Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1. A RACIONALIZAÇÃO WEBERIANA
O grande teórico da Modernidade que primeiramente deitou suas atenções ao
entendimento dos mecanismos de legitimação utilizados pela burguesia para garantir a
manutenção da sua dominação política foi Max Weber, expandindo a idéia de racionalização
para todos os aspectos da sociedade: “[...] o capitalismo é a racionalização da economia; a
secularização é a racionalização das crenças; e a burocracia é a racionalização da
administração.” 3
Weber construiu toda sua metodologia científica a partir da idéia de racionalização de
todas as esferas da existência humana, o que torna evidente o caráter profundamente
ideológico de seu pensamento, uma vez que a racionalidade somente se colocou como o
fundamento da modernidade por ser de especial importância para o desenvolvimento do modo
de produção capitalista e, conseqüentemente, da dominação burguesa-ocidental,
especialmente por conseguir sepultar, de vez, o pensamento metafísico religioso medieval.
Por isso a racionalidade se configura como o fundamento de todo o conhecimento moderno.
O purismo metodológico weberiano e sua racionalidade surgem como os mecanismos,
por excelência, de construção do conhecimento científico, ao longo de toda a Modernidade.
No mesmo sentido, dirige-se o positivismo aplicado às ciências humanas durante o século
XIX, introduzindo os métodos e procedimentos tipicamente praticados nas ciências exatas ou
biológicas para o estudo das relações humanas.
A especialização e a compartimentação do saber são pregadas por Weber como a única
forma possível de construção do conhecimento, o que é utilizado pelo capitalismo para
justificar a exploração da força de trabalho. Ao fragmentar a atividade produtiva, o capitalista
torna o trabalhador dependente do conhecimento técnico global da produção, tornando seu
trabalho alienado, sendo, este, portanto, o método da racionalização aplicado ao processo
produtivo capitalista.
Para Weber, a racionalização,
1
Texto adaptado da seguinte dissertação de Mestrado: RODRIGUES, Priscilla Cardoso. Reflexão sobre a
legitimação do Estado contemporâneo. 2005. Dissertação (Mestrado em Direito). Programa de Pós-Graduação
em Direito da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista, Franca, 2005.
2
A autora é professora do Instituto de Ciências Jurídicas e do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena
da Universidade Federal de Roraima.
3
COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. 2 ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991. p. 362.
2
A complexidade das causas do capitalismo, bem como a dos elementos que não
cessaram de intervir no curso de seu desenvolvimento histórico, indicam
suficientemente que não há um capitalismo único que se deixaria reduzir a uma
fórmula ou a um slogan. [...] Por esta razão e para dar uma unidade pelo menos
formal a este vasto desenvolvimento econômico, tão diverso segundo os países e
as épocas, Weber prefere em geral falar do espírito do capitalismo. 5
4
FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. tradução de Luís Cláudio de Castro e Costa. revisão de Paulo
Guimarães de Couto. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 19.
5
Idem, p. 129.
6
Idem, p. 20.
3
7
FREUND, op. cit., p. 106.
8
Idem, p. 107.
9
idem, p. 25.
4
valores e elaborar uma análise pura, avalorativa. A própria defesa desse purismo
metodológico, por si só, implica tomada de posição e eleição de determinados valores em
detrimento de outros.
Dentro de sua racionalização metodológica, com a finalidade de garantir o purismo do
conhecimento científico, Weber introduz o conceito de tipos ideais para analisar os diversos
conceitos sociológicos.
Para o autor, a utilização de tipos ideais impede a confusão metodológica gerada pelo
uso indiscriminado dos conceitos históricos, pois, como o conteúdo de um conceito varia em
cada época, a confusão de conceitos pode levar à imprecisão teórica do fato social. A
existência de tipos ideais, como categorias científicas para o estudo das ciências humanas
permite alcançar o rigor metodológico e conceitual almejado por Weber:
10
FREUND, op. cit., p. 48.
5
El conjunto de los funcionarios y a la fuerza armada del Estado, que solo pueden
ser considerados como un aparato técnico en manos del gobierno, no constituyen de
por sí, propiamente hablando, ni una fuente de legalidad ni una base para la
legitimidad. 12
11
FREUND, op. cit., p. 159.
12
SCHMITT, Carl. Legalidad y legitimidad. tradução de Jose Diaz Garcia. Madrid: Aguilar, 1971. p. 18.
6
13
SCHMITT, op. cit., p. 22.
14
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da
sociedade burguesa. tradução de Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. p. 37.
