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COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DE SANTA CATARINA

FACULDADE CESUSC
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO E NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS (8ª EDIÇÃO)
ALUNA: MICAELA MARGARIDA JARDIM BARRADAS CÔRTE
E-MAIL DA ALUNA: MICAELACORTE@HOTMAIL.COM

A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CORRETORES DE IMÓVEIS,


CONSIDERANDO O PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO REGISTRAL

Micaela Margarida Jardim Barradas Côrte 1


Edson Telê Campos2

Resumo

A finalidade do presente trabalho foi o estudo da responsabilização civil dos corretores


de imóveis, quanto aos seus deveres legais de diligência e prudência, inerentes à
atividade profissional da corretagem imobiliária. Após um sucinto histórico sobre a
corretagem imobiliária, sua dinâmica e procedimentos, elucidou-se sobre o sistema
registral brasileiro. Na sequência, procedeu-se à análise das hipóteses ensejadoras
de responsabilização civil e abordou-se os aspectos polêmicos, envolvendo um
conflito de normas, relacionado à aplicação do Princípio da Concentração Registral e
à observância do Código de Processo Civil. A pesquisa foi realizada sob o método
dedutivo, a sua natureza é qualitativa, o método de procedimento utilizado foi o
comparativo e a técnica de pesquisa foi majoritariamente bibliográfica, fundamentada
na doutrina, artigos e na jurisprudência, mas foi também documental, pela análise aos
dispositivos legais vigentes. Por último, pode-se concluir que os corretores de imóveis
não podem confiar somente nos registros e averbações constantes nas matrículas
imobiliárias, de modo que permanece a necessidade de investigação, da situação

1
Formanda do Curso de Pós-graduação em Direito e Negócios Imobiliários. Graduada em Direito, atua
como empresária no ramo imobiliário, segmento de corretagem. Endereço eletrônico para contato:
micaelacorte@hotmail.com. Artigo apresentado na data de 5/12/2021, na cidade de Florianópolis.
2
Professor Orientador. Esp. em Direito Ambiental e Urbanístico; MSc. em Administração e Gestão
Ambiental Urbana e Dr. em Geografia em Desenvolvimento Urbano. Atua como Advogado (área
imobiliária); Professor e Coordenador da Especialização em Direito e Negócios Imobiliários do
Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina - Faculdade CESUSC. Endereço eletrônico para
contato: prof.tele.cesusc@gmail.com.
2

legal, jurídica e financeira de proprietários, e de imóveis, por meio da adoção exigente


das práticas da Due Dilligence imobiliária, no sentido de evitar a responsabilização
civil por negligência e imprudência, a corretores de imóveis, em suas intermediações
de venda.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Corretores de Imóveis. Princípio da


Concentração.

1. INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei nº 13.097/2015, Cap. III, Sessão II, mais


especificamente por meio de seus artigos, de 54 a 58, positivou-se no Direito brasileiro
o Princípio da Concentração dos atos registrais na matrícula do imóvel. Esse princípio
prevê que sejam incluídos nas matrículas imobiliárias todos os fatos e atos jurígenos
que digam respeito à situação jurídica dos imóveis, ou às mutações subjetivas que
possam vir a sofrer, de modo que somente pudessem afetar o comprador o que já
tivesse sido lançado na matrícula, em momento anterior à compra. A entrada desta
norma em vigor fortaleceu a compreensão generalizada de que passaria a haver, a
partir de então, total ciência do risco dos negócios de compra e venda de imóveis,
apenas com consulta às certidões da matrícula e dos seus registros e averbações.
Desse modo, esperava-se a simplificação do trabalho dos profissionais do mercado
imobiliário, nomeadamente dos corretores de imóveis, no que respeita aos deveres de
diligência e prudência, e, a garantia da segurança jurídica dos negócios, às partes
envolvidas.

Todavia, não é o que se verifica em quase seis anos de vigência dos referidos
dispositivos legais, que ainda não atingiram a finalidade de tornar a matrícula
imobiliária em repositório único de informações sobre os bens imóveis a que dizem
respeito. Diante disso, surgiu o questionamento sobre - “Qual procedimento devem os
corretores de imóveis adotar, para evitar as demandas judiciais de responsabilização
civil, motivadas pela falta de registros importantes nas matrículas imobiliárias?”

Por isso, o estudo do tema se justifica dada a quantidade de profissionais


atuando de forma autônoma na corretagem imobiliária e considerando a
imputabilidade decorrente dessa atividade, tendo em vista a relevância econômica e
3

social dessa profissão. Dessa forma será benéfico a todo o grupo de profissionais do
mercado imobiliário.

Para melhor compreensão, o presente artigo foi elaborado, inicialmente


introduzindo um breve histórico da atividade da corretagem de imóveis, trazendo sua
dinâmica, procedimentos e documentação e a questão da responsabilização civil dos
corretores de imóveis. Após, explanou-se sobre o sistema registral brasileiro,
explicando sobre o que são certidões de registro de imóveis, o que devem conter e
sua principal função, e seguiu-se na abordagem à temática do princípio da
concentração e seu conflito normativo com o atual Código de Processo Civil.

