Você está na página 1de 33

Sociologi

a vol.1
2
1. Primeiras
Teorias Sociais
1. Primórdios da Sociologia

A sociologia é uma ciência que nasceu em meio a inúmeras


modificações geopolíticas, históricas e científicas. Na Europa,
duas grandes modificações foram responsáveis pelo
nascimento de uma curiosidade sociológica. Primeiramente, a
revolução industrial trouxe uma série de modificações quando
ao modo de viver. Trabalhadores passavam agora a trabalhar
conforme o ritmo de fábricas, distantes da luz do dia,
cumprindo uma jornada de trabalho calculada em horas e
recebiam salário em troca. Estes trabalhadores enfrentaram
grandes modificações em suas condições de vida, pois
passaram a viver em grandes aglomerados urbanos, privados
de boas condições de higiene pública e em más condições de
trabalho. Crime, expectativa de vida, doenças e uma série de
flagelos do capitalismo industrial foram as engrenagens
necessárias para criar o movimento sindical inglês. Este
movimento foi o primeiro movimento social de trabalhadores na
era capitalista e sua força permitiu a conquista de uma série de
direitos que melhoravam as condições de trabalho dos
operários ingleses.

O segundo grande movimento que despertou cientistas para


uma busca por compreensão científica da sociedade foi a
revolução francesa. A revolução francesa depôs o absolutismo
mais poderoso da Europa e instaurou um regime democrático
fundado nos valores da liberdade, da fraternidade e da
igualdade. Ao longo do processo de radicalização da
revolução, Napoleão Bonaparte venceu e invadiu as
monarquias europeias instaurando novas formas de governo
apoiadas pelas burguesias nacionais.

Com a modernização da França, a unificação alemã e italiana


ao longo do século XIX, estes países passam a observar a
Inglaterra muito à frente em termos de industrialização. Essa
nova condição leva a um novo fenômeno que ficou conhecido
como imperialismo ou neocolonialismo.
O neocolonialismo consiste em missões que partem de países
industrializados em direção a territórios da África e da Ásia em
busca da introdução de novos mercados consumidores. O
problema deste empreendimento é que os produtos europeus
nem sempre faziam o gosto dessas pessoas e o que deveria
ser uma missão cultural acabou tornando-se uma missão de
colonização militar e cultural. Inúmeros conflitos irrompem em
3
territórios da Índia, da China, da África do Sul, da Libéria e
Eritréia em função da chegada dos europeus. Os invasores
destroem modos de produção milenares e equilibrados,
corrompem hábitos ligados à religiosidade, modificam
estruturas sociais fundadas em tradições.

Diante disso um esforço compreensivo passou a ser feito.


Afinal, o contato com o estranho levou a intelectualidade
europeia a ter de elaborar a sua própria identidade por
contraste com aqueles que viviam de modos tão diferentes.
Inicialmente, a compreensão do outro se deu por um esforço
teórico que ficou conhecido como o Evolucionismo Social.

2. Evolucionismo Social

O pensamento dito evolucionista social nasceu antes mesmo


da famosa teoria da evolução das espécies de Darwin.
Conceitos de evolução já existiam com diferentes acepções na
ciência europeia e, nesse caso, alimentaram a nascente
antropologia. O que permite que reunamos essas teorias
embaixo do mesmo guarda-chuva é a sua ideia de que a
cultura humana evolui e passa por diferentes etapas.

2.1. Lewis Morgan

O primeiro pensador que iremos abordar de modo rápido é


Lewis Morgan (1818 – 1881). Morgan foi um antropólogo
americano que fez sua pesquisa de campo em meio aos
Iroqueses. Ele escreveu um livro chamado A Sociedade Antiga
que ficou famoso por sua concepção de evolução em etapas.
Nesse livro, Morgan defende que as formas de parentesco
evoluem de acordo com o progresso tecnológico das
organizações humanas.

4
As primeiras tribos são de caçadores-coletores na idade da
selvageria. Nesse período as tribos teriam um comportamento
sexual promíscuo. Logo em seguida, com o advento da
agricultura as tribos humanas passariam à barbárie. Aqui a
sexualidade passaria a ser monogâmica dado que a noção de
bens materiais e terras passariam a interessar ao núcleo
familiar. Por último, as sociedades passariam à forma civilizada
onde elas chegariam ao progresso máximo em uma
organização urbana.

Essa teoria é ultrapassada, porém ela serviu enormemente a


outros teóricos que se interessaram por entender as relações
entre vida material e formações de família e parentalidade.

Pode-se afirmar agora, com base em convincente evidência,


que a selvageria precedeu a barbárie em todas as tribos da
humanidade, assim como se sabe que a barbárie precedeu a
civilização. A história da raça humana é uma só - na fonte, na
experiência, no progresso. – Morgan, L. A Sociedade Antiga

2.2. Edward Tylor

Edward Tylor (1832 – 1917) foi um antropólogo britânico que


viajou para o México para estudar as tribos indígenas de lá.
Apesar de nunca ter cursado a universidade, foi condecorado
doutor em Oxford após a escrita de seu famoso livro Cultura
Primitiva.

Tylor irá argumentar que as culturas ao longo da terra tendem


a uma convergência por estarem fundadas em princípios da
ação e do pensamento. Por isso mesmo, cultura será para ele
todo o complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, moral,
5
lei, costumes, e qualquer outras capacidades e hábitos
adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade.

Com essa definição Tylor colocava as tribos das Américas,


África e Ásia dentro de um conceito unificado de humanidade;
pois, se todos os grupos têm cultura, então é necessário
admitir que há uma unidade psicológica básica a todos os
humanos.

Será Tylor que irá identificar o fenômeno do animismo. Para


ele, tribos que iniciavam seu desenvolvimento histórico tendem
a construir formas de religião em que há a crença que
entidades naturais são deuses. O termo animismo vem do latim
“anima” que significa “alma”. Assim, é como se toda a natureza
estivesse possuída por almas que manifestam estados de
ânimo.

2.3. Auguste Comte

6
Auguste Comte (1798 – 1857) foi um filósofo e sociólogo
francês criador da teoria positivista. O positivismo é uma teoria
de cunho liberal que incorpora inúmeros anseios da burguesia
francesa do século XIX. Inspirada em um profundo
racionalismo e cientificismo, o Positivismo nasce de um
entendimento do paradigma científico: a ciência se faz por meio
da descrição de leis.

Comte irá então organizar um sistema de unidade da ciência


onde a matemática é a ciência base. A física é a ciência que
em primeira instância depende do desenvolvimento da
matemática. Por sua vez, a química é a ciência que depende
de conceitos e da compreensão de fenômenos físicos. Por fim,
a biologia seria a ciência que depende do entendimento da
química. E a sociologia seria a última ciência a receber uma
axiomatização.

