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Análise ergonômica do trabalho de funcionários

de cozinha industrial de café em Brasília


Gabrielle Rodrigues Monteiro Ignácio Azevedo gabrielle.rodrigues@outlook.com UnB

Resumo
O presente artigo se dispõe a realizar uma Análise Ergonômica do Trabalho na
cozinha industrial de um café de alto padrão em Brasília. Essa análise leva em
conta os aspectos cognitivos e físicos do trabalho dos cozinheiros. A pesquisa
qualitativa analisa se é um ambiente de trabalho ergonomicamente correto e
discorre sobre possíveis melhorias. A técnica utilizada para a coleta dos dados é
um questionário informal dentro da proposta do perfil do trabalhador, NR-17 e da
metodologia AET. Assim, o artigo é caracterizado como estudo de caso. Em suma,
os trabalhadores vêem seu emprego de forma muito positiva, mas entendem que
certos problemas físicos se desenvolvem com o tempo e apontam diversos pontos
que gostariam de mudar no seu ambiente de trabalho.
Palavras chaves
AET, Cozinha Industrial, Ambiente de Trabalho

1. Introdução
Analisar a produtividade das empresas sem associá-la a saúde dos trabalhadores é uma
tarefa praticamente impossível. Segundo Vieira (1997) o trabalhador precisa estar saudável para
manter sua performance e produtividade além estar satisfeito consigo mesmo, o que é essencial
para a diminuição de problemas empresariais ligados às ausências contínuas, acidentes ou en-
fermidades ocupacionais.
Lamb et al. (2012) falam sobre o Bureau of Labour Statistics, que previu que a indústria
dos serviços atingiria crescimento do número de empregos de 98% no período entre 2008 e
2018, assim como 80% dos trabalhadores estariam empregados em serviços. Esse número in-
dica que a prestação de serviços é um campo crescente e os restaurantes, assim como todo o
setor de alimentação, se encaixa, também, nesses números.
A função central nesse setor é o cozinheiro. Ele deve estar muito bem preparado fisica
e mentalmente, de forma a conseguir suprir a demanda crescente e a intensidade que o trabalho
exige. O cozinheiro, em grande parte das vezes, atua em condições inadequadas de trabalho,
tradando-se tanto dos processos repetitivos quanto das condições ambientais. Tais fatores, de

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acordo com Santana (1996), levam os trabalhadores ao cansaço extremo e a desenvolver pro-
blemas de saúde, podendo levar à queda de produtividade. Portanto, analisar a saúde do traba-
lhador nos cargos em cozinhas é de vital importância para melhorar as condições de trabalho
no mercado brasileiro e para o aumento da produção do país como um todo.
Mesmo com a alta demanda dos profissionais de cozinha, o ramo não é tão valorizado
e as condições básicas do labor podem estar fora dos padrões ergonômicos definidos pela NR
17, comprometendo a saúde física e mental dos trabalhadores. Tendo em vista a importância da
profissão, esse artigo tem como questão norteadora “As condições de trabalho dos funcionários
em cozinhas industriais são ergonomicamente corretas?”.
A partir da questão acima, o objetivo geral desse artigo é verificar se as condições de
trabalho são ergonomicamente apropriadas para os funcionários de uma cozinha industrial de
pequeno porte responsável por uma cafeteria de alta gastronomia em Brasília. A metodologia
aplicada é a Análise Ergonômica do Trabalho (AET). Os objetivos específicos se resumem em
descrever o perfil dos funcionários, verificar se os aspectos físico-ambientais estão de acordo
com a AET e avaliar se as condições ergonômicas cognitivas estão de acordo com a análise
ergonômica.
Desse modo, o presente artigo se propõe a analisá-los por meio de um estudo de caso.
Com a AET pode-se expor os possíveis problemas encontrados e sugerir melhorias no posto de
trabalho dos cozinheiros do Café. As próximas seções do artigo estão estruturadas da seguinte
forma: a seção 2 apresenta o referencial teórico, a seção 3 aborda a metodologia utilizada, a
seção 4 discute e analisa os dados obtidos, e a seção 5 apresenta as considerações finais do
artigo.

