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ii

Índice

Declaração de Honra ................................................................................................. iv

Dedicatória .................................................................................................................. v

Agradecimento ........................................................................................................... vi

Resumo ..................................................................................................................... vii

Abstract. ................................................................................................................... viii

Introdução ................................................................................................................... 9

CAPÍTULO I: O LIBERALISMO ................................................................................. 13

1.1. Conceitos Teóricos de Liberalismo .................................................................... 13

1.2. Características do Liberalismo ........................................................................... 14

1.3. Espécies de Liberalismo..................................................................................... 14

CAPÍTULO II: HERMENÊUTICA SOBRE O LIBERALISMO POLÍTICO DE JOHN


RAWLS ..................................................................................................................... 14

2.1. Vida e Obra de John Rawls ................................................................................ 15

2.2. Influências e Ideias Fundamentais ..................................................................... 15

2.3. Críticas e Debates sobre o Liberalismo Político de Rawls ................................. 17

2.3.1. Libertarismo..................................................................................................... 18

2.3.2. Crítica de Robert Nozick ao John Rawls ......................................................... 18

2.3.3. Ronald Dworkin: uma coexistência com John Rawls ...................................... 20

2.4. Comunitarismo ................................................................................................... 22

2.4.1. Crítica de Michael Sandel ao John Rawls ....................................................... 22


iii

2.4.2. Crítica de Michael Walzer ao John Rawls ....................................................... 27

2.4.3. Crítica de Habermas ao John Rawls ............................................................... 29

CAPÍTULO III: OS PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA RAWLSIANOS COMO


FUNDAMENTO DE UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA ......................................... 30

3.1. A Democracia ..................................................................................................... 35

3.2. O Indivíduo e a Sociedade no Estado Liberal Democrático ............................... 39

Conclusão ............................................................................................................... 429

Bibliografia................................................................................................................. 44
iv

Declaração de Honra

Declaro que esta Monografia é resultado da minha investigação individual e das


orientações do meu supervisor, o seu conteúdo é original e todas as fontes
consultadas estão devidamente mencionadas no texto e na bibliografia final deste
trabalho. Declaro que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra
instituição para a obtenção de qualquer grau académico.

O Autor

______________________________________

(Sílvio Almirante)
v

Dedicatória

Para todos aqueles que são Filocriativos…


vi

Agradecimento

À minha mãe Margarida da Silva; ao meu tio Basílio da Silva Mecoro Nrera; aos
meus irmãos: Renata, Hermenegildo, Mariamo, Letícia, Douglas e à minha filha
Eclésia. E aos demais familiares, pela educação que me deram, pelos princípios e
valores que transmitiram ao longo dos anos, e que fizeram de mim o que sou hoje.

Ao meu Supervisor, Ernesto Valoi que acompanhou todo meu processo de


formação, além deste trabalho, bem como nas aulas. Pela paciência que tivera em
todos os momentos de nosso contacto e pela confiança que depositara em mim.

Aos meus alunos do estágio (em Filosofia), pela colaboração, simpatia e educação
demonstradas. Pelos bons e maus momentos, pois todos eles nos fazem crescer e
aprender.

Meu muito obrigado!


vii

Resumo
A preocupação central do Liberalismo Político está voltada a garantir cada indivíduo
a mesma liberdade que outros, de modo a levar uma vida verdadeira. Assim, uma
pluralidade de doutrinas aceitáveis e incompatíveis entre si é vista como um produto
característico da razão prática no decorrer do tempo sob instituições livres e
duradouras. É fortificante para o liberalismo político afirmar que não seria
conveniente empregar o poder político para impor nossa própria visão englobante e
defender como racional ou verdadeira. No entanto, o liberalismo político é possível a
partir de, primeiro, valor do político (valores de justiça) que são expressos pelos
princípios de justiça para a estrutura básica, que são os valores de igual liberdade
política e civil, igualdade equitativa de oportunidades, os valores de reciprocidade
económica, as bases sociais do respeito mútuo entre os cidadãos; segundo, valores
políticos importantes são os da razão pública cujos, são expressos pelas directrizes
da investigação pública e pelos dados de modo a tornar tal indagação livre e pública.
Portanto, o liberalismo político procura apresentar uma visão desses valores como
aqueles de um domínio especial (o político) e consequentemente, como aqueles que
se sustentam por si mesmo, cabendo aos cidadãos individualmente, como parte da
liberdade de consciência, estabelecer a forma pela qual os valores do domínio
político se relacionam com outros valores de suas doutrinas inclusivas, uma vez que,
os cidadãos têm duas visões, uma ampla (abrangente) e outra política.

Palavras-chave: Liberalismo, Liberalismo Político, Princípios de Justiça,


Democracia, Estado Liberal, Individuo.
viii

Abstract
The central concern of the Political Liberalism is focused on ensuring every individual
the same freedom in order to live a real life. Thus, a plurality of reasonable doctrines
and incompatible with each other is seen as a characteristic of practical reason
product over time and under free permanent, institutions. It is tonic for political
liberalism say that it is unreasonable to use political power to impose our own
comprehensive view and defend as reasonable or true. Thus, political liberalism is
possible from, first, the political value (values of justice) which is expressed by the
principles of justice for the basic structure, which are the values of equal political and
civil liberties, fair equality of opportunity, economic reciprocal values, the social bases
of mutual respect among citizens; second, important political values are the public
whose reason, are expressed by the guidelines of public inquiry and the data in order
to make such free and public inquiry. Therefore the political liberalism seeks to
present an overview of these values as those of a particular domain (political) and
consequently as those that sustains itself, leaving it to individual citizens as part of
freedom of conscience, establish the way the values of the policy area relate to other
values of their comprehensive doctrine, since, citizens have two views, a
comprehensive and another policy.