Para Comte a sociologia era uma espécie de física social que


deveria ter leis de descrição da evolução e do progresso social.
Nesse sentido, era necessário entender quais as leis sociais a
partir da identificação de suas forças motoras. A partir do
método comparativo, Comte chega à conclusão de que o
progresso humano se dá em função do avanço da ciência.
Sendo assim, as sociedades mais atrasadas na história são
aquelas que não elaboraram mecanismos e conceitos para a
descoberta científica, já as mais evoluídas seriam aquelas que
se encontram em pleno desenvolvimento científico.

Comte classifica de estado teológico o primeiro degrau da


escada de evolução social. Nesse estado os homens creditam
a forças divinas os fenômenos da natureza. É um período de
profunda fragilidade e, portanto, de crenças mitológicas e
religiosas. A forma de governo que mais se conforma a esse
período da mentalidade humana é aquela em que homens são
vistos como deuses e governam por meio de teocracias
militaristas. Para superar esse estado é necessário que ocorra
a transição de formas de pensamento mítico para formas de
pensamento racional.

O segundo estado é o metafísico. Neste momento os homens


passam a ter uma compreensão racional da natureza, mas
ainda pré-científica. A grande busca desse período é por
essências ou princípios que guiem o entendimento do mundo
natural e do próprio homem. É nesse período que os homens
passam a especular acerca de princípios morais e éticos que
nos ajudem a forjar leis para governar. Assim, a forma de
governo mais comum aos que atingem esse estado é aquele
que dá centralidade aos juristas e legisladores.

Por fim, o terceiro estado é chamado de positivo. Nesse


momento da história humana a ciência afasta dos homens
todas as formas de pensamento supersticioso e resolve todas
7
as disputas de valor subjetivo. A ciência passa a ser a principal
ferramenta dos homens no governo tecnocrático e na busca da
paz.

O positivismo tem como pressupostos o progresso, a evolução


e a ciência. Contudo, ao longo do desenvolvimento da teoria
positivista, Comte cada vez mais foi entendendo que sua
filosofia e pensamento social precisavam de um lugar para ser
cultuado. Assim, igrejas positivistas passaram a surgir na
França e até mesmo no Brasil. Aqui, o positivismo foi absorvido
por membros do exército que adotaram o lema positivista
“Amor, Ordem e Progresso” como sendo a chave de suas
decisões políticas.

2.4. Herbert Spencer

Spencer (1820 – 1903) era amigo de Charles Darwin. Sua


contribuição fundamental para o pensamento sociológico está
na teoria do Darwinismo Social. Para ele, tal como a vida
microscópica se organizou por meio de funções que estruturam
os organismos, a vida social deve também ter estruturas
funcionais básicas.

Spencer acreditava que a teoria da sobrevivência do mais


adaptado poderia ser a base de compreensão das sociedades
também. Sendo assim, ele pensou em dois modelos funcionais
de sociedade. Há as sociedades hierárquicas militaristas onde
o sistema é preponderantemente vertical, com pouca
diferenciação e baseado na obediência. E há sociedades

8
industriais com alta complexidade, diferenciação, voluntarismo
e contratos sociais tácitos.

9
2. Karl Marx
1. Contexto

Karl Marx nasceu em 1818 e viveu até 1883. Sua vida é


marcada por uma profunda contribuição filosófica, sociológica e
econômica; mas também por um ativismo político e por
perseguições à sua pessoa. Formado em direito na
universidade de Bonn e doutor pela universidade de Berlin,
Marx não se firmou jamais como um acadêmico. Seus estudos
iniciaram pelo entendimento da filosofia pré-socrática de
Demócrito, passou pelo contato com a filosofia de Hegel e
mergulhou nos escritos de socialistas utópicos como Proudhon
e Fourier. Já maduro, Marx leu Saint-Simon e foi auxiliado pelo
seu amigo de sempre Friedrich Engels. Após sair perseguido
de Paris, Marx foi viver em Londres onde passou a estudar
economia e ajudou a constituir o Partido Comunista Inglês, cujo
manifesto tornou-se uma das obras mais lidas da humanidade.

2. A Crítica ao Idealismo

Marx pertenceu a um grupo de estudiosos do idealismo de


Hegel e esse grupo será fundamental para que ele elabore sua
10
primeira crítica filosófica. A teoria hegeliana afirmava que a
razão era a base do entendimento da natureza, dado que seria
por meio dela que as ideias do que é natural formam o
entendimento do mundo real. Hegel acreditava que a razão
humana elaborava dialeticamente uma imagem da natureza,
mas que inescapavelmente terminava por elaborar uma
imagem da própria humanidade. Esse processo culminaria em
uma libertação paulatina do homem de todas as suas ilusões
das quais ele é cativo. Assim, a evolução dialética do Espírito
seria o que liberta os homens.

Marx irá inverter essa lógica. Para ele, a materialidade da


natureza é o que elabora a razão humana, pois a vida humana
é fundada no trabalho. Sem trabalho as sociedades humanas
não alcançam o sustento e somente quando elas conseguem
organizar essas formas mais básicas de produção é que elas
conseguem constituir formas jurídicas, formas de credo
religioso e formas morais. Nesse sentido, Marx critica uma
certa visão de progresso histórico presente no idealismo,
contrapondo o materialismo histórico a ele.

“A primeira premissa de toda história humana é,


evidentemente, a existência de indivíduos humanos. Por isso, o
primeiro fato a se determinar é a organização corporal desses
indivíduos, e em seguida sua relação com o resto da natureza.
É claro que não podemos investigar aqui nem a própria
natureza física do homem, nem as condições naturais em que
ele se encontra — geológicas, oro-hidrográficas, climáticas e
assim por diante. A historiografia deve sempre partir dessas
bases naturais e sua modificação, no decorrer da história, pela
ação do homem.

É possível distinguir os homens dos animais pela


consciência, pela religião, ou pelo que quer que seja. Mas eles
mesmos começam a se distinguir dos animais logo que
principiam a produzir seus meios de subsistência, um passo
que é condicionado por sua organização corporal. Produzindo
seus meios de subsistência, os homens estão produzindo,
indiretamente, sua própria vida material.” – Marx, K. A Ideologia
Alemã

Marx irá contrapor-se à compreensão da dialética do espírito


de Hegel. Ao invés de localizar o progresso da história como
resultado da síntese entre uma tese e uma antítese da razão, o
pensador socialista irá afirmar que tese e antítese são na
verdade forças sociais que resultam da organização produtiva.
É o embate social que liberta o homem, pois dele resultam
sempre melhorias nas formas das relações de trabalho.

