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REPÚBLICA DE ANGOLA

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE BENGUELA


“Humanitas Justitia”

Processo: 04/2022
Relator: Desembargador Osvaldo Luacuti Estêvão
Data do acórdão: 28 de Julho de 2022
Votação: Unanimidade
Meio processual: Agravo
Decisão: Confirmada a sentença recorrida
Descritores: Procedimento cautelar de embargo de obra nova.
Legitimidade de terceiro para recorrer da decisão judicial.
Características e finalidade dos procedimentos cautelares.
Distinção entre procedimento cautelar e acção.
Impossibilidade de invalidação da contestação.
Improcedência do pedido de revogação da sentença recorrida.

Sumário do acórdão

I – A norma do n.º 2 do artigo 680.º do CPC é de aplicação geral, podendo qualquer


terceiro interpor recurso contra uma decisão, desde que tenha sido prejudicado
directamente pela mesma decisão. Ou seja, sempre que o Juiz impuser às pessoas
estranhas ao processo quaisquer deveres ou responsabilidades, essas pessoas, por serem
directamente prejudicadas pela decisão, têm o direito de recorrer, independentemente de
terem ou não intervenção no processo.

II – Assim é porque, de contrário, o terceiro ficaria irremediavelmente prejudicado pela


decisão do Juiz, pois, para além do recurso, não tem outro meio processual para impedir
que esta decisão produza os seus efeitos.

III – Como no n.º 2 do artigo 680.º do CPC faz-se referência ao prejuízo directo e
efectivo, fica excluído o prejuízo indirecto ou reflexo, por um lado e, por outro, o
prejuízo tem de ser actual e positivo, não sendo suficiente o prejuízo eventual, incerto
ou futuro. Significa que, sendo o prejuízo indirecto ou reflexo, eventual, incerto ou
futuro, não pode a pessoa estranha ao processo fazer uso desta faculdade.

IV – Os procedimentos cautelares, especificado e não especificados, são meios de tutela


provisória, cujo fim último é assegurar o efeito útil da decisão final sobre determinado
litígio e não definir direitos. Por essa razão, são características dos procedimentos
cautelares as seguintes: natureza cautelar, natureza instrumental, natureza provisória,
natureza excepcional e natureza urgente.

V – Por isso, pretendendo o Agravante ver reconhecido o seu direito de propriedade


sobre o terreno em litígio, teria de fazer uso de uma acção, que, para além de ser um
direito fundamental, consiste também no processo de fazer reconhecer um direito em

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juízo ou de o realizar coercivamente, mas nunca poderia fazer uso de um procedimento


cautelar, porque este visa apenas acautelar o efeito útil de qualquer acção.

VI – A distinção entre acção e procedimento cautelar é bem vincada no artigo 2.º do


CPC, onde retiramos o entendimento de que as decisões das acções são de carácter
definitivo, pois definem os direitos dos litigantes e, uma vez definidos, permitem a sua
realização coerciva em caso de incumprimento da decisão, enquanto as decisões dos
procedimentos cautelares são provisórias e, por isso, a sua manutenção depende da
propositura da acção dentro do prazo de 30 (trinta) dias ou da procedência da acção já
pendente – artigo 382.º n.º 1, alíneas a) e b) do CPC.

VII – Como nos autos estão em causa terrenos distintos e ficou demonstrado pela
inspecção judicial que a obra embargada está a ser executada em terreno que é ocupado
pela Agravada, não existem razões para a revogação da decisão recorrida, até porque o
Agravante, para além de invocar reforçadamente a sua titularidade sobre o mesmo
terreno, não apresentou nas alegações qualquer argumento que pusesse em causa os
pressupostos do presente procedimento cautelar, tal como foram considerados
verificados na sentença recorrida. Assim, tendo ficado provado que o terreno em litígio
é o terreno ocupado pela Agravada e não tendo havido qualquer questionamento quanto
à verificação dos pressupostos do procedimento cautelar de embargo de obra nova,
questionamento que poderia justificar a revogação da sentença recorrida, não podemos
revogar esta decisão.

