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M Vila Prado
Turma: 204
Nome: Arthur Martins
Sapucaia do Sul, agosto de 2022
Biografia do Autor:
Michel Foucault (1926/1984) foi um pensador e filósofo francês, que possui um acervo
considerável de trabalhos publicados durante a carreira de escritor. Foucault também
desenvolveu, no Collège de France, a importante pesquisa e o estudo sobre a estrutura das
instituições judiciais e penitenciárias antigas e modernas. A obra objeto desta resenha, qual
seja, “Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões”, é sem dúvida de grande importância
para o meio jurídico e social, em especial no âmbito penal, pois faz um verdadeiro estudo
filosófico e histórico sobre o surgimento da prisão e sobre as penas enquanto meio de suplício
e coerção, meio de disciplina e aprisionamento do ser humano, revelando a face social e
política desta forma de controle social aplicado ao direito e às sociedades de antigamente,
especialmente naquelas em que perdurou por muitos séculos o regime monárquico. Apesar de
passados mais de 40 anos desde a publicação da obra supracitada, as considerações feitas por
Michel Foucault continuam extremamente relevantes e recentes para a contemporaneidade,
visto que o livro trata de temas que são de suma importância para a sociedade e que geram
grandes discussões tanto no plano acadêmico quanto no plano social. “Vigiar e Punir: História
da Violência nas Prisões” está construída em quatro partes, sendo elas o “suplício”, a
“punição”, a “disciplina” e a “prisão”. 1. Suplício Foucault apresenta inicialmente o estudo e
explanação do suplício no século XVIII como maneira de punição aos condenados. Ele narra
com riqueza de detalhes a tortura, suplício e esquartejamento de um parricida chamado
Damiens, em 1757, e expõe dois documentos que evidenciam dois estilos penais diferentes. O
primeiro documento é a explanação de um suplício, que segundo o autor, eram “penas
corporais, dolorosas, mais ou menos atroz [excesso de crueldade]”. Ainda segundo o autor,
“era um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a
crueldade”. Já o segundo documento expõe alguns artigos do código de execução penal, com
toda a sua utilização limitada do tempo e sua sutileza cruel e punitiva. Os suplícios eram a
marca do período compreendido entre os séculos XVI e XVIII, no qual as penas privativas de
liberdade eram totalmente desconsideradas. Obviamente, o sofrimento é um dos pontos vitais
deste tipo de pena, mas não é o único, posto que o objetivo dos suplícios ultrapassava a mera
punição do condenado. Michel Foucault afirma que para uma pena ser considera um suplício
ela deve obedecer três critérios principais: “[...] uma pena, para ser considerada um suplício,
deve obedecer a três critérios principais: em primeiro lugar, produzir uma certa quantidade de
sofrimento que se possa, se não medir exatamente, ao menos, apreciar, comparar e
hierarquizar; [...] o suplício faz parte de um ritual. É um elemento na liturgia punitiva, e que
obedece a duas exigências, em relação à vítima, ele deve ser marcante: destina-se a [...] tornar
infame aquele que é a vítima. [...] e pelo lado da justiça que o impõe, o suplício deve ser
ostentoso, deve ser constatado por todos, um pouco como seu triunfo. [...]” (p. 36 – 37) O
suplício tinha como característica predominante o poder do Estado sobre o corpo do
sentenciado, sendo este o principal alvo da repressão penal. Por ser um espetáculo punitivo, o
suplício era meticulosamente orquestrado para demonstrar o poder do soberano – monarca –
sobre os seus súditos, como forma de mostrar toda a sua força e a sua intolerância para com
aqueles que ousavam desafiar as leis impostas ou mesmo desafiar o seu poder. Dessa forma, o
repúdio público à que o corpo dos acusados era exposto constituía não só uma violência
física, mas também uma violência psicológica em todos os atores do ato de penalização. Vale
ressaltar que a participação popular era fundamental nos rituais de suplício, pois conferiam-
lhe legitimidade. Pelo fato de as pessoas não serem meras espectadoras, o ritual que seria
inicialmente considerado ilegal, tornava-se legalizado. Visto que os suplícios eram uma forma
de aprazer o soberano e seus interesses e, portanto, tinham um conteúdo muito mais político
do que jurídico, uma parcela da sociedade se voltou contra esta forma condenatória. Assim, o
pensamento e o desafio do momento era encontrar novas formas de punir, pois o suplício
havia se tornado intolerável. A tarefa de encontrar novas maneiras de punir ficou à cargo dos
legisladores, juristas, pensadores e filósofos do século XVIII. Punição A segunda parte de
“Vigiar e Punir” é composta por dois capítulos, sendo eles: a “punição generalizada” e a
“mitigação das penas”. No primeiro capítulo, Foucault versa sobre a mudança da forma de
punição e trata sobre os protestos contra os suplícios durante o século XVIII, pois os cidadãos
da época passaram a acreditar que a justiça criminal deveria punir o criminoso e não apenas se
vingar dos condenados. Neste período houve uma transformação nos tipos de crime, que
passaram de agressões e homicídios para crimes patrimoniais, pois houve grande aumento de
riquezas, e com o grande crescimento econômico, o alvo principal dos crimes eram os bens. A
classe política dominante da época, qual seja, a burguesia, não se interessava se a pena fosse
empregada como uma forma de espetáculo, de modo que era necessário uma repressão
efetiva, a fim de diminuir a prática de tais desvios e, portanto, buscou-se uma forma mais
humanitária de aplicação da sanção penal. O período humanitário foi guiado pelos
pensamentos de Cessare Beccaria. Ele abandona o caráter cruel e irracional da aplicação da
pena, trazendo, portanto, uma maior proporcionalidade entre o crime e a respectiva sanção.
