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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS APLICADAS A


PRODUTOS PARA SAÚDE

LETÍCIA FIGUEIRA DE CASTRO

MONITORAMENTO DO ARMAZENAMENTO E DESCARTE DE


MEDICAMENTOS DOMICILIARES EM NITERÓI-RJ

Niterói (RJ)
2022
LETÍCIA FIGUEIRA DE CASTRO

MONITORAMENTO DO ARMAZENAMENTO E DESCARTE DE MEDICAMENTOS


DOMICILIARES EM NITERÓI-RJ

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Ciências
Aplicadas A Produtos Para Saúde, pela
Universidade Federal Fluminense, Faculdade de
Farmácia (como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre).

Orientador: Prof. Dr. Elaine Silva Miranda

Niterói (RJ)
2022
1 INTRODUÇÃO
Os medicamentos são produtos elaborados com a finalidade de contribuir
diretamente para a melhora da qualidade e expectativa de vida de seus usuários. Como
tais, constituem instrumentos essenciais para o estabelecimento da saúde, atuando na
diminuição do sofrimento e do processo de adoecimento (PONTES JÚNIOR et al.,
2008).
Devido às deficiências nos serviços públicos de saúde e demora no atendimento
em contraposição à facilidade de aquisição de medicamentos em farmácias e drogarias
sem necessidade de prescrição (AQUINO, 2008), à representação simbólica da “saúde”
pelo medicamento e ao incentivo da publicidade na mídia, o uso de medicamentos
tornou-se rotineiro em muitos domicílios, contribuindo para a formação das chamadas
“farmácias caseiras” (SCHENKEL; FERNÁNDES; MENGUE, 2005).
São diversos os motivos que levam a população a guardar medicamentos em
domicílio, sendo os mais relevantes: a expectativa de utilização do medicamento no
futuro, alteração no tratamento ou mudança na dosagem, sobra de tratamentos
anteriores, óbito do paciente, falta de adesão ou abandono do tratamento, excesso de
oferta e prescrição excessiva, recebimento de amostras grátis e possibilidade de doação
para outras pessoas (CONSTANTINO, 2020).
Quando armazenados de forma incorreta, em locais quentes e úmidos ou em
ambientes com incidência direta da luz, podem ocorrer alterações na composição dos
medicamentos (química, física, microbiológica), com a diminuição da efetividade
terapêutica ou elevação do risco de efeitos tóxicos de acordo com o tipo de degradação
sofrida (PIVETA et al, 2015).
Além disso, como consequência da sobra de medicamentos, por vezes ocorre o
descarte de forma inadequada. Os medicamentos não devem ter a mesma destinação
final de resíduos comuns (lixo domiciliar) (VAZ; FREITAS; CIRQUEIRA, 2011). Tais
resíduos são classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) –
Resolução da Diretoria Colegiada RDC N° 306 de 2004 e pelo CONAMA – Resolução
N° 358 de 2005, como resíduos químicos de classe B, compreendidos por substâncias
químicas que podem apresentar riscos à saúde pública ou ao meio ambiente (BRASIL,
2004; BRASIL, 2005). Apesar de serem classificados como Resíduos de Serviço de
Saúde, os resíduos de medicamento geralmente são descartados juntamente com os
Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) gerados nos domicílios (VARGAS, 2014).
O destino final dos resíduos de origem farmacêutica direcionada aos
estabelecimentos de saúde está fundamentado nas resoluções da ANVISA e da
CONAMA, no entanto, só recentemente, através do DECRETO Nº 10.388, DE 5 DE
JUNHO DE 2020, foi determinada a instituição, nos municípios, de sistemas de
logística reversa dos medicamentos domiciliares vencidos ou em desuso, de uso
humano, industrializados e manipulados, e de suas embalagens após o descarte pelos
consumidores (BRASIL, 2020).
A logística reversa pode ser definida como um processo de retorno de resíduos
do seu ponto de consumo até o seu ponto de origem (FERNANDES, 2011). O decreto
Nº 10.388 de 2020 já está em vigor, contudo, ainda não foi regulamentado no município
de Niterói-RJ.
O presente estudo aborda o período em que o medicamento está em domicilio,
sendo administrado pela população, desde a aquisição até o seu descarte. O objetivo é
melhorar esse processo, diminuindo o desperdício e contribuindo para o descarte
racional, de mínimo impacto para o meio ambiente. Para isso, o trabalho será realizado
em três etapas: (i) Análise das características de armazenamento e descarte dos
medicamentos nos domicílios em Niterói-RJ; (ii) Elaboração do modelo de logística
reversa direcionada a prefeitura de Niterói para orientar a gestão a estruturar o descarte
de medicamentos em nível domiciliar (iii) Confecção de materiais informativos sobre as
práticas adequadas de armazenamento e descarte dos medicamentos voltado para a
população de Niterói.
Destaca-se que o projeto pretende gerar três produtos técnicos e um artigo, todos
pautados na perspectiva de promover soluções para os problemas relacionados ao uso
dos produtos para a saúde humana, neste caso, medicamentos.
2 JUSTIFICATIVA
A falta de informação sobre as condições adequadas de armazenamento dos
medicamentos pode prejudicar a sua efetividade e segurança, podendo gerar graves
problemas de saúde, tais como a ingestão de medicamentos por crianças e o risco de
intoxicação devido ao vencimento ou degradação. O objetivo do armazenamento
adequado é garantir que o paciente se beneficie da ação terapêutica desejada,
minimizando também a ocorrência de reações adversas (BALDONI, 2015).
Além das questões relacionadas ao armazenamento, os resíduos sólidos de
origem farmacêutica são de interesse para a saúde pública. Aproximadamente 20% dos
medicamentos utilizados pela população brasileira são descartados em lixo doméstico
ou lançados na rede de esgoto (FALQUETO et al., 2013).
Tendo em vista o desafio que essas questões representam, é necessário incluir
ações do Poder Público que orientem o recolhimento dos resíduos farmacêuticos
domiciliares de forma estruturada, através da logística reversa, evitando que sejam
descartados inadequadamente. Entendemos que o modelo de logística reversa, destinado
ao Poder Público, e o material informativo, destinado à educação da população em
geral, são complementares e indissociáveis para o objetivo de melhorar as práticas de
armazenamento e descarte de medicamentos, para, com isso, minimizar impactos à
saúde e ao meio ambiente decorrentes do descarte excessivo e inadequado de resíduos
farmacêuticos.
3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 Armazenamento domiciliar de medicamentos


