Você está na página 1de 6

CASO 1

Considere as seguintes situações, e diga se estamos ou não perante a prática de um crime a título
negligente.

1. A vai a conduzir um automóvel a 40 km/h e, inesperadamente, surge uma criança, a atravessar


a rua inadvertidamente, que A acaba por atropelar, por não ter tempo de travar.

Não está preenchido o requisito da previsibilidade, pelo facto de a criança ter surgido
“inesperadamente” e atravessou a rua “inadvertidamente”.
Não há intenção de praticar o facto ilícito, portanto, como muito, o problema que se coloca é de
saber se se trata de um crime negligente. Para ter um crime negligente tem de estar preenchidos
dois planos: o plano de tipo de ilícito negligente e o plano da culpa negligente.
Em relação ao primeiro, temos desvalor do resultado, mas não da ação (não existiu violação do
dever objetivo de cuidado – um condutor consciente e cuidadoso, que cumpre com as regras do
código da estrada, não estaria em condições, naquele contexto, de prever que aquilo podia
acontecer), e relação de adequação entre o resultado e a conduta que foi praticada.
Tudo leva a crer que não está preenchido o tipo de ilícito negligente, pelo que já não podemos
passar ao patamar da culpa negligente.

2. A, dentro duma localidade, conduz um automóvel a 60 km/h. De repente, surge uma criança na
Rua, inadvertidamente, que A acaba por atropelar.

Não está preenchido o requisito da previsibilidade, pelo facto de a criança ter surgido
“inadvertidamente”.
Não há intenção de praticar o facto ilícito, portanto, como muito, o problema que se coloca é de
saber se se trata de um crime negligente. Para ter um crime negligente tem de estar preenchidos
dois planos: o plano de tipo de ilícito negligente e o plano da culpa negligente.
Em relação ao primeiro, considerando que não se tratava de uma zona escolar, temos desvalor do
resultado, mas não da ação (não existiu violação do dever objetivo de cuidado – um condutor
consciente e cuidadoso, que cumpre com as regras do código da estrada, não estaria em
condições, naquele contexto, de prever que aquilo podia acontecer), e relação de adequação entre
o resultado e a conduta que foi praticada.
Tudo leva a crer que não está preenchido o tipo de ilícito negligente, pelo que já não podemos
passar ao patamar da culpa negligente.
3. A conduz a 40 km/h, quando vê ao longe um grupo de crianças a gritar na berma do passeio. A
continua à mesma velocidade, e entretanto, uma dessas crianças vem para o meio da estrada, e
acaba por ser atropelada.
Está preenchido o requisito da previsibilidade, pelo facto de haver um bando de crianças, que
brincam inconscientes, na berma do passeio.
Não há intenção de praticar o facto ilícito, portanto, como muito, o problema que se coloca é de
saber se se trata de um crime negligente. Para ter um crime negligente tem de estar preenchidos
dois planos: o plano de tipo de ilícito negligente e o plano da culpa negligente.
Em relação ao primeiro, temos desvalor do resultado e da ação (existiu violação do dever objetivo
de cuidado – um condutor consciente e cuidadoso, que cumpre com as regras do código da
estrada, estaria em condições, naquele contexto, de prever que aquilo podia acontecer), e relação
de adequação entre o resultado e a conduta que foi praticada.
Tudo leva a crer que está preenchido o tipo de ilícito negligente, pelo que temos de analisar a
questão da culpa negligente.
Era possível o condutor ter cumprido com o dever objetivo de cuidado, pois devia ter abrandado,
mesmo que, de acordo com o código da estrada, já se encontrasse dentro da velocidade
regulamentar. Quanto à previsibilidade subjetiva, também podemos considerar que há.

4. A anda a conduzir com óculos desactualizados, e não se apercebe da existência de uma


passadeira nas proximidades. A circulava a 50 km/h, e não se apercebendo da existência da
passadeira, ao passar por ela, acaba por atropelar uma pessoa. Quid iuris?

