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ACÓRDÃO N.

º 564/2008

Processo n.º 765/08

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do


artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último,
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de
20 de Outubro de 2008, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse pre-
ceito, não julgar inconstitucional a norma do artigo 75.º, n.º 8, do Estatuto Disciplinar
dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (EDFAACRL),
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que estabelece que da aplicação
de quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo
cabe recurso hierárquico necessário, e, consequentemente, negou provimento ao recurso
por ela interposto, confirmando o acórdão recorrido, na parte impugnada.

1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte fundamentação:

“1. A. interpôs recurso para o Tribunal


Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do
Tribunal Central Administrativo Norte
(TCAN), de 17 de Julho de 2008, que negou
provimento ao recurso jurisdicional por ela
interposto da sentença do Tribunal
Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, de 18
de Outubro de 2007, que, na acção
administrativa especial por ela instaurada
contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO em
que impugnava o despacho do Director
Regional de Educação do Norte, de 31 de
Março de 2005, que lhe aplicara a pena
disciplinar de 60 dias de suspensão, julgou
procedente a excepção de inimpugnabilidade
do acto impugnado, por dele caber recurso
hierárquico necessário, por força do disposto
no n.º 8 do artigo 75.º do Estatuto Disciplinar
dos Funcionários e Agentes da Administração
Central, Regional e Local (EDFAACRL),
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de
Janeiro, que dispõe: «Da aplicação de
quaisquer penas que não sejam da exclusiva
competência de um membro do Governo cabe
recurso hierárquico necessário».
De acordo com o requerimento de
interposição de recurso, «a decisão recorrida
aplicou norma arguida de
inconstitucionalidade (n.º 8 do artigo 75.º do
Estatuto Disciplinar dos Funcionários e
Agentes da Administração Central, Regional e
Local) e interpretou, aplicando o n.º 1 do
artigo 51.º do CPTA, em desconformidade com
o preceituado no n.º 4 do artigo 268.º da
Constituição da República Portuguesa», tendo
a questão de inconstitucionalidade sido «sus-
citada durante todo o processo: petição inicial,
alegações de recurso jurisdicional e resposta
ao parecer do Ministério Público», e reputando
violados os «artigos 3.º, n.º 3, 8.º, n.ºs 1 e 2,
17.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da
Constituição da República Portuguesa» e os
«princípios da dignidade da pessoa humana,
do Estado de Direito democrático, da
protecção da confiança dos cidadãos no
Estado, da subordinação das leis à
Constituição, da garantia da tutela
jurisdicional efectiva, da justiça e da
prevalência da matéria sobre a forma».
A questão de constitucionalidade que
constitui objecto do presente recurso – a
constitucionalidade do «recurso hierárquico
necessário» como condição de acesso à justiça
administrativa – já foi objecto de anteriores
decisões deste Tribunal, o que permite
qualificar tal questão como «questão simples»
e possibilita a prolação de decisão sumária, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da
LTC.
2. O acórdão recorrido assentou na seguinte
fundamentação jurídica:

«No caso dos autos, a única questão


suscitada neste recurso jurisdicional
(…) resume-se em averiguar se, com a
reforma do contencioso administrativo,
em vigor desde 1 de Janeiro de 2004, se
mantém em vigor o artigo 75.º, n.º 8, do
Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro
– Estatuto Disciplinar dos Funcionários
e Agentes da Administração Central,
Regional e Local (doravante ED) –,
onde se prevê a necessidade de
interposição de recurso hierárquico
necessário da aplicação de pena
disciplinar que não seja da exclusiva
competência de um membro do
Governo e, no caso concreto dos autos,
se da decisão punitiva do Director
Regional de Educação do Norte, que
sancionou a recorrente com a pena de
suspensão, graduada em 60 dias, cabia
recurso hierárquico necessário para o
Secretário de Estado da Administração
Educativa.
Preceitua o artigo 75.º do ED, com a
epígrafe ‘Recurso hierárquico’, que:
‘(…) 8. Da aplicação de quaisquer
penas que não sejam da exclusiva
competência de um membro do
Governo cabe recurso hierárquico
necessário’.
Porque a questão que nos vem
colocada já se mostra decidida pelo
acórdão do STA [Supremo Tribunal
Administrativo], de 28 de Dezembro de
2006, in Proc. 01061/06, recurso
[excepcional de revista], nos termos do
artigo 150.º do CPTA [Código de
Processo nos Tribunais
Administrativos], com o qual
concordamos inteiramente e que não
contendem com quaisquer princípios
jurídicos, seja de índole constitucional
ou de direito internacional, como os
invocados pela recorrente, entendemos
por suficiente e adequado remeter para
a jurisprudência aí sufragada, que, de
forma fundamentada, justifica a
coexistência da norma legal
questionada com as normas emergentes
da reforma do contencioso
administrativo, sem que se possa, de
alguma maneira, justificadamente,
questionar a necessidade de
interposição de recurso hierárquico
necessário, ‘como preliminar
indispensável de acesso ao recurso
contencioso’, nas palavras do Prof.
FREITAS DO AMARAL, in Conceito
e Natureza do Recurso Hierárquico,
vol. I, pág. 20, ou, nas palavras do Prof.
MARCELLO CAETANO, Manual,
10.ª ed., pág. 1265, ‘o recurso hie-
rárquico é necessário para se
transformar o acto do subalterno
noutro contenciosamente recorrível’.
Na verdade, o acto sujeito a recurso
hierárquico necessário é apenas poten-
cialmente lesivo dos direitos e
interesses do particular e, uma vez que
esse recurso tem efeito suspensivo, o
princípio da tutela jurisdicional efectiva
não reclama a interposição do recurso
contencioso antes da exaustão dos
meios graciosos.
Consta, assim, do referido aresto do
STA:

