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Puericultura

INTEGRAÇÃO PRÁTICA IV (Tatiana Kaestner)

INTRODUÇÃO À ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE


http://www.ppge.ufpr.br/teses/M10_Ricardo%20Carlini.pdf
➢ Há apenas dois modelos referenciais de saúde, o modelo flexneriano e o modelo
dawsoniano.
➢ O modelo predominante na formação médica em nosso país foi e é fortemente influenciado por
um modelo chamado Flexneriano, o qual teve origem no início do século, 1910, como resultado
da avaliação do ensino médico (currículos/concepções) nos Estados Unidos e Canadá, através
de um educador americano chamado Abraham Flexner. Pela proposta de Flexner, os cursos
teriam a duração de quatro anos, sendo os dois primeiros (ciclo básico) realizados em
laboratórios e o restante (ciclo clínico), realizado em hospital, considerado local de excelência
para o estudo das doenças, pois como ele dizia: “O estudo da medicina deve ser centrado na
doença de forma individual e concreta”. Deste modo, os hospitais transformaram-se no principal
local para o conhecimento médico, advindo daí o termo ensino hospitalocêntrico. Nos anos
seguintes com o desenvolvimento da fisiologia, da anatomia e da patologia, aprofunda-se o
paradigma, sendo eleito o determinante biológico individual e curativo central na abordagem
do processo saúde-doença. Este educador produziu um documento conhecido como Relatório
Flexner, cujos princípios e parâmetros, nortearam o pensamento médico até os dias de hoje, em
praticamente todo o mundo. A concepção deste documento, embasada no filósofo francês
René Descartes, compreendia o corpo humano como uma máquina, um grande engenho ou
um relógio, cujas partes se encaixariam de forma ordenada. Nesta lógica, a doença seria
interpretada como uma avaria – que poderia ser temporária ou definitiva – de um determinado
componente e o tratamento – ou seja, a cura seria o conserto da máquina. Esta visão,
mecanicista, biologista, reducionista, trouxe grande influência tanto no ensino médico quanto
na organização dos serviços de saúde. Tal perspectiva, centrada em partes do corpo humano
fragmentou o conhecimento, desencadeando o surgimento de várias especialidades médicas.
➢ O modelo Dawson, cujo nome deriva do ministro Bertrand Dawson, da Inglaterra, surge em um
contexto (1920) pós primeira guerra mundial buscando dar uma resposta às necessidades sociais
da população, entre elas a saúde, através de uma nova organização de serviços de saúde,
integrando a chamada medicina preventiva e a medicina curativa. Na busca de um cuidado
integral, sinaliza dar suporte para cuidados domiciliares, que estariam interligados a centros de
atenção primária, os quais teriam o suporte de laboratórios e exames radiológicos. As situações
mais complexas seriam referendadas a centros secundários de atenção, que estariam ligados a
hospitais, preferencialmente, hospitais de ensino. Desta forma o nível primário de atenção, seria
uma porta de entrada para o sistema, empregando o médico generalista, o qual já trabalhava
como autônomo e/ou contratado pelo seguro social na região. Portanto a proposta de Dawson
contava com os médicos e os hospitais na construção deste sistema. Como os centros de saúde
estariam distribuídos por várias regiões, vilas, lugarejos, discutiam-se formas de transporte, quando
houvesse necessidade de outros níveis de atenção, buscando garantir o acesso, o que
caracterizava um pensamento intersetorial na abordagem da saúde. Do mesmo modo estava
previsto para compor a equipe o “visitador sanitário”, antecipando o que seria hoje o agente
comunitário de saúde. Para o encaminhamento aos especialistas, haveria uma uniformização
das histórias clínicas, o que aponta para o que hoje chamamos de prontuário médico, ou seja,
quando o paciente fosse encaminhado para outro nível de atendimento, ele levaria uma cópia
de sua história clínica com seus dados. Quando o paciente fosse encaminhado ao nível

