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2017

- 01 - 30

Revista de Direito do Trabalho


2016
RDT VOL.170 (JULHO - AGOSTO 2016)
ESTUDOS NACIONAIS
3. A ALTERAÇÃO DO SISTEMA DAS FONTES DO DIREITO BRASILEIRO PELAS SÚMULAS VINCULANTES E PELOS PRINCÍPIOS
NORMATIVOS

3. A alteração do sistema das fontes do direito brasileiro


pelas súmulas vinculantes e pelos princípios normativos

The change in Brasilian system of sources of law by the


precedents binding and principles for regulatory
(Autores)

HELCIO LUIZ ADORNO JÚNIOR

Doutor e Mestre em Direito do Trabalho pela USP. Juiz Titular da 76ª Vara do Trabalho de São Paulo.
Professor Universitário. gusgulo@ig.com.br

MARCELE CARINE DOS PRASERES SOARES

Mestra em Direito do Trabalho pela USP. Juíza do Trabalho Substituta da 2.a Região – São Paulo.
cecele.soares@yahoo.com.br

Sumário:

1 Introdução
2 Origem histórica dos sistemas jurídicos
3 Classificação das fontes do direito
4 Enquadramento das súmulas vinculantes entre as fontes do direito
5 As súmulas dos tribunais superiores
6 Considerações finais
7 Referências bibliográficas

Área do Direito: Processual

Resumo:

As súmulas vinculantes foram instituídas no ordenamento jurídico brasileiro pela EC 45/2004, que
introduziu a Reforma do Poder Judiciário, com os propósitos maiores de dar previsibilidade às
decisões judiciais e de agilizar a entrega da prestação jurisdicional. É certo que uniformizam a
aplicação do direito, mas têm o efeito colateral de engessá-lo, impedindo o surgimento de novas
correntes de interpretação sobre determinada matéria jurídica. Por outro lado, os princípios gerais
do direito, que antes eram pacificamente classificados como simples meios de integração do
ordenamento jurídico, passaram a ter relevância maior entre as fontes do direito, atuando como
verdadeiras normativas. A proposta do presente estudo é situar a súmula vinculante e os princípios
normativos entre as fontes do direito e analisar seus efeitos sobre o atual cotidiano forense.

Abstract:

The binding precedents were instituted in the Brazilian juridical sistem by the Constitutional
Amendment number 45, in 2004, that introduced the Reform of the Judiciary Power, with the larger
purposes of giving previsibility to the judicial decisions and of activating the delivery of the legal
installment. It is right that uniformize the law’s application, but they have the side effect of
plastering it, impeding the appearance of new interpretation currents on certain juridical matter. On
the other hand, the general principles of the right, that before were peacefully classified as simple
means of integration of the juridical sistem, started to have larger relevance among the sources of
the right, acting as true normative. The proposal of the present study is to place the binding
precedents and the normative principles among the sources of the right and to analyze their effects
on the current daily forensic.

Palavra Chave: Fontes do direito - Súmulas vinculantes - Jurisprudência - Princípios normativos


Keywords: Sources of the right - Binding precedents - Jurisprudence - Normative principles

1. Introdução

O direito brasileiro, como é cediço, tem origem no sistema romano-germânico, também conhecido
como insular. Diferentemente do sistema anglo-saxão, denominado peninsular, que se baseia em
precedentes judiciais, o sistema continental tem a lei positivada como a mais importante de suas
fontes do direito. Essa realidade, contudo, tem sofrido significativas modificações, de modo que o
enquadramento do ordenamento jurídico brasileiro no sistema romano-germânico, do qual se
originou, já não é imune a influências de outros sistemas, como foi no passado.

O quadro das fontes do direito vem experimentando alterações. Os princípios, que inicialmente
tinham apenas função supletiva, passaram a ter força normativa, galgando posição de primazia
entre as fontes do direito. Outros mecanismos próprios dos países que adotam o sistema anglo-
saxão, como os prejulgados e as súmulas vinculantes, cresceram em importância no direito
brasileiro na última década.