‘(…) a questão relevante que aqui


importa clarificar é a de saber se se
mantêm em vigor as disposições legais
especiais que, na vigência da revogada
LPTA, expressamente previam uma
impugnação administrativa necessária
como condição de abertura da via
contenciosa de determinados actos
administrativos, como é o caso do n.º 8
do artigo 75.º do ED, ou se tais
disposições se consideram revogadas
face aos artigos 51.º e 59.º, n.ºs 4 e 5,
do CPTA e ao artigo 268.º, n.º 4, da
CRP, como pretende a recorrente.
Com efeito, não tem sido pacífica,
pelo menos, desde a redacção do n.º 4
do artigo 268.º da CRP, introduzida
pela Lei [Constitucional] n.º 1/89, de 8
de Julho (2.ª revisão constitucional, que
eliminou a referência à definitividade e
executoriedade do acto administrativo,
constante do n.º 3 do artigo 268.º, na
redacção inicial, como condição da sua
recorribilidade contenciosa, passando
a referir a garantia de recurso
contencioso à lesividade do acto), a
questão da compatibilidade, com este
preceito constitucional, das disposições
que prevêem impugnações
administrativas necessárias.
Como é sabido, na vigência da
LPTA, foi suscitada por alguma dou-
trina a questão da
inconstitucionalidade superveniente do
artigo 25.º deste diploma, face ao n.º 4
do artigo 268.º da CRP, na versão de
1989, já que aquele preceito da LPTA
dispunha que “só é admissível recurso
dos actos definitivos e executórios”,
sendo que o citado preceito
constitucional, na apontada redacção,
deslocou a garantia de recurso
contencioso da definitividade e exe-
cutoriedade do acto, para a sua
lesividade, como referimos (a favor da
compatibilidade constitucional de tais
normas, se pronunciaram, por exemplo,
VIEIRA DE ANDRADE, “Em Defesa
do Recurso Hierárquico”, CJA, n.º 0, p.
13 e segs., e MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA, “As implicações de direito
substantivo da reforma do contencioso
administrativo”, CJA, n.º 34, p. 71 e
segs., e contra, VASCO PEREIRA DA
SILVA, Em Busca do Acto Adminis-
trativo Perdido, pp. 667 e 674, e Ventos
de Mudança…, […], pp. 11 e 66/89, e
PAULO OTERO, “As garantas
impugnatórias dos particulares no
CPA”, Scientia Ivridica, vol. XII (n.º
235/237), p. 58 e segs.).
Essa questão foi abundantemente
apreciada por este STA, designada-
mente pelo Pleno da 1.ª Secção, e
levada até ao Tribunal Constitucional,
tendo, uniformemente, vindo a ser
resolvida pela jurisprudência de ambos
os Tribunais no sentido da não
inconstitucionalidade do artigo 25.º da
LPTA, no entendimento, em síntese, de
que a consagração, na lei, de um meio
de impugnação administrativa neces-
sária não contende, de per si, com a
garantia de recurso contencioso
acolhida no n.º 4 do artigo 268.º da
CRP, o que só aconteceria se o direito
de acesso ao tribunal, consagrado no
artigo 20.º da CRP, fosse, por essa via,
suprimido ou restringido
intoleravelmente, caso que não
acontece com a impugnação
necessária, já que o administrado pode
sempre vir a impugnar judicialmente o
acto que põe fim ao procedimento. A
lesão do direito invocada, a existir,
seria, por isso, meramente potencial
(cf. acórdãos do Pleno do STA, de 3 de
Fevereiro de 1996, rec. n.º 41 608, de 7
de Maio de 1996, rec. n.º 32 592, de 9
de Novembro de 1999, rec. n.º 45 085,
de 18 de Fevereiro de 2000, rec. n.º
30 307, de 29 de Junho de 2001, rec. n.º
46 058, e de 18 de Abril de 2002, rec.
n.º 46 058, bem como da Secção, de 21
de Maio de 1992, rec. n.º 30 391, de 16
de Fevereiro de 1994, rec. n.º 32 904,
de 7 de Março de 1996, rec. n.º 39 216,
de 14 de Novembro de 1996, rec. n.º
32 132, de 25 de Junho de 1998, rec. n.º
43 603, de 12 de Maio de 1999, rec. n.º
44 684, de 2 de Março de 2000, rec. n.º
45 569, de 3 de Maio de 2001, rec. n.º
46 888, de 5 de Dezembro de 2002, rec.
n.º 194/02, entre outros, e Acórdãos do
Tribunal Constitucional n.º 86/84, n.º
39/88, [Acórdãos do Tribunal Cons-
titucional], vol. 11.º, p. 233, BMJ, n.º
374, p. 147, n.º 28/92, DR, II Série, n.º
69, de 22 de Março de 1985, p. 3160,
n.º 9/95, n.º 603/95, DR, II, de [14 de
Março de 1996], p. 3484, n.º 24/96, n.º
115/96, n.º 499/96, de 20 de Março de
1996, proc. n.º 383/93, n.º 1002/96, n.º
32/98, n.º 676/98, n.º 425/99, n.º
431/99, n.º 124/2000, proc. n.º 231/99,
n.º 40/2001 e n.º 283/2001, entre
outros).
Posteriormente, com a nova
redacção do n.º 4 do artigo 268.º da
CRP, introduzida pela Lei
[Constitucional] n.º 1/97, de 20 de
Setembro, que veio incluir,
expressamente, no direito à tutela
jurisdicional efectiva, a impugnação de
quaisquer actos administrativos que
lesem direitos e interesses legalmente
protegidos dos administrados,
reacendeu-se a polémica da
compatibilidade com o citado preceito
constitucional, agora na versão de
1997, das impugnações administrativas
necessárias (cf. VASCO PEREIRA DA
SILVA, “De necessário a útil: a
metamorfose do recurso hierárquico no
novo contencioso administrativo”,
CJA, n.º 47, p. 21 e segs., e MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA, O Novo
Regime do Processo nos Tribunais
Administrativos, 2.ª edição, Almedina,
p. 139, e VIEIRA DE ANDRADE, A
Justiça Administrativa (Lições), p. 269).
Mas quer este STA, quer o Tribunal
Constitucional, se pronunciaram já, em
vários arestos, pela compatibilidade do
artigo 25.º da LPTA, e, conse-
quentemente, das normas que impõem
uma prévia impugnação administrativa
necessária para abrir a via conten-
ciosa, com o citado preceito
constitucional, na versão de 1997, que
é a actual, reiterando a jurisprudência
anterior, por considerarem que não é
infirmada pelas alterações introduzidas
no citado n.º 4 do artigo 268.º da CRP
com a revisão constitucional de 1997.
Refere-se, por exemplo, a este
propósito, no Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 425/99:

