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ACÓRDÃO N.º 564/2008


Processo n.º 765/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do


artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último,
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de
20 de Outubro de 2008, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse pre-
ceito, não julgar inconstitucional a norma do artigo 75.º, n.º 8, do Estatuto Disciplinar
dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (EDFAACRL),
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que estabelece que da aplicação
de quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo
cabe recurso hierárquico necessário, e, consequentemente, negou provimento ao recurso
por ela interposto, confirmando o acórdão recorrido, na parte impugnada.

1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte fundamentação:

“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo


da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do
Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 17 de Julho de 2008,
que negou provimento ao recurso jurisdicional por ela interposto da
sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, de 18 de
Outubro de 2007, que, na acção administrativa especial por ela instaurada
contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO em que impugnava o despacho
do Director Regional de Educação do Norte, de 31 de Março de 2005,
que lhe aplicara a pena disciplinar de 60 dias de suspensão, julgou
procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado, por
dele caber recurso hierárquico necessário, por força do disposto no n.º 8
do artigo 75.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da
Administração Central, Regional e Local (EDFAACRL), aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que dispõe: «Da aplicação de
quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um membro
do Governo cabe recurso hierárquico necessário».
De acordo com o requerimento de interposição de recurso, «a
decisão recorrida aplicou norma arguida de inconstitucionalidade (n.º 8
do artigo 75.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da
Administração Central, Regional e Local) e interpretou, aplicando o n.º
1 do artigo 51.º do CPTA, em desconformidade com o preceituado no n.º
4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa», tendo a
questão de inconstitucionalidade sido «suscitada durante todo o
processo: petição inicial, alegações de recurso jurisdicional e resposta
ao parecer do Ministério Público», e reputando violados os «artigos 3.º,
n.º 3, 8.º, n.ºs 1 e 2, 17.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da
Constituição da República Portuguesa» e os «princípios da dignidade da
pessoa humana, do Estado de Direito democrático, da protecção da
confiança dos cidadãos no Estado, da subordinação das leis à
Constituição, da garantia da tutela jurisdicional efectiva, da justiça e da
prevalência da matéria sobre a forma».
A questão de constitucionalidade que constitui objecto do
presente recurso – a constitucionalidade do «recurso hierárquico
necessário» como condição de acesso à justiça administrativa – já foi
objecto de anteriores decisões deste Tribunal, o que permite qualificar tal
questão como «questão simples» e possibilita a prolação de decisão
sumária, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

2. O acórdão recorrido assentou na seguinte fundamentação


jurídica:

«No caso dos autos, a única questão suscitada neste


recurso jurisdicional (…) resume-se em averiguar se, com a
reforma do contencioso administrativo, em vigor desde 1 de
Janeiro de 2004, se mantém em vigor o artigo 75.º, n.º 8, do
Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro – Estatuto Disciplinar dos
Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e
Local (doravante ED) –, onde se prevê a necessidade de
interposição de recurso hierárquico necessário da aplicação de
pena disciplinar que não seja da exclusiva competência de um
membro do Governo e, no caso concreto dos autos, se da decisão
punitiva do Director Regional de Educação do Norte, que
sancionou a recorrente com a pena de suspensão, graduada em 60
dias, cabia recurso hierárquico necessário para o Secretário de
Estado da Administração Educativa.
Preceitua o artigo 75.º do ED, com a epígrafe ‘Recurso
hierárquico’, que: ‘(…) 8. Da aplicação de quaisquer penas que
não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo
cabe recurso hierárquico necessário’.
Porque a questão que nos vem colocada já se mostra
decidida pelo acórdão do STA [Supremo Tribunal
Administrativo], de 28 de Dezembro de 2006, in Proc. 01061/06,
recurso [excepcional de revista], nos termos do artigo 150.º do
CPTA [Código de Processo nos Tribunais Administrativos], com
o qual concordamos inteiramente e que não contendem com
quaisquer princípios jurídicos, seja de índole constitucional ou de
direito internacional, como os invocados pela recorrente,
entendemos por suficiente e adequado remeter para a
jurisprudência aí sufragada, que, de forma fundamentada, justifica
a coexistência da norma legal questionada com as normas
emergentes da reforma do contencioso administrativo, sem que se
possa, de alguma maneira, justificadamente, questionar a
necessidade de interposição de recurso hierárquico necessário,
‘como preliminar indispensável de acesso ao recurso
contencioso’, nas palavras do Prof. FREITAS DO AMARAL, in
Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, vol. I, pág. 20, ou,
nas palavras do Prof. MARCELLO CAETANO, Manual, 10.ª ed.,
pág. 1265, ‘o recurso hierárquico é necessário para se
transformar o acto do subalterno noutro contenciosamente
recorrível’.
Na verdade, o acto sujeito a recurso hierárquico necessário
é apenas potencialmente lesivo dos direitos e interesses do
particular e, uma vez que esse recurso tem efeito suspensivo, o
princípio da tutela jurisdicional efectiva não reclama a
interposição do recurso contencioso antes da exaustão dos meios
graciosos.
Consta, assim, do referido aresto do STA:

‘(…) a questão relevante que aqui importa clarificar é a


de saber se se mantêm em vigor as disposições legais especiais
que, na vigência da revogada LPTA, expressamente previam uma
impugnação administrativa necessária como condição de
abertura da via contenciosa de determinados actos admi-
nistrativos, como é o caso do n.º 8 do artigo 75.º do ED, ou se
tais disposições se consideram revogadas face aos artigos 51.º e
59.º, n.ºs 4 e 5, do CPTA e ao artigo 268.º, n.º 4, da CRP, como
pretende a recorrente.
Com efeito, não tem sido pacífica, pelo menos, desde a
redacção do n.º 4 do artigo 268.º da CRP, introduzida pela Lei
[Constitucional] n.º 1/89, de 8 de Julho (2.ª revisão
constitucional, que eliminou a referência à definitividade e
executoriedade do acto administrativo, constante do n.º 3 do
artigo 268.º, na redacção inicial, como condição da sua
recorribilidade contenciosa, passando a referir a garantia de
recurso contencioso à lesividade do acto), a questão da
compatibilidade, com este preceito constitucional, das
disposições que prevêem impugnações administrativas
necessárias.
Como é sabido, na vigência da LPTA, foi suscitada por
alguma doutrina a questão da inconstitucionalidade
superveniente do artigo 25.º deste diploma, face ao n.º 4 do artigo
268.º da CRP, na versão de 1989, já que aquele preceito da LPTA
dispunha que “só é admissível recurso dos actos definitivos e
executórios”, sendo que o citado preceito constitucional, na
apontada redacção, deslocou a garantia de recurso contencioso
da definitividade e executoriedade do acto, para a sua lesividade,
como referimos (a favor da compatibilidade constitucional de tais
normas, se pronunciaram, por exemplo, VIEIRA DE ANDRADE,
“Em Defesa do Recurso Hierárquico”, CJA, n.º 0, p. 13 e segs., e
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “As implicações de direito
substantivo da reforma do contencioso administrativo”, CJA, n.º
34, p. 71 e segs., e contra, VASCO PEREIRA DA SILVA, Em
Busca do Acto Administrativo Perdido, pp. 667 e 674, e Ventos
de Mudança…, […], pp. 11 e 66/89, e PAULO OTERO, “As
garantas impugnatórias dos particulares no CPA”, Scientia
Ivridica, vol. XII (n.º 235/237), p. 58 e segs.).
Essa questão foi abundantemente apreciada por este STA,
designadamente pelo Pleno da 1.ª Secção, e levada até ao
Tribunal Constitucional, tendo, uniformemente, vindo a ser
resolvida pela jurisprudência de ambos os Tribunais no sentido
da não inconstitucionalidade do artigo 25.º da LPTA, no
entendimento, em síntese, de que a consagração, na lei, de um
meio de impugnação administrativa necessária não contende, de
per si, com a garantia de recurso contencioso acolhida no n.º 4
do artigo 268.º da CRP, o que só aconteceria se o direito de
acesso ao tribunal, consagrado no artigo 20.º da CRP, fosse, por
essa via, suprimido ou restringido intoleravelmente, caso que não
acontece com a impugnação necessária, já que o administrado
pode sempre vir a impugnar judicialmente o acto que põe fim ao
procedimento. A lesão do direito invocada, a existir, seria, por
isso, meramente potencial (cf. acórdãos do Pleno do STA, de 3 de
Fevereiro de 1996, rec. n.º 41 608, de 7 de Maio de 1996, rec. n.º
32 592, de 9 de Novembro de 1999, rec. n.º 45 085, de 18 de
Fevereiro de 2000, rec. n.º 30 307, de 29 de Junho de 2001, rec.
n.º 46 058, e de 18 de Abril de 2002, rec. n.º 46 058, bem como da
Secção, de 21 de Maio de 1992, rec. n.º 30 391, de 16 de
Fevereiro de 1994, rec. n.º 32 904, de 7 de Março de 1996, rec.
n.º 39 216, de 14 de Novembro de 1996, rec. n.º 32 132, de 25 de
Junho de 1998, rec. n.º 43 603, de 12 de Maio de 1999, rec. n.º
44 684, de 2 de Março de 2000, rec. n.º 45 569, de 3 de Maio de
2001, rec. n.º 46 888, de 5 de Dezembro de 2002, rec. n.º 194/02,
entre outros, e Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 86/84, n.º
39/88, [Acórdãos do Tribunal Constitucional], vol. 11.º, p. 233,
BMJ, n.º 374, p. 147, n.º 28/92, DR, II Série, n.º 69, de 22 de
Março de 1985, p. 3160, n.º 9/95, n.º 603/95, DR, II, de [14 de
Março de 1996], p. 3484, n.º 24/96, n.º 115/96, n.º 499/96, de 20
de Março de 1996, proc. n.º 383/93, n.º 1002/96, n.º 32/98, n.º
676/98, n.º 425/99, n.º 431/99, n.º 124/2000, proc. n.º 231/99, n.º
40/2001 e n.º 283/2001, entre outros).
Posteriormente, com a nova redacção do n.º 4 do artigo
268.º da CRP, introduzida pela Lei [Constitucional] n.º 1/97, de
20 de Setembro, que veio incluir, expressamente, no direito à
tutela jurisdicional efectiva, a impugnação de quaisquer actos
administrativos que lesem direitos e interesses legalmente
protegidos dos administrados, reacendeu-se a polémica da
compatibilidade com o citado preceito constitucional, agora na
versão de 1997, das impugnações administrativas necessárias (cf.
VASCO PEREIRA DA SILVA, “De necessário a útil: a
metamorfose do recurso hierárquico no novo contencioso
administrativo”, CJA, n.º 47, p. 21 e segs., e MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA, O Novo Regime do Processo nos Tribunais
Administrativos, 2.ª edição, Almedina, p. 139, e VIEIRA DE
ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), p. 269).
Mas quer este STA, quer o Tribunal Constitucional, se
pronunciaram já, em vários arestos, pela compatibilidade do
artigo 25.º da LPTA, e, consequentemente, das normas que
impõem uma prévia impugnação administrativa necessária para
abrir a via contenciosa, com o citado preceito constitucional, na
versão de 1997, que é a actual, reiterando a jurisprudência
anterior, por considerarem que não é infirmada pelas alterações
introduzidas no citado n.º 4 do artigo 268.º da CRP com a revisão
constitucional de 1997.
Refere-se, por exemplo, a este propósito, no Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 425/99:

“(…) Após a Lei Constitucional n.º 1/97, neste


artigo 268.º, n.º 4, passou a referir-se o direito a uma tutela
jurisdicional efectiva, incluindo, nomeadamente, a
impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem
os administrados, independentemente da sua forma.
Tal norma contém, pois, uma garantia de protecção
jurisdicional de natureza análoga aos direitos, liberdades e
garantias. Dela decorre, designadamente, a
«inconstitucionalidade de normas erguidas como
impedimento legal a uma protecção adequada de direitos
e interesses legalmente protegidos dos particulares», bem
como um dever de configuração adequada dos
instrumentos de tutela judicial já existentes (assim, J. J.
GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria
da Constituição, Coimbra, 1998, p. 457).
Todavia, não se vê que da consagração dessa
garantia de protecção jurisdicional, dirigida à protecção
dos particulares através dos tribunais, deste direito de
impugnação dos actos administrativos lesivos, haja que
decorrer a impossibilidade do condicionamento, pelo
legislador, de tal recurso contencioso a um recurso
hierárquico dos actos administrativos proferidos por
órgãos subalternos da Administração, ou, o que é o
mesmo, que dela decorra uma obrigatória impugnabilidade
jurisdicional imediata desses actos, independentemente da
sua reapreciação por órgãos superiores. Do artigo 268.º,
n.º 4, da Constituição não resulta, na verdade, como se diz
no acórdão recorrido, «a ideia de que todo o acto que não
aquiesça às pretensões de um cidadão é imediatamente
recorrível para os tribunais».
Desde logo, um acto administrativo da autoria de
um subalterno, como acto precário, susceptível de ser
alterado por órgãos superiores, não reveste também
carácter lesivo, como última palavra da Administração
sobre a matéria, que não possa ser corrigida pela própria
Administração. A reacção contra a potencial lesão
resultante desse acto, igualmente precária, não tem, pois,
que poder efectivar-se imediatamente através do recurso
aos tribunais, podendo tal reacção ser condicionada à
reapreciação pela própria Administração.
Por outro lado, da obrigatoriedade de um prévio
recurso hierárquico não resulta a inviabilização, ou sequer,
a inadequação da tutela de direitos e interesses dos
particulares. Apenas se impõe a necessidade de
impugnação hierárquica prévia dos actos de órgãos
subalternos, ficando, em qualquer caso, assegurado o
posterior recurso contencioso.
(…)
A tutela jurisdicional efectiva dos administrados
não resulta, nem inviabilizada, nem sequer restringida pela
previsão de tal via hierárquica necessária, como meio de,
em primeira linha, tentar obter a satisfação do interesse do
administrado pela revisão do acto administrativo praticado
pelo órgão subalterno da Administração, previamente ao
sempre assegurado recurso jurisdicional. Trata-se apenas
de condicionamento legítimo do direito de recurso
contencioso, ficando sempre ressalvada a garantia de
tutela judicial em todos os casos concretos (…)” [no
mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos do Tribunal
Constitucional n.º 283/2001 e n.º 235/2003].

Igualmente o STA tem reafirmado que só há


inconstitucionalidade se o percurso imposto por lei para alcançar
a via contenciosa suprimir ou restringir intoleravelmente o
direito de acesso ao tribunal ou, por qualquer forma, prejudicar
de forma desproporcionada (ou arbitrária) a tutela judicial
efectiva dos cidadãos, o que não acontece, em princípio, com as
impugnações administrativas necessárias, maxime, o recurso
hierárquico necessário (cf. acórdão do Pleno, de 6 de Fevereiro
de 2003, rec. n.º 1865/02, e acórdãos da Secção, de 9 de Abril de
2003, rec. n.º 350/03, e de 2 de Outubro de 2003, rec. n.º
1005/03, entre outros).
Com efeito, além de se encontrar assegurada a via
contenciosa, a impugnação administrativa quando necessária
gera, em princípio, a suspensão automática dos efeitos do acto
impugnado, como decorre dos artigos 163.º, n.º 1, e 170.º do
CPA, além de que é um meio de reacção mais fácil e barato, pro-
porcionando ainda vantagens de ordem prática, já que o recurso
hierárquico necessário obriga a que o superior hierárquico,
supostamente mais habilitado, se pronuncie sobre o caso,
evitando, eventualmente, a impugnação judicial, e, portanto, as
despesas inerentes, além de proporcionar mais tempo para a pre-
paração da impugnação judicial e do eventual pedido de
suspensão de eficácia do acto, no caso da decisão ser
desfavorável (cf. neste sentido, VIEIRA DE ANDRADE, obra e
local citados).
Mas se assim era antes da entrada em vigor do CPTA, em
1 de Janeiro de 2004, não há razão para deixar de o ser, após a
entrada em vigor deste diploma legal, uma vez que o mesmo se
limitou a concretizar a referida norma constitucional (citado n.º 4
do artigo 268.º da CRP, na versão de 1997), a qual, entretanto,
não sofreu qualquer alteração, pelo que a jurisprudência referida
mantém hoje inteira actualidade. E, assim sendo, pelas razões já
referidas, continua a não existir qualquer incompatibilidade, com
o citado preceito constitucional, das normas que hoje
especialmente prevejam impugnações administrativas
necessárias.
Pelo que, concordando com essa jurisprudência e
transpondo-a para a situação sub judice, forçoso é concluir pela
compatibilidade do n.º 8 do artigo 75.º do ED com o citado
preceito constitucional.
Com efeito, a exigência, contida no n.º 8 do artigo 75.º do
ED, de interposição de recurso hierárquico necessário dos
despachos que apliquem quaisquer penas disciplinares que não
sejam da exclusiva competência de um membro do Governo, não
suprime nem restringe intoleravelmente o direito de acesso aos
tribunais (artigo 20.º da CRP), nem viola o direito à tutela
judicial efectiva (artigo 268.º, n.º 4, da CRP), pois o administrado
pode sempre impugnar contenciosamente, nos termos gerais,
eventual decisão desfavorável da impugnação administrativa,
não sendo também afectada a sua utilidade, na medida em que,
nos termos do n.º 6 do mesmo preceito legal, a interposição
daquele recurso hierárquico suspende os efeitos do acto punitivo,
pelo que estamos perante um condicionamento legítimo.
Consequentemente, o citado preceito do ED não padece
de inconstitucionalidade material superveniente, por violação do
n.º 4 do artigo 268.º da CRP.
*
Resta, pois, apreciar se o n.º 8 do artigo 75.º do ED foi
revogado pelos artigos 51.º, n.º 1, e 59.º, n.ºs 4 e 5, do CPTA,
como também pretende a recorrente.
É verdade que os defensores da inconstitucionalidade das
normas que prevêem impugnações administrativas necessárias
vêem, nos referidos preceitos do CPTA, uma vontade legislativa
de afastar definitivamente a impugnação administrativa
necessária, de a proibir, vontade que pretendem corresponder
também à vontade do legislador constitucional.
Só que, como vimos, não foi essa a vontade do legislador
constitucional, e também não resulta do CPTA, designadamente
dos citados preceitos legais, que tenha sido essa a intenção do
legislador ordinário, nem se compreende sequer a necessidade de
absoluta proibição da impugnação administrativa necessária, se,
como se referiu, tal condicionamento não põe, em princípio, em
causa a tutela jurisdicional efectiva.
O que se passou foi que o legislador do CPTA,
concretizando agora, na lei ordinária, o alargamento, pretendido
pelo legislador constitucional, da garantia de recurso
contencioso a quaisquer actos administrativos lesivos dos direitos
e interesses dos administrados, veio inverter a regra, até então
existente, do recurso hierárquico necessário, para a regra do
recurso hierárquico facultativo, permitindo que o administrado
possa agora optar entre só impugnar o acto contenciosamente, só
impugnar o acto administrativamente, ou impugnar um e outro,
como decorre dos artigos 51.º, n.º 1, e 59.º, n.ºs 4 e 5, citados
pela recorrente.
Dispõem estes preceitos, que:

Artigo 51.º:
1. Ainda que inseridos num procedimento
administrativo, são impugnáveis os actos administrativos
com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo
seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente
protegidos.
(…)

Artigo 59.º:
(…)
4. A utilização de meios de impugnação
administrativa suspende o prazo de impugnação
contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu
curso com a notificação da decisão proferida sobre a
impugnação administrativa ou com o decurso do
respectivo prazo legal.
5. A suspensão do prazo previsto no número
anterior não impede o interessado de proceder à
impugnação contenciosa do acto na pendência da
impugnação administrativa, bem como de requerer a
adopção de providências cautelares.

É verdade que quem sustentava a inconstitucionalidade


das normas que previam impugnações administrativas
necessárias já antes do CPTA, continua hoje a fazê-lo após o
CPTA, defendendo que a impugnação dita necessária é hoje um
condicionamento desnecessário, porque afinal, face aos citados
preceitos do CPTA, a impugnação administrativa tem sempre
carácter facultativo e suspende o prazo de impugnação
contenciosa do acto, sem prejuízo de o administrado poder
impugnar contenciosamente o acto na pendência da impugnação
administrativa ou decorrido o prazo legal para a sua decisão, o
que significa que a impugnação necessária perdeu qualquer
utilidade, já que a sua única razão de ser era permitir o recurso
contencioso (cf. VASCO PEREIRA DA SILVA, “De necessário a
útil…”, CJA, n.º 47, p. 21 e segs., maxime pp. 23 e 25).
Efectivamente, hoje, face aos referidos preceitos do CPTA
e contrariamente ao que acontecia face ao revogado artigo 25.º
da LPTA, a regra é o carácter facultativo da impugnação
administrativa, seja reclamação, seja recurso hierárquico.
Houve, pois, neste aspecto, uma mudança de paradigma.
Mas o estabelecimento desta regra não põe em causa as
disposições legais especiais que previam impugnações
administrativas necessárias, pois tais normas não foram
expressamente, nem inequivocamente, revogadas pelo CPTA, ou
por qualquer outro diploma legal (artigo 7.º, n.º 3, do Código
Civil).
Mesmo quem defende que tais normas não se encontram
em vigor não afirma a sua revogação pelo CPTA, antes faz
decorrer essa revogação ou antes caducidade, por falta de
objecto, de uma pretensa consagração constitucional da
proibição da impugnação administrativa necessária contida no
n.º 4 do artigo 268.º da CRP, ou seja, em última instância, da
inconstitucionalidade material superveniente das referidas
normas.
Ora, já vimos que tal argumentação não tem condições de
procedência.
Portanto, rejeitado o argumento da inconstitucionalidade
das impugnações administrativas necessárias, e não se
mostrando revogadas as normas que especialmente as prevêem,
nem desprovidas de utilidade, há que concluir hoje, face ao
CPTA, que tais normas se mantêm em vigor (cf., neste sentido,
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O Novo Regime do Processo nos
Tribunais Administrativos, 2.ª edição, Almedina, p. 139, e
também VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa
(Lições), 4.ª edição, Almedina, p. 269 e seg.).
Sendo certo que quando o legislador, na vigência da
LPTA, previa especialmente o recurso hierárquico necessário,
sendo ele então a regra, era porque nesse caso havia outras
razões que justificavam tal exigência, que não, ou não só, a razão
que é apontada, de ser esta a via de se permitir o recurso
contencioso, pois há que presumir que o legislador consagrou as
soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em
termos adequados (artigo 9.º do Código Civil), designadamente
essa seria a única via de suspender automaticamente a produção
de efeitos imediatos na esfera jurídica do administrado, de um
acto praticado por um subalterno, mesmo em matéria da sua
competência exclusiva (e continua a ser, já que a impugnação
facultativa não suspende os efeitos do acto, mas apenas o prazo
da impugnação contenciosa, daí a necessidade de se prever, no
n.º 5 do artigo 59.º do CPTA, a possibilidade de o administrado
impugnar contenciosamente o acto e requerer providências na
pendência da impugnação administrativa, de outro modo,
estar-se-ia, aqui sim, a violar a tutela judicial efectiva).
Portanto, a questão de saber se a impugnação necessária
deixou de o ser, só pelo facto de se permitir hoje, como regra, a
impugnação contenciosa imediata dos actos administrativos, deve
ser respondida negativamente. A regra é, de facto, essa, mas pode
haver excepções, já que o legislador do CPTA não as exclui.
E uma dessas excepções é a prevista no n.º 8 do artigo
75.º do ED, que se encontrava em vigor à data em que foi
proferido o despacho do DREL, cuja suspensão aqui se pretende.
Face a tudo o anteriormente exposto, há que concluir que
o n.º 8 do artigo 75.º do ED, ao impor a interposição de um
recurso hierárquico necessário, não padece de
inconstitucionalidade material superveniente face ao n.º 4 do
artigo 268.º da CRP/97, nem se encontra revogado pelo CPTA,
ou por qualquer outro diploma, pelo que se mantém em vigor.’»

