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Reatividade de Complexos:

Aspectos Cinéticos
Prof. Fernando R. Xavier

UDESC 2014
Reações de substituição de ligantes constituem o grupo mais elementar de reações
que um composto de coordenação pode efetuar.

Neste caso, Y é um nucleófilo que ataca o íon metálico e X é o grupo de saída ou


abandonador.

Exemplo: Conversão do complexo [Co(OH2]2+ em [Co(OH2)5Cl]+.

Uma vez que os aspectos termodinâmicos já foram discutidos anteriormente, neste


capítulo serão avaliados os aspectos cinéticos.

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Velocidade de Substituição de Ligantes

A velocidade com que uma reações se processa é tão importante quanto a previsão
termodinâmica se esta irá ocorrer ou não.

O fator primordial que governa esta taxa de conversão (velocidade) de reagentes em


produtos é inversamente proporcional à energia de ativação (Ea) que separa estes
dois estados reacionais.

Por definição, complexos instáveis (termodinamicamente falando) que sobrevivem


por mais de 01 (um) minuto são denominados inertes ou não-lábeis.

Por outro lado, complexos que atingem rapidamente o equilíbrio são denominados
lábeis.

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Exemplos:

Neste caso, a velocidade de auto-troca de moléculas de água é da ordem de


milissegundos (ms), portanto pode-se afirmar que o níquel(II) é um metal lábil.

O aquo-complexo de cobalto(III) pode sobreviver vários minutos em solução antes do


ataque nucleofílico do grupo Y-, logo o complexo [Co(NH3)(OH2)]3+ é considerado mais
inerte que o complexo de níquel(II) descrito mais acima.

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A capacidade de auto-troca de moléculas de água em íons metálicos varia
amplamente partindo da ordem de nanossegundos (ns) (Cu2+, Hg2+ e Cs+) até
séculos (Ir3+, Rh3+). Em alguns casos esta troca é da ordem de eras geológicas!

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Premissas básicas:

a) Íons metálicos que formam complexos sem fatores extras de estabilização (efeitos
quelato, macrocíclico, templato e com baixos ou nulos valores de EECC) tendem a ser
lábeis.

b) Átomos pequenos (NOX elevados) são geralmente mais inertes uma vez que suas
energias de ligação são maiores devido aos seus raios reduzidos e, por
consequência, maior impedimento estérico.

Consequências:

a) Metais do bloco “s” são lábeis, com exceção dos menores (Be2+ e Mg2+);

b) Metais do bloco “f ” são todos lábeis;

c) Íons metálicos de configuração d0 ou d10 são, normalmente, lábeis;

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Consequências:

d) Metais da série 3d são moderadamente lábeis, e, complexos distorcidos de Cu2+


estão entre os mais lábeis;

e) Complexos de configuração d3 e d6 baixo-spin são inertes pois possuem larga


EECC. Caso os ligantes sejam quelatos os complexos são considerados ainda mais
inertes;

Mecanismos de Reações:

Mecanismo é o conjunto de passos elementares através do qual uma reação química


se processa. Uma vez conhecido este processo, o passo seguinte é entendimento do
papel das energias de ativação envolvidas na etapa determinante da reação.

Costumeiramente o mecanismo total de uma reação não é conhecido, sendo a etapa


determinante a única informação disponível.

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Em uma simples reação sequencial, a etapa mais lenta irá ditar a velocidade global
de uma reação, e, é então chamada de etapa determinante da reação.

Na prática, através de uma série de técnicas e experimentos tais como estudos de


variação da concentração de reagentes, pH, temperatura e marcação isotópica é
possível encontrar a etapa determinante de uma reação.