“(…) Após a Lei


Constitucional n.º 1/97, neste
artigo 268.º, n.º 4, passou a
referir-se o direito a uma tutela
jurisdicional efectiva, incluindo,
nomeadamente, a impugnação
de quaisquer actos adminis-
trativos que lesem os
administrados, indepen-
dentemente da sua forma.
Tal norma contém, pois, uma
garantia de protecção jurisdi-
cional de natureza análoga aos
direitos, liberdades e garantias.
Dela decorre, designadamente, a
«inconstitucionalidade de
normas erguidas como
impedimento legal a uma pro-
tecção adequada de direitos e
interesses legalmente protegidos
dos particulares», bem como
um dever de configuração ade-
quada dos instrumentos de tutela
judicial já existentes (assim, J. J.
GOMES CANOTILHO, Direito
Constitucional e Teoria da
Constituição, Coimbra, 1998, p.
457).
Todavia, não se vê que da
consagração dessa garantia de
protecção jurisdicional, dirigida
à protecção dos particulares
através dos tribunais, deste
direito de impugnação dos actos
administrativos lesivos, haja que
decorrer a impossibilidade do
condicionamento, pelo legisla-
dor, de tal recurso contencioso a
um recurso hierárquico dos
actos administrativos proferidos
por órgãos subalternos da
Administração, ou, o que é o
mesmo, que dela decorra uma
obrigatória impugnabilidade
jurisdicional imediata desses
actos, independentemente da sua
reapreciação por órgãos
superiores. Do artigo 268.º, n.º
4, da Constituição não resulta,
na verdade, como se diz no
acórdão recorrido, «a ideia de
que todo o acto que não
aquiesça às pretensões de um
cidadão é imediatamente
recorrível para os tribunais».
Desde logo, um acto
administrativo da autoria de um
subalterno, como acto precário,
susceptível de ser alterado por
órgãos superiores, não reveste
também carácter lesivo, como
última palavra da Administração
sobre a matéria, que não possa
ser corrigida pela própria Admi-
nistração. A reacção contra a
potencial lesão resultante desse
acto, igualmente precária, não
tem, pois, que poder efectivar-se
imediatamente através do
recurso aos tribunais, podendo
tal reacção ser condicionada à
reapreciação pela própria
Administração.
Por outro lado, da
obrigatoriedade de um prévio
recurso hierárquico não resulta a
inviabilização, ou sequer, a
inadequação da tutela de direitos
e interesses dos particulares.
Apenas se impõe a necessidade
de impugnação hierárquica
prévia dos actos de órgãos
subalternos, ficando, em
qualquer caso, assegurado o
posterior recurso contencioso.
(…)
A tutela jurisdicional
efectiva dos administrados não
resulta, nem inviabilizada, nem
sequer restringida pela previsão
de tal via hierárquica necessária,
como meio de, em primeira
linha, tentar obter a satisfação
do interesse do administrado
pela revisão do acto administra-
tivo praticado pelo órgão
subalterno da Administração,
previamente ao sempre
assegurado recurso jurisdicional.
Trata-se apenas de condicio-
namento legítimo do direito de
recurso contencioso, ficando
sempre ressalvada a garantia de
tutela judicial em todos os casos
concretos (…)” [no mesmo
sentido se pronunciaram os
Acórdãos do Tribunal
Constitucional n.º 283/2001 e
n.º 235/2003].

