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Aula 3 – Jurisdição; Relações Diplomáticas e Consulares; Imunidades

=> Conceito de imunidade de jurisdição e imunidade de execução no Direito


Internacional – o tema imunidade de jurisdição e imunidade de execução dos Estados
estrangeiros e das organizações internacionais pode ser sintetizado do seguinte modo
* Trata-se de PROTEÇÕES ASSEGURADAS a esses sujeitos do Direito
Internacional em relação a eventuais processos judiciais que venham a ser
AJUIZADOS perante o Poder Judiciário brasileiro
§ Os quais apresentem na condição de réus Estados estrangeiros (embaixadas ou
consulados) ou organizações internacionais
=> Obs: de forma SISTEMATIZADA, os dois temas de destaque são aplicados com
base na orientação abaixo
=> 1 – Imunidade de jurisdição: IMPEDE que Estados estrangeiros e organizações
internacionais FIGUREM COMO RÉUS em processos de conhecimento instaurados
no PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO
* Processo de conhecimento: entende-se por PROCESSO DE CONHECIMENTO o
processo judicial em que o AUTOR e RÉU produzem provas para convencer o juiz
sobre os direitos que respectivamente POSSAM POSSUIR
§ Ao final, o processo de conhecimento poderá RESULTAR em uma sentença
condenatória
=> 2 – Imunidade de execução: IMPEDE que Estados estrangeiros e organizações
internacionais figurem como EXECUTADOS em processos de execução que são
ajuizados no PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO
* Processo de execução: em regra, o processo de execução é instaurado APÓS A
CONFECÇÃO de uma sentença condenatória em um PROCESSO DE
CONHECIMENTO, no qual figurou como réu Estado estrangeiro ou organização
internacional
§ Finalidade do processo de execução: a finalidade do PROCESSO DE
EXECUÇÃO é constranger o condenado a CUMPRIR A SENTENÇA
CONDENATÓRIA que lhe foi desfavorável, o que é feito geralmente por meio da
PENHORA DE BENS, os quais são leiloados em hasta pública
=> Imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro: a imunidade de jurisdição
PROTEGE o Estado estrangeiro (embaixada ou consulado) de FIGURAR COMO
RÉU em processo de conhecimento perante o Poder Judiciário brasileiro
* Fonte da imunidade de jurisdição soberana: a fonte de IMUNIDADE DE
JURISDIÇÃO SOBERANA tem fundamento no PRINCÍPIO DA IGUALDADE
ENTRE OS PODERES SOBERANOS
§ Imunidade de jurisdição dos Estados soberanos – pode ser compreendida com
base na seguinte máxima em latim – PAR IN PAREM NON HABET JUDICIUM
(“entre partes iguais, não há juiz habilitado”)
=> Doutrina
=> Dinh/Patrick Daillier/Alain Pellet: “a ausência de qualquer hierarquia entre os
Estados (princípio da igualdade soberana) exclui que um de entre eles seja
submetido a atos de autoridades, inclusive jurisdicionais, de outro Estado em
conformidade com a máxima, segundo a qual par in parem non habet judicium. Era
então indispensável estabelecer uma exceção ao princípio da soberania territorial; tal é o
papel das imunidades do Estado; esta exceção é tanto melhor admitida quanto é
verdade ser recíproca e aceita há muito tempo pelo Direito Internacional
consuetudinário”
=> Fonte consuetudinária da imunidade de jurisdição: entende-se que a
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO dos Estados soberanos tem FONTE
CONSUETUDINÁRIA, ou seja, decorre da norma consagrada no COSTUME
INTERNACIONAL
* Convenção sobre Imunidade de Jurisdição dos Estados e dos Bens (2004): em
2004, a ONU adotou uma CONVENÇÃO sobre tema imunidade de jurisdição dos
Estados e dos bens
§ Todavia, esse tratado AINDA NÃO ADQUIRIU VIGÊNCIA INTERNACIONAL,
porque não obteve o número mínimo de ratificações exigido
§ Importante: por ora, o TEMA IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO dos Estados
