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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

Processo: 00008/10.8BCPRT

Secção: 2ª Secção -
Contencioso
Tributário

Data do Acordão: 25-10-2012

Tribunal: TAF do Porto

Relator: Anabela Ferreira


Alves Russo

Descritores: ACTO POLÍTICO;


ACTO
LEGISLATIVO;
REGULAMENTO;
COMPETÊNCIA;
JURISDIÇÃO;
ADMINISTRATIVA
E FISCAL; ACÇÃO
ADMINISTRATIVA
ESPECIAL

Sumário: I - O DL 67-A/2010, de
14-6 [diploma que
identifica, para as auto-
estradas SCUTs
“Grande Porto”, “Norte
Litoral” e “Costa de
Prata”, os lanços e os
sublanços sujeitos ao
regime de cobrança de
taxas de portagem aos
utilizadores (arts 1º, 2º e
anexo I); determina o
início da cobrança em
1-06-2010 (art. 3º);
estabelece alguns
critérios a ter em conta
na determinação das
taxas a aplicar (art. 4º);
e identifica os lanços e
os sublanços das
referidas auto-estradas
em que os utilizadores
ficam isentos do
pagamento de taxas de
portagem (art. 5º e
anexo II)], produzido
por órgão competente
ao abrigo da al. a) do nº
1 do art. 198º da CRP
(ou seja, pelo Governo
no uso da competência
legislativa em matérias
não reservadas à
Assembleia da
República) é um acto
que se integra no
exercício da função
legislativa do Governo,
pelo que a sindicância
das suas disposições
está excluída da
jurisdição
administrativa e fiscal
nos termos da al. a) do
nº 2 do art. 4º do
ETAF.. 
II - Esta exclusão
verificar-se-ia ainda que
se reconhecesse (e não
se reconhece) uma
natureza materialmente
administrativa ao
conteúdo dessas
disposições, pois as
normas secundárias
emanadas do Governo –
órgão simultaneamente
legislativo e
administrativo – sob a
forma de decreto-lei são
sempre, para efeitos
contenciosos, actos
praticados no exercício
da função legislativa.
III - A Resolução do
CM nº 75/2010, de 22-
09, insere-se num
procedimento político-
legislativo que
culminou com os
diplomas legais e
regulamentares a
acolher as orientações
político-administrativas
nela estabelecidas [o nº
1 da Resolução
estabelece a “adopção
do princípio da
universalidade na
implementação do
regime de cobrança de
taxas de portagem em
todas as auto-estradas
sem custos para o
utilizador (SCUT)”; os
nº 2 e nº 3 decidem,
respectivamente,
“Introduzir um regime
efectivo de cobrança de
taxas de portagens nas
auto-estradas SCUT
Norte Litoral, Grande
Porto e Costa de Prata a
partir de 15 de Outubro
de 2010, em
conformidade com o
disposto no Decreto-Lei
n.º 67-A/2010, de 14 de
Junho”, e “Introduzir
um regime efectivo de
cobrança de taxas de
portagem nas restantes
auto-estradas SCUT,
designadas por SCUT
Interior Norte, Beiras
Litoral e Alta, Beira
Interior e Algarve, até
15 de Abril de 2011,
nos termos de diploma
legal a aprovar”; os nºs
4 a 8 também
estabelecem apenas
princípios e critérios a
acolher em regulação
jurídica posterior, que
vieram a ser vertidas
nas Portarias
1033-A/2010,
1033-B/2010,
1033-C/2010
(relativamente às Scuts
Interior Norte, Grande
Porto e Costa de Prata)
e DL 111/11, de 28-11
(relativamente às
SCUTs Interior Norte,
Beiras Litoral e Alta,
Beira Interior e
Algarve)].
IV - A expressa
referência feita na
referida Resolução à al.
g) do art. 199º da CPR,
ou seja, de que é
tomada no exercício da
competência
administrativa do
Governo prevista nessa
disposição, não
determina
necessariamente que
essa Resolução não
contenha, ainda que
parcialmente, actos de
natureza política,
estando, quanto a estes,
afastada a sua
sindicabilidade na
jurisdição
administrativa.
V - Ainda que emitidos
formalmente no
exercício de uma
competência
administrativa, os actos
em que se estabelecem
os princípios e critérios
a acolher em regulação
jurídica posterior não
podem qualificar-se
como efectivos
normativos
regulamentares por
serem destituídos de
eficácia jurídica
externa.
VI - De todo o modo, os
Tribunais
Administrativos, atento
o disposto no art. 281°,
n° 1 da CRP e 72º, nº 2
do CPTA, não dispõem
de competência para a
fiscalização abstracta da
conformidade de
normas regulamentares
com princípios
constitucionais, mesmo
que estes princípios se
encontrem também
consagrados em
preceitos de direito
ordinário.

Recorrente: Municípios (...)


Recorrido 1: Conselho de Ministros
Recorrido 2: Contra-Interessados

Meio Processual: Outros despachos

Aditamento:
Parecer Ministério
Publico:
1
Decisão Texto I - RELATÓRIO
Integral:
Os Municípios de C P (…), F (…), L (…), M (…), P F
(…), P (…) e P(…) instauraram, ao abrigo dos do
disposto nos arts 9º, nº 2, 72º e seguintes do CPTA e
2º, nº 2 da Lei 83/95, de 31-08, a presente acção
administrativa especial de impugnação de normas
contra o Conselho de Ministros (doravante CM) e
contra-interessadas EP (…), S.A e L (…),
SA (actualmente denominada A (…), SA, pedindo que
seja decretada a ilegalidade, com força obrigatória
geral, das normas constantes: 
1- «da Resolução do Conselho de Ministros n.º
75/2010, de 22 de Setembro, (i) de adoptar o princípio
da universalidade na implementação do regime de
cobrança de taxas de portagem em todas as auto-
estradas sem custos para o utilizador (SCUT); (ii) de
introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de
portagens nas auto-estradas SCUT Norte Litoral,
Grande Porto e Costa da Prata a partir de 15 de
Outubro de 2010; (iii) de introduzir um regime efectivo
de cobrança de taxas de portagem nas restantes
auto-estradas SCUT, designadamente SCUT Interior
Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve,
até 15 de Abril de 2011;

2- do Decreto-Lei n.º 67-A/2010, de 14 de Junho,


aprovado pelo Conselho de Ministros, (i) de
identificação dos lanços e sublanços de auto-estrada
sujeitos ao regime de cobrança de taxas de portagem
aos utilizadores (constante do anexo I do referido
diploma), e (ii) de fixação do dia 1 de Julho de 2010
como a data a partir da qual se inicia a cobrança das
mesmas, em todos os (2) segmentos referidos na
parte relativa (apenas) à Concessão Grande Porto;

por violação dos seguintes princípios constitucionais:

a) «da legalidade, da precedência de lei e do


congelamento de grau hierárquico», nos termos que
resultam dos artigos 157.º a 198.º da p.i.;

b) «Da coesão territorial dos domínios económico e


social consagrado na alínea g) do artigo 9º e na alínea
d) do artigo 81.º, ambos da CRP», nos termos que
resultam dos artigos 199.º a 209.º da p.i.;

c) «da protecção da confiança» (art. 266º, nº 2 da CRP);


«da violação das obrigações de satisfação de
pretensões dos habitantes da região instrumentais
dos direitos fundamentais à vida e à integridade
física (arts 24º e 25º da CRP), e das liberdades
fundamentais de deslocação (arts 27º da CRP), trabalho
e de iniciativa económica» (arts 47º, nº 1 e 61º da CRP) e
do «princípio da igualdade» (“material ou real”- art. 9º, al.
d) da CRP)», nos termos que resultam dos artigos
210.º a 234.º da p.i.;

d) «Da liberdade de circulação de pessoas e bens»


(arts 27º, nº 1 da CRP e 18.º do TFEU), nos termos que
resultam dos artigos 235.º a 252.º da p.i.; e

e) «Da igualdade» (art. 13.º da CRP), nos termos que


resultam dos artigos 253.º a 503.º da p. i..
O Réu e as contra-interessadas contestaram por
excepção e por impugnação.
Por excepção, opuseram:
O Conselho de Ministros 
A incompetência absoluta da jurisdição administrativa
e fiscal para conhecer o pedido referente às
disposições constantes do DL 67-A/2010, de 14-06, o
que faz, alegando que, nos termos do n° 2 do art. 4°
do Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais(doravante ETAF), está excluída dessa jurisdição
a apreciação de litígios que tenham por objecto a
impugnação de actos praticados no exercício da
função legislativa;

A incompetência absoluta da jurisdição administrativa


e fiscal para conhecer do pedido de declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das
disposições contidas naquele diploma e na Resolução
do Conselho de Ministros nº 75/2010, com fundamento
exclusivo na violação de preceitos constitucionais, por
tal juízo, nos termos do n.º 1 do art. 281º da CRP e nº
2 do art. 72º do CPTA, estar exclusivamente
reservado ao Tribunal Constitucional;

A ilegitimidade dos Autores para o pedido de


declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral,
das normas impugnadas, por, na falta de
desaplicação das normas impugnadas em três casos
concretos, apenas o Ministério Público ter legitimidade
para a formulação daquele pedido - cfr. art. 73º, nº 3 do
CPTA;

A ilegitimidade dos Autores para o pedido formulado


em relação à Resolução nº 75/2010, por, pretendendo
os mesmos – pessoas colectivas públicas territoriais
- ancorar a sua legitimidade no direito de acção
popular, apenas lhes ser legítimo formular pedidos
impugnatórios para a protecção de interesses que
relevem na respectiva área territorial, o que não
acontece no caso, em virtude de, com exclusão da
SCUT do Grande Porto para os municípios por ela
atravessados, as restantes auto-estradas nada terem
a ver com as atribuições das autarquias por elas não
são atravessadas, não estabelecendo qualquer tipo
de relação com os interesses das suas populações;

A particular ilegitimidade dos Municípios de C P(…), F


(…) e P (…) por, não sendo atravessados pela SCUT
do Grande Porto, ser absolutamente irrelevante, para
efeitos de fixação de um elemento de conexão que
permita a sua intervenção processual nos autos, a
invocada integração dos mesmos na região do
Tâmega (NUTS ITT Tâmega) ou a alegação de que a
maioria dos utilizadores dessa auto-estrada são
maioritariamente residentes nos municípios integrados
nessa região, sendo que aqueles Autores não indicam
interesses específicos que sustentem a sua
legitimidade e pelo menos o Município da Maia não
integra aNUTS III Tâmega.

