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FILOSOFIA DO DIREITO

ÍNDICE
1. COMEÇANDO PELO COMEÇO ...........................................................................................4
Noções introdutórias...........................................................................................................................................................4

2. ESCOLAS DA FILOSOFIA E A HISTÓRIA..........................................................................5


Características dos períodos da Filosofia .................................................................................................................. 5

3. ESCOLAS DA FILOSOFIA E SEUS PENSADORES..........................................................6

4. FILOSOFIA ANTIGA (CLÁSSICA) - SÓCRATES E PLATÃO...........................................8


Sócrates....................................................................................................................................................................................8
Platão.........................................................................................................................................................................................8

5. FILOSOFIA ANTIGA (CLÁSSICA) – ARISTÓTELES......................................................10


Diversas formas de justiça .............................................................................................................................................. 11

6. FILOSOFIA MEDIEVAL - SANTO AGOSTINHO E SÃO TOMÁS DE AQUINO...............13


Santo Agostinho.................................................................................................................................................................. 13
São Tomás de Aquino........................................................................................................................................................ 14

7. CONTRATUALISTAS - HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU...............................................16


Contratualismo..................................................................................................................................................................... 16

8. UTILITARISMO - BENTHAM E STUART MILL............................................................... 19


Jeremy Bentham................................................................................................................................................................ 19
Dilema do bonde................................................................................................................................................................ 20
Stuart Mill............................................................................................................................................................................... 20

9. IMMANUEL KANT E A MORAL CATEGÓRICA............................................................... 22

10. EVOLUÇÃO DO POSITIVISMO - SAVIGNY, EXEGESE, PUCHTA E IHERING.......... 24


Escola histórica – Savigny...............................................................................................................................................24
Jurisprudência dos conceitos de Puchta................................................................................................................25
Ihering e jurisprudência dos interesses.....................................................................................................................26
11. POSITIVISMO - JOHN AUSTIN E HLA HART...............................................................27
John Austin...........................................................................................................................................................................27
Herbert Lionel Adolphus Hart........................................................................................................................................27
Interpretação....................................................................................................................................................................... 28

12. POSITIVISMO - HANS KELSEN.....................................................................................29


Interpretação do Direito....................................................................................................................................................29
Hierarquia de regras...........................................................................................................................................................29

13. BOBBIO E A TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO................................................ 31

14. DIREITO E JUSTIÇA - JOHN RAWLS.......................................................................... 33

15. RONALD DWORKIN........................................................................................................ 35


Regras e princípios..........................................................................................................................................................35
1. Começando pelo começo
Noções introdutórias
Embora o conteúdo de Filosofia do Direito seja extenso, o número de questões que caem no
Exame de Ordem é diminuto.

Geralmente, caem pensamentos específicos, os quais veremos a seguir, embora seus autores
não sejam mencionados expressamente.

A Filosofia do Direito pretende compreender o fenômeno jurídico; mais especificamente,


esclarecer as seguintes questões:
1. O que é direito?
2. O que é justiça?
3. O que é método jurídico?
Sua importância jaz em fundamentar a ciência jurídica, através de conceitos como justiça,
igualdade, bem-comum e moralidade. 

Esses conceitos são recorrentes no Direito; entretanto, o seu significado não se encontra na
legislação, mas na filosofia.

Dessa maneira, enquanto o Direito nos diz o que está em conformidade com a lei, a Filosofia do
Direito nos busca dizer o que é o direito, o que é justo e como o direito pode ser interpretado.
Trata-se de uma visão avaliativa e crítica.

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2. Escolas da Filosofia e a História
Características dos períodos da Filosofia
Vejamos quais são os períodos da Filosofia, seus correspondentes históricos e características:

Filosofia
Filosofia Clássica Filosofia Medieval Filosofia Moderna
Contemporânea

Idade Antiga: iniciou-


Idade Média: inicia-se Idade Moderna: teve
se com a invenção da
com a Queda do Império início com a queda de
escrita (de 4.000 a.C. Idade Contemporânea:
Romano do Ocidente e Constantinopla (1453
a 3.500 a.C.) e durou desde 1789 até os dias
termina com a queda d.C.) e termina com a
até a queda do Império atuais.
de Constantinopla (1453 Revolução Francesa, em
Romano do Ocidente
d.C.). 1789.
(476 d.C.).

O ser humano é o
Suas principais centro da Filosofia.
Há predominância da É a época das guerras
ideias giram entorno Há o surgimento dos
igreja e da religião. A mundiais, da Guerra
da democracia, Estados nacionais,
sociedade é dividida entre Fria, oposição entre
cidadania, ser ascensão da burguesia
clero, nobreza e plebe. o comunismo e o
humano/ser político. e do capitalismo. É a
Ademais, há limitações capitalismo, assim
Além disso, corresponde época do Iluminismo,
ao desenvolvimento como ascensão do
ao início das ciências, da racionalismo e
científico. consumismo.
matemática e da razão. do pensamento
científico.

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3. Escolas da Filosofia e seus pensadores
Para o Exame de Ordem, vamos considerar o início da filosofia como sendo o início da Filosofia
Ocidental, com Tales de Mileto e os Pré-Socráticos, pois com eles pela primeira vez o ser
humano usou a racionalidade para explicar fenômenos da natureza.

Para Tales de Mileto, a origem de tudo não era mais a mitologia e os deuses, mas a água. Tudo
vinha da água, que gerava terremotos, a fertilização dos campos, dentre outros.

Naquela época, a Filosofia e a ciência andavam juntas. Não havia disciplinas estudadas
independentemente como a biologia, física, química, etc.

A característica comum entre os pré-socráticos era estudar e observar os fenômenos da


natureza, daí porque eles também eram chamados de “filósofos da natureza”.

Tratava-se de temas relacionados ao ser humano, sua origem. A Política e o Direito só surgiram
depois, com Sócrates, Platão e Aristóteles, os pensadores mais importantes da Idade Antiga.

