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RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar como o neoliberalismo tem inventado o artista no
contemporâneo. Para isso, recorremos a uma bibliografia especializada para apresentarmos
as mudanças que o neoliberalismo tem provocado no mundo da arte. Na primeira parte,
apresentamos que o neoliberalismo é o novo colonialismo do séc. 21 e que, para além de
uma teoria econômica, o neoliberalismo é também uma forma de vida que incorpora os valores
do capitalismo, tais como: a produtividade, a velocidade, a visibilidade, a competitividade, a
individualidade etc. Na segunda parte, analisamos as mutações que o neoliberalismo tem
provocado no mundo da arte, tais como a exigência do artista se tornar MEI – Micro
Empreendedor Individual, a ditadura do “etc.” e a blogueirização do trabalhador cultural.
PALAVRAS-CHAVE
História da Arte; Artista; Neoliberalismo; Contemporâneo.
ABSTRACT
The purpose of this article is to introduce how neoliberalism has invented the artist in the
contemporary world. For this, we resort to a specialized bibliography to present the changes
that neoliberalism has caused in the art world. In the first part, we present that neoliberalism is
the new colonialism of the 20th century. 21 and that, in addition to an economic theory,
neoliberalism is also a way of life that incorporates the values of capitalism, such as:
productivity, speed, visibility, competitiveness, individuality, etc. In the second part, we analyze
the mutations that neoliberalism has caused in the art world, such as the artist’s demand to
become MEI – Individual Micro Entrepreneur, the dictatorship of the “etc.” and the
bloggerization of the cultural worker.
KEYWORDS
Art History; Artist; Neoliberalism; Contemporary.
Introdução
IV Encontro Regional da ANPAP Nordeste. LIMA, José Maximiano Arruda Ximenes de et al (Orgs).
Fortaleza: ANPAP NORDESTE, 2022.
pressuposto de que não existe uma essência do que é a arte e uma essência do que
é o artista, pois tanto a arte quanto o artista são invenções dentro de um determinado
contexto histórico.
Nesse sentido, as concepções de arte e de artista são sempre um efeito de uma rela-
ção complexa de saber e de poder, isto é, um jogo de forças que a todo instante
desenha e redesenha os regimes de visibilidade e de dizibilidade do mundo da arte.
Portanto, nos perguntamos: se o artista é uma invenção dentro de um determinado
contexto histórico, como o artista tem sido inventado hoje no contemporâneo?
Neoliberalismo
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dois mil que essa nova política ganha a sua força total e expressividade em escala
mundial.
Segundo Mbembe, no neoliberalismo, tudo o que existe pode ser atribuído um valor
no mercado, até mesmo a nossa imaginação e criatividade podem se tornar produtos
e mercadorias valiosíssimas para a expansão do capitalismo. Inclusive o tempo se
torna monetizado e passamos a dividir e esquadrinhar o tempo em cada vez mais
horários extremamente regrados e calcularmos estratégias de ganhar e não perder
tempo, que é um vocabulário bastante neoliberal. Nesse sentido, vivemos uma dita-
dura do regime de tempo do capitalismo, que é um regime de tempo acelerado e pro-
dutivista e que não corresponde ao tempo geológico da natureza e da humanidade.
Mbembe ainda afirma que o neoliberalismo provoca uma paranoica codificação da
vida social em normas, categorias e números, isto é, um período em que tudo passa
a ser calculado, medido e quantificados em tabelas, números, likes, visualizações etc.
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desumanizado, e a sua condição de humano lhe é retirada e ele então se torna um
não-humano, sem direito, um condenado da terra2.
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histórico e em suas figuras. O argumento que desenvolvo em meu
novo livro é que, nas condições contemporâneas, a forma com que os
negros foram tratados naquele primeiro período estendeu-se para
além dos próprios negros. O “devir-negro do mundo” é esse momento
em que a distinção entre o humano, a coisa e a mercadoria tende a se
esvair e se apagar, sem que ninguém – sejam negros ou brancos, mu-
lheres ou homens − possa fugir disso (MBEMBE, 2019, pp. 8-9).