Em seus primeiros escritos, como por exemplo no Manifesto


Comunista, Marx afirma que o progresso histórico feito até hoje
11
se dá em função da luta de classes – o motor da história.
Nesse livro observamos a tese de que a humanidade progrediu
após sucessivos processos que revolucionaram os modos de
produção. Marx parte do escravismo romano ao feudalismo, e
posteriormente, do feudalismo ao capitalismo, criando formas
de relação de trabalho cada vez mais livres em função dos
constantes embates de classe. No entanto, ao passo que
ocorria uma libertação em termos de relações produtivas, a
possibilidade de exploração aumentava, pois o capitalismo teria
se tornado o modo de produção mais eficaz nessa tarefa.

Em seu livro Teses Contra Feuerbach, Marx enuncia uma tese


que se tornou famosa. A tese 11 denota seu caráter de filósofo
crítico, pois lá ele dirá “Os filósofos se limitaram a interpretar o
mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”

3. Crítica à Ideologia Dominante

O sistema filosófico de Marx está profundamente interligado ao


seu entendimento da sociedade. Para ele, dado que o trabalho
é a atividade fundamental que organiza as sociedades, todos
os demais fenômenos sociais devem ser compreendidos à luz
das atividades laborais. Sendo assim, relações de poder,
formação de classes sociais, instituições, crenças religiosas,
princípios morais, etc. são todas derivadas da organização
econômica.

“Minha pesquisa me levou à conclusão de que as relações


legais e as formas políticas não poderiam ser explicadas, seja
por si mesmas seja como proveniente do assim chamado
desenvolvimento geral da mente humana, mas que, ao
contrário, elas se originam das condições materiais da vida ou
da totalidade que Hegel, segundo o exemplo dos pensadores
(…) do séc. XVIII, engloba no termo “sociedade civil””. Marx, K.
Contribuição à crítica da economia política

É nesse contexto que Marx irá cunhar um sentido crítico para o


termo ideologia. Como o trabalho é organizador do sistema de
classes e dentro do capitalismo há um sistema de classes que
distribui poder de modo antagônico, Marx irá se interessar pelo
modo como a dominação de classe é exercida no capitalismo.
Marx e Engels definem ideologia como o mascaramento da
realidade através do qual um grupo exerce domínio sobre o
outro. A ideologia busca colocar o oprimido em uma situação
na qual ele aceita a sua opressão por meio de uma justificativa
que o leva a ter crenças falsas. Marx dirá que a ideologia
habita sempre uma falsa consciência.

A ideologia dominante é a produção de uma classe dominante


que controla o setor da superestrutura social. Essa
superestrutura é um conjunto de atividades administrativas e
intelectuais como por exemplo o direito, a religião e a moral.
12
Essa superestrutura social é resultado do modo como a
infraestrutura organiza a sustentação material da vida de uma
determinada sociedade.

“(…) em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem


invertidos como numa câmara escura; tal fenômeno decorre de
seu processo histórico de vida, do mesmo modo que a inversão
dos objetos na retina decorre de seu processo de vida
diretamente físico. [...] Não é a consciência que determina a
vida, mas a vida que determina a consciência.

As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias


dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante
da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual
dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de
produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de
produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas
(…) as ideias daqueles aos quais faltam os meios de produção
espiritual. As ideias dominantes nada mais são do que a
expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas
como ideias; portanto, a expressão das relações que tornam
uma classe a classe dominante; portanto, as ideias de sua
dominação.” – Marx, K. A Ideologia Alemã

4. Crítica ao Estado Burguês e ao Capitalismo

Marx reconhece que o sistema mais bem sucedido em produzir


bens de consumo é o capitalismo, contudo isso se opera às
custas de uma exploração que foi desenhando historicamente.
Marx mostra que ao contrário do que as teorias idealistas
diziam, o Estado Moderno não era o resultado do progresso

13
histórico da razão, mas sim o resultado de uma longa mudança
nas formas jurídicas que teriam formado a classe trabalhadora.

Marx inicia por uma crítica publicada no jornal Gazeta Renana.


No artigo ele critica a lei punitiva ao roubo de lenha de 1842.
Para ele, essa lei tinha como finalidade impossibilitar a
comodidade térmica nos lares dos moradores do campo inglês
que viviam em terras comunais. Tal lei era a última de uma
série de leis que obedeciam à lógica dos cercamentos de
propriedades que passam a ocorrer a partir de 1723, com a Lei
Negra. Com essas leis a vida no campo tornar-se-ia cada vez
mais difícil e isso forçaria um êxodo rural. Esse movimento de
trabalhadores era fundamental para os interesses da burguesia
industrial, pois as fábricas precisavam de um contingente
populacional ocioso para que a mão de obra tivesse um preço
acessível. Desse modo, Marx entenderá que as leis do Estado
inglês cada vez mais atendiam aos interesses da classe
burguesa e isso era contraditório com a tese de Hegel.

Marx perceberá que o Estado não é uma formação do


progresso livre da razão, mas, sim, é uma instituição que serve
como mecanismo de dominação de classe. No capitalismo, a
ideia de Estado Nação surge com a promessa de unir um povo
com uma identidade cultural a uma instituição jurídico-legal que
respeite aos anseios daquele povo. Contudo, tudo isso se
revela inoperante. Por esse motivo, a filosofia da história de
Marx afirmava que o capitalismo terminaria por uma revolução
socialista que instauraria uma nova forma de governo, novas
relações de poder e, fundamentalmente, novas formas
econômicas. Assim, as instituições do mundo capitalista geram
uma contradição que só pode ser superada por uma processo
de revolução.

Minha investigação chegou ao resultado de que tanto as


relações jurídicas como as formas de Estado não podem ser
compreendidas por si mesmas, nem pela chamada evolução
geral do es- pírito humano, mas sim assentam, pelo contrário,
nas condições materiais de vida cujo conjunto Hegel resume,
seguindo o precedente dos ingleses e franceses do século X
VIII, sob o nome de “sociedade civil”, e que a anatomia da
sociedade civil deve ser buscada na Economia Política.” –
Marx, K. Para a Crítica da Economia Política.

A partir disso, Marx irá cada vez mais se interessar por


entender como o capitalismo surgiu historicamente e como ele
modificou as relações de produção. Esse interesse levou Marx
a estudar os economistas que o precederam como por
exemplo, os mercantilistas, os fisiocratas e os liberais. De
todos, Adam Smith foi o mais genial economista que permitiu a
Marx compreender as grandes transformações que eram

14
observadas na transição da economia mercantilista para a
capitalista.