Não há intenção de praticar o facto ilícito, portanto, como muito, o problema que se coloca é de
saber se se trata de um crime negligente. Para ter um crime negligente tem de estar preenchidos
dois planos: o plano de tipo de ilícito negligente e o plano da culpa negligente.
Em relação ao primeiro, temos desvalor do resultado e da ação (existiu violação do dever objetivo
de cuidado – um condutor consciente e cuidadoso, que cumpre com as regras do código da
estrada, teria o cuidado de conduzir com os óculos atualizados), e relação de adequação entre o
resultado e a conduta que foi praticada.
Tudo leva a crer que está preenchido o tipo de ilícito negligente, pelo que temos de analisar a
questão da culpa negligente.
Era possível o condutor ter cumprido com o dever objetivo de cuidado, pois tinha de parar na
passadeira. Quanto à previsibilidade subjetiva, é duvidoso considerar que há, pois quando ele atua,
até podemos dizer que ele não podia prever o risco que existia, mas no momento também não
tinha como fazer melhor, porque não via o que se estava a passar. Isto poderia levar a excluir a
culpa do infrator, mas o agente, apesar de não conseguir fazer melhor quando atua, está a assumir
o risco ao conduzir nesse estado. Assim estamos perante o problema da culpa por assunção.
CASO 2
Aurora trabalha na casa de Benedita já há algum tempo, estando encarregada, não só dos
trabalhos domésticos como de tomar conta de Carolina, até às 17 horas, hora a que a mãe,
Benedita, costuma chegar. Carolina tem 3 anos e, como é natural nas crianças desta idade, é um
tanto irrequieta e curiosa.
Certa tarde, Aurora estava a fazer limpezas e deixou uma embalagem de lixívia aberta, em cima da
mesa da cozinha. Carolina andava a brincar, empurrando o carrinho da boneca de um para outro
aposento da casa; quando passou na cozinha, viu a embalagem de lixívia e resolveu pegar nela.
Para experimentar, sorveu um pouco do líquido. Ao sentir um sabor tão estranho, começou a
chorar e a gritar. Aurora apareceu e apercebeu-se do sucedido.
Nesse momento surgiu a mãe da criança, que a levou imediatamente ao hospital; aí, fizeram-lhe
uma lavagem ao estômago e deram-lhe um antídoto, evitando, assim, lesões graves.

Admite-se que houve ofensas à integridade física simples (art. 143º)


Está preenchido o requisito da previsibilidade, pelo facto de haver uma criança na casa e o dever
de Benedita é de cuidar dela e limpar a casa.
Não há intenção de praticar o facto ilícito, portanto, como muito, o problema que se coloca é de
saber se se trata de um crime negligente. Para ter um crime negligente tem de estar preenchidos
dois planos: o plano de tipo de ilícito negligente e o plano da culpa negligente.
Em relação ao primeiro, temos desvalor do resultado e da ação (existiu violação do dever objetivo
de cuidado – uma empregada consciente e cuidadosa, naquele contexto, teria a capacidade de
prever que aquilo podia acontecer), e relação de adequação entre o resultado e a conduta que foi
praticada.
Tudo leva a crer que está preenchido o tipo de ilícito negligente, pelo que temos de analisar a
questão da culpa negligente.
Era possível que Benedita tivesse cumprido com o dever objetivo de cuidado, pois devia ter tapado
a embalagem de lixívia e colocado num local inacessível à criança. Quanto à previsibilidade
subjetiva, também podemos considerar que haja, pois devia ser previsível para a empregada que
uma criança “irrequieta e curiosa” pegue nas coisas, sem noção dos danos que lhe pode causar.

CASO 3
João tem carta de condução há 10 anos e nunca teve qualquer acidente. Confiante na sua perícia
na condução, e porque se encontra atrasado para um encontro com a sua namorada, João conduz,
à noite, no centro da cidade, a 70 Km/hora, não abrandando nas passadeiras nem parando nos
sinais vermelhos, mas convicto de que tal conduta não é perigosa, uma vez que, àquela hora,
circula pouca gente nas ruas. No entanto, João, aflito com as horas, acaba por atropelar Daniel, ao
não parar numa passadeira onde o mesmo havia iniciado a sua travessia, deixando-o gravemente
ferido e em estado de inconsciência. Equacione a responsabilidade jurídico-penal de João pelo
atropelamento.

Está preenchido o requisito da previsibilidade, pelo facto de João estar a violar o código da estrada,
ser de noite e, certamente, ele estar algo agitado.
Não há intenção de praticar o facto ilícito, portanto, como muito, o problema que se coloca é de
saber se se trata de um crime negligente. Para ter um crime negligente tem de estar preenchidos
dois planos: o plano de tipo de ilícito negligente e o plano da culpa negligente.
Em relação ao primeiro, temos desvalor do resultado e da ação (existiu violação do dever objetivo
de cuidado – um condutor consciente e cuidadosa, naquele contexto, teria a capacidade de prever
que aquilo podia acontecer), e relação de adequação entre o resultado e a conduta que foi
praticada.
Tudo leva a crer que está preenchido o tipo de ilícito negligente, pelo que temos de analisar a
questão da culpa negligente.
Era possível que João tivesse cumprido com o dever objetivo de cuidado, pois devia ter parado na
passadeira. Quanto à previsibilidade subjetiva, também podemos considerar que haja.

