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Capítulo IV

As funções do Estado
O Estado existe para prosseguir A função política (legislativa e
determinados fins: garantia da paz social, governativa):
administração da justiça e a maximização
Função política: função primária que
do bem-estar da população.
define, em primeira mão, o interesse
Funções do Estado: diferentes tipos de público e os mecanismos através dos quais
atividades através das quais os órgãos se conseguirá alcançar os objetivos
estatais prosseguem os fins referidos. fundamentais do Estado.

Nota: uma vasta doutrina distingue entre A função política é exercida com mais
duas perspetivas de função do Estado: 1º liberdade pelos órgãos do Estado visto que
função como fim, tarefa ou incumbência – está submetida à Constituição, ao Direito
a função justifica o exercício do poder com da EU e ao Direito Internacional – esses
fundamentos nas necessidades específicas órgãos podem escolher o conteúdo e o
da comunidade política – 2º função como momento da prática dos atos em que se
atividade – assenta na passagem à ação concretiza o exercício da função.
das funções-fins a que o Estado se propôs.
Divide-se numa função governativa e
Classicamente distinguimos: numa função legislativa:

 Função legislativa;  Função governativa: prática de


 Função administrativa; atos não normativos, que definem
 Função jurisdicional ou judicial; ou concretizam opções políticas
primárias, não se dirigindo por
No século XVII, John Locke considerava que regra aos cidadãos.
os poderes basilares seriam o legislativo
(cria atos com valor de lei), o executivo Exemplos: nomeação do Primeiro Ministro
(cuida de dar exequibilidade às leis) e o e dos restantes membros do Governo pelo
federativo (responsável pelas questões que presidente da República (187º); o Governo
digam respeito às relações externas). apresentar o seu programa à Assembleia
da República (188º e 192º); o Governo ser
No século XVIII, Montesquieu defendeu demitido pela Assembleia da República ou
que o poder se deveria repartir em judicial pelo Presidente da República, pela
(tribunais), legislativo (responsáveis as Assembleia quando esta aprova moção de
assembleias legislativas/parlamentos) e censura ou rejeite uma moção de
executivo (incumbiria ao Chefe de Governo confiança(194º nº1 ou 195º nº1 f)), pelo
e aos seus ministros). Presidente da República quando este o
Aperfeiçoamento da tríade clássica: considere necessário para assegurar o
funcionamento das instituições
 Função política lato sensu: democráticas (195º nº2 e 133º g)).
subdivide-se em função legislativa
e função governativa ou política  Função legislativa: concretiza-se
stricto sensu; na emissão de atos normativos,
 Função administrativa; que contêm comandos gerais e
 Função jurisdicional; abstratos, que traduzem a
definição de opções políticas
primárias e que terão por regra
destinatários como membros da O poder administrativo pertence
comunidade estatal. primacialmente ao Governo, enquanto
órgão superior da Administração Pública –
Os órgãos que têm esta função no nosso
artigo 182º da CRP – mas é igualmente
ordenamento jurídico: Assembleia da
exercido por outros órgãos administrativos
República (164º e 165º); Governo (198º);
e por outras entidades públicas, como
Assembleias Legislativas das Regiões
autarquias locais - artigo 235º da CRP.
Autónomas dos Açores e da Madeira (227º
e 228º). A Assembleia da República cria Função judicial: concretiza-se na resolução
leis, o Governo decretos-leis e as de litígios concretos entre pessoas
Assembleias Legislativas Regionais criam privadas, entre pessoas públicas ou entre
decretos legislativos regionais. O Governo pessoas públicas e pessoas privadas
é o que mais legisla em termos através da aplicação das regras de Direito
quantitativos, mas a Assembleia da vigentes, com vista à pacificação das
República é o que está mais vocacionado relações jurídicas.
para legislar matérias importantes em
Apenas os tribunais estão habilitados a
termos qualitativos.
exercer o poder de administrar a justiça
Função administrativa e função judicial em nome do povo – artigo 202º da CRP,
consagra uma reserva de jurisdição: aos
Ambas estas funções são funções
tribunais compete exclusivamente o
secundárias pois são exercidas de acordo
“monopólio do exercício da jurisdição”.
com as normas jurídicas definidas pela
função política. Semelhanças entre as duas funções:

Costumavam ser agrupadas na função  Traduzem-se em atuações


executiva de acordo com a ideia de que concretas;
apenas se realizariam através da mera  Estão subordinadas à lei – 266º nº2
execução da lei. Atualmente, devemos e 203º 2º parte;
considerar ultrapassado este ponto de  Estão subordinadas à Constituição.
vista pois em ambas existem momentos de O princípio da constitucionalidade
escolha ou criação autónoma que vão para (artigo 3ºnº3 da CRP) abrange toda
além de uma mera execução normativa. a atividade pública e fulmina de
inconstitucionalidade as atuações
Função administrativa: consiste na
públicas (positivas ou negativas)
atividade contínua de satisfação das
que desrespeitem qualquer
necessidades públicas definidas
preceito constitucional.
previamente pela lei: por exemplo a defesa
 Devem aplicar e respeitar o Direito
nacional, a educação das crianças e jovens,
da União Europeia e o Direito
o saneamento básico.
Internacional;
Nota: a seleção das necessidades que hão
Distinções entre as funções:
de ser satisfeitas é desempenhada pela
função política. Uma vez determinados os  A função administrativa é vista
interesses públicos prioritários, cabe à como prospetiva visto que se
Administração Pública prossegui-los em debruça sobre o presente e futuro.
concreto, dotando os serviços públicos de  A função judicial é retrospetiva
meios humanos e materiais, designando (exceções nas providências
órgãos dirigentes e fornecendo os bens e cautelares) visto que se incide
prestando os serviços que satisfaçam as sobre uma situação jurídica já
necessidades da população.
criada e procura encontrar a decidir a questão com base nos
solução de Direito para a mesma. elementos e dados de facto que
 A função jurisdicional é uma sejam trazido para os autos, tendo
função de garantia e realização do de se abster de, ele próprio,
Direito, resolve questões do investir algum facto que lhe pareça
Direito. relevante para a decisão em causa,
 A função administrativa se socorre assim salvaguardando a
instrumentalmente do Direito no imparcialidade.
cumprimento das suas tarefas.  A função administrativa contém
Contudo, cada vez mais a tradicionalmente uma estrutura
Administração Pública tem uma hierárquica descendente – pelo
função de resolver questões do poder de direção (o
Direito, pois há entidades hierarquicamente superior tem a
administrativas a quem compete faculdade de dar ordens e
dirimir litígios entre sujeitos instruções ao subalterno) – e
privados com relevo para o Direito ascendente – o destinatário de um
Público – entidades reguladoras, ato praticado por um ato
como por ex. ERC (entidade subalterno tem o direito de
reguladora da comunicação social) recorrer para o superior
e, mesmo assim, não tem como hierárquico do mesmo.
finalidade a estrita pacificação de  A função jurisdicional não contém
relações jurídicas mas visa qualquer hierarquia descendente,
assegurar a satisfação de outros apenas ascendente. Existe uma
interesses públicos. hierarquia ascendente visto que a
 A função administrativa é ativa sentença proferida por um Tribunal
visto que, para a satisfação das de 1ª instância pode ser objeto de
necessidades coletivas, os órgãos recurso de um Tribunal superior,
de Administração Pública possuem fazendo este a reformulação da
uma postura dinâmica, de iniciativa decisão. Não existe hierarquia
no desempenho dessas tarefas. Ao descendente visto que um juiz de
mesmo tempo, na prossecução um Tribunal de 1ª instância não
destas necessidades e interesses, recebe ordens de uma juíza do
os órgãos administrativos agem Tribunal da Relação nem de um do
com uma certa parcialidade – a sua Supremo Tribunal de Justiça, assim
incumbência não é descortinar o salvaguardando a independência
que seria melhor para os dos magistrados – artigo 203º nº1.
particulares e pesar os interesses
em questão, mas sim escolher a
solução que melhor realiza o Casos de diluição de fronteiras:
interesse público. Isto não invalida
o dever de imparcialidade no Nem sempre é fácil estabelecer as
tratamento de particulares, nunca fronteiras entre as funções política,
pode favorecer um particular em administrativa e jurisdicional.
detrimento de outro. Ministério Público: está entre a função
 A função jurisdicional possui uma administrativa e a função jurisdicional.
postura passiva imperando o
princípio do pedido. Segundo este Por um lado, é jurisdicional visto que:
princípio, o juiz apenas poderá
 Trabalham em Tribunais, respeitam ou não a Constituição.
juntamente com os juízes; Portanto, o seu poder não se limita
 São tratados no título V da CRP, á definição do Direito em concreto
reservado aos Tribunais, estão nas sim em abstrato, ao contrário
inseridos no capítulo dos demais Tribunais. Quando se
imediatamente a seguir ao dos declara uma norma
juízes; inconstitucional (282º nº1), o
 A sua formação é lado a lado com Tribunal Constitucional atua à
os juízes, no CEJ; semelhança de um legislador
negativo, visto que irá declarar a
Por outro lado, é administrativa visto que: inconstitucionalidade de uma
 Quanto à sua estrutura interna, à norma que haja sido criada pelo
