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O XADREZ E A EDUCAÇÃO:

EXPERIÊNCIAS DE ENSINO ENXADRÍSTICO


EM MEIOS ESCOLAR, PERIESCOLAR E EXTRA-ESCOLAR.

Antônio Villar Marques de Sá


Universidade de Brasília - Faculdade de Educação

Palavras-chave: xadrez, escolar, periescolar, extra-escolar,


pedagogia enxadrística, aprendizagem lúdica.

Este artigo é baseado em uma investigação desenvolvida para


a elaboração da Tese de Doutorado em Ciências da Educação
intitulada "Le Jeu d'échecs et l'éducation: expériences
d'enseignement échiquéen en milieux scolaire, périscolaire et
extra-scolaire", financiada pelo CNPq, orientada pelo Professor
Emérito Gilles Ferry e defendida na Universidade de Paris X -
Nanterre (França) em 22 de novembro de 1988 (432 p.).
A problemática desta pesquisa exploratória abrange as
seguintes questões: Que fatores influenciam a utilização do
xadrez como inovação pedagógica no ensino regular? O que
caracteriza a introdução do xadrez nos meios escolar,
periescolar e extra-escolar? Existem diferenças neste processo?
Qual método educativo e qual programa didático melhor atendem
às especificidades deste ensino?

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O lúdico no campo educacional

A importância do jogo para o desenvolvimento humano tem sido


objeto de estudo das mais diferentes abordagens. A atividade
lúdica foi enfocada sob o ponto de vista filosófico (Pascal,
Alain, Henriot, Schopenhauer, Nietzsche, Bataille, Sartre),
sociológico (Huizinga, Hirn, Caillois), psicanalítico (S. Freud,
A. Freud, Klein, Winnicott, Charles-Nicolas, Enriquez),
psicológico (Groos, Claparède, Chateau, Piaget, Vigotsky) e
pedagógico (Rousseau, Pestalozzi, Frobel, Montessori, Decroly,
Freinet, Michelet). As teorias elaboradas até o presente momento
enfatizam elementos diferentes, o que as tornam úteis para a
análise de determinados aspectos particulares do fenômeno
lúdico. Não existe, portanto, uma teoria universalmente aceita
sobre ele.
Por outro lado, verifica-se um movimento crescente visando a
introdução do lúdico em todos os níveis de ensino, pretendendo-
se expandí-lo para além das classes pré-escolares. Não obstante,
nenhuma transformação em profundidade foi absorvida no plano
curricular, sendo que o debate em torno das vantagens e
desvantagens desta evolução faz parte de uma discussão mais
ampla sobre o modo de compreender a natureza do processo

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educacional (UNESCO, 1986).
Em suma, ao que tudo indica, a implementação da aprendizagem
lúdica no ensino depende da superação do paradoxo que consiste
em adotar o jogo - uma atividade voluntária, cuja finalidada
está voltada para os interesses e necessidades individuais -
para mediar uma tarefa concebida no sentido de atingir objetivos
acadêmicos externamente estabelecidos.

O valor educativo do xadrez

Na Suíça, o xadrez é utilizado no ensino para desenvolver


várias qualidades, dentre as quais (PARTOS, 1978): atenção,
concentração, raciocínio lógico-matemático, julgamento,
planejamento, imaginação, antecipação, autocontrole,
perseverança, espírito de decisão.
Em uma partida de xadrez, os jogadores efetuam etapas básicas
do raciocínio (DE GROOT, 1978): fazer um plano, agrupar as
alternativas, aprofundar progressivamente a investigação,
estipular a ordem de investigação, escolher e tomar a decisão.
De acordo com vários autores, a atividade enxadrística
contribui ainda para o desenvolvimento de muitas capacidades, a
saber: criatividade (TIKHOMIROV, 1970), memória (GOLDIN, 1979),
cálculo (GOLOMBEK, 1980) e inteligência geral (ROOS, 1984).
Mas, o principal mérito da aprendizagem enxadrística, desde
que adotada ludicamente, repousa no fato de permitir que cada
aluno possa progredir seguindo seu próprio ritmo e, assim,
atender a um dos objetivos primordiais da educação moderna.
Diversos trabalhos demonstram que o xadrez pode constituir
atividade indicada para um trabalho junto a uma população
apresentando dificuldade de adaptação social.
Ao ser incluído em classes de baixo rendimento escolar, ele
funciona como um suporte pedagógico para que os alunos alcancem
a autoestima essencial para qualquer processo educativo.
Em vista do fator motivacional subjacente ao ato de jogar
xadrez, é possivel favorecer o interesse e a habilidade
necessários para o bom desempenho em outras matérias. Aliás, o
xadrez tem se mostrado um excelente instrumento para o
acompanhamento do desenvolvimento cognitivo.
Isto é particularmente notável no que tange ao ensino de
matemática, pois auxilia a aprendizagem de (DEXTREIT, 1981):
- aritmética: com a ajuda das noções de troca e valor
comparado das peças e de controle das casas.
- álgebra: graças à representação gráfica do tabuleiro e ao
cálculo do índice de performance dos jogadores que pode ser
assimilado a um sistema de equações com "n" incógnitas.
- geometria: o movimento das peças introduz às nocões de
vertical, horizontal, diagonal.
As aplicações do xadrez na área da matemática são bastante
vastas e não necessariamente de nível elementar, pois, entre