Keywords: Liberalism, Political Liberalism, Justice Principles of Democracy, Liberal


State, the Individual.
9

Introdução

John Rawls foi um inventivo filósofo de grande importância sobre a Filosofia Política.
Seus escritos sobre a Política fê-lo um pensador de celebridade nos tempos
recentes. Este trabalho faz uma hermenêutica sobre as diversas ideias de Rawls
que se encontram nas diversas obras do autor, como uma maneira de trazer o
significado dos seus pensamentos e até suas aproximações com o mundo real, de
modo a transforma-lo, como a tarefa última que resta ao filósofo e a todo
pesquisador.

O tema ‘O Significado do Liberalismo Político em John Rawls’ surge na tentativa de


compreender e traduzir o ser político, dentro da comunidade e ou Estado. Depois de
uma longa leitura da obra O Liberalismo Político do autor, encontra-se o problema
segundo o qual, ‘como é possível existir uma sociedade estável e justa de cidadãos
livres e iguais, porém divididos por doutrinas religiosas, filosóficas e morais
aceitáveis, mas incompatíveis entre si? O centro de todo o debate rawlsiano com
outros pensadores está voltado ao problema que o liberalismo político coloca.

No entanto, Rawls acreditava que as pessoas podem achar inconcebível viver sem
determinadas convicções religiosas, filosóficas e morais ou sem determinados
apegos e lealdades permanentes. Com isso, Rawls aceitava a possibilidade de um
“Eu” fortemente constituído e moralmente comprometido. Porém ele insistia em que
tais lealdades e apegos não deveriam ser a base da nossa identidade como
cidadãos. Portanto, na discussão sobre justiça e direitos, devemos deixar de lado
nossas convicções morais e religiosas e discutir a partir de uma “concepção política
do indivíduo”, independente de quaisquer lealdades, apegos ou concepções
particulares da ‘boa vida’.

A História da Religião e da Filosofia mostra-nos que há muitas formas aceitáveis de


entender o reino mais amplo dos valores de modo a serem coerentes ou servirem de
apoio ou pelo menos de modo a não conflituarem com os valores apropriados ao
domínio especial do político, da maneira específica por uma concepção política de
justiça. Entretanto, a História nos fala de uma pluralidade de doutrinas amplas que
não são inaceitáveis, possibilitando assim, um consenso sobreposto, e reduzindo ao
mesmo tempo, o conflito entre os valores políticos e os outros valores.
10

Na minha percepção, a permanência de uma doutrina depende da existência de um


consenso social sobre determinadas questões. Daí designou-se de ‘consenso
sobreposto’ para distinguir das simples convicções da força do hábito. Esse
consenso sobreposto diz Rawls, assegura a convivência entre as diferentes
doutrinas, religiões ou valores. No entanto, o consenso sobreposto na arena política
depende da redução do conflito entre valores. Neste caso, é necessário que as
exigências de justiça não sejam em grande medida conflituosas com os interesses
essenciais dos grupos sociais. Assim, o consenso pode estabelecer em torno dos
conceitos: igualdade política, igualdade de oportunidades, respeito mútuo (conceitos
aceites pelo liberalismo e pela democracia) e distribuição equitativa da economia.

O liberalismo político de Rawls levantou muita polémica na sociedade científica,


havendo não só debates como também críticas, algumas por incompreensão dos
seus críticos, algumas por um erro não propositado (paralogismo) cometido pelo
autor.

No entanto, esta monografia encontra-se dividida em três (3) Capítulos, onde: o


primeiro Capítulo aborda sobre os conceitos teóricos do Liberalismo, cujo
(Liberalismo) é um sistema Político e Económico que surgiu na Europa, na Idade
Moderna. Na política, estabelece o direito de cada indivíduo em seguir a sua própria
determinação, dentro dos limites impostos pelas normas definidas como fundamento
das relações sociais. Por conseguinte, defende as liberdades individuais frente ao
poder do Estado e prevê oportunidades iguais para todos. Na economia, estabelece
a não intervenção do Estado, por acreditar que as dinâmicas da produção,
distribuição e consumo de bens e serviços são regidas por leis que já fazem parte do
processo. É importante frisar que, neste trabalho far-se-á debate do liberalismo no
aspecto político simplesmente.

No segundo capítulo faz-se menção das principais críticas e debates do liberalismo


político com outros pensadores de renome como Nozick, Dworkin, Sandel, Walzer,
só para citar os principais. No entender de Robert Nozick um Estado mínimo,
limitado às funções restritas de protecção contra a força, o roubo, a fraude, de
fiscalização do cumprimento de contractos e assim por diante, justifica-se; o Estado
mais amplo violará os direitos das pessoas de não serem forçadas a fazer certas
coisas, cujo não se justifica; todavia, o Estado não pode usar sua máquina coerciva
11

para obrigar certos cidadãos a ajudarem aos outros ou para proibir actividades a
pessoas que desejam realiza-las para seu próprio bem, protecção ou sustento.