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secundário e pela complexidade ao nível hospitalar, estaria sendo contemplada a integração
do cuidado, do domicílio ao hospital. Ou seja, a ideia é a de que os profissionais estivessem
integrados ao sistema, não havendo um antagonismo entre atenção primária e hospital, a
hierarquização dizia respeito apenas à complexidade, mas a valorização do trabalho seria a
mesma, portanto a diferenciação seria a infraestrutura de cuidado e não a competência
profissional; ou seja, o nível primário de atenção e o hospitalar eram compreendidos como
indissociáveis no sistema, atendendo as mesmas pessoas, conforme as suas necessidades,
atuando de forma complementar. Pelos dados expostos, o relatório Dawson é considerado um
dos primeiros documentos que associa políticas públicas com a criação de sistemas nacionais
de saúde, cujas diretrizes podem ser percebidas em particular, na criação de nosso sistema de
saúde, uma vez que um funcionamento em rede, tendo como base a regionalização dos
serviços, com hierarquização em função da complexidade e integração da medicina preventiva
com a curativa, estão previstos na construção do sistema único de saúde. Certamente uma
proposta com esta dimensão controversa, acabaria tocando em interesses particulares, como
os hospitais filantrópicos, que deixariam de ser autônomos, quando integrados ao sistema, bem
como os custos na construção e manutenção da infraestrutura necessária em várias regiões do
país. Estes foram entraves, que naquele momento, frustraram a instalação das propostas de
Dawson.

A VISITA DA 1ª SEMANA DE VIDA (até 10 dias)


➢ Recém-nascido de risco: até o 3º dia de vida (para crianças sem risco, devem, até no máximo
10 dias, serem vistas por um médico de família na Unidade de Saúde)
➢ Binômio mãe-criança: dúvidas, identificação das inseguranças familiares, etc.
➢ Avaliação da saúde da mãe e da criança: olhar a carteirinha (verificar antropometria de maneira
geral, como peso ao nascimento, peso na alta a peso hoje [o peso é o principal indicativo de
como a criança está evoluindo], perímetro cefálico [principalmente nas consultas subsequentes
– lembrando que consideramos puericultura na APS até o 2º ano], e altura. Além disso, na
carteirinha, olhar o Apgar (< 5 ou < 7 no 5º minuto a criança é considerada de risco, o que implica
em um acompanhamento multidisciplinar simultâneo com a Unidade de Saúde), o teste do
pezinho (feito com 48h de vida), prematuridade. Observar, ainda, se há relato de doenças
congênitas e doenças de transmissão vertical.
- No exame físico: reflexos, sinais vitais, ectoscopia toda, normalmente no sentido cefalocaudal
(fontanelas, palato, implantação de orelha, estrabismo [teste do olhinho – refazer na Unidade de
Saúde], icterícia, clavícula, pulsos + ausculta [excluir possível malformação cardíaca,
coarctação de aorta, etc.], verificação de coto umbilical, Barlow e Ortolani [verificar se tem
displasia congênita de quadril], etc.).
https://saude.curitiba.pr.gov.br/images/programas/arquivos/centro_educacao/saude_da_crianca/cartilha_001.pdf
➢ FUNDAMENTAL: amamentação e vacinas (na maternidade a criança toma a de hepatite B.
Dependo do peso, quando na Unidade de Saúde, ela já toma a BGC)
➢ Orientações e proposta de cuidado

A consulta de puericultura serve, resumidamente, para avaliar a carteirinha, conversar


com a mãe, e fazer algumas medidas e análises de exame físico para verificar se é
preciso intervir ou até encaminhar para um próximo nível de atenção!

ROTINA DE PUERICULTURA
➢ Como dito, devemos fazer a verificação da carteirinha:
- Idade gestacional ao nascer e Apgar

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- Peso ao nascer e peso da alta
* Anotações do pediatra
* Testes de triagem
- Gráficos
- Vacinação
➢ E quais são os testes de triagem?
1. Teste do pezinho (Portaria nº 822/2001)
- Deve ser feito de 3 a 7 dias após o nascimento, segundo o Ministério da Saúde
- Fase I: hipotireoidismo congênito e fenilcetonúria
- Fase II: hemoglobinopatias
- Fase III: fibrose cística
- Fase IV: deficiência de biotinidase e hiperplasia adrenal congênita
- Toxoplasmose (se utiliza a mesma amostra para avaliação de toxoplasmose, mas não faz
parte do teste do pezinho)