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outras, elas concernem (ENGEL, 1978): análise combinatória,
cálculo de probabilidades, estatística, informática, teoria dos
jogos de estratégia.
Do ponto de vista heurístico, um problema de xadrez pode ser
concebido como um problema de matemática (PUSCHKIN, 1967). Tanto
que matemáticos como Gauss e Euler interessaram-se,
respectivamente pela colocação de oito damas no tabuleiro e pelo
percurso do cavalo sobre as 64 casas do tabuleiro.
Por tudo isto, constata-se que a atividade enxadrística é útil
para a educaçao matemática na medida em que oferece múltiplas
possibilidades no campo da resolução de problemas (FERNANDEZ,
1991), além de intermediar para o indivíduo a construção de sua
própria matemática, situando-se assim, entre as abordagens
atuais da educação em geral.

A utilização pedagógica do xadrez

Em 1993, realizou-se em Curitiba, Paraná, o "Primeiro


Seminário Internacional de Xadrez nas Escolas" contando com o
apoio do Ministério da Educação e do Desporto (MEC).
Participaram 15 conferencistas de dez nações: Argentina, Brasil,
Colômbia, Cuba, Filipinas, França, Grécia, Itália, Portugal e
Venezuela.
Atualmente, de acordo com o levantamento efetuado, o ensino
oficial do xadrez escolar está instituído em cerca de 45 países.
Na Alemanha, os primeiros esforços voltados para a introdução
do xadrez nas escolas datam do século XIX. Em 1985, a
Universidade Schiller de Jena criou um curso facultativo com
duração de um ano. Os diplomados podem em seguida dirigir os
clubes escolares de xadrez.
Na Argentina, os 18.000 alunos cursando as 4ª, 5ª e 6ª séries
do Estado de Santa Fé recebem um ensino obrigatório de xadrez,
sancionado por decreto-lei.
No Canadá, o Ministério da Educação aprovou, em 1984, o
programa "Defi-mathématique", composto por seis projetos, dentre
os quais "Échecs et Maths". Desta maneira, o xadrez encontra-se
integrado ao programa de matemática, no qual uma hora semanal é
reservada para o ensino e prática deste esporte. Mais de 45.000
alunos são beneficiados por esta iniciativa.
Um "Plan Masivo de Enseñanza del Ajedrez en las Escuelas
Primarias" de Cuba, fruto do trabalho conjunto do Instituto
Nacional de Desportos, Educação Física e Recreação (INDER) e do
Ministério da Educação (MINED), foi difundido para os 450.000
alunos da 2ª à 6ª séries.
A "American Chess Foundation", dos Estados Unidos, estipulou
como uma de suas metas a introdução do xadrez na escola e, para
tanto, vem traduzindo todos os trabalhos que possam subsidiá-la.
Todavia, o "National Institut of Education" opõe uma forte
resistência a esta proposta privilegiando os métodos