A contra-interessada EP(…), S.A

A incompetência absoluta da jurisdição administrativa


para conhecer os pedidos relativos ao DL 67-A/2010 e
à Resolução nº 75/2010, por, respeitando a actos
praticados respectivamente no exercício de funções
legislativa e política, estarem excluídos do âmbito da
jurisdição administrativa por respeito ao princípio da
separação de poderes e em conformidade com o art.
4º, n.º 2, al. a) do ETAF;

A incompetência do Tribunal Central Administrativo


Norte para apreciar a matéria dos autos porquanto,
estando formulado um pedido de declaração de
ilegalidade de normas emanadas do Governo, órgão
constitucional, aprovadas pelo Conselho de Ministros,
ser o Supremo Tribunal Administrativo o competente
para conhecer da presente acção, cf. al. a)- iii) do nº 1
do art. 24º do ETAF;
A ilegitimidade dos Autores para formularem o pedido
de declaração de ilegalidade de normas com alcance
geral, já que para isso apenas o Ministério Público
detém legitimidade, cf. 73º, nº 1 do CPTA;

A ilegitimidade dos Autores, por o interesse que visam


defender - e que se reconduz a assegurar a circulação, a
título gratuito, em determinadas vias rodoviárias, com
postergação de um regime legal que impõe o pagamento de
taxas – não caber no âmbito material de protecção da
acção popular nem nos critérios de aferição da
legitimação processual para esta demanda (cf. arts 9º,
nº 2 do CPTA, 2º, nº 2 da Lei da Acção Popular e 52º, nº 3
da CRP);

Ilegitimidade dos Autores para tutela ou


representação dos cidadãos estrangeiros, já que a
terem legitimidade sempre a mesma estaria limitada à
tutela dos interesses dos residentes nos seus
concelhos, devendo o Tribunal abster-se de conhecer
as questões suscitadas nos arts 235º a 252º da
petição inicial (cf.art. 2º, nº 2 da Lei da Acção Popular)

A contra-interessada L(…), S.A.,

A inimpugnabilidade das normas legais que são


objecto da presente acção por, sendo as normas do
DL 67-A/2010 formal e materialmente um acto
legislativo e a Resolução nº 75/2010 conter apenas
decisões preliminares de cariz político, não serem,
nem umas nem outras, sindicáveis pelos Tribunais
Administrativos e Fiscais, em conformidade com o art.
4º, nº 2 do ETAF;

Ilegitimidade dos Autores para formularem pedidos de


declaração de ilegalidade de normas com força
obrigatória geral, por a aplicação das disposições
impugnadas não ter sido judicialmente recusada, com
fundamento em ilegalidade, em três casos
concretos (cf. arts 9º, nº 2 e 73º, nºs 1 e 3 do CPTA).

Por impugnação, o Réu e as contra-interessadas


defendem, em máxima síntese, que o DL 67-A/2010
e, bem assim, a Resolução do CM nº 75/2010 não
violam qualquer dos princípios constitucionais
invocados pelos Autores.

Os Autores, a fls 668 a 699, responderam à matéria


das excepções, pugnando pela improcedência de
todas elas. 
***
II- Cumpre apreciar as excepções, mostrando-se
para o efeito assente, com interesse, o seguinte: 
1- Em 5-11-2004, foi publicada, no Diário da
República, a Resolução n.º 157/2004 do Conselho de
Ministros, de que consta o seguinte:

«O Estado Português lançou, em 1999, sete concessões de


auto-estradas em regime de SCUT (sem cobrança para o
utilizador) num total de 914 km de extensão, representando
cerca de um terço das concessões rodoviárias nacionais
num investimento de 3,1 mil milhões de euros.

Os custos deste projecto foram à data diferidos cerca de


cinco anos, tendo os encargos mais significativos com as
concessões começado apenas em 2004. Depois de picos de
despesa em 2007 e em 2008, onde os encargos anuais com
as SCUT ascendem a mais de 820 milhões de euros, o valor
médio dos encargos anuais, entre 2008 e 2023, ascende a
cerca de 700 milhões de euros.

Estes encargos referem-se a três componentes de despesa:


o valor da renda anual a pagar às concessionárias, as
expropriações, e os reequilíbrios financeiros em negociação.

Dadas as restrições orçamentais existentes, o modelo actual


impõe aos contribuintes um encargo com estes 914 km de
estradas SCUT que é três vezes superior ao valor total
suportado pelo Estado/IEP (Instituto de Estradas de
Portugal) para construir 2500 km até 2008 e ainda manter e
conservar mais de 14000 km de rodovia já existente, num
total de 17000 km.

Considerando que o IEP recebeu em 2004, directamente do


Orçamento do Estado para investimento, uma verba de
cerca de 400 milhões de euros, resulta evidente que o
esforço financeiro devido às concessões SCUT anula
totalmente a capacidade de investimento do IEP nas suas
actividades tradicionais de manutenção da rede viária,
segurança rodoviária, conservação de estradas e pontes e
construção de obra nova, pondo em causa a
sustentabilidade da totalidade do sistema rodoviário
nacional.

O descontrolo das verbas já contratadas, de acordo com o


modelo original, foi de tal ordem que apenas em erros de
modelização das concessões, e mesmo antes da
inauguração da maioria dos troços SCUT, o Estado
Português suporta já, em correcções ao modelo original,
mais de 500 milhões de euros originados, nomeadamente,
pela ausência de estudos de impacte ambiental prévios ao
lançamento dos concursos e pela incorrecta repartição dos
riscos do projecto entre o Estado e as entidades privadas.

Esta lacuna do modelo não só provocou um acréscimo das


verbas a suportar como inviabilizou qualquer possibilidade
de candidatura a fundos comunitários, onde os referidos
estudos ambientais são requisito prévio.

Tal como refere o relatório de auditoria às concessões


rodoviárias em regime de portagem SCUT do Tribunal de
Contas, publicado em Maio de 2003, referindo-se a outra
concessão: «A derrapagem financeira verificada nesta
concessão SCUT é bem elucidativa da falta de rigor
evidenciada quer no lançamento do concurso e avaliação
dos projectos, quer na gestão dos dinheiros públicos.

A continuidade do modelo actual implica que o contribuinte


suporte cada vez mais custos e as soluções clássicas
apresentam limitações, sendo necessário procurar
alternativas para financiamento do sistema.

Para além da dimensão do problema, ao nível


macroeconómico de insustentabilidade do sistema
rodoviário, existe toda uma problemática microeconómica
relacionada com a elevada exposição dos bancos e das
empresas de construção nacionais, principais intervenientes
neste projecto.

A solução estrutural passa necessariamente pela análise da


introdução de portagens, sendo claro que ainda assim esta
medida é insuficiente, quer no curto quer no médio e longo
prazos.

A introdução de portagens acarreta uma série de implicações


de diversa natureza que importa salientar:

De natureza contratual, nomeadamente, porque implica a


alteração jurídica dos contratos de concessão e a separação
de dois objectos de concessão: por um lado a construção,
manutenção e exploração da auto-estrada e, por outro, a
instalação, manutenção e exploração de um serviço de
cobrança de portagens.

A alteração dos actuais contratos de concessão deverá


seguir o regime previsto no Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26
de Abril, nos termos do qual serão as alterações
acompanhadas por uma comissão especialmente constituída
para o efeito, nomeada por despacho conjunto dos Ministros
das Finanças e da Administração Pública e das Obras
Públicas, Transportes e Comunicações, que verificará todos
os requisitos legalmente impostos, designadamente os
constantes dos artigos 6.º e 7.º do mesmo diploma;

De índole financeira, nomeadamente, porque origina a


renegociação dos contratos de financiamento existentes, o
accionamento dos reequilíbrios financeiros e as formas de
compensação a adoptar;

De natureza técnica, nomeadamente, por via da necessidade


de definição do tipo de portagens (tradicionais, electrónicas
ou mistas), da tecnologia (tipo Via Verde ou GSM/GPS), do
uso de identificador (sistema aberto: todos podem circular,
com ou sem identificador; ou sistema fechado: só quem tem
identificador pode circular) e do regime dos utentes não
equipados com esses dispositivos;

Por fim, de carácter social - discriminação positiva,


nomeadamente a selecção dos critérios para definição dos
beneficiários, a definição da incidência (isenção total ou
parcial e sua aplicação a troços já existentes objecto de
alargamento ou melhoramento), a definição do valor da
portagem (nova tarifa, tarifa do modelo financeiro,
concessões actuais com portagens ou break even).

A insuficiência previsível de meios libertos pelas portagens


para cobrir os encargos a suportar pelo Estado, que são
substancialmente agravados a partir de 2005, obriga a que
se encontrem fontes de financiamento alternativas.

A obtenção destas fontes de financiamento adicionais torna-


se imprescindível para a cobertura dos montantes
necessários para fazer face ao défice infligido pelo actual
modelo de concessão. Caso contrário, ficará totalmente
inviabilizada a execução do Plano Rodoviário Nacional e
serão postos em causa os investimentos em manutenção e
segurança de toda a rede rodoviária existente.

Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o
Conselho de Ministros resolve:

1- Aprovar, como grandes linhas orientadoras do modelo de


financiamento das concessões rodoviárias nacionais:

a) A introdução de portagens nas auto-estradas, de acordo


com o princípio do utilizador-pagador;

b) A operação de titularização de créditos das receitas de


activos rodoviários.

2- Aprovar a constituição de um fundo para a conservação,


beneficiação e segurança das infra-estruturas rodoviárias
não concessionadas.

