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SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE GUARULHOS

THAÍS FURLAN TAVARES


DIVISÃO TÉCNICA DE ARTE-EDUCAÇÃO, CF. 38.735

Uma Relação entre a História e Cultura da Nigéria e os Livros


de Chimamanda Ngozi Adichie.

Guarulhos, 2016.
Resumo:

A internet está repleta de informações a respeito da história e cultura da


Nigéria, contudo boa parte destes conteúdos é produzida por pessoas que nem
ao menos conhecem o país. Sendo assim, o presente trabalho pretende
aprofundar os conhecimentos sobre a Nigéria a partir da construção de
relações entre sua história/ cultura e as obras da escritora nigeriana
Chimamanda Ngozi Adichie.

1. Nigéria até a Independência:

“A “raça” negra de tipo conhecido como sudanês ou “congolês”


individualizou-se para se adaptar às condições das latitudes tropicais,
principalmente na África ocidental. Poucos restos de esqueletos
foram encontrados para identificação e datação, provavelmente
porque a desagregação química devida à acidez dos solos não é
favorável à preservação dos fósseis. Apesar disso, depois das
descobertas feitas em Asselar, esqueletos do tipo negroide de várias
épocas (às vezes extremamente antigos) foram encontrados no
Saara e na Nigéria meridional, fato que sugere ter sido a região foco
original desse tipo humano”. (KI-ZERBO, 2010, p. 301).

Embora se tenha notícias da habitação de determinadas áreas da


Nigéria no Middle Stone Age – Período que data de 35.000 a.C. e 15.000 a.C,
as informações antigas mais precisas das quais se têm notícia da Nigéria são
por volta de dos séculos V a.C. e III a.C., caracterizadas pelo desenvolvimento
de utensílios de pedra e cerâmica, provável período em que a região foi
habitada pelos Iwo-Elerus e Ukpa. Por volta de 1.000 a.C o povo Nok,
importante referência no trabalho com ferro, se estabelece no Norte do país.

“Nok era uma civilização existente no norte da Nigéria que, no


século V a.C. dominava a metalurgia. Eram principalmente
agricultores sedentarizados que cultivavam o inhame (para
alimentação) e produziam óleo de palma, sendo provável que não
criavam gado. Parecem ter sido pioneiros na metalurgia, já que foram
os primeiros ao sul do Sara a fundir o ferro. Na Idade do Ferro
usavam cobre, estanho, bronze e ferro para produzirem seus
artefatos com mais resistência, na Civilização Nok não foi diferente,
fabricavam lanças, machados, artefatos de metais, vasos, esculturas,
estátuas e outros de barro e cerâmica. Demonstravam toda a arte
africana em seus adereços.
A língua Nok estava possivelmente ligada à dos Protobantos,
que enxameavam toda a África Central e Meridional. (...) Precedendo
de vários séculos a cultura de Ifé (antigo reino e terra natal do povo
Ioruba), a civilização de Nok constitui um elo essencial para o
conhecimento da antiquíssima história do continente africano.
Nada se sabe sobre como terá desaparecido esta cultura, se
de forma brutal ou na sequência de um progressivo declínio”.
(CIVILIZAÇÕES AFRICANAS, 2009)

Figura 1 – Localização do povo Nok na Nigéria.

1
Fonte: Site Civilizações Africanas .

1.1. Os Ifés:
Estabeleceram-se no sudoeste da Nigéria por volta de 600,
caracterizando-se como cidades de modelo de crescimento progressivo e que
compreendiam vários grupos habitacionais. Destes grupos descenderiam os
primeiros Oyos e Iorubas.

1.2. Os Haussas:
O povo Haussa estabeleceu-se principalmente no Norte da Nigéria, ao
sudeste do Rio Niger por volta de 700, movendo-se lentamente. Com o declínio
de Nok, que tinha controlada anteriormente as regiões central e norte da
Nigéria, entre 800 a.C. e 200 a.C, os Haussas foram capazes de emergir como

1
Disponível em: <http://civilizacoesafricanas.blogspot.com.br/2009/12/civilizacao-nok.html>
um novo poder na região, dando origem às cidades históricas de Kano, Zaria,
Gobir, Katsina, Rano, Biram e Daura.
No século XV, quando se inicia a transformação da economia do
território, os Haussas começam a desenvolver seus negócios e assumem
algumas rotas, principalmente as que levaram ao sul. O comercio fluía em
várias direções, aproveitando a localização geográfica do território e a
diversidade de produtos carentes em outras regiões.

