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Entenda os comportamentos disfuncionais - Parte II

por Thaís Petroff

Na teoria do psicólogo americano Jeffrey Young são apresentados 18 esquemas iniciais


desadaptativos (EIDs) considerados centrais na cognição humana (consulte tabela no final
da página). Grosso modo, isso significa como sua percepção frente à realidade impede sua
adaptação a ela mesma. Entenda mais sobre o conceito desses esquemas no texto anterior
– clique aqui e leia.

Esses esquemas se encontram inseridos em cinco domínios relacionados com necessidades


emocionais não satisfeitas:

a) Domínio de desconexão e rejeição: expectativa de que as necessidades de segurança,


estabilidade, cuidado, aceitação, empatia e respeito não serão satisfeitas de maneira
previsível, causando a incapacidade de formar vínculos seguros e satisfatórios com outras
pessoas.

Características da família de origem (onde foi criado): fria, desligada, rejeitadora, isoladora,
imprevisível ou abusadora.

- Privação Emocional: expectativa do indivíduo de que seu desejo de conexão emocional


não será satisfeito adequadamente; inclui-se as seguintes formas de privação:

1- Privação de cuidado: ausência de atenção, afeto, carinho ou companheirismo);

2- privação de empatia: ausência de compreensão, escuta, postura aberta,


comprometimento mútuo de sentimentos;

3- privação de proteção: ausência de força, direção ou orientação por parte de outros.

- Abandono/instabilidade: percepção de que os outros com quem poderia se relacionar são


instáveis e indignos de confiança. Envolve a sensação de que pessoas significativas não
serão capazes de continuar proporcionando apoio emocional, ligação, força ou proteção
porque seriam emocionalmente instáveis e imprevisíveis (por ex. teriam acessos de raiva),
não mereceriam confiança ou porque poderiam a qualquer momento abandonar ou não
estarem presentes quando se precisasse delas.

- Desconfiança/abuso: convicção de que as pessoas irão usá-los para fins egoístas


(abusarão, machucarão, magoarão, humilharão, mentirão, enganarão ou manipularão ou se
aproveitarão). Geralmente, envolve a percepção de que o prejuízo é intencional ou resultado
de negligência injustificada ou extrema. Pode incluir a sensação de que sempre se acaba
sendo enganado por outros ou “levando a pior”.

- Isolamento social/alienação: sentimento de que se está isolado do mundo, de que se é


diferente, de não se adequar ou não pertencer a quaisquer grupos ou comunidades.

- Defectividade/vergonha: sentimento de que é defectivo (está sempre devendo), falho, mau,


indesejado, inferior ou inválido em aspectos importantes. Logo, não seria digno de receber amor,
caso se expusesse. Pode envolver hipersensibilidade à crítica, rejeição e postura acusatória;
constrangimento, comparações e insegurança quando se está junto de outros, ou vergonha dos
defeitos percebidos. Essas falhas/defeitos podem ser privadas (como egoísmo, impulsos de raiva,
desejos sexuais inaceitáveis) ou públicas (como aparência física indesejável, inadequação social).

b) Domínio de autonomia e desempenho prejudicados: expectativa de pouca capacidade


de sobreviver e funcionar de forma independente e satisfatória. Dificuldade na separação
com a família de origem.

Características da família de origem: superprotetora, emaranhada, destruidora da confiança


da criança; não consegue reforçar a criança a ter um desempenho competente fora da
família.

- Fracasso: crenças de fracasso (fracassou ou fracassará) e de inadequação em relação


aos seus pares em conquistas acadêmicas, ocupacionais, esportivas, entre outras. Costuma
envolver a crença de que se é burro, inapto, sem talento, ignorante, inferior, menos bem-
sucedido, etc. do que os outros.

- Dependência/incompetência: crença de que é incapaz de exercer as responsabilidades do dia a dia


de uma maneira competente, sem a ajuda dos outros (por ex: cuidar de si mesmo, resolver problemas
cotidianos, exercer a capacidade de discernimento, cumprir novas tarefas, tomar decisões
adequadas). Apresenta-se frequentemente como desamparo.

- Vulnerabilidade ao dano ou à doença: medo excessivo relacionado com catástrofes iminentes que
cairão sobre si sem chances de impedir a ocorrência e sem capacidade para lidar com ela.

O medo se dirige a um ou mais dos seguintes:

(A) catástrofes em termos de saúde (ataque cardíaco, AIDS, etc.);

(B) catástrofes emocionais (ex: enlouquecer);

(C) catástrofes externas (queda de elevadores, ataques criminoso, desastres de avião, terremotos).