A EC. 45/2004, que foi batizada de "Reforma do Judiciário", implantou no ordenamento jurídico
nacional as súmulas vinculantes, inserindo o art. 103-A na CF/1988. 1 Alterou significativamente
o enquadramento da jurisprudência dos tribunais superiores entre as fontes do direito nacional,
aproximando o sistema jurídico brasileiro dos vigentes em países que adotam o modelo anglo-saxão,
dos chamados precedentes judiciais. Refletir sobre esta realidade e analisar suas possíveis
implicações para o direito brasileiro é a proposta deste artigo.

2. Origem histórica dos sistemas jurídicos

O direito codificado tem a lei como sua principal fonte. Nasceu com o declínio da Idade Média, para
restabelecer a universalidade do direito que havia sido prejudicada com a invasão dos bárbaros ao
Império Romano, o que resultou no feudalismo.
A denominada Escola do Direito Natural buscou a sistematização racional das normas jurídicas,
especialmente no século XVII (MARTINS FILHO, 2013). A positivação de regras jurídicas, a partir de
então, ganhou corpo no mundo moderno, com a codificação dos direitos nacionais. Frutos de
mencionado movimento foram as Ordenações Filipinas, em Portugal, e o Código Napoleônico, na
França.

A raiz era a mesma do antigo direito romano: a lei figurava como base do sistema jurídico.
Buscavam-se na lei as soluções para todos os possíveis litígios que nascessem na sociedade,
reservando-se à jurisprudência a função supletiva de interpretação extensiva ou supletiva para as
hipóteses não albergadas pelos preceitos legais positivados.

Enquanto na Europa Continental, sobretudo na França e na Alemanha, predominou o Direito


Codificado, com conteúdo universal da codificação legal, na Inglaterra prevaleceram os costumes
locais como fontes do direito. Isto decorreu da estabilidade social, porque a característica insular do
território protegeu a Inglaterra de guerras e de conflitos internos. A aplicação destes costumes era
feita pelas Cortes Reais, sem a necessidade de formalização de leis (MARTINS FILHO, 2013).

No sistema denominado insular, a principal fonte do direito passou a ser, assim, a jurisprudência.
Na ausência de leis e na prevalência dos costumes locais das comunidades, os precedentes judiciais
ganharam importância de tradição acumulada, com os chamados leading cases. Como bem destacam
Pinho e Nascimento (2000, p. 50):

"Nos países anglo-saxões, a função criadora da jurisprudência é acentuada, por meio dos recursos
aos precedentes. O juiz, ao decidir as questões, procurará saber se a Justiça já se defrontou alguma
vez com uma questão semelhante e em que sentido foi proferida a solução. A solução dos pleitos
submete-se, assim, ao modelo dos precedentes encontrado pelo juiz".

Esta divisão entre os sistemas jurídicos mencionados, aos quais se soma um terceiro, chamado
socialista, atualmente não é tão nítida quanto foi no passado. Deixou de ser estanque, pois sistemas
jurídicos que outrora eram facilmente classificados como romano-germânicos começaram a ser
fortemente influenciados por institutos próprios do sistema anglo-saxão, que é o seguido pelos
países da c ommon law. É o que se verifica com clareza no atual sistema jurídico brasileiro, segundo
Didier Jr. (2013, p. 40-44):

"Costuma-se afirmar que o Brasil é país cujo Direito se estrutura de acordo com o paradigma do civil
law, próprio da tradição jurídica romano-germânica, difundida na Europa Continental. Não parece
correta essa afirmação. O sistema jurídico brasileiro tem uma característica peculiar, que não deixa
de ser curiosa: temos um direito constitucional de inspiração estadunidense (daí a consagração de
uma série de garantias processuais, inclusive, expressamente, do devido processo legal) e um direito
infraconstitucional, inspirado na família romano-germânica (França, Alemanha e Itália,
basicamente). Há controle de constitucionalidade difuso (inspirado no judicial review estadunidense)
e concentrado (modelo austríaco). Há inúmeras codificações legislativas ( civil law) e, ao mesmo
tempo, constrói-se um sistema de valorização dos precedentes judiciais extremamente complexo
(súmula vinculante, súmula impeditiva, julgamento modelo para causas repetitivas etc. [...]), de
óbvia inspiração no common law. Embora tenhamos um direito privado estruturado de acordo com
o modelo do direito romano, de cunho individualista, temos um microssistema de tutela de direitos
coletivos dos mais avançados e complexos no mundo; como se sabe a tutela coletiva de direitos é
uma marca da tradição jurídica do common law".

