Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Conceitos iniciais
A Atenção consiste na capacidade de se concentrar seletivamente em um estímulo selecionado,
ou em alguns estímulos simultaneamente, sustentando o foco e deslocando-o de acordo com a
vontade. Desenvolver a capacidade da atenção é fundamental, pois ela participa em vários
processos associados à cognição. Porém, no presente texto será destacada sua importância nos
processos associados principalmente, ao aprendizado e à percepção oriunda dos cinco sentidos
do sistema sensorial. Mais especificamente, seu papel no aprendizado está associado à
facilitação na aquisição de novos conhecimentos. Já no que diz respeito à percepção, a atenção
concentrada nos cinco sentidos (audição, visão, tato, olfato e paladar) permite uma apreensão
mais acurada dos estímulos externos, aprofundando o contato com a realidade.
A atenção é considerada uma ferramenta da consciência, que já foi definida acima como sendo
a capacidade de o indivíduo ter ciência de si mesmo, ao mesmo tempo que tem ciência das
coisas. Suas relações com a consciência são complexas e têm sido discutidas nas áreas da ciência,
psicologia e filosofia. O potencial de desenvolvimento da atenção e sua relação com a
consciência é imenso; desenvolvê-la e exercitá-la deveria se tornar um objetivo primário do ser
humano ao longo da vida.
1
Versão junho/2021
Um dos primeiros passos para romper esse estado consiste em retomar o desenvolvimento das
capacidades da atenção e, após esta etapa, expandi-la ao máximo, visando perceber a si mesmo
e à realidade circundante de forma mais concentrada e com maior precisão. Portanto, se uma
parte substancial da atenção é inata, mesmo que em um grau de expressão muito básico e
primário, o seu desenvolvimento necessita de esforço, de tal forma que suas qualidades e
potenciais possam ser conhecidas, exercidas e conquistadas voluntariamente.
De forma geral, o aprendizado requer uma relação, seja entre o indivíduo consigo mesmo, ou
entre o indivíduo e seu meio. Durante a infância, a criança interage com a realidade de forma
muito mais intensa que o adulto, e muitas experiências básicas de aprendizado acontecem nessa
fase. Já na vida adulta, o que é aprendido geralmente limita-se a um conjunto de informações
relacionadas com a vida profissional ou outros elementos que fazem parte da rotina do dia a
dia. Somente em certas situações específicas é que o adulto consegue tirar proveito da realidade
para realmente aprender algo novo sobre si mesmo ou sobre a própria vida.
Uma atenção mais concentrada e permanente permite que muitos dos elementos que são
constantemente ignorados possam ser usados como oportunidades para aprendizagem. O
indivíduo é capaz de aprender quando consegue perceber a si mesmo, avaliar suas atitudes,
habilidades e conhecimento, buscando relacionar-se adequadamente com a realidade. Além
disso, muito do que o ser humano necessita para se desenvolver plenamente está presente na
realidade do dia e dia. Assim, resgatar a capacidade pessoal de identificar tais elementos e
aproveitar as oportunidades que eles apresentam se tornam habilidades fundamentais,
fortemente apoiadas na qualidade da atenção.
Além do aprendizado, a atenção tem também relação direta com a percepção originária dos
cinco sentidos (visão, tato, audição, paladar e olfato) e participa conjuntamente dessa função.
Durante o crescimento, a percepção é tornada possível à medida que as conexões entre as
células nervosas (chamadas de sinapses) se estabelecem. Essas conexões acontecem entre as
células dos órgãos perceptivos e os centros nervosos superiores, no caso, diferentes áreas
cerebrais. Essas áreas do cérebro serão as responsáveis pela interpretação dos sinais recebidos
pelos órgãos sensoriais, da mesma maneira que serão também responsáveis pela deflagração
de respostas motoras ou emocionais adequadas frente a esses estímulos.
Devido à configuração dos órgãos dos sentidos e sistema nervoso, a percepção da realidade
poderá ser estruturada, em grande parte, por certos padrões que, em detrimento de um
universo infinito de estímulos e experiências possíveis, apenas algumas poucas percepções
2
Versão junho/2021
acabam sendo privilegiadas. Isso está diretamente relacionado com o fato de a atenção ser
seletiva. Esse processo de seleção de certos estímulos em detrimento de outros é bastante
complexo, pois essa escolha geralmente não é feita de forma consciente.