Exemplos: Testes com marcação isotópica 16O → 18O

Basicamente, os mecanismos de reação para complexos estão separados em 03


(três) grandes grupos: Dissociativos;
Associativos;
Intertroca.
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O mecanismo dissociativo (D)

Ocorre quando o intermediário de reação possui um número de coordenação menor


que o complexo de partida. Tal fato se dá pelo abandono de um ligante da esfera de
coordenação.

reagente intermediário

Logo em seguida, um novo ligante coordena-se ao intermediário e o produto é


formado.

intermediário produto

Neste caso, o intermediário possui um mínimo energético local e pode ser


formalmente detectado.
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Em termos de coordenadas de reação temos:

Exemplo:

Este mecanismo vai de encontro ao


conhecido por SN1 visto em química
orgânica.
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O mecanismo Associativo (A)

Ocorre quando o intermediário de reação possui um número de coordenação maior


que o complexo de partida. Tal fato se dá entrada de um grupo nucleófilo na esfera
de coordenação.

reagente intermediário

Em seguida, o grupo abandonador X deixa a esfera de coordenação do intermediário


e o produto é formado.

intermediário produto

Usualmente, estes intermediários podem ser detectados porém não isolados. É o


mecanismo dominante em complexos quadrado-planares.
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Em termos de coordenadas de reação temos:

Exemplo:

(Similar ao mecanismo dissociativo)

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O mecanismo de Intertroca (I)

Ocorre em uma única etapa onde, ao passo que o nucleófilo (Y) entra na esfera de
coordenação, o grupo abandonador (X) deixa a mesma. Neste caso não há a
formação de um intermediário mas sim um estado de transição.

reagente Estado de transição produto

A diferença entre os mecanismos A (associativo) ou I (intertroca) depende apenas de


quão estável é o intermediário em questão: Quando é possível detectar
experimentalmente o intermediário temos um mecanismo A, caso não seja possível
temos um mecanismo I.

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Em termos de coordenadas de reação temos:

reagente

Estado de transição

produto

Este mecanismo vai de encontro ao


conhecido por SN2 visto em química
(Note: não há formação de intermediário) orgânica.

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A etapa determinante de uma reação

A etapa determinante de uma reação de substituição de ligantes pode ser classificada


como associativa (a) ou dissociativa (d) de acordo com a dependência de sua
velocidade em função da concentração do grupo que está entrando na esfera de
coordenação.

• Associativa (a): a velocidade de reação é extremamente dependente do grupo


que está entrando (nucleófilo Y) na esfera de coordenação. Exemplo: metais de
configuração d8 (PtII, PdII e AuIII).

A troca do nucleófilo I- por Br- aumenta a velocidade da reação em 10X, comprovando


o papel fundamental da natureza do nucleófilo.
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Desta forma, com a entrada do novo ligante é a etapa determinante da reação em
questão temos uma reação de mecanismo Associativo que é associativamente
ativado Aa. Neste caso, o intermediário não é detectado.

Mecanismo Mecanismo
Aa Da

Caso tenhamos uma reação em que a associação do nucleófilo (Y) ao


intermediário (MLn) é a etapa determinante, temos uma reação de mecanismo
Dissociativo que é associativamente ativado Da. Neste caso, o intermediário é
detectado.
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• Dissociativa (b): a velocidade de reação é pouco dependente do grupo Y que está
entrando (nucleófilo) na esfera de coordenação, porém é extremamente
depende do grupo abandonador (X). Exemplo: metais de transição com
geometria octaédrica.

Desta forma, uma reação é considerada Dd (dissociativa com etapa determinante


dissociativamente ativada) se as velocidades não dependerem da entrada de Y
(nucleófilo). Exemplo: Caso a amônia seja substituída por piridina as velocidades na
reação acima não afetadas.

Como a dependência de Y (nucleófilo) é pequena em processos dissociativamente


ativados, a etapa determinante é a liberação do grupo abandonador (X).

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Em termos de coordenadas de reação temos:

Mecanismo Mecanismo
Ad Dd

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Para mecanismos de intertroca (I) é possível termos uma etapa determinante de
reação associativa (a) ou dissociativamente ativada (d).

Quando temos um mecanismo Ia a etapa lenta é justamente a formação da ligação


M•••Y (onde Y é o nucleófilo) e, para o caso de Id a etapa lenta é quebra da ligação
M•••X (onde X é o grupo de saída).

Mecanismo Mecanismo
Ia Id

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Resumindo temos:

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Substituição de Ligantes em Complexos Quadrado-Planos

Complexos de platina são amplamente estudados uma vez que a escala de tempo de
troca de ligantes é favorável em termos experimentais. Normalmente, não são
mecanismos simples como aparentemente parecem.