O presente artigo científico visou verificar formas seguras e medidas


confiáveis, para que munidos do máximo de informações atualizadas e fidedignas, os
corretores de imóveis possam intermediar negócios cada vez mais seguros e
conscientes, capazes de evitar ações judiciais, penhoras e principalmente evicções,
que são as grandes causadoras de ações de responsabilização civil em face destes
profissionais.

2. A CORRETAGEM IMOBILIÁRIA

De acordo com a história, a corretagem imobiliária teve início no Brasil com a


chegada da côrte portuguesa, ao Rio de Janeiro em 1808, na época, um pequeno
burgo sem estrutura para receber os aristocratas que acompanhavam o rei Dom João
VI, o qual lançou mão de uma logística pouco ortodoxa para acomodar a todos, e o
que se seguiu foram muitas desapropriações. Nesse sentido, foram designadas
diversas pessoas com a função de escolher as moradias para esse fim, mas
sobretudo, para tentar amenizar o conflito resultante da decisão real junto aos que
perderam seus imóveis. Essas pessoas foram os primeiros “agentes do comércio”,
que somente quatro séculos depois, em 1942, receberam a denominação de
“Corretores de Imóveis”3. Com o consequente crescimento da cidade e a tomada de
uma forma mais urbana, surgiu então uma nova profissão, a de agente de negócios
imobiliários4.

3
GONZAGA; GOMES (2015)
4
CELANI (2019)
4

Hoje, a atividade é exercida por corretor de imóveis, uma pessoa que “[...] não
ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer
relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios,
conforme as instruções recebidas.”5. Trata-se, portanto, de atividade profissional, na
qual inexiste vínculo jurídico anterior de subordinação para com o comitente, termo
jurídico para nominar o cliente de um corretor, seja ele o proprietário, ou o interessado
em adquirir, ou alugar, um imóvel. Flávio Tartuce, ensina que existem duas grandes
categorias de corretores, os corretores oficiais que gozam de fé pública e atuam em
determinados setores financeiros, e os corretores livres que não dependem de
qualquer investidura oficial, além da capacidade civil e da submissão à legislação
corporativa que regulamenta a profissão, como os que atuam no mercado imobiliário
na compra e venda de imóveis. A atividade foi disciplinada pela Lei 6.530/1978, e
regulamentada pelo Decreto 81.871/1978, e, para atuar no mercado imobiliário os
corretores de imóveis precisam estar devidamente habilitados por meio de curso
técnico em transações imobiliárias (TTI), ou curso de gestão imobiliária, ou curso
superior em Ciências Imobiliárias, além de devidamente registrados em seu órgão de
classe, os Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis, de sua jurisdição - CRECI.

Conforme explica Araken de Assis6, quem pretende alienar bens imóveis no


mercado, recorre aos “[...] corretores especializados [...] recrutados entre as empresas
que se dedicam profissionalmente à atividade da corretagem [...]”, de modo que a
atividade se encontra de forma natural inserida no mundo das relações econômicas e
sociais, integrando a cadeia produtiva e afetando a esfera de terceiros. E quanto à
liberdade de contratar, conforme o que estipula o artigo 421 do CC/2002, será exercida
nos limites da função social do contrato, “[...] promovendo a circulação das riquezas e
o desenvolvimento social e econômico.”.

No que concerne à classificação e natureza jurídica do contrato de


corretagem, a doutrina ensina que,

[...] o contrato de comissão é bilateral (sinalagmático), oneroso e consensual.


O contrato é acessório, pois depende de um outro negócio para existir, qual
seja, um contrato principal celebrado no interesse do comitente. É aleatório,
pois envolve a álea, o risco, particularmente a celebração desse negócio

5
TARTUCE (2021, p.785)
6
ASSIS in BORGES (2021, p. 239)
5

principal. O contrato é ainda informal, não sendo exigida sequer a forma


escrita.7

Isso significa dizer que o contrato de corretagem é bilateral porque há


prestação e contraprestação estipulada entre as partes, é oneroso porque envolve
uma quantia monetária (a contraprestação), é acessório pois depende da consecução
do contrato de compra e venda, é aleatório “[...] porque o corretor depende da sorte
de seu trabalho para ter direito ao recebimento da corretagem, aí estando o risco da
atividade[...]” 8 . E por fim, não exige formalidade, pelo que pode ser tratado
verbalmente entre as partes, no entanto, necessita cumprir três requisitos
imprescindíveis sem os quais sua existência não poderá ser comprovada, “[...] a
vontade de contratar (autorização para mediar), prestação dos serviços (aproximação
das partes) e utilidade da gestão para os contratantes (resultado útil), não bastando a
simples alegação de uma das partes no sentido de que intermediou.”9

2.1. DINÂMICA DA CORRETAGEM IMOBILIÁRIA

Comprar ou vender um imóvel não configura uma tarefa propriamente


simplória. Para a venda de um bem imóvel no mercado imobiliário, é necessário um
conjunto de fatores para o sucesso do negócio e para que a sua e eficácia perdure no
tempo. Conforme manifestação de um Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

A mediação do corretor não se limita a aproximar as partes e singelamente


apontar o preço do imóvel. Dele se exige mais, por definição legal e como
recompensa pela remuneração contratada, o dever de prestar ao cliente,
espontaneamente, todas as informações e esclarecimentos acerca da
segurança e do risco do negócio. 10

A corretagem, portanto, exige, por parte do corretor de imóveis, dedicação


exclusiva, entusiasmo e um vasto conhecimento geral, sobre uma gama diversa de
assuntos que vão desde geografia, plano diretor municipal da área de seu trabalho,
noções de construção civil e arquitetura de edifícios, passando por atualidade do
mercado financeiro, Direito civil e temas jurídicos relacionados ao setor imobiliário, até
conhecimentos sobre marketing e técnicas de venda.