Vejamos quais são os principais filósofos e escolas de pensamento da Filosofia do Direito:

Filósofo Ano Era/Época Escola

Anaxágoras -450 a.C Antiga Pré-Socráticos


Anaxímenes 585 - 528 a.C Antiga Pré-Socráticos
Aristóteles 384 - 322a.C Antiga Socráticos
Demócrito -460 - 370 a.C Antiga Pré-Socráticos
Empédocles 495 - 430 a.C Antiga Pré-Socráticos
Epicuro 341 - 270 a.C Antiga Helenista
Platão ? - 384 a.C Antiga Socráticos
Sócrates ? - 399 a.C Antiga Socráticos
Sofistas 400 a.C Antiga Socráticos/Sofistas
São Tomás deAquino 1225 - 1274 Medieval Escolástica/Jusnaturalista
Santo Agostinho 354 - 430 Medieval Patrística/Jusnaturalista
Descartes 1596 - 1650 Moderna Racionalismo/Empirismo
Hobbes 1588 - 1679 Moderna Contratualista/Jusnaturalista
Hugo de Grócio 1583 - 1645 Moderna Jusnaturalista
Immanuel Kant 1724 - 1804 Moderna Iluminismo
Locke 1632 - 1704 Moderna Contratualismo/Jusnaturalismo
Maquiavel 1469 - 1527 Moderna Renascimento
Rousseau 1712 - 1778 Moderna Contratualismo/Jusnaturalista
Samuel von Pufendorf 1632 - 1694 Moderna Jusnaturalista
Moderna -
Jeremy Bentham 1748 - 1832 Utilitarismo
Contemporânea

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Filósofo Ano Era/Época Escola

Joseph Raz 1939 - Contemporânea Positivismo


Robert Alexy 1945 - Contemporânea Pós Positivismo
Critical Legal Studies/Estudos
Roberto Mangabeira Unger 1947 - Contemporânea
Críticos do Direito
John Finnis 1940 - Contemporânea Jusnaturalista
Ronald Dworkin 1931 - 2013 Contemporânea Pós Positivismo
Miguel Reale 1910 - 2006 Contemporânea Jusfilosofia Brasileira
Tércio Sampaio Ferraz Jr. 1941 - Contemporânea Jusfilosofia Brasileira
John Stuart Mill 1806 - 1873 Contemporânea Utilitarismo

Alf Ross, Karl Olivecrona,


Década de 1930 Contemporânea Realismo Jurídico Escandinavo
Lundsted

Chaim Perelman 1912 - 1984 Contemporânea Pós Positivismo - Argumentação


Positivismo/Jurisprudência dos
Georg Puchta 1798 - 1846 Contemporânea
Conceitos
Hegel 1770 - 1831 Contemporânea Fenomenologia/Idealismo
Escola Histórica -> Influencia
Savigny 1779 -1861 Contemporânea
positivismo

Positivista/Jurisprudência dos
Lhering 1818 - 1892 Contemporânea
Interesses

Jellineck 1851 - 1911 Contemporânea Teoria do Mínimo Ético


John Austin 1790 - 1859 Contemporânea Positivismo/Positivismo Analítico
Bobbio 1909 - 2004 Contemporânea Positivismo

Jerome Frank, Karl Llwellyn, Realismo Jurídico Norte-


Década de 1930 Contemporânea
Roscoe Pound americano

Karl Marx 1818 - 1883 Contemporânea Socialismo/Materialismo


Histórico
John Rawls 1921 - 2002 Contemporânea Contratualismo/Liberalismo

Kantrowics 1895 - 1963 Contemporânea Escola do Direito Livre

Kelsen 1881 - 1973 Contemporânea Positivismo


HLA Hart 1907 - 1992 Contemporânea Positivismo/Positivismo Analítico
Niklas Luhmann 1927 - 1998 Contemporânea Teoria dos Sistemas
Jurgen Habermas 1929 - Contemporânea Teoria Comunicação/Sistemas

Direito e Economia - Análise


Richard Posner 1939 - Contemporânea
Econômica do Direito

Robert Nozick 1938 -2002 Contemporânea Libertarianismo

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4. Filosofia Antiga (Clássica) - Sócrates e Platão
Sócrates
Sócrates (469399 a.C.) foi um filósofo ateniense do período clássico.

Não existem escritos de autoria de Sócrates, pois o filósofo era manifestamente contra o
registro de pensamentos por meio da escrita. Tudo o que se sabe sobre ele, então, provém
dos escritos de seu discípulo Platão.

Sócrates opôs-se ao relativismo pregado pelos sofistas. Para ele, o filósofo era capaz de
alcançar a verdade única e absoluta.

Ele andava pelas ruas fazendo questionamentos aos cidadãos sobre a definição de
determinadas coisas, com a finalidade de atingir a verdade real.

Sócrates inaugurou o que veio a ser chamado método socrático, no qual o professor induz ou
instiga o aluno por meio de questionamentos. Este método ainda é utilizado nos dias de hoje.

A ideia de justiça, para Sócrates, está relacionada à obediência às leis. Isso porque as leis
derivariam da lei natural, esta que seria derivada da verdade única e absoluta existente.

Platão, discípulo de Sócrates, relatou o processo que culminou na morte desse último em
“Apologia de Sócrates”. Sócrates foi acusado de corromper a juventude, não acreditar nos
deuses e criar uma nova deidade. Na realidade, seu método de debate criou muitos inimigos.
Ao final, ele foi condenado à morte por envenenamento.

Platão
Platão (427/428-348/347 a.C.) foi um filósofo grego, discípulo de Sócrates.

A doutrina clássica do direito natural originou-se com Sócrates e foi posteriormente


desenvolvida por Platão. Segundo esta doutrina, como vimos, há uma ordem natural nas
coisas.

Assim, o ser humano é social por natureza. É natural, portanto, que haja uma virtude social,
chamada de justiça.

A justiça, para Platão, consiste em cada um fazer a sua parte pelo bem-comum.

Ele também criou a teoria das ideias, segundo a qual há uma dualidade entre o mundo
sensível (ou das coisas) e o mundo inteligível (ou das ideias). O mundo sensível diz respeito
aos sentimentos, ao mundo de fato, ao que temos no sentindo material e palpável da nossa
existência. Seria uma reprodução imperfeita do mundo das ideias.