2. Referencial Teórico
A ergonomia, de acordo com o Iida (2005), é o estudo de como o trabalho pode e deve
se adaptar ao ser humano. Ela parte do estudo e do conhecimento das características do traba-
lhador para poder projetar a tarefa que melhor se adequa a este, preservando sua saúde.
Para o Ministério do Trabalho (1994, pg.16) a AET pode ser definida como “[...] um
processo construtivo e participativo para a resolução de um problema complexo que exige o
conhecimento das tarefas, da atividade desenvolvida para realizá-las e das dificuldades enfren-
tadas para se atingirem o desempenho e a produtividade exigidos.”
Segundo Santos e Fialho (1995) a Análise Ergonômica Trabalho (AET) foi criada para
fazer jus a ergonomia de correção, a qual busca utilizar os conhecimentos de ergonomia com o
intuito de analisar, diagnosticar e corrigir uma situação real de trabalho. A AET é uma metodo-
logia que busca analisar as diferenças entre as tarefas prescritas e as atividades realizadas com
a intenção de desenvolver sugestões de melhorias para os problemas encontrados nos postos de
trabalho sempre buscando à eficácia e à segurança dos trabalhadores e dos processos, preser-
vando a saúde e o conforto dos colaboradores.
O setor de serviços de alimentação evoluiu de forma extensiva e, pelo novo relaciona-
mento com o trabalho e alimentação, as refeições realizadas fora de casa aumentaram em nú-
mero (SLOAN, 2005). Esse aumento de demanda contribuiu para a expansão de empreendi-
mentos e vagas de emprego na área e, paralelamente, diminuiu a importância dada aos cozi-
nheiros que são necessários, mas recebem pouca atenção (PAULA, 2002).
Segundo Raquel Casarotto e Luciane Mendes (2003), a principal característica da tarefa
real realizada em cozinhas industriais é a manipulação manual intensa, ou seja, movimentos
repetitivos de membros superiores e da coluna. Tal como o levantamento de objetos muito pe-

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sados e a permanência em pé durante todos os processos de produção, seja na preparação, du-
rante o processo de servir e até mesmo na limpeza do local de trabalho.
Assim, tais atividades são responsáveis pelo surgimento das doenças osteomusculares
relacionadas ao trabalho (DORT) e, de acordo com o Ministério do Trabalho (2000), essas ocu-
pam a primeira posição no ranking de doenças ocupacionais no Brasil.
Sobre as DORTs, Mara Takahashi, Célio Pizzi e Eugênio Diniz (2010) dizem que tais
doenças são muito estudadas, porém há pouco trabalhos que relacionam essas aos trabalhadores
do ramo alimentício. Segundo estes autores, as DORTs são resultados do desequilíbrio das ta-
refas exigidas pelos empregadores e da capacidade individual do trabalhador para executá-las,
ou seja, a causa para esses problemas se encontra na organização do trabalho que muitas vezes
é mal gerida ergonomicamente.
Há a necessidade de levantamento manuais em muitos postos de trabalho na cozinha,
mas para isso devem ser respeitados os limites para levantamento de peso e a capacitação dos
funcionários sobre as técnicas para evitar problemas de saúde futuros causados pelo trabalho.
Para Ormelez (2010) não há consenso sobre o limite para levantamento manual de peso, mas
pela literatura avaliada pelo autor, o limite próximo ao ideal é de 23 kg.
Os DORTs comprometem os músculos, tendões, articulações, ligamentos, nervos peri-
féricos, entre outros, incluindo inflamações nesses acima citados. A alta ocorrência das
LER/DORT têm sido entendida através das mudanças nos modelos de negócio, onde as orga-
nizações têm se organizado através do estabelecimento de metas para aumentar a produtividade
sem levar em consideração as limitações fisiológicas dos trabalhadores (ALENCAR, 2013).
A Ergonomia Cognitiva estuda o funcionamento dos processos mentais, como a aten-
ção, controle motor, armazenamento e recuperação de memória e quais são os seus impactos
nas relações sociais e relações com o sistema. Quando a tarefa exigida ao trabalhador requer a
utilização de uma inteligência que não é desenvolvida nele, ele se estressa e traz ao trabalho
uma série de consequências. Nesses casos, contudo, o trabalho não está adaptado ao trabalha-
dor, fugindo assim do conceito de ergonomia (ABRANTES, 2011).
A Ergonomia, se for considerada crucial para a melhoria contínua, deve ser aliada à
qualidade total. Priorizando o humano no processo e preservando sua completude mental e fí-
sica serão gerado diversos benefícios para os processos de produção (MAFRA, 2006).
Hoje, as empresas estão considerando as questões tanto de relacionamentos quanto am-
bientais dos sistemas de produção além dos indicadores clássicos e metas puramente financei-
ras. Os dois pontos acabam por gerar condições excelentes de trabalho e aumentar sua qualidade
de vida, alinhados a novas tendências como a ergonomia e reciclagem, tal como desenvolvi-
mento sustentável (ADRIOLO, 2016).