Smith contradiz o diagnóstico dos antigos fisiocratas que


afirmavam que a riqueza de uma nação é a posse de bens
naturais como terras, minas e demais recursos naturais. Smith
irá dizer que a principal riqueza que uma nação tem é sua
classe trabalhadora, pois ela é quem transforma recursos em
mercadorias. Obviamente, Smith já percebera que a sociedade
capitalista é uma sociedade de mercado e, nesse sentido,
aquele que dominar os mercados vence no mundo capitalista.

Contudo, Smith tinha uma imagem um tanto idealizada do


capitalismo. Para ele, a melhor forma de produzir riqueza era
permitindo que cada um buscasse o bem individual. Ele
acreditava que na medida que todos buscassem o bem
individual, todos somariam algo para o montante. A riqueza
naturalmente, pela mão livre do mercado, fluiria para todos os
setores da sociedade.

Marx notou que o capitalismo não é um sistema tão


cooperativo. Ele percebe que a natureza do capitalismo é a
maximização do lucro para poder competir, mas isso nem
sempre é coerente com a ideia do ganho de todos. No sistema
capitalista a classe trabalhadora passa a vender sua força de
trabalho no mercado de trabalho. Ela ganha em função das
horas trabalhadas um salário que serve para que ela adquira
mercadorias para seu consumo. Acontece que, se um burguês
precisa tornar o preço da sua mercadoria competitivo no
mercado, ele precisa reduzir custos de produção e dentre todos
os custos, o trabalho dos operários é um dos que pode ser
reduzido se houver uma grande oferta de trabalhadores. Nesse
sentido, quanto maior a exploração do trabalho, mais a
mercadoria da fábrica torna-se barata e mais o próprio
trabalhador poderia ter acesso a ela. No entanto, se o
trabalhador está recebendo muito pouco por ela e desgastando
demasiadamente sua vida e força de trabalho, o próprio
sistema torna-se contraditório.

Marx irá notar também que a transformação do trabalhador em


mercadoria opera sobre ele uma objetificação que desafia
qualquer ética que tenha o ser humano com algo com valor em
si. O capitalismo transforma o homem em recurso e objetifica
seu comportamento direcionando-o para um sistema em que
ele não domina mais o que produz. Marx chamou a esse
processo de alienação do trabalho, pois nesse sistema uma
pessoa produz não mais para si, mas para o mercado. O
trabalho não gera um bem com valor de uso, mas somente um
bem com valor de mercado.

15
O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si
mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na
medida em que produz, de fato, mercadorias em geral. [...]
Quanto mais o trabalho desgasta trabalhando, tanto mais
poderoso se torna o mundo objetivo, alheio que ele cria diante
de si, tanto mais pobre se torna ele mesmo, seu mundo interior,
tanto menos o trabalhador pertence a si próprio.” Marx, K.
Manuscritos Econômico-Filosóficos

Outro importante fator da análise econômica de Marx é a


explicação de como o lucro é possível. O lucro era uma
espécie de mistério para os economistas da época e foi muito
importante Marx mostrar os mecanismos ocultos da economia
capitalista.

Marx irá mostrar que o lucro nasce da mais-valia. A mais-valia


é todo o valor extraído do trabalho de um operário que não é
necessário para completar o valor do seu salário. Podemos
pensar, por exemplo, que um trabalhador deveria produzir
cinco casacos de lã para pagar o seu salário. Contudo, no
regime de contrato por horas de trabalho, ele não produz
somente cinco casacos. Ele produz tantos casacos quanto o
ritmo da fábrica ditar. Por isso mesmo, todos os casacos que
ele produz além do quinto serão casacos que potencialmente
irão compor o lucro do dono da fábrica ou meio de produção.

O Trabalhador não precisa necessariamente ganhar com o


ganho capitalista, mas necessariamente perde quando ele
perde. Assim, o trabalhador não ganha quando o capitalista
mantém o preço de mercado acimado preço natural através de
segredos de comércio ou indústrias. [...] Além disso: o preço do
trabalho é muito mais constante que os preço dos meios de
vida. (Marx, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos.

5. Marxistas

As obras de Marx foram um divisor de águas na história do


Ocidente. A fecundidade da sua obra influenciou movimentos
políticos, artísticos e sociais. Irei rapidamente tratar de algumas
dessas influências.

5.1. Lênin e a Revolução Russa

16
Lênin foi o líder da revolução russa de 1917. Um marco

FIGURE 1: LENIN FOI O


LÍDER DA REVOLUÇÃO importante do pensamento leninista é o entendimento da
RUSSA DE 1917
situação do capitalismo no início do século XX. Para ele,
contrariamente ao que acreditavam Marx e Engels, a revolução
socialista não ocorreria primeiramente em países avançados
do capitalismo, pois nesses países a classe trabalhadora
conseguiria jogar para a periferia as necessidades
exploradoras do capitalismo.

Será em países sem industrialização e agrários que as tensões


do capitalismo seriam radicalizadas, na visão de Lenin. Esses
países, em nome da recusa da modernidade, teriam de
explorar suas classes camponesas e urbanas a fim de seguir
competitivos nos mercados internacionais. Isso naturalmente
deflagraria a situação revolucionária.

5.2. Escola de Frankfurt

Uma série de intelectuais alemães passou a se reunir no


Instituto de Pesquisas Sociais da fundado em Frankfurt em
1924. Inicialmente liderados por Max Horkheimer e Theodor
Adorno, esses pensadores inspiraram-se em Marx para
compreender a sociedade capitalista contemporânea. Com a
ascensão do nazismo boa parte deles se refugiou nos EUA e
conseguiu retornar por volta da década de 1950. No retorno,
Marcuse foi um dos nomes principais da escola.

A escola de Frankfurt buscou desenvolver uma teoria crítica do


conhecimento. Para eles, a racionalidade técnica e
instrumental dominou a sociedade a partir da revolução
industrial. Uma das consequências dessa forma de
racionalidade é a objetificação de aspectos da cultura que
tornam a arte algo massificado e industrial. Para eles, a
transformação da arte em algo massificado é para que ela seja
17
de fácil consumo. Contudo, assim, a arte perde sua função
fundamental que é a elevação do espírito humano. Desse
modo, era necessário criticar a razão instrumental e buscar
elaborar formas de razão emancipatória.

FIGURE 2: HORKHEIMER E ADORNO

Além disso, os frankfurtianos uniram teorias marxistas a teorias


freudianas. Marx, em um de seus escritos mais psicológicos,
fala da capacidade de fetichização das mercadorias.
Mercadorias funcionam como ganchos para o desejo humano
de autoconhecimento. Assim, o capitalismo se vale disso e
transforma o trabalho um meio de acesso para que a classe
trabalhadora desenvolva desejos de consumo que atendam a
necessidades identitárias. Por vezes, a classe média proletária
entende que o acesso dela ao consumo é aquilo que a
diferencia dos estratos mais baixos do proletariado e nesse
ponto ela passa a ser cooptada pela burguesia.