7
TARTUCE (2021, p.785)
8
COLTRO (2013, p.32)
9
CAPISTRANO, apud COLTRO, (2013, p.30).
10
TJ/SP (2013).
6

Nesse sentido, a conduta um corretor de imóveis 11 vai muito além da


aproximação entre as partes, uma vez que o seu trabalho conglomera várias ações
inerentes à intermediação e auxílio às partes envolvidas. Até à conclusão de um
negócio, o corretor tem um longo caminho a percorrer. Terá que visitar e conhecer os
imóveis, fotografar, criar anúncios, investir em ações publicitárias, apresentar os
imóveis aos interessados, efetuando novas visitas, estimular a oferta de propostas e
apresentá-las aos proprietários, negociar os valores, bem como a análise das
condições de pagamento e suas peculiaridades, e por fim, elaborar o contrato de
compra e venda com todas as condições acordadas entre as partes, tais como prazos,
multas, encargos, data de entrega e demais informações relevantes12.

2.2. OS DEVERES DE DILIGÊNCIA E PRUDÊNCIA - A DUE DILLIGENCE

No ordenamento jurídico brasileiro, é o artigo n.º 72313 do Código Civil, que


estabelece como principais requisitos de atuação do corretor, os deveres de diligência
e prudência, além da responsabilidade na prestação espontânea de informações
relevantes sobre o andamento do negócio, a todas as partes interessadas. Na
doutrina, Coltro14 ensina que,

No tocante ao dever de orientar o cliente, foi objeto de expressa previsão no


Código Civil, uma vez que o art. 723, além de impor a obrigação de o corretor
atuar com diligência e prudência necessitadas pelo negócio, esclarece, em
sua segunda parte, caber ao corretor, “sob pena de responder por perdas e
danos, prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu
alcance, acerca da segurança ou risco do negócio, das alterações de valores
e do mais que possa influir nos resultados da incumbência”, constituindo-se
tal disposição legal em clara expressão do cuidado, como instituto jurídico de
ordem variada e que vem sendo considerado.

O referido dispositivo legal, deixa implícito que “[...] o dever de agir com
prudência, diligência e de prestar informações, deve ser “espontâneo”, ou seja, devem

11
BECKER (2016, p.27)
12
BECKER (2016, p.11)
13
Artigo 723, do Código Civil: “O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência,
e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio.
Parágrafo único - Sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os
esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros
fatores que possam influir nos resultados da incumbência.”
14
COLTRO (2013, p.52)
7

estar sempre presentes a probidade e a boa-fé.”15. Tais deveres referem-se a todos


os aspectos de uma negociação em andamento e não estão limitados à
documentação relativa ao imóvel, como propriedade, posse, tributação.

Se o corretor intermediador possuir informações sobre defeitos construtivos,


problemas de vizinhança ou irregularidades de qualquer ordem, tem o dever legal de
informar aos interessados, além disso, a simples suspeita da existência de
irregularidades “[...] já impõe ao intermediador o dever de alertar seu cliente sobre
riscos, e com prudência, orientá-lo a consultar profissionais específicos de outras
áreas [...]” 16, sob pena de não o fazendo, responder por perdas e danos17. Esses
deveres, se estritamente observados e cumpridos pelo corretor de imóveis,
representam o elemento indispensável que possibilitará aos interessados na compra
de um imóvel, a adoção da chamada Due Dilligence imobiliária, que significa diligência
prévia, e segundo a advogada, Patrícia Pessanha 18,

[...] nada mais é do que uma espécie de “auditoria” prestada pelo advogado
especializado em direito imobiliário, onde será feita uma análise de
informações, documentos do imóvel e dos contratantes, visando não somente
dar o parecer sobre a situação atual das condições para a negociação como
também dos riscos futuros, acaso existente.

Dessa forma, cientes de qualquer irregularidade ou de algum problema na


documentação do imóvel em negociação, os clientes exercendo de sua liberdade
podem optar por levar o negócio adiante, mesmo que isso signifique correr os riscos
sobre os quais foram devidamente elucidados.

2.3. PROCEDIMENTOS E DOCUMENTAÇÃO

A captação e o agenciamento de imóveis, são etapas importantíssimas no


processo de uma transação imobiliária. É no agenciamento que o corretor irá obter as
primeiras informações técnicas do imóvel, tais como, tipologia, localização geográfica,
características estruturais, arquitetônicas e estéticas. Tudo isso irá possibilitar ao
corretor efetuar a avaliação comercial, a fim de orientar o proprietário a definir o preço

15
ROSSI (2016)
16
Idem
17
BECKER (2016, p.31)
18
PESSANHA (2021)
8

de venda e as condições de recebimento dos valores estipulados. No entanto, o


trabalho mais importante para a segurança de qualquer negócio que venha a ser
realizado, ainda vem pela frente. Após adquirir os conhecimentos técnicos sobre o
imóvel, o corretor deverá inteirar-se de sua situação legal, jurídica e factível, e a
primeira questão a verificar, é justamente a situação do comitente, ou vendedor do
imóvel, aquele que contrata e autoriza a intermediação ao corretor.