Este, por sua vez, seria o mundo ideal, perfeito, cuja existência encontra-se em um plano
que não o da nossa realidade, mas o plano da verdade absoluta, da perfeição. No mundo das

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coisas, entretanto, nós carregamos dentro de nós a noção do que seria essa perfeição, e, por
esse motivo, é escopo humano persegui-la.

Esta dualidade está presente na famosa “alegoria da caverna de Platão”: Em uma caverna,
havia indivíduos acorrentados virados para a parede, de costas para a abertura, de forma que
não conseguiam visualizar sua passagem para o exterior.

Do lado de fora, a luz projetava, na parede para a qual olhavam, a sombra das pessoas e
objetos que estavam no exterior, à qual os indivíduos assistiam. Um dia, um desses indivíduos
conseguiu desacorrentar-se e virar-se para a saída da caverna, e deslumbrou-se com o
mundo exterior. Ele constatou que aquilo que via na parede da caverna era apenas a projeção
da realidade.  

Esse indivíduo decide contar aos outros a verdade; contudo, ninguém lhe dá ouvidos. Ao final,
os outros habitantes da caverna resolveram assassinar aquele que havia descoberto que
havia algo mais sobre a realidade que eles não conheciam.

Pode-se interpretar que a luz do sol que projetava as sombras na parede da caverna é a
própria Filosofia.

Semelhantemente, as trevas seriam a vida sem a Filosofia.

Os habitantes da caverna, por sua vez, são os indivíduos perante a Filosofia.

As correntes representam os preconceitos e a confiança nos próprios sentidos, os quais


impedem as pessoas de querer enxergar além da realidade já conhecida, a realidade limitada.

Por fim, o indivíduo que conseguiu sair da caverna representaria Sócrates.

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5. Filosofia Antiga (Clássica) – Aristóteles
Aristóteles (384-322 a.C) foi um filósofo grego, discípulo de Platão que produziu uma extensa
obra, que abrange diversas áreas do conhecimento.

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No pensamento jurídico clássico, direito e justo são sinônimos. Sendo assim, o direito seria
dar a cada um aquilo que lhe é devido.

Esta ideia está refletida no livro “Ética a Nicômaco”, onde estão contidos quase que
exclusivamente os escritos de Aristóteles sobre ética e justiça.

Para Aristóteles, é natural aquilo que possui a mesma força em todos os lugares,
independentemente da vontade do ser humano.

Existem ainda o justo convencionado, que é aquele que decorre da força da lei. Esse pode
divergir de um local para o outro. 

Aristóteles compreendia a justiça como uma virtude e, como todas as virtudes, ela é o meio-
termo entre o excesso e a insuficiência de uma característica.

São deles os aforismos: “Avirtude está no meio-termo”; “Vícios são excesso ou escassez. Virtude
é o meio-termo”.  Vejamos alguns exemplos de virtudes e suas possíveis transformações em
vícios:

Virtude Vício por Excesso Vício por Deficiência

Coragem Temeridade Covardia


Temperança Libertinagem Insensibilidade
Liberalidade Esbanjamento Avareza
Magnificência Vulgaridade Vileza
Respeito Próprio Vaidade Modéstia
Gentileza Irascibilidade Indiferença

Justa Indignação Inveja Malevolência

​ ara Aristóteles, a justiça é a mais importante das virtudes. Contudo, em excesso ou escassez,
P
quando mal aplicada ou aplicada cegamente, a justiça poderia gerar injustiça.

“Ética” vem do grego e, interessantemente, significa “hábito”. Somente através do hábito do


comportamento ético é que se constrói a prática virtuosa. Nesse sentido, ser justo é praticar
reiteradamente a justiça.

Diversas formas de justiça 


Para Aristóteles, a justiça se concebe de várias maneiras. A primeira delas é a justiça total (ou
legal), que diz respeito à observância da lei, a qual visa ao bem-comum.

Já o justo particular é gênero do justo total e refere-se ao relacionamento entre as partes; à


vida pessoal do indivíduo em sociedade. Do justo particular deriva a justiça distributiva, que
se relaciona à distribuição de bens pelo Estado.

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Também deriva do justo particular o justo corretivo, que consiste na reparação aos danos
ocasionados nas relações entre os indivíduos. Por sua vez, a justiça corretiva subdivide-se em
comutativa e reparativa, sendo que a primeira trata de relações bilaterais voluntárias, como
as trocas, e a segunda trata da indenização de danos e injustiças em relações involuntárias.

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6. Filosofia Medieval - Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino
A Filosofia Medieval corresponde à Idade Média, período que se estende do século V, com a
tomada do Império Romano pelos hérulos, até o século XV, com a queda de Constantinopla
na sua conquista pelos turcos-otomanos.

Por vezes, a Idade Média é descrita como um período de “trevas”, uma mera fase intermediária
entre a idade antiga e a idade moderna na qual não houve relevante produção intelectual, até
que chegasse o Iluminismo, ou o “Século das Luzes”.

Esta ideia tem origem no próprio Iluminismo e não retrata com fidelidade aquele período: é
claro que as sociedades daquela época também buscavam saberes, estudos e conhecimento.
É inerente ao ser humano a curiosidade pelas coisas que não se conhecem e a vontade de
saber mais.

[...] viu-se que os últimos tempos da Idade Média estavam longe de ser a “Idade das Trevas”,
que a vida intelectual esses séculos foi abundante e intensa e que as atividades educativas
foram grandes. (MONROE, 1985: 139)

Durante a Idade Média, surgiram as primeiras universidades, formas de associações de


professores e alunos que promoviam debates e discussões, unindo-se também para
questionar os pensamentos e ideologias padrão da época.

Sempre houve uma tradição religiosa na filosofia ocidental, seja judaica, católica ou protestante,
e não apenas na Idade Média. Contudo, é nesta época que se deu o link mais forte entre os
âmbitos religioso, intelectual, artístico, político, econômico e social.

Tratavam-se todas essas áreas de um único elo, de uma única linha de pensamento, a qual
tinha suas variáveis mas se limitava por si só. Talvez por isso tenha se considerado por tanto
tempo a idade média a idade das trevas: seus conhecimentos difundidos estavam mais
amarrados a dogmas.