A partir destas constatações, Didier Jr. (2013, p. 40-44) denomina o atual sistema jurídico brasileiro
de miscigenado:
"O Direito brasileiro, como seu povo, é miscigenado. E isso não é necessariamente ruim. Não há
preconceitos jurídicos no Brasil: busca-se a inspiração nos mais variados métodos estrangeiros,
indistintamente. Um exemplo disto é o sistema de tutela de direitos coletivos: não nos consta que
haja em um país de tradição romano-germânica um sistema tão bem desenvolvido e que, depois de
quarenta anos, tenha mostrado bons resultados concretos. A experiência jurídica brasileira parece
ser única; é um paradigma que precisa ser observado e mais bem estudado. O pensamento jurídico
brasileiro opera (tem de operar) (...) com os marcos teóricos e metodológicos desses dois grandes
modelos de sistema jurídico [ common law & civil law]. (...) Temos uma tradição jurídica própria e
bem peculiar, que, como disse um aluno em sala de aula, poderia ser designada, sem ironia ou
chiste, como o brazilian law".

É importante que o sistema nacional miscigenado funcione como eficiente arcabouço jurídico para a
entrega da prestação jurisdicional socialmente justa, em especial na seara trabalhista.

3. Classificação das fontes do direito

Pela classificação tradicional, as fontes do direito brasileiro são enquadradas em dois grandes
grupos: fontes materiais e fontes formais. As primeiras são "os fatores que conduzem à emergência e
construção da regra de Direito", enquanto a segunda expressão designa "os mecanismos exteriores e
estilizados pelos quais essas regras se revelam para o mundo exterior" (DELGADO, 2007, p. 139).
Para Martins (2003, p. 32), "as fontes formais são as formas de exteriorização do Direito", ao passo
que as fontes materiais "são o complexo de fatores que ocasionam o surgimento de normas,
envolvendo fatos e valores".

No sistema positivado brasileiro, as fontes do direito dividem-se, ainda, em fontes diretas


(primárias), indiretas (secundárias) e de explicitação. Entre as primeiras, enquadram-se as leis e os
costumes; entre as segundas, a doutrina e a jurisprudência; já na terceira categoria, aparecem a
analogia, a equidade e os princípios gerais do direito (BEZERRA LEITE, 2007).

Estes últimos têm, assim, papel de fontes supletivas, como "princípios normativos subsidiários", ou
de "proposições ideais informadoras da compreensão dos fenômenos jurídicos", quando são
enquadrados como descritivos (DELGADO, 2007, p. 171). Identifica-se, porém, função de maior
importância dos princípios no momento jurídico atual, qual seja a de servirem como fontes
normativas concorrentes, pela qual ganham "natureza de norma jurídica" (DELGADO, 2007, p. 171).
Mencionada função normativa dos princípios passou a ser visualizada pela doutrina moderna na
segunda metade do século XX, como ensina Delgado (2007, p. 189):

"Tal função normativa específica aos princípios seria resultante de sua dimensão fundamentadora de
toda ordem jurídica. Essa dimensão passa, necessariamente, pelo reconhecimento doutrinário de
sua natureza de norma jurídica efetiva e não simples enunciado programático vinculante. Isto
significa que o caráter normativo contido nas regras jurídicas integrantes dos clássicos diplomas
jurídicos (constituições, leis e diplomas correlatos) estaria também presente nos princípios gerais do
Direito. Ambos seriam, pois, norma jurídica, dotados da mesma natureza normativa" (destaques do
original).

Delgado (2007, p. 191) não atribuiu autonomia à mencionada função normativa dos princípios, ao
sustentar que atua juntamente com a função interpretativa, denominando essa simbiose de "função
simultaneamente interpretativa/normativa". Nesse mesmo sentido conclui Bezerra Leite (2007, p. 47-
48):
"Com efeito, a norma ápice do ordenamento jurídico pátrio, logo no seu Título I, confere aos
princípios o caráter de autênticas normas constitucionais. Vale dizer, já não há mais razão para a
velha discussão sobre a posição dos princípios entre as fontes do direito, porquanto os princípios
fundamentais inscritos na Constituição Federal passam a ser as fontes normativas primárias do
nosso sistema. (...) É importante salientar que atualmente surge na academia uma nova
compreensão do papel dos princípios constitucionais fundamentais em nosso ordenamento jurídico,
o que passa, necessariamente, pela leitura das obras de Ronald Dworkin e Robert Alexy, pois ambas
inspiram novos estudos sobre hermenêutica nas modernas democracias ocidentais".