O autor, Bruno de Mattos e Silva, refere que, “É importante, agora, verificar a


situação pessoal daquele que vende o imóvel. Ocorre que essa situação estará
diretamente relacionada com a venda.”19. Essa pessoa deverá ser minuciosamente
qualificada, a fim de se definir se possui mesmo poderes para o ato de alienação, ou
não. Pode acontecer, que quem se intitula proprietário, seja na verdade um herdeiro
tentando alienar patrimônio dos pais sem autorização, ou vender bens em processo
de inventário, ou ainda, a tentativa de venda de patrimônio de cônjuge, sem que este
tenha conhecimento. Bem corriqueira também, é a simulação de venda para terceiros
a fim de fraudar execuções fiscais, ou trabalhistas. Nesses casos, é comum se deparar
com a indisponibilidade do bem imóvel, que segundo a advogada, especialista e
atuante em Direito Imobiliário, Alexiane Ascoli 20,

[...] é utilizada em casos em que existe receio de que a pessoa dilapide seu
patrimônio ou desvie seus bens e não honre com o pagamento das suas
obrigações, como em execuções fiscais, recuperações judiciais, ações
trabalhistas, entre outras hipóteses. Ela deve estar averbada na matrícula, e
o tabelião, para fazer a escritura pública, é obrigado a consultar o CNIB
(Central Nacional de Indisponibilidade de bens) e detalhar no documento o
resultado da sua pesquisa.

Essa situação, enseja cuidados e assessoramento especializado no intuito de


investigar a situação do imóvel, o vendedor, e buscar soluções jurídicas que possam
evitar problemas futuros. É que após a alienação do bem, é possível que este venha
a ser reivindicado por outrem, por meio de ação judicial própria, transformando o
imóvel em “bem litigioso”, resultando para o comprador em perda da propriedade, em
favor do autor da ação reivindicatória 21.

19
MATTOS E SILVA (2020, p.133)
20
ASCOLI (2021)
21
MATTOS E SILVA (2020, p.134)
9

Conforme redação do art. 109 do Código de Processo Civil de 2015, “A


alienação da coisa ou do direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não
altera a legitimidade das partes [...] § 3º Estendem-se os efeitos da sentença proferida
entre as partes originárias ao adquirente ou cessionário.”. Isso significa dizer que,
julgada a demanda, os efeitos da sentença que for proferida, atingirão o adquirente
que adquirir imóvel, sem se cercar dos devidos cuidados de investigação, quer seja
do vendedor, como também do histórico do imóvel, que tenha sido registrado em sua
matrícula imobiliária.

2.4. A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS CORRETORES DE IMÓVEIS

Responsabilidade traduz a ideia de obrigação, incumbência ou


contraprestação, e, assinala o dever que alguém tem de reparar danos ou
prejuízos, decorrentes da violação a deveres jurídicos precedentes. Esse alguém é o
responsável, o agente que deveria ter conhecido e observado seu dever jurídico
preexistente, que não observado, se tornou fonte geradora de responsabilidade civil.
Segundo Cavalieri Filho22, “A responsabilidade civil opera a partir do ato ilícito, com o
nascimento da obrigação de indenizar, que tem por finalidade tornar indemne o
lesado, colocar a vítima na situação em que estaria sem a ocorrência do fato danoso.”

Dessa forma, por tudo o que até aqui foi exposto a propósito da corretagem
imobiliária, não é difícil perceber a possibilidade de responsabilização civil de
corretores de imóveis, que falharem com seus deveres de diligência e prudência,
principalmente pela omissão de informações relevantes à celebração dos negócios.
Os Corretores displicentes poderão incorrer no pagamento de perdas e danos em
favor dos prejudicados.

Importante salientar, que a relação entre o corretor de imóveis, seu comitente


e os terceiros interessados, muito embora prevista no artigo 723 do Código Civil, no
que concerne à responsabilização civil, é regida pelo Código de Defesa do
Consumidor, no qual a responsabilidade é sempre objetiva, excecionando, porém,

22
CAVALIERI FILHO (2011, p.45)
10

essa objetividade em seu artigo 14, § 4º 23, que estipula a comprovação da culpa para
a apuração da responsabilidade do corretor de imóveis, em decorrência de danos
causados por sua intermediação. Nesse sentido, diferenciando a natureza jurídica da
responsabilidade dos corretores de imóveis, é o que ensina Gisela Guedes24,

[...] no que se refere à natureza jurídica da responsabilidade, quando o


corretor estiver vinculado a uma imobiliária [...] caberá a ela responder, de
forma objetiva, por eventuais danos causados pelo corretor às partes
contratantes. [...] Se, porém, o corretor atuar autonomamente – isto é,
desvinculado de uma imobiliária -, responderá diretamente pelo dano
causado a partir da comprovação da culpa, enquadrando-se na exceção
conferida aos profissionais liberais pelo art. 14, § 4º, do Código de Defesa do
Consumidor, que lhes atribui responsabilidade de natureza subjetiva.