Apesar disso, certamente existiam também debates e divisões de pensamento dentro das
próprias concepções dogmáticas cristãs, à exemplo do tomismo (escola derivada de São
Tomás de Aquino) e da resposta franciscana (escola derivada de São Francisco), correntes de
pensamento um tanto controversas para a época.

Santo Agostinho
Santo Agostinho (354-430) foi um teólogo e filósofo do direito canônico.

Para Agostinho, para se definir o que é direito, antes, é necessário definir o que é justiça.

Dessa maneira, sem a justiça não existe o direito e, tampouco, o Estado.

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Segundo ele, ainda, o direito existe em função da religião. A justiça seria a lei de Deus, e
a verdadeira justiça só poderia ser encontrada na Cidade de Deus. O direito natural, por
conseguinte, vinha primeiramente da lei divina.

Agostinho foi fortemente influenciado pela teoria dualista de Platão, que fazia uma divisão
entre o mundo das ideias e o mundo dos sentidos. Ele transformou a teoria platônica, de
forma a adaptá-la à religião: o mundo ideal seria o mundo de Deus (Cidade de Deus), enquanto
o mundo das coisas seria o dos seres humanos. Embora não fosse possível, na sua visão,
encontrar a verdadeira justiça na vida terrena, as leis do Estado deveriam ser obedecidas por
serem o reflexo das leis divinas que os homens conseguiram formular. Era adepto da união
da fé e da razão, pois somente o conjunto das duas serias capaz de guiar o ser humano à
verdade absoluta.

A verdadeira justiça, em suma, só poderia ser encontrada na Cidade de Deus e na lei eterna.

São Tomás de Aquino


São Tomás de Aquino (1225-1274) também foi um teólogo e filósofo do direito canônico.

Naquele período, houve a redescoberta da doutrina aristotélica e do Corpus iuris civilis,


compilação de lei e jurisprudência criada por ordem do imperador romano Justiniano I (482-
565).

São Tomás de Aquino procurou conciliar o pensamento greco-romano redescoberto com a


tradição cristã.

Também estudioso do pensamento de Santo Agostinho, Tomás de Aquino acreditava que o


direito pode ser descoberto e criado precipuamente pela razão (o que foi inovador na época,
na qual se acreditava que as leis vinham, antes, da revelação divina).

Ele foi influenciado pelas ideias de Aristóteles no que diz respeito ao direito natural.

Tomás de Aquino acreditava que havia uma ordem natural, que era divina, e dava origem
a lex aeterna, ou leis da natureza. Ele acreditava que as leis seguiam a seguinte ordem de
classificação:
1. Lei eterna ou divina;
2. Lei natural, aquela que ordena os acontecimentos;
3. Lei humana ou positivada, que deriva das leis precedentes.
4. Para Tomás de Aquino, se a lei humana que estiver em contradição com as leis divi-
nas e naturais, estará corrompida.
Além disso, o ser humano está sujeito à lex aeterna, mas pode escolher seus atos e construir
seu pensamento utilizando-se de seu livre arbítrio. Assim, ele reconheceu o poder de decisão
do ser humano que, dotado de razão, perseguirá seus interesses de acordo com suas próprias
convicções.

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Neste pensamento, está a origem da ideia de liberdades individuais.

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7. Contratualistas - Hobbes, Locke e Rousseau
Contratualismo
Para o contratualismo, o Estado surgiu a partir de um contrato social firmado entre as pessoas:
um grande pacto entre os homens, no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos
em troca de proteção do ente Estatal. Daí é que se legitima o Estado a definir regras sociais.

Antes do contrato social, os indivíduos vivam em estado de natureza, e, somente após o


advento dele, passaram a viver em sociedade.

Vejamos quem foram os principais filósofos contratualistas:

THOMAS HOBBES
Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, defendeu a doutrina do direito natural em sua
obra “Leviathan”, de 1651.

Segundo Hobbes, no estado de natureza os seres humanos dispõem de liberdade ilimitada


e são guiados unicamente pelos desejos de sobrevivência e satisfação pessoal, o que gera
conflitos e guerras. É dele que vem a máxima: “o homem é o lobo do homem”.

Dessa maneira, Hobbes se afasta da ideia de que o ser humano é um animal político por
natureza, tal qual sustentado por Aristóteles. De acordo com Hobbes, o estado de natureza é
hipotético, ou seja, ele nunca existiu realmente.

Ora, apesar de “no estado de natureza” a liberdade ser ilimitada, há solidão, escassez de
recursos e medo constante.

A solução para os conflitos gerados pelo estado de natureza é negociar as liberdades


individuais através de um pacto social, que prevê algumas regras sociais.

Através da celebração do contrato, surge a “moral contratualista”, que é relativa ao contrato,


ou seja, depende dele.

Assim, para Hobbes, é de extrema importância que os indivíduos cumpram os acordos


racionalmente firmados por eles próprios.

A criação do Estado funda-se, portanto, no contrato social firmado em razão do receio


de violência de terceiros e do desejo de desfrutar da vida e da posse de bens materiais
tranquilamente.

JOHN LOCKE
John Locke (1633-1704) foi um filósofo inglês. Sua principal obra é o “Segundo tratado sobre
o governo civil”, de 1681.

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Ao contrário de Hobbes, Locke não vê com pessimismo o estado de natureza, ou um cenário
onde “o homem seria o lobo do homem”. Para ele, há paz no estado de natureza e ela somente
é rompida quando surge a necessidade de um terceiro imparcial para decidir as lides sociais.

Além disso, Locke acredita que o estado de natureza teria existido de fato, não sendo só uma
idealização (como enxergava Hobbes).

Há uma lei da razão, chamada de lei natural que nos aconselha a aceitar as limitações da
liberdade para assegurar nossas vidas e propriedades.

Para Locke, a propriedade é um direito natural, em sentido genérico. O termo propriedade


(property) possui um significado específico: é o conjunto de bens que asseguram os direitos
fundamentais, ou seja, bens que são a própria conservação e condução de uma vida
confortável. 