A farmácia caseira ou estoque domiciliar é compreendido como a guarda de
medicamentos fora de uso, seja decorrente de sobras de tratamentos anteriores,
prescritos para tratamento de doenças crônicas ou agudas, e por medicamentos
comumente utilizados em automedicação (SCHNEIDER; SCHULTE, 2013).
Os medicamentos do estoque domiciliar podem ser adquiridos com prescrição
médica, por conta própria e também por indicação de terceiros. Dentre as condições que
favorecem a compra sobreabundante cabe destacar as campanhas publicitárias que
apontam resultados terapêuticos excessivamente favoráveis e criam expectativas na
população perante a proposta de cura e alívio (IOB, 2013). Destaca-se também a
distribuição de amostras grátis fornecidas pelos laboratórios farmacêuticos
(CONSTANTINO, 2020).
A venda de medicamentos em quantidade superior ao especificado pela
prescrição médica é também um indutor para o estoque de medicamentos nos
domicílios. Outros fatores determinantes são os erros de prescrição e dispensação ou
mudanças sucessivas dos tratamentos, que obrigam o paciente a adquirir medicamentos
em excesso e sentir necessidade de guardá-los, com o propósito de conseguir aproveitar
no futuro ou doar a outras pessoas, evitando prejuízo financeiro (CONSTANTINO,
2020).
A ANVISA orienta a não armazenar sobras de medicamentos em casa. Contudo,
por vezes, pode ser necessário ter em casa alguns medicamentos para uso emergencial
(ANVISA, 2010).
Apesar de não haver nenhum consenso que determine quais medicamentos
devem fazer parte da farmácia caseira para as situações de emergência, as
recomendações apontam os analgésicos, antiácidos, antissépticos, anti-histamínicos,
pomadas e materiais para primeiros socorros (álcool 70%, algodão, gaze, esparadrapos),
em quantidade mínima, a fim de evitar sobras e facilitar o seu manejo. Nesse caso, tem-
se a necessidade de frequente avaliação do estoque, a fim de se desfazer dos
medicamentos vencidos ou inadequados ao uso (mudanças na cor ou na consistência,
por exemplo). Dessa maneira, as sobras de medicamentos poderiam ser reduzidas ao
mínimo aceitável (MILANEZ, 2013).

