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INSPSIC - Instituto Português de Psicologia e Outras Ciências

Especialização Avançada Pós-Universitária em Psicoterapias Cognitivo-


Comportamentais - 6ª Edição - Livestream 2021/2022

Estudo de Caso

Terapia Cognitivo-Comportamental em Caso de Expatriada em Processo de Separação

Ana Sofia Ganchas Soeiro de Pinho Batista


2022
TCC COM EXPATRIADA EM PROCESSO DE SEPARAÇÃO 2

Sumário

Este estudo de caso baseia-se na descrição da abordagem cognitivo-comportamental para o


tratamento de sintomas ligeiros de ansiedade, depressão, e stress, no caso de uma mulher
expatriada em Portugal, em situação de separação marital eminente.
O processo terapêutico é descrito em três fases, bem como quais as abordagens cognitivo-
comportamentais específicas. Nomeadamente, quais as hipóteses testadas ao nível de cada
queixa: o stress e ansiedade causados pelo medo da separação, o stress causado pela situação
profissional, e a depressão causada pelo isolamento social agravado pelo teletrabalho.
Em contexto terapêutico, foi trabalhada a restruturação cognitiva com efeitos de alteração
comportamental relativamente à relação com o marido, à integração em Portugal e vida
social, à vida profissional, e à auto-estima.

Palavras-chave: Terapia cognitivo-comportamental; expatriada; separação marital.


TCC COM EXPATRIADA EM PROCESSO DE SEPARAÇÃO 3
ÍNDICE

HISTÓRIA CLÍNICA
1.a. Dados biográficos ……………………………………………………………………. 4
1.b. Motivo da primeira consulta ………………………………………………………… 4
1.c. Exame do estado mental ……………………………………………………………… 4
1.d. História do desenvolvimento ………………………………………………………… 5
Antecedentes pessoais …………………………………………………………….. 5
Vida escolar, profissional e social ………………………………………………… 5
Antecedentes familiares / ambiente familiar …………………………………….. 5
1.e. Dificuldades actuais / História do problema ………………………………………… 6
Situações problema, pensamentos e comportamentos ………………………….. 6
Contexto ……………………………………………………………………………. 6
Frequência/intensidade do problema …………………………………………….. 7

AVALIAÇÃO
2.a. Definição do pedido ……………………………………………………………………. 7
2.b. Discussão diagnóstica / hipóteses a testar ……………………………………………. 7
2.c. Exames complementares de diagnóstico / Escolha dos instrumentos ………………. 9
2.d. Descrição da aplicação ………………………………………………………………… 9

PSICODIAGNÓSTICO
3.a. Avaliação cognitiva …………………………………………………………………… 9
3.b. Estudo da personalidade …………………………………………………………….. 9
3.c. Avaliação da sintomatologia psicológica ……………………………………………. 9

INTERVENÇÃO
4.a. Proposta terapêutica …………………………………………………………………. 9
4.b. Descrição do processo terapêutico ………………………………………………….. 10
4.c. Avaliação do processo terapêutico ……………………………………………………
11

Referências bibliográficas ………………………………………………………………… 12


TCC COM EXPATRIADA EM PROCESSO DE SEPARAÇÃO 4

HISTÓRIA CLÍNICA

1.a. Dados biográficos

Nome: M
Idade: 42
Sexo: Feminino
Grau de escolaridade: Licenciada
Agregado familiar: Mãe de uma menina de 5 anos, a viver com o marido e pai da filha.

1.b. Motivo da primeira consulta

A M chegou à consulta por sentir-se “perdida em si mesma”. A maior queixa é o stress que
sente que diz provocar-lhe ansiedade no dia-a-dia. Afirma que esse stress é principalmente
ligado à relação com o marido e ao isolamento que sente por estar a trabalhar exclusivamente
a partir de casa.

Tem como objectivo aprender a controlar o stress e a ansiedade para ter uma vida mais
harmoniosa.

Pretende ter apoio para conseguir lidar com separação iminente que está a viver com o
marido pois tem muito receio que essa separação tenho um impacto negativo na filha.