CASO 4
A, médico, de serviço na urgência de um hospital, dada a noite fria que estava, resolveu ir deitar-
se, pois não havia ninguém para atender. Com tem dificuldades em adormecer, tomou um
comprimido. Entretanto, surge um doente em estado grave e a enfermeira acorda o médico que,
profundamente sonolento, ministra ao doente o medicamento errado, o que provoca a morte do
doente. Quid iuris?

Está preenchido o requisito da previsibilidade, pelo facto de o médico ter tomado um comprimido,
tendo ficado sonolento, o que não lhe permitiria pensar bem quando fosse atender alguém.
Não há intenção de praticar o facto ilícito, portanto, como muito, o problema que se coloca é de
saber se se trata de um crime negligente. Para ter um crime negligente tem de estar preenchidos
dois planos: o plano de tipo de ilícito negligente e o plano da culpa negligente.
Em relação ao primeiro, temos desvalor do resultado e da ação (existiu violação do dever objetivo
de cuidado – um médico consciente e cuidadoso, naquele contexto, teria a capacidade de prever
que aquilo podia acontecer), e relação de adequação entre o resultado e a conduta que foi
praticada.
Tudo leva a crer que está preenchido o tipo de ilícito negligente, pelo que temos de analisar a
questão da culpa negligente.
O médico não cumpriu com o dever objetivo de cuidado, pois, primeiro, não devia ter tomado um
comprimido para dormir, que iria afetar o atendimento correto aos pacientes, e, segundo, ao
administrar o medicamento errado ao doente. Quanto à previsibilidade subjetiva, também podemos
considerar que haja. Quando o médico administra o medicamento, supõe-se que fez o melhor que
podia, mas não conseguia, naquele momento, cumprir com o dever objetivo de cuidado. Apesar de
tudo, era previsível para um médico que o resultado podia acontecer.
Como o médico se colocou no estado de não ser capaz de cumprir com o dever objetivo de
cuidado, estamos perante o problema da culpa por assunção.
O médico será responsabilizado por homicídio negligente (art. 137º). Trata-se de uma negligência
consciente, pois, se o médico soubesse que tomar o comprimido iria matar alguém, certamente,
não o teria tomado, e grosseira.

CASO 5
Abel, conceituado neurocirurgião, está a perder a visão, tendo disso pleno conhecimento. Ainda
assim, e porque adora a sua profissão, Abel decide operar Bento, um seu doente, num momento
em que a sua capacidade de visão se encontra já a cerca de 50% do normal. Bento acaba por
morrer no decurso da cirurgia, pois Abel, em consequência da sua diminuta visão, acaba por cortar
uma artéria. A situação clínica de Bento prometia grandes probabilidades de sucesso a uma
intervenção cirúrgica executada por um “bom profissional”. Poderá Abel ser responsabilizado pela
morte de Bento?

Está preenchido o requisito da previsibilidade, pelo facto de o médico, consciente de estar a perder
a visão, operou Bento.
Não há intenção de praticar o facto ilícito, portanto, como muito, o problema que se coloca é de
saber se se trata de um crime negligente. Para ter um crime negligente tem de estar preenchidos
dois planos: o plano de tipo de ilícito negligente e o plano da culpa negligente.
Em relação ao primeiro, temos desvalor do resultado e da ação (existiu violação do dever objetivo
de cuidado – um médico consciente e cuidadoso, naquele contexto, teria a capacidade de prever
que aquilo podia acontecer), e relação de adequação entre o resultado e a conduta que foi
praticada.
Tudo leva a crer que está preenchido o tipo de ilícito negligente, pelo que temos de analisar a
questão da culpa negligente.
O médico não cumpriu com o dever objetivo de cuidado, pois, primeiro, não devia ter operado
Bento, sabendo que a sua fraca visão poderia ser perigosa para o decorrer da operação. Quanto à
previsibilidade subjetiva, também podemos considerar que haja.
Como o médico se colocou no estado de não ser capaz de cumprir com o dever objetivo de
cuidado, estamos perante o problema da culpa por assunção.
O médico será responsabilizado por homicídio negligente (art. 137º). Trata-se de uma negligência
inconsciente, pois, o médico tinha noção de que estava a perder a visão e operou Bento, mesmo
assim, e grosseira.

Você também pode gostar