Medicamentos que são acondicionados fora de suas embalagens secundárias,


também constituem um potencial de risco à saúde, uma vez que a falta de informações
pode levar ao mau uso, trocas, confusão com relação à indicação, e, em casos de
problemas de desvio de qualidade e segurança, como reações adversas ou ineficácia
terapêutica, a rastreabilidade do produto pode estar comprometida, uma vez que a
identificação do seu lote e fabricante se tornará dificultosa ou até mesmo impossível
(LIMA; NUNES; BARROS, 2010; MASTROIANNI et al., 2011).
Portanto, para que um medicamento esteja em condições adequadas de uso é
necessário adotar algumas medidas de cuidado relacionados ao armazenamento, a fim
de manter a qualidade, segurança e eficácia (LIMA; NUNES; BARROS, 2010).
O armazenamento ideal de medicamentos em domicílio é nos lugares de fácil
acesso, seguro e fora do alcance das crianças, mantidos em suas embalagens originais e
com a bula, estar protegido da luz, do calor e umidade. Alguns lugares quentes como
cozinha e banheiro não são adequados. Também não se deve armazenar em locais
próximos a aparelhos eletrônicos como TV, geladeira, dentre outros (RENNÓ;
MARQUES; AGUIAR, 2012).
Segundo Lima et al., (2008) o baixo nível de informações sobre o
armazenamento de medicamentos é um importante fator de acondicionamento
inadequado, seja pela ausência de orientação profissional no momento da dispensação,
ou pela falta de leitura da embalagem. O próprio SUS contribui para essa problemática,
ao distribuir medicamentos sem bula e embalagem, como no caso dos fracionados. A
carência dessas informações foi constatada por Soares et al., (2020), cujo estudo relatou
que menos da metade da população estudada havia recebido qualquer informação
referente ao estoque e descarte propício dos medicamentos.