No que tange às ideias de Ronald Dworkin, o autor afirma que, um indivíduo tem
direito a um determinado acto político, segundo uma teoria, se a impossibilidade de
se concretizar tal acto, quando o indivíduo reivindica, não se justifica no âmbito
dessa teoria. Diz-se que um indivíduo tem o dever de agir de um determinado modo,
segundo uma teoria política, se uma decisão política que restrinja tal acto se
justificar dentro dessa teoria, mesmo que nenhuma meta do sistema seja favorecido
por essa decisão. Assim, as metas podem ser justificadas por outras metas, por
direitos ou por deveres, e os direitos ou deveres podem ser justificados por metas.
Os direitos e deveres podem ser também justificados por outros direitos ou deveres
fundamentais.

Para Michael Sandel, a superioridade conferida pelo respeito liberal à autonomia


individual, que fundamenta sua pretensão de neutralidade, só pode ser justificada se
pressuposto um compromisso para com uma certa concepção de pessoa. E essa
pressuposição possui consequências que alteram significativamente o tipo e o grau
de imparcialidade que o liberalismo pretenda adoptar. Portanto, o interesse pela
autonomia deve assegurar que a liberdade de um cidadão não interfira no direito de
todos os cidadãos de exercerem a mesma liberdade, de modo que a limitação da
autonomia de um cidadão dado só pode ser limitada pela necessidade de proteger a
autonomia de todos.

Michael Walzer afirma que é da cultura, das tradições e da história partilhadas por
uma comunidade que se deve partir para a reflexão política e moral. Enquadrando
os bens no contexto de construção social particular a cada comunidade humana,
Walzer, rejeita o conceito rawlsiano de bens primários. Não há um conjunto único de
bens primários ou básicos imagináveis por todos os universos morais ou materiais;
de outro modo, um tal conjunto teria de ser concebido em termos tão abstractos que
teria pouca utilidade no planeamento de distribuições específicas.

No terceiro capítulo e último averigua-se como os dois princípios de justiça


constroem um Estado de Direito. Rawls afirma que os dois princípios de justiça
servem para assegurar as convivências sociais entre indivíduos com status
12

diferentes, podendo determinar uma série de liberdades, tal como, o direito à


informação, conforme com o conceito de ‘Estado de Direito’.

Objectivo Geral

 Apresentar o significado da liberdade política num Estado Democrático e os


respectivos princípios de justiça como forma de garantir a Paz, a Democracia e a
estabilidade de um Estado.

Objectivos Específicos

 Explicar que os cidadãos num Estado Democrático de Direito são capazes de


resolver suas divergências fundamentais de acordo com uma ideia de razão
pública;
 Enfatizar que a Liberdade e a Justiça Política são os pilares na construção de um
Estado democrático livre, justo, de acesso à educação e de distribuição equitativa
de bens sociais;
 Refutar que em questões de manutenção da paz e segurança dos cidadãos num
território, o Estado não pode violar as liberdades individuais (direito à vida, à
saúde, à igual respeito, à igual consideração, à educação), excepto para o
benefício geral;
 Sublinhar que em questões de desavenças deve-se optar o diálogo na resolução
dos conflitos, por mais que um e outro se mostre indiferente;

A metodologia usada para a elaboração desta monografia consistiu na leitura,


análise de todos os livros citados no texto e na bibliografia final deste trabalho.
Assim, este trabalho segue a seguinte estrutura: resumo, desenvolvimento,
conclusão e bibliografia.
13

CAPÍTULO I: O LIBERALISMO

1.1. Conceitos Teóricos de Liberalismo

Definir o termo liberal é bastante equívoco, pois tem vários significados. No entanto,
a definição de Liberalismo como fenómeno histórico oferece também dificuldades
específicas. A razão da inexistência de consenso quanto a uma definição comum,
quer entre os filósofos, historiadores, quer entre os estudiosos de política, é devida a
uma tríplice ordem de motivos.

Em primeiro lugar, a história do Liberalismo inicia intimamente ligada à História da


Democracia. Pois, é difícil chegar a um consenso acerca do que existe de liberal e
do que existe de democrático nas actuais democracias liberais. Em segundo lugar, o
Liberalismo se manifesta nos diferentes países em tempos históricos bastante
diversos, conforme seu grau de desenvolvimento. Daí ser difícil delimitar, no plano
sincrónico, o momento liberal capaz de unificar histórias diferentes. Por fim, não é
possível falar numa ‘história de difusão’ do Liberalismo, embora o modelo da
evolução política inglesa tenha exercido uma influência determinante, superior à
exercida pelas Constituições francesas da época revolucionária (ARANHA &
MARTINS, 2000: 162).

Para o historiador, é óbvio e natural pensar que a única e possível definição


do Liberalismo é a definição histórica, visto estar ele convicto de que a sua
essência coincide com a sua história: o Liberalismo é um facto histórico, isto
é, um conjunto de acções e de pensamentos, ocorridos num determinado
momento da história europeia e americana (BOBBIO, at al, 1998: 687).

O Liberalismo é um fenómeno histórico ou mesmo uma teoria política e económica


que se manifesta na Idade Moderna no século XVII e que tem seu epicentro na
Europa. Portanto, a atitude considerada ‘liberal’ se refere ‘à tolerância e às
condições de abertura ao diálogo’ (idem: 687).

Entre as muitas definições históricas, que utilizam o adjectivo liberal, existe em


primeiro lugar, a do historiador puro, tendo como ponto de partida o uso político do
termo liberal, que antes, na linguagem comum, o termo indicava ‘uma atitude aberta,
tolerante e/ou generosa, ou as profissões exercidas pelos homens livres’ (ibidem:
687).
14

Igualmente, pode-se definir o “Liberalismo” como sendo “o direito que a maioria


concede à minoria; é o anúncio da determinação de compartilhar a existência com o
inimigo” (ORTEGA Y GASSET apud STWART, 1995: 10).