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tradicionais. Mas, em razão da descentralização do ensino
americano diferentes experiências têm sido levadas adiante.
A partir de 1975, a Universidade Louis Pasteur propõe aos
alunos um ensino sobre os aspectos culturais, científicos e
técnicos do xadrez. Desde 1976, o Ministério da Educação da
França apóia sua utilização pedagógica nas escolas, atendendo,
assim, mais de 200.000 estudantes do pré-primário à universidade.
Uma resolução do Ministério da Educação da Holanda,
autorizando a inclusão do xadrez como esporte escolar no
currículo de 1º grau durante meia hora semanal, atinge
atualmente cerca de 300.000 estudantes.
A Universidade Técnica de Budapeste, Hungria, organiza cursos
de xadrez a partir de 1987.
Desde 1943, uma Associação para o Ensino de Xadrez está
instalada em Londres. Na Inglaterra, o xadrez é ensinado na
escola, fora do horário de aula, o que o caracteriza como uma
atividade desenvolvida em meio periescolar, isto é, inserindo-se
no espaço institucional, mas não integrando o currículo.
Na Rússia, em 1966, foi criada a Faculdade de Xadrez no
Instituto Central de Educação Física de Moscou. Após quatro anos
de estudos sobre a teoria, a pedagogia e a psicologia do xadrez
e do esporte, os estudantes tornam-se professores no secundário.

No Brasil, a primeira iniciativa em favor do ensino e da


prática do xadrez escolar data de 1935. De lá para cá, tais
experiências multiplicaram-se e diversificaram-se. O quadro
atual indica que o xadrez vem sendo gradativamente admitido no
campo da educação , predominando como atividade periescolar.
Recentemente, em prol da difusão do xadrez nas escolas, o MEC
publicou uma cartilha distribuida gratuitamente em cerca de
1.500 municípios do país (VILLAR, 1993).

MÉTODO

Procedimento: A coleta de dados desenvolveu-se através da


utilização de diferentes instrumentos.

Observações:

-- Reuniram-se 18 sessões de observação em nove instituições de


ensino, sendo quatro escolas públicas, três escolas privadas, um
"centre d'animation" e uma escola de xadrez, totalizando 24h e
15min. Todos os estabelecimentos localizavam-se na região
parisiense (França).
-- Sujeitos: Participaram desta etapa alunos cursando desde a
pré-escola até o segundo grau, cuja faixa etária variava de seis
a quinze anos.
-- Objetivos:
a) Cumprir a familiarização e consequente adaptação mútua do

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pesquisador com seu objeto de estudo em diversas situações.
b) Delimitar mais claramente as metas a serem atingidas pela
investigação.

Ensino:

-- Ministrou-se, no ano letivo de setembro/1985 a junho/1986,


curso de xadrez em três diferentes instituições:
a) uma escola privada laica na qual este ensino era obrigatório,
desenvolvendo-se durante 30 aulas de uma hora por semana para
uma classe de 5ª série (20 alunos, idade média: 11 anos) e para
uma classe de 6ª série (15 alunos, idade média: 12 anos).
b) uma escola pública onde o xadrez era atividade facultativa
oferecida durante uma hora no período do almoço, quatro dias por
semana para 31 estudantes com faixa etária variando de 11 a 16
anos (5ª série do 1º grau à 3ª série do 2º grau). Totalizaram-se
19 aulas.
c) um "centre d'animation" que organizava um curso semanal de
uma 1h e 15min para oito crianças de seis a dez anos, alunos da
pré-escola à 4ª série, somando-se 27 aulas.
-- Objetivos:
a) Descrever, analisar e avaliar métodos de pedagogia
enxadrística, voltados para as especificidades institucionais
dos diferentes estabelecimentos estudados.
b)Elaborar programas básicos de ensino de xadrez, com
características próprias para cada clientela.
c) Determinar as condições de sua integração curricular no
ensino regular.

Questionários:

-- Distribuiram-se diferentes questionários, de acordo com os


sujeitos:
a) Alunos
Um primeiro questionário, apresentado a todos os participantes
das atividades descritas no item anterior, foi aplicado no
início do ano escolar. O instrumento constituía-se de 14
perguntas abertas.
-- Objetivos:
Recolher dados de identificação, expectativas relativas ao curso
de xadrez, o nível prévio de conhecimento enxadrístico e as
demais áreas de interesse acadêmico.
Um segundo questionário, composto por 30 perguntas abertas,
três de múltipla escolha e duas fechadas, foi passado ao final
do ano letivo.
-- Objetivos:
Investigar as impressões, críticas e sugestões dos alunos
referentes ao ensino ministrado.
b) Professores

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Um conjunto de oito perguntas abertas e uma fechada foi
distribuído ao término do período letivo aos professores das
outras disciplinas.
-- Objetivos:
Conhecer a representação desenvolvida pelos docentes de outras
áreas em relação ao ensino do xadrez em sua instituição.
c) Pais
Um instrumento semelhante àquele aplicado aos professores foi
entregue aos responsáveis dos alunos por intermédio destes.
-- Objetivos:
Obter suas principais percepções da experiência do processo
ensino-aprendizagem de xadrez.