VIII – Para além de não existirem razões para a revogação da sentença recorrida, não é
possível a invalidação da contestação, conforme pretensão do Agravante.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Acordam os Juízes Desembargadores da Câmara do Cível, Administrativo,


Fiscal, Aduaneiro, Trabalho, Sucessões, Família e Menores:

RELATÓRIO

REQUERENTE, LDA., com sede em Benguela, na Zona Económica Industrial


– IIA, com NIF (…), representada pelo sócio-gerente (…), filho de (…), nascido no dia
28 de Julho de 1961, natural de Catchiungo, província do Huambo, residente
habitualmente no condomínio (…), casa n.º (…), bairro Talatona, Samba, Luanda,
portador do B.I. n.º (…), requereu e fez seguir o presente PROCEDIMENTO
CAUTELAR DE EMBARGO DE OBRA NOVA contra REQUERIDO, solteiro, de
43 anos de idade, filho de (…), natural de Benguela, província de Benguela, portador do

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B.I. n.º (…), contribuinte n.º (…), residente habitualmente no bairro da Massangarala,
casa n.º (…), zona E, Benguela, pedindo que o Tribunal decrete a suspensão imediata
das obras que se encontram em curso no terreno, a demolição das obras já erguidas e a
condenação do Requerido a pagar as custas judiciais e os demais encargos legais, bem
como os honorários sucumbenciais.

Para o efeito, alega que encontra-se inscrito a favor da Requerente uma parcela
de terreno no talhão n.º (…) do quarteirão n.º (…), com a área de 10.000m2, sita na
Zona Industrial – IIA, nesta cidade de Benguela, registada sob o n.º (…) da folha (…)
da carta de Angola, na escala 1/100.000, do registo de cadastro de terreno do
departamento provincial do IGCA. A Requerente adquiriu esta parcela de terreno em
2009, com o objectivo de fazer um parque de viaturas. Quando pretendia executar o seu
projecto, o Requerido começou a erguer um muro no seu terreno e no dia 17 de
Novembro de 2020 depositou no mesmo terreno dois camiões de areia. No dia 20 do
mesmo mês e ano o Requerido ergueu no terreno um quarto e no dia 21 já colocou tecto
e portas.

Citado (fls. 45), o Requerido não deduziu oposição, tendo, de seguida, sido
ordenada a realização de inspecção judicial nos termos dos artigos 390.º e 612.º do
Código de Processo Civil (CPC) (fls. 46).

Depois de realizada a inspecção judicial (fls. 51), foi proferida a sentença que
julgou procedente o presente procedimento cautelar e ordenou a suspensão imediata das
obras que o Requerido estava a fazer no terreno sito na Zona Industrial – IIA, nesta
província de Benguela, talhão n.º (…), quarteirão n.º (…), com a área de 10.000m2.

Desta decisão interpôs recurso (…), arrogando-se proprietário do terreno em


litígio – fls. 65, 70 e 74 a 79. Este recurso foi devidamente admitido, porque tempestivo
e interposto por quem tem legitimidade, como de agravo, a subir nos próprios autos e
com efeito meramente devolutivo – fls. 80.

Notificado o Agravante do despacho de admissão de recurso (fls. 82), ofereceu


alegações, mas não apresentou as respectivas conclusões – fls. 90 a 94. Por isso,
remetidos os autos ao Tribunal ad quem, convidou-se o Agravante para, no prazo de 5
(cinco) dias, apresentar as conclusões das alegações, sob pena de não se tomar
conhecimento do recurso – fls. 121vs a 122.

Notificado (fls. 124), o Agravante apresentou as conclusões das alegações (fls.


125 a 126), tendo rematado nos seguintes termos:

1.ª Que seja declarado o presente recurso procedente por ter legitimidade nos
termos do n.º 2 do artigo 680.º do CPC.

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2.ª Que o recorrente seja considerado legítimo proprietário do direito que recorre
nos termos do artigo 1305.º do Código Civil.

3.ª Que o Tribunal ad quem considere nulo os efeitos do embargo proferido pelo
Tribunal a quo, uma vez que o réu nos autos é parte ilegítima ou não tem interesse de
contradizer nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 26.º do CPC.