soberanos continua a ser disciplinado pelo COSTUME INTERNACIONAL
=> Doutrina
=> Francisco Rezek: “uma Convenção das Nações Unidas sobre imunidade de
jurisdição do Estado e de seus bens à jurisdição estrangeira foi adotada pela
Assembleia Geral em 2 de dezembro de 2004, à base de um projeto da Comissão de
Direito Internacional, e não entrou ainda em vigor, dependente de que se encontra do
quórum de trinta manifestações definitivas de consentimento”
=> Imunidade relativa no Brasil: a IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO dos Estados
estrangeiros perante o PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO é relativa
=> STF – imunidade de jurisdição: “IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO -
RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - LITÍGIO ENTRE ESTADO ESTRANGEIRO E
EMPREGADO BRASILEIRO - EVOLUÇÃO DO TEMA NA DOUTRINA, NA
LEGISLAÇÃO COMPARADA E NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL: DA IMUNIDADE JURISDICIONAL ABSOLUTA À
IMUNIDADE JURISDICIONAL MERAMENTE RELATIVA - RECURSO
EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. OS ESTADOS ESTRANGEIROS NÃO
DISPÕEM DE IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO, PERANTE O PODER JUDICIÁRIO
BRASILEIRO, NAS CAUSAS DE NATUREZA TRABALHISTA, POIS ESSA
PRERROGATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO TEM CARÁTER
MERAMENTE RELATIVO
* Estado estrangeiro: NÃO DISPÕE de imunidade de jurisdição perante órgãos do
Poder Judiciário brasileiro quando se tratar de causa de natureza trabalhista
* Importante: PRIVILÉGIOS DIPLOMÁTICOS não podem ser invocados, em
PROCESSOS TRABALHISTAS, para contestar o enriquecimento sem causa de
Estados estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em
território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurável desvio ético-jurídico,
incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes postulados do
direito internacional
=> Costume internacional e teoria – o COSTUME INTERNACIONAL sobre o tema
foi relativizado por meio da ADOÇÃO da teoria dos atos de império e dos atos de
gestão
* Em conformidade com a teoria dos atos de império e dos atos de gestão, entende-se
que é possível CLASSIFICAR os atos realizados por Estados estrangeiros no Brasil
por DUAS CATEGORIAS DISTINTAS
§ 1 – Atos de gestão
§ 2 – Atos de império
=> 1 – Atos de gestão: ao praticar um ATO DE GESTÃO, o Estado estrangeiro não
atua na condição de Estado soberano, ou seja, NÃO EXERCE PRERROGATIVAS que
são inerentes à soberania que POSSUI
* Nos atos de gestão, o Estado estrangeiro ATUA DE MODO ANÁLOGO aos
particulares, gerindo seus bens e patrimônios
§ Ex: contratação de empregados domésticos; contratação de serviços de
vigilância patrimonial; contratação de serviços de consumo – como é o caso de
telefonia, energia elétrica, saneamento básico
* Os atos de gestão NÃO SÃO PROTEGIDOS pela imunidade de jurisdição, o que
significa que o Estado estrangeiro poderá FIGURAR como réu em um processo de
conhecimento ajuizado perante o Poder Judiciário brasileiro que QUESTIONE esse
tipo de ato
=> Caso Genny de Oliveira – apelação cível nº 9696 (1989): o STF fixou o
ENTENDIMENTO de que os atos de gestão praticados pelo Estado estrangeiro no
Brasil NÃO SÃO PROTEGIDOS pela imunidade de jurisdição
* Na ocasião, a Alemanha foi CONDENADA A PAGAR as verbas trabalhistas
devidas ao marido de Genny de Oliveira, que era seu ANTIGO EMPREGADO e havia
falecido
§ Sob o fundamento de que se tratava de contrato de trabalho em que havia nítida
configuração de ato de gestão
=> Jurisprudência
=> Caso Genny de Oliveira – STF: “ESTADO ESTRANGEIRO. IMUNIDADE
JUDICIÁRIA. CAUSA TRABALHISTA. NÃO HÁ IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
PARA O ESTADO ESTRANGEIRO, EM CAUSA DE NATUREZA TRABALHISTA.