Igualmente o STA tem reafirmado


que só há inconstitucionalidade se o
percurso imposto por lei para alcançar
a via contenciosa suprimir ou restringir
intoleravelmente o direito de acesso ao
tribunal ou, por qualquer forma,
prejudicar de forma desproporcionada
(ou arbitrária) a tutela judicial efectiva
dos cidadãos, o que não acontece, em
princípio, com as impugnações admi-
nistrativas necessárias, maxime, o
recurso hierárquico necessário (cf.
acórdão do Pleno, de 6 de Fevereiro de
2003, rec. n.º 1865/02, e acórdãos da
Secção, de 9 de Abril de 2003, rec. n.º
350/03, e de 2 de Outubro de 2003, rec.
n.º 1005/03, entre outros).
Com efeito, além de se encontrar
assegurada a via contenciosa, a impug-
nação administrativa quando
necessária gera, em princípio, a
suspensão automática dos efeitos do
acto impugnado, como decorre dos
artigos 163.º, n.º 1, e 170.º do CPA,
além de que é um meio de reacção mais
fácil e barato, proporcionando ainda
vantagens de ordem prática, já que o
recurso hierárquico necessário obriga
a que o superior hierárquico,
supostamente mais habilitado, se
pronuncie sobre o caso, evitando,
eventualmente, a impugnação judicial,
e, portanto, as despesas inerentes, além
de proporcionar mais tempo para a
preparação da impugnação judicial e
do eventual pedido de suspensão de efi-
cácia do acto, no caso da decisão ser
desfavorável (cf. neste sentido, VIEIRA
DE ANDRADE, obra e local citados).
Mas se assim era antes da entrada
em vigor do CPTA, em 1 de Janeiro de
2004, não há razão para deixar de o
ser, após a entrada em vigor deste
diploma legal, uma vez que o mesmo se
limitou a concretizar a referida norma
constitucional (citado n.º 4 do artigo
268.º da CRP, na versão de 1997), a
qual, entretanto, não sofreu qualquer
alteração, pelo que a jurisprudência
referida mantém hoje inteira actuali-
dade. E, assim sendo, pelas razões já
referidas, continua a não existir
qualquer incompatibilidade, com o
citado preceito constitucional, das
normas que hoje especialmente
prevejam impugnações administrativas
necessárias.
Pelo que, concordando com essa
jurisprudência e transpondo-a para a
situação sub judice, forçoso é concluir
pela compatibilidade do n.º 8 do artigo
75.º do ED com o citado preceito
constitucional.
Com efeito, a exigência, contida no
n.º 8 do artigo 75.º do ED, de interpo-
sição de recurso hierárquico necessário
dos despachos que apliquem quaisquer
penas disciplinares que não sejam da
exclusiva competência de um membro
do Governo, não suprime nem restringe
intoleravelmente o direito de acesso aos
tribunais (artigo 20.º da CRP), nem
viola o direito à tutela judicial efectiva
(artigo 268.º, n.º 4, da CRP), pois o
administrado pode sempre impugnar
contenciosamente, nos termos gerais,
eventual decisão desfavorável da
impugnação administrativa, não sendo
também afectada a sua utilidade, na
medida em que, nos termos do n.º 6 do
mesmo preceito legal, a interposição
daquele recurso hierárquico suspende
os efeitos do acto punitivo, pelo que
estamos perante um condicionamento
legítimo.
Consequentemente, o citado
preceito do ED não padece de incons-
titucionalidade material superveniente,
por violação do n.º 4 do artigo 268.º da
CRP.
*
Resta, pois, apreciar se o n.º 8 do
artigo 75.º do ED foi revogado pelos
artigos 51.º, n.º 1, e 59.º, n.ºs 4 e 5, do
CPTA, como também pretende a recor-
rente.
É verdade que os defensores da
inconstitucionalidade das normas que
prevêem impugnações administrativas
necessárias vêem, nos referidos precei-
tos do CPTA, uma vontade legislativa
de afastar definitivamente a
impugnação administrativa necessária,
de a proibir, vontade que pretendem
corresponder também à vontade do
legislador constitucional.
Só que, como vimos, não foi essa a
vontade do legislador constitucional, e
também não resulta do CPTA,
designadamente dos citados preceitos
legais, que tenha sido essa a intenção
do legislador ordinário, nem se com-
preende sequer a necessidade de
absoluta proibição da impugnação
administrativa necessária, se, como se
referiu, tal condicionamento não põe,
em princípio, em causa a tutela
jurisdicional efectiva.
O que se passou foi que o legislador
do CPTA, concretizando agora, na lei
ordinária, o alargamento, pretendido
pelo legislador constitucional, da
garantia de recurso contencioso a
quaisquer actos administrativos lesivos
dos direitos e interesses dos
administrados, veio inverter a regra,
até então existente, do recurso
hierárquico necessário, para a regra do
recurso hierárquico facultativo,
permitindo que o administrado possa
agora optar entre só impugnar o acto
contenciosamente, só impugnar o acto
administrativamente, ou impugnar um e
outro, como decorre dos artigos 51.º,
n.º 1, e 59.º, n.ºs 4 e 5, citados pela
recorrente.
Dispõem estes preceitos, que:
Artigo 51.º:
1. Ainda que inseridos num
procedimento administrativo,
são impugnáveis os actos
administrativos com eficácia
externa, especialmente aqueles
cujo conteúdo seja susceptível
de lesar direitos ou interesses
legalmente protegidos.
(…)

Artigo 59.º:
(…)
4. A utilização de meios de
impugnação administrativa sus-
pende o prazo de impugnação
contenciosa do acto adminis-
trativo, que só retoma o seu
curso com a notificação da
decisão proferida sobre a
impugnação administrativa ou
com o decurso do respectivo
prazo legal.
5. A suspensão do prazo
previsto no número anterior não
impede o interessado de
proceder à impugnação
contenciosa do acto na
pendência da impugnação
administrativa, bem como de
requerer a adopção de
providências cautelares.

É verdade que quem sustentava a


inconstitucionalidade das normas que
previam impugnações administrativas
necessárias já antes do CPTA, continua
hoje a fazê-lo após o CPTA,
defendendo que a impugnação dita
necessária é hoje um condicionamento
desnecessário, porque afinal, face aos
citados preceitos do CPTA, a
impugnação administrativa tem sempre
carácter facultativo e suspende o prazo
de impugnação contenciosa do acto,
sem prejuízo de o administrado poder
impugnar contenciosamente o acto na
pendência da impugnação admi-
nistrativa ou decorrido o prazo legal
para a sua decisão, o que significa que
a impugnação necessária perdeu
qualquer utilidade, já que a sua única
razão de ser era permitir o recurso
contencioso (cf. VASCO PEREIRA DA
SILVA, “De necessário a útil…”, CJA,
n.º 47, p. 21 e segs., maxime pp. 23 e
25).
Efectivamente, hoje, face aos
referidos preceitos do CPTA e con-
trariamente ao que acontecia face ao
revogado artigo 25.º da LPTA, a regra
é o carácter facultativo da impugnação
administrativa, seja reclamação, seja
recurso hierárquico. Houve, pois, neste
aspecto, uma mudança de paradigma.
Mas o estabelecimento desta regra
não põe em causa as disposições legais
especiais que previam impugnações
administrativas necessárias, pois tais
normas não foram expressamente, nem
inequivocamente, revogadas pelo
CPTA, ou por qualquer outro diploma
legal (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil).
Mesmo quem defende que tais
normas não se encontram em vigor não
afirma a sua revogação pelo CPTA,
antes faz decorrer essa revogação ou
antes caducidade, por falta de objecto,
de uma pretensa consagração constitu-
cional da proibição da impugnação
administrativa necessária contida no
n.º 4 do artigo 268.º da CRP, ou seja,
em última instância, da
inconstitucionalidade material
superveniente das referidas normas.
Ora, já vimos que tal argumentação
não tem condições de procedência.
Portanto, rejeitado o argumento da
inconstitucionalidade das impugnações
administrativas necessárias, e não se
mostrando revogadas as normas que
especialmente as prevêem, nem
desprovidas de utilidade, há que
concluir hoje, face ao CPTA, que tais
normas se mantêm em vigor (cf., neste
sentido, MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA, O Novo Regime do
Processo nos Tribunais Admi-
nistrativos, 2.ª edição, Almedina, p.
139, e também VIEIRA DE ANDRADE,
A Justiça Administrativa (Lições), 4.ª
edição, Almedina, p. 269 e seg.).
Sendo certo que quando o
legislador, na vigência da LPTA, previa
especialmente o recurso hierárquico
necessário, sendo ele então a regra, era
porque nesse caso havia outras razões
que justificavam tal exigência, que não,
ou não só, a razão que é apontada, de
ser esta a via de se permitir o recurso
contencioso, pois há que presumir que
o legislador consagrou as soluções
mais acertadas e soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados
(artigo 9.º do Código Civil),
designadamente essa seria a única via
de suspender automaticamente a
produção de efeitos imediatos na esfera
jurídica do administrado, de um acto
praticado por um subalterno, mesmo
em matéria da sua competência
exclusiva (e continua a ser, já que a
impugnação facultativa não suspende
os efeitos do acto, mas apenas o prazo
da impugnação contenciosa, daí a
necessidade de se prever, no n.º 5 do
artigo 59.º do CPTA, a possibilidade de
o administrado impugnar
contenciosamente o acto e requerer
providências na pendência da
impugnação administrativa, de outro
modo, estar-se-ia, aqui sim, a violar a
tutela judicial efectiva).
Portanto, a questão de saber se a
impugnação necessária deixou de o ser,
só pelo facto de se permitir hoje, como
regra, a impugnação contenciosa
imediata dos actos administrativos,
deve ser respondida negativamente. A
regra é, de facto, essa, mas pode haver
excepções, já que o legislador do CPTA
não as exclui.
E uma dessas excepções é a prevista
no n.º 8 do artigo 75.º do ED, que se
encontrava em vigor à data em que foi
proferido o despacho do DREL, cuja
suspensão aqui se pretende.
Face a tudo o anteriormente
exposto, há que concluir que o n.º 8 do
artigo 75.º do ED, ao impor a
interposição de um recurso hierárquico
necessário, não padece de
inconstitucionalidade material super-
veniente face ao n.º 4 do artigo 268.º da
CRP/97, nem se encontra revogado
pelo CPTA, ou por qualquer outro
diploma, pelo que se mantém em
vigor.’»