4.ª Que o Tribunal ad quem possa invalidar a contestação do réu junto aos autos
por falta de interesse nos termos no n.º 2 do artigo 26.º do CPC.

Por último, pede a procedência do recurso e, por via dele, a improcedência do


embargo de obra nova.

A Agravada não contra-alegou.

Remetidos os autos ao digno representante do Ministério Público junto desta Câmara,


promoveu que o agravo fosse considerado improcedente – fls. 128 a 131.

Colhidos que se mostram os vistos dos ilustres adjuntos (fls. 132 e 133), cumpre
conhecer do recurso.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:

1.º Encontra-se inscrito a favor da Requerente uma parcela de terreno sita no


talhão n.º (…), do quarteirão n.º (…), com a área de 10.000m2, sita na Zona Industrial –
IIA, nesta cidade de Benguela, registada sob o n.º (…), de folhas (…) da Carta de
Angola, na escala de 1/100.000, do registo de cadastro existente no departamento
provincial do IGCA.

2.º A referida parcela de terreno, adquirida no ano de 2009, confronta


imediatamente a Sul com terreno ocupado, a Norte com terreno ocupado, a Este com
estrada Benguela/Catengue e a Oeste com terreno livre do Estado.

3.º No momento em que a Requerente se preparava para colocar o seu projecto


em prática, encontrou o terreno devidamente murado, com sinais claros de evasão.

Para considerar estes factos assentes, o Tribunal a quo teve em consideração os


documentos de fls. 28 a 32.

QUESTÕES A DECIDIR

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Nos termos dos artigos 690.º e 684.º n.º 3 do CPC, é pelas conclusões das
alegações que se delimita o objecto do recurso, salvo se estiverem em causa questões de
conhecimento oficioso – artigo 660.º n.º 2 do mesmo Código. Nesta medida, tendo em
atenção as conclusões das alegações, as questões a decidir são as seguintes:

1.ª Saber se o Agravante pode recorrer nos presentes autos.

2.ª Saber se o Agravante pode ser considerado legítimo proprietário do terreno


em litígio.

3.ª Saber se o Tribunal ad quem pode considerar nulo os efeitos do embargo


decretado pelo Tribunal a quo.

4.ª Saber se o Tribunal ad quem pode invalidar a contestação.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Primeira questão a decidir: saber se o Agravante pode recorrer nos presentes


autos.

Em regra, pode interpor recurso de qualquer decisão do Juiz quem, sendo parte
principal na causa, tenha decaído – artigo 680.º n.º 1 do CPC.

No caso em apreciação, temos esta questão da legitimidade de recorrer como


primeira questão a decidir, não só por ser uma das questões colocadas pelo Agravante
nas conclusões das suas alegações, mas sobretudo por ser uma questão que logicamente
deve preceder a análise das demais questões, na medida em que, se for julgada
improcedente, fica prejudicado o conhecimento daquelas.

Se a questão não tivesse sido colocada nas conclusões das alegações, ainda
assim teríamos de nos pronunciar sobre a mesma como questão prévia, sobretudo
porque é uma questão singular, pelo facto de o recurso ter sido interposto por uma
pessoa estranha ao processo, porquanto tem como partes a empresa AGRAVADA,
LDA, na qualidade de Requerente e o senhor (…), na qualidade de Requerido. Para
além disso, impunha-se o pronunciamento como questão prévia, porque é uma situação
pouco comum e porque é também imprescindível o esclarecimento em relação à nossa
falta de oposição à admissibilidade do recurso pelo Tribunal a quo.

Do ponto de vista legal, esta situação pouco comum fundamenta-se no n.º 2 do


artigo 680.º do CPC, onde vem disposto o seguinte: “Mas as pessoas directa e
efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam
partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”.

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A interpretação deste norma do n.º 2 do artigo 680.º do CPC, tendo em vista a


determinação do seu alcance, não é pacífica e suscita divergências doutrinais.