3- Incumbir o Ministro das Obras Públicas, Transportes e


Comunicações da condução da reforma do sistema de
financiamento das auto-estradas SCUT, mandatando-o para:

a) Iniciar negociações com as concessionárias rodoviárias


em regime de portagem SCUT, para ponderar da viabilidade
económica da referida reforma;

b) Propor ao Conselho de Ministros a aprovação das


iniciativas legislativas e das medidas administrativas e
regulamentares que se revelem necessárias.

4 - Determinar que os objectivos referidos nos nºs 1 e 2


sejam concretizados através da adopção das seguintes
medidas prioritárias:

a) Lançamento dos estudos relativos aos impactes sociais,


económicos e financeiros da iniciativa, às formas de
compensação a adoptar e a definição da incidência
subjectiva das portagens;

b) Elaboração do projecto de reforma do sistema de


financiamento das concessões rodoviárias nas vertentes
contratual, técnica e financeira, identificando as concretas
acções a desenvolver;

c) Determinação da natureza, a entidade gestora e o destino


do fundo para a conservação, beneficiação e segurança das
infra-estruturas rodoviárias não concessionadas, bem como
identificar as providências atinentes à sua constituição;

d) Formulação de um plano de aplicação das receitas da


operação de titularização de créditos na manutenção,
conservação e segurança das infra-estruturas rodoviárias.

5- Estabelecer que a concretização das medidas enunciadas


nos números anteriores devem obedecer à seguinte
calendarização:

a) Até 15 de Novembro de 2004, devem ser tomadas as


medidas prioritárias definidas no n.º 4;

b) Até 15 de Dezembro de 2004, devem ser submetidas à


aprovação do Conselho de Ministros as iniciativas
legislativas referidas no n.º 3;

c) Até 31 de Dezembro de 2004, deve entrar em vigor o novo


modelo de financiamento das concessões rodoviárias
nacionais.

Presidência do Conselho de Ministros, 30 de Setembro de


2004. - O Primeiro-Ministro»

2- No que concerne ao disposto no ponto 4., al. a)


dessa Resolução, foram promovidos dois estudos
pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e
Comunicações (MOPTC) que deram origem a outros
tantos relatórios: o do MOPTC, intitulado «O regime
SCUT enquanto instrumento de correcção de assimetrias
regionais – Critérios para aplicação de portagens» e o da
EP- Estradas de Portugal (elaborado pela F9 Consulting),
intitulado «O regime SCUT enquanto instrumento de
correcção de assimetrias regionais – estudo de critérios para
aplicação de portagens em auto-estradas SCUT» (cfr. docs
nºs 4 e 5 dos presentes autos, fls 198 a 210 e 211 a 242,
respectivamente vols I e II dos presentes autos, cujos teores
aqui se dão por integralmente reproduzidos);

3- Em 6-03-2010, foi aprovada, em reunião


extraordinária do Conselho de Ministros, a proposta
do Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-
2013 (PEC), a apresentar à Assembleia da
República (cf. doc. nº 8, fls. 316, vol. II dos presentes autos,
que se dá por reproduzido);

4- Em 13-03-2010, foi aprovada, em reunião


extraordinária do Conselho de Ministros, a versão
definitiva do Programa de Estabilidade e
Crescimento (PEC), a remeter à Assembleia da
República, constando desse documento,
designadamente, que:

«― II.4.3 Introdução de Portagens

Serão introduzidas taxas nas auto-estradas Sem Custos


para o Utilizador (SCUT) na Concessão SCUT Norte Litoral,
Concessão SCUT Grande Porto e Concessão SCUT Costa
da Prata. Nas restantes SCUT serão introduzidas taxas de
portagem, uma vez verificados os critérios utilizados para a
sua introdução.

Proceder-se-á à avaliação e revisão do modelo de


financiamento das Estradas de Portugal, visando a
racionalização e garantia da sua sustentabilidade, num
contexto em que a infra-estrutura rodoviária nacional está em
fase de conclusão» (cf. docs nºs 9 e 7, a fls. 317 e 262 a
315, todas do vol. II destes autos, que se dão por
reproduzidos, maxime fls 285);

5- O PEC foi remetido à Assembleia da República


para discussão, realizada em 25-03-2010, data em
que aquele órgão aprovou a Resolução n.º 29/2010,
publicada no Diário da República de 12-04-2010, em
que consta:
«(…)
Programa de Estabilidade e Crescimento para 2010-2013 
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do
artigo 166.º da Constituição, o seguinte: 
1- Apoiar a consolidação orçamental constante do Programa
de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013,
assumindo a necessidade da redução do défice para 2,8 %
do PIB até 2013 e do controlo do crescimento da dívida
pública, bem como da promoção do crescimento sustentado
da economia e do emprego e do reforço das condições
estruturais de competitividade e de internacionalização da
economia portuguesa. 
2- Reconhecer a prioridade conferida à redução da despesa
pública, em particular a despesa corrente.

3- Assumir que o esforço de investimento público e de


iniciativa pública a realizar deverá ter em consideração a
necessidade de assegurar a sustentabilidade da
consolidação orçamental e de controlo do endividamento
público e privado e contribuir para o reforço do potencial
produtivo do País, a sua modernização e a sua
competitividade numa perspectiva de crescimento
sustentado. (…)»;
6- Em 11-03-2010, o Conselho de Ministros emitiu o
seguinte comunicado:

«I. O Conselho de Ministros, reunido hoje na Presidência do


Conselho de Ministros, aprovou os seguintes diplomas:
(…)
3. Decreto-Lei que procede à primeira alteração ao Decreto-
Lei n.º 142-A/2001, de 24 de Abril, que atribui à Sociedade
Lusoscut–Auto-Estradas das Beiras Litoral e Alta, S. A., a
concessão da concepção, projecto, construção,
financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-
estradas e conjuntos viários associados, designados por
Beira Litoral/Beira Alta 
4. Decreto-Lei que procede à primeira alteração ao Decreto-
Lei n.º 87-A/2000, de 13 de Maio, que aprova as bases da
concessão da concepção, projecto, construção,
financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-
estrada e conjuntos viários associados designada por Costa
de Prata

5. Decreto-Lei que procede terceira alteração ao Decreto-Lei


n.º 380/2007, de 13 de Novembro, que atribui à EP -
Estradas de Portugal, S.A., a concessão do financiamento,
concepção, projecto, construção, conservação, exploração,
requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional e
aprova as bases da concessão

6. Decreto-Lei que procede à primeira alteração ao Decreto-


Lei n.º 242/2006, de 28 de Dezembro, que aprova as bases
da concessão da concepção, projecto, construção, aumento
do número de vias, financiamento, manutenção e exploração
dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados,
designada por Grande Lisboa

7. Decreto-Lei que procede à segunda alteração ao Decreto-


Lei n.º 189/2002, de 28 de Agosto, que aprova as bases da
concessão da concepção, projecto, construção, aumento do
número de vias, financiamento, exploração e conservação de
lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados
designada por concessão Scut do Grande Porto

8. Decreto-Lei que procede à sexta alteração ao Decreto-Lei


n.º 248-A/99, de 6 de Julho, que atribui ao consórcio Aenor -
Auto-Estradas do Norte, S. A., a concessão da concepção,
projecto, construção, financiamento, exploração e
conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários
associados na zona norte de Portugal e aprova as bases de
concessão
9. Decreto-Lei que procede à primeira alteração ao Decreto-
Lei n.º 234/2001, de 28 de Agosto, que aprova as bases da
concessão da concepção, projecto, construção,
financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-
estrada e conjuntos viários associados, designada por
Concessão Scut Norte Litoral

Este conjunto de diplomas altera as bases das concessões


da concepção, projecto, construção, financiamento,
exploração e conservação dos lanços de auto-estrada e
conjuntos viários associados designados por Concessão EP
- Estradas de Portugal, S. A., Concessão Costa de Prata,
Concessão Scut Grande Porto, Concessão Scut Norte
Litoral, Concessão Scut Beira Litoral e Beira Alta, Concessão
Grande Lisboa e Concessão Norte.

As alterações às bases de concessão agora aprovadas


visam os seguintes objectivos:

Em primeiro lugar, pretende-se concretizar o novo modelo de


gestão e de financiamento do sector das infra-estruturas
rodoviárias. Com as alterações introduzidas, nos casos em
que existam ou venham a existir pagamento de portagens
pelos utentes, a Estradas de Portugal, S.A. (EP) passa a ter
o direito de receber as receitas das taxas de portagem
devidas nas concessões abrangidas. A remuneração às
concessionárias passa a ser feita através do pagamento pela
disponibilidade das redes viárias que estas colocam ao
serviço dos utentes.

Em segundo lugar, relativamente a certas concessões Scut


onde não havia pagamento de portagem por parte dos
utentes (Concessão Scut Costa de Prata, Concessão Scut
Grande Porto e Concessão Scut Norte Litoral), introduz-se
agora a possibilidade de cobrança de portagens aos utentes,
revertendo a receita das mesmas para a EP, S. A., nos
termos do novo modelo de gestão e de financiamento do
sector das infra-estruturas rodoviárias.

Relativamente à Concessão Scut Beira Litoral e Beira Alta, o


diploma aprovado não prevê que os utentes passem a pagar
portagens.