Posto isto, tem-se, que a responsabilidade do corretor de imóveis sempre será


subjetiva. Se vinculado a uma empresa imobiliária responderá subsidiariamente, pois
cabe a esta, independentemente de comprovação da culpa, responder de forma
objetiva. Se autônomo, e, portanto, profissional liberal, o corretor fará jus à exceção
do Código de Defesa do Consumidor e a sua responsabilização estará condicionada
à comprovação da existência do elemento subjetivo culpa.

No entanto, apesar do exposto, convém mencionar que a posição doutrinária


e jurisprudencial acerca da responsabilidade civil do corretor de imóveis, não é
unanime25. Já no que diz respeito à conduta que ocasiona o dano, pode-se dizer que
é omissiva, isto porque, no entendimento de Cavalieri Filho26,

A noção jurídica de omissão, repetimos, é necessariamente normativa,


pressupõe a existência de norma que imponha a ação omitida, pois o Direito
nos impõe, muitas vezes, o dever de agir, casos em que, nos omitindo, além
de violar dever jurídico, podemos deixar de impedir a ocorrência de um
resultado.

No caso dos corretores de imóveis, para que ocorra a possibilidade de


responsabilização civil, há deveres impostos e obrigações que precisam deixar de ser

23
Art. 14, § 4º - “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa.”
24
GUEDES in BORGES (2021, p. 225)
25
BECKER (2016, p.43)
26
CAVALIERI FILHO (2011, p.62)
11

cumpridos. São os deveres e obrigações elencadas no já citado artigo 723, do Código


Civil27.

Assim, segundo Cavalieri Filho “[...] só pode ser responsabilizado por omissão
quem tiver o dever jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que o
obrigue a impedir a ocorrência do resultado.”

No entendimento de Luiz Antonio Scavone Jr.28, o corretor será considerado


negligente, se deixar de verificar os aspectos normais do negócio, e/ou, [...] deixar de
esclarecer fatos relevantes que possam influir negativamente na venda.”.

Ademais, no que aduz ao direito de recebimento de comissão pela


intermediação de negócio, já pactuado por compromisso de compra e venda, porém
desfeito, por desistência motivada antes da assinatura da escritura, em sede de
Recurso Especial, o Relator Ministro Luis Felipe Salomão, disse o seguinte,

Muito embora não tenha sido apurado ou infirmado se a venda do


imóvel pelos promitentes vendedores constituiria fraude à execução, é
vultoso o valor da causa na execução fiscal em que um deles é
demandado - semelhante ao do imóvel objeto do compromisso de
compra e venda -, e, como não foi devidamente informado pela
imobiliária, é motivo bastante para ensejar o rompimento contratual, não
havendo cogitar em obrigação de pagar comissão de corretagem. 29

No caso de desistência motivada, o corretor que se enquadrar nos requisitos


a que se refere o art. 18630 do Código Civil, “[...] resta evidente que nenhuma comissão
será devida”31. Já no caso de desistência imotivada, refere Antonio Coltro32, que o
corretor não deve ser prejudicado pelo arrependimento de qualquer uma das partes
contratantes, se este obteve êxito no acordo entre vontades, chegando à assinatura
de contrato de compra e venda.

27
Artigo 723, do Código Civil: “O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência,
e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio.
Parágrafo único - Sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os
esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros
fatores que possam influir nos resultados da incumbência.”
28
SCAVONE (2020, p.423)
29
BRASIL (2017, p.6)
30
Artigo 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
31
SCAVONE (2020, p.433)
32
COLTRO (2013, p.97)
12

3. METODOLOGIA

Esta pesquisa foi realizada sob o método dedutivo, pois partiu do todo para
uma especificidade, tendo em vista que a análise doutrinária e documental foi feita
primeiramente à vasta doutrina existente em matéria de Direito Civil e Imobiliário, à
legislação vigente, que atualmente fornece o suporte legal à atividade da corretagem
imobiliária, como também à legislação que regulamenta os registros públicos,
nomeadamente a Lei Federal n.º 13.097, de janeiro de 2015, artigo 54, parágrafo
único, que normatizou o Principio da Concentração Registral. Após estas duas
análises, deu-se então a realização da comparação a que se pretendeu chegar, a
propósito das consequências resultantes da falta de registros juridicamente
relevantes, nas matrículas dos imóveis, alvos de transações de compra e venda.

A natureza desta pesquisa é qualitativa, pois estudou particularidades de


documentos cujos dados brutos estão em palavras e apenas trarão conclusões
subjetivas.

O método de procedimento utilizado foi o comparativo porque examinou


aspectos particulares de um determinado setor profissional, dentro do mercado
imobiliário, para verificar semelhanças e explicar divergências entre diversos casos
práticos, além, de também, verificar semelhanças e explicar divergências de
legislações conflitantes, com base na doutrina e jurisprudência, existentes.

A técnica de pesquisa foi majoritariamente bibliográfica, fundamentada na


doutrina, artigos e na jurisprudência, mas foi também documental, pela análise aos
dispositivos legais vigentes.