5.3. Lukács e Gramsci

Lukács (1885 – 1971) foi um pensador húngaro que criou uma


das mais importantes distinções no seio do Marxismo. Ele
mostrou que origem de classe e consciência de classe são dois
conceitos diferentes. No capitalismo, as formas de consciência
de classe nem sempre obedecem a condição real do individuo.
Pessoas podem identificar-se de acordo com diferentes
estratos sociais justamente porque existe uma variedade de
possibilidades de fetiche.

Gramsci foi um pensador italiano que formulou conceitos


importantes no campo da política. Ele entende que um
processo político revolucionário depende de dois fatores
fundamentais. Primeiramente, a existência de intelectuais
orgânicos, ou seja, pessoas que tenham a capacidade de
participar de movimentos políticos na condição de líderes
intelectuais. Em segundo lugar, ele pensou, inspirado em
18
Bakhtin, na necessidade da existência de uma cultura popular,
por contraposição a uma cultura de elite. A cultura de elite
tende a buscar uma hegemonia. Assim, é necessário forjar
uma cultura popular para combater a cultura hegemônica.

19
3. Émile Durkheim
1. Contexto

Émile Durkheim (1858 – 1917) foi um dos criadores da


sociologia enquanto disciplina acadêmica. Formado em
filosofia, Durkheim fez pesquisas no campo da sociologia do
trabalho, da religião e foi um dos maiores pensadores de
questões metodológicas da sociologia.

2. As Regras do Método Sociológico

Inicialmente, Durkheim busca no positivismo uma inspiração


para firmar a sociologia como ciência. Para ele, o modelo de
ciência no qual a sociologia deveria se inspirar é as ciências da
natureza. Essa ciência deveria observar dados empíricos,
fundar-se na prática da coleta de dados e buscar avançar no
campo quantitativo e qualitativo.

A sociologia ainda não ultrapassou a era das construções e


das sínteses filosóficas. Em vez de assumir a tarefa de lançar
luz sobre uma parcela restrita do campo social, ela prefere
buscar as brilhantes generalidades em que todas as questões
são levantadas sem que nenhuma seja expressamente tratada.
Não é com exames sumários e por meio de intuições rápidas
que se pode chegar a descobrir as leis de uma realidade tão
complexa. Sobretudo, generalizações as vezes tão amplas e

20
tão apressadas não são suscetíveis de nenhum tipo de prova.
– Durkheim, E. O suicídio: estudo de sociologia.

No entanto, para que tal ciência possa fundamentar-se


Durkheim percebe que era necessário cunhar a noções básicas
que guiem a prática sociológica. Nesse sentido a primeira
noção foi de fato social.

Um fato social é a unidade básica de investigação sociológica.


A física lida com fatos físicos, a química com fatos químicos,
portanto é natural que queiramos delinear o que seria um fato
social. Em sua definição, fatos sociais devem ser tratados com
objetividade. Ele diz

“O fato social consiste em maneiras de agir, pensar e sentir


que são externas ao indivíduo e que são investidas de poder
coercivo em função da qual tais fatos podem exercer controle
sobre ele.” - Durkheim, E. As Regras do Método Sociológico

Um fato social distingue-se de fatos psicológicos porque não


tem causas no indivíduo unicamente. Podemos dizer que
quando alguém toma a decisão de não ter filhos porque prefere
ter uma vida de solteiro, isso é diferente da decisão de não ter
filhos porque não tem dinheiro para sustentar a vida de uma
criança. Além disso, fatos sociais são diferentes de fatos
biológicos, podemos dizer que comer é uma necessidade
humana que garante a sobrevivência do corpo, contudo comer
ao meio-dia utilizando talheres já não é um hábito revestido
unicamente de necessidades biológicas.

Durkheim irá mostrar que para identificar um fato social é


necessário pensar em critérios, pois com esses critérios
poderemos distinguir fatos da sociologia daqueles presentes
em outras ciências humanas. Assim, os critérios deveriam
mostrar que há causalidade social sobre os indivíduos. Eis que
ele chega a três critérios: coercitividade, exterioridade e
generalidade.

Fatos sociais têm caráter coercivo porque levam indivíduos a


se comportarem de acordo com o grupo. De modo geral,
quando os indivíduos não fazem assim, eles são reprovados
pelo grupo ou tem de justificar sua conduta. Um exemplo disso
poderia ser o modo como nos trajamos para ir ao trabalho ou ir
a festas. Existe um código de conduta para o modo como
advogados devem vestir-se no trabalho. Esse modo é diferente
do modo como eles devem apresentar-se em festas. Se ele
troca as roupas, provavelmente receberá uma advertência de
alguém.

“Antes de buscar o método que convém ao estudo dos fatos


sociais, é importante saber que fatos são esses assim
denominados.
21
A questão é tanto mais urgente na medida em que tal atributo é
adotado sem muita precisão, sendo empregado, no uso
corriqueiro, para designar praticamente todos os fenômenos
que se dão no âmbito da sociedade, ainda que estes não
ofereçam, além de certa generalidade, qualquer interesse
social. Desse ponto de vista, contudo, não há, por assim dizer,
acontecimentos humanos passíveis de ser considerados
sociais. Todo indivíduo bebe, dorme, come e raciocina, e a
sociedade tem todo interesse em que essas funções sejam
normalmente exercidas. Se, portanto, estes fossem fatos
sociais, a sociologia não teria objeto que lhe fosse específico e
seu domínio se confundiria com o da biologia e da psicologia.

Na realidade, porém, em toda sociedade há um grupo


determinado de fenômenos cujas características se distinguem
nitidamente daqueles estudados pelas outras ciências da
natureza.

Quando desempenho meu papel de irmão, esposo ou cidadão,


ou assumo os compromissos que firmei, cumpro deveres
definidos, fora de mim e de meus atos, no direito e nos
costumes. “Mesmo quando estes coincidem com meus
sentimentos e sinto intimamente sua realidade, esta não deixa
de ser objetiva; pois não fui eu quem os estipulei, tendo-os
recebido por intermédio da educação. Quantas vezes, aliás,
acontece de ignorarmos os detalhes das obrigações que nos
incumbem e, para conhecê-los, precisarmos consultar o Código
e os intérpretes autorizados! Da mesma forma, o fiel já
encontra as crenças e práticas de sua vida religiosa todas elas
prontas ao nascer; se existiam antes dele, é porque existem
fora dele.” – Durkheim, E. As Regras do Método Sociológico

Além de coercivos, os fatos sociais são exteriores ao individuo.


