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Simpósio de Saúde LQBTQIA+

Saúde da Mulher Lésbica e Bissexual na Atenção Primária


Dra. Rita Helena Borret
Orientação Sexual é composta por comportamento, desejo/atração e identidade. No
caso das mulheres lésbicas, a atração sexual se dá por pessoas do mesmo sexo,
todavia, isso não significa – necessariamente – que ela se comporte dessa forma; ou
seja, pode haver a atração, mas ela não tenha relações sexuais e afetivas com outras
mulheres. Sobre a questão de identidade, podemos ter mulheres que tenham, de fato,
relações sexuais e/ou afetivas com outras mulheres, mas não se consideram lésbicas
(MSM); claro que não cabe a nós, profissionais da saúde, quaisquer projeções e
julgamentos acerca dessa identificação.
O prazer sexual feminino começou a ser uma pauta discutida somente a partir da
década de 60, devido aos avanços do movimento feminista, em que se separaram os
direitos sexuais dos reprodutivos. Lembrar da interseccionalidade ao trabalhar com
mulheres lésbicas, para que possamos entender como as diferentes opressões
(mulher, homossexual, negra, trans ...) serão refletidas sobre essa paciente. Outro
fator de extrema importância é lembrar de perguntar para as mulheres acerca de sua
sexualidade, não inferir sobre. Prestar atenção no exame físico ginecológico das
mulheres lésbicas, muitas nunca experimentaram penetração sexual, o que requer
muito mais cuidado e atenção ao examinar.
“Estratégia de Saúde da Família” – Mas que família? Quase que totalmente voltado à
família hétero, branca, com boas condições de vida... A atenção das pessoas LGBTQIA+
começa com o trabalho com a família, com o ambiente em que essa pessoa vive, que –
muitas vezes – não é um local de abrigo, mas de rejeição.
Saúde Integral de Mulheres

 Abordar sexualidade – como a paciente se vê, como vê sua sexualidade e como


ela deseja trabalhar esse tema consigo e com as pessoas ao seu redor; se é
necessário apoio multidisciplinar, coletivos etc.
 Abordar práticas, comportamentos e satisfação sexual – saber como é a rotina
sexual, as preferencias e práticas; como é o desejo e a satisfação sexual, que
muitas vezes podem estar pautadas em culpa. Lembrar que o sexo entre
mulheres também é transmissor de IST e que plástico filme NÃO é barreira de
proteção. Para as relações sexuais entre mulheres, devemos considerar as
vaginoses como IST, tratando a paciente e sua parceira. O preventivo deve ser
realizado por pacientes lésbicas, pois pode haver transmissão de HPV entre
parceiras.
 Abordar orientação e identidade sexual – sem inferir, mas estabelecer um
ambiente de segurança para a paciente.
 Abordar redes de apoio – ver como é a situação familiar dessa paciente, como
ela se sente em relação a sua família, como são os relacionamentos dentro de
casa.
 Abordar relacionamentos afetivos
Métodos de barreira para sexo entre vulvas
Não há métodos de barreira pensados exclusivamente para o sexo entre mulheres, o
que se faz é a adaptação de alguns materiais.
- Cortar camisinha

- Cortar luva de látex

- Dental dam

- Camisinha Interna
Pode-se indicar para a mulher o uso da camisinha interna, tanto para penetração com
dedo e brinquedos ou sexo oral, pois a parte que fica externamente cobre a vulva e o
clitóris.
Orientações sobre práticas sexuais:

 Evitar contato com sangue menstrual ou com lesões em vulva


 Manter unhas cortadas quando há penetração com dedos
 Usar lubrificante quando necessário em práticas que podem ocasionar lesões
Preventivo
Nos casos de mulheres que não tiveram relações sexuais com penetração, devemos
perguntar se ela tem o desejo de realizar o preventivo, explicando que o procedimento
pode levar ao rompimento do hímen. Para mulheres que já experimentaram
penetração (com dedo ou pênis), devemos ofertar o exame.

