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Teste-treino
Fuga sem fuga possível
Andrei, cidadão ucraniano fugido da invasão russa, foi acolhido em Portugal por uma
instituição de solidariedade social. Certo dia, porquanto traumatizado com o som de mísseis,
ao ouvir um barulho vindo da cozinha da cantina onde estava a almoçar, em pânico, virou a
mesa para fazer dela um escudo, virando tudo o que aí se encontrava e ferindo (nalguns
casos, com gravidade), tanto com a movimentação como com os garfos e facas projetados,
as outras pessoas que estavam com ele a almoçar. Alertado pela confusão, Ivan, o cozinheiro
da instituição, de nacionalidade russa, saiu da cozinha para ver o que se passava, ainda com
uma faca com que cortava batatas na mão. Dirigiu-se a Andrei falando em russo e este,
sentindo-se ameaçado, pega, ele próprio, numa faca e espeta-a em Ivan, que fica em risco de
vida. Andrei foge assustado, deixando Ivan morrer. Também o diretor da instituição, vendo
Ivan aflito, julgando que não era nada com ele (e até porque era russo), deixa-o sucumbir.
O Kremlin soube do sucedido e (porque Ivan era, afinal, primo de Putin) enviou um
assassino, Dmitri, para matar Andrei. Já em Portugal, numa primeira oportunidade, a pistola
encravou mesmo quando Dmitri carregou no gatilho na direção de Andrei. Numa segunda
oportunidade, Dmitri conseguiu acertar de raspão em Andrei, indo este para o hospital para
tratar da ferida mas onde foi contagiado com o novo coronavírus, tendo ficado com graves
problemas de saúde crónicos em função da Covid-19. Numa terceira oportunidade, e já
duvidando das suas capacidades, Dmitri pondera a possibilidade de acertar no amigo de
Andrei e não neste, tendo, porém, pensado “qualquer amigo do meu inimigo é meu inimigo”.
Acerta mesmo no amigo de Andrei e mata-o. Volta a apontar a arma a Andrei mas desiste.
Para cada um dos agentes, identifique a responsabilidade penal decorrente dos factos
expostos.
Proposta de Resolução
1.º: Ofensa à integridade física (tipos relevantes: art. 143.º e 144.º do CP)
3.º: Homicídio por omissão (tipo relevante: art. 131.º conjugado com o art. 10.º CP)
Tratando-se o 131.º de um tipo de resultado, o art. 10.º/1 determina que também é punível
a não-evitação do resultado ‘morte’ (omissão impura). Ora, A não evitou a morte de I. Resta
saber se pode ser punido por isso.
O comportamento é humano e consubstancia-se numa omissão (não foi empregue energia
para evitar o resultado/não foi diminuído o perigo).
Há tipicidade objetiva (com a ação de A, a morte desaparece; há adequação entre ação
devida e a evitação do resultado).
Quanto à imputação subjetiva, o enunciado dá a entender que, agora, A já colocou a
hipótese de I vir a morrer. Assim sendo, há, no mínimo, dolo eventual (doutrina maioritária).
Eu diria, novamente, que, se presume que I irá morrer, tem dolo direto (é essa a sua
finalidade).
Respeitando a exigência do 10.º/2, A tem posição de garante por via da ingerência, pois
não estava realmente a ser agredido (só não haveria uma tal posição se a própria vítima
estivesse na origem das circunstâncias que justificariam a defesa).
Não há causas de exclusão da ilicitude e já nem se aplica o 16.º/2.
Também não há causas de exclusão da culpa (em sentido estrito). Relativamente ao art.
20.º/1 (e à voluntariedade), já não age dentro do contexto do trauma incapacitante, pelo que
é imputável (omite voluntariamente).
Homicídio por omissão (tipo relevante: art. 131.º conjugado com o art. 10.º CP)
Tratando-se o 131.º de um tipo de resultado, o art. 10.º/1 determina que também é punível
a não-evitação do resultado ‘morte’ (omissão impura). Ora, o diretor da instituição não evitou
a morte de I. Resta saber se pode ser punido por isso.
O comportamento é humano e voluntário e consubstancia-se numa omissão (não foi
empregue energia para evitar o resultado/não foi diminuído o perigo).
