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A IMPORTÂNCIA DA CADEIA DE
CUSTÓDIA DA PROVA: UMA
ANÁLISE DO CASO O.J. SIMPSON À
LUZ DOS ARTS. 158-A A 158-F, DO...
Geraldo Donizete Luciano, Leandro de Deus Filho

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CS -INT ERCEPTAÇÃO T ELEFÔNICA 1


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Condenação do Brasil no caso "Favela Nova Brasília" e os parâmet ros de at uação est at al na violência …
Heloisa Fernandes Câmara
1

A IMPORTÂNCIA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA: UMA


ANÁLISE DO CASO O.J. SIMPSON À LUZ DOS ARTS. 158-A A 158-F,
DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Geraldo Donizete Luciano1


Leandro de Deus Filho2

RESUMO: O presente artigo tem a proposta de verificar os efeitos jurídicos da quebra


da cadeia de custódia da prova, bem como analisar à luz da legislação brasileira, os
equívocos ocorridos no célebre caso O.J. Simpson. Preambularmente, estudou-se a
nova figura da cadeia de custódia da prova (arts. 158-A a 158-F, do CPP), introduzida
no Código de Processo Penal, com o advento da Lei 13.964/2019. Posteriormente,
procedeu-se com uma diferenciação entre provas ilícitas e provas ilegítimas. E, por
fim, buscou-se demonstrar os efeitos da quebra da cadeia de custódia da prova na
legislação processual vigente.

Palavras-chave: Cadeia de Custódia. Prova. Ilícita.

ABSTRACT: This article has a proposal to verify the legal effects of the chain of
custody of the evidence, as well as analysis in the light of Brazilian legislation, the
mistakes that occurred in the main case O.J. Simpson. Preamble, studied a new figure
in the evidence chain of custody (arts. 158-A to 158-F, of the CPP), introduced in the
Criminal Procedure Code, with the advent of Law 13,964 / 2019. Subsequently, it
proceeded with a differentiation between illicit evidence and illegitimate evidence.
Finally, we seek to demonstrate the effects of the breach of the chain of custody of the
evidence in the current procedural legislation.
Keywords: Chain of Custody. Proof. Illicit.

INTRODUÇÃO

Em 12 de junho de 1994, por volta das 22h, um crime estremeceria o sistema


de justiça penal norte-americano. Em cena, as vítimas Nicole Brown e Ronald

1 Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Patos de Minas. Especialista em Direito Ambiental.
Especialista em Segurança Pública. Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Ambiental do
Centro Universitário de Patos de Minas. Professor de Direito Ambiental, Direito Constitucional, Ecologia
e Teoria Geral do Direito das Faculdades INESC e FACTU – Unaí/MG. Advogado. Sócio do Escritório
Luciano e Oliveira Sociedade de Advogados.
2 Acadêmico do curso de Direito da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Unaí – FACTU. Possui

curso de extensão em Direito Ambiental pela Escola Brasileira de Direito – EBRADI. Estagiário do
Escritório Luciano e Oliveira Sociedade de Advogados, com atuação na seara penal.
2

Goldman, violentamente assassinados com golpes de faca, e como principal suspeito,


o astro do futebol americano O. J. Simpson.3
Nicole Brown, começou a se relacionar com O. J. Simpson, pouco tempo após
o rompimento do jogador com sua ex esposa Marguerite. Juntos, tiveram dois filhos,
Justin Ryan Simpson e Sydney Brooke Simpson e se divorciaram em meados de
1992.
O comportamento de Simpson, com suas companheiras sempre foi rodeado
de polêmicas. Além de agressões contra Marguerite4, O.J. colecionava também uma
prisão, por suas constantes e contundentes brutalidades perpetradas contra Nicole
Brown.5
O ciúme excessivo (Simpson chegou a destruir os vidros do carro de Nicole,
com um taco de beisebol, após uma discussão), bem como o passado apinhado por
ataques violentos, davam conta de que O.J., realmente tivesse executado as vítimas.
Não obstante, sua fuga quase que cinematográfica pelas ruas de Los
Angeles,6 horas após a emissão de uma ordem de busca e captura em seu desfavor,
o colocou de vez como “suspeito número um”, do trágico acontecimento criminoso.
Nesta senda, surge a seguinte problemática que norteará o presente estudo:
quais as consequências jurídicas da quebra da cadeia de custódia da prova no caso
O.J Simpson à luz do processo penal brasileiro?
Partindo do problema exposto, o objetivo inicial do artigo é estudar a figura da
cadeia de custódia da prova (art. 158-A a 158-F, do CPP), instituída no ordenamento
jurídico pátrio com o advento da Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime). Em seguida, no
segundo capítulo, passa-se a diferenciação de prova ilícita e prova ilegítima, para
enfim, no terceiro capítulo, apontar os consectários da violação à cadeia de custódia
da prova.
A pesquisa, se justifica pela necessidade de se determinar os efeitos do ultraje
a cadeia de custódia da prova, tendo em vista que os dispositivos referenciados são