EM PRINCÍPIO, ESTA DEVE SER PROCESSADA E JULGADA PELA JUSTIÇA
DO TRABALHO, SE AJUIZADA DEPOIS DO ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988 (ART. 114). NA HIPÓTESE, PORÉM, PERMANECE A
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, EM FACE DO DISPOSTO NO
PARAGRAFO 10 DO ART. 27 DO A.D.C.T. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988, C/C ART. 125, II, DA E.C. N. 1/69. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E
PROVIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA SE AFASTAR A
IMUNIDADE JUDICIÁRIA RECONHECIDA PELO JUÍZO FEDERAL DE
PRIMEIRO GRAU, QUE DEVE PROSSEGUIR NO JULGAMENTO DA CAUSA,
COMO DE DIREITO” (STF, ACi 9696, Relator(a): SYDNEY SANCHES, Tribunal
Pleno, julgado em 31/05/1989)
=> 2 – Atos de império: ao praticar um ato de império, o Estado estrangeiro atua no
TERRITÓRIO BRASILEIRO exercendo sua SOBERANIA, ou seja, exercendo seu
poder de império
* Em relação aos atos de império, RECONHECE-SE a imunidade de jurisdição em
prol do ESTADO ESTRANGEIRO perante o juiz brasileiro
* Na prática, deve-se RECONHECER que o juiz brasileiro está PROIBIDO, segundo
o costume internacional, de JULGAR o Estado estrangeiro que tenha praticado ato
de império
§ E, em razão disso, FIGURA COMO RÉU em um processo de conhecimento
perante a Justiça brasileira
* Exemplos de atos de império
§ 1 – Negativa de vista
§ 2 – Realização de relatórios estratégicos por parte do corpo diplomático
acreditado no Brasil
§ 3 – Atos de guerra – desde que, neste caso, NÃO IMPLIQUEM VIOLAÇÃO aos
direitos humanos
=> Doutrina
=> Francisco Rezek: “a imunidade absoluta do Estado estrangeiro à jurisdição local
começou a desgastar-se já pela segunda metade do século XX nos grandes centros
internacionais de negócios, onde era natural que as autoridades reagissem à presença
cada vez mais intensa de agentes de soberanias estrangeiras atuando não em funções
diplomáticas ou consulares, mas, no mercado, nos investimentos, não raro na
especulação”
=> Possibilidade de renúncia de imunidade: mesmo sendo DETENTOR DE
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO que alcança os atos de império, o Estado estrangeiro
PODERÁ SER JULGADO no Poder Judiciário brasileiro em relação à PRÁTICA DE
ATOS DE IMPÉRIO na hipótese de RENUNCIAR EXPRESSAMENTE À
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO que lhe é assegurada por normas internacionais
consuetudinárias
=> Pegadinha: no que diz respeito aos ATOS DE GESTÃO, o Estado estrangeiro será
JULGADO perante o Poder Judiciário brasileiro, INDEPENDENTEMENTE DE
RENÚNCIA REALIZADA
* Uma vez que os atos de gestão não estão protegidos pela IMUNIDADE DE
JURISDIÇÃO
=> Caso “Changri-lá” e relativização da imunidade de jurisdição para atos de
império que impliquem violação aos direitos humanos – caso de um navio afundado
em 1943 – os herdeiros pedem indenização da Alemanha
=> STF (2021): o STF adotou entendimento que RECONHECEU a impossibilidade de
assegurar imunidade de jurisdição para Estado estrangeiro que, atuando na prática
de ato de império (em especial, ato de guerra), VIOLE NORMAS
INTERNACIONAIS de proteção de direitos humanos
* Importante: desse modo, os ATOS DE IMPÉRIO que sejam reputados como
ILÍCITOS (ou seja, contrários às normas internacionais) NÃO PODEM SER
RECONHECIDOS como imunes à jurisdição do Poder Judiciário brasileiro
§ Caso esses ATOS DE IMPÉRIO ocasionem violação de normas internacionais de
proteção dos DIREITOS HUMANOS
=> Jurisprudência – STF – caso Changri-lá: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITOS HUMANOS. DIREITO
INTERNACIONAL. ESTADO ESTRANGEIRO. ATOS DE IMPÉRIO. PERÍODO DE
GUERRA. CASO CHANGRI-LÁ. DELITO CONTRA O DIREITO
INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA. ATO ILÍCITO E ILEGÍTIMO.