Assim, a finalidade do Estado é a preservação da propriedade contra ataques internos e


externos.

Locke rechaça a ideia de submissão total ao Estado, ao afirmar que o contrato social reserva
os direitos à vida, liberdade e propriedade. Para limitar o poder Estatal, então, a fim de que ele
não interfira no exercício dos direitos naturais, Locke propõe a divisão dos poderes entre o
Legislativo e o Executivo.

Posteriormente, Montesquieu aperfeiçoou esta teoria, formando o sistema tripartite que


conhecemos hoje.

ROUSSEAU
Rousseau (1712-1778) foi um filósofo suíço que compartilhou da concepção naturalista,
reconhecendo a existência de um estado de natureza.  

Para ele, no estado de natureza, os seres humanos são amorais e não distinguem o bom
do mau, simplesmente vivendo em harmonia naturalmente. O “bom selvagem”, desta forma,
vivia feliz, sem trabalho e sem deveres, a não ser a procriação. Era um estado de igualdade
absoluta.

A igualdade só foi rompida quando surgiu o cultivo da terra e, por consequência, a propriedade
privada. Aquele que cercou o primeiro pedaço de terra e chamou-o de “seu” instaurou a
sociedade civil e, com isso, a desigualdade entre os homens.

A desigualdade foi aprofundada com os avanços da técnica e do conhecimento, pois


começaram a surgir diferenças entre letrados e iletrados, ricos e pobres, senhores e escravos.

A existência do Estado sancionou as desigualdades e suprimiu a liberdade.

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É por isso que, para Rousseau, o contrato social não teria sido um processo justo, já que
muitos trocaram sua liberdade pela servidão. O direito natural (a liberdade naturalista absoluta)
estava, portanto, em contradição com a existência do direito positivo.

Ele propõe então um pacto legítimo baseado na verdadeira vontade geral, a qual deveria ser
definida por todos em uma gigantesca assembleia e obedecida voluntariamente por cada
indivíduo, inclusive o soberano.

Nota-se que o pensador aborda o contrato social tanto como a fonte dos males sociais quanto
um instrumento de realização da vontade geral, contrapondo aquilo que é com aquilo que
deveria ser.

Rousseau não pressupõe um retorno ao estado de natureza, mas uma forma de associação
política que assegure os ideais de liberdade e igualdade.

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8. Utilitarismo - Bentham e Stuart Mill
Jeremy Bentham
Jeremy Bentham (1748-1832) foi um filósofo e jurista, precursor do utilitarismo.

Pode-se conceituar o utilitarismo como o entendimento segundo o qual o ser humano busca
sempre o prazer e evita a dor, ou seja, visa sempre ao próprio bem-estar.

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Uma ação será útil, portanto, quando maximizar a felicidade que alguém pode alcançar. Essa
ideia vale tanto para um indivíduo em particular quanto para governos.

É nesse sentido que uma lei será justa quando promover o bem-estar do maior número de
pessoas possível.

Ao se tomar uma decisão, dessa forma, sua utilidade deve ser “calculada”. E como mensurar
a utilidade?

•  Intensidade de dor ou prazer que causa a decisão a seus destinatários;


•  Duração de seus efeitos;
•  Certeza ou incerteza de sua funcionalidade e do seu objetivo;
•  Proximidade ou distância (afeta diretamente ou indiretamente o indivíduo?).

Por esta razão, a ética utilitarista é chamada de consequencialista.

Uma das críticas que se faz ao utilitarismo é que esse pensamento poderia nos levar a
considerar que os interesses de grupos minoritários podem ser facilmente sacrificados em
prol dos da maioria, o que é bem problemático.

Dilema do bonde
Vejamos um exemplo do pensamento utilitarista: imagine um bonde desgovernado que está
indo em direção a cinco pessoas presas nos trilhos.

Se você pudesse mudar a direção do bonde para uma rota onde o bonde mataria apenas uma
pessoa, que decisão tomaria?

A questão em que reside a dificuldade, para muitos, é que deixar o bonde percorrer seu curso
normal e matar as cinco pessoas implica não tomar parte no acontecido, ou seja, implica
deixar o curso natural das coisas acontecer. Acionar a alavanca que faz o bonde mudar de
direção, entretanto, seria tornar-se responsável pela morte daquele um indivíduo.

De acordo com o utilitarismo, a decisão a se tomar é certamente a de mudar a rota do bonde,


já que, neste caso, morreriam menos pessoas.

Stuart Mill
John Stuart Mill (1806—1873) foi um filósofo e economista britânico, discípulo de Bentham.
Suas obras mais importantes foram “Utilitarismo” e “Sobre a liberdade”.

Mill falou a respeito do princípio da liberdade, segundo o qual o indivíduo não deve prestar
contas à sociedade, desde que suas ações não interessem a ninguém, ou seja, desde que
não venham a causar prejuízos.

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Sua preocupação era proteger os indivíduos de ações tiranas dos governos. É por isso que o
pensamento de Stuart Mill defende os direitos e das garantias individuais.

Sendo o Estado o guardião das liberdades individuais, suas ações devem estar em consonância
com a vontade geral.

A grande questão, para Stuart Mill, é que a representação popular pode se tornar uma
imposição da opinião majoritária, assim como acontece nas religiões.

Segundo ele, a interferência do governo na liberdade dos indivíduos somente se justifica


quando for estritamente necessário prevenir danos a terceiros.

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9. Immanuel Kant e a Moral Categórica
Immanuel Kant (1724-1804) foi um filósofo prussiano segundo o qual os seres humanos são
livres para fazerem escolhas, e, geralmente, evitam a dor e buscam o prazer.

Contudo, minimizar a dor e buscar o prazer é tão somente buscar a satisfação dos próprios
impulsos.

Não são essas escolhas que fazem com que os seres humanos sejam livres, mas sim o agir
de forma autônoma.

A autonomia, para Kant, é a conformidade que existe entre a vontade do sujeito e a regra moral.
Dessa maneira, o indivíduo age em conformidade com o preceito moral porque concorda
com ele, e não por razões alheias.

O contrário de agir autonomamente é agir heteronomamente, ou seja, de acordo com os


desejos não escolhidos.