3 Em que pese nunca ter ganho um Super Bowl (finais do futebol americano), tendo participado somente
de um jogo de playoffs em 1974, O. J. Simpson foi o maior corredor da NFL por 4 temporadas,
conseguindo também o feito de correr mais de 200 jardas em 6 jogos, marca que perdura até hoje.
4 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/1/19/mundo/23.html
5 Disponível em: https://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/caso-oj-simpson-julgamento-do-
seculo-eletriza-estados-unidos-nos-anos-90-10229001
6 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2014/06/17/perseguicao-a-oj-simpson-

nas-ruas-de-los-angeles-completa-20-anos.htm
3

uma das inúmeras novidades legislativas trazidas pela “Lei Anticrime” (Lei
13.694/2019).
O presente trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, em que se buscou
definir características especificas sobre cada figura estudada. Em relação aos
métodos e técnicas de investigação, conforme ensinamentos dados por Eduardo C.
B. Bittar (2009, p. 179) “as técnicas de pesquisa deverão variar, conjugar-se ou se
adequar conforme o campo de trabalho em que esteja situada a temática de discussão
que se queira abordar em Direito”.
Assim, com base nos ensinamento de Bittar (2009) o presente estudo foi
elaborado utilizando técnicas de investigação teórica consistentes em técnicas
históricas, quando se aborda a origem dos institutos jurídicos; técnicas normativas
quando o foco é o estudo normativo-jurídico, acompanhado com comentários
doutrinários sobre o tema, e, por fim em técnicas conceituais, quando há a demanda
de instigação em nível conceitual em pontos diversos do conhecimento jurídico.

1 A CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E O


CASO O.J. SIMPSON

Segundo Geraldo Prado (2014) a cadeia de custódia da prova é um dispositivo


que pretende assegurar a integridade dos elementos probatórios.
Conceito semelhante, porém, mais extenso foi dado pelo legislador ao
anunciar que a cadeia de custódia da prova é o conjunto de todos os procedimentos
utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em
locais ou vítimas de crimes, rastreando sua posse e manuseio a partir de seu
reconhecimento até o descarte (art. 158-A, CPP).
Conforme leciona Aury Lopes Jr. (2020) a preservação das fontes de provas
é fundamental, especialmente quando se está diante de provas cuja produção e
manuseio ocorre fora do processo, como na coleta de DNA, interceptação telefônica,
rastreamento de vestígios digitais, etc. Para o referido autor, trata-se de uma
verdadeira condição de validade da prova.
A cadeia de custódia da prova, situa-se, portanto, no campo de garantias
fundamentais do acusado, de sorte que compete as autoridades persecutórias, zelar
pela lisura e pela fidedignidade da prova colocada ao cabo do processo.
4

A Lei 13.964/2019, ao criar a figura da cadeia de custódia da prova,


estabeleceu um verdadeiro ritual a ser cumprido no manejo e no processamento dos
elementos probantes, que vão desde o rastreamento do vestígio (art. 158-B, caput,
CPP), passando pelas etapas de reconhecimento (art. 158-B, I, CPP); isolamento (art.
158-B, II, CPP); fixação (art. 158-B, III, CPP); coleta (art. 158-B, IV, CPP);
acondicionamento (art. 158-B, V, CPP); transporte (art. 158-B, VI, CPP); recebimento
(art. 158-B, VII, CPP); processamento (art. 158-B, VIII, CPP); armazenamento (art.
158-B, IX, CPP) e descarte (art. 158-B, X, CPP).
A coleta dos vestígios, conforme expressa previsão legal, deverá ser realizada
preferencialmente por perito oficial (art. 158-C, caput, CPP), devendo o vestígio ser
acondicionado de acordo com sua natureza (art. 158-D, caput, CPP), selados com
lacres, com numeração individualizada (art. 158-D, §1°, CPP), preservando assim,
suas características, e impedindo sua contaminação e/ou vazamento (art. 158-D, §2°,
CPP).
Tais vestígios, só poderão ser abertos pelo perito que procederá com sua
análise, e motivadamente, por pessoa autorizada (art. 158-D, §3°, CPP), devendo-se
constar ainda, após o rompimento do lacre, na ficha do acompanhamento do vestígio,
o nome e a matrícula do responsável por seu manuseio, bem como a data, o local, a
finalidade e as informações referentes ao novo lacre utilizado (art. 158-D, §4º, CPP).
Por fim, determina a Lei, que o lacre rompido deverá também ser acondicionado no
interior do novo recipiente (art. 158-D, §5º, CPP).
Impende ressaltar, que a teor do art. 158-E, do CPP, deverão ser criadas
Centrais de Custódia, nos Institutos de Criminalística, espalhados pelo país. Nestas
centrais, a entrada e saída de pessoas deverá ser rigidamente controlada, de sorte
que aquele que ingressar no recinto, sem a devida outorga, e, provocar alguma
alteração no vestígio documentado, incorrerá nas penas do art. 347, do Código Penal
(fraude processual).
Finalmente, após a realização de todas as fases acima elencadas, e
elaborando-se o laudo pericial, o material probante deverá ser remetido à central de
custódia (art. 158-F, CPP).
Todo o rigor legal, tem sua justificação no fato de que o réu, como sujeito de
direitos que o é, deve ter a plena convicção de que os elementos que sustentam a
plausibilidade jurídica da acusação, foram reunidos de forma íntegra, restando, pois,
inalterado a sua probidade.
5