Assim sendo, as punições vão diminuindo de intensidade, tendo intervenções, pois há uma
considerada diminuição nos crimes de sangue. Apesar disso, o autor faz severas críticas a este
movimento, pois para ele o discurso dos humanitaristas tratou-se meramente de um discurso
político e econômico sustentado pelos burgueses, que buscavam a diminuição dos crimes
patrimoniais. Disciplina Para o autor, a ideia, e até mesmo a missão de acabar por completo
com o sistema penitenciário é deveras complexa e chega a ser irrealizável. O motivo é que,
segundo Foucault, a prisão como conhecemos hoje é apenas uma etapa em direção ao
disciplinamento do indivíduo, o qual passaria por várias etapas, como por exemplo a família,
a escola e as estações de trabalho. Desta forma, a prisão seria a última medida de controle
sobre o indivíduo, a qual seria empregada apenas quando as demais instituições disciplinares
fracassassem, de modo que, em resumo, derrubar a prisão seria o mesmo que derrubar as
instituições disciplinares. Foucault lembra, em determinado momento no livro, que “[...] a
disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’. A disciplina
aumenta as forças dos corpos (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas
forças (em termos políticos de obediência) [...].” (p. 164 – 165) Assim, é necessário entender
que é impossível dissociar a existência das instituições disciplinares com o lado econômico,
em especial com a burguesia. Foucault diz que a disciplina era (e ainda é) utilizada como uma
forma impedir que o subordinado se voltasse contra as ordens emanadas pelo “superior”. Ora,
o mundo ideal para um burguês é justamente aquele em que o seu subordinado faz o que ele
manda sem questionamentos, de modo que trabalha sem revolta e gera, por consequência,
mais riquezas para ele. Esta parte do livro sob análise é subdivida em três capítulos, sendo
eles os “corpos dóceis”, os “recursos para o bom adestramento” e o “panoptismo”. Na visão
do autor, um corpo dócil é aquele que pode ser utilizado, submetido a transformações e
aperfeiçoamentos, ou seja, um corpo dócil é aquele que é facilmente manipulável,
disciplinável, subjugável. No subcapítulo “corpos dóceis” o autor descreve quatro
mecanismos disciplinares na formação de corpos dóceis. O primeiro é o chamado de “arte das
distribuições”. Deste subcapítulo pode-se retirar o entendimento de que a produção de um
corpo dócil só é possível através de uma distribuição no espaço físico. Aqui, Foucault
certifica que a massa (popular) confusa se torna ferramenta de trabalho eficiente, o que deixa
evidente a ligação da disciplina como um mecanismo de controle a ser utilizado a favor da
burguesia. O segundo mecanismo seria o “controle das atividades”, de forma a limitar o
horário e controlar o tempo. Em síntese, o correto seria pregar pela a ausência de ociosidade,
de modo que não eram permitidas distrações e “vagabundagem” por parte dos vigiados. A
“organização das gêneses”, por sua vez, determina que o indivíduo a ser docilizado passa por
várias etapas de formação, seu processo é dividido em classes, medido por provas, melhorado
por exercícios. Por fim, a “composição das forças” estabelece que todo treinamento converge
para um ponto máximo onde a composição de forças gera o máximo de eficiência, sendo que
a máquina articulada não permite refletir, o corpo treinado se liga e se reproduz. Na última
parte o livro, que talvez seja a mais conhecida da obra, Foucault disserta sobre o panoptismo,
que foi desenvolvido por Jeremy Bentham no final do século XVIII, mais precisamente em
1791, sendo que a sua a expressão deriva da palavra grega “Panopticon”, a qual significa “o
que tudo vê”. Este sistema acreditava na hierarquia e no constrangimento espacial como
estratégias para atingir o controle sobre as pessoas. Ele induz na pessoa observada um estado
consciente e permanente de visibilidade, o que, segundo declarou Foucault, assegura o
funcionamento automático do poder. O panoptismo encontra-se presente não só no nosso
sistema penitenciário, mas também nos locais em que há convivência social, com a utilização
de câmeras. Prisão Atualmente, diversas são as críticas a respeito da situação carcerária
