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Processo nº 45/06.7TYLSB-F.L1-6
PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE
Sumário
Texto Integral
I – Relatório
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“C…, S. A.” (entretanto declarada insolvente), com sede na Avenida
…,intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra
2.ª - “M…, S. A.” (também entretanto declarada insolvente), com sede na ….,
pedindo:
- terem tais equipamentos sido por si adquiridos entre 1986 e 1991 e nunca
terem sido por si alienados, apenas com cedência da sua exploração, vindo a
ser penhorados em acção executiva intentada pela 1.ª R. contra a 2.ª R., sendo
tal penhora ofensiva quer da posse quer da propriedade da demandante.
Por despacho de fls. 153 e segs. foi a 2.ª R. (“M…”) absolvida da instância por
falta de personalidade jurídica.
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proferida sentença, pela qual se julgou a acção parcialmente procedente por
provada, assim se decidindo:
- Charriot "Jocar" 40H, com serra e treino de rolos, com extractor senfim
treino de rolos não motrizes e suportes para madeira, adquirido em 28 de
Janeiro de 1991, conforme doc. de fls. 10 (processo em papel) cujo teor se dá
aqui por integralmente reproduzido;
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- Serra circular modelo SA-350, adquirida em 31 de Dezembro 1981, conforme
doc. de fls. 18 (processo em papel) cujo teor se dá aqui por integralmente
reproduzido;
Desta sentença, veio a ora R. (“L…, Lda.”) interpor o presente recurso (fls. 486
e segs.), apresentando as seguintes
Conclusões
2. In casu, a autora não logrou fazer tal prova, sendo o elenco de factos
provados manifestamente insuficiente para concluir pela aquisição por parte
da mesma do direito de propriedade dos bens em causa.
3. Consta dos factos provados, sob o n.º 21, que a autora adquiriu os
equipamentos aí descritos (com base nas facturas juntas aos autos); que esse
equipamento foi utilizado pela M… (ponto de facto n.º 19) e que o mesmo não
foi alienado pela autora a esta (ponto de facto n.º 20).
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5. O que a autora manifestamente não fez, concluindo-se assim que não logrou
fazer a prova da aquisição derivada do seu pretenso direito de propriedade.
8. Não tendo, por isso, a autora provado ser proprietária dos bens, por via da
aquisição originária.
10. Sem prescindir, dir-se-á ainda que os factos apurados não permitem
concluir, como o fez a Mma Juiz a quo, que os bens adquiridos pela ré, no
processo executivo em que era exequente, não pertenciam à devedora, pelo
que aquela não os adquiriu legitimamente, não tendo título para a sua
detenção.
12. No entanto, dos factos provados resulta, pelo menos, que a referida M…
era detentora dos bens em questão, exercendo o poder de facto sobre os
mesmos, pelo que ao abrigo do disposto n.º 2 do art. 1252.º e n.º 1 do art.
1268.º do Código Civil, e na falta de prova em contrário, deveria o Tribunal a
quo presumir que os bens em questão eram propriedade da referida empresa.
13. Donde resulta, ao contrário do referido na douta decisão sob recurso, que
a ré adquiriu legitimamente os mesmos, no âmbito do referido processo, tendo
assim título bastante para a sua detenção.
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processo executivo supra referenciado, sejam os mesmos que a autora
reclama serem seus e cujas facturas juntou aos autos.
15. Com efeito, não foi estabelecida nos autos a correspondência entre uns e
outros, sendo certo que os bens penhorados não têm características
específicas e diferenciadoras que permitam, com a segurança exigível em
situações como a presente, diferenciá-los de outros bens da mesma natureza e
identificá-los como sendo aqueles a que se reportam as facturas juntas aos
autos pela autora.
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II – Âmbito do Recurso
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Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais
(exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido
trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos
termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º,
n.º 1, todos do Código de Processo Civil actualmente em vigor e aqui aplicável
(doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([2]) –,
constata-se que o thema decidendum, incidindo exclusivamente sobre a
decisão da matéria de direito, consiste em saber:
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III – Fundamentação
A) Matéria de facto
- Presidente: A…;
- Vogais – F…;
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- C…;
- A…;
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14 - Naqueles autos foram adjudicados à R. L…., Lda os bens penhorados pelo
preço de € 67.200,00, conforme fls. 120 a 123 (processo em papel) cujo teor se
dá aqui por integralmente reproduzido (alínea N) da matéria de facto assente).
17 - A A. foi, até 16/03/94, uma sociedade comercial por quotas, tendo tido
como sócios M…, J…, M…, V… e M… (alínea Q) da matéria de facto assente).