Para alguns autores, esta norma tem uma abrangência limitada, pois é aplicável
em relação à terceiros directamente prejudicadas pela decisão, mesmo que não sejam
partes no processo, mas desde que tenham tido nele alguma intervenção (por exemplo,
como funcionário judicial, perito, testemunha, advogado) e sejam destinatários de uma
condenação proferida no mesmo processo; e é também aplicável no caso de terceiros
que, pretendendo transformar-se em parte através de um incidente de intervenção de
terceiros, vejam o Tribunal rejeitar a sua pretensão (MENDES, João de Castro (2012),
Direito Processual Civil, Volume III, Associação Académica da Faculdade de Direito
de Lisboa, pp. 17 a 18).

Para outros autores, a norma em causa é de aplicação geral, podendo qualquer


terceiro interpor recurso contra uma decisão, desde que tenha sido prejudicado
directamente pela mesma decisão. Ou seja, sempre que o Juiz impuser às pessoas
estranhas ao processo quaisquer deveres ou responsabilidades, essas pessoas, por serem
directamente prejudicadas pela decisão, têm o direito de recorrer, independentemente de
terem ou não intervindo no processo (REIS, Alberto dos (2007), Código de Processo
Civil Anotado, Volume V, 3.ª Edição de 1953, Reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora,
pp. 270 a 275 e AMARAL, Jorge Augusto Pais de (2010), Direito Processual Civil, 9.ª
Edição, Coimbra: Almedina, p. 415).

O nosso entendimento é convergente com esta última posição, porque, de


contrário, o terceiro ficaria irremediavelmente prejudicado pela decisão do Juiz, pois,
para além do recurso, não tem outro meio processual para impedir que esta decisão
produza os seus efeitos.

Enquanto processo especial, o embargo de terceiro, regulado nos artigos 1037.º a


1043.º do CPC, seria o meio processual indicado para a pessoa estranha ao processo
defender-se contra uma decisão do Juiz da causa que o prejudica directamente. Porém,
pela função deste processo especial, não pode socorrer-se do mesmo. Temos de nos
lembrar que o embargo de terceiro é um meio de defesa da posse contra diligências
ordenadas judicialmente (artigo 1037.º n.º 1 do CPC). Por isso, não podendo ser de
aplicação generalizada, não pode qualquer pessoa estranha ao processo fazer uso desse
meio processual para atacar a decisão do Juiz que directamente lhe prejudica.

Sendo assim, como meio de oposição à decisão do Juiz que o prejudica


directamente, à pessoa estranha ao processo só resta o recurso. Determinante é que
tenha sido prejudicada directa e efectivamente pela decisão que pretende impugnar. Por
essa razão, o Tribunal a quo admitiu o recurso interposto pelo Agravante, mesmo não
sendo parte nos autos e nós não nos opusemos.

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Como no n.º 2 do artigo 680.º do CPC faz-se referência ao prejuízo directo e


efectivo, fica excluído o prejuízo indirecto ou reflexo, por um lado e, por outro, o
prejuízo tem de ser actual e positivo, não sendo suficiente o prejuízo eventual, incerto
ou futuro. Significa que, sendo o prejuízo indirecto ou reflexo, eventual, incerto ou
futuro, não pode a pessoa estranha ao processo fazer uso desta faculdade (REIS, Alberto
dos (2007), p. 272 e AMARAL, Jorge Augusto Pais de (2010), p. 415).

No caso concreto, não restam dúvidas que o prejuízo alegado pelo Agravante
resulta directamente da decisão recorrida e é um prejuízo actual e certo, na medida em
que foi forçado pela decisão recorrida a paralisar as obras que estava a realizar, o que
impede de concretizar os seus objectivos. Deste modo, verificado o prejuízo, o
Agravante estava automaticamente autorizado pelo n.º 2 do artigo 680.º do CPC a
impugnar a sentença recorrida, mesmo não sendo parte nos autos.

Pelo que, consideramos que o Agravante tem legitimidade para recorrer e,


consequentemente, neste particular julgamos procedente o recurso.

Segunda questão a decidir: saber se o Agravante pode ser considerado legítimo


proprietário do terreno em litígio.