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. RELATIVIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. ACESSO À
JUSTIÇA. PREVALÊNCIA DOS DIREITOS HUMANOS. ART. 4º, II, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
* 1. Controvérsia inédita no âmbito desta Suprema Corte, estando em questão a
derrotabilidade de regra imunizante de jurisdição em relação a atos de império
praticados por Estado soberano, por conta de graves delitos ocorridos em confronto à
proteção internacional da pessoa natural, nos termos do art. 4º, II e V, do Texto
Constitucional
* 2. A imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro no direito brasileiro é regida pelo
direito costumeiro. A jurisprudência do STF reconhece a divisão em atos de gestão e
atos de império, sendo os primeiros passíveis de cognoscibilidade pelo Poder Judiciário
e, mantida, sempre, a imunidade executória, à luz da Convenção de Viena sobre as
Relações Diplomáticas (Dec. 56.435/1965). Precedentes.
* 3. O artigo 6, “b”, do Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg,
reconhece como “crimes de guerra” as violações das leis e costumes de guerra, entre as
quais, o assassinato de civis, inclusive aqueles em alto-mar. Violação ao direito humano
à vida, incluído no artigo 6, do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos. Assim, os atos
praticados em períodos de guerra contra civis em território nacional, ainda que sejam
atos de império, são ilícitos e ilegítimos
* 4. O caráter absoluto da regra de imunidade da jurisdição estatal é questão persistente
na ordem do dia do direito internacional, havendo notícias de diplomas no direito
comparado e de cortes nacionais que afastaram ou mitigaram a imunidade em casos de
atos militares ilícitos
* 5. A Corte Internacional de Justiça, por sua vez, no julgamento do caso das
imunidades jurisdicionais do Estado (Alemanha Vs. Itália), manteve a doutrina clássica,
reafirmando sua natureza absoluta quando se trata de atos jure imperii. Decisão, no
entanto, sem eficácia erga omnes e vinculante, conforme dispõe o artigo 59, do Estatuto
da própria Corte, e distinta por assentar-se na reparação global.
* 6. Nos casos em que há violação a direitos humanos, ao negar às vítimas e seus
familiares a possibilidade de responsabilização do agressor, a imunidade estatal obsta o
acesso à justiça, direito com guarida no art. 5º, XXXV, da CRFB; nos arts. 8 e 10, da
Declaração Universal; e no art. 1, do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos.
* 7. Diante da prescrição constitucional que confere prevalência aos direitos humanos
como princípio que rege o Estado brasileiro nas suas relações internacionais (art. 4º, II),
devem prevalecer os direitos humanos - à vida, à verdade e ao acesso à justiça -,
afastada a imunidade de jurisdição no caso.
* 8. Possibilidade de relativização da imunidade de jurisdição estatal em caso de atos
ilícitos praticados no território do foro em violação a direitos humanos
* 9. Fixação de tese jurídica ao Tema 944 da sistemática da repercussão geral: “Os atos
ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a direitos humanos não gozam
de imunidade de jurisdição.”
* 10. Recurso extraordinário com agravo a que se dá provimento
* (STF, ARE 954858, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em
23/08/2021)
=> Caso sobre Imunidade de Jurisdição dos Estados – Alemanha vs. Itália – CIJ
(2012)
* É interessante registrar que a Corte Internacional de Justiça, ao julgar em 2012, o
caso sobre Imunidade de Jurisdição dos Estados (Alemanha vs. Itália) adotou o
ENTENDIMENTO TRADICIONAL sobre o tema, qual seja, RECONHECEU que os
atos de guerra praticados pela Alemanha no território da Itália são ATOS DE
IMPÉRIO
§ E, portanto, são IMUNES à jurisdição do Poder Judiciário italiano, ainda que
exista comprovação sistemática de VIOLAÇÃO das normas de proteção dos direitos
humanos
* Itália: ao ser CONDENADA pela CIJ, a Itália criou uma lei que PROIBIA OS
JUÍZES ITALIANOS de julgar atos de guerra em razão de serem atos de império
§ Entretanto, a Corte Constitucional italiana declarou essa lei como
INCONSTITUCIONAL e os juízes da Itália CONTINUARAM a admitir processos
contra a Alemanha acerca dos atos praticados ao longo da IIGM, em inobservância aos
direitos humanos – em virtude desse fato, a Alemanha BUSCOU NOVAMENTE a
CIJ, porém, o novo litígio ainda NÃO FOI JULGADO pela Corte de Haia
=> Jurisprudência
=> CIJ (2012): Caso das imunidades jurisdicionais do Estado (Alemanha vs. Itália),
de 2012 - “Em fevereiro de 2012, a Corte Internacional de Justiça julgou a controvérsia
Imunidades Jurisdicionais do Estado (Alemanha v. Itália), caso no qual a Itália foi