Assim, o Liberalismo é uma doutrina política que, utilizando ensinamentos da ciência


económica, procura enunciar quais os meios a serem adoptados para que a
humanidade, de forma geral, possa elevar o seu padrão de vida.

1.2. Características do Liberalismo

Desde o início, o liberalismo defende o Estado laico e o não intervencionista.


Segundo Aranha e Martins (2000: 163) caracterizam o “Estado laico como aquele
que não se identifica com confissão religiosa alguma, nem desejar qualquer
interferência da Igreja aos assuntos políticos”. Ora bem, o Estado também não deve
interferir nas crenças pessoais, fazendo prevalecer o ideal da tolerância.

No Estado não intervencionista “por criticar o controlo que as monarquias absolutas


exerciam sobre a economia cuja, expressão era o monopólio estatal típico do
mercantilismo” (idem: 163).

1.3. Espécies de Liberalismo

Como já dissera atrás que o liberalismo é um termo equivoco, na visão do seu


significado, também, pode-se afirmar a existência de vários tipos de liberalismo
devido o seu carácter de coexistência entre o indivíduo e a sua liberdade na
sociedade. Importa destacar aqui, o liberalismo democrático (associado com o
liberalismo político), liberalismo económico e liberalismo jurídico. Não obstante as
várias espécies do liberalismo, importa salientar que os centros das minhas
atenções residir-se-ão ao liberalismo político e trazendo aquilo que é ‘O Significado
do Liberalismo Político de John Rawls’.
15

CAPÍTULO II: HERMENÊUTICA SOBRE O LIBERALISMO POLÍTICO DE JOHN


RAWLS

2.1. Vida e Obra de John Rawls

John Rawls nasceu nos Estados Unidos da América, concretamente em Baltimore a


1921 e morreu em 2002. Foi professor de Filosofia Política na Universidade de
Harvard e autor de vários livros, tais como: Uma Teoria da Justiça (1971), O
Liberalismo Político (1993), O Direito dos Povos (1999), Justiça e Democracia e
Justiça como Equidade1 e entre outros.

2.2. Influências e Ideias Fundamentais

Rawls viveu num tempo quando os Estados Unidos da América necessitavam,


segundo o Partido Democrata Alemão dominante no período, mecanismos de modo
a promover a elevação de modelos de renda para beneficiar a minoria mais
desfavorecida. No entanto, o Partido Social Democrata Alemão vem fazer
“rompimento com o marxismo e renuncia à sociedade sem classes”, uma vez que,
abdicava a “igualdade de resultados”. Foi neste período que aparecem as primeiras
ideias liberais comprometidas com a “igualdade de oportunidades” (RAWLS, 1993:
5).

Como havia avançado o próprio Rawls com a hipótese segundo a qual, a justiça diz
respeito ao conjunto da vida humana, podendo enfatizar a ideia do princípio de
igualdade de que “todos os valores sociais, liberdade e oportunidades, progressos e
riquezas e as bases do respeito a si mesmo, devem distribuir-se igualmente, a
menos que uma distribuição desigual de quaisquer e de todos esses bens seja
vantajosa para todos” (idem: 6).

Na primeira obra “Uma Teoria de Justiça”, John Rawls propõe uma nova concepção
de ‘justiça’, cuja denominou de ‘justiça como equidade’. A ideia principal nesta obra
é a de fazer entender de que “os princípios de justiça seriam aqueles que fossem
objecto de concordância mútuo entre pessoas em condições de igualdades”
(RAWLS, 2003: 6). No entanto, a justiça como equidade é a designação dada à uma
teoria de justiça que se inicia por um contrato social. Portanto, os princípios que

1
John RAWLS, O Liberalismo Político, 1993: 2.
16

articulam e afirmam uma concepção liberal ampla de direitos e liberdades básicas,


cujas aceitam desigualdades de renda e riqueza, desde que sejam vantajosos para
os menos favorecidos.

A obra “O Liberalismo Político”, suscitou muitas críticas e comentários com o autor


em vários filósofos como Nozick, Dworkin, Sandel, Walzer, Bobbio, só para citar
alguns. Entretanto, Rawls escreve a obra (O Liberalismo Político) para enfatizar que
‘um grande número de doutrinas inclusivas que são aceitáveis, ainda que
incompatíveis entre si, é o resultado esperado do exercício da razão humana sob a
estrutura de instituições livres de um regime democrático constitucional (legítimo) ‘
(RAWLS, 2011: 17).

Como modo de enfrentar os conflitos, a teoria liberal se adapta às novas exigências


para evitar em parte, que os indivíduos sejam seduzidos pelo ideal socialista.
Começa a génese do liberalismo político, cujo discurso dá a pertinência ‘à igualdade
social e à necessidade de alteração das precárias condições de vida dos indivíduos’.

Dentre as várias questões levantadas por Rawls, pode-se destacar o problema


central do liberalismo político que é o seguinte: “como é possível um grande número
de princípios profundamente diferentes, ainda que aceitáveis, possam conviver e
que todas defendam a concepção política de um regime legítimo” (ibidem: 19)?
Quais são a estrutura e o conteúdo de uma concepção política que é capaz de
conquistar o apoio de um consenso sobreposto? Eis algumas das questões que o
liberalismo político busca responder.