3.1.2 Automedicação e os medicamentos isentos de prescrição


A automedicação é um procedimento caracterizado fundamentalmente pela
iniciativa de um doente ou de seu responsável, em obter ou produzir e utilizar um
produto que acredita lhe trará benefícios no tratamento de doenças ou alívio de sintomas
(PAULO, ZANINE, 1988). Também pode ser considerada como automedicação a
reutilização de receitas médicas antigas (VILARINO et al., 1998).
A automedicação é feita, principalmente, pelos chamados medicamentos isentos
de prescrição (MIP), conhecidos internacionalmente como OTC (Over-The-Counter),
que são medicamentos que possuem indicações de serem de fácil entendimento dos
pacientes e autossuficientes, dessa forma, considerados satisfatórios e seguros
(KHALIFEH et al., 2017).
Essa classificação foi estabelecida pela primeira vez através do decreto no74.170
de 10 de junho de 1974, quando se regulamentou o controle sanitário do comércio de
medicamentos. Nessa ocasião, inseriu-se o conceito de medicamento de venda livre
como aquele que independe de prescrição, estabelecendo-se diferenças quanto à
rotulagem e à publicidade dos produtos prescritos (BRASIL, 1974).
Na RDC n° 98, de 1° de agosto de 2016, a Anvisa definiu mais claramente os
critérios para que um medicamento seja classificado como “isento de prescrição”, sendo
considerados nessa categoria medicamentos de 33 grupos terapêuticos, com as devidas
exceções (BRASIL, 2016).
A Anvisa especifica como aspectos característicos dos MIPs a relação favorável
benefício/risco; eficácia e incidência bem caracterizada de efeitos adversos; larga
margem de segurança; absorção, metabolismo e excreção do medicamento não deve ser
afetada por outros fármacos comumente usados; avaliação dos riscos em grupos de
pacientes específicos; risco baixo de mascarar sintomas resultando em demora no
diagnóstico e no tratamento adequado; grau de dependência e potencial de abuso
reduzido (BRASIL, 2016).
Os MIPs são aqueles medicamentos usados no intuito de mitigar sintomas e
males menores, são acessíveis sem prescrição ou receita médica devido a sua
efetividade e garantia, desde que utilizados de forma adequada. No Brasil, esses
medicamentos foram atualizados pela ANVISA com a divulgação da instrução
normativa nº 86 de 12 de março de 2021, a qual define uma lista de MIPs composta por
308 medicamentos (BRASIL, 2021).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) determina que os MIPs promovem o
autocuidado, que pode ser caracterizado pelo zelo tomado pelos indivíduos para a sua
própria saúde e bem-estar, que pode se estender a familiares e outros. O autocuidado
inclui as ações como a automedicação para males menores e condições de longo prazo,
ou ainda manter a saúde e bem-estar depois de uma doença aguda ou alta hospitalar
(OMS, 2000).
O uso responsável de MIPs tem implicações positivas como: diminuição
substancial de custos para o sistema de saúde, otimização de recursos governamentais,
diminuição de gastos dos consumidores, conforto para os consumidores (não há
necessidade de ir a um serviço de saúde para tratar de um sintoma), melhor qualidade de
vida (produtos de caráter preventivo como vitaminas, antioxidantes, etc.) e direito de
atuar sobre a própria saúde (OMS, 2006).
Em contrapartida, a indústria utiliza estratégias de marketing, com finalidade de
divulgar seus produtos ampliando a margem de lucro, diminuindo os aspectos negativos
e superestimando os benefícios dos medicamentos. Essa promoção sem respeito à ética
pode levar ao uso irracional de medicamentos e prescrições equivocadas. Se não for
considerada as características específicas e comorbidades individuais, coloca-se em
risco o paciente, que é a peça mais importante e mais lesada em relação às escolhas
induzidas por propagandas (NASCIMENTO, 2010).
A propaganda de MIPs movimenta o mercado fazendo com que os fabricantes
disputem para fornecer novas, melhores e diferentes opções de medicamentos. É,
portanto, uma ferramenta de economia do mercado, alimentando a concorrência e,
consequentemente, disponibilizando mais medicamentos (ASCHI, 2017).
O investimento em marketing demonstra apostar na comunicação e muito pouco
em informação e educação. A publicidade de medicamentos deveria apoiar as
informações racionais e verídicas a fim de minimizar os perigos gerados, no entanto, o
que ocorre é a divulgação dos pontos positivos, faltando referências bibliográficas do
assunto. Esse cenário induz o consumo desenfreado e abusivo de medicamentos
(MACEDO et al., 2016).
A questão comercial tem impacto direto na área da saúde, uma vez que interfere
na frequência e modo como é realizada a prática da automedicação. Nesse âmbito, o
comportamento de compra é semelhante ao do consumidor de serviços e produtos em
geral, e ainda, o consumidor pode adotar o comportamento que faça com que ele, por
exemplo, prefira investir em medicamentos de maior custo buscando por maior
qualidade e eficácia (MOWEN; MINOR, 2003).
Logo, ainda que a automedicação seja considerada uma estratégia de
autocuidado, o usuário, por vezes, é inexperiente e privado dos conhecimentos para
diferenciar os problemas de saúde, julgar seu agravamento e decidir sobre a terapia
medicamentosa mais adequada, coloca em risco sua saúde, contribuindo com
diagnósticos errôneos, demora na identificação dos sinais e sintomas, seleção de terapia
imprópria, posologia inadequada, período de uso diminuído ou prolongado,
possibilidade de dependência, risco de efeitos colaterais graves, possíveis interações
com outros medicamentos, risco de reações anafiláticas e desconhecimento da forma
correta de armazenamento do medicamento (RODRIGUES et al., 2016).
A automedicação e o armazenamento de medicamentos nos domicílios possuem
uma relação próxima devido a automedicação promover a compra, por vezes,
desnecessárias e/ou a aquisição de uma quantidade acima do necessário para o
tratamento, ocasionando sobras de medicamentos que vão resultar nos estoques em
farmácias caseiras. Por outro lado, o fato de já possuir medicamentos armazenados no
domicilio facilita a prática de automedicar-se.