3. Como é sabido, não compete ao Tribunal


Constitucional pronunciar-se sobre a correcção
da interpretação do direito ordinário efectuada
pelas instâncias, devendo, antes, aceitar a
interpretação normativa por elas efectuada
como um dado da questão de constitucio-
nalidade que lhe cumpre decidir. Assim, está
fora do âmbito do presente recurso a
apreciação da questão de saber se a norma do
artigo 75.º, n.º 8, do EDFAACRL foi revogada
pelo CPTA, como sustenta a recorrente, ou se
este Código em nada afectou a subsistência e
validade de normas legais especiais (como a do
referido artigo 75.º, n.º 8) que continuam a
prever o recurso hierárquico necessário, como
decidiu o acórdão recorrido.
O objecto do presente recurso cinge-se,
assim, à questão da inconstitucionalidade da
norma do citado artigo 75.º, n.º 8, que a decisão
recorrida considerou ainda vigente, e que
determina que «Da aplicação de quaisquer
penas que não sejam da exclusiva competência
de um membro do Governo cabe recurso
hierárquico necessário».
Como o acórdão recorrido refere, a questão
da constitucionalidade da figura do recurso
hierárquico necessário já foi por diversas vezes
apreciada por este Tribunal, que sempre a
decidiu no sentido da sua não inconstitucionali-
dade, mesmo após a redacção dada ao n.º 4 do
artigo 268.º da CRP pela revisão constitucional
de 1997.
No Acórdão n.º 425/99, esse entendimento
foi sustentado com a seguinte fundamentação:

«4. A questão posta no presente


recurso não é nova e, concretamente
quanto a um acto administrativo
proferido por um órgão subalterno da
Administração, numa via hierárquica
necessária, o Tribunal Constitucional
entendeu que a mesma norma do artigo
25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/85,
de 16 de Julho, a LPTA, não é
inconstitucional.
Fê-lo no Acórdão n.º 603/95,
publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vol. 32.º, pág. 411 e
segs..
É a posição exposta neste aresto que
há que reiterar no presente recurso de
constitucionalidade.
Tal posição não é, na verdade,
infirmada pelas alterações introduzidas
no texto do artigo 268.º, n.º 4, da
Constituição, com a revisão
constitucional de 1997.