condenada por permitir a interposição e a execução de ações de reparação civil por
violações de direito humanitário cometidas pelo Reich alemão durante a Segunda
Guerra Mundial. Em linhas gerais, esse julgamento pacificou o entendimento de que,
conforme o direito internacional costumeiro, deve ser reconhecida a imunidade de
jurisdição e de execução do Estado mesmo quando acusado do cometimento de graves
violações de direitos humanos e direito humanitário

* Para cumprir a sentença da Corte, a Itália adotou a Lei Nº 5 de 14 de janeiro de 2013


que estabeleceu, em seu artigo terceiro, a obrigação de juízes nacionais declararem ex
officio sua falta de jurisdição e a possibilidade de revisão das decisões proferidas nos
processos que violaram a imunidade alemã. Em 2014, o Tribunal de Florença
questionou a constitucionalidade desse dispositivo e do artigo da lei nacional que
executa o dever de acatar os julgamentos da Corte Internacional de Justiça baseado no
artigo 94 da Carta da ONU. Esse processo culminou na controversa sentença nº 238
proferida pela Corte Constitucional Italiana. Nessa decisão, declarou-se a
inconstitucionalidade desses dispositivos em relação ao julgamento do caso Imunidades
Jurisdicionais do Estado legitimando juridicamente o descumprimento desse julgamento
pela Itália. (...)

* Passados alguns anos da sentença nº 238 e uma série de malsucedidas negociações


diplomáticas, a Alemanha instituiu novo procedimento contra a Itália na Corte
Internacional de Justiça alegando contínua violação da sua imunidade soberana pela
demandada. Além das ações de reparação civil interpostas contra a Alemanha antes do
julgamento de 2012 que continuam em andamento, os tribunais italianos receberam
várias novas ações baseadas nas violações perpetradas pelo Reich alemão durante a
Segunda Guerra Mundial e, em algumas delas, estão sendo tomadas medidas de
execução. A Alemanha requer que a Itália seja condenada e obrigada a tomar medidas
para cessar o efeito das decisões judiciais em violação à imunidade alemã, pagar
reparação e oferecer garantias de não repetição. Ademais, requer-se o apontamento de
medidas provisórias para evitar a execução de propriedades alemãs na Itália

=> Sarah Tonani Pereira Cançado: um possível argumento em defesa das medidas
tomadas pelos tribunais italianos contestadas pela Alemanha é o de que o costume
internacional se modificou desde 2012 e, atualmente, recepciona exceção à imunidade
estatal por graves violações de direitos humanos e direito humanitário. Essa linha
argumentativa tem suas dificuldades. Apesar do acirrado debate que gerou no meio
acadêmico, a decisão da Corte de condenar a Itália foi proferida por expressiva maioria
de votos (12 votos a 3 e 14 votos a 1). Isso indica que houve concordância de uma
sólida maioria em relação ao conteúdo da norma costumeira em questão, o que reafirma
sua consistência. Ademais, não parece haver tanta prática estatal desde 2012 em favor
dessa exceção. São exemplos significativos, porém, o caso Changri-lá decidido pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021 e um caso do Tribunal Distrital Central de
Seul de janeiro do mesmo ano relativo às chamadas “mulheres de conforto”

=> Conclusão: ao se CONSIDERAR a decisão da Corte Constitucional da Itália


sobre a INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI que proibia o Poder Judiciário
italiano de julgar atos de império praticados durante a guerra com VIOLAÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS e o entendimento adotado pelo STF brasileiro em
JULGAMENTO, em 2021, do caso Changrilá
* Possivelmente um novo costume internacional: pode-se vislumbrar a PROVÁVEL
FORMAÇÃO de um novo costume internacional, o qual se assenta na conclusão de
que os atos de império gozam de IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO, desde que NÃO
IMPLIQUEM VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
=> Imunidades de execução dos Estados soberanos
=> Doutrina
=> Francisco Rezek: “A execução forçada de eventual sentença condenatória,
entretanto, só é possível na medida em que o Estado estrangeiro tenha, no âmbito
especial de nossa jurisdição, bens estranhos à sua própria representação
diplomática ou consular – visto que estes se encontram protegidos contra a penhora
ou medida congênere pela inviolabilidade que lhes asseguram as Convenções de
Viena de 1961 e de 1963, estas seguramente não derrogadas por qualquer norma
ulterior. A prática recente revela, de todo modo, que o Estado condenado no processo
de conhecimento propende a não criar embaraços à execução”
=> Imunidades de execução dos Estados soberanos: a imunidade de execução
PROTEGE os Estados estrangeiros que ATUAM no Brasil em relação a processos de