brasileira, sendo inclusive falado na falência do sistema carcerário, que é falho não só no seu
papel de ressocialização dos condenados, mas na oferta de condições minimamente dignas de
humanidade. Diante disso, resta indagar o motivo da pena privativa de liberdade continuar
sendo a principal forma de expressão do poder punitivo estatal, mesmo com um sistema
falido. Foucault tem uma boa explicação para isso. Segundo ele, a função real (oculta) da
pena, ao contrário do que pregaram os juristas, não tem por objetivo o combate à
criminalidade, mas simplesmente busca criá-la. “Se tal é a situação, a prisão, ao
aparentemente “fracassar”, não erra seu objetivo; ao contrário, ela o atinge na medida em que
suscita no meio das outras uma forma particular de ilegalidade, que ela permite separar, pôr
em plena luz e organizar como um meio relativamente fechado mas penetrável. Ela contribui
para estabelecer uma ilegalidade, visível, marcada, irredutível a um certo nível e secretamente
útil — rebelde e dócil ao mesmo tempo; ela desenha, isola e sublinha uma forma de
ilegalidade que parece resumir simbolicamente todas as outras, mas que permite deixar na
sombra as que se quer ou se deve tolerar. [...]” (p. 304) Em outras palavras, a prisão não é um
fracasso, mas sim, um sucesso, porque ela consegue, como nenhuma outra instituição,
produzir uma espécie de delinquência organizada, que normalmente é violenta. É pensando
nisso, que se procurou durante muito tempo implementar o sistema panóptico dentro do
sistema penitenciário, pois este tem por objetivo exercer a disciplina sobre os condenados, a
fim de limitar o espaço do desviante, de modo a coibi-los de elaborem planos e montarem
rebeliões contra o próprio sistema penitenciário. É na parte final do livro que Foucault resume
a tese principal de seu livro ao mostrar que antes da prisão ser inaugurada como peça das
punições, ela já havia sido gestada na sociedade a partir do momento em que os mecanismos
de poder repartiam, fixavam, classificavam, extraíam forças, treinavam corpos, codificavam
comportamentos, mantinham sob visibilidade plena, constituíam sobre eles um saber que se
acumulava e se centralizava sobre os indivíduos. Foucault encerra o livro com um texto
anônimo publicado no jornal La Phalange, de 1836, para mostrar que os mecanismos
apresentados em “Vigiar e Punir” não são o funcionamento unitário de um aparelho
(finalizado e vencedor), mas são estratégias postas em uma batalha que até hoje não cessou.
Considerações Finais:
Em Vigiar e Punir, Michel Foucault mostra por que a Justiça deixou de aplicar torturas
mortais e passou a buscar a "correção" dos criminosos. Embora esteja longe de ser um
romance, o livro Vigiar e Punir começa com uma narrativa eletrizante, capaz de revirar os
estômagos mais sensíveis. O livro traz a compreensão de que o poder não é só uma força
exercida verticalmente, de cima para baixo, mas atravessa e constitui cada espaço das relações
no interior das sociedades. Em Vigiar e Punir, Foucault debruça-se sobre os processos
disciplinares nas prisões, em especial na França. Reflete o motivo pelo qual as torturas deram
lugar ao encarceramento das prisões, pretendendo que essa fosse a forma mais adequada de
correção. Pode-se falar que, segundo Foucault, a lei é simbolizada no corpo punido. A mesma
lei que é desrespeitada é a que impõe suplícios e expressa a vontade do soberano, segregando,
também, o agressor (criminoso). A lei aplicada é executada procedimentalmente, num
verdadeiro teatro político a condição de aceitação da prisão é a coerção: uma sociedade inteira
baseada no princípio de que vigiar é mais produtivo que punir. Em suma, este novo plano de
imanência, que brota de determinadas condições históricas, estabelece o nexo entre a punição
e o cotidiano moral.
Autor da Resenha:
Lorena Povoas Advocacia militante e combativa Advogada com atuação em Direito Penal e
Direito de Família na cidade de Salvador - Ba, formada pela Universidade Católica do
Salvador e pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal. Atendimento personalizado e
focado em uma advocacia combativa e militante.
Referências Bibliográficas:
https://lorepovoas.jusbrasil.com.br/artigos/828900881/vigiar-epunir-resenha-critica