3. Como é sabido, não compete ao Tribunal Constitucional


pronunciar-se sobre a correcção da interpretação do direito ordinário
efectuada pelas instâncias, devendo, antes, aceitar a interpretação
normativa por elas efectuada como um dado da questão de constitucio-
nalidade que lhe cumpre decidir. Assim, está fora do âmbito do presente
recurso a apreciação da questão de saber se a norma do artigo 75.º, n.º 8,
do EDFAACRL foi revogada pelo CPTA, como sustenta a recorrente, ou
se este Código em nada afectou a subsistência e validade de normas
legais especiais (como a do referido artigo 75.º, n.º 8) que continuam a
prever o recurso hierárquico necessário, como decidiu o acórdão
recorrido.
O objecto do presente recurso cinge-se, assim, à questão da
inconstitucionalidade da norma do citado artigo 75.º, n.º 8, que a decisão
recorrida considerou ainda vigente, e que determina que «Da aplicação
de quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um
membro do Governo cabe recurso hierárquico necessário».
Como o acórdão recorrido refere, a questão da constitucionalidade
da figura do recurso hierárquico necessário já foi por diversas vezes
apreciada por este Tribunal, que sempre a decidiu no sentido da sua não
inconstitucionalidade, mesmo após a redacção dada ao n.º 4 do artigo
268.º da CRP pela revisão constitucional de 1997.
No Acórdão n.º 425/99, esse entendimento foi sustentado com a
seguinte fundamentação:

«4. A questão posta no presente recurso não é nova e,


concretamente quanto a um acto administrativo proferido por um
órgão subalterno da Administração, numa via hierárquica
necessária, o Tribunal Constitucional entendeu que a mesma
norma do artigo 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de
Julho, a LPTA, não é inconstitucional.
Fê-lo no Acórdão n.º 603/95, publicado nos Acórdãos do
Tribunal Constitucional, vol. 32.º, pág. 411 e segs..
É a posição exposta neste aresto que há que reiterar no
presente recurso de constitucionalidade.
Tal posição não é, na verdade, infirmada pelas alterações
introduzidas no texto do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, com a
revisão constitucional de 1997.