1.3. Reino de Oyo:


Capital política dos Iorubas, o principal grupo étnico de diversos Estados
da Nigéria, constituindo aproximadamente 21% da população do país. Oyo
teria sido fundada no século XIII, sendo apenas uma das cidades-estado Ioruba
entre muitas outras, com complexo sistema político, tornando-se um império
por volta do século XV.

1.4. Povo Igbo:


Sua presença, no que é chamada de Terra dos Igbo, decorre de mais de
1500 anos, sendo provavelmente os mais notáveis devido ao tamanho do seu
território e à densidade da sua população. A maioria de seu povo está
concentrado ao sul e oeste da Nigéria.
As sociedades Igbo eram organizadas em aldeias auto-suficientes, ou
federações de comunidades de aldeias que se dedicavam principalmente à
exploração agrícola. Apesar de formarem uma sociedade sem chefes, tinham,
contudo, um líder espiritual e religioso.

Os Portugueses são os primeiros a chegar à região da Nigéria, em 1472,


dando início às relações comerciais e ao tráfico de escravos. Este comércio
acontecia a partir da venda de prisioneiros africanos capturados por outros
africanos durante combates, ou capturados diretamente pelos europeus.
O número de escravos levados foi tão grande que, antes do final do
século XVIII, os africanos que vieram por meio do comércio de escravos
tornaram-se os mais numerosos imigrantes tanto ao Norte quanto ao Sul da
América. A região da Nigéria entre o Golfo de Benin e o Golfo de Biafra foi a
que exportava a maior proporção de mulheres, atingindo quase a metade das
exportações totais. Sendo assim, o comércio escravo causa um efeito
altamente perturbador sobre as estruturas sociais e políticas africanas, tendo
em vista que a mão de obra escrava contribuiu para o extremo
desenvolvimento da Europa e das Américas e, prejudicando assim, o
desenvolvimento do continente africano.
Na segunda metade do século XIX os britânicos vão consolidando o
domínio sobre o país, e com ações da marinha, agem a fim de perseguir e
extinguir o comércio escravagista nas metades norte e sul da Nigéria, o que
ocorre no começo do século XX.
Em 1914, em algumas áreas é estabelecida administração direta inglesa
e em outras os europeus são representados pelos monarcas africanos locais.
Esta situação permanece até 1 de outubro de 1960, quando a Nigéria
conquista sua independência.

2. Nigéria Pós Independência:

A Guerra Civil da Nigéria, também conhecida como “Guerra de


Biafra” (1967-1970), foi um conflito político pela tentativa de separação da
região da Nigéria autoproclamada República do Biafra. Seu início deu-se após
uma desavença entre Iorubas/ Haussas e Igbos, Tendo em vista que os
Iorubas mantinham-se no poder, requisitando as terras Igbos, que continham
reservas petrolíferas. Em resposta, os Igbos criaram a República do Biafra, que
até certo ponto foi sustentada por investidores estrangeiros que tinham
interesses no petróleo.
É neste exato momento da história da Nigéria que podemos contar com o
olhar apurado e delicado da escritora e pesquisadora Chimamanda Ngozi
Adichie. Em seu livro “Meio Sol Amarelo” (2008), a autora relata a trajetória de
três personagens durante a guerra Nigéria-Biafra. Segundo ela, os fatos da
guerra em seu livro foram baseados em pesquisas a partir de livros com grafia
anglicizada de Igbo, relatos orais e fotografias de parentes próximos e amigos
que vivenciaram o período de guerra, seja na batalha ou não.

“O Norte estava inquieto: temia o domínio do Sul, bem mais


instruído, e sempre quis separar-se dos sulistas infiéis. Entretanto os
britânicos tinham de manter a Nigéria como ela era – uma criação
deles de alto valor, um grande mercado, um espinho no olho da
França. Para favorecer o Norte, ajeitaram as eleições pré-
independência em favor do Norte e redigiram uma nova constituição
que dava aos nortistas o controle sobre o governo central.
O Sul, ansioso pela independência, aceitou a constituição. (...)
Nada foi feito em relação ao clamor dos grupos minoritários, e as
regiões já estavam competindo tão ferozmente (...)”. (ADICHIE, 2008,
p. 185)