Após anos de extensos estudos cinéticos acredita-se que, de maneira geral,


complexos quadrado-planos atuem segundo os mecanismos A ou Ia.

O Efeito Trans

“Um ligante de forte caráter σ-doador ou π-aceptor aumenta


fortemente a velocidade de substituição de um ligante em posição
trans a ele.”

Para entender este fenômeno utilizaremos complexos de platina pois, são


amplamente estudados com descrito acima.

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Caso 1: Considere o complexo [PtCl4]2- e as reações sucessivas de substituição de
ligantes cloro por ligantes amino:

cis

trans

Caso 2: Considere o complexo [Pt(NH3)4]2+ e as reações sucessivas de substituição


de ligantes amino por ligantes cloro:

cis

trans

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Nos exemplos anteriores é possível notar que os ligantes cloro possuem um maior
efeito trans-dirigente que os ligantes amino.

No caso 1, o segundo ligante NH3 não consegue entrar na posição trans ao grupo
amino já existente, pois este tem um menor poder trans-direcionador que o ligante
cloro.

cis

trans

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No caso 2, o segundo ligante cloro irá entrar na esfera de coordenação em posição
trans ao grupo cloro já existente, pois este tem um maior poder trans-direcionador que
o ligante amino.

cis

trans

Desta forma, em linhas gerais temos:

Se o efeito trans de A > B Se o efeito trans de A < B

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Através de inúmeros experimentos de substituição de ligantes em complexos
quadrado-planos, foi possível traçar o seguinte perfil do comportamentos destes frente
ao efeito trans (ordem crescente).

Fraco
Efeito Trans H2O < HO- < NH3 ≈ RNH2 < py < Cl- < Br- <
SCN- ≈ I- ≈ NO2- < HSO3- < PR3 ≈ SR2
SC(NH2)2 ≈ CH3- < H- ≈ NO ≈ CO ≈ CN- Forte
Efeito Trans

Exemplo: Como preparar o composto cis-[PtBrCl(NH3)py] partindo do [PtCl4]2-:

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O Efeito Trans: Teoria

A maioria da reações de substituição em complexos de Pt(II) quadrado-planos é


estereoretentora: o grupo nucleofílico (Y) irá ocupar o lugar do grupo abandonador
(X) e a estereoquímica é mantida.

Como os mecanismos são normalmente


A ou Ia, temos a formação de um
intermediário (ou estado de transição)
pentacoordenado.

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Durante a existência do intermediário (ou estado de transição) pentacoordenado, o
fenômeno de retrodoação envolvendo a PtII e um ligante π-ácido (L2) pode ocorrer.
Isto faz com que a ligação Pt–L2 seja fortalecida e, consequentemente a ligação Pt–X
seja enfraquecida.

Caso L2 seja um ligante σ-doador forte, o fenômeno acima é menos pronunciado


porém existente pois se L2 interage fortemente com os orbitais da platina a ligação
Pt–X é enfraquecida.

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O Efeitos Estéricos

Complexos estericamente impedidos normalmente impedem mecanismos


associativos (A) e favorecem mecanismos dissociativos (D).

Exemplo: Reação de aquação do complexo cis-[PtCl(PEt3)2L]:

Ligante (L) k (s-1)


piridina 8 × 10-2
2-metilpiridina 2 × 10-4
2,6-dimetilpiridina 1 × 10-6

A medida que grupos metil são adicionados no


ligante L, estes impedem o ataque do ligante
aquo sobre o centro de platina(II).
Caso o complexo de partida seja o trans-[PtCl(PEt3)2L], o efeito de impedimento
estérico é bem menos pronunciado.

O estado de transição proposto para a reação de


aquação acima ilustra o papel menos
proeminente do impedimento estérico promovido
pelos grupos metila uma vez que os grupos
trietilfosfina (PEt3) estão trans orientados.
A esteroquímica

Como já visto anteriormente, reações de substituição de ligantes em complexos


quadrado-planos tendem a preservar sua estereoquímica original, ou seja, um
complexo cis reage dando origem a um produto também de configuração cis. Este
fato sugere um estado de transição com geometria de bipirâmide trigonal.