Cuidados com Sexo Anal


Dr. Vinícius
Anatomia e Fisiologia do Sexo Anal
O sexo anal ocorre, normalmente, no reto (15 cm) e canal anal (3 a 4 cm). A urgência
evacuatória se dá pela presença de fezes no reto, quando se esvazia a ampola retal –
após a evacuação – o reto também se esvazia.
Devemos perguntar a todos os pacientes, independente da orientação sexual, se há
prática sexual anal e, ainda mais, entender as práticas e preferências, como ativo,
passível e versátil. É importante frisar que o sexo anal não é somente e a penetração
peniana, mas também o sexo oral anal, introdução de dedos e/ou brinquedos.
Para os praticantes de sexo oral anal, devemos oferecer a vacina para Hepatite A (duas
doses, caso o paciente não tenha sido imunizado na infância – IgG positivo), infecção
que pode ocorrer nesses pacientes devido a contaminação oral-fecal. Para os
pacientes que apresentem sintomas de infecções parasitárias (diarreia, prurido,
sangramento), devemos investigar e administrar antiparasitários.
Nas práticas de dupla ou tripla penetração, alertar os pacientes sobre a chance de
laceração, principalmente quando se usa anestésicos na prática sexual, que podem
mascarar as lesões momentaneamente. Outra orientação válida é a da posição, em
que se recomenda um ativo deitado, o passivo por cima e o outro ativo pode penetrar
por trás também. “Assplay” é uma prática de sexo anal com brinquedos, dedo e língua,
utilizada quando não se quer ter penetração peniana. Para os pacientes praticantes de
“fisting”, podemos adotar uma série de orientações com objetivo de contenção de
danos, indicando que usem luvas e lubrificante para evitar a transmissão de IST, além
de informar e alertar sobre o risco de lacerações e perfurações intestinais.

Cuidados no Sexo Anal


Lavagem retal – “Chuca”
Como mencionado, as fezes ficam no reto antes da evacuação, sendo necessária então
a lavagem apenas dessa área. Devemos indicar ao paciente que utilize pouca água,
cerca de 200 – 300 ml já são suficientes para a limpeza do reto; evitar uso de duchas
compartilhadas e, se possível, utilizar dos enemas descartáveis, que já vem com pouca
quantidade de água, facilitando a higiene correta. Alguns pacientes, principalmente
com aqueles que possuem hábito intestinal controlado, ocasionalmente não realizam a
lavagem retal, apenas a higienização externa do ânus. Conhecer o corpo e o fluxo
intestinal podem auxiliar na rotina dessa higiene. Aconselhar o paciente a não fazer
várias lavagens em um único dia e explicar que, nem toda relação requer,
necessariamente, a chuca – vai variar com a fisiologia de cada um.
Estudos indicam que a própria chuca pode aumentar o risco de contágio de IST, devido
à possibilidade de micro traumas durante o processo da lavagem, ofertando barreira
de entrada para os patógenos como HIV, hepatites virais, candidíase etc.
Alimentação
Para os pacientes que possuem hábito intestinal mais lento, podemos introduzir dieta
balanceada com fibras para regularizar o hábito intestinal (linhaça, aveia, farelo de
trigo). Antes do coito, recomenda-se alimentação pobre em resíduos (feijão, grãos em
geral), alimentos gordurosos, alimentos com xantina (chocolate, café, pois estimulam a
peristalse). Há no mercado alguns medicamentos a base de fibras e probióticos (pure
for men e xoxuca), que vêm com a promessa de substituir a lavagem, mas o que eles
fazem é a regulação intestinal, podendo ainda ser necessária prática. Orientar o
paciente a não utilizar medicações que atrasem o trânsito intestinal (imosec).
Lubrificação
Usar lubrificantes a base de água ou silicone (pois são seguros para usar junto do
preservativo, não dissolvem o látex) e evitar os a base de óleo. Somente o lubrificante
que vem no preservativo não é suficiente, pois o ânus não tem nenhuma lubrificação
natural. Evitar o uso de saliva, pois além de não fazer uma lubrificação correta,
predispõem a IST, como clamídia, herpes e gonorreia (estudos comprovam). Evitar uso
de anestésicos locais, pois mascaram lesões que ocorrem durante o sexo.
Preservativo
Além da prevenção contra IST, protege também o pênis da exposição a bactérias
intestinais e fecais. Não utilizar dois preservativos, pois o atrito pode ocasionar
rompimento do látex. Evitar o uso de preservativo interno (interno/vaginal), pois não
se tem comprovação da eficácia desses preservativos como protetores no sexo anal,
além do fato de não terem sido projetados para esse uso – na vagina, há o colo do
útero que barra a entrada do preservativo; como no ânus não há essa barragem, pode
ser que o preservativo interno entre no intestino, expondo a mucosa anal, não
oferecendo proteção ao usuário, bem como a chance de outras complicações
intestinais. Além dos citados, pode escorrer esperma para o ânus ou a penetração ser
entre o preservativo e o ânus, justamente pelo fato de não haver vedação. Claro, esse
preservativo é melhor que nada, mas devemos informar ao paciente que não é o mais
adequado.
Uso de brinquedos
Tentar utilizar objetos específicos para penetração anal, pois os brinquedos para
vagina as vezes não são cilíndricos e tem a base larga, o que pode ser menos
confortável, além da chance de ser introduzido totalmente e passar a ser corpo
estranho no reto. Os cuidados são os mesmos da penetração peniana, devendo
encapar o brinquedo com preservativo e utilizar lubrificante, além de evitar
compartilhar brinquedos entre os parceiros, pelo risco de contaminação.
Podemos indicar o uso de brinquedos para os pacientes que tenham vontade de fazer
penetração mas sintam dificuldades. Os exercícios servirão como uma espécie de
fisioterapia pélvica, ajudando a conhecer melhor o corpo, relaxamento de esfíncter e
busca do prazer.
Doenças orificiais
Doença hemorroidária – não é causada pelo sexo anal. Nos quadros de trombose
hemorroidária, pode-se recomendar evitar o sexo anal para a prevenção de piora.
Quando indicado cirurgia, devemos atentar para o fato do paciente ser praticante de
sexo anal, pois o pós-operatório é de recuperação lenta, demorando para o paciente
retornar às práticas sexuais, o que pode ter impacto em sua qualidade de vida.
Podemos indicar tratamento e medidas clínicas.
Fissuras anais – são causadas devido a hipertonia do esfíncter associado a constipação
ou uma relação sexual anal com falta de lubrificação.
Fístula anais – são mais comuns nas pessoas que praticam sexo anal, consistem em um
trajeto fistuloso devido a abcesso anal. Pode ser feito o tratamento cirúrgico, mas
devemos se atentar também ao fato da prática anal.
IST
Verrugas Anais – Em geral, são causadas pelo HPV, adotando aspecto de lesão em
condiloma acuminado, podendo se fazer presente tanto no orifício anal interno quanto
externo. Os tipos 6 e 11 ocasionam verrugas anogenitais e os tipos 16 e 18 tem maior
carcinogênese. O Dx é basicamente clínico, mas pode se fazer também a citologia anal
(anal pap). Indicar a vacina de HPV para os pacientes. No SUS, tem-se a disposição a
vacina tetravalente, mas na rede privada tem até a nonavalente.
Ver depois
HPV e câncer de ânus
Úlceras anais
Herpes genital (anal) – pode coletar swab anal e fazer PCR para identificação do vírus
Sífilis – no ânus, pode ser que as feridas sejam dolorosas e causar tenesmo. Pode se ter
ferida perianal ou anorretal
Cancro mole
Lifogranuloma venéreo
Dorovanose
Proctite
Sintoma principal é a queixa de evacuação incompleta, dor retal e tenesmo. As
principais causadoras são gonorreia e clamídia, mas também pode ser causada por
sífilis e herpes.