3. Metodologia
A pesquisa retratada neste artigo constitui um estudo de caso. O estudo de caso qualita-
tivo “engloba a ideia do subjetivo, passível de expor sensações e opiniões” (BICUDO, 2004, p.
104). Ele é desse tipo por conta de necessitar da aquisição de dados a partir de opiniões de um
grupo amostral, no caso, os cozinheiros do Café. A natureza do mesmo é aplicada, pois tem
destinação prática, e por mais que os objetivos não foquem a resolução de problemas, os mes-
mos expõem as adversidades encontradas pelo objeto estudado. Além disso, o artigo propõe
melhorias a partir da observação sistemática do ambiente de trabalho. É importante destacar
que o estudo de caso se refere apenas à observação de um local e contexto específico.
O estudo de caso pode ser visto como um método de pesquisa que tem foco em entender
a dinâmica do objeto de estudo (EISENHARDT, 1989). Nessa situação, o local analisado é a
cozinha industrial de um café de alto padrão e o objeto específico são os seus trabalhadores. A

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exploração do tema permitiu a apuração da percepção desses funcionários, de diversas funções,
mas que compartilham o local em comum.
A fonte de coleta de dados é a aplicação de questionários. A aquisição de dados se deu
por questionário informal com os funcionários e gerência, com tempo individual entre 20 e 30
minutos. Tal questionário abrange quatro assuntos: perfil do trabalhador, ergonomia física, cog-
nitiva e organizacional. São, no total, 20 perguntas, sendo que todas são abertas, onde o funci-
onário faz comentários e discorre livremente. O questionário se encontra abaixo, figura 1.

Quadro 1 - Questionário aplicado aos cozinheiros

Fonte: A autora (2017)

Nas perguntas referentes à ergonomia física, foram abordados assuntos referentes a dor,
percepções alteradas, postura e leitura de comanda. Foi utilizado para isso, o questionário Bi-
polar de Couto (1995), tabela 1. Para a parte cognitiva, foram focados a memória, quantidade
de demanda e satisfação no labor. Já para a análise organizacional, as relações interpessoais. A
análise gráfica não foi necessária, pois a amostragem é pequena. Assim, os valores são coloca-
dos numericamente.

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Quadro 2 - Questionário bipolar

Título da coluna 1 2 3 4 5 6 7 Título da coluna

Descansado Cansado

Boa concentração Dificuldade de concentrar

Calmo Nervoso

Produtividade normal Produtividade comprometida

Descansado visualmente Cansaço visual

Ausência de dor nos músculos do pescoço Dor nos músculos do pescoço e ombros
e ombros

Ausência de dor nas costas Dor nas costas

Ausência de dor na região lombar Dor na região lombar

Ausência de dor nas coxas Dor nas coxas

Ausência de dor nas pernas Dor nas pernas

Ausência de dor nos pés Dor nos pés

Ausência de dor de cabeça Dor de cabeça

Ausência de dor no braço, no punho ou na Dor no braço, no punho ou na mão do


mão do lado direito lado direito

Ausência de dor no braço, no punho ou na Dor no braço, no punho ou na mão do


mão do lado esquerdo lado esquerdo

Fonte: Couto (1995)


Além das perguntas principais para entender o trabalho e demandas da cozinha, foi apli-
cado outro questionário específico com a gerência e chefes de cozinha a fim de se obter mais
dados para a pesquisa. As perguntas se encontram no quadro 3.