É importante frisar que, a intenção do liberalismo político não é de substituir essas


visões englobantes, nem lhes dar um fundamento verdadeiro, mas a necessidade de
introduzir outra família de ideias, decorrente da aceitação da multiplicidade como um
facto aceitável, pois em um consenso sobreposto ideal, cada cidadão apoia tanto
uma doutrina englobante como a concepção política focal, de algum modo,
relacionadas entre si. Em alguns casos, a concepção política é simplesmente
consequência ou um desdobramento da doutrina ampla de um cidadão; em outros,
pode-se considerar a concepção política como uma aproximação aceitável, levando
em conta as circunstâncias do mundo social.
17

Ora, por que não devemos levar nossas convicções morais e religiosas para
sustentar o discurso público sobre justiça e direitos? Por que deveríamos separar
nossa identidade de cidadãos, de pessoas morais muito formadas? Rawls diz que
devemos agir assim, a fim de respeitar “a reflexão colectiva” sobre a “boa vida” que
prevalece no mundo moderno (RAWLS apud SANDEL, 2012: 309). Os indivíduos
das sociedades democráticas discordam sobre questões morais e religiosas; além
disso, essas discordâncias são justificáveis, pois “não se pode esperar que pessoas
conscientes e com plenos poderes de raciocínio, mesmo depois de um debate livre,
cheguem à mesma conclusão”.

De acordo com esse argumento, a questão da igualdade liberal nasce da


necessidade de haver tolerância no que se refere às diferentes concepções morais e
religiosas. “Depois de todas as considerações, definir quais julgamentos morais são
verdadeiros não é uma questão do liberalismo político”, diz Rawls. Para manter a
retidão entre doutrinas morais e religiosas divergentes, o liberalismo político não
“aborda tópicos morais que não são pontos de divergência nessas doutrinas” (Idem:
309).

A necessidade de separar a nossa identidade como cidadãos de nossas convicções


morais e religiosas significa que devemos nos cingir aos limites da razão pública
liberal, nos discursos públicos sobre justiça e direitos. Não apenas o governo pode
sustentar uma concepção particular do bem; os cidadãos também, não podem
introduzir suas convicções morais e religiosas no debate público sobre justiça e
direitos. Porque se o fizerem, e se seus argumentos prevalecerem, eles estarão na
verdade impondo a seus concidadãos uma lei fundamental em uma determinada
doutrina moral ou religiosa (SANDEL, 2012: 309).

2.3. Críticas e Debates sobre o Liberalismo Político de Rawls

A teoria de justiça tornou-se uma das obras de muitas críticas, comentários e


debates da filosofia política actual. Dentre as concepções críticas e adversárias do
liberalismo político pode-se citar as teorias e as ideias seguintes:
18

2.2.1. Libertarismo

Os principais representantes da plutocracia, ou seja, dos indivíduos mais ricos da


sociedade negam a importância que Rawls dá sobre a igualdade como sendo
totalmente um tirano (ditador). Entretanto, o defensor mais notário é o filósofo Robert
Nozick.

2.2.2. Crítica de Robert Nozick ao John Rawls

Robert Nozick nasceu em Nova Iorque a 16 de Novembro de 1938 e morreu a 23 de


Janeiro de 2002. Foi um filósofo norte-americano e professor da Universidade
Harvard2. Foi um proeminente filósofo político americano nas décadas de 1970 e
1980. Dentre os seus escritos, destaca-se a obra “Anarquia, Estado e Utopia” de
1974, que foi uma resposta libertária à “Uma Teoria da Justiça” de John Rawls.

Em “Anarquia, Estado e Utopia” (1974), Robert Nozick faz uma defesa filosófica dos
primórdios (princípios) anarquistas e um desafio ao conceito divulgado do que seja
justiça distributiva. Ele parte da afirmação de que os indivíduos têm direitos
“intransmissíveis e amplos” que “levantam a questão do que, se é que há alguma
coisa por realizar, cabe ao Estado fazer” (cf. Sandel: 9). Ele conclui que “apenas um
Estado mínimo, limitado a fazer cumprir contractos e proteger as pessoas contra a
força, o roubo e a fraude, é justificável. Qualquer Estado com poderes mais vastos
viola os direitos dos indivíduos de não serem forçados a fazer o que não querem,
portanto, não se justifica”.

Nozick inicialmente comete um delito ao trazer uma alegação desordeira de que, “na
manutenção de seu monopólio do uso da força e da protecção de todos dentro de
um território, o Estado tem que violar direitos individuais, sendo intrinsecamente
imoral” (NOZICK, 1974: 11). Todavia, ele sendo um crítico de Rawls, refuta a tese
dele, sustentando que um Estado nasceria da anarquia mesmo que ninguém tivesse
essa intenção ou tentasse cria-lo.

Deste modo, para Nozick nenhum Estado mais amplo pode ser justificado, pois uma
grande diversidade de razões, que supostamente justificam o Estado amplo, não faz.
Contra a tese de Rawls de que tal Estado se justifica, a fim de realizar ou produzir

2
Robert NOZICK, Anarquia, Estado e Utopia, pág. 1.
19

justiça distributiva entre os cidadãos, formula uma teoria de justiça que não requer
qualquer Estado mais amplo e o emprego do mecanismo dessa teoria a fim de
examinar e criticar outras teorias de justiça distributiva que propõem um Estado
extenso, focalizando assim, a Teoria de Justiça de Rawls.

De acordo com Nozick apud Sandel (2012: 82), “não há nada de errado na
desigualdade económica. O simples facto de saber que algumas pessoas têm
milhões enquanto outros nada têm, não lhe permite tirar conclusões sobre a justiça
ou injustiça da situação. Nozick rejeita a ideia de que uma distribuição justa consista
em um determinado padrão como rendimentos igualitários, ou utilidade igualitária,
ou, ainda, atendimento igualitário das necessidades básicas. O que importa é como
a distribuição é feita”.