É importante observar que o Direito se contenta com a submissão à regra, independentemente


de uma adesão de consciência; por isso, ele é heterônomo.

Para ele, a moral é uma constante, imutável, intertemporal e geograficamente absoluta.


Contudo, isto não significa que todas as ações devam ser guiadas pela moral. Existem ações
que não seguem regras morais; por exemplo, estar com sede e beber água.

O que não faz parte do campo da moralidade é denominado por Kant como imperativo
hipotético.

Os imperativos hipotéticos preveem ações boas que se direcionam a um determinado fim;


dessa maneira, são ações que não são boas em si mesmas. Pode-se citar como exemplo a
prescrição de que, para se curar de um resfriado, é necessário tomar uma aspirina.

Tratam-se, portanto, de comandos que podemos seguir, relacionados à prudência.

Já os imperativos categóricos prescrevem ações que são boas em si mesmas, isto é, não
visam a atingir um determinado fim. Pode-se citar como exemplo a prescrição “não mates”,
que não precisa de outras justificações.

A moral faz parte do imperativo categórico.

O imperativo categórico é importante para a fundamentação dos direitos humanos, já que


parte daquilo que é tido como digno para qualquer ser humano, sob quaisquer circunstâncias. 

Vejamos algumas formulações do imperativo categórico:

•  Aja de acordo com a máxima de que suas ações possam se tornar leis universais sem risco de
contradição, ou seja, de que suas ações não serão consideradas negativas de forma nenhuma (prin-

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cípio da universalidade);
•  Aja de forma a tratar os seres humanos sempre como fins, nunca como meramente meios (princí-
pio da humanidade).

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10. Evolução do positivismo - Savigny, Exegese, Puchta
e Ihering
Escola histórica – Savigny
Savigny (1779-1861) foi um jurista alemão, maior expoente da escola histórica do direito.

Para ele, o direito é o resultado da construção histórica de um povo. Não há um direito único
em dois momentos ou duas sociedades diferentes. O direito é sempre relativo ao momento
histórico de uma sociedade.

Portanto, a escola histórica do direito reconhece a condicionalidade histórica do direito. O


direito não é fruto da racionalidade, mas nasce a partir de um sentimento de justiça que é
moldado pela época, contexto, povo, religião, cultura e costumes, variáveis, por sua vez, de
acordo com os acontecimentos históricos.

PANDECTISMO E EXEGESE
O movimento do Pandectismo originou-se na Alemanha, com o livro Tratato dos Pandectas,
de Bernhard Windscheid.

Segundo esse movimento, ligado o Positivismo e à Escola Exegética, a lei é fruto da história de
um povo e, também, da racionalidade do legislador. Não há um direito natural, mas a simples
expressão da vontade humana.

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O Pandectismo influenciou o surgimento da codificação na Alemanha, através do apego ao
Digesto de Justiniano. Tal corrente era adepta da elaboração do saber jurídico com base na
formulação de conceitos, organizados de maneira sistemática.

Já a Escola da Exegese originou-se na França, a partir das discussões sobre como interpretar
o Código de Napoleão (1804).

De acordo com a Escola da Exegese, o ordenamento jurídico é completo e as lacunas devem


ser resolvidas pelo próprio sistema jurídico. Também não há um espaço para o direito natural.

Jurisprudência dos conceitos de Puchta


Puchta (1798-1846) foi um jurista alemão, discípulo de Savigny.

Para ele, o sistema jurídico deve ser lógico-dedutivo, ou seja, vai da generalidade para a
singularidade.

Dessa maneira, existem normas estabelecidas primeiramente, as quais gerarão os conceitos


e normas abstratas, que se desdobram, formando um ordenamento fechado e acabado.

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Trata-se da teoria da jurisprudência dos conceitos: os conceitos e as definições todas se
relacionam entre si, sendo derivados de conceito inicial ao qual se subordinam os outros
novos conceitos. O Ordenamento seria gerado por derivação de umas normas para outras,
sempre relacionadas.

Ihering e jurisprudência dos interesses


Rudolf von Ihering (1818—1892) foi um jurista alemão. Sua principal obra é “A luta pelo Direito”,
de 1872.

Inicialmente, Ihering foi adepto da jurisprudência dos conceitos, até que, em 1861, abre
caminho para a jurisprudência dos interesses, que muito fala sobre a harmonização entre
segurança e justiça na sociedade.

Para esta corrente, o direito brota na sociedade através das lutas históricas pela conquista e
proteção de interesses, e deve ter o escopo de servi-la. O Ordenamento Jurídico deve cuidar
dos interesses, da satisfação de necessidades da vida, dos desejos e das aspirações da
sociedade. Tem-se, portanto, uma perspectiva sociológica do Direito.

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11. Positivismo - John Austin e HLA Hart
John Austin
John Austin (1790-1859) foi um jurista inglês, primeiro expoente do positivismo jurídico. Esta
escola surgiu notadamente com ideias opostas às do direito natural.

O positivismo jurídico tenta trazer uma descrição moralmente neutra da teoria do Direito,
ou seja, afastar-se de sua avaliação por meio de ideais religiosos, de um inatingível direito
divino ou de ideias que fossem atrás de uma verdade absoluta, natural, por trás das normas
materiais.

O positivismo não nega que a moral e a política sejam importantes para o Direito mas enfatiza
que, para se estudá-lo, estes elementos devem ser afastados. Ou seja, o Direito existe e pode
ser estudado sem as críticas morais, políticas e filosóficas.

Ele existe porque o ser humano assim o criou, decidindo colocar normas no papel de acordo
com as necessidades presentes da sociedade.

Para Austin, o que faz o direito ser compreendido como tal não é o fato de ser justo, mas sim
de ter sido emanado por um soberano sob ameaça de sanção. Segundo o autor:

O objeto da Filosofia do Direito é o Direito positivo; a lei, simples e estritamente designada: a lei posta por
superiores políticos para ser seguida por pessoas politicamente inferiores. (AUSTIN, 1998)

Por dizer que o direito é um comando, a teoria de Austin é considerada imperativista.