Pela sistemática atualmente vigente no Brasil, verifica-se que a função normativa dos princípios
ganhou autonomia, desgarrando-se da tradicional função meramente interpretativa. Reverteu-se a
mencionada ordem original das fontes do direito, pela qual o princípio enquadrava-se como simples
fonte de explicitação ou apenas como meio de integração do ordenamento jurídico, mas não como
fonte direta ou primária.

O mesmo se tem verificado em relação à jurisprudência. Classificada tradicionalmente como fonte


secundária, a jurisprudência alcançou importância maior na hierarquia das fontes do direito
brasileiro, especialmente depois da adoção das súmulas vinculantes, na busca da denominada
"padronização decisória", o que levou Bezerra Leite (2007, p. 40) a sustentar que "salta aos olhos que
ela passa a ser fonte formal direta".

4. Enquadramento das súmulas vinculantes entre as fontes do direito

A jurisprudência, que é o conjunto de decisões judiciais, "traduz a reiterada interpretação conferida


pelos tribunais às normas jurídicas, a partir dos casos concretos colocados a seu exame
jurisdicional", segundo Delgado (2007, p. 169), que destaca seu papel relevante na tarefa de aplicação
da lei, em especial no direito do trabalho brasileiro:

"No sistema jurídico romano-germânico (ao qual se filia o Brasil), percebem-se duas posições
principais acerca da classificação da jurisprudência no quadro das fontes jurídicas: a primeira,
tradicional e dominante, que tende a não acatar a jurisprudência como fonte de normas jurídicas; a
segunda, mais moderna, ponderando que a jurisprudência tem um indissociável papel jurígeno
(criador do Direito). Em certos ramos - como o Direito do Trabalho - esse papel seria até mesmo
determinante à compreensão da própria estrutura e dinâmica do conjunto do ramo jurídico
enfocado".

Para a corrente de pensamento tradicional, a jurisprudência não tem valor de regra geral, estando
restrita ao caso em análise e funcionando de maneira supletiva. Já para os doutrinadores modernos,
conta com autoridade de ato-regra, diante da reiteração de comandos decisórios similares em
determinadas situações jurídicas, tornando-se verdadeiros preceitos legais para a solução de casos
futuros (DELGADO, 2007). Segundo a corrente doutrinária tradicional, esposada por Palaia (2005, p.
24):

"Nos Estados Unidos e na Inglaterra, o sistema jurídico de normas formado ou derivado de decisões
judiciais chama-se sistema do case law. As decisões judiciais formam o precedente e com base nesse
precedente outras decisões judiciais se apoiam e assim por diante, a fim de que o caso em questão
tenha decisão semelhante. No Brasil, não se aplica o sistema da case law. As decisões judiciais se
apoiam no Direito Positivo, ou seja, no sistema de normas jurídicas elaboradas pelos órgãos do
Estado. A jurisprudência é o resultado de decisões reiteradas e uniformes decorrentes da aplicação
da lei ao caso concreto. Aqui, mesmo no caso de lacuna da lei, o juiz deve se pronunciar recorrendo
à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito, entendendo-se como, segundo Del
Vecchio, os meios cujo emprego permite suprir as deficiências inevitáveis das prescrições positivas
do Direito".

Theodoro Jr. (2015, p. 31), como expoente do pensamento moderno, destaca a nova realidade da
jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro, ao tratar das fontes do direito processual
comum:

"As fontes do Direito Processual Civil são as mesmas do direito em geral, isto é, a lei e os costumes,
como fontes imediatas, e a doutrina e jurisprudência, como fontes mediatas. Em razão do caráter
público do direito processual, é a lei, sem dúvida, sua principal fonte. Não obstante, não raros são os
problemas que surgem no curso dos processos que não encontram solução direta na lei, mas que o
juiz tem de resolver. Daí o recurso obrigatório aos costumes judiciais, à doutrina e à jurisprudência.
Mesmo diante de textos legais expressos, não é pequena a contribuição da jurisprudência para a
fixação dos conceitos básicos do direito processual. A incoerência do legislador, a obscuridade dos
textos normativos, a imprecisão terminológica, com falhas naturais de toda criação humana, são
frequentemente superadas pelo trabalho criativo e aperfeiçoador da doutrina e da jurisprudência.
Diante, principalmente, do prestígio que o direito moderno vem dispensando à força normativa das
decisões judiciais, por meio das súmulas vinculantes e do encargo conferido aos tribunais de
preencher in concreto os conceitos vagos (conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais),
cada vez mais utilizados pelo legislador, impossível recusar à jurisprudência a qualidade de fonte do
direito".