5. Após a Lei Constitucional n.º 1/97, neste artigo 268.º,


n.º 4, passou a referir-se o direito a uma tutela jurisdicional
efectiva, incluindo, nomeadamente, a impugnação de quaisquer
actos administrativos que lesem os administrados,
independentemente da sua forma.
Tal norma contém, pois, uma garantia de protecção
jurisdicional de natureza análoga aos direitos, liberdades e
garantias. Dela decorre, designadamente, a ‘inconstitucionalidade
de normas erguidas como impedimento legal a uma protecção
adequada de direitos e interesses legalmente protegidos dos
particulares’, bem como um dever de configuração adequada dos
instrumentos de tutela judicial já existentes (assim, J. J. GOMES
CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Coimbra, 1998, pág. 457).
Todavia, não se vê que da consagração desta garantia de
protecção jurisdicional, dirigida à protecção dos particulares
através dos tribunais, e deste direito de impugnação dos actos
administrativos lesivos, haja que decorrer a impossibilidade do
condicionamento, pelo legislador, de tal recurso contencioso a um
recurso hierárquico dos actos administrativos proferidos por
órgãos subalternos da Administração – ou, o que é o mesmo, que
dela decorra uma obrigatória impugnabilidade jurisdicional
imediata desses actos, independentemente da sua reapreciação por
órgãos superiores.
Do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição não resulta, na
verdade, como se diz no Acórdão recorrido, ‘a ideia de que todo o
acto que não aquiesça às pretensões de um cidadão é
imediatamente recorrível para os tribunais’.
Desde logo, um acto administrativo da autoria de um
subalterno, como acto precário, susceptível de ser alterado por
órgãos superiores, não reveste também carácter lesivo como
última palavra da Administração sobre a matéria, que não possa
ser corrigido pela própria Administração. A reacção contra a
potencial lesão resultante desse acto, igualmente precária, não
tem, pois, que poder efectivar-se imediatamente através do
recurso aos tribunais, podendo tal reacção ser condicionada à
reapreciação pela própria Administração.
Por outro lado, da obrigatoriedade de um prévio recurso
hierárquico não resulta a inviabilização, ou, sequer, a inadequação
da tutela de direitos e interesses dos particulares. Apenas se impõe
a necessidade de impugnação hierárquica prévia para actos de
órgãos subalternos, ficando em qualquer caso assegurado o
posterior recurso contencioso.
Já, aliás, com a 2.ª revisão constitucional se pretendeu, na
definição dos actos administrativos, um afastamento dos
conceitos de definitividade e de executoriedade, anteriormente
utilizados, prevendo-se a garantia de recurso contencioso contra
quaisquer actos, agora formulada como garantia de ‘tutela
jurisdicional efectiva’. Todavia, como se salienta na doutrina, ‘a
garantia constitucional não obsta a que a lei imponha, entre outras
condições de procedibilidade, a necessidade de impugnação
administrativa prévia de certos actos administrativos praticados
por órgãos subalternos (actos não definitivos), nem a que exija
uma necessidade concreta de protecção judicial do particular, por
vezes inexistente em casos de actos já constituídos mas ainda não
eficazes – será esse (...) o sentido e o alcance actual do artigo 25.º
da LPTA, ao exigir que os actos sejam “definitivos e
executórios”’ [J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça
Administrativa (Lições), Coimbra, 1999, pág. 96].
A tutela jurisdicional efectiva dos administrados não
resulta, nem inviabilizada, nem, sequer, restringida pela previsão
de tal via hierárquica necessária como meio de, em primeira linha,
tentar obter a satisfação do interesse do administrado pela revisão
do acto administrativo praticado pelo órgão subalterno da
Administração, previamente ao, sempre assegurado, recurso
jurisdicional. Trata-se, apenas, de um condicionamento legítimo
do direito de recurso contencioso, ficando sempre ressalvada a
garantia da tutela judicial em todos os casos concretos (veja-se a
ob. cit., págs. 181 e segs.).
6. No caso concreto, sendo o acto recorrido uma decisão
susceptível de recurso hierárquico (cujo necessário esgotamento
está justamente em causa), como se salientou no citado Acórdão
n.º 603/95, ‘não causou ela lesão efectiva do direito que o
funcionário invoca, pois, se tal direito existir, sempre ele poderá
vir a ser reconhecido pelo órgão a que na Administração cabe a
última e definitiva palavra sobre a matéria. A lesão do direito
invocada, a existir, é, por isso, meramente potencial.’ (isto, sendo
certo que, a subsistir tal lesão, não ficará inviabilizada a protecção
jurisdicional contra ela).
Remetendo para os fundamentos invocados neste Acórdão
n.º 603/95, ter-se-á, pois, de negar provimento ao presente
recurso, não se reconhecendo violação do n.º 4 do artigo 268.º, na
redacção posterior a 1997, pelo preceito questionado do artigo
25.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
E, da mesma forma, não pode dizer-se que resulte desta
norma qualquer violação dos artigos 17.º e 18.º da Constituição
(desde logo porque, como vimos, a garantia do artigo 268.º, n.º 4,
não é posta em causa, mas apenas condicionada em obediência a
interesses legítimos de unidade e eficácia da acção
administrativa).»

Este juízo de não inconstitucionalidade de preceitos que


consagravam figuras de impugnação administrativa necessária (quer
horizontalmente, quer verticalmente) à abertura da via contenciosa foi
reiterado, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 468/99 (reportado ao
artigo 155.º do Código de Processo Tributário), 548/99, 329/2000,
283/2001, 235/2003 e 188/2004 (os cinco reportados ao artigo 25.º, n.º 1,
da LPTA), 99/2001 (reportado ao artigo 56.º da LPTA) e 185/2001
(tirado em Plenário e reportado aos artigos 140.º e 141.º do Estatuto do
Militar da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
465/83, de 31 de Dezembro, na sua redacção original, enquanto
impunham, como condição necessária de interposição de recurso
hierárquico para o Ministro da Administração Interna dos actos prati-
cados pelo Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, a
reclamação prévia para o autor do acto), e nas Decisões Sumárias n.ºs
280/2005 (reportada ao artigo 75.º, n.º 4, do EDFAACRL, interpretado
no sentido de que existe recurso hierárquico necessário para a Câmara
Municipal das deliberações proferidas em processo disciplinar pelo
conselho de administração dos serviços municipalizados) e 42/2006
(reportada ao artigo 25.º da LPTA) [o texto integral dos Acórdãos e
Decisões Sumárias citados está disponível em
www.tribunalconstitucional.pt].
Na esteira desta reiterada jurisprudência, há que concluir que a
norma do artigo 75.º, n.º 8, do EDFAACRL, condicionando o recurso à
via contenciosa à prévia interposição de um recurso hierárquico que tem
efeito suspensivo do acto sancionatório impugnado, não só não viola os
artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, dado que continua assegurado o
acesso aos tribunais para obtenção de tutela jurisdicional efectiva contra
actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, através da
oportuna impugnação judicial do acto que decida o recurso hierárquico (e
que, por isso, representará a última palavra da Administração), como não
se mostra incompatível com os princípios da dignidade da pessoa
humana, do Estado de Direito democrático, da protecção da confiança
dos cidadãos no Estado, da subordinação das leis à Constituição, da
justiça e da prevalência da matéria sobre a forma.”