Para Mbembe, o capitalismo é um regime de poder que necessita a todo instante in-
ventar raças que ele subjugue e explore. Assim, é comum vermos o surgimento de
novas classes subalternizadas nos regimes neoliberais, tais como: ubers, entregado-
res, motoboys etc. que são indivíduos sem rosto e sem humanidade transformados
em um puro serviço.
No livro A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal (2009), os filó-
sofos franceses Pierre Dardot (1952-) e Christian Laval (1953-) afirmam que o neoli-
beralismo não é apenas uma política que modifica a economia e o direito, mas é antes
de tudo uma forma de vida. “O neoliberalismo não é apenas uma ideologia, um tipo
de política econômica. É um sistema normativo que ampliou sua influência ao mundo
inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações sociais e a todas as esferas
da vida” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 7).
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O neoliberalismo é o nome para o deslocamento da lógica do capital para a nossa
vida, isto é, é quando a lógica do capital impregna a nossa maneira de viver e produz
assim os nossos modos de sentir, perceber, lembrar, imaginar e criar. Nesse sistema,
os valores do capitalismo se tornam agora os valores que vão reger as nossas vidas,
tais como: produtividade, rankeamento, velocidade, cronometragem, eficiência, visibi-
lidade, singularidade, competitividade, networking, individualidade etc. Começamos a
valorizar e a seguir esses valores sem nenhum tipo de atitude crítica, uma vez que
esses valores neoliberais são naturalizados e internalizados em todas as esferas da
vida, desde ao nosso modo de existência até as nossas relações amorosas, amiza-
des, familiares, acadêmicas e até mesmo o mundo da arte.
Artista contemporâneo
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Quando um artista é artista em tempo integral, nós o chamaremos de
‘artista-artista’; quando o artista questiona a natureza e a função de
seu papel como artista, escreveremos ‘artista-etc’. (de modo que po-
deremos imaginar diversas categorias: artista-curador, artista-escritor,
artista-ativista, artista-produtor, artista-agenciador, artista-teórico, ar-
tista-terapeuta, artista-professor, artista-químico etc) (BASBAUM,
2013, p. 167).
Vivemos em mundo capitalista e precarizado em que cada vez mais nos obriga a nos
submetermos à uma infinidade de serviços e que nos pede cada vez mais para nos
desdobrarmos em mil coisas e atividades. E quando se trata do mundo da arte, isso é
ainda mais grave. Pois, hoje em dia, um artista não consegue se sustentar apenas
com a sua arte, hoje em dia, além de artista, ele precisa ser também pesquisador,
professor, graduado, bacharel, licenciado, mestre, doutor, phd, curador, designer,
marketeiro, empresário de si mesmo. No mundo neoliberal, somos todos forçados a
nos tornarmos “etc”. “Multiartista”? Nós diríamos: “Multifudida”! “Multilascada”! “Multi-
precarizada”! Por isso, um dos problemas contemporâneos na arte é: “Como ser ‘etc’
sem ser ‘precarizada’”? ou “Quem tem o direito, o luxo e o privilégio ser ‘etc’ sem ser
‘precarizada’”? Pensamos que o “etc.” deva ser um direito e não uma ditadura.
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essas figuras são/estão constantemente sendo inventadas e reinventadas a toda ins-
tante. Sobre o seu livro, Erber diz que:
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teoria se torna obsoleta com o surgimento da arte contemporânea e o surgimento dos
ready-mades, que não são nem representações (pois são o próprio objeto em si) e
nem são expressões (pois não são a subjetividade do artista). Por isso, Danto inventa
uma solução ao problema ontológico da arte a partir da 3ª) Teoria da Instituição: a
teoria que diz que a arte é legitimada como tal pelas instituições de poder.
Para Danto, a arte contemporânea não possui uma ontologia endógena, isto é, uma
definição internalista (quando o critério é intrínseco à obra de arte), mas sim possui
uma ontologia exógena, isto é, uma definição externalista (quando o critério de defini-
ção é externo à obra de arte). Nesse sentido, as figuras da arte e do artista são vali-
dadas pelas instituições, que se tornam agora engrenagens da máquina neoliberal. A
solução de Danto se aproxima da solução de Foucault, que afirma que a arte e o
artista são um efeito das relações de saber e poder de uma determinada formação
histórica e social. Nesse sentido, cabe a nós nos perguntamos: “Qual arte e qual artista
a nossa formação histórica e social está produzindo?”.