- Emaranhamento/ego subdesenvolvido: necessidade de envolvimento emocional excessivo com


uma ou mais pessoas importantes em sua vida comprometendo a individuação e desenvolvimento
social normal. Muitas vezes, envolve a crença de que pelo menos uma das pessoas emaranhadas não
pode viver, funcionar bem ou ser feliz sem o constante apoio dos outros. Pode também incluir
sentimentos de ser sufocado ou fundido com outra(s) pessoa(s) e de não ter uma identidade
individual suficiente. Com frequência, é vivenciado como sentimento de vazio e fracasso totais, de
não haver direção e, em casos extremos, de questionar a própria existência.

c) Domínio de limites prejudicados: deficiência nos limites internos, carência de


desenvolvimento interno em relação à reciprocidade ou autodisciplina, apresentando
dificuldades de respeitar terceiros, cooperar, manter compromissos, cumprir objetivos de
longo prazo, restringir impulsos e postergar gratificações em função de benefícios futuros.

Características da família de origem: permissividade, falta de direção, senso de


permissividade, excesso de indulgência.

- Merecimento/arrogância/grandiosidade: crença de superioridade em relação aos outros


de que é merecedor de direitos e privilégios especiais, não se sentindo submetidos às regras
de reciprocidade que guiam a interação social normal. Insistência em se ter ou fazer o que se
quer independente do que isso custe aos outros. Envolve o foco exagerado na superioridade
(estar entre os mais bem-sucedidos, famosos, ricos) para atingir poder ou controle (e não
necessariamente para obter aprovação ou atenção). Às vezes competitividade excessiva ou
dominação: afirmar o próprio poder, forçar o próprio ponto de vista ou controlar o
comportamento de outros segundo os próprios desejos, sem empatia ou preocupação com
as necessidades ou desejos dos outros.
- Autocontrole/autodisciplina insuficientes: dificuldade ou recusa em exercer autocontrole e
tolerância à frustração com relação aos próprios objetivos. Dificuldade em limitar a expressão
excessiva de emoções e impulsos. Em sua forma mais leve, a pessoa apresenta ênfase exagerada na
evitação de desconforto: evitando dor, conflito, confrontação e responsabilidade, às custas da
realização pessoal, comprometimento ou integridade.

d) Domínio de direcionamento para o outro: foco excessivo nos desejos, sentimentos dos
outros, comprometendo às suas próprias necessidades, visando obter aprovação, conexão
emocional e evitar retaliação, não tendo muitas vezes consciência de sua própria raiva e
preferências.

Características da família de origem: aceitação condicional (sob certas condições), onde as


crianças devem suprimir aspectos importantes de si próprio e de seus desejos para obterem
amor, aceitação social ou status. As vontades dos pais são mais importantes que os desejos
e necessidades das crianças.

- Subjugação (ato de se submeter): excessiva submissão ao controle dos outros por sentir-
se coagido e por perceber as próprias necessidades e sentimentos como não válidos ou
importantes para o outro. Submetendo-se para evitar a raiva, a retaliação e o abandono; as
principais formas são subjugação de necessidades (supressão das próprias preferências,
decisões, desejos e opiniões) e subjugação das emoções (supressão de emoções,
principalmente a raiva). Apresenta-se como obediência excessiva, combinada com
hipersensibilidade a sentir-se preso. Costuma levar a aumento da raiva, manifestada em
sintomas desadaptativos (por ex: comportamento passivo-agressivo, explosões de
descontrole, sintomas psicossomáticos, uso excessivo de álcool ou drogas).

- Autossacrifício: cumprimento voluntário das necessidades alheias à custa da própria gratificação


visando poupar os outros de sofrimento, evitar culpa de se sentir egoísta, ganhar autoestima ou
manter relação com quem considera carente; com frequência resulta de sensibilidade intensa ao
sofrimento de terceiros. Às vezes, leva a uma sensação de que as próprias necessidades não estão
sendo adequadamente satisfeitas e ao ressentimento em relação àqueles que estão sendo cuidados.