Abordagem da Sexualidade da Pessoa LGBTQIA+


Dra. Karina Cidrim – Ginecologista e Especialista em Sexualidade
O que não fazer:
o NUNCA pressupor a heterossexualidade
o Evitar meras curiosidades, principalmente se não for capaz de ajudar o paciente
o Evitar conselhos, opiniões pessoais e religiosas e perpetuação de mitos
o Não cogitar ou reprimir o desejo a gestação, principalmente no atendimento de
mulheres lésbicas e homens trans
Atendimento da mulher lésbica, bissexual e MSM
Devemos legitimar e validar a relação sexual entre mulheres; não é o fato dela não ter
tido penetração que a deixa como virgem, por isso não devemos a encarar como tal. O
profissional deve expandir seu olhar sobre a prática sexual dessa mulher, para
conseguir orientar essa paciente da melhor forma possível, informando-a sobre as IST
mais prevalentes e suas formas de contágio (unhas, lesões na boca, lesões vaginais).
Antes de realizar o exame físico ginecológico nessas pacientes, podemos escutá-la e
entender melhor sobre suas práticas sexuais, para melhor escolha do tipo de
abordagem no exame, como a escolha do espéculo (perguntar para a paciente se ela
acha que aquele espéculo é adequado para seu corpo).
Um fator importante, principalmente se o ginecologista for o único médico com que
essa paciente tem contato. Avaliar como está a relação familiar, de relacionamentos
amorosos, na sociedade etc.
Os materiais disponíveis para prevenção de infecções no sexo lésbico não são efetivos,
além de – mesmo os existentes – não terem adesão dessas mulheres, devemos
orientar essa paciente e trabalhar com a contenção de danos: fazer o exame de rotina
ginecológico, oferecer os métodos contraceptivos disponíveis (em caso de bissexuais
ou se a paciente assim desejar), informar sobre as prevenções disponíveis, pedir alerta
com a parceira (corrimentos, feridas, sangramento, mal cheiro) para adequar as
práticas sexuais daquele encontro, informar e orientar sobre brinquedos.
Atendimento da População Trans
A falta de estudos dirigidos a essa população é um grande fator limitante no
atendimento, pois existem poucos protocolos que regem esse atendimento.
Mulheres Trans