Segundo Nozick “quer adicionar ao princípio de igualdade a condição de que os


benefícios para uma pessoa, decorrente de actos de outras, sejam maiores do que
os custos de fazer sua parte” (NOZICK, 1974: 112).

A tese de Nozick encontra-se atacada de antemão por Rawls ao dirigir-se por alguns
conceitos básicos da vida social: prioridade do direito e do conceito do bem, razão
pública e estrutura básica. No entanto, a prioridade indicada traduz-se no propósito
de assegurar a todos o acesso aos bens primários, cuja lista compreende, além das
liberdades básicas, níveis de renda, aptos a permitir o que denomina de bases do
auto-respeito, o indivíduo não pode beneficiar-se particularmente do esforço de
muitos, pois não constituiria aquilo que Rawls chama de justiça como igualdade de
oportunidades.

No fundo Rawls não acredita que o mercado possa garantir a justiça dos contractos,
mesmo que, em seu ponto de vista possua como referência a equidade. Assim,
segundo Rawls (2003: 9) “a estrutura social concebida afecta as expectativas dos
indivíduos e pode reduzir suas ambições”.

Nozick propõe uma refutação de Rawls e de todos os que assinalam ao Estado a


tarefa de assegurar a justiça distributiva”. Nozick, em nome do liberalismo, critica o
“construtivismo moral de tipo kantiano” que constitui a base da teoria do direito de
Rawls.
20

De acordo com o construtivismo Kantiano, “uma sociedade, sendo


composta por uma multiplicidade de pessoas, cada qual com as suas
expectativas, interesses e concepções do ‘Bem’ e do ‘Mal’, será melhor
orientada se for governada por princípios que não pressuponham qualquer
concepção particular sobre o Bem e o Mal” (SANDEL, 1982: 82).

Desta perspectiva resulta que, o respeito pelas pessoas proíbe a imposição de


formas de viver específicas ou, sequer, tidos como “ideais”. Só os princípios
justificáveis por todos respeitarão a personalidade de cada um. Derivam daqui as
actuais tendências da teoria liberal em transformar o contrato social num acordo
consensual de moralidade, pelo menos da moralidade social. A ideia chave do
contratualismo Kantiano é que a principal motivação das pessoas não é a procura de
benefícios, mas sim, a justificação pública das suas exigências. Assim, um código
moral que possa ser objecto de acordo entre pessoas racionais constitui uma
moralidade publicamente justificada.

Nenhum Estado que ultrapasse as funções específicas do Estado mínimo


pode ser legítimo, segundo Nozick. Ele viola os direitos fundamentais dos
cidadãos. Para o autor, só existem indivíduos absolutamente autónomos
sem qualquer base para o esforço cooperativo a partir da condição natural
até à utopia. No início de Anarquia, Estado e Utopia, Nozick afirma que ‘não
existe indivíduo social’ apenas prudente. Assim, Nozick apoia sua
demonstração sobre a sua própria teoria da justiça social, isto é, a teoria
dos direitos de propriedade legítima (NOZICK, 1974: 46).

No confronto das respectivas posições de Robert Nozick e de John Rawls,


encontra-se a ideia segundo a qual as doutrinas liberais apoiam-se sobre uma
concepção mútua da justiça, ao passo que as doutrinas mais ou menos socialistas
preferem referir-se à forma distributiva ou repartitiva da justiça.

O debate não se restringe apenas em críticas de Nozick sobre as teses de Rawls,


mas vai muito mais longe disso, na medida em que Ronald Dworkin entra no debate
com suas ideias a favor de Rawls.

2.2.3. Ronald Dworkin: uma Coexistência com John Rawls

Ronald Dworkin nasceu a 11 de Dezembro de 1931 em Londres e morreu a 14 de


Fevereiro de 2013. Foi filósofo do Direito norte-americano. É conhecido a partir das
suas enunciações sobre a Filosofia do Direito e Filosofia Política3. Dentre as várias

3
Ronald DWORKIN, Levando os Direitos a Sério, 2002.
21

obras do autor, destaca-se o livro intitulado “Levando os Direitos a Sério”. No sexto


capítulo do livro, Dworkin discute os fundamentos de uma teoria dos direitos
legislativos.

O autor parte de uma análise forte e importante da teoria de John Rawls, onde
afirma que ‘nossas intuições sobre a justiça pressupõem não apenas que as
pessoas têm direitos, mas sim, um desses direitos é fundamental, esse direito que é
fundamental de todos é uma concepção nítida do direito à igualdade, cuja Dworkin
chama de direito à igual consideração e respeito’.

Pode-se descrever um direito à igualdade do seguinte modo, que Rawls afirma ser
fundamental:

Os indivíduos têm direito à igual consideração e ao igual respeito no


projecto e na administração das instituições políticas que os governam. No
entanto, o direito à igual consideração e ao igual respeito é mais abstracto
que as concepções padrão de igualdade que distinguem as diferentes
teorias políticas. Portanto, permite argumentar que esse direito mais básico
exige uma ou outra dessas concepções como um direito ou uma meta
provenientes (RAWLS apud DWORKIN, 2002: 279).