“O Estado colonialista era autoritário, uma ditadura


despreocupadamente brutal, destinada a beneficiar a Grã-Betanha.
(...) E havia também o petróleo recém-descoberto. (...) As razões
ostensivas – vingança pelo “golpe ibo”, protesto contra um decreto
unitário que faria o povo do Norte sair perdendo no funcionalismo
público – não tinham a menor importância”. (ADICHIE, 2008, p. 240)

França, Israel e até mesmo os Chineses apoiavam Biafra, tendo em


vista sua região petrolífera; por outro a Nigéria Federal recebia apoio dos
Britânicos, Soviéticos e Egípcios. Assim, a guerra civil da Nigéria pôde se
configurar como uma “guerra mundial em miniatura”.
A França provavelmente reconheceu na Nigéria um futuro rival em sua
zona de influência na África Ocidental, tentando assim, sustentar a secessão
de Biafra, numa fútil tentativa de provocar a desagregação da Nigéria.
(MAZRUI, 2010).

“Assim como também não importava o número variável de


mortes: três mil, dez mil, cinquenta mil. O importante foi que os
massacres assustaram e uniram os ibos. O importante foi que os
massacres fizeram de antigos nigerianos fervorosos biafrenses”.
(ADICHIE, 2008, p. 240)

Durante a Guerra Civil Nigéria-Biafra morreram, em média, 1 milhão de


biafrenses, quase todos Ibos, em conflitos, vitimados pela fome ou por
doenças, uma situação insustentável para os biafrenses, que culminou o fim da
guerra civil. Desde o fim deste conflito, a região vem sendo administrada por
militares e marcada por fortes traços de corrupção.
A assistência técnica socialista na Nigéria, especialmente em setores
como a indústria petrolífera e siderurgia, aumentou a partir de 1970 e teve um
papel essencial, permitindo aos nigerianos alcançarem as competências
necessárias ao seu país para o desenvolvimento.
Após a guerra, o país continuou a receber ajuda militar da União
Soviética, sob a forma de equipamentos e armamento militar. De 1974 a 1978,
a Nigéria adquiriu, da União Soviética, cerca de 80 milhões de dólares norte-
-americanos em armas, ou seja, mais que qualquer outro país.

“Há que se lembrar que houve um tempo em que o sol jamais


se punha sobre o Império britânico, espalhado por todos os fusos
horários do planeta. Mas Biafra, apesar do sol nascente de sua
bandeira, foi uma república sobre a qual o sol não se levantava
jamais verdadeiramente, uma república que morreu antes da aurora
de sua existência, apesar do aeródromo de Uli e das implicações
internacionais do conflito. Sua história demonstrou que a África
estava incorporada ao mundo mais vasto das rivalidades planetárias.
Mostrou também que a identidade africana, nascida da humilhação
racial e da dominação estrangeira, não podia ser senão frágil e
incerta”. (MAZRUI, 2010, p. 14).

Após a guerra civil de Biafra e até 1999 houve um padrão recorrente de


golpes e contragolpes em que o exército manteve o poder do país de forma
quase ininterrupta. Essa sucessão de golpes conduziu o país à sucessão de
governos autoritários e corruptos, frequentemente narrados nas obras de
Adichie:

“Golpes levavam a mais golpes, disse Papa. (...) Um golpe


sempre iniciava um ciclo vicioso. Militares sempre derrubariam uns
aos outros simplesmente porque tinham como fazer isso e porque
todos ficavam embriagados pelo poder.
É claro, disse Papa, que os políticos eram mesmo corruptos, e o
Standard já publicara muitas matérias sobre os ministros do gabinete
que escondiam em contas do exterior o dinheiro que deveria ser
usado para pagar os salários dos professores e construir estradas”.
(ADICHIE, 2011, P. 31)

Hoje a Nigéria é um país aparentemente democrático, já que não


houveram novos golpes desde 1999, no entanto, as décadas sob um regime
militar foram de grande impacto na realidade atual do país, que ainda
apresenta influência militar em seu governo. O atual Presidente da República
Federal da Nigéria e comandante-em-chefe das Forças Armadas da Nigéria é
Muhammadu Buhari.
Para além das questões militares, frequentes nas publicações de
Adichie, a questão petrolífera da região também é bem forte, principalmente eu
seu livro intitulado ‘Americanah’:

“Então ela falava do homem que fizera sexo com um general


dos mais graúdos em troca de um campo de petróleo, do
administrador militar cujos filhos na verdade eram de outro homem,
das prostitutas estrangeiras que eram levadas de avião toda semana
para o chefe de Estado”. (ADICHIE, 2014, p.88)

“Eze era o homem mais rico ali, dono de poços de petróleo.