5. Após a Lei Constitucional n.º


1/97, neste artigo 268.º, n.º 4, passou a
referir-se o direito a uma tutela
jurisdicional efectiva, incluindo,
nomeadamente, a impugnação de
quaisquer actos administrativos que
lesem os administrados,
independentemente da sua forma.
Tal norma contém, pois, uma
garantia de protecção jurisdicional de
natureza análoga aos direitos,
liberdades e garantias. Dela decorre,
designadamente, a
‘inconstitucionalidade de normas
erguidas como impedimento legal a
uma protecção adequada de direitos e
interesses legalmente protegidos dos
particulares’, bem como um dever de
configuração adequada dos
instrumentos de tutela judicial já
existentes (assim, J. J. GOMES
CANOTILHO, Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, Coimbra, 1998,
pág. 457).
Todavia, não se vê que da
consagração desta garantia de protecção
jurisdicional, dirigida à protecção dos
particulares através dos tribunais, e
deste direito de impugnação dos actos
administrativos lesivos, haja que
decorrer a impossibilidade do
condicionamento, pelo legislador, de tal
recurso contencioso a um recurso
hierárquico dos actos administrativos
proferidos por órgãos subalternos da
Administração – ou, o que é o mesmo,
que dela decorra uma obrigatória
impugnabilidade jurisdicional imediata
desses actos, independentemente da sua
reapreciação por órgãos superiores.
Do artigo 268.º, n.º 4, da
Constituição não resulta, na verdade,
como se diz no Acórdão recorrido, ‘a
ideia de que todo o acto que não
aquiesça às pretensões de um cidadão é
imediatamente recorrível para os
tribunais’.
Desde logo, um acto administrativo
da autoria de um subalterno, como acto
precário, susceptível de ser alterado por
órgãos superiores, não reveste também
carácter lesivo como última palavra da
Administração sobre a matéria, que não
possa ser corrigido pela própria
Administração. A reacção contra a
potencial lesão resultante desse acto,
igualmente precária, não tem, pois, que
poder efectivar-se imediatamente
através do recurso aos tribunais,
podendo tal reacção ser condicionada à
reapreciação pela própria
Administração.
Por outro lado, da obrigatoriedade
de um prévio recurso hierárquico não
resulta a inviabilização, ou, sequer, a
inadequação da tutela de direitos e inte-
resses dos particulares. Apenas se
impõe a necessidade de impugnação
hierárquica prévia para actos de órgãos
subalternos, ficando em qualquer caso
assegurado o posterior recurso
contencioso.
Já, aliás, com a 2.ª revisão
constitucional se pretendeu, na defini-
ção dos actos administrativos, um
afastamento dos conceitos de
definitividade e de executoriedade,
anteriormente utilizados, prevendo-se a
garantia de recurso contencioso contra
quaisquer actos, agora formulada como
garantia de ‘tutela jurisdicional
efectiva’. Todavia, como se salienta na
doutrina, ‘a garantia constitucional não
obsta a que a lei imponha, entre outras
condições de procedibilidade, a necessi-
dade de impugnação administrativa
prévia de certos actos administrativos
praticados por órgãos subalternos (actos
não definitivos), nem a que exija uma
necessidade concreta de protecção
judicial do particular, por vezes
inexistente em casos de actos já
constituídos mas ainda não eficazes –
será esse (...) o sentido e o alcance
actual do artigo 25.º da LPTA, ao exigir
que os actos sejam “definitivos e
executórios”’ [J. C. VIEIRA DE
ANDRADE, A Justiça Administrativa
(Lições), Coimbra, 1999, pág. 96].
A tutela jurisdicional efectiva dos
administrados não resulta, nem inviabi-
lizada, nem, sequer, restringida pela
previsão de tal via hierárquica
necessária como meio de, em primeira
linha, tentar obter a satisfação do inte-
resse do administrado pela revisão do
acto administrativo praticado pelo
órgão subalterno da Administração,
previamente ao, sempre assegurado,
recurso jurisdicional. Trata-se, apenas,
de um condicionamento legítimo do
direito de recurso contencioso, ficando
sempre ressalvada a garantia da tutela
judicial em todos os casos concretos
(veja-se a ob. cit., págs. 181 e segs.).
6. No caso concreto, sendo o acto
recorrido uma decisão susceptível de
recurso hierárquico (cujo necessário
esgotamento está justamente em causa),
como se salientou no citado Acórdão n.º
603/95, ‘não causou ela lesão efectiva
do direito que o funcionário invoca,
pois, se tal direito existir, sempre ele
poderá vir a ser reconhecido pelo órgão
a que na Administração cabe a última e
definitiva palavra sobre a matéria. A
lesão do direito invocada, a existir, é,
por isso, meramente potencial.’ (isto,
sendo certo que, a subsistir tal lesão,
não ficará inviabilizada a protecção
jurisdicional contra ela).
Remetendo para os fundamentos
invocados neste Acórdão n.º 603/95,
ter-se-á, pois, de negar provimento ao
presente recurso, não se reconhecendo
violação do n.º 4 do artigo 268.º, na
redacção posterior a 1997, pelo preceito
questionado do artigo 25.º, n.º 1, da Lei
de Processo nos Tribunais Administra-
tivos.
E, da mesma forma, não pode dizer-
se que resulte desta norma qualquer
violação dos artigos 17.º e 18.º da
Constituição (desde logo porque, como
vimos, a garantia do artigo 268.º, n.º 4,
não é posta em causa, mas apenas con-
dicionada em obediência a interesses
legítimos de unidade e eficácia da acção
administrativa).»

Este juízo de não inconstitucionalidade de


preceitos que consagravam figuras de
impugnação administrativa necessária (quer
horizontalmente, quer verticalmente) à abertura
da via contenciosa foi reiterado,
designadamente, nos Acórdãos n.ºs 468/99
(reportado ao artigo 155.º do Código de
Processo Tributário), 548/99, 329/2000,
283/2001, 235/2003 e 188/2004 (os cinco
reportados ao artigo 25.º, n.º 1, da LPTA),
99/2001 (reportado ao artigo 56.º da LPTA) e
185/2001 (tirado em Plenário e reportado aos
artigos 140.º e 141.º do Estatuto do Militar da
Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 465/83, de 31 de Dezembro, na
sua redacção original, enquanto impunham,
como condição necessária de interposição de
recurso hierárquico para o Ministro da
Administração Interna dos actos praticados
pelo Comandante-Geral da Guarda Nacional
Republicana, a reclamação prévia para o autor
do acto), e nas Decisões Sumárias n.ºs
280/2005 (reportada ao artigo 75.º, n.º 4, do
EDFAACRL, interpretado no sentido de que
existe recurso hierárquico necessário para a
Câmara Municipal das deliberações proferidas
em processo disciplinar pelo conselho de
administração dos serviços municipalizados) e
42/2006 (reportada ao artigo 25.º da LPTA) [o
texto integral dos Acórdãos e Decisões
Sumárias citados está disponível em
www.tribunalconstitucional.pt].
Na esteira desta reiterada jurisprudência, há
que concluir que a norma do artigo 75.º, n.º 8,
do EDFAACRL, condicionando o recurso à via
contenciosa à prévia interposição de um
recurso hierárquico que tem efeito suspensivo
do acto sancionatório impugnado, não só não
viola os artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da
CRP, dado que continua assegurado o acesso
aos tribunais para obtenção de tutela
jurisdicional efectiva contra actos lesivos de
direitos ou interesses legalmente protegidos,
através da oportuna impugnação judicial do
acto que decida o recurso hierárquico (e que,
por isso, representará a última palavra da
Administração), como não se mostra
incompatível com os princípios da dignidade
da pessoa humana, do Estado de Direito
democrático, da protecção da confiança dos
cidadãos no Estado, da subordinação das leis à
Constituição, da justiça e da prevalência da
matéria sobre a forma.”