3.1.3 Estabilidade dos medicamentos


A estabilidade é definida como o tempo durante o qual a especialidade
farmacêutica ou a matéria prima isoladamente mantém, dentro dos limites especificados
e durante todo o período de estocagem, transporte e uso, as mesmas características que
possuía no momento da sua produção (GIL, 2006).
De acordo com Aulton e Taylor (2016), existem cinco importantes tipos de
estabilidade, a estabilidade química associada a manutenção de sua integridade e teor
declarado dentro dos limites especificados, por um determinado período de tempo,
uniformidade e dissolução; Física relacionada a manutenção das propriedades físicas
originais, incluindo aspecto, sabor, odor, pH, viscosidade, dureza, entre outras;
Microbiológica, onde a esterilidade ou resistência ao crescimento microorganismos
deverá permanecer dentro dos limites especificados; estabilidade terapêutica referente a
atividade terapêutica, que deverá permanecer inalterada; e Toxicológica, que não deve
ocorrer aumento significativo da toxicidade.
A estabilidade de produtos farmacêuticos depende de fatores intrínsecos que são
relacionados ao produto, como propriedades de substâncias ativas e excipientes
farmacêuticos, sua composição, forma farmacêutica, processo de manufatura, tipos e
propriedades do material de embalagem e de fatores extrínsecos, como luz, umidade, ar
e temperatura, que podem afetar a estabilidade física dos medicamentos e acelerar o
processo de decomposição química (RIBEIRO; HEINECK, 2010).
A velocidade de degradação química aumenta com o aumento da temperatura, as
moléculas precisam da energia de ativação, ou seja, uma energia mínima necessária,
capaz de promover colisões e favorecer reações. Tal fenômeno obedece à lei de ação de
massas, com o aumento da temperatura a estabilidade é afetada, não só química como
fisicamente. Dessa forma, podemos afirmar que o calor é um fator determinante na
velocidade de decomposição do fármaco (OLIVEIRA, 2011).
Desta forma, conhecer os riscos do tempo de exposição do medicamento a
determinadas temperaturas seria a condição ideal para o desenvolvimento de medidas de
prevenção de desvios da qualidade do medicamento até seu uso (OLIVEIRA, 2011).
Essa influência da temperatura pode ser diminuída com o correto armazenamento:
congelamento, refrigeração e controle da temperatura em todo processo (MIRCO,
2007).
A umidade também exerce grande influência na estabilidade de produtos
farmacêuticos. Não só os fármacos higroscópicos são degradados pela umidade relativa
(UR) do ar, mas também fármacos não higroscópicos sofrem alteração, principalmente
quando a umidade é associada aos efeitos de temperatura (LACHMAN et al., 2001).
A umidade pode promover reações de hidrólise e afetar a cinética de degradação
de fármacos como ácido ascórbico, aspirina, vitamina A, cloridrato de ranitidina, entre
outros. As reações de degradação química ocasionadas pela umidade são catalisadas
pelas moléculas de água, ela pode participar do processo de degradação química, como
um reagente, induzindo a hidrólise, hidratação, isomerização (LACHMAN et al., 2001).
A influência deste fator, no entanto, pode ser reduzida pelo não acondicionamento em
locais úmidos como armários de cozinha e banheiro.
Em determinados comprimentos de onda a luz pode desencadear reações de
degradação como oxidação e redução, rearranjo de anéis, polimerização, rupturas de
ligações, isomerizações e racemizações e promover a instabilidade farmacêutica (GIL et
al., 2010).
Dentre os gases atmosféricos, o oxigênio é o que tem maior participação nos
processos de degradação química. O oxigênio, além de promover a reação de oxidação,
também participa de algumas reações de fotodegradação que envolvem mecanismos
fotoxidativos (LEITE, 2005).
É importante sabermos qual o lugar mais adequado para armazenar os
medicamentos em casa, como seguir as recomendações dos fabricantes, manter
protegidos da umidade, claridade, calor e principalmente obedecendo a temperatura
descrita na embalagem (LIMA et al., 2008). A estabilidade e eficácia dos medicamentos
estão diretamente relacionadas à forma como o medicamento encontra-se guardado (SÁ;
BARROS; SÁ, 2007).