A seletividade da atenção resulta de um conjunto de fatores intrínsecos à história de cada um,
como por exemplo, o meio onde a pessoa nasceu, os valores culturais da sociedade onde ela
está inserida, seus hábitos e condicionamentos. Assim, frente a um conjunto grande de
informações, seleciona-se uma série de elementos que são condicionadamente mais valorizados
– o restante permanece como um pano de fundo quase que indiferenciado e apenas
parcialmente percebido. Assim, esse tipo de seleção, por apoiar-se nos próprios valores
pessoais, varia de indivíduo para indivíduo.
O fato de a atenção ser seletiva é, provavelmente, resultado de adaptações evolutivas de longa
data; ou seja, é uma característica natural da própria atenção. No entanto, se os elementos que
são percebidos se restringirem muito exageradamente àquilo que o indivíduo valoriza de forma
mecânica e condicionada, eles tenderão a ser sempre os mesmos ou variar ao redor de certos
temas centrais. Como consequência, o registro das informações que atingem o indivíduo é
também muito limitado e, nesse caso, perde-se a oportunidade de extrair informações
relevantes que poderiam fazer parte de processos fundamentais da percepção. Assim, a
percepção da realidade será pobre e limitada apenas a poucos elementos.
Os estímulos percebidos pelos cinco sentidos principais do sistema sensorial e mediados pela
atenção são integrados no cérebro de forma a construir uma representação interna de
realidade. Essa representação traz consigo a noção um pouco fantasiosa de que a realidade
percebida é a única que existe, e é consensual, ou seja, compartilhada igualmente por todos. No
entanto, essa noção não é precisa. A realidade é percebida e representada internamente de uma
forma muito particular e pessoal, baseada nos aspectos que foram selecionados e valorizados
de forma quase inconsciente ao longo do crescimento e da vida adulta. Essa representação pode
ser mais ou menos ampla dependendo do acaso, e é construída a partir de experiências vividas
ao longo da vida, ou pode ser bastante restrita e incompleta.
Da mesma forma, uma representação interna do próprio eu é também desenvolvida. Ou seja,
cada pessoa, ao longo do tempo, constrói internamente uma representação muito particular de
si mesma e, de forma igualmente fantasiosa, acredita ser aquela representação. Essas duas
representações, a da realidade e a de si mesmo, estão bastante associadas uma vez que são
construídas conjuntamente ao longo de uma série de experiências. No entanto, se forem por
demais restritivas, elas limitarão as oportunidades de experimentação e de conhecimento sobre
si e sobre a realidade na qual se está inserido. Afinal, sendo pessoal e subjetiva, tal
representação define fortemente a forma como a realidade é experimentada ao longo do
crescimento e na vida adulta.
Como dito acima, a atenção pode se tornar mais e mais seletiva e se focalizar exclusivamente
em elementos que, por diversas razões psicológicas e culturais, são mais valorizados. Assim, a
forma como a realidade é percebida e representada depende da atenção e, da mesma forma, a
atenção é moldada subjetivamente e é condicionada a selecionar do todo da realidade, o que
mais interessa ao indivíduo. No final, a atenção tanto define a representação de realidade
3
Versão junho/2021
quanto é por ela definida. Logo, o que é visto, ouvido, percebido e lembrado, depende não só
da informação que atinge os sentidos, mas também de quais aspectos são selecionados
habitualmente a partir da totalidade da informação disponível.
A capacidade de direcionar a atenção de forma constante e intensa para si mesmo pode auxiliar
na construção de uma nova noção de identidade, mais precisa e objetiva, ampliando e corrigindo
as percepções (às vezes pouco acuradas) que cada pessoa tem de si mesma. Ao mesmo tempo,
uma atenção mais centrada nos estímulos externos tem vantagens infinitas, desde perceber
nuances mais sutis da realidade ao redor, e se orientar por elas, até perceber elementos que
potencialmente podem ser benéficos ou prejudiciais. Assim, uma atenção muito seletiva gera
representações internas imprecisas que cerceiam o crescimento e trazem, na maioria das vezes,
muita infelicidade se forem excessivamente limitadoras.
Em uma situação ideal, a atenção deveria ser constantemente focalizada na realidade ao redor
e nas respostas internas que as percepções dessa realidade desencadeiam, seja no sentimento,
na memória, nas emoções, ou reações corporais. Se assim fosse, a representação interna que se
tem da realidade e de si mesmo poderia se tornar mais ampla e mais precisa, livre de aspectos
subjetivos e de falsas convicções definidas por uma percepção limitada de si e do mundo ao
redor.