Entrevistas:

a) Alunos
Construiu-se um roteiro de entrevista semi-estruturado
dirigido a 28 estudantes distribuidos em sete grupos com
diferentes níveis de desempenho na experiência de ensino
executada. Considerando o grau de implicação do pesquisador
decorrente da sua condição de professor, optou-se pela
participação de um entrevistador não diretamente envolvido com a
investigação.
-- Objetivos:
Os mesmos dos questionários, com a vantagem de proporcionar um
contexto favorável à expressão dos alunos, uma vez que a
entrevista, ao contrário dos questionários, não é tão
freqüentemente associada à situação acadêmica.
b) Diretores
Após o término da experiência de ensino, os três dirigentes
foram entrevistados pelo próprio pesquisador.
-- Objetivos:
Conhecer suas expectativas, impressões e opiniões sobre a
introdução do ensino de xadrez em seus respectivos
estabelecimentos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

1) Nível Institucional:

a) Espaço físico
O ensino do xadrez em meio escolar é pouco difundido. Assim
sendo, raramente dispõe-se de uma sala que atenda às condições
de aprendizagem, ou seja, mesas adaptadas à utilização de
tabuleiros e, ao mesmo tempo, capazes de possibilitar diferentes
arranjos visando partidas simultâneas, em grupo ou dois a dois.
Além do que, geralmente, os estabelecimentos de ensino não
possuem um tabuleiro mural com peças imantadas, fundamental para
as aulas.

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Foi possível verificar, tanto por intermédio das observações
quanto pela experiência de ensino do pesquisador, que as
atividades enxadrísticas eram realizadas em uma multiplicidade
de espaços físicos: pátio de recreação, biblioteca, sala de
música, refeitório, sala de audiovisual e, eventualmente, sala
de aula.
Se por um lado, tal constatação demonstra o caráter inovador
deste instrumento pedagógico, por outro lado, é necessário
reconhecer que a improvisação das condições básicas para o
ensino enxadrístico - sobretudo com a designação de espaços
considerados menos "nobres" do ponto de vista institucional -
atesta a resistência à implementação da aprendizagem lúdica na
escola.
Todavia, pode-se reverter esta situação que à primeira vista
seria desvalorizante, adotando-se espaços passíveis de acomodar
um método de ensino-aprendizagem lúdico. Sem dúvida, é mais
estimulante e motivador para os alunos sair de um dispositivo de
aula tradicional e encontrar-se em um ambiente mais próximo do
"espaço potencial" descrito por WINNICOTT (1971).
b) Regras
Tanto o espaço físico quanto o espaço social são definidos e
organizados por regras implícitas e explícitas veiculadas pela
instituição. Neste sentido, as diferenças entre os meios
escolar, periescolar e extra-escolar foram menos importantes.
Notou-se uma tendência destes dois últimos para funcionar de
acordo com as regras prevalentes em meio escolar, isto é,
preterindo as atividades essencialmente lúdicas em relação às
demais.
Outro aspecto é aquele relacionado ao controle disciplinar. É
essencial esclarecer que uma aula de xadrez durante a qual os
alunos são levados a jogar, dificilmente atenderia às regras
institucionais, como, por exemplo, imobilidade dos alunos e
silêncio. Esta especificidade da pedagogia enxadrística suscitou
críticas tanto por parte do diretor quanto por parte de alguns
alunos integrantes da experiência de ensino em meio escolar.
c) Expectativas dos diretores
Como era de se supor, os responsáveis pelos vários tipos de
estabelecimento expressaram expectativas diferentes. Entretanto,
em alguns momentos, o discurso construído ao longo das
entrevistas pareceu pouco coerente e até mesmo contraditório
com as perspectivas nas quais se situavam estes dirigentes.
Desta forma, o diretor da instituição onde o xadrez era
matéria curricular privilegiou o caráter de inovação pedagógica
da disciplina, o que estaria, por princípio, intimamente
vinculado à estrutura lúdica do curso, e, consequentemente,
poderia estar se contrapondo ao ensino tradicional.
A responsável pelo estabelecimento no qual o xadrez foi
oferecido como atividade facultativa enfatizou,
surpreendentemente, o aspecto desportivo e competitivo,