Portanto, pode-se dizer que a justiça enquanto equidade tem por base o
pressuposto de um direito natural de todos os homens e as mulheres à igualdade de
consideração e respeito, um direito que possuem não em virtude de seu nascimento,
seus méritos, suas características ou excelências, mas sim, enquanto seres
humanos capazes de elaborar projectos e fazer justiça. Outrossim, o pressuposto
mais básico de Rawls não é o de que os homens tenham direito a determinadas
liberdades que Locke ou Mill consideravam importantes, mas que eles têm direito ao
igual respeito e à igual consideração pelo projecto das instituições políticas.

De acordo com Dworkin (2002: 282) “Rawls é mais persuasivo ao afirmar que o
direito fundamental exige uma constituição liberal e sustenta uma forma idealizada
das estruturas económicas e sociais actuais”.

Na obra de Dworkin atrás citada, inicia com uma pergunta, conforme a qual ‘Por que
levar os direitos a sério’? Dworkin responde a questão sustentando que ‘quis mostrar
o que fazer um governo que professa o reconhecimento dos direitos individuais.
Portanto, o governo deve abrir a mão da ideia de que os cidadãos nunca têm o
22

direito de violar a lei e não deve definir os direitos dos cidadãos de modo que
possam ser anulados por supostas razões de bem-estar geral’.

Assim, ensina-nos Dworkin ao afirmar: “Se tenho direito de expressar minhas ideias
sobre questões políticas, o governo erra ao considerar ilegal que eu assim proceda,
mesmo que pense que sua acção é no interesse geral. Se além disso, o governo
torna meu acto ilegal, comete um novo erro ao accionar a lei contra mim. Meu direito
contra o governo significa que é um erro da parte do governo impedir-me de falar”.
Portanto, a aprovação de uma lei não pode afectar os direitos que os homens
possuem e isso é de importância extrema (idem: 295).

2.2.4. Comunitarismo

Os pensadores que partilham a ideia de uma comunidade como o ponto fulcral e de


integração da pessoa, enquanto membro da sociedade divergem do aspecto pessoal
de realização de um contrato social, como forma da colocação deste na
comunidade. Os principais defensores do comunitarismo são: Charles Taylor,
Michael Sandel, Michael Walzer e outros.

2.4.1. Crítica de Michael J. Sandel ao John Rawls

Michael J. Sandel4 nasceu nos Estados Unidos da América em 1953 e é um dos


mais importantes filósofos da idade contemporânea. Há cerca de duas décadas
lecciona, na Universidade de Harvard, o famoso curso “Justiça”.

Críticas como as de Sandel apontam possíveis falhas ou incoerências na Teoria de


Justiça que, reflexamente atingem a própria estabilidade do pretendido
procedimentalismo puro. A crítica de Sandel, em especial, é compreendida após
longo percurso teórico que o autor realiza, culminando em conclusões que indicam
os limites que o liberalismo Rawlsiano não consegue superar: há menos
neutralidade na Teoria de Justiça do que se poderia supor; a concepção de pessoa
pressuposta é incoerente, além de ser indesejavelmente metafísica.

No entender de Sandel, as restrições impostas em “Teoria de Justiça” conduzem a


uma concepção de sujeito radicalmente inadequada para uma reflexão de

4
Michael SANDEL, Justiça: o que é fazer a coisa certa. Pág. 3.
23

circunstâncias morais humanas. Consequentemente, uma sociedade construída com


princípios ralwsianos de justiça, será muito menos neutra entre concepções
concorrentes de bem do que poderia parecer. Para Sandel, a primazia conferida
pelo respeito liberal à autonomia individual, que fundamenta sua pretensão de
neutralidade, só pode ser justificada se pressuposto um compromisso para com uma
certa concepção de pessoa. E essa pressuposição possui consequências que
alteram significativamente o tipo e o grau de neutralidade que o liberalismo pretenda
adoptar.

“O interesse pela autonomia deve assegurar que a liberdade de um cidadão


não interfira no direito de todos os cidadãos de exercerem a mesma
liberdade, de modo que a limitação da autonomia de um cidadão só pode
ser limitada pela necessidade de proteger a autonomia de todos”
(MULLHALL & SWIFT, 1996: 53-54).

Essas consequências inconvenientes para o liberal seriam, segundo Sandel, duas.


Em primeiro lugar, a pretensão de neutralidade entre concepções concorrentes de
bem no reino político é fundada numa base não neutra (sobre a natureza da
subjectividade humana) situada no reino da metafísica. Além disso, surge uma
segunda consequência: essa metafísica não neutra diminui o quadro de neutralidade
disponível no reino da política e da moralidade, pois se a natureza da concepção de
pessoa garimpada por Sandel em Teoria da Justiça for correcta, um amplo espectro
de concepções de bem que poderiam ser, de facto, consideradas são discriminadas
contra uma sociedade liberal. A concepção liberal do sujeito antecedentemente
individualizado exclui qualquer concepção de bem que permita ou pressuponha
ligações pessoais constitutivas a valores, projectos e comunidades (idem: 54).

A crítica posta neste caso pelos comunitaristas está ligada à noção do ‘bem’, porém
os liberais defendem que a noção do bem deve ser sempre indeterminada, variável,
subjectiva, enquanto do lado comunitarista está o ‘bem-comum’. Segundo Rawls não
são as concepções de bem que as pessoas têm, mas algo que existe por trás
dessas concepções, a liberdade de decidir suas próprias concepções de bem, de
agir de acordo com tal e mudar de opinião sobre ela quando necessário.

Segundo Chantal Mouffe, filósofa política contemporânea “afirma que os


comunitaristas parecem ver o conceito de vida colectiva como um relacionamento
generalizado que insere o indivíduo no civismo pertencente a uma comunidade”
24

(MOUFFE apud MULHALL & SWIFT, 1996: 38). Portanto, a crítica feita à Rawls por
Sandel se mostra pertinente, pois a vontade livre individual exerce grande influência
na maneira de viver da sociedade moderna.