Portanto, resumidamente, aquilo que a pessoa experimenta, em última instância, tem relação
com sua capacidade de prestar atenção, bem como, com a forma como ela seleciona, de
inconscientemente ou não, os elementos que registra. Quanto maior sua capacidade de estar
atenta, mais precisa será sua percepção da realidade. Quanto menos seletiva for sua atenção, -
ou seja, quanto menos for limitada por elementos subjetivos internos -, mais ampla e acurada
será a percepção. O resultado da precisão nas percepções ocasiona uma representação interna
sobre a realidade e sobre si mesmo igualmente mais direta e libertadora.
É crucial trabalhar com a atenção no sentido de desenvolvê-la. Selecionar o que é mais
importante a partir da riqueza de informações disponíveis é uma vantagem adaptativa,
especialmente em um mundo em constante mudança. Mas o aprendizado pode ser
potencializado fortemente com um trabalho sério e prolongado sobre a atenção, transformando
profundamente a representação que se tem de si mesmo e da realidade, libertando o indivíduo
de aspectos fantasiosos e limitadores.
É oportuno considerar aqui o conceito de Impressões, que foi utilizado por G.I. Gurdjieff1 para
identificar a percepção dos estímulos oriundos da vida rotineira. Esse autor considerava as
impressões como sendo um dos três tipos de alimento que mantinham a vida, sendo os outros
dois, o ar e o alimento em si. Estar atento às impressões é considerado um ponto de extrema
importância dentro da escola do Quarto Caminho, já que o resultado desse processo consiste
na produção de um tipo de energia de maior qualidade2. Esse é um ponto importante, pois os
desenvolvimentos da consciência necessitam de energia suplementar. Independente da
terminologia utilizada, prestar atenção às impressões é fundamental para que, como dito acima,
1 Ouspensky P.D. 1993. Fragmentos de um ensinamento desconhecido. 9ª edição. Pensamento, São Paulo, pp. 211
e seguintes.
2 Ibid, pp. 365 e seguintes.
4
Versão junho/2021
o indivíduo possa ter uma visão mais precisa da realidade e de si para, paulatinamente, se
libertar das restrições de uma representação interna equivocada, baseada em uma atenção
pouco desenvolvida. Do contrário, a realidade ficará presa nos filtros de tais representações ao
invés de, de fato, ser saboreada, percebida e sentida pelo indivíduo de forma ativa, em uma
interação mais real com os eventos do dia a dia e que se estabelece momento a momento.
2. Vigília: essa é a forma de consciência na qual o ser humano adulto vive o seu cotidiano. Porém,
a consciência de vigília é muito parecida com a forma anterior. Durante o dia a dia, a consciência
geralmente é minimamente exercida e as percepções, decisões e reações acontecem de forma
reativa e mecânica a partir dos condicionamentos instaurados de longa data. Assim, na vigília, a
consciência está bastante próxima do sono, mesclando as reações, emoções e pensamentos,
geralmente automáticos, com fantasias, devaneios, associações e humores que são,
praticamente, uma forma de sonho acordado. Por isso, algumas escolas consideram o ser
humano nesse estado como estando adormecido. Tudo acontece internamente num estágio
muito baixo de consciência e os eventos e atitudes se encadeiam de forma quase inconsciente
ou automática. Porém, apesar de ser tão limitada, na maioria dos casos, a consciência de vigília
é o estágio mais elevado de consciência que o ser humano naturalmente consegue atingir ao
longo de sua vida comum.
3. Consciência de si: essa forma é caracterizada pelo acesso a uma sensação de ser mais nuclear,
mas que permanecia oculta sob os condicionamentos característicos da forma de consciência
anterior. Desse novo grau de consciência surge uma noção de eu que está agora presente no
centro dos eventos rotineiros, observando e registrando as percepções e estímulos que
acontecem ao seu redor. Aos poucos, conforme essa sensação de ser é resgatada e tornada
permanente, ela passa a conferir uma nova sensação de identidade, consciente de si mesma.
4. Consciência objetiva: esse estágio de consciência caracteriza-se por uma apreensão mais
plena e íntegra da realidade, que já não é mais vista apenas através dos filtros, representações
e condicionamentos da personalidade. Nesse ponto, realiza-se a definição utilizada aqui de
consciência: o indivíduo passa a estar plenamente ciente das coisas acontecendo ao seu redor,
e ao mesmo tempo, ele está ciente de si mesmo.
Portanto, no contexto do ser humano adormecido, a atenção limita-se quase que meramente a
um registro pobre dos eventos rotineiros que são filtrados e reestruturados de acordo com seus
3Ouspensky P.D. 1993. Fragmentos de um ensinamento desconhecido. 9ª edição. Pensamento, São Paulo, pgs. 166
e seguintes.