Assim como muitos dos ricos da Nigéria, era livre de angústias, um
homem feliz, sem preocupações”. (ADICHIE, 2014, p.503)

3. Dados Estatísticos:

Figura 2 – Bandeira da Nigéria Figura 3 – Brasão de Armas

Fonte: Wikipedia Fonte: Wikipedia

Nome Oficial: República Federal da Nigéria


Área: 923.768 km²
Capital: Abuja
População: 182,1 milhões de habitantes (estimativa 2015)
Nacionalidade: Nigeriana
Governo: República Presidencialista
Divisão administrativa: 36 estados

Localização: Oeste do continente africano. A Nigéria é banhada pelos rios


Niger e Benue, que desaguam no Golfo da Guiné.
Cidades Principais: Lagos, Kano, Ibadan, Kaduna e Abuja.
Clima: Tropical ao norte e equatorial ao sul.
Densidade demográfica: 182 hab./km² (2012)

Composição da População: Grupos étnicos naturais da região (94,5%),


outros (5,5%).
Idioma: inglês (oficial) e línguas regionais (hauça, fulani, ioruba, ibo).
Religião: cristianismo (47,2%), islamismo (42%), crenças tradicionais (10,5%),
sem religião (0,3%).

IDH: 0,514 (Pnud 2014) - baixo


PIB (Produto Interno Bruto): US$ 1,16 trilhão (2016 - estimativa)
Força de trabalho: 62 milhões de trabalhadores (estimativa 2016)
Moeda: Naira
Principais setores econômicos: Exploração de petróleo, agricultura, serviços
financeiros e indústria de transformação.

4. Aspectos da Nigéria

Figura 4 – Localização da Nigéria no Mapa Mundi

2
Fonte: CanStockPhoto
A Nigéria está localizada às margens do Golfo da Guiné e é o país mais
populoso do Continente Africano, estando entre os 10 mais populosos do
mundo. A variedade de costumes, idiomas e tradições dos diversos grupos
étnicos fazem com que o país seja um espaço de grande diversidade cultural.

2
Disponível em: <http://www.canstockphoto.com.br/foto-imagens/nig%C3%A9ria.html#file_view.php?id=5980386>
Pessoas com diferentes idiomas, geralmente comunicam-se em inglês, ainda
que o conhecimento de dois ou mais idiomas nigerianos, como Hausa, Yoruba
e Igbo, seja comum.
Apesar de Abuja ser sua capital, é Lagos quem se destaca como maior
cidade do país – são quase 8 milhões de habitantes (NBS 2013).

“Lagos agrediu-a; a pressa aturdida pelo sol, os ônibus amarelos


repletos de corpos amassados, os ambulantes suados correndo atrás
dos carros, os anúncios em cartazes gigantescos e as pilhas de lixo
se amontoavam à beira da estrada como uma provocação. O
comércio pulsava de forma desafiadora demais. E o ar era denso de
exageros, as conversas, cheias de declarações excessivas. (...) Será
que sempre tinha sido daquele jeito ou tinha mudado tanto em sua
ausência? Quando Ifemelu foi embora, só os ricos rinham celulares,
todos os números começavam com 090 e as meninas queriam
namorar os homens do 090. Agora, a moça que trançava seu cabelo
tinha um celular, o vendedor de banana-da-terra que cuidava de uma
grelha empretecida tinha um celular”. (ADICHIE, 2014, p. 415)

Figura 5 – Nigéria: Grandes Cidades

3
Fonte: BBC BRASIL

Menos de 40% dos nigerianos vivem em estabelecimentos urbanos –


divididos entre as cidades mais populosas. O restante vive em cidades
periféricas, vilas/ vilarejos e aldeias nas zonas rurais da Nigéria – a maioria
camponeses e pequenos comerciantes - mantêm suas línguas tradicionais.
É muito difícil encontrar informações precisas sobre o cotidiano das
destas aldeias e vilarejos, que ganharam destaque na mídia apenas com os
recentes ataques do grupo rebelde islâmico Boko Haram.