Ou seja, uma pessoa que não participa de modos de agir
pensar e sentir da sua sociedade sente que está fora do grupo.
A pressão para que ela se comporte de um determinado modo
será sentida como vindo do exterior à sua vontade. De modo
geral, a família é a primeira forma de exterioridade que nós
enfrentamos.

Por fim, fatos sociais são gerais. Isso significa que eles sempre
ocorrem a grupos e universos de pessoas. Há fatos sociais que
são mais gerais, como por exemplo, no Brasil o horário de
almoço é por volta do meio-dia. Esse fato social faz com que
por volta desse horário as pessoas cessem em seus trabalhos
ou estudos e busquem uma refeição. Há fatos sociais menos
gerais como por exemplo a prática de ir aos estádios de
futebol. De modo geral, as pessoas precisam identificar-se
como torcedoras para sentirem a vontade de ir assistir partidas
do seu time.

3. Definindo o que é sociedade


22
Perceba que dados os critérios que identificam um fato social,
resta agora o que é a sociedade na visão de Durkheim. Para
ele a sociedade é uma realidade sui generis, isto é, uma
realidade objetiva, própria e independente. A sociedade não é
redutível a indivíduos agindo, mas é o fenômeno que nasce da
coordenação das ações desses indivíduos. É assim que a
surge o elemento da consciência coletiva.

“A sociedade é o mais poderoso feixe de forças físicas e


morais cujo resultado a natureza nos oferece. Em nenhuma
parte, encontra-se tal riqueza de materiais diversos levado a tal
grau de concentração. Não é surpreendente, pois, que uma
vida mais alta se desprenda dela e que, reagindo sobre os
elementos dos quais resulta, eleve-os a uma forma superior de
existência e os transforme.”

De acordo com Durkheim, as sociedades elaboram formas de


consciência coletiva que exercem efeito causal sobre seus
indivíduos. É por meio do compartilhamento dessa consciência
que o indivíduo se torna membro da sociedade. Contudo, é
natural que nos perguntemos qual o mecanismo que transmite
essa consciência na prática cotidiana. Segundo Durkheim eis o
papel das instituições.

Instituições são criações materiais ou imateriais humanas


capazes de transmitir modos de agir, pensar e sentir. Elas
conectam seres humanos ao longo do tempo e do espaço e por
isso mesmo que elas são capazes de manter a coerência de
uma sociedade em termos de formas de consciência coletiva.
Alguns exemplos de instituições são encontrados em quase
todas as civilizações: a família, a religião, o estado.

A família tem diferentes formas de apresentar-se. Há famílias


que são nucleares, pois tem pais e filhos somente. Há outras
famílias em que se reconhece somente mães e tios. Há outras
ainda que mãe, pais e avós são reconhecidos como o núcleo.
O que é curioso aqui é que o conceito de família não é um
conceito biológico, pois na sociologia ele reflete a capacidade
de estabelecer laços de parentalidade.

Outra instituição importante para Durkheim é a religião. Para


ele, a religião é um sistema de crenças e práticas relativas a
coisas sagradas, isto é, coisas pertencentes a outra ordem e
proibidas. A religião é um modo de unificar moralmente uma
comunidade e de estabelecer uma ordem social.

“O sistema de concepções não é puramente imaginário e


alucinado, pois a força moral que essas coisas despertam em
nós é real – tão real quanto as ideias que as palavras
relembram em nós após terem servido para formar essas
ideias. [...] Dado que a força religiosa não é nada mais que a
força coletiva e anônima do clã, e dado que isso pode ser
23
representado na mente na forma de um totem, o totemismo é
como o corpo visível de Deus.” – Durkheim, E. As formas
elementares da vida religiosa.

4. As funções das instituições

Durkheim foi pouco a pouco tornando-se um pensador


funcionalista. Ao longo da sua obra ele vai percebendo que
fenômenos sociais existem enquanto cumprem um papel ou
uma função na existência daquela sociedade. As instituições
são um exemplo disso. Elas transmitem formas de consciência
coletiva porque são capazes de reunir pessoas. Essa reunião
de pessoas ocorre porque há solidariedade entre elas. Nesse
sentido, Durkheim percebe que há dois modos fundamentais
dessa reunião ocorrer: a primeira é a solidariedade mecânica e
a segunda é a orgânica.

A solidariedade mecânica é aquela que ocorre em função das


semelhanças entre indivíduos de um grupo. Ela nasce da
identidade e do compartilhamento de tarefas em um grupo. Ela
é comum em sociedade mais primitivas onde todos os homens
têm funções semelhantes. Já a solidariedade orgânica é
diferente. Ela é comum em sociedades mais complexas, pois é
um modo de solidariedade fundado na diferença e na
dependência mútua. A solidariedade orgânica permite pensar
em funções complementares, onde diferentes homens
cumprem papeis diferentes e por isso mesmo precisam uns
dos outros.

Perceba que as instituições podem variar sua forma de


solidariedade ao longo do tempo. A família patriarcal tem uma
solidariedade bastante orgânica, pois o homem cumpre papeis
muito diferentes da mulher. Nas sociedades patriarcais, os
homens trabalham fora do lar, envolvem-se em questões
públicas e tem uma liderança dentro de casa. Já nas novas
sociedades isso se perdeu. Podemos observar mulheres
desempenhando papeis semelhantes aos dos homens,
disputando espaço no mercado de trabalho, deixando os filhos
aos cuidados do companheiro, vivenciando situações sociais
semelhantes. Desse modo, podemos pensar que a família
passou de uma organização orgânica para uma mais
mecânica, pois ambos têm agora as mesmas atribuições nessa
instituição.

5. Anomia
24
Durkheim também se interessou por compreender situações
em que uma sociedade perdia a capacidade de transmitir suas
formas de consciência coletiva. Tais estados ocorriam quando
suas instituições entravam no que ele chamou de estado de
anomia.

A anomia é um estado de desregramento social. Nela as


pessoas perdem a conexão com o passado e deixam de ter
uma referência institucional. Esses estados ocorrem durante
guerras, epidemias ou crises econômicas.

É nesse sentido que Durkheim buscou mostrar que o suicídio


pode ser um fenômeno social. Em sociedades onde as
instituições deixam de cumprir sua função social, as pessoas
podem vir a cometer suicídio diante da falta de caminhos e
amparo que a sociedade possa fornecer.

Para Durkheim há quatro tipos de suicídios com causas


sociais. O primeiro tipo é o suicídio egoísta, geralmente
causado pela falta de integração social. Há o suicídio altruísta,
onde a pessoa que tira a própria vida o faz na busca de cumprir
com alguma obrigação com o grupo. Há também o suicídio
anômico que já falamos, onde o indivíduo não encontra
regulação social suficiente para épocas de crise social. E há,
por fim, o suicídio fatalista, em que indivíduos são colocados
baixo regras muito estritas ou expectativas muito altas.