1.2. A reclamação da recorrente assenta nos seguintes fundamentos:

“1. Recorreu para o Tribunal Constitucional


nos termos e com os fundamentos que constam
do seu requerimento, aqui dados por
integralmente reproduzidos para todos os
efeitos legais.
2. Pela douta Decisão Sumária, de que ora
reclama, foi decidido:
«a) Não julgar inconstitucional a norma do
artigo 75.º, n.º 8, do Estatuto Disciplinar dos
Funcionários e Agentes da Administração
Central, Regional e Local, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que
estabelece que da aplicação de quaisquer penas
que não seja da exclusiva competência de um
membro do Governo cabe recurso hierárquico
necessário; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso,
confirmando o acórdão recorrido, na parte
impugnada.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de
justiça em 7 (sete) unidades de conta.»
3. Esta decisão, que confirma a decisão sob
recurso constitucional, louva-se no teor dos
Acórdãos n.ºs 425/99, 468/99, 548/99,
329/2000, 283/2001, 235/2003 e 188/2004 e
das Decisões Sumárias n.ºs 280/2005 e
42/2006 do Tribunal Constitucional,
reportando-se, tais Acórdãos e Decisões
Sumárias, ao seguinte:
– Artigos 25.º (2) e 56.º (5) da LPTA, esta
expressamente revogada pela Lei n.º 13/2002,
de 19 de Fevereiro, com as alterações
introduzidas pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de
Fevereiro;
– Artigo 155.º (1) do Código de Processo
Tributário, este expressamente revogado pelo
Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro; e
– Artigos 140.º e 141.º (1) do Estatuto do
Militar da Guarda Nacional Republicana,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 465/83, de 31 de
Dezembro – «… na sua redacção original ...»,
antes, por isso, das normas constitucionais
invocadas e das alterações introduzidas pelos
Decretos-Lei n.ºs 298/94, de 24 de Novembro,
297/98, de 28 de Setembro, 188/99, de 2 de
Junho, 504/99, de 20 de Novembro, 15/2002,
de 29 de Janeiro, 119/2004, de 21 de Maio,
159/2005, de 20 de Setembro, e 216/2006, de
30 de Outubro.
4. Como resulta da sua análise, nenhuma
destas doutas Decisões se refere, em concreto
ou substância, à matéria sub judice ou a
matéria recente, de aplicação dos princípios
invocados pela recorrente em conformidade
com a Constituição da República Portuguesa,
relativamente ao direito material, pro-
cedimental e/ou processual sancionatório
(disciplinar) e processual administrativo (em
matéria sancionatória) ou com estes estabelece,
material e sucessivamente, uma qualquer
relação compreensível, designadamente de
conformidade, da letra da lei e da sua
interpretação e aplicação judicial, com as
normas constitucionais invocadas,
5. E a decisão jurisdicional, confirmada
pela douta Decisão Sumária, com o devido
respeito, também não aprecia, substancial e
constitucionalmente, toda a matéria exposta
nos recursos jurisdicionais, quando à
conformidade e à interpretação concreta das
respectivas normas legais com o que,
correlativamente, está preceituado na
Constituição da República Portuguesa.
6. Assim, a douta Decisão Sumária não
atende, nem podia atender, materialmente, às,
concretamente, invocadas
inconstitucionalidades.
7. Isto, pela falta ou impossibilidade de
aceder às precedentes alegações dos recursos
jurisdicionais – que o douto Acórdão
confirmado também não explana nem revela –
mas cujo conteúdo, dando-se por integralmente
reproduzido, aqui se invoca e convoca para
todos os efeitos legais.
8. Aliás, sobre tal desiderato, que sendo
relativo a matéria sancionatória, tem de
conformar-se em procedimento e/ou processo
instrumental compatível com os direitos
fundamentais dos cidadãos em relação a ela,
não é feita qualquer substantiva interpretação
de conformidade com a Constituição da
República Portuguesa, nem a douta Decisão
atende ou poderia atender às, sucessivamente
necessárias, alegações – porque estas não se
podem antecipar – a produzir junto desse
Venerando Tribunal,
9. Tão-pouco, tal Decisão, atende à
sucessão de leis – e ao aperfeiçoamento do
direito – no tempo, quanto à sua estrita
significação constitucional, material ou
substantiva e instrumental, designadamente,
quanto ao conteúdo das alterações ulteriores às
normas apreciadas e invocadas naqueles doutos
Acórdãos e Decisões, como pressupostos
lógicos e como manifestas consequências da
alteração do artigo 268.º da Constituição da
República Portuguesa, pelas Leis
Constitucionais n.º 1/89, de 8 de Julho, e n.º
1/97, de 20 de Setembro,
10. Bem como, também, em consequência
dos compromissos internacionais assumidos
por Portugal – acolhidos ou recebidos na
Constituição da República Portuguesa – sobre
a garantia de tutela jurisdicional efectiva em
matéria de direito sancionatório, material e
instrumental, mormente disciplinar;
11. Como, também com o devido respeito,
tal Decisão, não interpreta, material,
substantiva ou criticamente, sequer, o sentido
histórico e literal do n.º 1 do artigo 51.º do
CPTA, em vigor desde o dia 1 de Janeiro de
2004, no contexto do aludido aperfeiçoamento
do direito – tantas vezes invocado nos
preâmbulos dos diplomas ou nas leis
preambulares e nas discussões parlamentares
sobre a matéria – e da unidade do ordenamento
jurídico-constitucional, como consequência,
directa e necessária, da sucessão das invocadas
normas e princípios constitucionais e dos
compromissos internacionais a que Portugal
está adstrito, designadamente, por, entre outros,
ter subscrito a Convenção Europeia dos
Direitos do Homem;
12. Nem, em concreto, aprecia – ou podia
apreciar – a invocada violação material,
decorrente da interpretação, nas decisões
jurisdicionais em crise no recurso
constitucional, dos princípios e das normas
constitucionais invocadas pela reclamante.
13. Por outro lado, como resulta do
requerimento de recurso e da ulterior junção de
documentos, a ora reclamante obteve a
concessão do apoio judiciário na modalidade
de pagamento faseado da taxa de justiça, sem
que, na supra referida condenação em custas,
esteja salvaguardado que, como é habitual, tal
condenação, é «sem prejuízo do apoio
judiciário concedido».
Nestes termos e nos melhores de direito,
sempre douto suprimento de Vossas
Excelências, requer se dignem ordenar o
prosseguimento da lide, conhecendo do objecto
do recurso e seguindo-se os demais termos do
processo até final, com todas as consequências
legais, designadamente, sem prejuízo do apoio
judiciário obtido pela reclamante, como é de
Justiça.”