15
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos de uma sociologia compreensiva. tradução de Regis
Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. revisão técnica de Gabriel Cohn. 3 ed. Brasília: Universidade de Brasília,
2000. v. 2. p. 143.
7
16
FREUND, op. cit., p. 191.
8
Dominação difere-se de poder, na medida em que este é mais genérico que aquela,
sendo “toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra
resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade” 19. Ou seja, qualquer tipo de
diferenciação de capacidade que coloque alguém em situação de mando sobre a outra é
considerada poder.
Somente quando essa capacidade é representada por uma ordem é que se transforma
em dominação:
17
FREUND, op. cit., p. 179.
18
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos de uma sociologia compreensiva. tradução de Regis
Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. revisão técnica de Gabriel Cohn. 3 ed. Brasília: Universidade de Brasília,
2000. v. 1, p. 33.
19
Idem, ibidem.
20
Idem, ibidem.
9
Assim, para que uma ordem ou uma dominação sejam consideradas legítimas é
necessário “que a própria pretensão de legitimidade, por sua natureza, seja ‘válida’ em grau
relevante, ser reconhecida e praticamente tratada como tal.” 23
Obediência, para Weber significa que,
21
Idem, 139.
22
Idem, ibidem.
23
Idem, p. 140.
24
Idem, ibidem.
25
Idem, p. 19.
26
Idem, ibidem.
10
Apesar de serem tipos ideais, que dificilmente ocorreram na história de maneira pura,
eles garantem uma ampla compreensão do fenômeno da legitimação do poder político.
Dentro do Estado moderno, o tipo de dominação legítima é o legal, resultado de um
processo de racionalização do consenso que o permite impor condutas, de maneira coercitiva
e coativa, a todos os membros da sociedade, apresentando-se como “um cosmos de regras
abstratas, normalmente estatuídas com determinadas intenções” 29.
Nesse sentido, todas as funções estatais devem a ele se submeter: seja a função judicial
que deverá se limitar a aplicar as leis aos casos concretos; seja a função administrativa que,
também deverá atuar “dentro dos limites das normas jurídicas e segundo princípios indicáveis
de forma geral, os quais encontram aprovação ou pelo menos não são desaprovados nas
27
WEBER, v. 1, p. 141.
28
Idem, ibidem.
29
Idem, p. 142.
11
Na realidade, Weber acredita que a aceitação da dominação legal pode ocorrer por
motivos muito diversos, sendo o principal a sua coatividade, na medida em que a
obrigatoriedade exige uma obediência muito mais eficaz que a facultatividade. Por isso,
apesar de existirem diversas ordens sociais, a única que é efetivamente obedecida é a ordem
legal, eis que é a única estabelecida de maneira coativa.
Ao tratar das diversas circunstâncias que podem gerar a obediência, alega Weber:
30
WEBER, v. 1, p. 143.
31
Idem, ibidem.
32
Idem, ibidem.
33
Idem, ibidem.
12
Mas as circunstâncias de que, ao lado dos outros motivos, para pelo menos uma
parte dos agentes essa ordem aparece como algo modelar e obrigatório e, por isso,
como devendo ter vigência, aumenta naturalmente, e muitas vezes em grau
considerável, a probabilidade de que por ela se orientem as ações. Uma ordem
observada somente por motivos racionais com referência a um fim é, em geral,
muito mais mutável do que a orientação por essa ordem unicamente em virtude do
costume, em conseqüência do hábito de determinado comportamento, sendo esta a
forma mais freqüente da atitude interna. Mas esta, por sua vez, é ainda mais
mutável do que uma ordem que aparece com o prestígio de ser modelar ou
obrigatória, ou, conforme dizemos, ‘legítima’. 34
34
WEBER, v. 1, p. 19.
35
Idem, p. 21.
36
Idem, ibidem.
37
Idem, ibidem.
13
38
WEBER, v. 1, p. 21.
39
Idem, ibidem.
40
Idem, p. 23.
41
Idem, ibidem.
14
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. 2 ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1991.
FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. tradução de Luís Cláudio de Castro e Costa.
revisão de Paulo Guimarães de Couto. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma
categoria da sociedade burguesa. tradução de Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1984.
SCHMITT, Carl. Legalidad y legitimidad. tradução de Jose Diaz Garcia. Madrid: Aguilar,
1971.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos de uma sociologia compreensiva.
tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. revisão técnica de Gabriel Cohn. 3 ed.
Brasília: Universidade de Brasília, 2000. v. 1 e 2.