1.2. A reclamação da recorrente assenta nos seguintes fundamentos:

“1. Recorreu para o Tribunal Constitucional nos termos e com os


fundamentos que constam do seu requerimento, aqui dados por
integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
2. Pela douta Decisão Sumária, de que ora reclama, foi decidido:
«a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 75.º, n.º 8, do
Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração
Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de
Janeiro, que estabelece que da aplicação de quaisquer penas que não seja
da exclusiva competência de um membro do Governo cabe recurso
hierárquico necessário; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão
recorrido, na parte impugnada.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete)
unidades de conta.»
3. Esta decisão, que confirma a decisão sob recurso
constitucional, louva-se no teor dos Acórdãos n.ºs 425/99, 468/99,
548/99, 329/2000, 283/2001, 235/2003 e 188/2004 e das Decisões
Sumárias n.ºs 280/2005 e 42/2006 do Tribunal Constitucional,
reportando-se, tais Acórdãos e Decisões Sumárias, ao seguinte:
– Artigos 25.º (2) e 56.º (5) da LPTA, esta expressamente
revogada pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações
introduzidas pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro;
– Artigo 155.º (1) do Código de Processo Tributário, este
expressamente revogado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro;
e
– Artigos 140.º e 141.º (1) do Estatuto do Militar da Guarda
Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 465/83, de 31 de
Dezembro – «… na sua redacção original ...», antes, por isso, das
normas constitucionais invocadas e das alterações introduzidas pelos
Decretos-Lei n.ºs 298/94, de 24 de Novembro, 297/98, de 28 de
Setembro, 188/99, de 2 de Junho, 504/99, de 20 de Novembro, 15/2002,
de 29 de Janeiro, 119/2004, de 21 de Maio, 159/2005, de 20 de
Setembro, e 216/2006, de 30 de Outubro.
4. Como resulta da sua análise, nenhuma destas doutas Decisões
se refere, em concreto ou substância, à matéria sub judice ou a matéria
recente, de aplicação dos princípios invocados pela recorrente em
conformidade com a Constituição da República Portuguesa,
relativamente ao direito material, procedimental e/ou processual
sancionatório (disciplinar) e processual administrativo (em matéria
sancionatória) ou com estes estabelece, material e sucessivamente, uma
qualquer relação compreensível, designadamente de conformidade, da
letra da lei e da sua interpretação e aplicação judicial, com as normas
constitucionais invocadas,
5. E a decisão jurisdicional, confirmada pela douta Decisão
Sumária, com o devido respeito, também não aprecia, substancial e
constitucionalmente, toda a matéria exposta nos recursos jurisdicionais,
quando à conformidade e à interpretação concreta das respectivas normas
legais com o que, correlativamente, está preceituado na Constituição da
República Portuguesa.
6. Assim, a douta Decisão Sumária não atende, nem podia
atender, materialmente, às, concretamente, invocadas
inconstitucionalidades.
7. Isto, pela falta ou impossibilidade de aceder às precedentes
alegações dos recursos jurisdicionais – que o douto Acórdão confirmado
também não explana nem revela – mas cujo conteúdo, dando-se por
integralmente reproduzido, aqui se invoca e convoca para todos os efeitos
legais.
8. Aliás, sobre tal desiderato, que sendo relativo a matéria
sancionatória, tem de conformar-se em procedimento e/ou processo
instrumental compatível com os direitos fundamentais dos cidadãos em
relação a ela, não é feita qualquer substantiva interpretação de
conformidade com a Constituição da República Portuguesa, nem a douta
Decisão atende ou poderia atender às, sucessivamente necessárias,
alegações – porque estas não se podem antecipar – a produzir junto desse
Venerando Tribunal,
9. Tão-pouco, tal Decisão, atende à sucessão de leis – e ao
aperfeiçoamento do direito – no tempo, quanto à sua estrita significação
constitucional, material ou substantiva e instrumental, designadamente,
quanto ao conteúdo das alterações ulteriores às normas apreciadas e
invocadas naqueles doutos Acórdãos e Decisões, como pressupostos
lógicos e como manifestas consequências da alteração do artigo 268.º da
Constituição da República Portuguesa, pelas Leis Constitucionais n.º
1/89, de 8 de Julho, e n.º 1/97, de 20 de Setembro,
10. Bem como, também, em consequência dos compromissos
internacionais assumidos por Portugal – acolhidos ou recebidos na
Constituição da República Portuguesa – sobre a garantia de tutela
jurisdicional efectiva em matéria de direito sancionatório, material e
instrumental, mormente disciplinar;
11. Como, também com o devido respeito, tal Decisão, não
interpreta, material, substantiva ou criticamente, sequer, o sentido
histórico e literal do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, em vigor desde o dia 1
de Janeiro de 2004, no contexto do aludido aperfeiçoamento do direito –
tantas vezes invocado nos preâmbulos dos diplomas ou nas leis
preambulares e nas discussões parlamentares sobre a matéria – e da
unidade do ordenamento jurídico-constitucional, como consequência,
directa e necessária, da sucessão das invocadas normas e princípios
constitucionais e dos compromissos internacionais a que Portugal está
adstrito, designadamente, por, entre outros, ter subscrito a Convenção
Europeia dos Direitos do Homem;
12. Nem, em concreto, aprecia – ou podia apreciar – a invocada
violação material, decorrente da interpretação, nas decisões jurisdicionais
em crise no recurso constitucional, dos princípios e das normas
constitucionais invocadas pela reclamante.
13. Por outro lado, como resulta do requerimento de recurso e da
ulterior junção de documentos, a ora reclamante obteve a concessão do
apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça,
sem que, na supra referida condenação em custas, esteja salvaguardado
que, como é habitual, tal condenação, é «sem prejuízo do apoio
judiciário concedido».
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre douto
suprimento de Vossas Excelências, requer se dignem ordenar o
prosseguimento da lide, conhecendo do objecto do recurso e seguindo-se
os demais termos do processo até final, com todas as consequências
legais, designadamente, sem prejuízo do apoio judiciário obtido pela
reclamante, como é de Justiça.”