4. O SISTEMA REGISTRAL BRASILEIRO

No Brasil, vigora o sistema latino de registro de imóveis, um dos que menos


custa ao Estado no cenário mundial, e cujo características garantem a segurança dos
negócios “[...] esmiuçando juridicamente o contrato, antes de conferir-lhe o devido
13

registro.”33, pois cada ato praticado diz respeito somente a uma situação da vida do
cidadão, prescindindo assim, da constante renovação para a garantia do contrato. A
exemplo do que ocorre em outros países, nomeadamente, nos Estados Unidos, o que
vai garantir a segurança jurídica do negócio, será o seguro de responsabilidade civil
que exige renovação anual, onerando muito as operações34.

Conforme Bruno de Mattos e Silva, “Todo bem imóvel deve ou deveria estar
registrado em cartório.”35. De fato, tradicionalmente, o sistema imobiliário brasileiro
exige o duplo requisito para a aquisição da propriedade imobiliária, o título e o modo.

Segundo explica João Pedro Lamana Paiva36,

O título é a escritura notarial, o instrumento particular, o administrativo ou


um documento judicial apto à transmissão. O modo é o registro no álbum
imobiliário, sem o que a propriedade não se transmite, conferindo grande
segurança jurídica aos transmitentes, seguindo o velho chavão “só é dono
quem registra”. 37

Nesse sentido, não basta a escritura ou a promessa de compra e venda. Se


“quem não registra não é dono”38, enquanto não proceder ao registro da sua escritura,
o adquirente possui apenas um direito pessoal, pois é o registro desse fato que dará
publicidade ao negócio que efetuou, passando então, a partir do registro, a ter eficácia
contra terceiros.

Ensina Luis Antonio Scavone, que

Enquanto o registro não é levado a efeito, nada impede que o titular do imóvel
transfira esse direito a outrem, vez que poderá extrair uma cópia da matrícula
onde ainda consta como proprietário. Se alguém adquirir o imóvel desse
vendedor, a par do estelionato por ele praticado, adquirirá validamente a
propriedade com o registro, ainda que a escritura seja posterior. Demais
disso, sem o registro, um credor do vendedor, por dívida posterior à aquisição,
pode penhorar o imóvel que ainda permanece em seu nome. 39

33
COLTRO (2013, p.97)
34
PAIVA (2015)
35
MATTOS E SILVA (2020, p.1)
36
João Pedro Lamana Paiva foi presidente do IRIB, vice-presidente do Colégio Registral do RS e oficial
titular da 1ª Zona de Porto Alegre/RS.
37
PAIVA (2015)
38
SCAVONE (2020, p.854)
39
SCAVONE (2020, p.855)
14

É com o registro do título aquisitivo da propriedade do imóvel, que o novo


proprietário do bem, passa a ser legalmente responsável pelos tributos, taxas e
dívidas, que recaem sobre os bens imóveis, e que até ao registro eram de
responsabilidade do vendedor40.

4.1. A CERTIDÃO DA MATRÍCULA DO IMÓVEL

A matrícula do imóvel, nada mais é do que “[...] “assento de nascimento do


imóvel” ou a “carteira de identidade do imóvel”, uma vez que a matrícula identifica o
imóvel.” 41 . Nesse documento, deve ser possível conhecer os nomes de todos os
proprietários que um imóvel já teve, desde os primeiros até aos últimos, quantas vezes
a propriedade foi transferida, e de que forma isso ocorreu.

Cada imóvel, quando devidamente regularizado perante o sistema registral,


possui apenas uma matrícula imobiliária, que deve ser uma reprodução fiel de todos
os dados referentes ao mesmo. Esses dados são bastante variados e incluem
informações como localização, endereço, dimensões, lote, quadra, e, também, a
qualificação do proprietário, com seu nome, CFP, RG, e estado civil, averbação de
construções etc. 42 . Além desses dados, considerados básicos, precisam constar
também, se houverem, outros registros relacionados a fatos ou atos jurígenos
relevantes, tais como processos de inventário, contratos de aluguel, usufrutos
vitalícios, ações judiciais, especialmente execuções fiscais ou ações trabalhistas
demandadas em desfavor do proprietário, penhoras, arrestos ou “[...] outro tipo de
ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário
à insolvência, caracterizando justamente a fraude à execução.”43.

Dessa forma, por se tratar de um documento público, e, portanto, disponível


para consulta a qualquer pessoa, bastando para isso solicitar ao Registro Imobiliário
da circunscrição, onde o imóvel se situa, deveria ser por excelência, o documento apto
a garantir a segurança jurídica das transações imobiliárias.