3
Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/000000_pnigeria.shtml>
Entretanto, nossa escritora nos relata um pouco da vida simples que
envolve a realidade dos pequenos povoados da Nigéria em suas publicações:

“Ugwu não acreditava que houvesse alguém, nem mesmo esse


patrão com quem iria viver, que comesse carne todo dia. Não
contradisse a tia, porém, porque estava emocionado demais com a
perspectiva, ocupado demais imaginando sua nova vida fora do
povoado. (...)
“Ugwu. E você é de Obukpa?”
“De Opi, sah.”. (ADICHIE, 2011, p. 11)

“Ugwu foi até o toca-discos para olhá-lo com mais cuidado,


mas sem mexer em nada. A mãe estaria preparando o jantar,
socando akpu, o pilão agarrado nas duas mãos. Chioke, a esposa
mais nova, estaria cuidando do caldeirão de sopa aguada, equilibrado
em três pedras sobre o fogo. As crianças teriam voltado do riacho e
estariam correndo umas atrás das outras, gritando, debaixo da árvore
de fruta-pão. Talvez Anulika estivesse de olho nelas. Tinha se
tornado a mais velha da família, agora, e, quando todos se
sentassem em volta do fogo, para comer, caberia a ela interromper as
brigas dos mais novos, que às vezes lutavam para ver quem ia ficar
com as tiras de peixe seco da sopa. Esperaria até todo o akpu ser
comido, e só então dividiria o peixe, de tal forma que cada criança
ficasse com um pedaço e ela com o maior de todos, como Ugwu
sempre fizera”. (ADICHIE, 2011, p. 16)

Nestes mesmos trechos, Chimamanda narra a surpresa e encanto de


Ugwu, jovem criado de Odenigbo vindo de um pequeno vilarejo chamado Opi –
próximo a Nsukka, ao se deparar com eletrodomésticos e objetos comuns nas
grandes cidades, como geladeira, toca-discos, torneiras, lâmpadas etc. na
década de 60, pouco antes da Guerra Civil de Biafra. A prática de levar jovens
e mulheres de vilarejos para trabalhar e viver nas casas das famílias da cidade
parece comum e é relatada tanto em ‘Meio Sol Amarelo’, como em ‘Hibisco
Roxo’.

“Nós todos sentamos e tomamos café com PapaNnukwu,


ouvindo-o falar dos homens que extraíam vinho de palma em sua
cidadezinha, dizendo que eles saíam de casa de madrugada para
subir nas palmeiras, porque as árvores davam vinho azedo depois
que o sol nascia. Dava para perceber que ele sentia saudades da
aldeia, que sentia saudade de ver aquelas palmeiras onde os homens
subiam com um cinto de ráfia envolvendo seus corpos e o tronco da
árvore”. (ADICHIE, 2011, p. 173)

Em aspectos religiosos, a maioria dos nigerianos são adeptos aos


cristianismo ou islamismo, contudo por toda a Nigéria há uma crença
generalizada, embora suprimida por razões políticas, em práticas religiosas
tradicionais locais. As religiões tradicionais – ou religiões indígenas africanas –
abrangem as manifestações culturais e espirituais que envolvem práticas de
ensinamentos e rituais para compreender percepções do divino e do
sobrenatural. Essas religiões tradicionais englobam diferentes crenças e
costumes, que são adaptados aos diferentes contextos da região que cada
grupo ocupa. (MAZRUI e WONDJI, 2010)

“Fiquei sabendo que você não mamou no seio da sua mãe”,


disse a mãe do Patrão. Olanna parou onde estava. “O quê?” “Dizem
que você não mamou nos seios da sua mãe.” Virando-se para olhar
Olanna de frente, continuou: “Por favor, volte e diga a elas que você
não conseguiu achar meu filho. Diga às suas companheiras bruxas
que não encontrou com ele”.
(...)
Eu não me importo de onde venha a mulher com quem meu
filho vai se casar. Não sou daquele tipo de mãe que vive tentando
encontrar mulher para os filhos na própria aldeia. Mas não quero uma
mulher wawa, nem nenhuma daquelas mulheres imo ou aro, claro;
elas falam um dialeto tão estranho que eu me pergunto quem disse a
elas que somos todos do povo ibo. “Pois não, Mama.” “Não vou
deixar que essa bruxa continue controlando meu filho. Ela não vai
conseguir. Vou consultar o dibia Nwafor Agbada, quando voltar para
casa; os remédios dele são famosos lá nas minhas bandas.” Ugwu
parou, conhecia muitas histórias de gente que havia usado remédio
do dibia: a primeira esposa sem filhos que deu um nó no útero da
segunda esposa, a mulher que fez o próspero filho de uma vizinha
enlouquecer, o homem que matou o irmão por causa de uma disputa
de terras”. (ADICHIE, 2011, p. 117-119)