No processo do trabalho, diante do conteúdo fortemente social dos interesses em conflito, a adoção
do entendimento da corrente doutrinária mais moderna no tema das fontes do direito encontra
forte ressonância. Segundo Nascimento (1992, p. 138):

"Para a teoria moderna, a jurisprudência é valorizada como fonte do Direito, o juiz é dotado de um
poder criativo, para alguns fundamentado na lei, sendo exemplo a equidade, na qual se encontra,
sem dúvida, uma transferência do poder de legislar do Legislativo para o Judiciário".

O quadro tradicional das fontes do direito tende a sofrer significativas alterações, como de fato já
vem ocorrendo desde a edição de precedentes vinculantes ou obrigatórios e os persuasivos e, agora,
com as súmulas vinculantes, no ordenamento jurídico brasileiro, o que bem observa Theodoro Jr.,
inclusive à luz do Novo Código de Processo Civil (2015, p. 32):

"Com efeito, se a Constituição já admitia que o STF extraísse de seus julgados súmulas com força
normativa capaz de vincular todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública (
CF, art. 103-A) e, ainda, que o Código de Processo Civil de 1973, permitia tanto ao STF como ao
STJ, diante de causas repetitivas, decidir sobre o mesmo tema ( CPC/1973, art. 543-C, § 7.º),
tornou-se evidente que nosso direito positivo reconhecia aos precedentes judiciais uma força
criativa, que lhes atribuía, em boa proporção, o papel de 'importante força do direito', sem embargo
de nossas tradições romanísticas ligadas à civil law. Registre-se que, além desses casos de
precedentes vinculantes ou obrigatórios, havia outros em que a jurisprudência atuava com força
obstativa de recursos, permitindo fosse negado seguimentos às impugnações manifestadas em
contrariedade aos precedentes, sobretudo àqueles emanados dos Tribunais Superiores (
CPC/1973, arts. 475, § 3.º, 518, § 1.º; 544, §§ 3.º, 4.º; e 557). Havia, finalmente, os precedentes
persuasivos, que, sem obrigar cogentemente os juízes a adotá-los em suas sentenças, atuavam,
porém, como expressão de 'solução racional e socialmente adequada' prestigiada pela elevada
autoridade do órgão de que promanavam. O Novo Código de Processo Civil vai muito além e
encaminha-se para uma aproximação maior com a common law, estendendo o dever de submissão
ao precedente, principalmente àquele dos tribunais superiores, como regra geral, sem limitar-se às
súmulas qualificadas como vinculantes (art. 926)" destaques do original.

O crescimento do sistema de padronização das decisões judiciais, em especial com a força das
súmulas vinculantes, contudo, não pode ter o condão de eliminar a força criativa das decisões
judiciais da primeira instância, as quais precisam ter em vista a força normativa dos princípios
constitucionais.

5. As súmulas dos tribunais superiores

Com a edição da EC 45/2004 e a implantação das súmulas vinculantes no art. 103-A da


CF/1988, sacramentou-se a relevância da jurisprudência no quadro das fontes do direito brasileiro.
Atribuiu-se ao STF o poder de editar, a partir de decisões reiteradas sobre determinado assunto,
súmulas com força vinculante, cujos comandos os demais juízes não podem deixar de observar em
seus julgamentos. As decisões, nas matérias tratadas pelas súmulas vinculantes, passaram a ser
padronizadas. Segundo Didier Jr. (2013, p. 40-44):

"No Brasil, embora a importância da opinião dos doutrinadores ainda seja bem significativa
(característica do civil law), o destaque atribuído à jurisprudência (marca do common law) é notável,
e de que serve de exemplo a súmula vinculante do STF".