No tocante à Concessão Grande Lisboa e à Concessão


Norte, já existem pagamentos de portagens pelos utentes.
Nestes casos, com o novo modelo, a EP S.A. passa a
receber os montantes dessas portagens e a efectuar
pagamentos por disponibilidade das vias às
concessionárias.» (cfr. doc. nº 10, a fls 318, vol. II dos
presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente
reproduzido);

7- Um dos diplomas referidos no facto antecedente,


que alterou as bases da concessão SCUT Grande
Porto, veio a ser publicado sob a forma de Decreto-Lei
com o n.º 44-G/2010, de 5 de Maio, aí se
estabelecendo que «o Estado, se e quando o determinar
expressamente, pode introduzir portagens em qualquer troço
das concessões em causa» (v. preâmbulo do diploma legal
citado);

8- Nos termos do nº 1 da Base LVII-A, introduzida


pelo diploma legal acima referido, «o Governo, mediante
decreto-lei, identifica os Lanços e ou Sublanços de Auto-
Estrada que passam a ficar sujeitos a um regime de
cobrança de taxas de portagem aos utilizadores, podendo
prever isenções de pagamento a tráfegos locais» e, nos
termos do nº 3 da mesma Base, «os Decretos-Leis a que se
referem os números anteriores devem, respectivamente,
fixar as datas a partir das quais se inicia ou cessa a
cobrança de taxas de portagem»;

9- A introdução de portagens, determinada nos termos


mencionados, é antecedida de um procedimento,
previsto e regulado na Base LVII-B, igualmente
introduzido pelo diploma legal acima referido,
procedimento esse que pode ser sintetizado nos
seguintes passos: «no caso de se pretender introduzir um
regime de cobrança de portagens em Lanços ou Sublanços
de Auto-Estrada, o Concedente deve, previamente, solicitar
à Concessionária a elaboração de uma proposta…» (n.º 1 da
Base em referência); a Concessionária «deve apresentar
ao Concedente a proposta a que se refere o número anterior
no prazo de 60 dias a contar da solicitação aí referida, tendo
lugar, em seguida, um processo negocial com base na
proposta apresentada, o qual deve estar concluído no prazo
de 60 dias a contar do seu início» (nº 2 da mesma
Base); apresentada a proposta, a que se segue o
período negocial, quer as partes cheguem ou não a
acordo quanto aos termos e condições da introdução
de portagens, é outorgado ao Estado o direito de
determinar a introdução de portagens nos respectivos
Lanços ou Sublanços, nos termos previstos na Base
LVII-A (cfr. n.º 3 e 4 da Base LVII-B);
10- Na reunião do Conselho de Ministros, realizada
em 6-05-2010, foi emitido um comunicado, de que
consta, designadamente, que:

«I. O Conselho de Ministros, reunido hoje na Presidência do


Conselho de Ministros, aprovou os seguintes diplomas:

(…)

3. Decreto-Lei que procede à identificação dos lanços e dos


sublanços de auto-estrada sujeitos ao regime de cobrança
de taxas de portagem aos utilizadores, e respectivas
isenções, e fixa a data a partir da qual se inicia a cobrança
das mesmas;

4. Resolução do Conselho de Ministros que aprova a minuta


do contrato de alteração ao contrato de concessão da
concepção, projecto, construção, financiamento, exploração
e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários
associados, designada por Costa de Prata;

5. Resolução do Conselho de Ministros que aprova a minuta


do contrato de alteração ao contrato da concepção, projecto,
construção, financiamento, exploração e conservação, em
regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (Scut),
dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados,
designada por Grande Porto;

6. Resolução do Conselho de Ministros que aprova a minuta


do contrato de alteração ao contrato de concessão da
concepção, projecto, construção, financiamento, manutenção
e exploração dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários
associados, designada por Norte Litoral;

7. Resolução do Conselho de Ministros que aprova as


alterações ao contrato de concessão do financiamento,
concepção, projecto, construção, conservação, exploração,
requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional,
celebrada entre o Estado Português e a EP, Estradas de
Portugal, S. A., cuja minuta foi aprovada pela Resolução do
Conselho de Ministros n.º 174-A/2007, de 23 de Novembro;

8. Resolução do Conselho de Ministros que aprova a minuta


do contrato de alteração ao contrato de concessão da
concepção, projecto, construção, aumento do número de
vias, financiamento, manutenção e exploração dos lanços de
auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por
Grande Lisboa;
9. Resolução do Conselho de Ministros que aprova a minuta
do contrato de alteração ao contrato de concessão, em
regime de concepção, projecto, construção, financiamento,
exploração e conservação, em regime de portagem, de
lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na
zona norte de Portugal, designada por concessão Norte;

10. Resolução do Conselho de Ministros que aprova a


minuta do contrato de alteração ao contrato de concessão da
concepção, projecto, construção, financiamento, exploração
e conservação, em regime de portagem sem cobrança aos
utilizadores, dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários
associados, designada por Beira Litoral/Beira Alta;

Através do Decreto-Lei aprovado estabelece-se a


identificação dos lanços e sublanços de auto-estrada que, a
partir do dia 1 de Julho de 2010, ficam sujeitos ao
pagamento de portagens nas concessões Costa de Prata,
Grande Porto e Norte Litoral.

Trata-se de uma medida que cumpre os critérios fixados no


Programa do Governo e dá execução ao Programa de
Estabilidade e Crescimento 2010-2013, que visa a
consolidação das contas públicas.

Neste sentido, são também aprovadas, por Resolução, as


minutas de alteração dos contratos de concessão em causa.

É ainda aprovada a Resolução do Conselho de Ministros que


aprova as alterações ao contrato de concessão do
financiamento, concepção, projecto, construção,
conservação, exploração, requalificação e alargamento da
rede rodoviária nacional atribuída à EP, Estradas de
Portugal, S.A., bem como alterações aos contratos de
concessão que concretizam o novo modelo de gestão e
financiamento do sector das infra-estruturas rodoviárias.
Segundo este modelo, quando exista pagamento de
portagens pelos utentes, a Estradas de Portugal, S.A. (EP)
passa a receber as receitas das taxas de portagem devidas
nas concessões abrangidas, sendo a remuneração às
concessionárias feita através do pagamento pela
disponibilidade das redes viárias que estas colocam ao
serviço dos utentes» (cf. doc. n.º 11, fls. 319 e 320, vol.
II destes autos, e Resolução nº 39-G/2010, de 6-05-2010,
publicada no DR, I Série, de 4-06-2010, que se dão por
reproduzidos);

11- O Conselho de Ministros, na reunião referida no


número anterior, aprovou a introdução de portagens
em várias SCUTs, que veio a constar do Decreto-Lei
n.º 67-A/2010, de 14-06-2010, que, no respeitante à
SCUT Grande Porto, identificou os lanços e sublanços
de auto-estrada sujeitos ao regime de cobrança de
taxas de portagem aos utilizadores (Anexo I), os lanços
e sublanços de auto-estrada nos quais os respectivos
utilizadores ficam isentos de pagamento de taxas de
portagem (Anexo II) e fixou, como data de início da
referida cobrança, o dia 1 de Julho de 2010;

12- Em 14-06-2010, foram também publicadas as


Portarias nº 314-A/2010 e nº 314-B/2010, com a
regulamentação do sistema de cobrança de
portagens;

13- Em 7-09-2010, foi publicada a Lei nº 46/2010, pela


qual a Assembleia da República designadamente
procedeu à alteração do “Regulamento de Matrícula dos
Automóveis, Reboques, Motociclos, Ciclomotores, Triciclos,
Quadriciclos, Máquinas Industriais e Máquinas Industriais
Rebocáveis”, para possibilitar a cobrança de portagens nas
SCUTS, nomeadamente através de «dispositivos
electrónicos de matrícula», e aditou o art. 4º-A ao DL n.º
112/2009, de 18-05, com a seguinte redacção: “Nas
infra-estruturas rodoviárias que apenas disponham de um
sistema de cobrança electrónica de portagens, a cobrança
de portagem processa-se com recurso a uma das seguintes
formas de pagamento: a) Utilização do dispositivo electrónico
de matrícula; b) utilização do dispositivo Via Verde; c)
Utilização de dispositivo temporário; d) Pós - pagamento nos
termos legalmente estabelecidos” (n.º 1) e «A forma de
pagamento de portagem previsto na alínea d) do nº 1 não é
aplicável aos veículos de matrícula estrangeira» (n.º 4);

14- Em 22-09-2010, foi publicada no Diário da


República a Resolução do Conselho de Ministros nº
75/2010, de 9 de Setembro, com o seguinte teor:

«Resolução do Conselho de Ministros nº 75/2010

A introdução de portagens em auto-estradas sem custos


para o utilizador (SCUT) está prevista no Programa de
Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013, aprovado
pela Comissão Europeia, em 14 de Abril de 2010, como
sendo uma das medidas de consolidação das contas
públicas, relevando para a redução do défice e constituindo
hoje, à semelhança das restantes medidas de idêntica
natureza, um compromisso claro de Portugal junto da União
Europeia e dos seus parceiros europeus.

A introdução de portagens reais nas concessões SCUT


Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata, bem como nas
restantes SCUT que cumpram os critérios definidos para o
efeito, consta igualmente do Programa do XVIII Governo
Constitucional e do Orçamento do Estado para 2010.

Para a concretização desta medida, foi alterado o modelo de


gestão e de financiamento do sector das infra-estruturas
rodoviárias, assente em princípios como o da coesão
territorial, o da solidariedade inter-geracional e o da
contratualização de longo prazo das responsabilidades
decorrentes da construção, gestão, manutenção e
conservação da rede rodoviária nacional, atribuindo-se à EP
- Estradas de Portugal, S. A., a concessão da rede rodoviária
nacional, de modo a assegurar a sua sustentabilidade
económica e financeira.

Este modelo garante uma maior equidade e justiça social, na


actual conjuntura económica, e fomenta a criação de
condições para que se assegure a sustentabilidade do sector
rodoviário, nomeadamente através do reforço da
conservação, da segurança e da execução do Plano
Rodoviário Nacional (PRN).

O esforço efectuado para a concretização do PRN, cuja taxa


de execução atingiu em 2010 os 63 %, verificando-se um
crescimento de 13 % face à execução acumulada em 2004
(50 %), e que se concentrou no interior do País, onde alguns
distritos apresentavam taxas de execução do PRN inferiores
a 35 %, contra taxas superiores a 70 % no litoral do País, só
pode ser prosseguido se, num acto de justiça e de
solidariedade, as regiões que já dispõem de infra-estruturas
rodoviárias e de maior desenvolvimento económico
contribuírem financeiramente para a sustentabilidade do
sector rodoviário.