3.1.4 Intoxicação medicamentosa


Outra questão relacionada ao armazenamento de medicamentos é o acesso a esse
local, que deve ser evitado para que crianças e animais domésticos não entrem em
contato com o medicamento. A medida visa prevenir acidentes como intoxicações, que
podem causar problemas de saúde e, em casos extremos, levar à morte (LIMA et al.,
2008).
Os comportamentos exploratórios e a curiosidade das crianças levam-nas a tocar,
testar e explorar, entrando assim em contato com produtos químicos tóxicos que não são
armazenados com segurança, principalmente produtos farmacêuticos (PEDEN, 2008).
Entre 2009 e 2018, o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas
(Sinitox) registrou 254.135 casos de intoxicação por medicamento no Brasil, com um
total de 710 óbitos (0,28%). Os medicamentos foram a principal causa de intoxicação
dentre todos os agentes notificados, cerca de 29% dos casos nesse período (SISTEMA
NACIONAL DE INFORMAÇÕES TÓXICO-FARMACOLÓGICAS, 2022).
Desde 1994, os fármacos ocupam o primeiro lugar no ranking de intoxicações e
o segundo lugar em número de óbitos. Em 2016, segundo dados do Sinitox, a
intoxicação acidental foi uma das principais causas das ocorrências com medicamentos,
representando cerca de um terço dos casos notificados (32,7%) (SISTEMA
NACIONAL DE INFORMAÇÕES TÓXICO-FARMACOLÓGICAS, 2022).