Nos tribunais trabalhistas, a jurisprudência sempre teve forte influência na solução dos litígios. O
TST edita precedentes normativos, orientações jurisprudenciais e súmulas de jurisprudência. Estas
últimas eram chamadas "enunciados", nome que foi alterado em seguida ao advento das súmulas
vinculantes. Pela sistemática recursal vigente, esses institutos servem inclusive como mecanismos
para impulsionar ou mesmo travar o processamento de recursos, conforme as teses neles debatidas
estejam ou não em consonância com os entendimentos pacificados pela jurisprudência dos
tribunais.

Como visto, o sistema normativo brasileiro, inspirado no sistema romano-germânico,


tradicionalmente tem por base primordial a legislação. A jurisprudência, como fonte imprópria ou
indireta, atuava em segundo plano, normalmente como método de interpretação, e não em
substituição à lei, fonte do direito por excelência. A brusca inversão da hierarquia dessas fontes ou a
peremptória classificação de ambas em igual patamar pode afetar um dos princípios constitucionais
fundamentais, que é o da separação dos poderes. 2 Segundo Pimenta (2012, p. 468):

"(...) atribuir aos Tribunais Superiores o poder de editar súmulas contendo preceitos gerais e
abstratos que consagrem interpretações obrigatórias para os demais juízes equivale, na prática, a
lhes conceder poder legiferante (...), o qual será exercido pelos integrantes do Tribunal sem a
observância do processo legislativo e sem os debates prévios e públicos que antecedem a edição das
leis pelo Congresso Nacional".

Nos países que adotam a common law, a força dos precedentes, no quadro das fontes do direito, não
pode ser comparada direta e friamente à das súmulas. Os primeiros são utilizados como paradigmas
quando os fatos dos casos em julgamento são similares. Isto significa promover princípios outros,
como o da segurança jurídica e o do tratamento igualitário, para situações jurídicas controvertidas
que se encontram sob o mesmo suporte de fato.

Situação diversa é a que se verifica com as súmulas de jurisprudência, as quais, assim como as leis,
são dotadas de abstração e de generalidade. Também são objeto de interpretação e, como tal, não
inibem o indesejado efeito protelatório, já que nem mesmo o texto normativo que se encontra no
ápice do ordenamento jurídico brasileiro, que é a Constituição Federal, consegue ser indiscutível.
Segundo Carreira (2011, p. 221):

"Portanto, é importante ter em mente que a súmula vinculante, assim como a lei, é texto, ou seja,
suporte fático, razão pela qual se deve buscar a sua norma jurídica, que é o resultado/produto da
interpretação. Nesse sentido, não há como enxergar a súmula vinculante como uma norma pronta,
pois sua aplicação depende da interpretação do jurista, que, no caso concreto, é que irá extrair, ou
melhor, construir a norma jurídica, sempre atento às especificidades de cada caso concreto. Assim,
qualquer que seja a situação, a sua aplicação dependerá de um processo interpretativo, de
verificação do caso concreto, de análise das especificidades, pois do contrário a súmula deixa de ter
qualquer utilidade no nosso sistema, já que tornaria o juiz um mero carimbador".

Não se pode esquecer que o Poder Judiciário tem o dever de julgar causas que envolvem verdadeiros
conflitos de interesses dos jurisdicionados, e não simples teses jurídicas. Espera-se das decisões
judiciais a racionalidade na solução dos litígios, para a justa pacificação dos conflitos, e não o mero
resultado simétrico que adviria de uma ciência exata. Nesse sentido, como sustenta Bahia (2012, p.
376-377):

"Quando se aprova uma súmula, aprova-se mais texto, o que apenas torna a questão mais complexa
e não o contrário. O que resta, ao fim e ao cabo, mantida ao longo de todos esses anos, desde a
exegese, é a 'discricionariedade do julgador'. E isto porque a discricionariedade (decisionismo) será a
marca para o uso da Súmula Vinculante: o julgador para aplicá-la deverá se abstrair das
particularidades do caso (das provas e das discussões do caso) e, ao tratá-lo como tema, aplicá-la.
Não se julga, então, um caso, mas um tema, uma tese, o que, entendemos, viola aqueles citados
princípios constitucionais e está aquém de uma compreensão constitucionalmente adequada do
Estado Democrático de Direito e das exigências da atual sociedade. Não é possível pretender-se que
uma súmula resolva - no sentido de evitar - o problema da interpretação judicial da lei. As súmulas
podem ser uma boa ferramenta na resolução de litígios, mas jamais conseguirão evitar a
necessidade de interpretação e, logo, de variabilidade hermenêutica".