25
4. Max Weber
1. Contexto

Max Weber (1864 – 1920) é o último sociólogo da tríade que


compõe a sociologia clássica. Seus estudos variaram entre a
sociologia da religião, a ciência política e a sociologia da
cultura. Ele deu aula em quatro grandes universidades alemãs,
ajudou nas negociações do Tratado de Versalhes, após a
primeira guerra, e ajudou a redigir a constituição da república
de Weimar.

2. A Sociologia Compreensiva

26
Sua obra junto com Alfred Schutz inaugura o que ficou
conhecido como sociologia compreensiva. Weber e Schutz
eram críticos do modelo de Durkheim que buscava nas
ciências da natureza a inspiração para compreender as
dinâmicas sociais. Ademais, não acreditavam que leis
sociológicas devessem ser buscadas, pois elas não eram a
forma correta de compreender fenômenos sociais. Schutz
chama a atenção para o fato de que as ciências sociais têm
uma natureza única – nela a importância da descoberta afeta a
vida do cientista e do próprio objeto de estudo.

“O mundo da natureza, segundo é explorado pelo cientista


natural, nada “significa” para as moléculas, átomos e elétrons
aí existentes. O campo de observação do cientista social, no
entanto, ou mais precisamente a realidade social, tem um
significado específico e uma estrutura de relevâncias para os
seres humanos que vivem, agem e pensam dentro dele.
Através de uma série de construções do senso comum, eles
previamente selecionaram e interpretaram esse mundo que
vivenciam como a realidade de suas vidas diárias. São esses
seus objetos de pensamento que determinam seu
comportamento, motivando-o.” – Schutz, A. Da Unidade das
Ciências.

Assim, a sociologia deveria proceder de outro modo. Ela deve


focar-se na ação humana. As ações humanas são as unidades
básicas de sentido, pois sempre é possível buscar
compreender a finalidade de uma ação desde que ela seja
voluntária. Acontece que em um nível individual é possível
compreender o sentido de nossas ações, mas quando falamos
de uma coletividade? É necessário um método que permita
buscar a compreensão do sentido coletivo das ações humanas.

“O fato de que, no pensamento do senso comum, tomamos


como pressuposto o nosso conhecimento real ou potencial do
significado das ações humanas e de seus produtos é, assim
penso eu, precisamente o que os cientistas querem expressar
quando falam de compreensão ou Verstehen como uma
técnica para lidar com as coisas humanas. Verstehen é, pois,
primeiramente, não um método usado pelo cientista social, mas
a forma particular de experiência através da qual o pensamento
do senso comum toma conhecimento do mundo social e
cultural.”

É aqui que o método quantitativo servirá ao sociólogo.


Segundo Weber, o sociólogo parte da realidade social para
compreender como ela foi construída por indivíduos em suas
ações concretas. Por exemplo, se avaliamos uma série de
estudantes que são extremamente dedicados competirem por
uma vaga na universidade, então perceberemos que a
dificuldade de conquistar a vaga se dá pela medida exata do
esforço que eles fazem. Ou seja, uma vaga em uma
27
universidade não tem uma dificuldade prefixada. A dificuldade
surge como efeito das ações individuais dos candidatos e o
perfil de grupo social que eles compõem nasce a partir dessa
característica. Analogamente, Weber deseja compreender
fenômenos sociais por meio do entendimento de movimentos
sociais dotados de sentido coletivo. Compreender o significado
das ações é o objetivo do método compreensivo de Weber.

3. Os Tipos Ideais

Uma consequência que Weber se permite tirar da busca pela


compreensão do sentido das ações é a formação de tipos
ideais. Esse conceito nasce do fato de que as ações de um
determinado grupo, quando tem um sentido comum, faz com
que esse grupo em alguma medida compartilhe trações mais
ou menos homogêneos de caráter, conjunto de valores etc.

“No que se refere à investigação, o conceito do tipo ideal


propõe-se a formar o juízo de atribuição. Não é uma “hipótese”,
mas pretende apontar o caminho para a formação de
hipóteses. Embora não constitua uma exposição da realidade,
pretende conferir a ela meios expressivos unívocos. É,
portanto, a “ideia” da organização moderna e historicamente
dada da sociedade numa economia de mercado, ideia essa
que evolui de acordo com os mesmos princípios lógicos que
serviram, por exemplo, para formar a da “economia urbana” da
Idade Média à maneira de um conceito “genético”. “Não é pelo
estabelecimento de uma média dos princípios econômicos que
realmente existiram em todas as cidades examinadas, mas
igualmente pela construção de um tipo ideal que se forma o
conceito de “economia urbana”.

Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de


um ou vários pontos de vista e mediante o encadeamento de
grande quantidade de fenômenos isoladamente dados, difusos
e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou
mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo os
pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar
um quadro homogêneo de pensamento.”

Esses tipos ideais são importantes ferramentas sociológicas,


pois permitem compreender um grupo social em termos de
visão de mundo, finalidade e dinâmica interna. Tanto é assim
que Weber viu a possibilidade de tipificar tipos de ação a partir
dos casos estudados por ele em sua obra mestra A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo.

4. Os tipos de ação e de dominação

Weber irá perceber que as ações sociais podem ser


categorizadas em três tipos. As ações podem ser de estilo
racional, tradicional ou afetivo. Estas formas de ação, por sua
28
vez, darão origem a três formas de dominação. Weber
acreditava que na medida que ações sociais formatavam
grupos culturais diversos, era natural que as formas de poder
imitassem essas formas de ação. Assim, as formas de
dominação são as legais, as tradicionais e as carismáticas.

As ações racionais se caracterizam por buscarem uma


finalidade a partir da maximização da utilidade. Elas podem
buscar os meios mais eficazes para realizam um fim ou podem
ater-se a um valor e buscar os meios coerentes para manter-se
fiel a esse valor. Em qualquer um dos casos ela sempre se
baseia no cálculo e na capacidade preditiva.

“Dominação legal em virtude do estatuto. Seu tipo mais puro é


a dominação burocrática. Sua ideia básica é: qualquer direito
pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado
corretamente quanto à forma. A associação dominante é eleita
ou nomeada, e ela própria e todas as suas partes são
empresas. Designa-se como “serviço” uma empresa, ou parte
dela, heterônoma e heterocéfala [isto é, cujos regulamentos e
órgãos executivos não são definidos apenas internamente a ela
mas pela sua participação em formas de associação mais
amplas, portanto não autônoma nem autocéfala]. O quadro
administrativo consiste em funcionários nomeados pelo senhor,
e os subordinados são membros da associação (“cidadãos”,
“camaradas”). [...] Obedece-se não à pessoa em virtude de seu
próprio direito, mas à regra estatuída, que estabelece ao
mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer.” –
Weber, M. Os Três tipos de dominação legítima.