- Busca de aprovação/reconhecimento: ênfase excessiva na obtenção de aprovação,


reconhecimento ou atenção dos outros ou no próprio enquadramento, comprometendo o
desenvolvimento seguro e verdadeiro do próprio self ( o eu). A autoestima depende principalmente
das reações alheias, em lugar das próprias inclinações naturais. Por vezes, inclui uma ênfase
exagerada em status, aparência, aceitação social, dinheiro ou realizações como forma de obter
aprovação, admiração ou atenção (não tanto em função de poder e controle). Com frequência,
resulta em importantes decisões não autênticas nem satisfatórias, ou em hipersensibilidade à
rejeição.

e) Domínio de supervigilância e inibição: supressão de sentimentos e impulsos


espontâneos com esforços no cumprimento de regras rígidas internalizadas em relação ao
próprio desempenho, às custas da autoexpressão, felicidade, relacionamentos íntimos e
qualidade de vida. Ênfase excessiva no controle dos impulsos, diminuição da
espontaneidade. Há uma preocupação de que as coisas irão desabar se houver falha na
vigilância.

Características da família de origem: severa, exigente, punitiva, perfeccionista (escondendo


emoções e evitando erros), propensão ao pessimismo e a preocupações de que as coisas
não vão dar certo.
- Negativismo/pessimismo: foco generalizado, duradouro e exagerado nos aspectos
negativos da vida (sofrimento, morte, perda, decepção, culpa, ressentimentos, erros, traição,
problemas) em detrimento de minimização ou negligência dos aspectos positivos ou
otimistas. Costuma incluir uma expectativa exagerada – uma ampla gama de situações
profissionais, financeiras, interperssoais – de que algo vai acabar dando muito errado,
mesmo que todas as evidências demonstrem o contrário. Envolve um medo exagerado de
cometer erros que podem levar a colapso financeiro, perda, humilhação ou a se ver preso
em uma situação ruim. Como exageram os resultados negativos potenciais, essas pessoas
costumam se caracterizar por preocupação, vigilância, queixas ou indecisões crônicas.

- Inibição emocional: excessiva inibição da ação, sentimentos, comunicação espontânea visando


evitar desaprovação alheia, sentimentos de vergonha ou de perda do controle dos próprios impulsos.

As áreas mais comuns da inibição envolvem: inibição da raiva e da agressão; inibição de impulsos
positivos (por ex. alegria, afeto, excitação sexual, brincadeira); dificuldade de manifestar
vulnerabilidades ou comunicar livremente seus sentimentos e necessidades; excessiva racionalidade,
ao mesmo tempo em que se desconsideram emoções.

- Padrões inflexíveis/postura crítica exagerada: crença de que grande esforço deve ser empreendido
na obtenção de elevados padrões internos de comportamento e desempenho para evitar críticas, o
que repercute em sentimentos de pressão ou dificuldade de relaxar e em posturas críticas exageradas
com relação a si e aos outros. Costuma resultar em sentimentos de pressão ou dificuldade de relaxar
e em posturas criticas exageradas com relação a si mesmo e a outros. Deve envolver importante
prejuízo do prazer, do relaxamento, da saúde, da autoestima, da sensação de realização ou de
relacionamentos satisfatórios.

Os padrões inflexíveis geralmente se apresentam como: perfeccionismo - atenção exagerada a


detalhes ou subestimação de quão bom é seu desempenho em relação à norma; regras rígidas e
ideias de como as coisas “deveriam” ser em muitas áreas da vida, incluindo preceitos morais, éticos
culturais e religiosos elevados, fora da realidade; preocupação com tempo e eficiência, necessidade
de fazer sempre mais do que se faz.

- Caráter punitivo: convicção de que os indivíduos deveriam ser severamente punidos pelos
erros que cometem, implicando em tendência a estar com raiva, ser intolerante e impaciente
com as pessoas e consigo próprio quando não correspondem às suas expectativas ou
padrões. Via de regra, inclui dificuldades de perdoar os próprios erros, bem como os alheios.

Domínios Esquemas iniciais desadaptativos

1. Abandono/instabilidade 4. Defectividade/vergonha
Desconexão e rejeição 2. Desconfiança/abuso 5. Isolamento social/alienação
3. Privação emocional

6. Dependência/incompetência 9. Fracasso
Autonomia e desempenho
7. Vulnerabilidade
prejudicados
8. Emaranhamento/ego subdesenvolvido
10. Merecimento/arrogo/grandiosidade
Limites prejudicados
11. Autocontrole/autodisciplina insuficientes

12. Subjugação
Orientação para o outro 13. Autossacrifício
14. Busca de aprovação/reconhecimento

15. Negativismo/pessimismo 18. Caráter punitivo


Supervigilância e inibição 16. Inibição emocional
17. Padrões inflexíveis/crítica exagerada

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