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Quadro 3 - Questionário aplicado à gerência e chefes

Fonte: A autora (2017)

4. Discussão de dados
Na cozinha do estabelecimento trabalham 20 pessoas e existem 2 macro turnos: manhã
e noite, com média de oito horas trabalhadas. São 9 funcionários pelo turno da manhã e 11 no
turno da noite. O grupo amostral do artigo é formado pelas 11 pessoas do turno da noite, que
trabalham em regime de escala entre 13 e 23 horas. O grupo foi escolhido por conta da carga
de trabalho maior que o turno da manhã que apenas assa e decora massas, enquanto o grupo
noturno faz pratos em até 40 minutos e acompanha múltiplas comandas.
Quando os funcionários foram questionados sobre a dor, fugiam um pouco das dores
individuais para generalizar qualquer incômodo como “dor comum do trabalho em cozinha”.
Dessa forma, foi necessário o uso do Questionário Bipolar. Tal questionário identifica os pontos
em que há maior ou menor dor e stress. Como os funcionários estavam trabalhando em período
de demanda e, portanto, sem tempo de escreverem eles mesmos na escala, fomos perguntando
sua percepção e escolhendo qual número entre 1 e 7 melhor representa melhor essa dor.

4.1 Análise da demanda


Foram identificados 6 funcionários com dores de coluna em algum momento da traje-
tória na empresa. Isso foi atribuído por 2 como sendo devido ao “esforço comum de cozinha”
e outros 4 atribuíram somente à escada, figura 3. Quanto à temperatura, 8 funcionários relataram
sentir mais calor do que o desejável; 3 deles, porém, relataram “estarem acostumados” com
esse calor. Há um ventilador no centro da cozinha, mas ele é mantido a baixa velocidade para
não prejudicar a preparação de folhas de salada, que, por serem muito leves, podem voar e
prejudicar a produção.
Quanto ao escoamento do lixo, 8 colaboradores da cozinha declararam se incomodar
com esse procedimento. Já 4 retrataram como sendo um fator que gera fortes dores na coluna,

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tendo em vista que o lixo é carregado pelas escadas. O gerente mencionou que “o lixo é o grande
vilão desse estabelecimento”. Todos relataram ter algum tipo de cansaço persistente, assim
como ter algum nível de dor nas costas, ombros, lombar e pernas. Em relação às pernas, a dor
foi considerada máxima, muitas vezes pela necessidade de subir as escadas toda vez que o pe-
dido é finalizado. As dores relatadas, assim como suas intensidades se resumem na figura 2.

Figura 1 - Dores citadas e intensidade da dor

Fonte: A autora (2017)

Além da demanda dos trabalhadores, existiam situações onde outras demandas foram
percebidas. Assim, foram dois pontos de atenção: panelas sem pegador de borracha e a escada
para o depósito ser insegura. O primeiro ponto deve ser levado em consideração porque em
uma cozinha que executa diversos processos simultaneamente e que necessitam de rapidez na
execução, não é difícil ocorrer descuidos ao pegar as panelas para virar ou mexer alimentos,
figura 4. Já a escada para do depósito necessita de torção do tronco de 180º e apoio nas paredes
para acessar o local, figura 5.

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Figura 2 - Escada do estabelecimento

Fonte: A autora (2017)

Figura 3 - Panelas sem pegador de borracha

Fonte: A autora (2017)

Figura 4 - Escada de acesso ao depósito

Fonte: A autora (2017)

4.2 Análise da tarefa


O estabelecimento não possui manual dos processos e o saber fazer é repassado dos
mais experientes na cozinha aos mais novos. É necessário o uso de japona térmica na câmara
congelada, assim como o uso de luvas para manusear o forno. Os funcionários são orientados a
levantar objetos pesados em conjunto ao invés de sozinhos, a fim de evitar lesões. As comandas
são enviadas juntas, de acordo com o pedido do cliente e os cozinheiros devem seguir o preparo
a partir do tempo de preparo sendo o mais demorado feito primeiro.
O lixo deve ser carregado apenas após o último cliente sair do estabelecimento, fator
que impossibilita a retirada regular do lixo do ambiente da cozinha, logo todo o lixo orgânico e

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não-orgânico produzido nos turnos acumulava-se o lixo até o período de fechamento do esta-
belecimento. Constatou-se que algumas máquinas ficam alocadas em locais de difícil manuseio.
Segundo Grandjean (1998), o manuseio de cargas pode causar um excesso de estresse sobre os
discos intervertebrais. Fato esse que ocorreria em relação aos equipamentos na figura 6.