3.2 Descarte de medicamentos


As ‘’farmácias caseiras’’ aumentam a chance do uso indiscriminado dos
medicamentos, podem levar a exposições tóxicas não intencionais principalmente em
crianças, e intencionais, com agravos à saúde, acarretando gastos com atendimentos nos
serviços de saúde, internações e óbitos (BARNETT-ITZHAKI et al., 2016;
MASTROIANNI et al., 2011; CRUZ et al., 2017).
Por outro lado, quando não são utilizados esses medicamentos provavelmente
serão descartados e, assim, passarão a ser denominados “resíduos farmacêuticos
domésticos”. Essa denominação abrange todos os medicamentos e produtos cosméticos
que já expiraram ou estão sem lacre, indesejados ou danificados (ARIFFIN; ZAKILI,
2019).
Os resíduos farmacêuticos domésticos são descartados principalmente em lixo
comum, pia ou vaso sanitário (ARIFFIN & ZAKILI, 2019; ROGOWSKA et al., 2019;
FERNANDES et al., 2020. KUSTURICA et al., 2020; BARROS et al. 2021). Essas
formas de descarte não são adequadas uma vez que esses resíduos tem o potencial de
atingir o meio ambiente (KUSTURICA et al., 2020).
Apesar do risco do descarte inadequado de medicamentos para o meio ambiente e,
consequentemente, para a saúde humana, estudos mostram que, no Brasil, o mais
comum é o descarte no lixo comum (PINTO, 2014; VAZ, FREITAS e
CIRQUEIRA ,2011).
Existem evidências de que os produtos farmacêuticos podem ter um impacto
ambiental negativo (AL-SHAREEF et al., 2016), uma vez que:
“Os fármacos podem causar efeitos ambientais mais potentes do que outros
contaminantes, porque eles são projetados para provocar efeitos biológicos específicos
em concentrações relativamente baixas. Esses efeitos específicos podem ser expressos
como alterações comportamentais, fisiológicas e histológicas. Possível bioacumulação e
transmissão na cadeia alimentar pode, adicionalmente, causar uma ameaça para animais
selvagens” (ROGOWSKA et al,. 2019).
É importante observar que os danos ambientais não são causados apenas pelo
princípio(s) ativo(s) dos medicamentos, mas também pelos excipientes contidos na
formulação como, por exemplo, solventes, corantes, emulsificantes e conservantes, tais
como os parabenos. As embalagens primária e secundária também contribuem para
danos e poluição ambiental (GRACIA-VÁSQUEZ et al., 2015).
O descarte inadequado de resíduos farmacêuticos pode fazer com que esses
resíduos atinjam as Estações de Tratamento de Esgoto (ETE). Segundo Mzimkhulu e
colaboradores (2021), as ETEs são pontos de encontro de microrganismos patogênicos e
agentes antimicrobianos, uma vez que recebem tanto os resíduos do descarte de
medicamentos, como recebe também efluentes de hospitais e locais agrícolas que
podem conter genes de resistência antimicrobiana. Dessa forma, o descarte errôneo de
resíduos de medicamentos está associado ao favorecimento da resistência
antimicrobiana (ARIFFIN; ZAKILI, 2019).
Mesmo que as concentrações de antibióticos na água potável sejam
consideravelmente menores do que as doses administradas aos pacientes, ainda não se
sabe como a exposição contínua a esta classe de produtos químicos pode afetar o corpo
(HASSALI; SHAKEEL, 2020). Por outro lado, os antibióticos foram recentemente
classificados como um grupo de medicamentos que oferece risco ao meio ambiente
devido à sua alta toxicidade para algas e bactérias, mesmo em baixas concentrações
(DESCHAMPS et al. 2012).
Além de antimicrobianos, existem outras classes de medicamentos que podem
apresentar componentes capazes de se acumular no meio ambiente e as ETEs não
consegue remove-los de forma eficaz, levando a contaminação das águas superficiais e
ao comprometimento da sua qualidade destinada ao abastecimento urbano (BARNETT-
ITZHAKI et al., 2016; AMÉRICO-PINHEIRO et al., 2012).
MIRANDA et al. (2018), identificaram a presença de estrogênios em efluentes
domésticos, capazes de estimular a síntese de vitelogenina (VTG) em peixes,
aumentando a massa do fígado, sendo aptos de induzir também a síntese de VTG em
peixes machos.
Em abutres, a administração experimental de diclofenaco resultou em
insuficiência renal e problemas viscerais semelhantes à gota (YASMEEN; ASIF;
DJEFFAL, 2021). Outro estudo também demonstrou que o diclofenaco pode acumular
na bile de trutas arco-íris, interferir em suas funções bioquímicas, levando a danos nos
tecidos (ROGOWSKA et al., 2019).
A exposição de peixes da espécie Pimephales promelas demonstrou que
antidepressivos como a fluoxetina e sertralina afetam seu sistema reprodutivo, hábito
alimentar e comportamento de sobrevivência (ARNNOK et al., 2017). Outros estudos
realizados com peixes híbridos (Morone saxatilis x Morone Chrysops) revelaram que a
fluoxetina e a venlafaxina causaram a diminuição de concentrações de serotonina no
cérebro, afetando a capacidade dos peixes em capturar suas presas (ARNNOK et al.,
2017).
Nas duas últimas décadas surgiu uma preocupação referente à exposição de
produtos químicos com potencial para alterar o funcionamento do sistema endócrino em
animais e humanos (MARGEL; FLESHNER, 2011), sendo estes produtos conhecidos
como desreguladores endócrinos (DEs). Desreguladores endócrinos são geralmente
fabricados artificialmente e são encontrados em diferentes fontes, como drogas,
pesticidas, aditivos alimentares, produtos farmacêuticos e de higiene pessoal (ARIS;
HIR; RAZAK, 2020), que podem apresentar em sua composição compostos fenólicos,
hidrocarbonetos poliaromáticos, dioxinas, estrogênios naturais, estrogênios sintéticos,
entre outros (QURESHI; HAMEED; AHMED, 2020).
Ainda de acordo com ARIS; HIR & RAZAK (2020), os DEs podem ter
interferência na função imunológica humana, ocasionar crescimento anormal, atrasos no
desenvolvimento neurológico, alterar a fertilidade e a saúde reprodutiva e levar a
degradação de ecossistemas aquáticos e espécies selvagens. Além disso, um aumento na
incidência de certos tipos de câncer (mama, endométrio, tireóide, testículo e próstata)
em tecidos sensíveis aos hormônios, é frequentemente citado como evidência da
exposição generalizada da população em geral aos DEs (MARGEL; FLESHNER,
2011).
No Brasil, embora a Resolução Conama 430/2011 defina parâmetros para
tratamento e lançamentos de efluentes, não há padrões máximos estabelecidos para
micropoluentes, como os fármacos (AMÉRICO-PINHEIRO et al., 2018).
No entanto, o Ministério do Meio Ambiente através da Moção Nº 61, de 10 de
julho de 2012:
“Recomenda promoção de ações de ciência e tecnologia para melhoria de
técnicas de monitoramento e de tratamento de água de abastecimento e de efluentes,
visando a remoção de micropoluentes emergentes e eliminação de micro-organismos
patogênicos emergentes.”

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