1.3. O recorrido (Ministério da Educação) não apresentou resposta.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2. Se bem se entende a reclamação da recorrente, o que esta contesta é a


possibilidade de, no caso, ter sido proferida decisão sumária, quer por falta de
identidade da presente situação com as situações sobre que versaram as anteriores
decisões do Tribunal Constitucional, quer por só após a apresentação das suas alegações
neste Tribunal ser possível apreender a questão de constitucionalidade que se pretendia
ver apreciada.

Porém, como é sabido, o objecto do recurso de constitucionalidade é


definido no respectivo requerimento de interposição, sendo inadmissível a sua
ampliação nas posteriores alegações, ao que acresce que, tratando-se de recurso
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (como é o presente
caso), exige-se identidade entre o critério normativo identificado no requerimento de
interposição de recurso quer com o critério normativo arguido de inconstitucional
perante o tribunal recorrido, quer com o critério normativo por este tribunal aplicado, na
decisão recorrida, como ratio decidendi. Assim sendo, quando foi proferida a decisão
sumária ora reclamada a questão de constitucionalidade que constituía objecto do
recurso já estava definitivamente demarcada.

Por outro lado, como se explicou no Acórdão n.º 131/2004 (proferido em


reclamação de decisão sumária na qual a reclamante também questionava a verificação
dos requisitos estabelecidos no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC para a emissão de uma
decisão sumária, sustentando serem dois os fundamentos possíveis de uma tal decisão –
a existência de uma decisão anterior do Tribunal sobre a mesma questão ou ser a
questão manifestamente infundada – e que, no caso, a decisão anterior em que se baseou
a decisão sumária não terá julgado a mesma questão por os parâmetros de
constitucionalidade agora indicados serem mais amplos):

“Em primeiro lugar não é exacto que o


artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC só permita a
decisão sumária nas situações apontadas pela
recorrente.
Com efeito, o preceito da LTC, ao conferir
ao relator os poderes para emitir decisão
sumária por a questão ser simples, não
condiciona esta qualificação ao facto de haver
decisão anterior sobre a mesma questão; tal é,
desde logo, contrariado pela circunstância de
aquele condicionamento ser antecedido pela
expressão «designadamente», o que não pode
deixar de significar a possibilidade de
qualificar a questão como simples por uma
multiplicidade de razões, mesmo que ela não
tenha sido exactamente a mesma que foi
objecto de decisão anterior.
Bastará para tal qualificação que na
fundamentação da decisão anterior, muito
embora sobre questão não inteiramente
coincidente com a dirimida em posterior
recurso, se tenham formulado juízos que
imponham uma determinada solução de direito
neste recurso, merecendo a questão, por essa
via, a qualificação de simples.”

Tem sido reiteradamente afirmada esta orientação, no sentido de a


admissibilidade de prolação de decisão sumária não se cingir a situações em que exista
anterior decisão do Tribunal Constitucional sobre norma reportada ao mesmo preceito
legal e com ponderação de todos os argumentos ou razões expendidos no novo
processo, antes “abrange outras situações em que a fundamentação desenvolvida em
anterior acórdão permita considerar a questão como já «tratada» pelo Tribunal,
mesmo que não ocorra integral coincidência dos preceitos em causa e dos argumentos
esgrimidos num e noutro processo” (Acórdão n.º 650/2004; cf. ainda os Acórdãos n.ºs
616/2005, 2/2006, 233/2007, 530/2007 e 5/2008).

No presente caso, a questão de constitucionalidade que se suscitava era a


da admissibilidade da figura do recurso hierárquico necessário, a qual, como se
evidenciou na decisão sumária ora reclamada, já foi objecto de diversas decisões deste
Tribunal, sempre no sentido da não inconstitucionalidade, sendo irrelevante, por
acessório relativamente ao cerne da questão, a diversidade de preceitos legais a
propósito dos quais a questão foi suscitada. A questão de constitucionalidade permanece
substancialmente idêntica mesmo que, com o CPTA, a regra geral tenha deixado de ser
o carácter necessário dos recursos hierárquicos, para passar a ser a regra do carácter
facultativo, pois tal não impediu – questão cuja decisão coube às instâncias, sem
possibilidade de crítica por parte do Tribunal Constitucional – que se considerassem
subsistentes (apesar da alteração da regra) os preceitos legais especiais que continuaram
a prever impugnações administrativas necessárias, como é justamente o caso da norma
do artigo 75.º, n.º 8, do EDFAACRL.

Na anterior jurisprudência constitucional citada – designadamente no


Acórdão n.º 425/99 – já foi tida em conta a alteração de redacção do n.º 4 do artigo
268.º da CRP operada pela revisão constitucional de 1997, não tendo sobrevindo
qualquer outra alteração constitucional que impusesse ou justificasse a reponderação da
questão. E, por outro lado, entre essa jurisprudência contam-se casos em que a
impugnação administrativa necessária respeita a actos de natureza sancionatória, como,
por exemplo, o Acórdão n.º 185/2001, tirado em Plenário, ou a Decisão Sumária n.º
280/2005, reportada a outro número (o n.º 4) do mesmo artigo 75.º do EDFAACRL.

Conclui-se, assim, pela admissibilidade, no caso, da prolação de decisão


sumária, cujo sentido decisório se confirma, pelos fundamentos nela explanados.

3. Termos em que acordam em indeferir a presente reclamação,


confirmando a decisão sumária reclamada, que negou provimento ao recurso por não
julgar inconstitucional a norma do artigo 75.º, n.º 8, do Estatuto Disciplinar dos
Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que estabelece que da aplicação de quaisquer
penas que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo cabe recurso
hierárquico necessário.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)


unidades de conta.

Lisboa, 25 de Novembro de 2008.

Mário José de Araújo Torres

João Cura Mariano

Rui Manuel Moura Ramos

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