Entretanto, caso o intermediário, por alguma


razão, tenha uma meia vida suficientemente
longa, este pode sofrer uma pseudo-rotação e
assim acarretar uma inversão de
configuração cis → trans ou trans → cis

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Substituição de Ligantes em Complexos Octaédricos

Complexos octaédricos ocorrem em grande número com variados metais com amplos
valores de NOX. Desta forma é de esperar que a número de mecanismos possíveis
também seja variado. Entretanto, quase todos os complexos octaédricos reagem
via o mecanismo de intertroca (I).

O ponto chave nestes estudos é avaliar se este mecanismo será associativa ou


dissociativamente ativado (Ia ou Id).

No mecanismo do tipo Eigen-Wilkins, o nucleófilo (Y) se associa ao centro metálico


através de um pré-equilíbrio e, em seguida, o produto é formado, sendo esta segunda
etapa a determinante da reação.

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Em soluções aquosas este pré-equilíbrio é extremamente rápido, ocorrendo em
aproximadamente em 1 ns !! (nanossegundo).

Exemplo: Reação entre o [Ni(OH2)6]2+ e amônia.

No passo seguinte (etapa determinante da reação), ocorre a saída do grupo


abandonador (X) e o produto se forma.

Desta forma, para o exemplo acima temos:

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Efeito do grupo abandonador

No caso de mecanismos dissociativamente ativados (d), a identidade do grupo


abandonador é fundamental. Quanto melhor o grupo de saída, maiores são as
velocidades de substituição de ligantes.

Exemplo: Reações de aquação de pentaaminocobalto complexos:

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Efeito dos ligantes espectadores

A natureza dos ligantes espectadores presentes em um complexos podem afetar os


valores de velocidades de reação na substituição de um determinado ligante.

Exemplo: Reações de aquação de complexos octaédricos de níquel:

Caso os ligantes espectadores (L) sejam NH3, por exemplo, a velocidade de reação
para a entrada do nucleófilo (H2O) e saída do grupo abandonador (X) é maior se
comparado ao complexo hexaaquoníquel(II) onde L é H2O. Tal fato ocorre devido ao
maior caráter σ-doador do NH3 frente H2O.

Ligantes σ-doadores aumentam a densidade eletrônica sobre o metal e assim


facilitam a cisão da ligação M–X e, então, aumentam a velocidade de saída de X-.
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Efeitos estéricos

Complexos fortemente impedidos dão preferência a mecanismos dissociativos com


formação de espécies intermediárias.

Exemplo: Reações de hidrólise de ligantes Cl- em complexos estericamente


impedidos de cobalto(III):

Estrutura quiral Estrutura aquiral


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Experimentalmente é observado que o complexo com estrutura quiral sofre reação de
hidrólise 30X mais lenta que o complexo com estrutura aquiral.

Estrutura quiral Estrutura aquiral

No complexo quiral os grupos metila causam impedimento estérico para o ataque em


ambos os átomos de cloro enquanto no complexo aquiral apenas um cloro está
estericamente impedido.

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Normalmente os efeitos estéricos são medidos em termos de interações de wan der
Waals, entretanto estudos feitos por C. A. Tolman utilizam o conceito de ângulo de
cone para verificar a magnitude do impedimento estérico exercido por um ligante.

Estes valores são obtidos através de estudos de modelagem molecular.

Exemplo: Determinação do ângulo de cone do ligante PH3 (fosfina):

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Exemplo: Estudo da reação de substituição de ligantes no complexo de rutênio
mer-[Ru(CO)3(PR3)(SiCl3)2]:

O estudo revela que a velocidade de reação


independe de Y (nucleófilo), sugerindo então um
mecanismo dissociativamente ativado (d).

Quando ligantes Y com ângulos de cone


semelhantes são utilizados também não grandes
variações nas velocidades de reação encontradas.

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Hidrólise básica de complexos octaédricos

Reações de substituição em complexos octaédricos podem ser amplamente


aceleradas por íons OH- quando ligantes que contenham prótons ácidos estão
presentes.

Tal processo reduz a carga elétrica total da espécie reativa e aumenta a habilidade do
ligante desprotonado estabilizar o estado de transição. (1) → (2)

Mecanismo proposto:

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