O Governo tomou a decisão de introdução de portagens,


designadamente nas SCUT Norte Litoral, Grande Porto e
Costa da Prata, através do Decreto-Lei n.º 67-A/2010, de 14
de Junho, o qual identificou os lanços e os sublanços de
auto-estrada sujeitos ao regime de cobrança de taxas de
portagem aos utilizadores que, de acordo com os estudos
técnicos efectuados, cumpriam os critérios definidos no
Programa do Governo quanto ao desenvolvimento
económico-social da região e à existência de alternativas.

Simultaneamente, o Governo publicou as Portarias n.ºs 314-


A/2010 e 314-B/2010, ambas de 14 de Junho, que
regulamentam o sistema de cobrança de portagens,
finalizando, desta forma, o processo para a introdução de
portagens, no calendário fixado no PEC.

Contudo, atento o novo regime jurídico resultante da


publicação da Lei n.º 46/2010, de 7 de Setembro, o Governo
define os princípios políticos que devem sustentar as novas
medidas normativas e operacionais para que possa ser dado
cumprimento aos compromissos já assumidos pelo Estado
Português em matéria de cobrança de taxas de portagem
nas SCUT.

Torna-se, deste modo, necessário: i) adequar a data de


início de cobrança de taxas de portagem nas SCUT Norte
Litoral, Grande Porto e Costa da Prata ao disposto na Lei n.º
46/2010, de 7 de Setembro; ii) adoptar o princípio da
universalidade na implementação do regime de cobrança de
taxas de portagem, e iii) criar um regime de discriminação
positiva, na cobrança de taxas de portagem, para os
utilizadores locais das regiões mais desfavorecidas.

Assim:

Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o


Conselho de Ministros resolve:

1- Adoptar o princípio da universalidade na implementação


do regime de cobrança de taxas de portagem em todas as
auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT).

2 - Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de


portagens nas auto-estradas SCUT Norte Litoral, Grande
Porto e Costa da Prata a partir de 15 de Outubro de 2010,
em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º
67-A/2010, de 14 de Junho.

3- Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de


portagem nas restantes auto-estradas SCUT, designadas
por SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e
Algarve, até 15 de Abril de 2011, nos termos de diploma
legal a aprovar.

4- Adoptar um regime de discriminação positiva, na cobrança


de taxas de portagem, para os utilizadores locais das regiões
mais desfavorecidas.

5- Determinar que, para efeitos do disposto no número


anterior, o regime da discriminação positiva se
consubstancia na aplicação de um sistema misto de
isenções e de descontos nas taxas de portagem, para as
populações e empresas locais, através de isenções nas
primeiras dez utilizações mensais e de descontos de 15 %
nas utilizações seguintes da respectiva auto-estrada SCUT.

6- Considerar como populações e empresas locais a


abranger pelo regime de discriminação positiva aquelas que
tenham residência ou sede na área de influência da SCUT,
definida em função das regras seguintes:

a) Nas áreas metropolitanas, com maior densidade de oferta


de infra-estruturas (SCUT Norte Litoral, Grande Porto e
Costa de Prata), aquelas que residam ou tenham sede nos
concelhos em que uma qualquer parte do seu território fique
a menos de 10 km da via;

b) Fora das áreas metropolitanas (SCUT Interior Norte,


Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve), aquelas que
residam ou tenham sede nos concelhos inseridos numa
nomenclatura de unidade territorial (NUT) iii em que uma
qualquer parte do território dessa NUT fique a menos de 20
km da via.

7- Estabelecer que até 30 de Junho de 2012 é feita uma


aplicação transitória e uniforme do regime de discriminação
positiva em todas as auto-estradas SCUT, segundo os
critérios fixados no número anterior.

8- Estabelecer que a partir de 1 de Julho de 2012,


considerada a evolução positiva previsível na oferta de
alternativas, a aplicação do regime de discriminação positiva
se mantém apenas nas SCUT que sirvam regiões mais
desfavorecidas, tendo em conta o índice de disparidade do
produto interno bruto (PIB) per capita regional,
nomeadamente nas regiões que registem menos de 80 % da
média do PIB per capita nacional.

9- Determinar que compete aos Ministérios das Finanças e


da Administração Pública e das Obras Públicas, Transportes
e Comunicações assegurar em tempo útil a adopção das
medidas necessárias à implementação do princípio da
universalidade, designadamente a construção das infra-
estruturas indispensáveis para o efeito e a revisão dos
contratos de concessão.

Presidência do Conselho de Ministros, 9 de Setembro de


2010. - O Primeiro-Ministro (…) »;

15- O regime de discriminação positiva referido no


facto antecedente veio a ser regulamentado na
Portaria n.º 1033-A/2010, publicada no Diário da
República de 6 de Outubro;

16- Na mesma data e pelo mesmo meio, vieram a ser


publicadas as Portarias n.º 1033-B/2010 (procede à
alteração da Portaria n.º 314-A/2010, de 14-06, que
estabelece os termos e condições a que obedece o
tratamento das bases de dados obtidos mediante a
identificação ou a detecção electrónica de veículos
através do dispositivo electrónico de matrícula) e n.º
1033-C/2010 (altera a Portaria n.º 314.º-B/2010, de-06, que
define o modo de utilização do dispositivo electrónico de
matrícula para efeitos de cobrança electrónica de dados);

III- O DIREITO
Como já se disse, na presente acção administrativa
especial de impugnação das normas do DL
67-A/2010, de 14-06, e das pretensas normas da
Resolução do Conselho de Ministros nº 75/2010, de
22-09, os Autores pedem a declaração de ilegalidade,
com força obrigatória geral, desses “normativos”, com
fundamento exclusivo na violação de princípios
constitucionais: «da legalidade» e «da igualdade»
pelas normas do DL 67-A/2010; da legalidade e «da
precedência de lei e do congelamento de grau
hierárquico» pelas pretensas normas da Resolução nº
75/2010; «Da coesão territorial dos domínios
económico e social»;«Da protecção da confiança; da
violação das obrigações de satisfação de pretensões
dos habitantes da região instrumentais dos direitos
fundamentais à vida e à integridade física, e das
liberdades fundamentais de deslocação, trabalho e de
iniciativa económica», «da igualdade material ou
real»; e «Da liberdade de circulação de pessoas e
bens».
O Réu e as contra-interessadas opuseram a excepção
de incompetência da jurisdição administrativa e fiscal
para apreciar os pedidos formulados pelos Autores.

Considerando que, em conformidade com o art. 13º


do CPTA, o âmbito da jurisdição administrativa e a
competência dos tribunais administrativos em
qualquer das suas espécies são de ordem pública e o
seu conhecimento precede o conhecimento de
qualquer outra questão, por aí começaremos.

Aliás, a mesma problemática jurídica foi suscitada no


processo cautelar dependente dos presentes autos e,
por acórdão de 2-02-2012 (que também relatámos), a
excepção da falta de jurisdição deste Tribunal foi
julgada procedente e o Requerido e as contra-
interessadas absolvidos da instância.

Não tendo sido aduzido qualquer novo argumento,


designadamente na resposta dos Autores à matéria
das excepções de incompetência e apesar dessa
resposta ter sido oferecida já depois de proferido o
referido acórdão, não temos nenhuma razão para nos
afastarmos dos termos dessa decisão.

Assim, para além de algumas adaptações decorrentes


de estarmos agora em sede de acção principal,
seguiremos a par e passo aquele acórdão.

Avancemos, então.

Nos presentes autos, constata-se que o Conselho de


Ministros e as contra-interessadas, em tese geral,
sustentam antes de mais que:

- A apreciação do litígio no respeitante ao DL


67-A/2010, tendo por objecto um acto praticado pelo
Governo no exercício da função legislativa, está
excluída do âmbito da jurisdição administrativa e
fiscal, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 4º do ETAF;
- A apreciação do litígio no respeitante à Resolução nº
75/2010, tendo por objecto um acto praticado pelo
Governo no exercício da função política (ou político-
legislativa), está, igualmente nos termos da mesma
disposição legal, excluída também da referida
jurisdição.

Em contraposição, os Autores defendem que:

- Relativamente ao DL 67-A/2010, no caso em apreço,


o Governo exerceu as suas funções administrativas
sob a forma de decreto-lei, pois, para além do referido
diploma não comportar nenhuma decisão de carácter
político, não tem conteúdo inovatório, limitando-se a
regulamentar a decisão, já introduzida no
ordenamento jurídico português através da Resolução
n.º 157/2004, de 30-09, de introduzir portagens em
todas as SCUTS, completando, desenvolvendo,
executando e concretizando essa decisão, tendo,
assim, as normas desse diploma natureza meramente
regulamentar.

- Relativamente à Resolução nº 75/2010, resulta


desde logo expressamente que a mesma foi emitida
pelo Conselho de Ministros, nos termos da alínea g)
do artigo 199.º da CRP, no exercício de funções
administrativas, mas, ainda a admitir que a referida
Resolução, no segmento em que consagra
inovadoramente o princípio da universalidade,
comporta uma decisão de carácter político, tal não
obsta a que possa ser sindicada junto dos Tribunais
Administrativos, quer porque foi tomada no exercício
de funções administrativas, quer porque a mesma não
se limita a consagrar o princípio da universalidade,
contendo várias outras disposições de cariz
regulamentar, designadamente na parte em que, com
base na lei, fixa a data de início de cobrança de
portagens e o próprio regime de discriminação
positiva.

Portanto, primeiramente há que ver a alegada falta de


competência da jurisdição administrativa e fiscal para
apreciar o litígio trazido pelos Autores.

Como é consabido, em conformidade com a al. a) do


nº 2 do art. 4º do ETAF, está excluída do âmbito da
jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de
litígios que tenham por objecto a impugnação de actos
praticados no exercício das funções política e
legislativa, circunscrevendo-se essa jurisdição à
sindicância dos litígios da função administrativa.

Em face desta disposição, a divergência reside


essencialmente no facto dos Autores sustentarem que
as normas impugnadas são “normas materialmente
administrativas”, enquanto o Réu e as contra-
interessadas qualificam as normas do DL 67-A/2010
como normativos produzidos no exercício da
competência legislativa e o conteúdo da Resolução nº
75/2010 como decisões do Governo de cariz político
(ou político-legislativo).