A manutenção da cadeia de custódia da prova, segundo Aury Lopes Jr:

Garante a “mesmidade”, evitando que alguém seja julgado não com base no
“mesmo”, mas no “selecionado” pela acusação. A defesa tem o direito de ter
conhecimento e acesso às fontes de prova e não ao material que “permita” a
acusação (ou autoridade policial). Não se pode mais admitir o desiquilíbrio
inquisitório, com a seleção e uso arbitrário de elementos probatórios pela
acusação ou agentes estatais. (LOPES JUNIOR, 2020, p. 459).

A noção de “mesmidade”, oriunda da doutrina espanhola7, de acordo com


Gustavo Badaró (2020) garante que a prova valorada em juízo será a mesma que fora
colhida, ou resultado direto da fonte de prova colhida no local dos fatos. Garantida,
portanto, a “mesmidade” não há que se desconfiar da modificação da fonte probatória.
Sob tal ambulação, coloca-se o caso O.J. Simpson. Os fatos que
aparentemente culminariam na condenação do astro americano acabaram por se
esvair, frente os inúmeros vilipêndios a cadeia de custódia da prova.
Assim que chegaram ao local do assassinato de Nicole Brown e Ron
Goldman, a polícia se deparou com uma cena repleta de vestígios, quais sejam;
sangue, peças de vestuário, pegadas, e um rastro de sangue que acabara por denotar
o caminho percorrido pelo criminoso.
De acordo com Jeffrey Toobin:

Nicole jazia ao pé dos quatro degraus que davam acesso a um patamar e à


porta da frente da casa. A poça vermelha que a rodeava era maior que ela
própria. O sangue cobria a maior parte do caminho ladrilhado e ladeado de
arbustos, que se prolongava até as escadas. Quando Riske apontou a
lanterna para a direita, viu outro corpo, desta vez o de um jovem musculoso.
O cadáver, que mais tarde seria identificado como Ronald Goldman, tinha a
camisa puxada sobre a cabeça e estava caído contra a grade de metal que
separava o número 875 da propriedade vizinha. Junto aos pés de Goldman,
Riske identificou três objetos: um gorro preto, um envelope branco manchado
de sangue e uma luva de couro. Voltando-se novamente para Nicole, o
policial distinguiu ao lado do corpo uma única marca, ainda fresca, deixada
pelo calcanhar de um sapato. Porém, provavelmente o detalhe mais
importante para Riske foi o que ele não encontrou: apesar da quantidade de
sangue, não havia pegadas sangrentas saindo pelo portão em direção à
calçada. (TOOBIN, 2016, p, 33-34).

Por intermédio deste rastro a polícia acabou por chegar à casa de O.J.
Simpson, onde obteve valoroso material probatório; manchas de sangue no carro,
manchas de sangue em suas meias e no chão do jardim (tudo isto, encontra-se muito

7Conforme Badaró (2020); a expressão acabou sendo consagrada pelo Tribunal Supremo Espanhol,
na sentença de 10 de fevereiro de 2020: “es a través de la cadena de custodia como se satisface la
garantia da mismidad de la prueba”.
6

bem descrito na série americana – “The People v. OJ Simpson: American Crime


Story”8). Posteriormente, os exames de DNA, atestaram que o sangue, de fato,
pertenciam às vítimas.
Segundo Jeffrey Toobin (2016) as provas contra O.J. Simpson eram
esmagadoras. Simpson tinha um relacionamento violento com a sua ex-mulher e as
tensões entre eles só aumentavam nas semanas que antecederam o crime.
Ademais, O.J., não tinha álibi, e seu carro não encontrava-se estacionado em
sua casa no momento do assassinato de Nicole e Ron. Não bastasse isso, o sangue
de Nicole foi encontrado em uma meia no quarto de Simpson e o sangue de Ron no
Ford Bronco, que pertencia ao acusado.
Também foram identificados fios de cabelo compatíveis com o de O.J. no
gorro do assassino e na camisa de Ron e por derradeiro, as luvas que Nicole havia
comprado para Simpson em 1990, eram semelhantes com aquelas usadas pelo
homicida.
Contudo, os advogados de Simpson, através de uma persuasiva
argumentação enraizada na histórica descriminação étnica norte-americana,
acabaram por colocar em xeque todo o trabalho investigatório bem como a fidelidade
das provas colacionadas.
À luz da legislação brasileira, dentre as falhas na cadeia de custódia da prova
no caso O.J. Simpson, pode-se destacar; o recolhimento de vestígios sem luvas (art.
158-B, IV, CPP); o deficitário isolamento da cena do crime, com pessoas circulando
livremente e a todo instante (art. 158-B, II, CPP) a não identificação, registro e
separação dos vestígios coletados (art. 158-B, V e VI, CPP) e o não cumprimento dos
padrões mínimos de segurança por parte do laboratório responsável pela perícia no
tocante ao manuseio, processamento, armazenamento e descarte dos vestígios (art.
158-B, VIII, IX e X, do CPP).
Tais equívocos no trato probatório, foram trazidos à lume na ocasião do
julgamento de O.J. Simpson, conforme descreve com riqueza de detalhes Jeffrey
Toobin (2016).