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mencionando , inclusive, a aspiração de formar futuros
enxadristas para atuação em torneios nacionais e internacionais.
Até certo ponto, tal atitude parece conflitante com a proposta
de um projeto educativo visando a formação global dos alunos.
Sem dúvida, a competição compreende uma faceta educativa, no
entanto, o funcionamento da escola na sociedade atual já acentua
em demasia esta dimensão competitiva para que o xadrez venha
fortalecê-la.
Finalmente, o chefe do "centre d'animation" verbalizou que a
meta principal atribuída ao xadrez, assim como a todas as
atividades ali realizadas, era o pleno desenvolvimento do
potencial das pessoas que para lá se dirigiam. Isto evidencia a
harmonia entre a proposta institucional e aquela da atividade
enxadrística que valorizavam o lúdico e não necessariamente a
performance, fosse esta atrelada a fatores acadêmicos ou
competitivos.

2) Nível Psicológico:

a) Expectativas dos alunos


Nas três instituições estudadas, aproximadamente a metade dos
participantes possuia uma experiência prévia com xadrez; mas
esta distinção entre os participantes não foi significativa para
determinar a tendência de emissão de opiniões.
Apenas um aluno integrante do curso de xadrez curricular
mencionou que desejava jogar. Os demais forneceram respostas
associadas à vida acadêmica, como por exemplo, desejar
progredir, aprender e/ou obter bons resultados.
No meio periescolar, as respostas foram catalogadas em quatro
conjuntos que destacavam respectivamente: o aspecto lúdico, o
progresso acadêmico, a competição enxadrística e a não
antecipação de expectativas.
No meio extra-escolar, o questionário mostrou-se inadequado em
razão da pouca idade da maioria dos sujeitos e consequente
inexperiência com as condições básicas da alfabetização que o
instrumento exigia. Porém, eles foram capazes de emitir opiniões
que convergiam para a vertente lúdica.
Vale ressaltar que, de um modo geral, as expectativas dos
alunos estão em concordância com o contexto institucional e com
as expectativas dos diretores.
b) Socialização
Erroneamente, concebe-se o xadrez como uma atividade mental
mecânica e fria que conduz ao isolacionismo do sujeito. Todavia,
a atmosfera reinante nos grupos-classe não correspondeu a esta
representação social do "jogo-ciência". Com frequência, os
participantes expressaram calorosamente o seu prazer em
partilhá-lo. A dimensão relacional esteve presente ao longo do
processo ensino-aprendizagem e o comportamento dos alunos,
durante o desenrolar das partidas, manifestava uma proximidade

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psicológica entre os pares. Além do que, pelo fato do xadrez
constituir-se em um jogo de regras, no sentido piagetiano
(PIAGET, 1945), estima-se que ele contribua para a socialização.
Por outro lado, os períodos de calma e introspecção por parte
dos alunos não podem ser considerados como um sinal de
incomunicabilidade interpessoal. A capacidade de "ficar só em
presença de um outro", segundo WINNICOTT (1971), constitui uma
experiência fundamental para o desenvolvimento psicológico do
indivíduo, a ponto de ser compreendida como uma "comunicação
silenciosa" que perpassa todos os episódios da esfera
relacional.
Quanto à agressividade inerente ao ato de jogar e competir,
ela é devidamente simbolisada e canalisada dentro do dispositivo
educacional, constituindo uma vez mais uma instância de
desenvolvimento social para os sujeitos.

c) Transferência de habilidades

Não se verificou a transferência direta de habilidades


solicitadas pela atividade enxadrística para as outras
disciplinas escolares. Entretanto, os pais dos alunos
reconheceram que o xadrez incrementava qualidades importantes
para o desenvolvimento global de seus filhos tais como
concentração, atitude reflexiva, raciocínio lógico, capacidade
de antecipação, espírito de decisão, auto-estima e auto-
controle. Da mesma maneira, os professores perceberam o valor
pedagógico do xadrez e acrescentaram ainda outras habilidades
passíveis de transferência, como a memória, o raciocínio
espacial e a intuição. No entanto, não foram capazes de afirmar
com rigor se o progresso de seus alunos nestes setores poderia
ser atribuído unicamente à aprendizagem enxadrística. Já os
alunos se dividiram entre aqueles que estimavam não ter
experimentado a transferência, aqueles que acreditaram terem
melhorado seu desempenho acadêmico por influência do xadrez e
aqueles que foram ambíguos em sua avaliação.