Essa parcela da jurisprudência que tem status de vinculante, com a crescente padronização das
decisões judiciais, deixa de ser utilizada como fonte supletiva de interpretação ou como fonte
integrativa, ao lado da analogia, dos costumes, dos princípios gerais de direito (art. 4º da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro) e direito comparado (art. 8º da CLT). Passa a ser
fonte primária de direitos e deveres, inclusive a partir de iniciativa do próprio STF, que pode editá-la
de oficio, mediante decisão de dois terços de seus membros. Segundo Martinez (2010, p. 57):

"Os enunciados de súmulas vinculantes são extratos de posicionamento jurisprudencial reiterado do


STF sobre matéria constitucional, editados de ofício ou por provocação, que, a partir de sua
publicação na imprensa oficial, vinculam, como se leis fossem, os demais órgãos do Poder Judiciário e
a Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. O efeito
vinculante, entretanto, somente acontecerá se a decisão for tomada por 2/3 dos membros do STF, em
sessão plenária. A revisão e o cancelamento dependem do mesmo quorum e das mesmas
formalidades" (destaques do original).

É desnecessário, inclusive, que haja processos em andamento, sejam ações diretas de


inconstitucionalidade ou declaratórias de constitucionalidade, para a edição da súmula vinculante,
como dispõe o art. 103-A da CF/1988. Como bem lembram Borges e Cury (2011, p. 247):
"Não se pode olvidar que a Corte Suprema é composta por indicação política, enquanto os juízes de
primeira instância passam por rigoroso processo seletivo. Assim, a imposição do entendimento
daqueles pode resultar em perigoso processo de exacerbação política do ordenamento jurídico".

Além da ampla discussão cabível quanto à legitimidade do STF para aprovar súmulas vinculantes,
eis que exerceria funções propriamente legiferantes, há outras críticas de caráter mais pragmático.
Trata-se do argumento que envolve a hierarquia dos textos legal e sumular quando ainda são
passíveis de interpretação. É a situação em que o texto da súmula, em vez de impedir interpretações
dissonantes, é o próprio alvo da discordância, ficando, assim, passível de impugnação. Portanto, no
lugar de pacificar determinada questão, atravancaria o andamento dos processos e comprometeria
a celeridade das decisões. Este é o pensamento de Gomes (2012, p. 31):

"Além disso, como vimos, o efeito vinculante imprimido às súmulas do STF não tem, por si só, o
condão de eliminar a defesa de teses opostas no Judiciário, nem de retirar a obrigação do
magistrado e das partes de argumentativamente reconstruírem o fato, encontrarem a norma
adequada ao caso e de juntos formularem o provimento final, a menos que se desrespeitem direitos
e garantias fundamentais e o próprio fundamento do Estado Democrático de Direito".

Autores como Bahia (2012, p. 364 e 369-370) visualizam o indesejado renascimento da escola da
exegese, no sentido de reacender a ideia de que o Direito é passível de um "único sentido correto".

A expectativa de que o Poder Judiciário profira decisões céleres e similares para casos idênticos,
objetivo maior da EC 45/2004, é socialmente justa e merece o empenho de todos os órgãos que o
compõem. Propicia maior segurança jurídica aos jurisdicionados, com a previsibilidade das decisões
judiciais. No entanto, a padronização das decisões, que decorre dessa realidade, não pode engessar o
pensamento (atividade intelectiva) dos juízes. Os julgadores são autênticos criadores de comandos
jurídicos, ao interpretar as normas sob os anseios da sociedade e à luz da problemática de seu
tempo. Segundo Borges e Cury (2011, p. 244):

"Sem embargo, a avaliação do caso concreto admite perquirições, por parte do juiz, sobre a
constitucionalidade da norma em realce, não por um simples privilégio, mas como necessidade
nascente do caráter mutável das relações sociais, bem como das particularidades observáveis caso a
caso. Ao tempo que não é possível haver revisões constitucionais e legais na mesma velocidade em
que se observa a evolução social, tal descompasso é corrigido pelas releituras normativas à
disposição do juiz. O juiz de primeira instância representa o órgão judicante que mais proximidade
tem com este cenário suscetível de modificação, e por isto, tem primordial importância no
estabelecimento da discussão sobre a aderência da norma ao sistema, ou seja, se o positivado está
coerente com a realidade social. Contudo, ao dever obediência à súmula, o juiz fica tolhido em sua
importante missão de estabelecer esse diálogo com o jurisdicionado".