Ou seja, a decisão sobre a excepção dilatória em


apreço exige logo que se faça a distinção entre acto
praticado no exercício da função política e acto
praticado no exercício da função legislativa,
designadamente no que concerne à sua distinção de
acto praticado no exercício da função administrativa,
pois, nos termos da citada al. a) do nº 2 do art. 4º, só
esta última releva para efeitos de delimitação do
âmbito da jurisdição administrativa.

Vejamos, pois, o que importa ter em conta para


determinar a natureza das disposições impugnadas.
*
3.1- A Constituição da República Portuguesa, no
capítulo respeitante à competência do Governo,
estabelece que este tem competências políticas (art.
197.º), legislativas (art. 198.º) e administrativas (art.
199.º).
Porém, no texto constitucional não se encontra uma
definição sobre cada uma dessas competências,
indicando-se apenas alguns actos ou medidas em que
as mesmas se podem traduzir, o que, embora não
resolva as dificuldades da sua delimitação rigorosa,
ajuda a definir em que consiste e que poderes integra
cada uma dessas competências. E, no caso “sub
judice”, como se disse já, trata-se de uma delimitação
que é indispensável para decidir a natureza – política,
legislativa ou administrativa – das disposições
impugnadas e, com base nela, resolver a questão de
saber se a jurisdição administrativa é ou não
competente para apreciar e dirimir o conflito trazido
pelos Autores.

Assim,

3.1.1- Ocupemo-nos, num primeiro momento, da


definição do conceito de acto político, uma vez que
estão desde logo excluídos da jurisdição
administrativa “os actos praticados no exercício da
função política”.

Esta função, como foi definida no Parecer do


Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da
República n.º 12/92, de 30/3/92, é "a actividade
tendente a implementar a aplicação da lei pela
Administração, de harmonia com determinada
orientação baseada, em regra, em certo corpo de
doutrina". Segundo o mesmo Parecer, "no âmbito da
função política (…) define-se primária e globalmente o
interesse público, interpretam-se os fins do Estado e
escolhem-se os meios em cada momento adequados
à sua prossecução."

O Conselheiro Dr. Jorge de Sousa, depois de uma


análise exaustiva da doutrina e jurisprudência sobre
os limites das funções administrativa e política, in
“Poderes de cognição dos tribunais administrativos
relativamente a actos praticados no exercício da
função política” Revista Julgar, nº 3, 2007, págs. 119
e segs, em especial pág. 134, concluiu, na linha mais
recente da jurisprudência e doutrina, que «(…) É de
adoptar (…) um conceito restrito de actos políticos,
restringindo-os aos actos dos órgãos superiores do
Estado.

Este foi o entendimento adoptado pela jurisprudência


referida à face do art. 4.º, n.º 1, alínea a) do ETAF de
1984, que está em consonância com o que, antes
dele, dispunha ao art. 16.º da Lei Orgânica do
Supremo Tribunal Administrativo, em cujo n.º 2 se
afastava da possibilidade de recurso contencioso “os
actos da competência própria do Presidente da
República e os actos de governo de conteúdo
essencialmente político”.
(…) Já na vigência do ETAF de 2002, o Supremo
Tribunal Administrativo reafirmou o referido conceito
de “acto praticado no exercício da função política”,
designadamente no que concerne à sua distinção do
acto praticado no exercício da função administrativa,
que é a que releva para efeitos de delimitação do
âmbito da jurisdição administrativa, tendo entendido
que a função política corresponde à prática de actos
que exprimem opções fundamentais sobre a definição
e prossecução dos interesses ou fins essenciais da
colectividade. (…)» (referindo-se ao Ac. do STA de 6-3-
2007, proc. nº 1143/06).

Aquele ilustre Conselheiro do STA reconhece, no


entanto, que esse “conceito de actos políticos para
efeitos de afastamento da jurisdição administrativa
deverá ainda comportar uma restrição, para efeito de
sindicabilidade judicial, no que concerne aos actos
que contendam com direitos, liberdades e garantias
pessoais”, por força do estabelecido no nº 5 do art.
20º da CRP, que – tratando-se de uma “norma de
aplicação geral em matéria de direitos fundamentais,
que revela uma opção constitucional pela primazia
dos direitos, liberdades e garantias pessoais e pela
sua tutela efectiva e atempada contra quaisquer
ameaças ou violações” – “não pode deixar de ser
aplicada também nos casos em que a ofensa provém
de um acto que seja qualificável como acto político, à
face do critério referido”.

Contudo, conforme ainda adianta o mesmo autor, a


sindicabilidade do acto político nesses casos deve
limitar-se “ao necessário para salvaguarda do direito,
liberdade ou garantia em causa e não à globalidade
do acto” e competirá aos tribunais judiciais(cfr. nº 1
do art. 211º da CRP), por estar expressamente
excluída do âmbito da jurisdição administrativa e
fiscal pela al. a) do nº 2 do art. 4º do ETAF.

3.1.2- Ocupemo-nos, agora, dos actos respeitantes


à função legislativa.

Diz o nº 1 do art. 112º da CRP que "São actos


legislativos as leis, os decretos-lei e os decretos
legislativos regionais", não estabelecendo a
Constituição qualquer definição material de acto
legislativo, mas exclusivamente uma sua definição
assente em critérios orgânicos e formais - Cfr. Gomes
Canotilho e Vital Moreira, in "Constituição da República
Portuguesa”, Anotada", 3ª edição revista, pág. 502 e Diogo
Freitas do Amaral (2003), in "Curso de Direito
Administrativo", Vol. II, págs166-169.

Na doutrina, o conceito de função legislativa vem


sendo definido, entre outros, por:

- Marcelo Rebelo de Sousa, como “a actividade


permanente do poder político consistente na
elaboração de regras de conduta social de conteúdo
primacialmente político, revestindo determinadas
formas na Constituição” (in “Lições de Direito
Administrativo”, 1999, pág.11);

- Marcelo Caetano, como “a actividade dos órgãos do


Estado que tem por objecto directo e imediato estatuir
normas de carácter geral e impessoal inovadoras da
ordem jurídica” (in “Manual de Ciência Política e Direito
Constitucional, 6ª ed.,1º vol., pág. 166);

- Jorge Miranda, como a função “que tem por objecto


imediato a lei em sentido material, quer se trate de
criação de normas jurídicas, quer de interpretação,
modificação, suspensão ou revogação de normas
jurídicas preexistentes” (in “Direito Constitucional –
Lições”, 1982, pág.297);

- Esteves de Oliveira, como “a actividade dos órgãos


estaduais que consiste na criação de preceitos gerais
e abstractos contendo a disciplina jurídica primária do
ordenamento jurídico, na criação de normas jurídicas
sem outros limites ou dependências que não sejam os
resultantes de preceitos constitucionais” (in “Direito
Administrativo”, vol. 1º, pág. 20).

Em suma, a função legislativa é definível como a


actividade permanente do poder político
consistente na elaboração de regras de conduta
social de conteúdo primacialmente político,
revestindo as formas previstas na Constituição.

3.1.3- Mas, além das funções política e legislativa, o


Governo tem ainda, em conformidade com o art. 199°
da CRP, umacompetência administrativa.

Em conformidade com esta disposição, as principais


funções da competência administrativa são: “a)
garantir a execução das leis; b) assegurar o
funcionamento da Administração Pública; c) promover
a satisfação das necessidades colectivas.

Na garantia da execução das leis compete ao


Governo defender a legalidade democrática [al. f)] e
fazer regulamentosnecessários à boa execução das
leis [al. c)] - cfr. Freitas do Amaral, Curso de Direito
Administrativo, 1º vol., 2ª ed., pág. 233.

Temos, assim, que, no âmbito da função


administrativa, o Estado tem também uma
actividade normativa, a elaboração
de regulamentos [(al. c) do art. 199º e nºs 7 e 8 do
art. 112ºda CRP)].

Portanto, os actos materialmente normativos, isto é,


que comungam da concorrência das características
da generalidade, traduzida na indeterminação dos
seus destinatários, e da abstracção, consistente na
susceptibilidade de ser aplicado a um número
indeterminado de casos, de acordo com o art. 112º da
CRP (nºs 1, 7 e 8), dividem-se em duas grandes
categorias: os actos legislativos, por um lado, e os
actos regulamentares, por outro, comportando cada
uma destas categorias várias espécies.

Porém, a Constituição não estabelece qualquer


definição material de acto legislativo e de acto
regulamentar, pelo que a destrinça entre lei e
regulamento só pode, à luz do direito positivo vigente,
alcançar-se pelos aspectos orgânicos e formais (cf.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da
República Portuguesa anotada”, 3ª ed., 1993, págs 501 e
502; Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo,
vol. II, 2ª reimpressão, págs 167 e 168; entre outros, Acs do
STA de 5-12-2007, proc. 1111/06; de 21-01-2009, proc. nº
0811/08; de 7-12-2010, proc. nº 798/10).