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Fortaleza: ANPAP NORDESTE, 2022.
uma condição sine qua non para a sobrevivência do artista contemporâneo, ainda
mais quando este vem das camadas mais pobres da sociedade e vê no alcance das
redes uma chance de aumentar as suas condições precárias de empregabilidade. O
problema, assim como o problema da captura do conceito de “artista-etc”, é que essas
práticas sejam um direito de escolha e não uma obrigação.
Conclusão
Vimos que não existe uma essência do que é a arte e do que é o artista, mas que as
suas concepções são invenções dentro de um determinado contexto histórico, e que
essas concepções se transformam ao longo do tempo. Buscamos neste artigo inves-
tigar como o neoliberalismo tem inventado o artista no contemporâneo. A partir da
bibliografia especializada, concebemos que o neoliberalismo é o novo colonialismo do
séc. 21, que ele é uma teoria econômica e também uma forma de vida que incorpora
os valores do capitalismo. Vimos ainda que o neoliberalismo invade todas as esferas
sociais, incluindo o mundo da arte, provocando assim drásticas mudanças nos seus
regimes de visibilidade e de dizibilidade. Portanto, apresentamos que algumas das
mutações que o neoliberalismo tem provocado no mundo da arte são: a exigência do
artista se tornar MEI – Micro Empreendedor Individual, a ditadura do “etc.” e a bloguei-
rização do trabalhador cultural.
Notas
1. Cf. HARAWAY, Donna. “Manifesto ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX”.
In: TADEU, Tomaz (org.). Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Tradução de Tomaz Tadeu.
2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009, pp. 33-118.
2. Cf. FANON, Frantz. Os condenados da terra. Tradução de José Laurênio de Melo. 1. ed. Rio de Janeiro:
Editôra Civilização Brasileira, 1968.
3. Cf. KRAUSS, Rosalind. “Arte na era da condição pós-meio”. In: SANTOS, Leonardo Nones. Arte na era da
condição pós-meio: Estudo e tradução de Rosalind Kraus. Tradução de Leonardo Nones Santos. São Paulo:
Universidade de São Paulo, 2019, pp. 24-87.
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Fortaleza: ANPAP NORDESTE, 2022.
Referências
BASBAUM, Ricardo. “Amo os artistas-etc.”. In: _____. Manual do artista-etc.. 1. ed. Rio de
Janeiro: Beco do Azougue, 2013. pp. 168-171.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016.
ERBER, Laura. O artista improdutivo e outros ensaios. 1. ed. Belo Horizonte, Veneza:
Editora Âyiné, 2021.
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Tradução de José Laurênio de Melo. 1. ed. Rio
de Janeiro: Editôra Civilização Brasileira, 1968.
KRAUSS, Rosalind. “Arte na era da condição pós-meio”. In: SANTOS, Leonardo Nones.
Arte na era da condição pós-meio: Estudo e tradução de Rosalind Kraus. Tradução de
Leonardo Nones Santos. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2019, pp. 24-87.
MBEMBE, Achille. “O devir-negro do mundo”. In: _____. Crítica da razão negra. Tradução
de Sebastião Nascimento. 1. ed. São Paulo: n-1 edições, 2018, pp. 11-25.
MBEMBE, Achille. Poder brutal, resistência visceral. Tradução de Damian Kraus. 1. ed.
São Paulo: n-1 edições, 2019.
Lucas Dilacerda
Graduado (Licenciatura e Bacharelado) em Filosofia, com distinção Summa Cum Laude, pela
Universidade Federal do Ceará (UFC), Especialista em Filosofia Clínica, Mestre em Filosofia,
com ênfase em Estética e Filosofia da Arte, pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia
da UFC, e Mestrando em Artes, pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da UFC. É
coordenador do LAC – Laboratório de Arte Contemporânea; e do LEFA – Laboratório de
Estética e Filosofia da Arte. E-mail: lucasdilacerda3@gmail.com.
IV Encontro Regional da ANPAP Nordeste. LIMA, José Maximiano Arruda Ximenes de et al (Orgs).
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Disponível em <www.even3.com.br/anais/IVencontroregionalanpapNE>
ISBN: 978-65-5941-782-7
1. Artes 2. Educação