Há tipicidade objetiva (com a ação do diretor, a morte desaparece; há adequação entre ação
devida e a evitação do resultado).
Quanto à imputação subjetiva, há, no mínimo, dolo eventual (doutrina maioritária). Eu
diria que, se não tem já certeza que I irá morrer, então presume isso, pelo que terá, sempre,
dolo direto (é essa a sua finalidade).
Quanto à exigência do 10.º/2, há que saber se o diretor tem ou não uma posição de garante.
Pela lista do Prof. FD, a ser um dever de assistência (primeiro grupo da lista), só vejo a
posição decorrente da assunção de funções. Porém, evitar mortes escapa às funções
institucionais assumidas pelo diretor, mesmo que mortes de funcionários. Mas sempre resta
o monopólio acidental: tem posição de garante. De acordo com o critério da Profª FP, não
creio que haja auto-vinculação, ainda que implícita, por parte do diretor (não é algo que o
mesmo possa esperar que aconteça, que lhe seja exigido), pelo que não tem posição de
garante. Ainda assim, há que ver se pode ser punido por uma omissão pura (nomeadamente,
pelo 200.º).
Não há causas de exclusão da ilicitude (nem se aplica o 16.º/2).
Também não há causas de exclusão da culpa (em sentido estrito) e é imputável.
1.º: Tentativa impossível de homicídio (tipo relevante: art. 131.º conjugado com os arts. 22.º
e ss CP)
2.º: Tentativa de homicídio (tipo relevante: art. 131.º conjugado com os arts. 22.º e ss CP) +
ofensa à integridade física (tipo relevante: art. 143.º CP) + ofensa à integridade física grave
(tipo relevante: art. 144.º CP)
4.º: Desistência da tentativa de homicídio (tipo relevante: art. 131.º conjugado com os arts.
22.º e ss mais 24.º CP)
Já há atos de execução nos termos do art. 22.º/2, c) (em termos de normalidade social, e
atendendo ao plano do agente, seguir-se-á o homicídio de A) mas D desiste de consumar o
homicídio. Há que saber se essa desistência afasta a punibilidade da tentativa nos termos do
art. 24.º/1, isto é, se é voluntária.
De acordo com um critério psicológico assente na liberdade de decisão, D não estava
sujeito a conflito interno algum que o levou compulsivamente a desistir, pelo que a
desistência é voluntária. De acordo com um critério normativista, não há voluntariedade,
pois o enunciado indica que D deixou de acreditar que conseguia matar A, não que se
arrependeu e “regressou ao Direito”. E, se desistiu porque tudo apontava para que não
conseguisse consumar o homicídio, então, de acordo com o critério do Prof. FD, também
não há voluntariedade da desistência.
Não há causas de exclusão da ilicitude (nem se aplica o 16.º/2).
Também não há causas de exclusão da culpa (em sentido estrito) e é imputável.
2.º: Comparticipação na tentativa de homicídio (tipo relevante: art. 131.º conjugado com os
arts. 22.º e ss CP) + ofensa à integridade física (tipo relevante: art. 143.º CP) + ofensa à
integridade física grave (tipo relevante: art. 144.º CP)
Tudo o que disse atrás mas adaptado à tentativa (possível) de homicídio e à consumação
da ofensa simples à integridade física.
Quanto às sequelas da Covid-19, não há atos de execução da pessoa da frente mas, para a
Profª FP, não é preciso que haja para que D seja punido (por tentativa de autoria mediata).
Só que elas não fazem parte do âmbito das ordens dadas, pelo que não P não pode ser punido
nem sequer por tentativa de autoria mediata quanto às mesmas.
4.º: Comparticipação relativa à desistência da tentativa de homicídio (tipo relevante: art. 131.º
conjugado com os arts. 22.º e ss mais 24.º CP)
Havendo atos de execução da pessoa da frente, haveria autoria mediata de uma tentativa
de homicídio para qualquer um dos Profs. Porém, como D não responde por essa tentativa,
P também deverá não responder. Sobra a tentativa de autoria mediata, só de acordo com a
Profª FP.
P tem dolo direto (14.º/1).
Não há causas de exclusão da ilicitude (nem se aplica o 16.º/2).
Também não há causas de exclusão da culpa (em sentido estrito) e é imputável.