Você está na página 1de 4

Administrar a estratégia é administrar a mudança

Administrar a estratégia é, em essência, administrar a mudança. Essa simples


observação acrescenta uma dimensão importante ao assunto da estratégia, que é
freqüentemente negligenciada. A estratégia tem um lado pesado e um lado suave.
O lado pesado envolve descrever a estratégia – com mapas e mensurações – e
executá-la – com processos e procedimentos. O lado suave, embora menos
compreendido, não é menos importante. Envolve liderança, cultura e trabalho em
equipe – todas condições prévias para a mudança organizacional. Executar a
estratégia é executar a mudança em todos os níveis de uma organização. Para
termos sucesso, precisamos ter um melhor entendimento do lado suave.

Uma revisão recente das organizações do nosso Balanced Scorecard Hall of Fame
revelou alguns pontos em comum notáveis. Cada uma delas estava introduzindo
uma nova estratégia na época em que estava implementando o Balanced
Scorecard. Estas estratégias definiam novas proposições de valor para o cliente,
novos produtos, novos processos de trabalho, novas habilidades, novas tecnologias
e novas culturas. Em resumo, as novas estratégias exigiam que tudo mudasse. O
tema da administração de mudança era prioritário na agenda de cada executivo.
Embora cada uma delas tenha abordado o processo de modo diferente, todas
passaram por três fases semelhantes...

Fase I – Mobilização: um período de três a seis meses dedicado a criar o clima a


nível executivo, comunicando a necessidade de mudança, construindo a equipe de
liderança, e esclarecendo a visão e a estratégia. Balanced Scorecards ajudaram a
esclarecer a estratégia.

Fase II – Desenho & Disseminação: um período de seis meses, no qual a nova


estratégia foi disseminada nos níveis mais altos da organização. Foram usados
Balanced Scorecards para cascatear, ligar e alinhar esse processo de disseminação.
Foram alcançados resultados imediatos e significativos.

Fase III – Execução Sustentada: um período de 12 a 24 meses, onde a estratégia


foi integrada ao trabalho do dia-a-dia e à cultura da organização. Foram usados
Balanced Scorecards para educar e alinhar as pessoas. Foram gerados resultados
sustentados, de longo prazo.

Embora suas abordagens e estilos tenham diferido, cada organização foi capaz de
alcançar resultados dramáticos rapidamente em dois a três anos e, ademais,
sustentar esses resultados estratégicos durante quatro a cinco anos. E, embora
cada uma tenha usado seu sistema de gerencial de modo diferente, no final de três
anos cada uma tinha construído um sistema gerencial novo e quase idêntico em
forma e função. Cada uma tinha criado uma Organização Orientada para a
Estratégia (OOE). Podemos tirar algumas lições valiosas delas sobre o processo de
administrar a estratégia e, conseqüentemente, de administrar a mudança.

A Organização Orientada para a Estratégia

Nossa pesquisa em organizações bem-sucedidas do Balanced Scorecard, descrita


em meu livro em conjunto com Robert Kaplan, Organização Orientada para a
Estratégia, identificou cinco princípios aplicados por toda organização...
 mobilizar a mudança através da liderança executiva – os executivos tomam
a iniciativa de administrar a mudança necessária para apoiar a estratégia.
 traduzir a estratégia em um Balanced Scorecard – crie um Balanced
Scorecard que traduza a estratégia em termos operacionais.

1
 alinhar a organização à estratégia – use o Balanced Scorecard para ligar as
metas da corporação, linhas de negócio e unidades de apoio.
 transformar a estratégia em trabalho de todos – eduque, dê autonomia e
incentive as pessoas em todos os níveis da organização para executar a
estratégia.
 converter a estratégia em processo contínuo – através do Balanced
Scorecard, ligue o processo de governança – orçamento, relatórios,
planejamento, revisões – à estratégia.

Fase I – mobilização

Antes do termo Balanced Scorecard sequer ser mencionado, cada uma de nossas
prósperas OOEs passou por um processo de posicionamento a nível executivo. Cada
uma começou por esclarecer a necessidade de mudança dentro de suas
organizações. Algumas, como a Mobil, CIGNA, e AT&T Canadá, estavam com
desempenho muito ruim. Se o empenho não melhorasse, elas desapareceriam. O
papel executivo era dar um alerta para a organização de que desempenho medíocre
não seria tolerado. Em outros casos, como Wells Fargo e UPS, a nova tecnologia –
internet – ameaçava permitir aos competidores superar os líderes de indústria
tradicionais. Aqui, o papel executivo era de dar um alerta sobre a ameaça e apelar
para o orgulho organizacional de permanecer número um. Cada organização
desenvolveu uma visão e as linhas gerais duma estratégia.