40
TARTUCE (2021, p.961)
41
MATTOS E SILVA (2020, p.2)
42
MATTOS E SILVA (2020, p.2)
43
TARTUCE (2021, p.273)
15

4.2. O PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO REGISTRAL

O sistema registral brasileiro, como já mencionado, prescinde da constante


renovação dos atos, para a garantia dos contratos44, registrados e averbados nas
matrículas dos imóveis. Nesse sentido, em uma tentativa de aperfeiçoar o sistema
registral, foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio, por meio da Lei Federal n.º
13.097, de janeiro de 2015, artigo 54, parágrafo único45, o Princípio da Concentração.
Com o assunto disciplinado nessa lei, entre outros temas importantes para os
registros públicos, procuraram inserir no direito registral imobiliário brasileiro a
observância e a aplicação do princípio da concentração46, determinando que todas as
ocorrências relacionadas a imóveis, ou seus titulares, fossem lançadas na matrícula.
Desse modo, somente poderiam afetar os compradores, os fatos que já estiverem
lançados na matrícula no momento da compra, deixando sob a responsabilidade dos
credores, a adoção de medidas protetivas de seus interesses, “[...] já que haverá
ciência por meio da certidão da matrícula do imóvel. O que não constar da matrícula
não poderá recair sobre o comprador, que será considerado terceiro de boa fé.” 47

Com isso, em tese, os adquirentes poderiam conhecer de imediato o nível de


risco de qualquer negócio imobiliário e os profissionais do mercado imobiliário,
nomeadamente os corretores de imóveis, ficariam aliviados da burocracia que envolve
a compra de um imóvel, com consultas a cartórios e órgãos judiciais. A estimativa era
de que caísse o tempo para a transmissão de propriedade em até 20%48.

No entanto, conforme posicionamento de Luis Antonio Scavone,

Tornou-se comum a utilização de factoides jurídicos, notadamente


estampados em Medidas Provisórias, depois convertidas em lei sem o menor
critério, para anunciar “novidades” que não existem e representam, na

44
PAIVA (2015)
45
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais
sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não
tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: [...]
Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no
Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em
garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de
9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de
registro de título de imóvel.
46
PAIVA (2017)
47
REVISTA CONSULTOR JURÍDICO (2017)
48
Idem
16

verdade, apenas a ratificação daquilo que a jurisprudência construiu e o


sistema já prevê. Refiro-me à Medida Provisória 656, de 7 de outubro de
2014, convertida na Lei 13.097/2015, que, nos arts. 54 a 56 (arts. 10 a 12 da
MP), apenas ratifica aquilo que há muito se entende em razão da Súmula 375
do Superior Tribunal de Justiça.

Fato é, que somente dois meses após a edição da lei que introduziu o princípio
da concentração no ordenamento jurídico brasileiro, foi promulgada a Lei Federal n.º
13.105, que instituiu o novo Código de Processo Civil, “[...] que continuou a exigir do
adquirente a análise do passivo do vendedor (e assim dos vendedores anteriores), por
conta do artigo 792, IV [...]” 49 , artigo esse, que comtemplou novas formas de
reconhecimento de fraude à execução50.

Existe um conflito normativo grande, que está longe de ser pacificado. Na


prática, o que ocorre, é que o adquirente de boa fé se vê beneficiado e protegido pela
possibilidade da aplicação do princípio, isto porque, segundo o princípio, o que não
estiver averbado na matrícula não poderá posteriormente recair sobre ele. No entanto,
o adquirente de má-fé também se vê beneficiado e protegido pelo mesmo motivo, pois
o ônus da prova caberá ao credor, que precisará demostrar a má-fé do adquirente.

Conforme explica Luis Antonio Scavone51,

Isso significa que se presume, de forma relativa, a boa-fé do adquirente e a


higidez da transferência, modificação ou extinção do direito sobre o imóvel se
não houver registro ou averbação do gravame ou constrição, mas não
significa que não tenha havido fraude contra credores ou fraude à execução.

[...] não significa que, não havendo o registro ou averbação de gravames ou


constrições na matrícula, o sistema prestigie o negócio e beneficie o terceiro
que haja procedido com má-fé, tornando letra morta os institutos da fraude
contra credores, à execução e, bem assim, o art. 792, IV do Código de
Processo Civil.

Até mesmo entre doutrinadores existe divergência, para Flavio Tartuce, que
acredita ser necessária uma nova posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o
assunto,

49
NALINI (2021, p. 154)
50
BRASIL (2015), Art. 792 - A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de
reduzi-lo à insolvência;
51
SCAVONE (2020, p.824)
17

[...] a tendência para o futuro parece ser a de prevalência da boa-fé do


adquirente caso não exista qualquer restrição na matrícula do imóvel,
caminhando-se para a antes citada solução pela concentração absoluta dos
atos na matrícula. Essa posição acaba por favorecer o tráfego jurídico e a
conservação dos negócios. 52

No que toca à responsabilidade civil dos corretores de imóveis face a esse


imbróglio, é que, assim como ocorre com os adquirentes, de boa e má-fé, também
eles podem se ver imbricados, através de sua intermediação, em situações que
configurem fraude à execução.

Prova disso é o posicionamento do STJ em diversos julgados, como o do voto


do relator, Ministro Moura Ribeiro, em 2016, no qual o corretor não prestou
informações adequadas sobre a situação tributária do imóvel à adquirente,
nomeadamente, informações sobre dívidas de IPTU existentes contra o imóvel,
devendo, assim, responder pelos danos causados.