Herbert Lionel Adolphus Hart


H. L. A. Hart (1907-1992) é o maior expoente da teoria analítica do Direito.

Era seguidor de John Austin mas lhe realiza críticas no sentido de que existem comandos
acompanhados de sanções, mas o Direito não se resume a isso.

Para ele, o sistema legal consiste na união de regras primárias e regras secundárias.

As regras primárias impõem sanções para desvios na conduta humana. Pode-se citar como
exemplo a seguinte regra primária: passar no sinal vermelho - multa de R$100,00.

Em sociedades primitivas, as regras primárias são suficientes. Contudo, em sociedades


complexas, surgem questionamentos, por exemplo: como criar, modificar e extinguir regras?
Quem aplica as regras? Quem dá validade a esse sistema de regras?

Elas possuem deficiências e, por isso, são dependentes das regras secundárias.

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As regras secundárias pretendem solucionar a problemática das regras primárias e dividem-
se em:

•  Regras de reconhecimento: torna válida determinada norma jurídica (norma fundamental, como
descrito na teoria de Kelsen);
•  Regras de alteração: dispõem quando serão introduzidas novas regras primárias e removidas as
regras anteriores;
•  Regras de modificação: atribuem jurisdição a um indivíduo ou grupo de indivíduos para decidi-
rem quando uma regra primária foi violada.

É importante mencionar que, na visão de Hart, para que uma norma seja considerada de
direito, deve ter um mínimo de conteúdo de direito natural.

Interpretação
Direito é linguagem e a linguagem é intrinsecamente ambígua. É por isso que Hart diz que o
direito possui “textura aberta”.

A textura aberta implica a incerteza da aplicação de uma regra em casos não previstos.

Nos casos difíceis, em que há dúvida acerca da aplicação de uma regra por conta da insuficiência
das convenções linguísticas, o aplicador da lei analisa quais as possíveis classificações do
fato em relação ao que se tem como paradigma geral.

Dessa maneira, ele atribui novo significado à regra, antes não convencionado. Esta é a
discricionariedade judicial!

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12. Positivismo - Hans Kelsen
Hans Kelsen (1881-1973) foi um jurista e filósofo austríaco, provavelmente o positivista mais
estudado nos tempos atuais. Sua principal obra é a “Teoria Pura do direito”, de 1934.

Para Kelsen, o direito deve ser estudado separadamente de outras áreas do conhecimento,
como economia, política e a filosofia. (É importante ressaltar que, para ele, o Direito não está
separado da moral, mas deve ser estudado separadamente.)

Para estudar o direito, nessa toada, é necessário estudar objetivamente a norma jurídica e o
ordenamento no qual ela está inserida. O Positivismo veio como modelo marcado pelo método
científico, empírico, experimental, com busca por afastar-se de ideologias ético-religiosas e
proceder a uma análise criminológica mais fria, técnica, fática, isenta de julgamentos; trazendo
uma perspectiva de funcionalidade social ao ordenamento jurídico.

Para que o direito seja válido, é necessário que ele tenha poder coercitivo. Como o Estado
possui o monopólio de coação, é o soberano que possui a capacidade de criar o direito válido.

Já que o conceito de direito não tem relação com a justiça, segundo Kelsen, podem existir
ordenamentos jurídicos injustos.

Kelsen diferencia ainda a norma jurídica do fato. O fato está presente no mundo físico, em
uma relação de “é ou não é”. Já a norma jurídica está presente no mundo do “dever ser”. Em
outras palavras, o mundo em que vivemos (material ou fático) encontra-se no plano do ser,
enquanto as normas jurídicas descrevem aquilo que se entendeu como ideal - o dever ser.

Interpretação do Direito
No direito, existe uma margem de interpretação. Trata-se das diferentes possibilidades de
leitura contidas num mesmo texto; das nuances de entendimento que uma mesma letra da
lei é capaz de dar.

A interpretação, desse modo, é a atividade de buscar o entendimento da norma jurídica de


forma a aplicá-la mais adequadamente ao caso concreto.

O direito seria, nesse contexto, uma moldura que impõe limites à interpretação das normas,
sem definir com exatidão, entretanto, como ela será aplicada. Se não houvesse a moldura, a
discricionariedade do aplicador da lei sairia de controle, tornando-se arbitrariedade.

Hierarquia de regras
Para Kelsen, todas as normas jurídicas devem encontrar seu fundamento de validade em
outra norma jurídica superior.

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Tem-se então que, em regra geral, as normas superiores devem regular a aplicação das
normas inferiores. No entanto, esta regulação nunca é completa, e é neste momento que
surge a janela de interpretação.

No topo da pirâmide, para a teoria do autor, existirá uma única norma que dará validade a todo
o ordenamento jurídico.

Neste ponto, surgem alguns questionamentos: quem dá validade à norma no topo da


pirâmide? Qual seria o seu fundamento?

O que dá validade à norma no topo da pirâmide é a norma fundamental. Sem ela, não
poderíamos interpretar nenhum ato humano como sendo jurídico ou com validade jurídica. A
norma fundamental é hipotética e pressuposta.

Trata-se de um postulado, um fundamento, um axioma. Não é passível de ser comprovado


empiricamente, e podemos comparar tal definição com o conceito de “verdade absoluta”
existente no mundo ideal dos classicistas.

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13. Bobbio e a Teoria do Ordenamento jurídico
Norberto Bobbio (1909-2004) foi um filósofo, político e historiador, defensor da teoria
normativista do Direito.

Para Bobbio, o direito é definido a partir de um conjunto de normas relacionadas entre si:
simplesmente, o complexo orgânico de normas é o que forma o ordenamento jurídico. Bobbio
criticou muitas teorias que buscavam entender o conceito de direito, firmando mesmo que a
única teoria capaz de abarcar todas as outras de forma completa e sem incoerências é essa
do normativismo.

Temos ainda que Bobbio entende o fenômeno jurídico por meio de um método científico,
capaz de isolar o seu objeto (o Direito) das questões filosóficas ou ideológicas, centrando na
norma jurídica a sua investigação, assim como fez Kelsen.

No entanto, diferentemente de Kelsen, o que Bobbio procura é observar a norma jurídica em


sua essência de permitir, proibir ou obrigar.