 Nas mulheres transgenitalizadas


o Cuidados com a neovagina – examinar a vagina normalmente, em busca
de lesões. Um fator que essas pacientes demandam é a estética com a
vulva, para uma maior passabilidade.
o Monitoramento da hormonização – pode ou não ser feito junto ao
endocrinologista.
o Avaliação das mamas – US para as que utilizam próteses e atenção
dobrada as que possuem óleos ou silicone injetados.
o CA prostático – não há recomendação formal de rastreio, pois essas
pacientes usam estrogênio já na hormonização, que seria um fator
protetor a esse tipo de câncer (o estrogênio é utilizado para o
tratamento de CA prostático em homens cis). Ainda assim, nas mulheres
trans que mantiveram sua próstata, devemos ter atenção incluir isso em
nosso raciocínio clínico.
o Terapia hormonal com estrogênio – devemos considerar muito as
contraindicações relativas, levando em conta a automedicação,
impactos na saúde mental e abandono de terapia. Caso realmente haja
contraindicação de hormonização nessa paciente, explicar com muita
clareza e avaliar a possibilidade de introduzir a TH em menor dose ou
outras vias de administração.

 Mulheres não transgenitalizadas


O atendimento dessas mulheres é SIM no ginecologista, mesmo que não haja
desejo de realizar cirurgia de redesignação. Devemos avaliar a saúde integral
dessa mulher, calendário vacinal, hormonização, prevenção de IST,
acolhimento e acompanhamento conjunto com o urologista. Considerar
sempre a possibilidade de criopreservação, conversando e explicando à
paciente.
Homens Trans
Segue-se com a rotina ginecológica padrão, especialmente nos homens trans que
preservam seu útero e mamas. Quando for realizar hormonização, levar em
consideração a fertilidade e desejo reprodutivo, conversando e deixando ao paciente
todas as possibilidades possíveis (criopreservação, barriga de aluguel, gestação
natural).
Se o paciente nunca teve penetração, ele entra no mesmo protocolo de rastreio de
câncer de colo de útero que uma mulher cis. No caso de paciente que já tiveram
experiências sexuais, mesmo que não tenha tido penetração, podemos sim fazer a
coleta, a depender do médico, utilizando espéculo de virgem e com muito cuidado
para respeitar o corpo e o desejo do paciente.
Queixas sexuais de pacientes trans

 Correlação entre a função sexual a qualidade da neovagina


 Baixa da libido em mulheres trans e aumento nos homens trans, relação com
andrógenos
 Disfunção erétil e ejaculatória em pacientes não transgenitalizados
 Nem todas as mulheres trans são orgásticas, algumas podem referir o prazer
sexual como “prazer global”, que vai além do prazer genitalizado (Prazer sexual
x Prazer não genitalizado)

Saúde da Pessoa LGBTQIA+


Dr. Vinícius Borges – Infectologista
PrEP
No SUS, ela é direcionada para quatro públicos principais:

 HSH que tiveram alguma outra IST nos últimos meses e/ou usaram PEP mais de
uma vez
 Casais sorodiscordantes
 Trabalhadores e trabalhadoras do sexo
 Mulheres trans e travestis
Trata-se de um comprimido tomado diariamente, para prevenção de contágio por HIV
em relações sexuais desprotegidas. Lembrar de orientar os pacientes que as outras IST
não são cobertas pela PrEP. Após o início da medicação, deve-se esperar 7 dias para
ter relações sexuais anais sem proteção e 21 dias para sexo vaginal.
PrEP sob demanda (2+1+1) – usa-se dois comprimidos 2 a 24h antes do sexo, um
comprimido 24h depois e outro 48h depois. Tem eficácia um pouco menor, mas ainda
assim oferece proteção à infecção pelo HIV.

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