A resposta à esta segunda questão a decidir é obviamente negativa, porque os


procedimentos cautelares, especificado e não especificados, são meios de tutela
provisórios, cujo fim último é assegurar o efeito útil da decisão final sobre determinado
litígio e não definir direitos.

Por essa razão, são características dos procedimentos cautelares as seguintes:


natureza cautelar, porque os procedimentos cautelares servem para garantir o efeito útil
de uma acção, em face da sua demora normal; natureza instrumental, porque os
procedimentos têm como função permitir alcançar os fins do processo principal, o que
faz com que não tenham autonomia; natureza provisória, porque as suas decisões são
necessariamente provisórias, pois visam apenas prevenir os prejuízos da demora normal
dos processos e, por isso, carecem de confirmação de outra decisão a ser proferida no
processo principal; natureza excepcional, porque não devem ser instaurados
indiscriminadamente, mas apenas e só quando se verifique sério e grave receio da
violação de um direito; natureza urgente, porque correm durante as férias em qualquer
instância e, por isso, gozam de prioridade sobre qualquer outro trabalho, quer por parte
dos funcionários judiciais, quer por parte do próprio Juiz.

Assim, pretendendo o Agravante ver reconhecido o seu direito de propriedade


sobre o terreno em litígio, teria de fazer uso de uma acção, que, para além de ser um
direito fundamental, consiste também no processo de fazer reconhecer um direito em

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juízo ou de o realizar coercivamente, mas nunca poderia fazer uso de um procedimento


cautelar, porque este visa apenas acautelar o efeito útil de qualquer acção.

A distinção entre acção e procedimento cautelar é bem vincada no artigo 2.º do


CPC, onde vem disposto que “A todo o direito, excepto quando a lei determine o
contrário, corresponde uma acção, destinada a fazê-lo reconhecer em juízo ou a realizá-
lo coercivamente, bem como as providências necessárias para acautelar o efeito útil da
acção”.

Desta norma retiramos o entendimento de que as decisões das acções são de


carácter definitivo, pois definem os direitos dos litigantes e, uma vez definidos,
permitem a sua realização coerciva em caso de incumprimento da decisão, enquanto as
decisões dos procedimentos cautelares são provisórias e, por isso, a sua manutenção
depende da propositura da acção dentro do prazo de 30 (trinta) dias ou da procedência
da acção já pendente – artigo 382.º n.º 1, alíneas a) e b) do CPC.

Pelo que, não sendo possível determinar-se por meio de um procedimento


cautelar que o Agravante é o legítimo proprietário do terreno em litígio, improcedente o
recurso neste particular.

Terceira questão a decidir: saber se o Tribunal “ad quem” pode considerar


nulo os efeitos do embargo decretado pelo Tribunal “a quo”.

Parece-nos que esta terceira questão a decidir foi colocada em termos que não
são os mais correctos, porque a nulidade, adjectiva ou substantiva, afecta a validade dos
actos em si e não apenas dos seus efeitos. Em condições normais, considerado nulo
determinado acto, processual ou negocial, deixa de produzir os seus efeitos. Sendo
assim, não é possível apreciar autonomamente a validade dos efeitos do embargo
decretado pelo Tribunal a quo. O que se pode fazer é avaliar a possibilidade de
revogação da decisão recorrida e, por essa via, sendo procedente, não poderá a decisão
que decretou o embargo continuar a produzir os seus efeitos.

Por estar em causa o recurso contra a decisão que decretou o embargo de uma
obra e porque o Agravante reclama direitos sobre o terreno em litígio, a sua pretensão,
embora colocada de forma deficiente nas conclusões das alegações, só pode passar pela
revogação da sentença recorrida, porque só assim poderá obstar à produção dos efeitos
do embargo. Deste modo, onde nas conclusões das alegações vem referido que
“...considere nulo os efeitos do embargo...” deve entender-se que está escrito que “...se
revogue a decisão recorrida...”.

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Tal como a segunda questão a decidir, a resposta à esta terceira questão é


também negativa, porque, pela análise da documentação que o Agravante e a Agravada
juntaram aos autos, chega-se à conclusão que estamos em presença de terrenos distintos.