8
The People v. O. J. Simpson explora a história de O. J. Simpson que foi acusado de assassinar sua
esposa, é baseado no livro de Jeffrey Toobin The Run of His Life: The People v. O. J. Simpson que foi
lançado por ele em 1997.
7

Andrea Mazzola, perita criminal do caso Simpson, admitiu pequenos erros no


manuseio das provas, como por exemplo não trocar as luvas com a frequência devida
e outras coisas do tipo.
Dennis Fung, responsável pela análise do DNA encontrado na cena do crime,
quando questionado sobre a metodologia utilizada na manipulação dos vestígios,
primeiro:
Garantiu que não tinha recolhido nenhuma prova sem luvas; depois, já não
tinha certeza. Jurava que não tinha recolhido nenhuma prova antes de os
legistas deixarem a cena do crime; porém, depois de assistir a um vídeo,
admitiu que o fizera. Não, provavelmente não trocou as luvas de borracha
com a frequência devida. Não, não viu nenhum vestígio de terra dentro da
casa da Rockingham. Sim, deveria ter coletado amostras maiores de sangue
do carro de O.J. Não, não notou nenhum sangue nas meias que recolheu ao
pé da cama de Simpson na Rockingham. (TOOBIN, 2016, p. 346).

Entrementes, o “ovo da serpente” do caso O.J., consistiu no fato das luvas


supostamente utilizadas na cena do crime não se amoldarem nas mãos do acusado,
em uma das mais emblemáticas imagens do “julgamento do século”.
Tal fato, além do forte apelo visual, foi suficiente para gerar uma “dúvida
razoável”, acerca da culpabilidade do réu, o que em termos processuais penais, pode
ser traduzido na norma insculpida no art. 386, VI, do Código de Processo Penal.
Indubitável é que, além da violação da cadeia de custódia da prova no caso
O.J. Simpson, o standart probatório9 necessário (além da dúvida razoável), não foi
alcançado, o que acabou por culminar na absolvição do acusado, em veredicto
anunciado no dia 03 de outubro de 1995.

2 O CELEUMA DAS PROVAS ILÍCITAS E ILEGÍTIMAS

Para que se chegue às consequências jurídicas acerca da quebra da cadeia


de custódia da prova, mister se faz, a distinção entre provas ilícitas e ilegítimas.
Preconiza Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (2014), que a
expressão prova ilícita engloba tanto a prova ilícita em sentido restrito, quanto a prova
ilegítima.

9
Segundo Mafalda Melim (2013) “o standard de prova pode ser definido como o grau de convicção
mínimo exigido para considerar provado um determinado evento, i.e. o nível a partir do qual se
entenderá suficientemente demonstrada a ocorrência de uma qualquer circunstância. Trata-se de uma
figura que pretende auxiliar o julgador no processo de valoração da prova, indicando o patamar
mínimo de convencimento que deverá ser atingido” (negrito do autor).
8

Com efeito, de acordo com a lição de Ada Pellegrini Grinover, Antonio


Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho:

A prova é ilegal toda vez que sua obtenção caracterize violação de normas
legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou
material. Quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova
será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a
proibição for de natureza material, a prova será ilicitamente obtida
(GRINOVER; SCARANCE; GOMES FILHO, 1995, p. 115).

Deste modo, pode-se inferir que as provas ilícitas em sentido restrito, são
aquelas obtidas em desconformidade com os caracteres materiais. Vale dizer, há
indubitável violação à direitos constitucionais, notadamente aqueles que orbitam sob
o pálio da dignidade da pessoa humana, como o direito à privacidade (art. 5º, X,
CF/88), inviolabilidade do sigilo das comunicações (art. 5°, XII, CF/88) e a integridade
física (art. 5º, XLIII, CF/88).
As provas ilegítimas por seu turno, tem seu núcleo fincado na violação a
preceitos de índole puramente processual, tendo estes preceitos, nas palavras de
Norberto Avena (2019) um fim em si mesmos. À guisa de elucidação, a inobservância
do modelo de cross examination (art. 212, caput, CPP), ou, ainda, a perícia realizada
apenas por um perito não oficial (art. 159, §1°, CPP), infringem as normativas
estabelecidas pelo Código de Processo Penal, e se afiguram, pois, como provas
ilegítimas.
O art. 5º, inciso LVI, da Carta Constitucional é incisivo ao vaticinar que: “são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Poder-se-ia
argumentar que a norma Constitucional abrange, tão apenas as provas ilícitas em
sentido restrito.
Tal celeuma, entretanto, encontra-se superada, tendo em vista a nova
redação dada ao art. 157, do Código de Processo Penal, pela Lei 11.690/2008, que
passou a prever que: “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo,
as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais
ou legais”.
Tem-se, portanto, como consectário da ilicitude ou ilegitimidade da prova, o
seu desentranhamento e consequente inutilização, ex vi, art. 157, caput, CPP.
De fato, consoante pondera Guilherme de Souza Nucci (2015) de nada
adiantaria a formação de um processo repleto de garantais constitucionais, focado no
juiz e no promotor imparciais, com direito à ampla defesa e ao contraditório, realizado
9