Figura 5 - Escada de acesso ao depósito

Fonte: A autora (2017)

De acordo com Grandjean (1998), em relação ao calor na indústria, se a temperatura


ambiente aumenta os funcionários podem sofrer de aumento da fadiga, aumento da frequência
cardíaca e aumento da pressão sanguínea. Pela cozinha ser um ambiente pequeno, a temperatura
se eleva drasticamente durante o preparo da comida.

4.3 Análise da atividade


De acordo com a ABERGO (2000), a ergonomia organizacional foca o projeto de tra-
balho, trabalho em grupos, organização temporal do trabalho, trabalho cooperativo, cultura or-
ganizacional e gestão de qualidade. Ao realizar as entrevistas, as perguntas 12, 13, 14, 15 e 18
do quadro 1 relacionadas ao clima organizacional e motivação, mostraram o resultado de que
100% dos entrevistados consideram a equipe boa e que possuem ótima relação interpessoal. As
expressões mais usadas para caracterizar o relacionamento da equipe foram “equipe tranquila”,
“bom trabalho juntos”, “sem fofocas”, “dispostos a tirar dúvidas” e “chefes generosos com
equipe dedicada”. Já nas entrevistas focadas na gerência e supervisão, quadro 2, a pergunta 4
teve a resposta do chefe 1 de que “[...] em geral as pessoas se afastam por questões fora da
cozinha, um deles quebrou a mão jogando futebol no final de semana e está fora por um tempo”.
Com essas informações, constatou-se que a motivação dos funcionários da cozinha é
alta e o índice de absenteísmo baixo. De acordo com os funcionários, existe uma relação de
confiança bem estruturada pois não precisam registrar sua carga horária diária de trabalho e não
há supervisão da gerência o tempo inteiro. Eles também citaram que a motivação financeira é
elevada, pois os mesmos recebem 14° salário e hora extra para qualquer período que ficarem
além do seu horário comum de trabalho.
Quando tratamos da análise da atividade e como os trabalhadores realizam a atividade
com suas características individuais, metade dos funcionários têm que se abaixar para utilizar
as bancadas. Há necessidade de locomoção extremamente rápida dos sucos a ponto de fazer um
suco, subir a escada, entregá-lo na mesa e voltar em menos de 2 minutos. Existe transição cons-
tante do trabalhador entre o forno e a câmara congelada assim como a japona térmica e as luvas

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de proteção térmica, equipamentos necessários, são negligenciados, figura 7.

Figura 6 - Trabalhador manuseando o forno

Fonte: A autora (2018)

Curiosamente, o principal operador do forno relatou não sentir calor e nem se incomodar
com a temperatura local. Esse operador, inclusive, recuou de qualquer pergunta que pudesse
identificar algum problema sentido por ele em relação a seu posto de trabalho. Porém, a Análise
da Tarefa por ele desempenhada evidenciou, por exemplo, que, apesar de haver uma luva tér-
mica para o manuseio de coisas no forno, ele permanece operando sem luva para “não perder a
pegada”. Quando indagado sobre o potencial de queimaduras na mão advindo do não uso da
luva, ele respondeu que a mão era o menor de seus problemas, mostrando seu braço cheio de
queimaduras.
Na Análise da Atividade, constatou-se que 7 dos funcionários transitam entre o forno e
a câmara congelada de forma frequente, aumentando consideravelmente as chances de choque
térmico, assim como da ocorrência de Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Em relação às comandas simultâneas, um funcionário citou o problema de que são mui-
tos processos simultâneos e a cobrança das mesmas é complicada por não lembrar de todas,
assim como as comandas da área dos doces não são encaminhadas para ele. Ao invés disso, são
todas concentradas na parte central da cozinha e ele deve frequentemente verificar se as mesmas
serão para sua área ou para as demais.
Outra situação observada na Análise da Atividade, foi uma funcionária que dizia ter
incômodos no pescoço. A origem do problema foi verificada como sendo o avental de cozi-
nheira que não era tão flexível como a atividade requer, já que muitos movimentos de agacha-
mento e inclinação inferior são feitos durante toda a jornada de trabalho.