1.c. Exame do estado mental

A M mostra-se-se visivelmente emotiva, sem conseguir conter as lágrimas na maior parte da


primeira consulta. Expressa-se surpreendida com o seu próprio estado emocional porque
sente falta de controlo sobre si própria.

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No decorrer das consultas, mostra-se emocionalmente mais estável, ainda que reactiva no que
toca ao relacionamento com o marido. Quando a separação é abordada tem geralmente
dificuldade em conter as lágrimas.

1.d. História do desenvolvimento

Antecedentes pessoais

Sentiu o seu primeiro ataque de pânico aos 21 anos. Desde então, tem praticado yoga e
meditação, o que diz ajudar a manter a ansiedade algo controlada. Diz não se sentir em perigo
de experienciar ataques de pânico actualmente.
Diz ser uma pessoa algo controladora, que gosta de ter tudo bem estruturado. Diz que esta
faceta mais controladora contribui para muitas das discussões que têm com o marido, que diz
preferir ter uma vida “mais espontânea”.
Recorreu a terapia para o luto do seu pai, que faleceu em 2018. Deixou a terapia quando se
mudou para Portugal, por volta da mesma altura.

Vida escolar, profissional e social

Mudou-se para Portugal desde o Reino Unido em 2018. Trabalha a partir de casa como
assistente pessoal e professora de inglês.
No Reino Unido costumava frequentar aulas de dança, onde conheceu o actual marido.
Tem grande satisfação em dar aulas de Inglês, as quais gere de forma independente. Quanto
ao emprego como assistente pessoal, tem uma grande insatisfação com a sua chefe, que
descreve como abusiva e geradora de grande stress emocional.

Antecedentes familiares / ambiente familiar

Ao longo da vida, a mãe sofreu de depressão e ansiedade, enquanto o pai foi sempre o seu
maior suporte emocional. No ambiente familiar, era esperado que ela fosse um ponto de

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apoio para a mãe, o que a desgastava emocionalmente, fazendo-a sentir uma grande
responsabilidade pelo bem-estar da mãe.

No ambiente familiar que vive hoje, descreve ter um relacionamento de grande entre-ajuda
com o marido. No entanto, é muitas vezes acusada de ser controladora, e de querer falar
demasiado dos pormenores da relação. Isto causa-lhe angústia, por sentir que não consegue
ser a pessoa que o marido gostava que ela fosse: mais divertida e descontraída.

1.e. Dificuldades actuais / História do problema

Não consegue aceitar que o relacionamento com o seu marido esteja à beira da ruptura. Tem
medo da separação e do que esta representará na sua vida e na vida da sua filha.
O casal, ainda que esteja a viver na mesma casa, decidiu separar-se por uns meses e coabitar
apenas para facilitar a gestão das responsabilidades parentais.
Isto é uma situação difícil para a M. que muitas vezes se sente assustada e descontente com o
rumo que a sua vida familiar está a tomar. A M sente-se particularmente descontente com a
falta de comunicação do casal, o stress que sente diariamente relativamente às suas tarefas
profissionais e familiares, e a reatividade emocional que sente muitas vezes, dificultando a
convivência com o seu marido.

Situações problema, pensamentos e comportamentos


A partilha da casa com o marido mas dormindo em separado causa-lhe desconforto
emocional. É recorrente pensar que “vai acabar sozinha”, e que “a situação vai traumatizar a
filha para o futuro”. Isto leva-a a tentar repetidamente estabelecer um diálogo com o marido
que se mostra cada vez menos disponível.

Contexto
Ao nível da gestão parental, a relação funciona muito bem. O marido é completamente
disponível para ajudar o que é necessário e existe uma boa comunicação entre os dois nesse
aspecto.
A filha ainda não se apercebeu da distância entre os pais.
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No trabalho, a relação com a chefe é problemática visto que esta tem um estilo de liderança
abusiva, o que causa um estado continuado de stress.

Frequência/intensidade do problema
O estado de ansiedade e a reactividade emocional da M é descrito como uma experiência
diária. Este estado não afecta a sua capacidade de trabalhar mas afecta de forma negativa a
qualidade da sua vida quotidiana.