Para o pensador, são características fundamentais do ordenamento jurídico:

•  Unidade: as normas estão dispostas em uma ordem, inter-relacionadas entre si e com o sistema
jurídico “amarrando-as”.
•  Coerência: significa que as normas não devem estar em conflito. Para tanto, existem mecanis-
mos que resolvem as antinomias, como veremos a seguir.
•  Completude: ela se dá pela ausência de lacunas.

Bom. Temos que não podem haver normas incompatíveis no ordenamento jurídico. Bobbio
foi quem formulou o conceito de antinomias. Elas dividem-se em:

•  Antinomias aparentes: incompatibilidade entre normas que pode ser solucionada através dos
critérios cronológico, hierárquico e da especialidade (lei mais recente revoga lei mais antiga; lei de
hierarquia superior prevalece sobre lei de hierarquia inferior, e lei específica é aplicada em detrimento
da lei que traz a regra geral).

Deve-se observar que o critério hierárquico sobrepuja os demais, ou seja, é visto como o mais
relevante, que tem mais força e preponderância em relação aos demais.

Caso estes critérios não solucionem a antinomia, deve-se utilizar o critério de justiça.

•  Antinomias reais: incompatibilidade entre normas que não pode ser solucionada.

O intérprete da lei pode, ainda:

•  Eliminar uma das normas em conflito (interpretação ab-rogante);


•  Eliminar as duas normas em conflito (dupla ab-rogação), e
•  Conservar as duas normas.

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Também não devem existir lacunas no ordenamento jurídico. Para que isto não aconteça,
pode-se utilizar a:

•  Heterointegração: a utilização de ordenamentos e fontes diversas.


•  Autointegração: a utilização de fontes do mesmo ordenamento, como a analogia, interpretação
extensiva e princípios gerais do direito.

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14. Direito e Justiça - John Rawls
John Rawls (1921-2002) foi um filósofo. Sua principal obra é “Uma teoria da justiça”, de 1971.

Rawls trata da democracia moderna, que trouxe os ideais da liberdade, igualdade e fraternidade,
propagados pela Revolução Francesa.

Para o autor, existe um impasse entre os princípios da igualdade e da liberdade, além da falta
de efetividade do princípio da fraternidade.

Trata-se, portanto, de um impasse entre os direitos fundamentais de primeira e segunda


dimensão.

A solução, segundo ele, é a busca da justiça como equidade, isto é, o equilíbrio entre os
valores da liberdade e da igualdade.

Para escolher corretamente os princípios de justiça, de forma imparcial, Rawls propõe que
se imagine um “véu da ignorância”, que nos impede de conhecer, por exemplo, nosso status
social, raça, etnia, nacionalidade, geração, atribuições, habilidades, nível intelectual, história
de vida pessoal, dentre outros.

Dessa maneira, é possível obter um consenso sobre o que são princípios de justiça,
independentemente de diferenças sociais, filosóficas e políticas.

Para Rawls, os princípios de justiça são:


1. As liberdades civis (direito ao voto, à proteção da integridade pessoal, à propriedade
privada, à proteção contra a prisão arbitrária; liberdade de expressão, de consciência e
de pensamento);

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2. As posições na sociedade devem estar disponíveis a todos sob condições de justa
igualdade de oportunidades. Somente nesta condição é que as desigualdades econô-
micas ou sociais são aceitáveis/desejáveis.
Deve-se observar que não se pode violar as liberdades individuais em nome de proporcionar
mais oportunidades a todos.

Além disso, as liberdades somente podem sofrer limitações quando estiverem em conflito
umas com as outras, já que nenhuma delas é absoluta.

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15. Ronald Dworkin
Ronald Dworkin (1931-2013) foi um filósofo do Direito norte-americano critico do positivismo,
do utilitarismo, e que centra sua filosofia no Direito no princípio da igualdade.

Embora Dworkin defenda os direitos humanos individuais, ele não os vê como direitos
naturais. Para ele, os direitos não possuem alguma característica metafísica especial, mas
são conquistas políticas dos indivíduos.

Ele divide os direitos da seguinte maneira:

•  Direitos preferenciais (background rights): direitos que antecedem a legislação e independem


dela. Justificam as decisões políticas da sociedade.
•  Direitos institucionais: provém da ação legislativa do Estado.

Regras e princípios
Dworkin também diferencia regras de princípios.

Enquanto as regras funcionam através da lógica do “tudo ou nada”, isto é, incidem ou não
incidem no caso concreto; os princípios não apresentam de pronto consequências jurídicas
e podem ser flexibilizados, adaptados, interpretados casuisticamente.

Nos casos difíceis (hard cases), os juristas decidem através dos princípios, afinal.

Vejamos, por exemplo, o caso Riggs v. Palmer, citado por Dworkin: nele, o neto havia matado
o avô para receber a herança.

De acordo com o positivismo, o neto deveria receber a herança mesmo assim. Contudo, a
Corte decidiu em sentido diverso, a partir do princípio de que “ninguém pode se beneficiar da
sua própria torpeza.” Desse modo, o assassino não recebeu a herança.

Nesse sentido é que Dworkin critica o positivismo, já que esse modelo prioriza as regras frias
por si só e afasta outros critérios “subjetivos”. Para o pensador, as decisões fundamentadas
em princípios possuem mais qualidade e são mais difíceis de ser refutadas.

Na visão de Dworkin, ainda, sempre haverá uma resposta correta, ou seja, não há
“discricionariedade”.

Isto não significa, porém, que, se dois juízes decidirem de forma diferente casos semelhantes,
um deles estará errado. Significa, sim, que eles não dispõem de todo o tempo e conhecimento,
enfim, para procurar a resposta correta perfeita fornecida pelo ordenamento jurídico. Ainda
que ela exista.

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Nesse sentido, Dworkin faz uma metáfora acerca do “juiz Hércules”, infalível, que possuiria
todo o tempo e conhecimento à sua disposição para sempre encontrar a resposta correta
para um caso. Esse juiz é hipotético, pois os juízes são todos humanos: falíveis.

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Filosofia do Direito

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