18 - A M…, SA foi até 14/09/2000 uma sociedade por quotas, tendo tido como
sócia até 05/05/99 a A. C…, SA (alínea R) da matéria de facto assente).
- Charriot "Jocar" 40H, com serra e treino de rolos, com extractor senfim
treino de rolos não motrizes e suportes para madeira, adquirido em 28 de
Janeiro de 1991, conforme doc. de fls. 10 (processo em papel) cujo teor se dá
aqui por integralmente reproduzido;
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Dezembro de 1990, conforme doc. de fls. 11 e 12 (processo em papel) cujo
teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
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23 - Estavam presentes os Senhores M… e I…, os quais em momento algum
referiram que tais bens não seriam pertença da M... Tendo apenas proposto o
pagamento da dívida até ao final do mês (resposta aos nºs 9, 10 e 11 da base
instrutória)».
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B) Matéria de Direito
Defende a parte apelante que a compra e venda não pode considerar-se como
constitutiva, de per si, do direito de propriedade, mas apenas translativa dele,
tornando-se necessário provar que o direito já existia na esfera jurídica do
transmitente, com o que – diga-se desde já – inteiramente se concorda. E nem
a sentença recorrida expressa coisa diversa.
Dali parte a Apelante para a conclusão de que a A./Apelada não logrou fazer a
prova da aquisição derivada do invocado direito de propriedade, com o que
também só podemos concordar, pois que nada se sabe quanto à titularidade do
domínio pelo respectivo transmitente.
E conclui ainda a Apelante que não foi feita prova da posse da A./Apelada
sobre os bens móveis em causa, faltando um qualquer acto material de posse
desta sobre os tais bens, nem prova quanto ao animus possidendi, situação
que afastaria a possibilidade de aquisição originária.
Nesta parte já não pode subscrever-se a conclusão a que chegou tal Apelante.
Vejamos.
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convencimento do exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao
próprio direito e na sua própria esfera jurídica –, posse essa que deve ser
exercida por um certo lapso de tempo e que deve revestir as características da
pacificidade, publicidade e continuidade (cfr. art.ºs 1293.º e segs. e 1298.º e
segs. ainda do CCiv.).
E, por outro lado, e num outro âmbito, quanto a imóveis (o que também vale
para móveis sujeitos a registo), dispõe o art.º 7.º do CRegPred. que o registo
definitivo constitui presunção de que o direito existe e de que pertence ao
titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Daí que tenha a jurisprudência vindo a entender que quando alguém tem a seu
favor presunção legal de propriedade, derivada do benefício do registo de
transmissão, em tal presunção pode fundamentar pedido reivindicatório,
sujeitando-se, porém, a que a parte contrária a ilida ([4]).
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E, com efeito, o art.º 1299.º do CCiv. dispõe que a usucapião de coisas móveis
não sujeitas a registo ocorre quando a posse, independentemente de boa fé e
de título, tiver durado seis anos.
Quer dizer, se o possuidor mostrar possuir por seis anos consecutivos, mesmo
que a sua posse seja de má fé e não titulada, pode consumar-se a prescrição
aquisitiva, dando-se a aquisição originária do direito por via de usucapião.
Assim sendo, apurou-se que a A., não só declarou adquirir, por compra, os
equipamentos (cfr. ponto 21- aludido da matéria de facto e documentos de fls.
08 e segs.), como, por essa via recebidos, os instalou no seu estabelecimento
industrial – na Zona …, onde viria a ocorrer a penhora em discussão –,
instalação essa há vinte anos, e até concedeu a sua utilização, conjuntamente
com o estabelecimento de que faziam parte, à dita “M...”, o que fez sem
alienação, situação que se manteve por diversos anos e até Junho de 2006 e
que ocorria ao tempo da mencionada penhora em execução contra aquela
“M...”.
Donde que deva concluir-se, também aqui, que a posse foi obtida – pela
demandante – aquando da declarada transmissão por compra e venda e que se
prolongou no tempo, subsistindo quando se deu a penhora, já que a detenção
pela “M…”, mera utilizadora facultada por outrem, não traduzia uma
verdadeira posse sua, mas apenas uma detenção/utilização em termos
precários, em nome de outrem, a concedente e verdadeira possuidora, aqui A.,
pois que inexiste inversão do título de posse (cfr. art.º 1290.º do CCiv.).
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originária do direito de propriedade, se também resultassem devidamente
ilustradas as ditas características da pacificidade e da publicidade (cfr. art.ºs
1297.º e 1300.º, n.º 1, ambos do CCiv.).