AVALIAÇÃO
2.a. Definição do pedido

Quer aprender a controlar o stress e a ansiedade.


Quer apoio na gestão da relação com o seu marido (separação ou reconciliação).
Quer melhorar a auto-estima de forma a conseguir melhorar os seus relacionamentos em
geral.

2.b. Discussão diagnóstica / hipóteses a testar

- O stress e ansiedade podem estar relacionados com a sua rotina actual.


Toda a sua vida é passada em casa. Trabalha em casa e queixa-se do estilo de
liderança da sua chefe, sendo esta uma forte causa de stress e desgaste psicológico.
Tem também que lidar com a situação frágil do seu casamento em casa, não lhe dando
possibilidade de encontrar em casa um espaço de relaxamento e recarregamento.
Visto que isto passou-se em tempo de pandemia, não houve também hipóteses de
cultivar uma vida social ativa.

Hipótese: introduzir algum elemento na sua rotina fora de casa, possibilitando uma mudança
de ambiente e alguma interacção social para além do trabalho e família, ajudando assim a
reduzir os níveis de stress (Hou et all., 2019).

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- A falta de comunicação do casal pode dever-se a uma falta de alinhamento na percepção da
realidade e expectativas do casal (Andersen & Przybylinski, 2018).
A M descreve que muitas vezes quer sentar-se para conversar com o marido sobre os
problemas da relação e que o marido não mostra abertura para estas. Esta atitude por parte do
marido acaba por resultar num afastamento de ambas as partes que cada vez se torna mais
acentuada. A M descreve também que se sente fria e fechada para com o marido devido a esta
falta de comunicação.

Hipótese: seria interessante experimentar com uma nova abordagem comportamental e


emocional, em que a M deixaria que insistir em conversas sobre o relacionamento e mudar a
sua atitude fria e fechada, para uma atitude mais amigável e de companheirismo.
Incentivando assim uma comunicação diferente, não baseada em conversas longas sobre o
relacionamento mas assente num dia-a-dia mais harmonioso e construtivo, com menos
negatividade (Williamson, 2021).

A diminuição da auto-estima pode estar a ser reforçada pela falta de exposição a desafios
externos e à falta de socialização.
A M descreve que costumava ser uma pessoa com uma vida social ativa e que neste
momento sente que “perdeu essa parte de si”.

Hipótese: A introdução de novas vivências exteriores à vida profissional e familiar poderá


causar um impacto positivo na sua auto-estima (Mashayekhi et all., 2011b; Campagne, 2019).

A ansiedade relativamente à separação podem estar ligados ao facto da M sentir não ter uma
independência sustentável para manter a sua vida em Portugal.
A M sente-se numa situação precária, em que se perder o marido não será capaz de se
manter em Portugal, o que a colocará numa situação complicada relativamente à custódia da
filha.

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Hipótese: A avaliação desta crença e exploração da sua situação em termos mais concretos
poderá resultar no entendimento mais objectivo da sua situação actual, e na obtenção de
diferentes soluções para a sua vida pós separação, ajudando-a a lidar com a situação de forma
mais construtiva (Bleidorn et all., 2021).

2.c. Exames complementares de diagnóstico / Escolha dos instrumentos


Não foram utilizados exames complementares de diagnóstico.
Neste caso, seriam possivelmente recomendáveis:
- Inventário de Depressão e Ansiedade de Beck (BDI-II e BAI, respectivamente),
- Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (ISSL)

2.d. Descrição da aplicação


Não aplicável ao caso.

PSICODIAGNÓSTICO
3.a. Avaliação cognitiva
Não foi feita uma avaliação cognitiva.

3.b. Estudo da personalidade


Não foi feito um estudo da personalidade

3.c. Avaliação da sintomatologia psicológica


A M mostra sintomas ligeiros de depressão, ansiedade, e stress, que não afetam
negativamente o seu funcionamento diário mas que impedem uma gestão da mudança de vida
de forma construtiva.

INTERVENÇÃO
4.a. Proposta terapêutica

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- Reenquadramento cognitivo-comportamental relativamente à comunicação do casal, na
adoção experimental de uma nova postura, mais aberta, amigável, disposta a comunicar por
meio de atos e não só palavras.