A polêmica ganha maior repercussão quando se verifica que há efetiva mobilização de tribunais
superiores no sentido de estender a cultura da vinculação dos julgados aos juízes de primeira e de
segunda instâncias. Tornou-se habitual a edição de novas súmulas, algumas delas até mesmo
conflitantes com entendimentos adotados pelo STF, caso das Súmulas 114 do TST e 327 da Corte
Suprema. A edição de súmulas pelos tribunais superiores busca alcançar a uniformização das
decisões e acelerar os pronunciamentos judiciais, incrementando a produtividade dos julgadores e
reduzindo o quantitativo de recursos.

Podem ser mencionados, também, os precedentes persuasivos, oriundos da jurisprudência dos


tribunais regionais, os quais têm sido utilizados com mais frequência que as próprias súmulas.
Embora não tenham conteúdo vinculante, pois não são cogentes, é visível a tendência
uniformizadora que deles decorre, na busca da convergência de entendimentos jurisprudenciais.

Contudo, o efeito colateral deste expediente é o de mitigar a atividade intelectiva dos juízes, na
medida em que reduz a esfera de interpretação da legislação vigente na solução dos conflitos postos
a sua apreciação, atividade na qual os princípios normativos têm profunda importância.

6. Considerações finais

Tradicionalmente, no tema das fontes do direito brasileiro, de inspiração romano-germânica, a


jurisprudência não contava com papel primordial. Era classificada como fonte secundária, uma vez
que prevalecia a lei como principal fonte formal para a solução dos conflitos pelos juízes. Sempre foi
diferente a sistemática dos países que adotam o sistema dos precedentes, os da chamada common
law, nos quais os casos julgados são fontes importantes para a atuação dos juízes.

No entanto, o quadro das fontes do direito brasileiro tem sofrido significativas alterações, seja
quanto ao papel dos princípios constitucionais, seja quanto à influência dos precedentes judiciais,
em especial com o advento das súmulas vinculantes, implantadas com a edição da EC 45/2004.

Criou-se situação híbrida, na qual um ordenamento jurídico de inspiração romano-germânica


passou a ser fortemente influenciado por instituto típico do direito insular, que é o da vinculação
dos julgamentos por precedentes.

É louvável a intenção do legislador da "Reforma do Judiciário" de dar maior segurança aos


jurisdicionados com a previsibilidade dos julgados. No entanto, não se pode tolher o papel criativo
que decorre da interpretação das leis pelos juízes que estão mais próximos das partes envolvidas
nos conflitos de interesses. Ao seu tempo e buscando as aspirações sociais, os juízes têm o poder-
dever de aplicar a lei da forma mais socialmente justa para solucionar os conflitos que são trazidos a
sua apreciação.

A súmula vinculante, isoladamente, não tem o condão de evitar o efeito procrastinatório que
poderia decorrer da aplicação livre da lei posta. Também gera interpretações, o que leva o
jurisdicionado a interpor recursos até mesmo para discutir se a decisão proferida atende à melhor
interpretação que decorre da súmula vinculante.

Neste particular, destaca-se a nova e relevante função dos princípios gerais do direito, como
normativos. Ao intérprete da lei, cabe buscar a melhor aplicação da legislação vigente, à luz dos
princípios constitucionais, sem deixar de exercer sua função criadora na tarefa de pacificação dos
conflitos.

7. Referências bibliográficas

BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. As Súmulas Vinculantes e a nova escola da exegese. Revista
de Processo. ano 37. vol. 206. p. 359-379. São Paulo: Ed. RT, abr. 2012.

BORGES, Martha Helena de Lima; CURY, Isabela Esteves. A objetivação do controle difuso de
constitucionalidade: análise da súmula vinculante. Revista de Direito Constitucional e Internacional.
ano 19. vol. 77. p. 231-251. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2011.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em [www.congresso.gov.br]. Acesso em:


14.11.2015.

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