execução que possam ser ajuizados perante o Poder Judiciário brasileiro
* Esses processos de execução têm como FINALIDADE obrigar o Estado
estrangeiro a cumprir condenações que lhes foram IMPOSTAS no julgamento de
processos de conhecimento
=> Brasil – Estados estrangeiros sendo julgados: vale registrar que os Estados
estrangeiros PODEM SER JULGADOS no Brasil em processos de conhecimento em
TRÊS HIPÓTESES
* I – Atos de gestão
* II – Atos de império – se houver comprovação de violação aos direitos humanos
(caso Changri-lá)
* III – Atos de império – desde que exista RENÚNCIA EXPRESSA à imunidade de
jurisdição por parte do Estado estrangeiro
=> Fonte da imunidade de execução: a fonte da IMUNIDADE DE EXECUÇÃO do
Estado estrangeiro é CONVENCIONAL
* Isto é, existem tratados sobre o TEMA, os quais protegem os bens pertencentes a
Estados estrangeiros que atuam no Brasil caso esses BENS estejam afetados ou
atrelados às ATIVIDADES DIPLOMÁTICAS ou às ATIVIDADES CONSULARES
§ 1 – Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961)
§ 2 – Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963)
§ Importante: essas duas convenções estabelecem que os BENS PERTENCENTES às
embaixadas e aos consulados, respectivamente, são INVIOLÁVEIS – logo, tais bens
NÃO PODERÃO SER OBJETO DE PENHORA em processo de execução movido no
Poder Judiciário brasileiro
=> Jurisprudência
=> STF – Imunidade de execução: O PRIVILÉGIO RESULTANTE DA
IMUNIDADE DE EXECUÇÃO NÃO INIBE A JUSTIÇA BRASILEIRA DE
EXERCER JURISDIÇÃO NOS PROCESSOS DE CONHECIMENTO
INSTAURADOS CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS
* A imunidade de jurisdição, de um lado, e a imunidade de execução, de outro,
constituem categorias autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois - ainda que
guardem estreitas relações entre si - traduzem realidades independentes e distintas,
assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito de
desenvolvimento das próprias relações internacionais. A eventual impossibilidade
jurídica de ulterior realização prática do título judicial condenatório, em decorrência da
prerrogativa da imunidade de execução, não se revela suficiente para obstar, só por si, a
instauração, perante Tribunais brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados
estrangeiros, notadamente quando se tratar de litígio de natureza trabalhista. Doutrina.
Precedentes (STF, RE 222368 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma,
julgado em 30/04/2002)
=> Doutrina: a doutrina converge em AFIRMAR que a imunidade de execução dos
Estados estrangeiros é ABSOLUTA, uma vez que, neste tema, NÃO HÁ a aplicação
da norma costumeira sobre atos de gestão e os atos de império
* Exceções: a jurisprudência e a doutrina apontam DUAS HIPÓTESES
EXCEPCIONAIS que permitem o AJUIZAMENTO DE PROCESSO DE
EXECUÇÃO contra Estados estrangeiros no Brasil, mesmo esses Estados tendo
imunidade absoluta de execução, a saber
§ 1 – Se o Estado estrangeiro renunciou expressamente à imunidade de execução
que possui – não basta ter ocorrido anteriormente eventual renúncia à imunidade de
jurisdição
§ 2 – Se o Estado estrangeiro possuir bens no Brasil que não estejam afetados às
funções diplomáticas e às funções consulares – ex: imóveis desocupados;
investimentos no mercado de ações – isso porque as Convenções de Viena de 1961 e
de 1963 protegem apenas os bens do Estado estrangeiro que tenham RELAÇÃO com
as atividades desenvolvidas pelas embaixadas e pelos consulados respectivamente
=> Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) – artigo 22
* 1 – Os locais da missão são invioláveis – os Agentes do Estado acreditado não
poderão neles penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão
* 2 – O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar todas as medidas
apropriadas para proteger os locais da Missão contra qualquer intrusão ou dano e evitar
perturbações à tranquilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade
* 3 – Os locais da Missão, sem mobiliário e demais bens neles situados, assim como
os meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição,
embargo ou medida de execução
=> Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963) – artigo 31 –
inviolabilidade dos locais consulares
* 1 – Os locais consulares serão invioláveis na medida do previsto pelo presente artigo
* 2 – As autoridades do Estado receptor não poderão penetrar na parte dos locais
consulares que a repartição consular utilizar exclusivamente para as necessidades de
seu trabalho, a não ser com o consentimento do chefe da repartição consular, da
pessoa por ele designada ou do chefe da missão diplomática do Estado que envia.
