito como científico pela comunidade científica
deverá, necessariamente, satisfazer a critérios que justifiquem a sua aceitação. E quais são
esses critérios? Tradicionalmente se responde a essa questão afirmando que um conhecimento
é aceito como científico quando segue o método científico8 . Isso pressupõe que deva haver
um método, um procedimento dotado de passos e rotinas específicas, que indica como a
ciência deva ser feita para ser ciência.” (p. 34)

“Se observarmos a história do fazer científico – não apenas a história dos seus
produtos – veremos que os critérios de cientificidade estão atrelados à cultura das diferentes
épocas. São históricos os critérios utilizados para julgar que procedimentos são ou não
corretos para serem encarados como métodos ideais. Não há uma racionalidade científica
abstrata, autônoma, que independa dos fatores culturais de cada época. Observa-se,
principalmente entre os indutivistas, empiristas e justificacionistas em geral, a proposta de
uma caricatura de método científico apresentada como uma seqüência de regras prescritivas
ou como um conjunto de técnicas de investigação disponíveis para serem aplicáveis a
qualquer problema, uma espécie de fórmula mágica e garantida de eliminar o erro e garantir a
verdade” (p. 35)

“Não há regras padronizadas para a descoberta científica de suas teorias, como não as
há para a sua justificação confirmadora que lhes garanta a veracidade. Em relação à
descoberta, a ciência se assemelha à arte, pois trabalha no nível da imaginação e da
criatividade para produzir suas teorias e modelos explicativos. O conhecimento científico se
orienta conscientemente na direção da localização e eliminação do erro, através da discussão
objetiva (intersubjetiva) de suas explicações, dos seus enunciados, e de suas teorias. Por isso,
na ciência, a explicação será sempre provisória reconhecendo o caráter permanentemente
hipotético do conhecimento científico” (p. 35)

“O conhecimento científico, portanto, assim como o do senso comum, embora seja


mais seguro do que este último, também é falível. Pode o investigador, por exemplo, à luz do
seu referencial teórico, elaborar hipóteses inadequadas, excluindo fatores significativos
relacionados com a situação-problema, não planejar corretamente o processo de testagem de
suas hipóteses, não prever a utilização de instrumentos e técnicas de observação e de medida
adequados, válidos ou fidedignos, não perceber provas contrárias ou ainda, influenciado pela
sua subjetividade, que jamais é eliminada ou anulada, ou levado pela precipitação e por um
raciocínio incorreto, extrair uma conclusão imprópria.” (p. 36)

“O que distingue o conhecimento científico dos outros, principalmente do senso


comum, não é o assunto, o tema ou o problema. O que o distingue é a forma especial que
adota para investigar os problemas. Ambos podem ter o mesmo objeto de conhecimento. A
atitude, a postura científica que consiste em não dogmatizar os resultados das pesquisas, mas
tratá-los como eternas hipóteses que necessitam de constante investigação e revisão crítica
intersubjetiva é que torna um conhecimento objetivo e científico. O conhecimento científico
é, pois, o que é construído através de procedimentos que denotem atitude científica e que, por
proporcionar condições de experimentação de suas hipóteses de forma sistemática, controlada
e objetiva e ser exposto à crítica intersubjetiva, oferece maior segurança e confiabilidade nos
seus resultados e maior consciência dos limites de validade de suas teorias.” (p. 38)

Você também pode gostar