Em ‘Hibisco Roxo’ percebemos com clareza, e em diversos momentos,


resultados da obra dos Missionários Católicos na região, que tinham como
trabalho converter a população chamada pagã.
A narrativa é construída sob a perspectiva de Kambili, uma jovem
nigeriana de 15 anos, durante os sucessivos Golpes de Estado na Nigéria. O
ponto forte da obra é a questão religiosa: a negação de seu pai Eugene aos
valores, símbolos e elementos culturais africanos e a constante valorização da
cultura “do colonizador”.
Chimamanda discute os reflexos da colonização a partir do conflito
cultural por que passa a Nigéria, exposto por meio do choque entre a família da
protagonista e seus familiares, que são distanciados do convívio por
representarem uma cultura e religião pagãs.

“O vovô Papa-Nnukwu não parecia se importar que seu filho o


tratasse muito diferente da forma com que tratava meu avô materno.
Quando chegávamos a Abba todo Natal, Papa passava na casa do
nosso avô (...) antes mesmo de irmos à nossa propriedade. Vovô
tinha a pele muito clara, era quase um albino, e diziam que esse fora
o motivo pelo qual os missionários haviam gostado dele. Insistia em
falar inglês sempre, com um forte sotaque igbo (...), citando muitas
vezes os artigos do Concílio Vaticano I. (...) Papa ainda falava muito
dele, com os olhos cheios de orgulho, como se fosse seu pai”.
(ADICHIE, 2011, p.75)

Um aspecto muito presente nos livros de Chimamanda é a relação das


personagens com a comida. Em muitos dos trechos de seus livros a autora
relata com riqueza de detalhes não só alimentos consumidos, mas seu
processo de preparo que, no geral, diferem bastante da culinária brasileira:

“Todo domingo antes do almoço, enquanto dizia a Sisi para


colocar um pouco mais de azeite de dendê na sopa ou um pouco
menos de curry no arroz de coco, e enquanto Papa tirava sua sesta,
Mama trançava meu cabelo”. (ADICHIE, 2008, p. 16)

“Amaka me mostrou como preparar as folhas de orah. As


folhas verde-claras e escorregadias tinham talos fibrosos que não
ficavam macios após o cozimento, por isso eles precisavam ser
cuidadosamente arrancados. Equilibrei a bandeja cheia delas no colo
e comecei a trabalhar, arrancando os talos e colocando as folhas
numa tigela aos meus pés”. (ADICHIE, 2008, p. 181)
“Obiora achatar uma folha de anara na palma da mão. Ele
salpicou os aku, que haviam sido fritos e virado chips crocantes, e os
pimentões na folha e enrolou-a. Um pouco do recheio saiu quando
ele enfiou a folha enrolada na boca”. (ADICHIE, 2008, p. 233)

“Ugwu acomodou-se diante de uma tábua de cortar. Sabia que


estava sendo vigiado. Quando começou a picar as folhas fibrosas da
abóbora, ela berrou: “Ei! Ei! É assim que você corta ugu? Alu melu!
Pica mais miudinho! Do jeito como está fazendo, é melhor fazer a
sopa com as folhas inteiras”. (ADICHIE, 2011, p. 116)

“A comida da mãe era intragável. Ela cozinhava demais os


legumes, o angu encaroçava, a sopa era muito aguada e as fatias de
cará pareciam grosseiras porque não tinham sido cozidas com uma
pelota de manteiga”. (ADICHIE, 2011, p. 143)

“O empregado de Chief sempre servia sopa de pimenta fresca,


pedaços bem temperados de peixe num caldo que fazia o nariz de
Obinze escorrer”. (ADICHIE, 2014, p. 33)

Para além dos conceitos históricos e culturais da Nigéria, a autora


aborda, de forma bastante crítica e atenta, atitudes modernas – ou nem tanto –
relacionadas às questões de preconceito e desigualdades raciais.
Em ‘Meio Sol Amarelo’, essas críticas se manifestam nas falas de
Odenigbo, que apresenta um perfil revolucionário e constantemente reflete
sobre a atual situação do país, como também em Ugwu, seu criado, que em
sua inocência e simplicidade, apresenta um encanto pela cultura colonizadora,
o que evidencia a desigualdade racial.