Todavia, o consentimento do chefe da repartição consular poderá ser presumido em
caso de incêndio ou outro sinistro que exija medidas de proteção imediata
* 3 – Sem prejuízo das disposições do parágrafo 2 do presente artigo, o Estado receptor
terá a obrigação especial de tomar as medidas apropriadas para proteger os locais
consulares contra qualquer invasão ou dano, bem como para impedir que se perturbe a
tranquilidade da repartição consular ou se atente contra sua dignidade
* 4 – Os locais consulares, seus móveis, os bens da repartição consular e seus meios de
transporte não poderão ser objeto de qualquer forma de requisição para fins de defesa
nacional ou de utilidade pública
* Parágrafo único: se, para tais fins, for necessária a desapropriação, tomar-se-ão as
medidas apropriadas para que não se perturbe o exercício das funções consulares, e
pagar-se-á ao Estado que envia uma indenização rápida, adequada e efetiva
=> Imunidade de jurisdição das organizações internacionais – OIs
=> Imunidade de jurisdição das organizações internacionais: a regra do Direito
Internacional sobre o tema IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO das OIs é diferente da
regra que vigora sobre o tema imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros
* Principal diferença: a principal diferença que precisa ser registrada é o fato de que
as OIs não possuem soberania, o que, consequentemente, IMPOSSIBILITA
APLICAR a teoria dos atos de gestão e dos atos de império consagrada pelo
COSTUME INTERNACIONAL para reger a imunidade de jurisdição dos Estados
soberanos
=> STF (imunidade de jurisdição de OIs): no que se refere à IMUNIDADE DE
JURISDIÇÃO de OIs perante o Poder Judiciário brasileiro, o STF adotou o
ENTENDIMENTO de que uma determinada organização internacional APENAS
terá imunidade de jurisdição no Brasil se EXISTIR TRATADO INCORPORADO ao
ordenamento brasileiro e cujo conteúdo LHE RECONHEÇA esse direito
* Logo, a IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO das OIs pode ser ABSOLUTA (que inclui
até a imunidade de jurisdição para reclamações absolutas), desde que EXISTA
TRATADO INTERNACIONAL nesse sentido
§ Fonte convencional: a fonte da imunidade de jurisdição das OIs é, portanto,
CONVENCIONAL
=> Para as OIs: exige-se TRATADO INTERNACIONAL para tratar do tema da
imunidade de jurisdição da OI
=> ONU: as Nações Unidas possuem um TRATADO ESPECÍFICO sobre imunidade
de jurisdição que protege a ATUAÇÃO dos representantes dessa OI, bem como
reconhece a INVIOLABILIDADE dos bens da ONU junto aos Estados-partes
* Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas (1946)
§ Incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 27.784/1950
=> Conclusão: se NÃO HOUVER TRATADO que reconheça a imunidade de
jurisdição de uma OI perante o Poder Judiciário brasileiro, essa OI NÃO PODERÁ
GOZAR DE IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO no país
* Isto é, estará submetida ao Poder Judiciário Nacional em qualquer hipótese em que
figurar como PARTE em um processo judicial
=> Obs: a MESMA ORIENTAÇÃO vale para o reconhecimento de imunidade de
execução das OIs perante o Poder Judiciário brasileiro
* Somente haverá IMUNIDADE DE EXECUÇÃO de uma OI frente ao juiz brasileiro
na hipótese de existir tratado internacional que reconheça a INVIOLABILIDADE
DOS BENS pertencentes a essa OI e que se encontram no território brasileiro

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