As ações tradicionais são essencialmente imitativas. Elas


geralmente não contêm um componente reflexivo e buscam
manter uma certa visão de mundo intacta, mesmo que essa
forma de ação seja pouco eficaz.

“Dominação tradicional em virtude da crença na santidade das


ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes.
Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal. A associação
dominante é de caráter comunitário. O tipo daquele que ordena
é o “senhor”, e os que obedecem são “súditos”, enquanto o
quadro administrativo é formado por “servidores”. Obedece-se
à pessoa em virtude de sua dignidade própria, santificada pela
tradição: por fidelidade. ” – Weber, M. Os Três tipos de
dominação legítima.

29
Por fim, temos as ações afetivas. Estas têm um grau de
irracionalidade e tendem a ter como motor afetos, paixões ou
emoções na sua raiz. Elas são encontradas em alto grau de
subjetividade e tendem a não calcular consequências.

“Dominação carismática em virtude de devoção afetiva à


pessoa do senhor e a seus dotes por graça (carisma) e,
particularmente: a faculdades mágicas, revelações ou
heroísmo, poder intelectual ou de oratória. O sempre novo, o
extra-cotidiano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que
provocam constituem aqui a força de devoção pessoal. Seus
tipos mais puros são a dominação do profeta, do herói
guerreiro e do grande demagogo. A associação dominante é de
caráter comunitário, na comunidade ou no séquito. O tipo que
manda é o líder. O tipo que obedece é o “apóstolo”. Obedece-
se exclusivamente à pessoa do líder por suas qualidades
excepcionais e não em virtude de sua posição estatuída ou de
sua dignidade tradicional; e, portanto, também somente
enquanto essas qualidades lhe são atribuídas, ou seja,
enquanto seu carisma subsiste. Por outro lado, quando é
“abandonado” pelo seu deus ou quando decaem a sua força
heroica ou a fé dos que creem em suas qualidades de líder,
então seu domínio também se torna caduco.” – Weber, M. Os
Três tipos de dominação legítima.

5. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo

O livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é o livro


mais influente na história da sociologia. A obra busca uma
compreensão acerca do surgimento do capitalismo que foge da
visão marxista predominante. Segundo Weber, o capitalismo é
o produto de uma mudança cultural e não da queda do sistema
feudal de produção. De acordo com o método interpretativo, foi
a reforma protestante o motor da modificação que levou à
formação do capitalismo nos países do norte europeu.

Ele inicia seu livro com uma observação estatística.

“Basta uma vista de olhos pelas estatísticas ocupacionais de


um país pluriconfessional para constatar a notável frequência
de um fenômeno por diversas vezes vivamente discutido na
imprensa e na literatura católicas bem como nos congressos
católicos da Alemanha: o caráter predominantemente
protestante dos proprietários do capital e empresários, assim
como das camadas superiores da mão de obra qualificada,
notadamente do pessoal de mais alta quali- ficação técnica ou
comercial das empresas modernas.”– Weber, M. A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo

30
Segundo o autor, isso teria se dado porque a Reforma
Protestante instaurou uma série de desafios na mentalidade
dos novos cristãos. Em primeiro lugar, a recusa à tese de que
por meio de ações seria possível “conquistar” seu lugar ao céu.
Dado que Martinho Lutera criticava a venda de indulgências,
não havia nada, nenhum esforço terreno que seria suficiente
para conquistar a salvação da alma.

Em segundo lugar, Deus já saberia, em sua eterna sabedoria,


quais as almas que iriam acompanhá-lo no céu. Por isso
mesmo, o calvinismo cunhou a teoria da predestinação – isto é,
a ideia de que as almas que deus almeja salvar estarão
sempre já salvas ou já danadas. Contudo, diante desse
cenário, os fieis desejavam ao menos obter algum sinal em
vida sobre a sua predestinação. Foi assim que nasceu a teoria
dos sinais e da vocação.

A teoria da vocação é a crença de que Deus dá aos seus


salvos um dom que deve ser exercido. A vocação encontrada é
um sinal de graça e deve ser exercitado a ponto de ser
possível descobrir sinais da salvação. Uma pessoa que
trabalha de modo dedicado e racional encontrará no trabalho
os sinais de que foi salva e poderá confirmar se sua alma se
encontra entre os predestinados.

O mundo que nasce a partir da reforma protestante é cada vez


mais um mundo dominado pelo trabalho como forma de
construção da identidade. O esforço, a racionalidade, a
dedicação e o ascetismo tornam-se características dos cristãos
protestantes da Alemanha, enquanto um mundo com traços
medievais e presos às tradições torna-se cada vez mais
esquecido. O mundo torna-se estranho para os parâmetros
católicos.

31
Se quisermos chamar de “estranhamento do mundo” essa
seriedade e o forte predomínio de interesses religiosos na
conduta de vida, os calvinistas franceses foram então, e são,
pelo menos tão estranhos ao mundo quanto, por exemplo, os
católicos do norte da Alemanha, para os quais seu catolicismo
é indubitavelmente um sentimento tão fundo do coração como
para nenhum outro povo na face da terra. E ambos se afastam,
na mesma direção, do partido religioso dominante: dos
católicos da França, tão contentes da vida em suas camadas
inferiores e franca- mente hostis à religião das camadas
superiores, e dos protestantes da Alemanha, hoje absorvidos
na vida mundana dos negócios [...] – Weber, M. A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo

O desencantamento com o mundo é uma situação na qual a


premissa de que o homem poderia dominar toda a natureza
pelo cálculo não necessariamente se reflete em melhoria das
condições de vida.

Diante disso, um tipo ideal surge. Eis o tipo-ideal capitalista


alemão: um homem humilde que não toma a sua riqueza como
algo seu, mas como mera prova da eleição divina.

“O tipo ideal do empresário capitalista tal como representado


entre nós alemães haja vista alguns exemplos eminentes, não
tem nenhum parentesco com esses ricaços de aparência mais
óbvia ou refinada, tanto faz. Ele se esquiva à ostentação e a
despesa inútil, bem como ao gozo consciente do seu poder, e
sente-se antes incomodado com os sinais externos da
deferência social de que desfruta. [...] De sua riqueza “nada
tem” para si mesmo, a não ser a irracional sensação de
“cumprimento do dever” – Weber, M. A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo

32
33

Você também pode gostar