“Eu sou nigeriano porque um branco criou a Nigéria e me deu


essa identidade. Sou negro porque o branco fez o negro ser o mais
diferente possível do branco. Mas eu era ibo antes que o branco
aparecesse”. (ADICHIE, 2011, p. 31)

“Imagine como ela ficaria impressionada quando ele chegasse


no carro de um branco, dirigido pelo próprio branco! Sem dúvida
dessa vez iria reparar nele”. (ADICHIE, 2011, p. 106)

‘Americanah’, aparentemente, se trata de uma obra que narra uma


história de amor, contudo, em seu âmago, aborda assuntos polêmicos que
fazem parte da vida de Ifemelu, uma negra imigrante nos Estados Unidos.
Dentre eles, a autora narra o dia a dia da protagonista na América, permeado
por questões de raça vistas de diversos ângulos: na faculdade, nos
relacionamentos, no trabalho, nos locais que frequentava e expõe o racismo
em suas variadas formas. Este debate acontece de duas formas distintas:
inserido nos diálogos e detalhes do cotidiano das personagens, e discutido em
seu blog de forma bastante aberta, e até mesmo impetuosa, sobre o
preconceito enfrentado por mulheres negras imigrantes, pois não eram, na
maioria dos casos, apenas estrangeiros, eram africanos negros na terra de
brancos.
“Você podia ter dito que Ngozi é seu nome tribal e Ifemelu é
seu nome da selva, e ainda ter inventado mais um nome e dito que
era seu nome espiritual. Eles acreditam em qualquer merda sobre a
África”. (ADICHIE, 2014, p.143)

“Querido Negro Não Americano, quando você escolhe vir para


os Estados Unidos, vira negro. Pare de argumentar. Pare de dizer
que é jamaicano ou ganense. A América não liga. E daí se você não
era negro no seu país? Está nos Estados Unidos agora. Nós todos
temos nosso momento de iniciação na Sociedade dos Ex-Crioulos. O
meu foi numa aula da faculdade, quando me pediram para dar a visão
negra de algo, só que eu não tinha ideia do que aquilo significava.
Então, simplesmente inventei. Além do mais, admita: você diz “Eu
não sou negro” só porque sabe que os negros são o último degrau da
escada de raças americana. E você não quer estar ali. Não negue”.
(ADICHIE, 2014, p. 239)

Conclusão:

Ao investigar aspectos da história e cultura africana, em específico da


Nigéria, há uma imensa dificuldade em encontrar informações precisas e fontes
confiáveis em buscas simples, pois a maior parte das informações que
conhecemos sobre este país foi escrita por autores estrangeiros, nos
fornecendo visões e estereótipos muito restritos sobre a região. Estas
informações incertas acabam por promover um processo investigativo penoso,
cercado de correções, ajustes e novas pesquisas a cada tema abordado.
Nascida no país com a maior população negra do mundo – em 15 de
setembro de 1977, Enugu, Nigéria - a escritora Chimamanda Ngozi Adichie
introduz em seus romances uma perspectiva diferente da realidade africana
arquitetada pela visão europeia, alimentando sua narrativa com críticas sobre
preconceito racial, feminismo e desigualdades sociais, além de permear a
situação política do país, o que rompe com estes estereótipos chamando
atenção para ‘Os Perigos de Uma história Única’4, exercício de desconstrução
frequente em suas publicações, a fim de romper os constantes rótulos pré-
estabelecidos sobre a história e culta africana e valorizando a história a partir
da perspectiva de quem a vive.

4
ADICHIE, Chimamanda N. O Perigo da História Única. In: TED Talk. 2009, Oxford.
Referências Bibliográficas

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Americanah. 1º ed – São Paulo: Companhia das


Letras, 2014.

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Hibisco Roxo. São Paulo: Companhia das Letras,
2011.

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Meio Sol Amarelo. São Paulo: Companhia das Letras,
2008.

ADICHIE, Chimamanda N. O Perigo da História Única. In: TED Talk. 2009, Oxford.
Disponível em: <https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_
single_story?languagpt-br>. Acesso em 12 abr. 2016.

EMBAIXADA DA NIGÉRIA NO BRASIL. Acesso em Disponível em: 19 mai 2016.


Disponível em: <http://nigerianembassy-brazil.org/>

FREITAS, Guilherme. Chimamanda Ngozi Adichie: ‘É impossível falar sobre racismo


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