2. Teste da orelhinha (Lei Federal nº 12.303/2010)


- Emissões otoacústicas evocadas
- Potencial evocado auditivo de tronco encefálico
- Pode ser feito com a criança dormindo
- Se for inconclusivo, deve ser repetido, na maternidade
(nesse 1º mês de vida, podemos encaminhar para a
maternidade para ter um auxílio do pediatra)

3. Teste do coraçãozinho (Lei Federal nº 20/2014)


- Entre 24 a 48h de vida, antes da alta hospitalar
- Triagem para ver se necessita de um ecocardiograma

4. Teste da linguinha
- Para ter se é necessário corte do frênulo

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5. Teste do olhinho
- Reflexo de olho vermelho (busca de retinoblastoma e catarata
congênita), feito com uma lanterna/ oftalmoscópio
- É recomendado fazer ao nascimento, em 6 semanas e em toda
consulta de rotina
- Após 1 ano, iniciamos a avaliação do “Cover test” (teste da oclusão, para ver estrabismo, e
avaliar a necessidade de encaminhar para o oftalmologista, caso haja suspeita de
estrabismo persistente)
* 12 meses: cover test e reflexo vermelho
* 15 meses: cover test
* 18 meses: cover test e reflexo vermelho
* 2 anos: cover test
* 3-4 anos: acuidade visual

6. Teste para displasia congênita de quadril


- Barlow e Ortolani

Todos esses testes são feitos na maternidade, mas são (re)avaliados pelo médico da APS!

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➢ Exame físico: primeira avaliação deve ser COMPLETA!
- Antropometria
* Estatura: decúbito dorsal e longitudinal
→ Recém-nascido tem em média 50 cm
→ 15 cm no 1º semestre
→ 10 cm no 2º semestre
→ Ao final do 1º ano cresceu 50% da estatura do nascimento
→ Até os 4 anos, próximo de 1m

* Peso: sempre sem fralda


→ Entre 10 a 14 dias recupera o peso do nascimento (perde devido ao desgaste fisiológico
do parto)
→ 1º trimestre – 700 a 1000 gramas/mês (25-30 g/dia)
→ 2º trimestre – 500 a 600 gramas/mês (20-25 g/dia)
→ Dobra o peso do nascimento entre 4-5 meses
→ 3º trimestre – 500 gramas/mês (15 g/dia)
→ Triplica o peso do nascimento com 1 ano
► Exemplo: uma criança nasceu com 3kg e foi de alta com 2,9kg. Ela vem consultar pela primeira
vez com 3kg novamente. 1 mês depois ela está pesando 3,3kg. Está bom? NÃO! Ela aumentou
apenas 300g em 30 dias, ou seja, 10 g/dia, o que é pouco.

* Perímetro cefálico (PC): lembre-se que as fontanelas posteriores fecham depois de 2 meses,
e as anteriores em 1-2 anos
→ Recém-nascido tem em média 35 cm
→ 1º trimestre: 6 cm
→ 2º trimestre: 3 cm
→ 3º trimestre: 3 cm
→ TOTAL: 1/3 do PC do nascimento

Após 1 ano do nascimento, espera-se que a criança triplique seu peso,


/
cresça 50% e tenha 1/3 do perímetro cefálico do nascimento!

- Reflexos: o bebê nasce hiperreflexivo, e isso é normal. Com o tempo, os reflexos passam a ser
voluntários (cerca de 2-4 meses para a criança perder).

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- Além disso, é importante avaliar o desenvolvimento psicomotor (quando começa a olhar no
olho, quando começa sorrir, quando sustenta a cabeça, quando senta, quanto engatinha,
quando fala, etc.), e fazer uma orientação antecipatória aos pais (por exemplo, até o 1º ano de
vida, a criança deve dormir no berço, em posição supina, e o berço deve estar no quarto dos
pais; além de como cuidar de urina e fezes, os cuidados com o cordão umbilical, pele e genital,
sinais de doença [icterícia, febre, cianose, dificuldade de respiração], orientações de segurança,
etc.)