publicamente, se o principal núcleo de avaliação, voltado à apuração da verdade dos


fatos, estivesse maculado pela ilicitude/ilegitimidade.
Questão elegante, se coloca ainda no que tange a novel hipótese de
impedimento do magistrado que conhece da prova ilícita. Neste diapasão, ordena a
lei que este juiz não poderá proferir sentença ou acórdão (art. 157, §5º, CPP).
Parcela da doutrina, como por exemplo Rogério Sanches e Ronaldo Batista
Pinto (2020) sustentam que apenas as provas ilícitas em sentido restrito teriam o
condão de caracterizar tal modalidade de impedimento.
Sem embargo do referido escólio doutrinário, é preciso ter em mente que a
figura da descontaminação do julgado (art. 157, §5°, CPP) guarda profunda relação
com o tema da imparcialidade do órgão judicante.
Não se pode perder de vista que, o juiz que teve contato com a prova
declarada como ilícita, encontra-se, deveras, contaminado. Nas palavras de Aury
Lopes Jr. (2020) não basta desentranhar a prova, deve-se “desentranhar” o juiz.
A garantia da imparcialidade, além de encontrar respaldo constitucional (art.
5°, XXXVII e LII, CF/88), encontra guarida no Pacto de São José da Costa Rica (art.
8.1), figurando-se, pois, como uma garantia das partes a um julgamento hígido, e por
via de consequência, refletindo na própria legitimidade da jurisdição, enquanto
exercício estatal, dirigida ao desenlace de conflitos de interesse (PIOVESAN;
FACHIN; MAZZUOLI, 2019).
Importante ressaltar, por fim, que o referido art. 157, §5°, do Código de
Processo Penal, instituído pela Lei 13.964/2019, encontra-se com a sua eficácia
suspensa sine die, ad referendum, do Plenário do Supremo Tribunal Federal, por força
de decisão liminar, concedida na ADI 629810, que tem como relator o Min. Luiz Fux.

3 AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA QUEBRA DE CADEIA DE CUSTÓDIA DA


PROVA (BREAK ON THE CHAIN OF CUSTODY): NULIDADE, ILICITUDE OU
ILEGITIMIDADE?

10
(ADI 6298 MC, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Decisão Proferida pelo (a) Ministro (a) VICE-
PRESIDENTE, julgado em 22/01/2020, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG
31/01/2020 PUBLIC 03/02/2020).
10

Resta, analisar pormenorizadamente, as consequências jurídicas da quebra


da cadeia de custódia da prova (break on the chain of custody), sob a ótica da
legislação processual penal vigente.
De antemão, é de se consignar que a doutrina diverge.
Guilherme de Souza Nucci (2020), sustenta que o mero descumprimento da
cadeia de custódia da prova não deve gerar nulidade absoluta.
O problema aqui, reside em se situar a quebra da cadeia de custódia como
sendo uma espécie de nulidade. É certo que a nulidade não é o vício que corrompe o
ato (in casu, a quebra da cadeia de custódia), mas sim, a sanção que se aplica ao ato
praticado em inobservância dos ditames legais. Em suma, a nulidade é a
consequência da prática do ato em desconformidade com a lei, e não a
desconformidade em si (RANGEL, 2016).
Não obstante, sabe-se que vigora em nossa Lei Adjetiva Penal o princípio do
prejuízo (pas de nullité sans grief), como axioma medular no que concerne a aplicação
da sanção de nulidade, ex vi, art. 563, do CPP.11
Nesta esteira, haveria uma verdadeira inversão do ônus da prova,
notadamente porque incumbiria ao réu demonstrar o prejuízo sofrido com a
rompimento dos trâmites procedimentais acerca do material probatório colhido.
Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto (2020), por seu turno, se
posicionam no sentido da legitimidade e licitude da prova, mesmo nos casos onde se
vislumbra a quebra da cadeia de custódia. Para os referidos autores, o que pode se
perquirir nestes casos é a autenticidade da prova. É dizer, o valor será maior ou menor
quanto mais ou menos se respeitou o procedimento descrito na lei, de sorte que não
poderá ser descartada pelo juiz, mas do contrário, deverá ser valorada.
Tal premissa, é também defendida por Gustavo Badaró, para quem:

Mesmo com tais riscos, defende-se que as irregularidades da cadeia de


custódia não são aptas a causar a ilicitude da prova, devendo o problema ser
resolvido, com redobrado cuidado e muito esforço justificativo, no momento
da valoração. (BADARÓ, 2020, p. 514).