E como é referido no último acórdão citado (de 7-12-


2010) “A jurisprudência e a doutrina têm, em geral,
entendido que não existe uma reserva geral de
regulamento administrativo, no essencial, porque a lei
pode abranger qualquer matéria susceptível de ser
objecto de actividade administrativa, o que decorre da
interpretação do art. 161º, al. c) conjugada com art.
198º, nº 2, ambos da CRP. Cf. por todos, os referidos
Acs. TC nº 461/87, nº 1/97, de 20.09 e nº24/98, de
18.12 e doutrina neles citada”. 
*
3.2- Aqui chegados, retomemos então o caso “sub
judice”.
Adiantamos, porém, que, no que respeita ao DL 67-
A/2010, atendendo ao que ficou dito, não há margem
para dúvidas de queestamos perante um acto
legislativo, produzido por órgão competente ao
abrigo da al. a) do nº 1 do art. 198º da CRP, ou seja,
pelo Governo no uso da competência legislativa em
matérias não reservadas à Assembleia da República
[o diploma identifica, para as auto-
estradas SCUTs “Grande Porto”, “Norte Litoral” e
“Costa de Prata”, os lanços e os sublanços sujeitos ao
regime de cobrança de taxas de portagem aos
utilizadores (arts 1º, 2º e anexo I); determina o início da
cobrança em 1-06-2010 (art. 3º); estabelece alguns
critérios a ter em conta na determinação das taxas a
aplicar (art. 4º); e identifica os lanços e os sublanços
das referidas auto-estradas em que os utilizadores
ficam isentos do pagamento de taxas de portagem
(art. 5º e anexo II)]. 
De qualquer forma, mesmo que se reconhecesse uma
natureza materialmente administrativa às normas do
DL 67-A/2010 (e não se reconhece) sempre seria
irrelevante para efeitos contenciosos, pois conforme
se viu e é referido expressamente pelos Profs Mário e
Rodrigo Esteves de Oliveira (in CPTA e ETAF,
anotado, volume I, nota nº 38 ao art. 4º, nº2 al. a) do
ETAF, pág. 66): «Sempre que se trate de normas
secundárias emanadas do Governo ou da Assembleia
Legislativa Regional – órgãos simultaneamente
legislativos e administrativos – sob a forma de
decreto-lei ou de decreto legislativo regional, o
problema não se põe, porque mesmo que se lhes
reconheça um “conteúdo regulamentar”, serão sempre
para efeitos contenciosos, actos praticados no
exercício da função legislativa».

Por todo o exposto, sendo o DL 67-A/2010


seguramente um acto que se integra no exercício
da função legislativa do Governo, a sua
sindicância está excluída da jurisdição
administrativa ou fiscal nos termos da al. a) do nº
2 do art. 4º do ETAF, procedendo, quanto a esse
diploma legal, a excepção em apreço
relativamente àquele normativo oposta pelo Réu e
contra-interessadas.
*
Embora com esta decisão fique prejudicada a
apreciação da incompetência material dos tribunais
administrativos e fiscais ainda suscitada pelos Réu e
contra-interessadas, mas agora com fundamento no
estabelecido no nº 2 do art. 72º do CPTA, não
deixaremos de dizer, mesmo que de passagem, que
se estivéssemos perante um acto normativo proferido
ao abrigo de normas de direito administrativo, matéria
para que os tribunais administrativos e fiscais seriam
em princípio competentes, sempre, no caso em
apreço, se teria de concluir pela sua incompetência
material.
É que, na presente acção administrativa especial de
impugnação de normas em que é pedida a declaração
de ilegalidade, com força obrigatória geral, das
normas do DL 67-A/2010, com fundamento exclusivo
na violação de princípios constitucionais, a alegada
inconstitucionalidade/ilegalidade nunca poderia “ser
objecto de impugnação directa junto dos tribunais
administrativos, porque, como o STA tem afirmado e
decorre da lei, isso seria conhecer da fiscalização
abstracta de normas que é da competência exclusiva
do Tribunal Constitucional [cf. art. 281º, nº 1 als a) e b)
da CRP e art. 72º, nº2 do CPTA] – v. Ac. do STA já
citado de 7-12-2010, proc. 798/10, e, no mesmo sentido,
entre outros, acórdãos do STA de 05-12-2007, proc. nº
111/06, de 12-11-2009 e de 20-05-2010 (Pleno), proc. nº
390/09, e de 12-01-2012, proc. nº 714/10.

E não advoguem os Autores (no articulado da sua


resposta à excepção, artigos 84º a 89º, a fls 674 e seg.) que
as normas impugnadas sempre seriam ilegais porque
os princípios invocados como violados, “maxime”, os
princípios da legalidade, igualdade e da protecção da
confiança, para além de consagrados na
CRP (respectivamente nos arts 3º, 13º e 266º, nº 2),
também estão positivados na legislação ordinária,
designadamente nos arts 3º, 5º e 6º-A do CPA, pelo
que a violação destes últimos sempre seria suficiente
para, por si só, determinar a sindicabilidade das
normas impugnadas na presente acção junto dos
tribunais administrativos ou fiscais.

É que os tribunais administrativos, atento o disposto


nos arts. 281°, n° 1 da CRP e 72º, nº 2 do CPTA, não
dispõem de competência para a fiscalização abstracta
da conformidade de normas regulamentares com
princípios constitucionais, mesmo que estes princípios
se encontrem também consagrados em preceitos de
direito ordinário.

Com efeito, a eventual ilegalidade de uma pretensa


norma regulamentar que contivesse v.g., uma solução
que ofendesse os arts 3º, 5º e 6º-A do CPA não
constituiria, em rigor, uma ofensa desses preceitos,
antes constituiria - conforme se pode ler no Ac. do
STA de 18-08-2004, proc. n° 801/04 (que se debruça
apenas sobre o art. 5º do CPA, mas cuja posição vale para
os demais preceitos do mesmo género, como sejam os arts
3º e 6º-A) - “(…) uma violação da lei permissiva da
edição do regulamento, ou porque essa lei apontava
firmemente para uma solução diversa, ou porque ela,
tendo embora um conteúdo indeterminado, não podia
ser interpretada por forma a acolher a solução que no
regulamento veio a ser adoptada. É que a ilegalidade
dos regulamentosconsiste sempre na infidelidade
deles relativamente à sua fonte legal imediata” - e os
arts 3°, 5º e 6º-A do CPA “não cumprem essa função
fontal”.

E, continuando a transcrever o entendimento


jurisprudencial vertido no citado arresto, que
comungamos inteiramente, ainda «(…) mediante um
outro argumento se alcança que os preceitos do
género do art. 5º do CPA não operam como causa
directa da ilegalidade
dos regulamentos administrativos. É sabido que
vários desses princípios constam do CPA e da
Constituição. Se eles fossem tomados como causa
directa de ilegalidade, um regulamento que ofendesse
algum dos princípios apresentar-se-ia
simultaneamente como ilegal e inconstitucional. Mas,
então, ficaria aberto o caminho para que os tribunais
administrativos, em violação clara do art. 281º, n.º 1,
al. a), da Constituição da República, passassem a
substituir-se ao Tribunal Constitucional na aferição da
conformidade dos regulamentos aos ditos princípios.
E é precisamente por isto que Esteves de Oliveira e
outros, no seu Código do Procedimento Administrativo
Comentado (2.ª edição, pág. 84, «in fine»), sustentam
a impossibilidade de a jurisdição administrativa
declarar a ilegalidade de regulamentos em virtude de
eles ofenderem princípios que, embora também
previstos no CPA, estejam acolhidos na Lei
Fundamental» (vide ainda, entre outros, Acs do STA de 18-
11-2010, proc. 220/05, e de 18-10-2011, proc. nº 0823/11).

Ora, na petição da presente acção, os Autores apenas


imputaram às normas do DL 67-A/2010, que
entenderam de natureza regulamentar, a ofensa de
preceitos constitucionais (vícios traduzíveis na sua
inconstitucionalidade material), não lhes atribuindo
propriamente uma outra qualquer ilegalidade, pelo
que os tribunais administrativos – que carecem de
competência para proceder à fiscalização abstracta da
constitucionalidade de normas, mesmo de
normas regulamentares – sempre seriam
materialmente incompetentes, por essa competência
estar exclusivamente reservada ao Tribunal
Constitucional, repete-se, em conformidade com a al.
a) do nº 1 do art. 281º da CRP e como ainda decorre
do nº 2 do art. 72º do CPTA. 
*
3.3- Passemos agora a apreciar a invocada falta de
competência da jurisdição administrativa e fiscal
para sindicar a Resolução do CM nº 75/2010, de
22-09, voltando a colocar-se a questão de saber qual
a natureza do seu conteúdo, embora relativamente a
este acto do Governo a questão se coloque em
termos um tanto diferentes daqueles em que se
colocou eanalisou a competência para sindicar as
normas do DL 67-A/2010.
Apesar de não existirem elementos seguros para
proceder à caracterização da natureza jurídica das
“resoluções” do Conselho de Ministros, tem-se por
certo que não são actos legislativos, por força do que
dispõe o art. 112º, nº 1 da CRP. E, sendo assim, a
questão que, neste momento, se coloca, é a de saber
se se trata de um acto que se integra no exercício da
competência política do Governo ou se, pelo contrário,
a Resolução tem um conteúdo normativo com eficácia
externa, que, a ser este o caso, implicará ter de ser
tratado como normativo regulamentar (sobre a
sindicância dos actos normativos contidos em “resoluções”,
vide: na doutrina, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in
“Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed.,
1993, pág. 984, Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional”,
7ª ed., 2003, pág. 859 e 860, Jorge Miranda, “Resolução”, “in
Dicionário Jurídico da Administração Pública”, Vol. VII, 1996,
págs. 252 a 255).

Tendo em atenção a distinção anteriormente feita


entre a função política e a administrativa, a Resolução
nº 75/2010 foi tomada ao abrigo da al. g) do art. 199º
da CRP que confere competência administrativa ao
Governo para “Praticar todos os actos e tomar todas
as providências necessárias à promoção do
desenvolvimento económico-social e à satisfação das
necessidades colectivas”.

Ora os Autores socorrem-se da menção dessa


disposição constitucional que é feita na Resolução
para demonstrarem que a mesma não é um acto
praticado no exercício da função política do Governo
(art. 197º da CRP), mas um acto praticado no
exercício da sua competência administrativa,
revelando um conteúdo normativo/regulamentar
(dotado das características de generalidade e
abstracção), pelo menos na parte em que, com base
na lei, fixa a data de início de cobrança de portagens
e o próprio regime de discriminação positiva.
Admitem, no entanto, que a consagração do princípio
da universalidade de implementação do regime de
cobrança de portagens em todas as auto-estradas
sem custos para o utilizador, possa ser uma opção de
natureza política (tudo nos artigos 68º a 75º do articulado
de resposta às excepções, a fls 671 e seg.)Já as contra-
interessadas, como tivemos ocasião de dizer,
sustentam que a Resolução nº 75/2010 constitui uma
declaração dos princípios e critérios orientadores da
regulamentação da cobrança de portagens nas Scuts,
emanada do Governo no exercício da função
política (ou no dizer da Lusoscut “decisões preliminares” de
cariz político inseridas no respectivo procedimento legislativo
e carecidas de concretização), não contendo verdadeiras
e próprias regras de direito.