PROBLEMAS MAIS COMUNS DO RECÉM-NASCIDO


➢ O profissional da APS deve ter condições de reconhecer sinais e sintomas de doença grave,
especialmente em lactentes menores.
➢ MONILÍASE ORAL:
- Candida albicans
- Placas esbranquiçadas circundadas por halo vermelho
- Transmissão pela passagem no canal de parto, mãos
contaminadas, mamadeiras, protetores de mama e
chupetas
- Tratamento: Nistatina ou Miconazol gel oral

➢ MILIARIA/BROTOEJA:
- Todo recém-nascido apresenta descamação furfurácea, que em
geral inicia no 10º dia de vida e dura cerca de 2 semanas
- Retenção do suor nas glândulas sudoríparas
* Cristalina: superficial, microvesículas, sem inflamação
* Rubra: profunda, pápulas avermelhadas, com inflamação
- Face, pescoço e tórax superior
- Tratamento: orientação domiciliar sobre a quantidade de roupa que
a criança usará

➢ DERMATITE DE FRALDAS/ASSADURA:
- Bem na área de contatos (fricção)
- Irritativa; comum a infecção secundária por Candida
- As pregas são poupadas
- Tratamento: pomada com óxido de zinco (Pasta de Lassar),
diminuição do uso de fraldas, medidas de higiene

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➢ CANDIDA:
- Lesões satélites
- Pega as dobras
- Tratamento: Nistatina (Fluconazol NÃO pode ser usado em criança e nem em
grávidas)

➢ HÉRNIA INGUINAL:
- Indireta: mais comum na infância
- Meninos
- Lado direito
- Cirurgia o mais cedo possível (principalmente se estiver encarcerada)

➢ HÉRNIA UMBILICAL:
- Frequente nos primeiros meses de vida
- Assintomática
- Acompanha-se por no mínimo 2 anos

➢ CRIPTORQUIDIA:
- Ausência de testículos no escroto
- Recém-nascidos a termo → descida em até 3 meses
- Não havendo descida → cirurgião pediátrico
- Cirurgia dos 6 meses até os 2 anos

➢ FIMOSE:
- Impossibilidade de retirar o prepúcio
- Comum
- Crianças menores de 2 anos NÃO necessitam de tratamento
- 90% dos casos se resolverão até os 4 anos
- Tratamento (preferência dos pais):
* Corticoide tópico, 2 vezes ao dia, 20-30 dias (sucesso em mais de 90%)
* Cirurgia: postoplastia

➢ SUPLEMENTAÇÃO (vitamina A e D):


- Vitamina A
* Áreas endêmicas
* 6 a 59 meses (via oral a cada 6 meses)
- Vitamina D
* Exposição a luz solar e suplementação em crianças de risco
* 0 a 12 meses – 400 UI/dia
→ 400 UI/dia a partir da 1ª semana de vida até os 12 meses
→ 600 UI/dia dos 12 aos 24 meses
* Em Curitiba, prescrevemos o Ad-Til (vitamina A e D em gotas). Utilizamos 2 gotas/dia a partir
do nascimento até 1 ano, e depois até fazer 2 anos

➢ SUPLEMENTAÇÃO (ferro):
- A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda 1mg de ferro elementar/kg/dia dos 3 aos 24
meses de idade, em aleitamento materno exclusivo ou parcial, ou com menos de 500ml de
fórmula.
- Do 30º dia até os 12 meses:
* Recém-nascido a termo com baixo peso (< 2500g) → 2mg/kg/dia
* Prematuros com peso 2500g até 1500g → 2mg/kg/dia

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* Prematuros com peso entre 1500g e 1000g → 3mg/kg/dia
* Prematuros com menos de 1000g → 4mg/kg/dia
- Após o 1º ano de vida, a suplementação em todos os casos reduz-se para a dose de
1mg/kg/dia por mais 12 meses!

TAKE HOME POINTS


➢ Dados do nascimento
➢ Antropometria
➢ Alimentação, suplementos
➢ Vacinação
➢ Desenvolvimento psicomotor
➢ Encaminhamentos, se necessário
➢ Safekids
➢ Orientação antecipatória!

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