De acordo com esta vertente, o vício consistente na quebra da cadeia de


custódia, se resolveria com a atribuição de um “menor valor probante”, ou em um
rebaixamento de standard probatório.

11
Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou
para a defesa.
11

Entretanto, o grande empecilho para a aplicabilidade desta solução está nas


vedações temporais para o rebaixamento do standard. De fato, é aceitável que se
“minimize” o peso probatório, de acordo com a fase procedimental em que se encontra
o processo. Neste ponto, é tolerável uma exigência menor no que toca o acervo
probatório nas fases de recebimento da denúncia, ou na decretação de medidas de
cunho cautelar, mas não no que concerne o julgamento da pretensão acusatória
(LOPES JR; MORAIS DA ROSA, 2019).
Noutro espectro, Renato Brasileiro (2020) sustenta que caso haja a quebra da
cadeia de custódia da prova (break on the chain of custody), há de se reconhecer a
inadmissibilidade dessa evidência como prova, assim como das demais provas delas
decorrentes (art. 157, §1°, CPP).
Com efeito, Aury Lopes Jr. (2020) verbera que a consequência jurídica da
quebra da cadeia de custódia da prova deve ser a proibição de valoração probatória
com a consequente exclusão física dela e de toda a derivada.
O referido autor, de forma lapidar, vai além e faz o seguinte alerta:

É importante que não se confunda a “teoria das nulidades” com a “teoria da


prova ilícita”, ainda que ambas se situem no campo da ilicitude processual,
guardam identidades genéticas distintas. É por isso que não se aplicam às
provas ilícitas as teorias da preclusão ou do prejuízo. Esse é um diferencial
crucial, não raras vezes esquecido. (LOPES JR, 2020, p. 459).

É sobremodo importante assinalar, que a quebra da cadeia de custódia da


prova, importa em uma violação à normas de índole processual, quais sejam os arts.
158-A a 158-F, do Código de Processo Penal. Registra-se, estar, portanto, diante de
uma prova ilegítima, não se sujeitando desta forma, aos regimes de preclusão e da
demonstração do prejuízo, uma vez que este último é presumido.
De conseguinte, como consectários da ilegitimidade da prova tem-se como
inexorável o seu desentranhamento (art. 157, caput, CPP), bem como a incidência da
novel causa de impedimento do magistrado (art. 157, §5°, CPP).
Vale notar, que a questão acerca da quebra da cadeia de custódia da prova
já foi alvo de deliberação pelo Superior Tribunal de Justiça, em irresignação que
questionava o extravio do material probatório obtido através de interceptações
telefônicas.
Em síntese, o STJ ponderou que a conservação das provas é obrigação do
Estado e sua perda impede o exercício da ampla defesa, em julgado assim ementado:
12