5
Versão junho/2021
6
Versão junho/2021
sentido de estar ativamente ciente do que está acontecendo ao seu redor. Ao procurar manter
esse tipo de atitude, a pessoa naturalmente sai do estado de adormecimento e se coloca em
uma atitude muito mais ativa de percepção. A repetição prolongada desse tipo de atenção
provoca mudanças no estado comum de consciência e obviamente, permite uma nova relação
do indivíduo com a realidade, que é muito mais rica e precisa. Além disso, esse tipo de atividade
é uma excelente saída para estados muito condicionados de emoções e pensamentos
repetitivos e descontrolados. Ao buscar-se elevar o nível de atenção, o indivíduo quebra suas
rotinas internas condicionadas e liberta-se (mesmo que momentaneamente) de certos padrões
emocionais e mentais. Se essa atitude for estendida ao longo do tempo, as mudanças - em
termos de ganho de uma nova qualidade perceptiva e de um estado mais centrado e ativo de
consciência - podem vir a ser bastante substanciais e permanentes.
c) Atenção em Blocos. Esse tipo de atenção conduz o indivíduo à uma percepção de que se é
parte integrante da rede de eventos que formam a realidade, ou seja, ele não está isolado ou
desconectado dessa rede. Essa sensação única de estar inserido numa realidade plena em
significados é algo que coloca a pessoa dentro de um novo patamar de experiências. Ela agora
é capaz de atuar na realidade de forma harmônica e não mais apenas reagir ou repetir
comportamentos de forma adormecida e mecânica. Assim, a atenção em blocos confere um
significado mais profundo para a relação entre o indivíduo e a realidade. É como se fosse possível
finalmente, estar acordado dentro da realidade, observando-a e interagindo com ela
ativamente, num estado diferente da quase inconsciência rotineira do adormecimento.
d) Percepção da ambiência. Ambiência é o nome dado a uma forma específica de percepção,
resultante de um estado mais profundo de atenção e consciência. Ela corresponde à percepção
de uma qualidade inerente dos ambientes, que é percebida integralmente por todos os sentidos.
A forma de atenção requerida para isso fundamenta-se em uma apreensão mais real do tempo
e do espaço, de um sentimento de estar aqui-agora, que altera profundamente a capacidade de
perceber o entorno. Sob esse profundo estado de atenção, o indivíduo passa a ser capaz de
absorver (e interagir com) o momento presente e os elementos que se apresentam a cada
instante ao seu redor. Quando se percebe a ambiência de um lugar, a sensação é de que as
coisas estão integradas; elas têm um significado que, mesmo que esteja oculto, é percebido e
tingido com uma sensação de harmonia, como se tudo estivesse em seu lugar e, de alguma
forma, interagisse com a pessoa que presta atenção. Ou seja, nesse estado a pessoa consegue
perceber que há uma qualidade nova naquele ambiente que a circunda. É importante
compreender que não é o lugar que muda, mas sim, a capacidade da pessoa em exercer uma
nova forma de atenção e se colocar dentro do ambiente como se não houvesse filtros, buscando
uma experiência direta com a realidade como ela é.
Considerando os quatro exemplos acima, é possível perceber que a atenção pode ser treinada,
desenvolvida e aprofundada, permitindo uma nova apreensão e interação consigo mesmo e com
a realidade, que extrapola o registro pobre e inconsciente que se tem, geralmente, de si e dos
eventos do dia a dia. Essa atitude ativa, de aprofundar e desenvolver novas capacidades de
atenção, pode desencadear uma experiência em que o observador atinge um grau de qualidade
diferente de interação com aquilo que ele está observando. Ao invés de experimentar seus
próprios conteúdos internos e subjetivos frente ao evento, ele torna-se capaz de observar o
7
Versão junho/2021
fenômeno de uma forma mais livre e integrada com o momento presente. Nessa condição, é
possível perceber o momento de uma forma nova, sem impor condicionamentos emocionais e
mentais sobre ele, ou seja, sem tingir a realidade com seus próprios conteúdos pessoais.
Através do desenvolvimento da atenção torna-se possível concretizar a definição inicial de
consciência, que consiste na capacidade de o indivíduo estar ciente de si, ao mesmo tempo que
tem ciência das coisas. Pois, através deste treinamento, poderá ser desenvolvido esse
discernimento interno onde parte da atenção volta-se para dentro de si mesmo e parte volta-se
para realidade. Com o treino, é possível sentir-se mais completo, livre para saborear a realidade
de fato e, ao mesmo tempo, sentir a si mesmo mais conectado com o mundo ao redor.