No coração de cada estratégia havia uma mudança fundamental na proposição de


valor para o cliente. A Mobil estava mudando da competição baseada no preço
duma commodity para se tornar varejista de loja de conveniência. A Brown & Root
estava mudando da competição baseada no preço de serviços de engenharia para
ser um parceiro de soluções, que compartilharia os riscos e recompensas com o
cliente. A Wells Fargo estava mudando de banco tradicional para banco de internet,
com custos e conveniências radicalmente diferentes. O uso do cliente como foco
das novas estratégias teve um papel importante no processo de mudança. Fez a
organização olhar além dos papéis internos tradicionais para um novo campo
externo, onde regras e papéis ainda não tinham sido definidos.

Finalmente, cada organização desenvolveu uma equipe de liderança para dirigir o


processo de mudança. Foram acrescidos novos rostos às equipes tradicionais de
executivos, refletindo as novas competências requeridas pela estratégia. Executivos
de Marketing, Recursos Humanos, e Tecnologia descobriram freqüentemente que
seus papéis tinham sido elevados. Mais importante, as sementes para
responsabilidade da equipe foram semeadas. Executar a estratégia requer
comportamento interfuncional integrado: o oposto das estruturas tradicionais de
poder, construídas em torno de silos funcionais ou departamentais. A criação de
uma visão holística da estratégia e o papel executivo de apoiá-la foram importantes
pontos de partida num processo de mudança que seria revisitado continuamente
nos meses e anos seguintes.

Fase II – desenho & disseminação

A fase de Desenho & Disseminação tem o objetivo de gerar movimento no topo da


organização. Geralmente requer cerca de seis meses para esclarecer as estratégias
e definir as ligações entre o nível corporativo, unidades de negócios e unidades de
apoio. O Balanced Scorecard tem um papel essencial, de duas maneiras: 1– ajuda a
definir melhor a estratégia e construir consenso do time executivo; e 2– cria uma
ligação forte entre as unidades da organização. Embora o time executivo seja
formado durante a fase de Mobilização, um verdadeiro comportamento de equipe

2
ainda tem de ser desenvolvido. O compartilhamento da visão e da estratégia ocorre
em graus variados. O desenvolvimento do Balanced Scorecard leva esses dois
ingredientes de mudança ao próximo nível. A Rockwater, especializada em
construção submarina, foi formada através de uma fusão. O desenvolvimento do
Balanced Scorecard foi usado para ajudá-la a clarificar a nova estratégia. Durante a
fase de Desenho, a Rockwater descobriu que cada uma das organizações
antecessoras tinha uma visão diferente da proposição de valor para o cliente: uma
competia em preço, a outra em relações de valor agregado. Trabalhando este
assunto juntos no contexto do BSC da nova companhia, pode desenvolver uma
estratégia dupla de marketing que a levou à liderança da indústria, tanto em
crescimento como em lucros. Mais importante, a Rockwater desenvolveu consenso
de equipe sobre a proposição de valor para o cliente e a estratégia para ir adiante.
Os executivos sentiram que, sem o exercício de scorecard, esses pontos de vista
discrepantes sobre o cliente, baseados na cultura de duas organizações diferentes,
teriam permanecido escondidos, levando a conflito e confusão em vez de ser uma
fonte de diferenciação e liderança do mercado.

A National Reconnaissance Organization – NRO –, operadora da rede americana de


inteligência com base em satélite, surgiu no final da Guerra Fria. O executivo
principal dessa agência governamental decidiu desenvolver um Balanced Scorecard
para ajudar a esclarecer a estratégia da nova e mais pública NRO. Num excelente
artigo sobre o processo de mudança, o Dr. Julie Chesley, então diretor de
planejamento estratégico, descreveu como o desenvolvimento do modelo
estratégico da NRO facilitou o debate e a discussão, particularmente sobre como
definir o cliente. Construir o Balanced Scorecard foi de fato o veículo para construir
uma visão compartilhada – e uma equipe – de um grupo de executivos com
perspectivas e prioridades tremendamente diferentes.