Quadro este que impede, salvo o devido respeito, que se considere verificados,
além do prazo de seis anos a que alude o dito art.º 1299.º, os requisitos/
características da publicidade e da pacificidade, tudo na conjugação com os
art.ºs 1297.º e 1300.º, n.º 1, todos do CCiv..
Por outro lado, não sendo verdadeira possuidora, mas apenas detentora, como
dito, também não poderia operar a seu favor a aludida presunção de domínio
derivada de uma posse que não tinha, posto que tal presunção tem de operar,
isso sim, a favor da verdadeira possuidora (ainda que exercendo a posse
através de outrem, a detentora por si autorizada), a referida A./Apelada.
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Donde que também faleça a argumentação da Apelante no sentido da
aquisição do direito de propriedade pela referida executada e da consequente
válida aquisição em acção executiva por tal Apelante e ali exequente.
Pugna, por fim, a Apelante por não se ter provado que os bens por si
adquiridos no processo executivo (penhorados à executada “M...”) sejam os
mesmos que são reivindicados nestes autos.
Defende, assim, que não foi estabelecida nos autos a correspondência entre
uns e outros, não tendo os bens penhorados características específicas e
diferenciadoras que permitam, com a segurança exigível, diferenciá-los de
outros bens da mesma natureza e identificá-los como sendo aqueles a que se
reportam as facturas juntas aos autos pela A./Apelada.
Ora, deve dizer-se que se sabe quais os bens penhorados e vendidos na dita
execução – cfr. ponto 13- da factualidade provada, que remete para o
documento de fls. 231 a 234 do processo físico (auto de penhora).
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Tais bens correspondem, ademais, aos reivindicados nestes autos (cfr. ponto
21- da factualidade provada e seu confronto com o teor do auto de penhora),
conclusão que não pode ser afastada pela circunstância de nem todos esses
bens terem sido objecto de uma descrição inteiramente minuciosa/esgotante
em sede de auto de penhora, muito embora ali se tenha procedido à
identificação e descrição que é usual e possível nestes casos.
***
3. - Tal posse pode ser exercida através de outrem – a quem se concedeu o uso
temporário da coisa –, que não passará, nesse caso, de um mero detentor, um
possuidor precário, por deter em nome do verdadeiro possuidor, detentor esse
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que, sem inversão do título, não poderá adquirir por usucapião nem beneficiar
da presunção de propriedade derivada da efectiva posse.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar
improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Elaborado em computador.
Versos em branco.
Lisboa, 10/04/2014
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Fátima Galante
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matéria recursória, o regime do NCPCiv., com excepção apenas da norma do
art.º 671.º, n.º 3, que restringe a revista em situações de dupla conforme).
([3]) Cfr., por todos, na jurisprudência recente, o Ac. STJ, de 07/02/2013, Proc.
1952/06.2TBVCD.P1.S1 (Cons. Serra Baptista), em www.dgsi.pt.
([4]) Cfr., por todos, Ac. STJ de 14/10/1976, BMJ, 260.º - 97; Acs. Rel. Lisboa,
de 10/05/1978, Col. Jur., 1978, 3.º, p. 931, e de 20/02/1981, BMJ, 309.º - 390,
cits. por Abílio Neto, Código Civil Anotado, 6.ª ed., p. 768 e seg..
([5]) Assim já era entendido no distante Ac. Rel. Lisboa, de 09/02/1993, Proc.
0066831 (Rel. Joaquim Dias), em www.dgsi.pt.
([6]) Cfr. Ac. STJ, de 16/06/1983, BMJ, 328.º - 546, também citado por Abílio
Neto na sua dita obra, p. 771.
([7]) O corpus está bem traduzido na declarada compra e venda com traditio,
na instalação subsequente do equipamento no estabelecimento industrial,
onde se manteve por vinte anos, sem alienação, na subsequente concessão
temporária do seu uso, sem facultar mais que a mera detenção, guardando,
por isso, a A. o poder sobre a coisa. Neste contexto, o animus é de presumir, a
favor da A., perante o disposto no art.º 1252.º, n.º 2, do CCiv. (como é
jurisprudência pacífica, o corpus faz presumir a existência do animus – cfr. o
aludido Ac. STJ de 07/02/2013).
([8]) Quanto a este elemento da posse sobre bens móveis, cfr. o Ac. STJ, de
16/10/2008, Proc. 08A2357 (Cons. Moreira Alves), em www.dgsi.pt.
([9]) Cfr., sobre o tema, o Ac. STJ, de 09/10/2007, Proc. 07A2503 (Cons.
Fonseca Ramos), em www.dgsi.pt.
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