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O Papel do Senso de Justiça Dentro do Processo de Negociação

Rodrigo Lang

Em mais de 10 anos ministrando palestras de negociação pelo Brasil e pelo


mundo, uma pergunta é sempre constante: devemos realmente nos importar
com a outra parte? Frente a isso, vejo que é mais do que necessário
conversarmos sobre o papel do senso de justiça dentro da negociação.

A primeira coisa que precisamos entender quando falamos sobre senso de


justiça e seu impacto dentro do processo negocial é que empresas não negociam
com empresas, e sim seres humanos negociam com seres humanos. Por mais
que tenhamos a empresa X em conflito com a empresa Y, na hora de sentar em
uma mesa para negociar, são pessoas que tomarão a decisão. E isto muda tudo.

Quero começar esse artigo citando uma frase que John Paul Getty, bilionário
americano e fundador da Getty Oil Company, atribui a seu pai:

“Você nunca deve tentar levar todo o dinheiro que está em um acordo. Deixe o
outro lado ganhar algum dinheiro também, porque se você tem a reputação de
sempre ganhar todo o dinheiro, você não terá muitos negócios."

Certamente, eu não desprezaria um conselho que um bilionário tem como


referência. Vejo com excelentes olhos o conselho de George Getty, patriarca da
família.

A frase de Getty, embora pouco conhecida, sempre me marcou bastante e,


felizmente, ela pode ser demonstrada e validada com experimentos modernos
de estudos comportamentais do processo de julgamento e tomada de decisão
humana.

A pergunta sobre o papel que o senso de justiça desempenha nas negociações


pode ser respondida pelo brilhante estudo conduzido por Joseph Henrich, da
Universidade de Harvard, e que foi relatado no livro “Sway - The Irresistible Pull
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Of Irrational Behavior” (A Força do Absurdo, no Brasil), de Ori e Rom Brafman.

Para responder a esta e a outras perguntas, Henrich criou uma experiência social
muito simples. Dois jogadores eram colocados em salas separadas, impedidos
de se comunicar. Antes de serem separados, um dos jogadores era sorteado e
a este era entregue uma nota de US$ 100. Então, ele deveria sugerir uma divisão
dos valores entre os dois jogadores. A pessoa poderia dividir o dinheiro da
maneira que quisesse, desde que ambas as partes concordassem com a divisão.
A decisão deveria ser tomada estando sozinho e isolado, e depois apresentada
à outra parte. Caso as parte não concordassem, ninguém levaria nenhuma
quantia.

Como era de se esperar, na maioria das vezes a proposta foi a divisão igualitária
(US$ 50/ US$ 50) – a qual foi prontamente aceita pela outra parte. Mas a análise
que realmente nos interessa dessa história se encontra quando o sorteado
resolveu adotar uma divisão que, claramente, o favorecesse. Neste caso, na
maioria absoluta das vezes, a divisão foi rejeitada pelo outro lado.

Isso parece lógico para você? O outro jogador preferiu ir para casa com US$ 0
ao invés de voltar para casa com US$ 40, US$ 20 ou mesmo US$ 10.
Racionalmente, não faz sentido. Mas devemos nos lembrar do que falamos
anteriormente: pessoas negociam com pessoas. E essas pessoas preferiram
voltar para casa sem nada, mas com a sensação que a justiça foi feita.

Uma curiosidade adicional: Henrich realizou uma outra experiência onde um


computador realizava a divisão aleatória dos US$ 100. Nesse cenário, em sua
totalidade, os acordos foram aceitos.

E o que podemos aprender com isso?

Fatores humanos e psicológicos contam muito em um processo de negociação.


Muitas vezes, propostas que possam parecer injustas, mesmo que haja
benefício para os dois lados, podem criar empecilhos ou gerar entropia no
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processo de negociação, dificultando o fechamento de acordos. Isso não quer
dizer que você precise fazer propostas fáceis ou caridosas. Muito pelo contrário.
Você pode e deve fazer propostas agressivas e que defendam seus interesses,
mas certificando-se que a proposta seja justificável e que você, facilmente, possa
explicar isso para o outro lado.

Como justificar que você deveria ficar com US$ 60 dólares e a outra parte US$
40? Talvez demonstrando a ele que os US$ 10 são um valor justo pelo risco e o
tempo que você levou para tomar a decisão, quem sabe sua proposta não terá
mais chance de ser aceita? No fundo, somos todos humanos. E esta é a graça
do jogo.

Rodrigo Lang, sócio-fundador do BBI of Chicago.


Foi fundador de um dos maiores grupos de educação do Brasil no início dos anos 2000.
Com vasta experiência em consultoria em mais de 30 países, Lang desenvolveu uma das
metodologias consideradas referência no mundo da negociação

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