Ementa da decisão do Relator Ministro Moura Ribeiro,

PROCESSUAL CIVIL. CORRETOR DE IMÓVEIS. RESPONSABILIDADE


PELA INTERMEDIAÇÃO DO NEGÓCIO. SENTENÇA QUE DETERMINOU A
DEVOLUÇÃO EM DOBRO DO VALOR DADO COMO ENTRADA, APÓS A
ADQUIRENTE DESCOBRIR DÉBITO DE IPTU NÃO COMUNICADO
PREVIAMENTE. SENTENÇA QUE SE CONFIRMA. RECURSO AO QUAL
SE NEGA SEGUIMENTO MONOCRATICAMENTE.
I - Nos termos do artigo 723 e seu parágrafo único do Código Civil, "O corretor
é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao
cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do
negócio." e "Sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará
ao cliente todos os esclarecimento acerca da segurança ou do risco do
negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos
resultados da incumbência.";
II - Restando comprovado que a adquirente pagou o valor de entrada
diretamente ao corretor e este não prestou informações adequadas sobre a
situação tributária do imóvel, deve o corretor responder pelos danos
causados, em especial a devolução do valor dado como entrada;
III - Recurso ao qual se nega seguimento, com espeque no artigo 557, do
Código de Processo Civil (e-STJ, fl. 110). 53

Outro julgado, bem mais recente, cujo temática tratou justamente de uma
responsabilização civil de um corretor de imóveis, a propósito de superveniente
declaração de fraude à execução, tendo sido decretada a ineficácia da venda, perante
a qual, perderam os autores o imóvel que adquiriram.

52
TARTUCE (2021, p.274)
53
BRASIL (2016) – (AgInt no AREsp 731.521/RJ, julgado em 27/09/2016)
18

Ementa da decisão do Relator Ministro Raul Araújo54,

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. COMISSÃO


DE CORRETAGEM. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.
DECRETAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO DA VENDA REALIZADA.
FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO DO CORRETOR. COMISSÃO
INDEVIDA. DANOS MORAIS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS 5 E
7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Segundo orientação jurisprudencial desta Corte, "o corretor, no exercício
de sua atividade, além de aproximar as partes, deve atuar de forma diligente,
desincumbindo-se, adequadamente, do dever de informação que lhe é
imposto de maneira a permitir que o comitente tenha seus interesses
resguardados" (AgInt no REsp 1.309.505/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 26.3.2019).
2. No caso dos autos, o Tribunal de origem consignou que a prova
testemunhal comprovou a contratação dos serviços do agravante pelos
agravados; que o recorrente, como corretor, foi negligente e
imprudente, tendo em vista que, sabendo que o vendedor era
proprietário de uma empresa, não poderia dispensar ou orientar a
dispensa das certidões necessárias; que foi comprovado que os
agravados não sabiam da necessidade de tais certidões e não tinham
ciência da existência de dívidas que recaíam sobre o bem antes da
assinatura do contrato de compra e venda.
3. Rever a conclusão lançada no v. acórdão recorrido demandaria,
necessariamente, reapreciação de matéria fática, inviável em recurso
especial (Súmulas 5 e 7/STJ). 4. Agravo interno desprovido. (GRIFO NOSSO)

Neste caso, o corretor intermediador, apresentou aos adquirentes somente a


certidão da matrícula do imóvel, dispensando a investigação sobre a situação dos
vendedores nos órgãos judiciais, culminando em sua condenação, à devolução dos
valores recebidos a título de comissão de corretagem, além da condenação em dano
moral em valor expressivo, tudo devidamente corrigido e acrescido de juros legais,
desde a data do pagamento, da referida comissão.

5. CONCLUSÃO

O presente trabalho chegou ao seu objetivo, de dar resposta ao


questionamento ensejador da pesquisa, “Qual procedimento devem os corretores de
imóveis adotar, para evitar as demandas judiciais de responsabilização civil,
motivadas pela falta de registros importantes nas matrículas imobiliárias?”.

Dessa forma, verificou-se que apesar do envidado esforço do legislador, o


Princípio da Concentração não emplacou no ordenamento jurídico brasileiro, deitando

54
BRASIL (2020) – (Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial Nº 315.212 – SP)
19

por terra a ilusão que trazia, de que, com a sua efetiva aplicação, o processo de
compra e venda de imóveis e o trabalho dos profissionais envolvidos, estaria facilitado,
pois não mais seria necessário, efetuar a investigação habitual da situação legal,
jurídica e financeira, dos vendedores proprietários dos imóveis.

O que se verificou, foi que, atos e fatos passíveis de abalar a manutenção


dos contratos de compra e venda, continuam a persistir por falta averbações e
registros essenciais, impedindo a transferência da propriedade para os adquirentes e
levando a nulidades e anulações de negócios, por vezes já perfectibilizados, por
configurarem, na maioria dos casos, fraude à execução.

Compreendeu-se que não há segurança jurídica nos negócios imobiliários,


sem extrair todas as certidões necessárias, desde as judiciais, de todos os órgãos,
em nome dos proprietários, quer sejam pessoas físicas ou jurídicas, passando pelas
certidões de débitos municipais, certidões da receita estadual e federal, até às de
débitos condominiais, se for o caso.

Conclui-se, pugnando pela necessidade de adoção exigente das práticas


da Due Dilligence imobiliária pelos corretores de imóveis, no sentido de evitar sua
possível, futura responsabilização, por negligência e imprudência em suas
intermediações na venda de imóveis.

Por fim, sugere-se aos órgãos governamentais a revisão dos malfadados


artigos, de 54 a 58, da Lei nº 13.097/2015, que não encontram aplicabilidade e já
configuram “letra morta” para muitos doutrinadores.

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