- Reenquadramento cognitivo relativamente à separação, avaliando a veracidade da crença


relativamente à independência e sustentabilidade da sua vida em Portugal.

- Gestão de stress e recuperação da auto-estima por meio de exposição a ambientes externos


à vida profissional e familiar que lhe proporcionem emoções positivas.

- Gestão de stress e ansiedade por meio da adoção de práticas regulares de auto-cuidado


físico e emocional, tais como a prática de meditação, yoga, ou journalling.

4.b. Descrição do processo terapêutico


A M foi acompanhada durante um ano, com consultas regulares, quinzenalmente.
A primeira fase concentrou-se em fazer uma educação psicológica, relativamente à
teoria cognitivo-comportamental e como esta se pode aplicar no dia-a-dia, face a
pensamentos, emoções, e comportamentos negativos.
A segunda fase concentrou-se em fazer o acompanhamento da separação, que acabou
por ser acordada entre o casal, dando suporte emocional e reforçando a prática das técnicas
aprendidas na primeira fase.
A terceira fase concentrou-se no acompanhamento de situações práticas da gestão do
bem estar psicológico, relativamente à adaptação e integração numa nova vida enquanto
pessoa separada.
O processo terapêutico foi concluído com uma revisão do processo, salientando as
aprendizagens e desenvolvimento de competências. Foi ainda dada à M a possibilidade de
voltar à consulta sempre que sentir necessidade de suporte ou de relembrar as aprendizagens
em potenciais momentos de fragilidade.

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4.c. Avaliação do processo terapêutico


A M. mostrou em todo o processo terapêutico a flexibilidade cognitivo-comportamental para
acatar as sugestões terapêuticas e colocá-las em prática. A M demonstrou também ter uma
grande capacidade de insight, o que facilitou o reconhecimento do efeito terapêutico nas
mudanças postas em prática.
A M tomou a iniciativa de se inscrever num grupo de atividade física com uma componente
social associada, o que lhe permitiu conhecer pessoas novas, e viver novas experiências. Isto
não só foi positivo ao nível da gestão do stress relativamente ao trabalho, como também ao
nível da auto-confiança. Esta experiência permitiu que a M voltasse a sentir-se uma pessoa
capaz de encarar desafios sozinha, e passar por experiências à parte do seu núcleo familiar.
Isto deu-lhe um sentimento de enriquecimento experiencial de vida, o que lhe potenciou uma
atitude diferente perante a sua vida familiar e profissional. A M sentiu-se mais confiante nas
suas capacidades como pessoa independente, separada do marido.
Esta mudança no nível de confiança, ajudou-a a ter uma atitude mais moderada e tranquila,
com o marido e com os problemas da relação.
O casal acabou por decidir seguir em frente com a separação, e a separação foi encarada, pela
M e pelo marido, como um passo positivo no relacionamento entre os dois, e foi ultrapassada
com uma gestão prática e de carga emocional adequada.
Devido à melhoria na comunicação, o casal tem hoje um relacionamento amigável e
consegue fazer a gestão da responsabilidade parental de forma diplomática, com uma atitude
de entre-ajuda, e amizade.
A M focou-se também em melhorar a sua situação profissional e de integração em Portugal.
Neste sentido, conseguiu encontrar outras oportunidades de trabalho como assistente pessoal
e aumentar o número de estudantes de Inglês, conseguindo assim a eliminação da relação de
trabalho abusiva que vivia com a sua antiga chef e uma maior capacidade financeira.
A M. tem recorrido ainda a algumas consultas esporádicas, mas para um suporte mais de
coaching, no que toca aos desafios da sua vida atual.
O processo terapêutico deste caso é avaliado como tendo sido bem sucedido, e sem
abordagens alternativas específicas a apontar.

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Referências bibliográficas
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Campagne, D. M. (2019). Stress and perceived social isolation (loneliness). Archives of

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Hou, W. K., Lai, F. T. T., Hougen, C., Hall, B. J., & Hobfoll, S. E. (2019). Measuring

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