4.4. Diagnóstico ergonômico


Na observação dos dados, concluiu-se que a demanda, isto é, os problemas foco da aná-
lise ergonômica, eram relacionados à configuração física do espaço de trabalho no que diz res-
peito ao trânsito do subsolo, onde fica a cozinha, até o primeiro piso, onde os clientes são aten-
didos. A dependência da escada para o referido trânsito gerava constantes reclamações por parte
dos funcionários, tanto em relação ao cansaço da movimentação, quanto em relação às dores
no corpo atribuídas a essa característica do estabelecimento.
Também observou-se que o espaço perto dos fornos era muito quente, que muitas vezes
ultrapassam os 200º C, assim como a câmara congelada atinge -10º C. Os funcionários revela-
ram que a necessidade do uso do elevador era geral e isso muitas vezes causa pequenos conflitos
e estresses entre os funcionários.

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A rotatividade de atividades se dá de maneira colaborativa e como forma de aprendiza-
gem e todos demonstram querer aprender e ajudar. Foi feita confirmação com a gerência e tal
cultura existe como forma de não pressionar um funcionário para caso ele necessite faltar, há
conhecimento de multitarefas e reposição instantânea por outro cozinheiro.
Um grande problema levantado foi o acúmulo de lixo na cozinha durante o período de
trabalho; segundo os funcionários faz parte da política do estabelecimento tirar o lixo somente
após a saída do último cliente, isto ocorre por não haver nas instalações um saída exclusiva para
serviços e também para não prejudicar a experiência dos clientes com a passagem de lixo perto
das mesas. Isso ocasiona estresse em muitos trabalhadores, já que, mesmo após o término de
suas atividades, eles devem esperar o último cliente ir embora, retardando seus retornos às suas
casas. Devido ao fato de só haver a retirada de lixo depois de um dia inteiro de trabalho, o lixo
fica muito pesado, gerando dores de coluna em alguns funcionários.
Levando em conta todos esses tópicos, faz-se necessária uma intervenção ergonômica
no local.

5. Propostas de melhoria e considerações finais


Durante a análise dos funcionários da cozinha, houve uma reclamação em relação à
queimaduras no antebraço na utilização do forno. Logo, como resolução do problema, seria
possível a utilização de manguitos de borrachas que não afetariam a mobilidade do funcionário
no uso do forno, porém o protegeria do risco de queimaduras. Também foi visto que, o ambiente
de descanso possui o motor de exaustão da cozinha e isso deve ser mudado para maior conforto
dos funcionários na hora do almoço e descansos.
A saúde do trabalhador tem se tornado um aspecto cada vez mais relevante para as es-
tratégias das empresas. Porém alguns ramos não vêm sido estudados mais profundamente por
estarem fora dos padrões ergonômicos definidos pela NR 17, como é o caso de cozinhas indus-
triais de empresas de médio e pequeno porte. Este trabalho buscou analisar do ponto de vista
ergonômico o trabalho realizado em uma cozinha industrial de um café situado na cidade de
Brasília. Com este objetivo foi aplicada a metodologia AET através de observações in loco e
questionários para avaliar as condições de trabalho no local, o perfil dos trabalhadores e também
levantar sugestões de melhoria para os problemas mapeados.
Como resultado do estudo foi visto que apesar da motivação e assiduidade dos trabalha-
dores o meio de trabalho apresentava sérios problemas do ponto de vista ergonômico. Para que
tal quadro possa ser revertido sugere-se que os resíduos sejam separados e vendidos. Neste
mesmo ambiente, uma possível intervenção ergonômica é a utilização de protetores auriculares
pelos funcionários. Pois, de acordo com Grandejan (1998), motores elétricos causam um nível
de ruído de 90 a 95 dB.
Ao retornar ao local um ano depois, em junho de 2018, verificou-se que a direção acatou
a sugestão da coleta seletiva e venda dos resíduos e implementou a Ecozinha, figuras 7 e 8.

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Figura 7 - Galões para recolhimento do lixo orgânico e vidro

Fonte: A autora (2018)


Figura 8 – Painel da indicação da Ecozinha

Fonte: A autora (2018)

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