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE


RECURSO ORDINÁRIO. UTILIZAÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL
COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT.
PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO E
TELEMÁTICO AUTORIZADA JUDICIALMENTE. SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA COM RELAÇÃO A UM DOS PACIENTES. PRESENÇA DE
INDÍCIOS RAZOÁVEIS DA PRÁTICA DELITUOSA. INDISPENSABILIDADE
DO MONITORAMENTO DEMONSTRADA PELO MODUS OPERANDI DOS
DELITOS. CRIMES PUNIDOS COM RECLUSÃO. ATENDIMENTO DOS
PRESSUPOSTOS DO ART. 2º, I A III, DA LEI 9.296/96. LEGALIDADE DA
MEDIDA. AUSÊNCIA DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRALIDADE DA
PROVA PRODUZIDA NA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E
TELEMÁTICA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA
AMPLA DEFESA E DA PARIDADE DE ARMAS. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM
CONCEDIDA, DE OFÍCIO. I. Dispõe o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal
que será concedido habeas corpus "sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder", não cabendo a sua utilização como substituto
de recurso ordinário, tampouco de recurso especial, nem como sucedâneo
da revisão criminal. II. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao
julgar, recentemente, os HCs 109.956/PR (DJe de 11/09/2012) e 104.045/RJ
(DJe de 06/09/2012), considerou inadequado o writ, para substituir recurso
ordinário constitucional, em habeas corpus julgado pelo Superior Tribunal de
Justiça, reafirmando que o remédio constitucional não pode ser utilizado,
indistintamente, sob pena de banalizar o seu precípuo objetivo e desordenar
a lógica recursal. III. O Superior Tribunal de Justiça também tem reforçado a
necessidade de se cumprir as regras do sistema recursal vigente, sob pena
de torná-lo inócuo e desnecessário (art. 105, II, a, e III, da CF/88),
considerando o âmbito restrito do habeas corpus, previsto
constitucionalmente, no que diz respeito ao STJ, sempre que alguém sofrer
ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nas hipóteses do art. 105, I,
c, e II, a, da Carta Magna. IV. Nada impede, contudo, que, na hipótese de
habeas corpus substitutivo de recursos especial e ordinário ou de revisão
criminal que não merece conhecimento, seja concedido habeas corpus, de
ofício, em caso de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou decisão
teratológica. V. Hipótese em que os pacientes foram alvo de Operação
deflagrada pela Polícia Federal, denominada "Negócio da China", dirigida ao
Grupo CASA & VÍDEO, que resultou na denúncia de 14 envolvidos, como
incursos nos crimes dos arts. 288 e 334 do Código Penal e art. 1º, V e VII, da
Lei 9.613/98, em que se apura a ocorrência de negociações fictícias, com o
objetivo de dissimular a natureza de valores provenientes da prática do delito
de descaminho, mediante a ilusão parcial do tributo devido na importação de
produtos, pela sociedade empresária. VI. Se as pretensões deduzidas neste
writ, com relação a um dos pacientes, não foram formuladas perante o
Tribunal de origem, no acórdão ora impugnado, inviável seu conhecimento
pelo STJ, sob pena de indevida supressão de instância. Precedentes. VII. A
intimidade e a privacidade das pessoas não constituem direitos absolutos,
podendo sofrer restrições, quando presentes os requisitos exigidos pela
Constituição (art. 5º, XII) e pela Lei 9.296/96: a existência de indícios
razoáveis de autoria ou participação em infração penal, a impossibilidade de
produção da prova por outros meios disponíveis e constituir o fato investigado
infração penal punida com pena de reclusão, nos termos do art. 2º, I a III, da
Lei 9.296/96, havendo sempre que se constatar a proporcionalidade entre o
direito à intimidade e o interesse público. VIII. O Superior Tribunal de Justiça
tem decidido no sentido de "ser legal, ex vi do art. 1º, parágrafo único, da Lei
nº 9.296/96, a interceptação do fluxo de comunicações em sistema de
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informática e telemática, se for realizada em feito criminal e mediante


autorização judicial, não havendo qualquer afronta ao art. 5º, XII, da CF" (STJ,
RHC 25.268/DF, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (Desembargador
Convocado do TJ/RS), SEXTA TURMA, DJe de 11/04/2012). IX. A decisão
que determinou a quebra de sigilo telefônico dos envolvidos na prática
criminosa - cujos fundamentos foram incorporados à decisão de quebra de
sigilo telemático - encontra-se devidamente fundamentada, à luz do art. 2º, I
a III, da Lei 9.296/96, revelando a necessidade da medida cautelar, ante as
provas até então coligidas, em face de indícios razoáveis de autoria ou de
participação dos acusados em infração penal (art. 2º, I, da Lei 9.296/96), para
a apuração dos delitos de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, crime
contra a ordem tributária e formação de quadrilha, punidos com reclusão (art.
2º, III, da Lei 9.296/96), demonstrando que a prova cabal do envolvimento
dos investigados na alegada trama criminosa, para complementar as provas
até então recolhidas, não poderia ser obtida por outros meios que não a
interceptação telefônica, especialmente a prova do liame subjetivo entre os
investigados, para identificação, com precisão, da atividade desenvolvida
pelos alvos principais, o modus operandi utilizado e as pessoas a eles
associadas, em intrincado e simulado grupo de empresas nacionais e
estrangeiras, destinado a ocultar seu verdadeiro controlador, cujas
negociações revestiam-se de clandestinidade, valendo lembrar que, em
casos análogos, é conhecida a dificuldade enfrentada pela Polícia Federal
para desempenhar suas investigações, uma vez que se trata de suposto
grupo organizado, com atuação internacional e dotado de poder econômico
(art. 2º, II, da Lei 9.296/96). X. Apesar de ter sido franqueado o acesso aos
autos, parte das provas obtidas a partir da interceptação telemática foi
extraviada, ainda na Polícia, e o conteúdo dos áudios telefônicos não foi
disponibilizado da forma como captado, havendo descontinuidade nas
conversas e na sua ordem, com omissão de alguns áudios. XI. A prova
produzida durante a interceptação não pode servir apenas aos interesses do
órgão acusador, sendo imprescindível a preservação da sua integralidade,
sem a qual se mostra inviabilizado o exercício da ampla defesa, tendo em
vista a impossibilidade da efetiva refutação da tese acusatória, dada a perda
da unidade da prova. XII. Mostra-se lesiva ao direito à prova, corolário da
ampla defesa e do contraditório - constitucionalmente garantidos -, a ausência
da salvaguarda da integralidade do material colhido na investigação,
repercutindo no próprio dever de garantia da paridade de armas das partes
adversas. XIII. É certo que todo o material obtido por meio da interceptação
telefônica deve ser dirigido à autoridade judiciária, a qual, juntamente com a
acusação e a defesa, deve selecionar tudo o que interesse à prova,
descartando-se, mediante o procedimento previsto no art. 9º, parágrafo único,
da Lei 9.296/96, o que se mostrar impertinente ao objeto da interceptação,
pelo que constitui constrangimento ilegal a seleção do material produzido nas
interceptações autorizadas, realizada pela Polícia Judiciária, tal como
ocorreu, subtraindo-se, do Juízo e das partes, o exame da pertinência das
provas colhidas. Precedente do STF. XIV. Decorre da garantia da ampla
defesa o direito do acusado à disponibilização da integralidade de mídia,
contendo o inteiro teor dos áudios e diálogos interceptados. XV. Habeas
corpus não conhecido, quanto à paciente REBECA DAYLAC, por não integrar
o writ originário. XVI. Habeas corpus não conhecido, por substitutivo de
Recurso Ordinário. XVII. Ordem concedida, de ofício, para anular as provas
produzidas nas interceptações telefônica e telemática, determinando, ao
Juízo de 1º Grau, o desentranhamento integral do material colhido, bem como
o exame da existência de prova ilícita por derivação, nos termos do art. 157,
§§ 1º e 2º, do CPP, procedendo-se ao seu desentranhamento da Ação Penal
2006.51.01.523722-9. (HC 160.662/RJ, Rel. Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, SEXTA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 17/03/2014).
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Nereu José Giacomolli (2016), relembra ainda, um importante precedente da


Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH, no que concerne a manutenção
da cadeia de custódia da prova.
Trata-se do Caso Velásquez Paiz e Outros vs. Guatemala12, onde se
constatou uma série de irregularidades na colheita, processamento e manutenção da
prova. Ficou fixado, o dever de realização de diligências mínimas e impreteríveis à
conservação dos elementos de prova, que possam fomentar o convencimento do
órgão julgador, e determinar o êxito da investigação.
No caso em apreço, a CIDH apontou como deficitárias a falta de
documentação da localização do corpo da vítima; a manipulação do cadáver; o
errôneo manejo da cena do delito; as irregularidades na preservação e documentação
das evidências, bem como na necropsia e em sua documentação; a ausência de
determinação da hora da morte, e; as anormalidades no reconhecimento médico
forense.
Os casos analisados, realçam a importância da lisura e da higidez da cadeia
de custódia da prova, colocando-a como uma verdadeira garantia processual penal.
Garantia do pleno acesso da defesa às fontes de prova, e principalmente aos
procedimentos a que sobreditos indícios foram submetidos. A busca por uma decisão
judicial justa e de qualidade, guarda profunda relação com a melhoria da prova
submetida ao crivo do judiciário.
Sobremais, é preciso ter em mente que os órgãos persecutórios não são entes
hipossuficientes. Pelo contrário, são compostos por profissionais do mais alto
gabarito, munidos de aparatos tecnológicos e de todos os recursos que lhe são
ofertados pelo Estado.
Zelar pela cadeia de custódia da prova, é zelar pela integridade e pela
moralidade da Justiça. É evitar que situações como a de O.J. Simpson, voltem a se
repetir, fomentando assim, um processo penal mais democrático, e minimizando por
via de consequência os terríveis danos causados por uma condenação e/ou
absolvição indevida.

12Os fatos do caso se referem ao estupro, desaparecimento e posterior homicídio de Claudina


Velásquez Paiz, de 19 anos de idade, quem em 12 de agosto de 2005 saiu de sua casa para a
Universidade em que estudava Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e não regressou à sua
casa. Um dia depois, seu cadáver foi encontrado com sinais de violência na Zona 11 da cidade da
Guatemala. A Corte Interamericana situou os fatos em um contexto de aumento da violência homicida
contra mulheres no país. Disponível em: https://summa.cejil.org/pt/entity/8xawfzpplf5ks23mcc4ish5mi.
Acesso em 25. jun. 2020.
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CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou verificar a quebra da cadeia de custódia da prova,


analisando-se, pormenores os equívocos ocorridos no caso O.J. Simpson, bem como
suas consequências jurídicas.
Verificou-se, inicialmente a condução do célebre caso O.J. Simpson, e os
inúmeros ultrajes a cadeia de custódia da prova, utilizando-se para tanto as
normativas disciplinadas nos arts. 158-A a 158-F, do Código de Processo Penal.
Observou-se, ainda, a celeuma acerca da distinção entre provas ilícitas e
ilegítimas.
Outro ponto que norteou o presente estudo foi as consequências jurídicas da
quebra da cadeia de custódia da prova (break on the chain of custody), esmiuçando-
se para tanto, as várias vertentes doutrinárias, jurisprudenciais e convencionais.
Com isso, conclui-se que o vestígio obtido mediante a quebra da cadeia de
custódia da prova, é, deveras, uma prova ilegítima, vez que atenta contra caracteres
de cunho processual. Ao cabo que a prova maculada, deve ser desentranhada a rigor
do art. 157, caput do Código de Processo Penal. Configurando-se, também a hipótese
de impedimento do magistrado que conheceu da prova ilegítima, nos termos do art.
157, §5°, do Código de Processo Penal.
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