1.3. O recorrido (Ministério da Educação) não apresentou resposta.


Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2. Se bem se entende a reclamação da recorrente, o que esta contesta é a


possibilidade de, no caso, ter sido proferida decisão sumária, quer por falta de
identidade da presente situação com as situações sobre que versaram as anteriores
decisões do Tribunal Constitucional, quer por só após a apresentação das suas alegações
neste Tribunal ser possível apreender a questão de constitucionalidade que se pretendia
ver apreciada.
Porém, como é sabido, o objecto do recurso de constitucionalidade é
definido no respectivo requerimento de interposição, sendo inadmissível a sua
ampliação nas posteriores alegações, ao que acresce que, tratando-se de recurso
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (como é o presente
caso), exige-se identidade entre o critério normativo identificado no requerimento de
interposição de recurso quer com o critério normativo arguido de inconstitucional
perante o tribunal recorrido, quer com o critério normativo por este tribunal aplicado, na
decisão recorrida, como ratio decidendi. Assim sendo, quando foi proferida a decisão
sumária ora reclamada a questão de constitucionalidade que constituía objecto do
recurso já estava definitivamente demarcada.
Por outro lado, como se explicou no Acórdão n.º 131/2004 (proferido em
reclamação de decisão sumária na qual a reclamante também questionava a verificação
dos requisitos estabelecidos no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC para a emissão de uma
decisão sumária, sustentando serem dois os fundamentos possíveis de uma tal decisão –
a existência de uma decisão anterior do Tribunal sobre a mesma questão ou ser a
questão manifestamente infundada – e que, no caso, a decisão anterior em que se baseou
a decisão sumária não terá julgado a mesma questão por os parâmetros de
constitucionalidade agora indicados serem mais amplos):

“Em primeiro lugar não é exacto que o artigo 78.º-A, n.º 1, da


LTC só permita a decisão sumária nas situações apontadas pela
recorrente.
Com efeito, o preceito da LTC, ao conferir ao relator os poderes
para emitir decisão sumária por a questão ser simples, não condiciona
esta qualificação ao facto de haver decisão anterior sobre a mesma
questão; tal é, desde logo, contrariado pela circunstância de aquele
condicionamento ser antecedido pela expressão «designadamente», o que
não pode deixar de significar a possibilidade de qualificar a questão
como simples por uma multiplicidade de razões, mesmo que ela não
tenha sido exactamente a mesma que foi objecto de decisão anterior.
Bastará para tal qualificação que na fundamentação da decisão
anterior, muito embora sobre questão não inteiramente coincidente com a
dirimida em posterior recurso, se tenham formulado juízos que
imponham uma determinada solução de direito neste recurso, merecendo
a questão, por essa via, a qualificação de simples.”

Tem sido reiteradamente afirmada esta orientação, no sentido de a


admissibilidade de prolação de decisão sumária não se cingir a situações em que exista
anterior decisão do Tribunal Constitucional sobre norma reportada ao mesmo preceito
legal e com ponderação de todos os argumentos ou razões expendidos no novo
processo, antes “abrange outras situações em que a fundamentação desenvolvida em
anterior acórdão permita considerar a questão como já «tratada» pelo Tribunal,
mesmo que não ocorra integral coincidência dos preceitos em causa e dos argumentos
esgrimidos num e noutro processo” (Acórdão n.º 650/2004; cf. ainda os Acórdãos n.ºs
616/2005, 2/2006, 233/2007, 530/2007 e 5/2008).
No presente caso, a questão de constitucionalidade que se suscitava era a
da admissibilidade da figura do recurso hierárquico necessário, a qual, como se
evidenciou na decisão sumária ora reclamada, já foi objecto de diversas decisões deste
Tribunal, sempre no sentido da não inconstitucionalidade, sendo irrelevante, por
acessório relativamente ao cerne da questão, a diversidade de preceitos legais a
propósito dos quais a questão foi suscitada. A questão de constitucionalidade permanece
substancialmente idêntica mesmo que, com o CPTA, a regra geral tenha deixado de ser
o carácter necessário dos recursos hierárquicos, para passar a ser a regra do carácter
facultativo, pois tal não impediu – questão cuja decisão coube às instâncias, sem
possibilidade de crítica por parte do Tribunal Constitucional – que se considerassem
subsistentes (apesar da alteração da regra) os preceitos legais especiais que continuaram
a prever impugnações administrativas necessárias, como é justamente o caso da norma
do artigo 75.º, n.º 8, do EDFAACRL.
Na anterior jurisprudência constitucional citada – designadamente no
Acórdão n.º 425/99 – já foi tida em conta a alteração de redacção do n.º 4 do artigo
268.º da CRP operada pela revisão constitucional de 1997, não tendo sobrevindo
qualquer outra alteração constitucional que impusesse ou justificasse a reponderação da
questão. E, por outro lado, entre essa jurisprudência contam-se casos em que a
impugnação administrativa necessária respeita a actos de natureza sancionatória, como,
por exemplo, o Acórdão n.º 185/2001, tirado em Plenário, ou a Decisão Sumária n.º
280/2005, reportada a outro número (o n.º 4) do mesmo artigo 75.º do EDFAACRL.
Conclui-se, assim, pela admissibilidade, no caso, da prolação de decisão
sumária, cujo sentido decisório se confirma, pelos fundamentos nela explanados.

3. Termos em que acordam em indeferir a presente reclamação,


confirmando a decisão sumária reclamada, que negou provimento ao recurso por não
julgar inconstitucional a norma do artigo 75.º, n.º 8, do Estatuto Disciplinar dos
Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que estabelece que da aplicação de quaisquer
penas que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo cabe recurso
hierárquico necessário.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 25 de Novembro de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos

[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL:


http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20080564.html ]

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