Vejamos.
A Resolução n.º 75/2010, integralmente transcrita no
nº 14 do ponto II supra, insere-se num longo e
complexo processo político-legislativo iniciado pela
Resolução nº 157/2004 transcrita no nº 1 daquele
ponto, na qual é anunciada pela primeira vez como
meio indispensável à sustentabilidade da totalidade do
sistema rodoviário nacional a necessidade de
alteração do modelo que vigorava - de utilização das
auto-estradas sem custos para o utilizador - por um
modelo de utilizador-pagador. 
É nesse complexo procedimento que se inserem as
Resoluções do Conselho de Ministros e da
Assembleia da República (nºs 3, 4 e 5 do ponto II
supra) definindo, em termos gerais, as opções,
orientações e os meios a utilizar para alcançar
aquelas finalidades de sustentabilidade do sistema
rodoviário (conservação, manutenção e desenvolvimento) e
o reequilíbrio das contas públicas, orientações
acolhidas nos diplomas legais e regulamentares
referidos nos nºs 6 a 13 do ponto II supra. E é
precisamente nesse procedimento político-legislativo
que surge a Resolução nº 75/2010.

Quanto ao nº 1 desta Resolução, ele estabelece a


“adopção do princípio da universalidade na
implementação do regime de cobrança de taxas de
portagem em todas as auto-estradas sem custos para
o utilizador (SCUT)”.

Parece não oferecer grandes dúvidas que esse


primeiro número da Resolução encerra uma opção -
tomada por um órgão superior do Estado, no que
respeita aos interesses públicos de sustentabilidade
do sistema “rodoviário” nacional e de reequilíbrio das
contas públicas - sobre uma grande linha de
orientação, um “princípio geral”, por que se deverá
reger a prossecução e realização de tais interesses.

Portanto, tendo por assente que o sector rodoviário


prossegue um interesse público e colectivo que tem
de ser mantido e desenvolvido, o Governo fez uma
opção essencial para a prossecução da sua
satisfação, definindo o princípio geral de
“implementação do regime de cobrança de taxas
de portagem em todas as auto-estradas sem
custos para o utilizador(SCUT)”, que deve nortear
os outros órgãos político-legislativos e administrativos,
afigurando-se-nos evidente, nessa parte, ter praticado
um acto materialmente político.

Por isso, tal como defendem as contra-interessadas, e


veio mesmo a ser admitido pelos Autores no
articulado de resposta às excepções, o estabelecido
no nº 1 da Resolução em apreço constitui uma
decisão de natureza política.

Assim, ainda que seja feita expressa referência à al.


g) do art. 199º da CPR, ou seja, de que a Resolução é
tomada no exercício da competência administrativa do
Governo prevista nessa disposição, o nº 1 da
Resolução é um acto “materialmente” político, estando
a sua sindicabilidade afastada da jurisdição
administrativa.

Contudo, os Autores salientam que o conteúdo da


Resolução não se esgota na consagração desse
princípio, contendo várias outras disposições que
consideram ter cariz manifestamente regulamentar,
designadamente a parte em que, “com base na lei, é
fixada a data de início de cobrança de portagens (nºs
2 e 3) e o regime de discriminação positiva” (nºs 4 a
8).

São, pois, os nºs 2 a 8 da Resolução que os Autores


refutam que possam ser qualificados como acto
preparatório ou interlocutório de um procedimento
político/legislativo futuro ou como uma mera
declaração de vontade política governamental que
informa os cidadãos sobre uma opção ou instrói
outros órgãos políticos ou administrativos para a
implementação daquela orientação política, o que,
segundo eles, até estaria evidenciado no facto de as
posteriores portarias se limitarem a repetir questões já
regulamentadas na Resolução ou mesmo na
alteração de diplomas de regulamentação já
existentes.

Assim, para os Autores, pelo menos naqueles


números, a Resolução não define em termos políticos
critérios gerais de cobrança de portagens, antes
regulamenta a forma como as portagens serão
cobradas nas Scuts, sendo a jurisdição administrativa,
por isso, competente para sindicar esses normativos.

Vejamos se lhes assiste razão.

Do nº 2 consta que o CM decidiu “Introduzir um


regime efectivo de cobrança de taxas de
portagens nas auto-estradas SCUT Norte Litoral,
Grande Porto e Costa de Prata a partir de 15 de
Outubro de 2010, em conformidade com o
disposto no Decreto-Lei n.º 67-A/2010, de 14 de
Junho”.

Este diploma legal, regulamentado inicialmente


quanto ao sistema de cobrança de portagens nas
referidas auto-estradas pelas Portarias 314-A/2010 e
314-B/2010, previa, no seu art. 3º, o início dessa
cobrança em 1-06-2010.

Porém, com a publicação da Lei 46/2010, de 7-


09 (vide nº 13 do ponto II supra), foi necessário adequar
o DL 67-A/2010, de 14-06, e aquelas portarias ao
regime instituído pela citada Lei (cf. designadamente art.
6º da citada Lei), tendo, nesse contexto, o Governo
indicado, no referido nº 2 da Resolução, a nova data
para o início da efectiva cobrança de portagens e
aprovado as Portarias 1033-A/2010, 1033-B/2010 e
1033-C/2010, todas de 6 de Outubro, ficando
consignada no art. 4º do primeiro
destesregulamentos a data de 15-10-2010, que fora
antes anunciada na Resolução para o início da
efectiva cobrança.

Decorre daqui, com evidência, que o nº 2 da


Resolução não consubstancia um efectivo normativo
regulamentar pois é destituído de eficácia jurídica
externa.

Embora emitido no exercício da competência


administrativa, trata-se de um mero acto orientador
dos normativos a produzir, no caso, as últimas
portarias, sendo que seriam as disposições destas
que teriam a virtualidade de poderem ser objecto de
uma acção administrativa especial de impugnação de
normas. Mas não o nº 2 acabado de apreciar.

Relativamente ao nº 3 da Resolução, em que o CM


resolve “Introduzir um regime efectivo de cobrança
de taxas de portagem nas restantes auto-estradas
SCUT, designadas por SCUT Interior Norte, Beiras
Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve, até 15 de
Abril de 2011, nos termos de diploma legal a
aprovar”, ainda se nos afigura mais evidente que se
trata de orientações para uma regulação jurídica a
produzir ulteriormente e, portanto, destituída de
eficácia jurídica externa.

E a verdade é que o referido naquele nº 3 não teve


efeitos normativos depois daquela data, o que resulta
desde logo do facto de, não tendo sido aprovado
qualquer diploma legal, o regime efectivo de cobrança
de portagens naquelas auto-estradas, anunciado
naquele número da Resolução, não entrou em vigor a
partir do dia 15 de Abril de 2011 (aliás, pode hoje
dizer-se que só veio a ser introduzido por diploma
legal, o DL 111/11, de 28-11).
O mesmo se diga dos nºs 4 a 8 da Resolução
(transcritos no nº 14 do ponto II supra e que aqui se dão por
reproduzidos), que se limitam a estabelecer os
princípios e critérios a acolher em regulação jurídica
posterior, que veio a ser vertida nas Portarias 1033-
A/2010, 1033-B/2010, 1033-C/2010 (relativamente às
Scuts Interior Norte, Grande Porto e Costa de Prata) e DL
111/11, de 28-11 (relativamente às SCUTs Interior Norte,
Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve).

Efectivamente, a simples leitura destes últimos


diplomas legais é reveladora de que se acolhem aí as
orientações constantes da Resolução, a qual, sem o
regime neles instituído, não era susceptível de
aplicação.

E, portanto, temos de concluir que a Resolução do


CM nº 75/2010 se inseriu num procedimento
político-legislativo que culminou com os diplomas
legais e regulamentares a acolher as orientações
político-administrativas nela estabelecidas (cf.
resulta expresso no seu nº 3 e, em face, designadamente,
das Portarias nºs 1033-A/2010 e 1033-B/2010 se impõe
considerar para os demais números).
*
Mas ainda que assim não fosse e se tratasse de
verdadeiras normas regulamentares, sempre no caso
em apreço se teria de concluir pela incompetência
material dos tribunais administrativos ou fiscais, pela
ordem de razões que deixámos já explanada para o
DL 67-A/2010.
É que, estando pedida na presente acção de
impugnação de normas a declaração de ilegalidade
das pretensas normas da referida Resolução, com
força obrigatória geral, com exclusivo fundamento
(causa de pedir) na violação de preceitos
constitucionais (vícios traduzíveis na sua
inconstitucionalidade material), não lhes sendo assacada
propriamente uma outra qualquer ilegalidade, os
tribunais administrativos – que carecem de
competência para proceder à fiscalização abstracta da
constitucionalidade de normas, mesmo de
normas regulamentares – sempre seriam
materialmente incompetentes, por essa competência
estar exclusivamente reservada ao Tribunal
Constitucional, em conformidade com a al. a) do nº 1
do art. 281º da CRP e como ainda decorre do nº 2 do
art. 72º do CPTA.
*
Sendo assim e face a todo o exposto, é de concluir
que está excluída da jurisdição administrativa e fiscal
a sindicância das normas do DL 67-A/2010, de 14-
06 e, bem assim, da Resolução do CM nº 75/2010, de
22-09, por força do nº 2 do art. 4º do ETAF e, mesmo
a admitir que esta Resolução ainda pudesse conter
normas susceptíveis de serem qualificadas como
regulamentares, sempre os Tribunais Administrativos
e Fiscais seriam materialmente incompetentes para as
sindicar por força do art. 281º, nº 1 da CPR e 72º, nº 2
do CPTA. 
*
IV- DECISÃO
Por todo o exposto, o Tribunal, julgando procedente
a excepção de falta de jurisdição dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, decide absolver da
instância o Réu e contra-interessadas.
Sem custas [art.4º, nº 1 do Regulamento das Custas
Processuais e artigo 2º da Lei de Acção Popular].
Registe e notifique.
Porto, 25-10-2012
Ass.: Anabela Russo

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