semelhança dos órgãos legislador positivo, eliminando-a da
administrativos, há uma relação de ordem jurídica.
hierarquia descendente – 219º nº4 Princípio da Separação de Poderes
e 220º nº1 – é possível que o
superior hierárquico dê ordens aos As funções do Estado, em Portugal e na
inferiores e estes têm o dever de generalidade dos Estados ocidentais, são
obediência; exercidas por uma multiplicidade de órgãos
 No exercício da sua atividade agem – garantindo assim o cumprimento do
de forma ativa e dinâmica, princípio da separação de poderes.
podendo investigar;
Princípio da Separação de Poderes: de
Tribunal Constitucional: está entre a acordo com este princípio, os poderes do
função jurisdicional e a função política. Estado não devem estar todos
concentrados numa única pessoa ou órgão,
Por um lado, é jurisdicional visto que: como sucedia no Antigo Regime, mas
 De acordo com o artigo 209º nº1 devem sim ser distribuídos por órgãos
da Constituição, é uma categoria diferentes, que se fiscalizarão mutuamente
de Tribunal; e, deste modo, impedirão o abuso do
 A sua denominação é a de poder.
“Tribunal”; Apenas em finais do século XVII é que esta
Por outro lado, é política visto que: teorização assumiu uma conotação política
fundamental, associada à reação contra a
 O modo de seleção destes juízes monarquia absolutista e à defesa do
não é igual ao modo de seleção dos liberalismo. A separação de poderes
outros tribunais (222º nº1): os encarnou inicialmente uma doutrina
outros juízes são selecionados por política convertendo-se, mais tarde, no
concurso, 10 dos juízes do Tribunal mote do Estado Constitucional Liberal,
Constitucional são eleitos pela surgido em consequência das revoluções
Assembleia da República, que é liberais inglesa, norte-americana e
uma entidade política, e os outros francesa.
3 pelos 10 escolhidos
primeiramente; Artigo 16º da Declaração dos Direitos do
 O objetivo do Tribunal Homem e do Cidadão, 1789: “Qualquer
Constitucional é avaliar se as sociedade em que não esteja assegurada a
normas que lhes chegam são garantia dos direitos, nem estabelecida a
constitucionais ou não, ou seja, se
separação dos poderes não tem dúvidas quanto à competência dos órgãos,
Constituição”. deverá optar-se por uma solução que
privilegie a função primordial que o órgão
O objetivo da separação de poderes é o de
em causa desempenha. Por ex. na dúvida
evitar a concentração do poder nas mãos
sobre se a competência pertence à
de uma só pessoa, que poderia resultar em
Assembleia da República ou ao Governo
arbítrio ou em abuso de poder político. A
deverá optar-se pela Assembleia porque é
separação de poderes permite repartir o
o órgão legislativo por excelência – artigo
exercício da soberania entre vários órgãos.
147º da CRP.
Nota: algumas experiências totalitárias e
Atualmente, nos ordenamentos jurídicos
autoritárias vividas representam exemplos
ocidentais, a separação de poderes não é
dos malefícios da concentração do poder
rígida, admitindo-se uma interação entre
num indivíduo ou num grupo de indivíduos,
os poderes – separação flexível e maleável.
ao serviço de um ideal político, alheando-
Zippelius preferia uma “relação de
se da vontade dos demais cidadãos.
coordenação juridicamente regulada” que
Instrumentalizaram ainda o poder político
conserve a unidade jurídica do poder
como meio de promoção dos seus
estatal a uma relação de independência
programas e desígnios políticos.
absoluta. Já Montesquieu se havia oposto a
Dimensões deste princípio: uma divisão rígida ou estanque entre os
poderes. Equacionou que os poderes se
A doutrina mais atual tende a considerar controlavam mutuamente, numa relação
que a separação e interdependência de de dependência entre si. Em razão disso, a
poderes abrange, além dessa dimensão lógica seria a atribuição principal de
negativa, de controlo recíproco de poderes determinadas funções a um determinado
(“checks and balances”, “freins et órgão.
contrepoids”), uma dimensão positiva.
Dever-se-ia atribuir a cada órgão o poder Na nossa Constituição, artigo 111º, se faz
ou função para cujo exercício o mesmo menção expressa à separação e
está orgânica e procedimentalmente mais interdependência de poderes: apesar de
habilitado. Verifica-se que determinados existir alguma divisão de poderes, verifica-
órgãos, pela sua peculiar estrutura, pelos se que o exercício de muitos poderes
seus titulares e pelo seu modo de pressupõe flexibilidade, ou seja, a
funcionamento, estão mais vocacionados colaboração dos diversos órgãos de
para desempenhar determinadas funções soberania.
do que outros.

Por exemplo, um parlamento seria muito


menos adequado para atos jurisdicionais
do que um tribunal – visto que os
deputados não gozam das garantias
pessoais de independência judicial e nem
sempre possuem a habilitação para o cargo
de juiz.

Diretamente relacionado com o princípio


de separação e interdependência dos
poderes está o princípio da justeza
funcional. Este princípio de interpretação
constitucional postula que, quando surjam

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