3) Nível Pedagógico:

a) Estruturação dos cursos

Os cursos se organizavam em dois períodos. O primeiro com uma


duração variando de 15 a 30 min consistia em uma aula expositiva
durante a qual o professor/animador clarificava as noções chaves
da teoria enxadrística, corrigia as fichas de exercícios e
propunha novos problemas. Durante esta primeira parte, as
atividades centravam-se na figura do professor, apesar dos
alunos serem estimulados a participar ativamente opinando sobre
o tema da aula.
No segundo período, de duração média de 30 min, os

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participantes jogavam entre si, descentrando o foco das atenções
do professor para os colegas.
É importante fazer notar que esta estruturação definitiva foi
gradativamente construída a partir da diversidade dos
dispositivos institucionais nos quais as experiências de ensino
foram aplicadas. Cada dispositivo forneceu elementos
constitutivos para o modelo de ensino adotado, o que resultou em
enriquecimento mútuo.

b) Avaliação

No meio escolar, a avaliação de xadrez constava do boletim,


juntamente com as outras matérias. A nota era calculada com base
nos testes (Peão, Cavalo, Bispo e Torre), nos cadernos e na
participação. Nos meios periescolar e extra-escolar os alunos
não recebiam notas, entretanto, a avaliação era efetuada
empregando-se parâmetros semelhantes, à excessão do uso do
caderno para o meio periescolar.
Quanto ao nível de desempenho ao final do primeiro trimestre,
somente 37% dos alunos que foram alvo de um ensino obrigatório
obtiveram o diploma Peão, enquanto que 78% daqueles que
receberam um ensino opcional e 83% dos que fizeram parte do
"centre d'animation" alcançaram idêntico resultado. Duas
principais razões podem explicar estas diferenças.
Primeiramente, do ponto de vista psicológico, os alunos do
ensino obrigatório podiam não estar suficientemente motivados
em comparação com os demais, cuja participação era voluntária.
Em seguida, do ponto de vista pedagógico, o fato dos primeiros
terem tido a oportunidade de jogar a partir da quinta semana de
aula, enquanto que os outros o fizeram desde o início,
acarretaria uma menor familiarização e habilidade com a tarefa.

c) A experiência julgada pelos alunos

Aproximadamente 3/4 dos sujeitos em meio escolar (77,12%)


consideraram a experiência como satisfatória. Algumas críticas
foram apresentadas: excesso de ruído (8,58%), incompatibilidade
com o professor (2,86%), falta de motivação diante da facilidade
do curso (2,86%), exclusão da atividade enxadrística, por parte
do diretor, em decorrência de problemas disciplinares em outras
matérias (2,86%) e insatisfação com a atividade (2,86%). Um
aluno ausentou-se no dia da aplicação do questionário (2,86%).
As respostas dadas pelos participantes do programa do "centre
d'animation" revelam que, em sua totalidade (100%), eles
apreciaram a experiência.
O mesmo ocorreu com a amostra do meio periescolar.

CONCLUSÃO

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Apesar das constatações científicas em favor da aprendizagem
lúdica ainda se observa uma forte oposição a tal evolução.
Quanto ao xadrez, ele parece constituir-se como uma inovação
pedagógica cuja potencialidade não foi completamente explorada.
Outras pesquisas deveriam ser realizadas, notadamente no que se
refere à transferência de habilidades e aos aspectos
motivacionais do processo ensino-aprendizagem enxadrístico.
A presente investigação verificou a co-existência de duas
principais orientações que disputam a primazia no campo
educacional:
* A pedagogia do xadrez, na qual o estudo e a prática deste
esporte são considerados como formadores para o desenvolvimento
global do estudante, constituindo-se como matéria curricular.
* A pedagogia pelo xadrez, segundo a qual, ele representa um
suporte pedagógico para outras disciplinas.

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