Assim que o Balanced Scorecard tenha sido desenvolvido no topo da organização,


ele é então cascateado para o próximo nível de unidades de negócios e unidades de
apoio. A fase de Desenho & Disseminação amplia o processo de mudança, mas
ainda é limitado aos níveis superiores da organização. A liderança de cada unidade
de negócios precisa se tornar confortável com a abordagem, esclarecer suas
estratégias, ligar seus scorecards com os níveis mais altos e unidades semelhantes,
e começar a trabalhar com o novo contexto. Essa fase do programa cria o clima
para mudança no topo da organização – na Mobil, uma organização de 7 mil
empregados, um total de 18 unidades de negócios e 14 unidades de apoio tinham
desenvolvido scorecards na conclusão dessa fase. Isso criou novo foco e um
contexto para discutir a estratégia. Mas a fase de Desenho & Disseminação produz
mais que discussão; as organizações recebem benefícios imediatos. Por exemplo, o
Chemical Bank e a BC Hydro usaram seus BSCs recém projetados para priorizar
programas de investimento. Ambas conseguiram economias consideráveis
cancelando programas que não impactavam o scorecard. A CIGNA e a Mobil usaram
o scorecard como racional para eliminar ativos e linhas de negócio de desempenho
fraco. O foco simples fornecido pelo BSC permitiu um rápido retorno na busca de
benefícios estratégicos mais sustentados.

Fase III – execução sustentada

A Estratégia é formulada no topo, mas executada nos níveis abaixo. Para sustentar
o desempenho de uma organização ao longo do tempo são necessários dois
ingredientes: 1– todos têm de entender a estratégia e ajustar seu comportamento
e atividades adequadamente; e 2– o processo de governança deve ser ligado à
estratégia. Em outras palavras, um modo novo de gerenciar – focado na estratégia
– tem de emergir. A Fase III do processo de mudança cumpre esses objetivos.

3
Primeiro, a diretoria tem de organizar suas reuniões de rotina em torno do
scorecard. Isto deve começar dentro de 60 dias do desenho do BSC. Um sistema de
informação simples é adequado para começar, mas o valor real e sustentável do
novo processo gerencial virá de usar a informação para analisar coisas como
lucratividade por cliente, qualidade de produto e habilidades dos empregados.
Planos para um sistema de informações mais sofisticado e duradouro devem ser
postos em vigor depressa.

A comunicação da estratégia aos empregados é outra prioridade. Comunicação não


é um evento que ocorre uma só vez; deve ser explicativa e contínua. A
comunicação pessoal tem o maior impacto. Os executivos-sênior do Hilton Hotel
visitaram pessoalmente cada uma das suas centenas de propriedades para fazer a
disseminação da estratégia e do BSC. Outras organizações incluem treinamento de
BSC no programa de orientação de novos empregados. A Ann Taylor criou um jogo
de tabuleiro criativo, baseado em seu BSC e na estratégia, que permitiu aos
empregados se divertirem enquanto aprendiam em mais de 600 lojas nos Estados
Unidos.

Essa nova consciência da estratégia é institucionalizada quando é firmemente


incluída nos processos de administração da organização. Abordagens de
Administração por Objetivos – APO – para estabelecer objetivos individuais, como
também remuneração por incentivos são ligadas ao BSC. O processo orçamentário
e programas gerenciais operacionais como Seis Sigma são ligados ao BSC para
assegurar alinhamento estratégico. Quando isso é realizado, a organização
completou uma significativa transformação. Ela não apenas tem uma nova
estratégia, mas a habilidade para executar essa estratégia. É essa última
capacidade que permite que o desempenho seja sustentado. Esse estado
transformado é o que chamamos uma Organização Orientada para a Estratégia. E a
habilidade de administrar a estratégia administrando a mudança é talvez o maior
recurso que uma companhia pode ter, para lidar com o mundo de incerteza no qual
vivemos.

Fonte
NORTON, David P. Administrar a estratégia é administrar a mudança. Disponível
em: <http://www.companyweb.com.br/lista_artigos.cfm?id_artigo=216>. Acesso
em: 27 ago 2004.

Você também pode gostar