De acordo com a cópia da memória descritiva de fls. 23, o terreno da Agravada


possui uma área de 10.000m2 e tem as seguintes confrontações: a NORTE: com terreno
ocupado; a SUL: com terreno ocupado; a ESTE: com estrada que liga Benguela ao
Catengue e a OESTE: com terreno livre do Estado. Diferentemente, de acordo com a
cópia da memória descritiva de fls. 79, o terreno do Agravante possui uma área de
4.119,39m2 e tem as seguintes confrontações: a NORTE: com rua projectada; a SUL:
com escola de condução São Tiago; a ESTE: com terreno livre e a OESTE: com linha
de água (fls. 77 a 79).

Para além de possuírem áreas diferentes e terem confrontações distintas, os dois


terrenos têm também coordenadas completamente diferentes. Enquanto o terreno da
Agravada tem como coordenadas X as referências 3221407, 321399, 321288 e 321297
e como coordenadas Y as referências 8599880, 8599829, 8599846 e 9599898 (fls. 27),
o terreno do Agravante tem como coordenadas X as referências 321350, 321358,
321360 e 321251 e como coordenadas Y as referências 859944, 8599887, 8599906 e
8599869 (fls. 76, 77 e 79).

Pelas confrontações e coordenadas depreende-se que estamos em presença de


dois terrenos distintos. Esta conclusão é reforçada com o facto de o terreno da Agravada
estar registado sob o n.º (…) no Departamento Provincial do Instituto Geográfico e
Cadastral de Angola (fls. 23), enquanto o terreno do Agravante está registado no mesmo
Departamento sob o n.º (…) (fls. 77 e 79).

Como estão em causa terrenos distintos e ficou demonstrado pela inspecção


judicial que a obra embargada está a ser executada em terreno que é ocupado pela
Agravada (fls. 51), não existem razões para a revogação da decisão recorrida, até porque
o Agravante, para além de invocar reforçadamente a sua titularidade sobre o mesmo
terreno, não apresentou nas alegações qualquer argumento que pusesse em causa os
pressupostos do presente procedimento cautelar, tal como foram considerados
verificados na sentença recorrida. Assim, tendo ficado provado que o terreno em litígio
é o terreno ocupado pela Agravada e não tendo havido qualquer questionamento quanto
à verificação dos pressupostos do procedimento cautelar de embargo de obra nova,
questionamento que poderia justificar a revogação da sentença recorrida, não podemos
revogar esta decisão.

Pelo que, também improcedente o recurso neste particular.

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Quarta questão a decidir: saber se o Tribunal “ad quem” pode invalidar a


contestação.

Se, por um lado, é incompreensível a ideia de invalidação de uma contestação,


por outro lado, não faz qualquer sentido esta pretensão do Agravante, uma vez que o
Requerido no procedimento cautelar de embargo de obra nova não apresentou
contestação no Tribunal a quo. Conforme certidão de citação de fls. 45, o Requerido
(…) foi citado no dia 10 de Dezembro de 2020 para contestar no prazo de 8 (oito) dias,
mas, decorrido este prazo, não contestou. Por isso, no dia 3 de Fevereiro de 2021 o
Tribunal a quo ordenou a realização de inspecção judicial (fls. 46).

A referida inspecção judicial realizou-se no dia 11 de Fevereiro de 2021 (fls. 51)


e no dia 25 do mesmo mês e ano foi proferida a decisão agora recorrida (fls. 54 a 60),
sem que tivesse havido contestação do Requerido no procedimento cautelar. Portanto,
se não houve contestação, não há contestação a invalidar (apesar de não ser possível a
invalidação de uma contestação) e, nessa medida, como acabamos de afirmar, não faz
qualquer sentido esta pretensão do Agravante.

Pelo que, neste particular, improcedente igualmente o recurso.


DECISÃO

Por todo o exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar o agravo
improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo Agravante.

Registe e Notifique.

Benguela, 28 de Julho de 2022

Osvaldo Luacuti Estêvão (Relator)

Rui Alberto Fernando de Moura (1.º Adjunto)

António Jolima José (2.º Adjunto)

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