Sandel apresenta alguns processos de raciocínio moral, sendo um dos


questionamentos centrais do livro, a busca por saber se uma sociedade justa
procura promover a virtude dos seus cidadãos. Assim, para Sandel, é preciso
perguntar como uma sociedade justa distribui as coisas que valoriza, e se distribui
correctamente, dando a cada um o que é seu.

Desse modo, o autor coloca três caminhos distintos, que vão reflectir o raciocínio
filosófico de pensadores específicos, para identificar a distribuição de bens e a
justiça na sociedade. A primeira delas se relaciona com a perspectiva do utilitarismo,
realçando o bem-estar como prioridade; a segunda está ligada ao liberalismo e
coloca a liberdade no centro da discussão; e a terceira está focada na noção de
virtude e finalidade da acção política. Todavia, importa-nos no momento o segundo
raciocínio sobre o liberalismo, pois é a ideologia libertária e os questionamentos
sobre se realmente somos donos de nós mesmos e a consequente problematização
sobre a liberdade.

Sandel discute os limites do interesse público ou as aspirações privadas à luz dos


argumentos libertários, segundo os quais não há injustiça nem desigualdade
económica desde que ela não resulte do uso da força ou da fraude, mas sim, de
escolhas feitas numa economia de livre mercado.

“Entre as coisas que ninguém deve ser forçado a fazer na percepção de


Sandel, destaca-se a obrigação de ajudar o próximo. Cobrar impostos do
rico para ajudar o pobre é forçar o rico. Isso viola seu direito de fazer o que
quiser com aquilo que possui” (SANDEL, 2012: 81).

De acordo com esta corrente de pensamento, é injusto que se cobre impostos dos
ricos para supostamente beneficiar os pobres, pois isto é uma violência ao direito
inalienável da liberdade, cabendo somente uma decisão autónoma dos indivíduos de
entregarem ou não parte das suas riquezas privadas ao Estado ou a terceiros (Idem:
81). Enfim, os libertários querem fazer valer o direito fundamental aos mercados
livres e pregam a ausência de regulação do Governo em quaisquer áreas, não em
nome de eficiência económica, mas sim, para guardar a liberdade humana de acção.
25

Os libertários acreditam que para a aquisição de riqueza de forma justa, é


preciso que haja justiça na aquisição das pessoas e em sua transferência.
Assim sendo, se as fortunas pessoais são frutos de negociações legais num
mercado de trocas livres e sem ganhos ilícitos, ela é justa e não cabe a
ninguém interferir neste processo. Os fundamentos morais da liberdade são
intocáveis para os libertários e estão acima do dinheiro, sendo esta a base
fundamental do pensamento teórico desta corrente, sustentando que os
indivíduos são donos de si mesmos, bem como de todo o produto do seu
trabalho, que lhes pertence integralmente e só deve ser concedido de
maneira voluntária, sendo completamente negável qualquer tipo de
intervenção sob pretexto de injustiça ou distribuição de resultados, conforme
Sandel evidencia com os casos dos salários dos astros desportivos e
mesmo exemplos de libertarianismo mais discernido no caso das liberdades
individuais sobre o próprio corpo, como o canibalismo consentido e o
suicídio assistido (SANDEL, 2012:82).

Ainda dentro do âmbito do liberalismo, Sandel discute e expõe alguns limites morais
do livre mercado, argumentando que, “devido a restrições económicas e sociais,
alguns indivíduos não seriam tão livres na hora de interagir no mercado, como é o
caso do recrutamento em exércitos voluntários, no qual cidadãos com dificuldades
variadas agindo sob pressões económicas estariam agindo por necessidade, e não
por livre escolha, sendo este mercado não tão livre quando pregam os libertários”
(Idem: 83).

Assim, Sandel aponta para o risco de coerção e injustiça, para os casos de


consentimento comprometido e para a existência constrangedora de virtudes e
outros bens morais que transcendem as leis do mercado e desafiam o poder do
dinheiro, ameaçando as escolhas individuais no mercado livre. Em suma, Sandel
olha para o liberalismo radical através de uma perspectiva mais crítica, apontando
falhas e limitações deste pensamento teórico, fazendo-nos reflectir em quais
condições somos realmente livres ao agir num suposto mercado livre.

A alternativa teórica de Rawls, no intuito de equilibrar a distribuição desigual de


aptidões e méritos entre os indivíduos para se chegar a uma justiça genuinamente
equitativa, sem entretanto impor limitações aos mais habilidosos (sem violar os
direitos deles), está expressa na teoria igualitária de justiça, fundamentada no
“Princípio da Diferença”, que sintetiza esta concepção equitativa de justiça, como
explica o próprio filósofo:
26

O princípio da diferença representa, na verdade, um acordo para considerar


a distribuição das aptidões naturais um bem-comum e para compartilhar
quaisquer benefícios que ela possa propiciar. Os mais favorecidos pela
natureza, não importa quem seja, só devem usufruir de sua boa sorte de
maneira que melhore a situação dos menos favorecidos. Aqueles que se
encontram naturalmente em posição vantajosa não devem ser beneficiados
simplesmente por serem mais beneficiados, mas apenas para cobrir os
custos com treinamento e educação e usar suas qualidades de modo a
ajudar também os menos sorteados. Ninguém é mais digno de maior
capacidade natural ou deve ter o privilégio de uma melhor posição larga na
sociedade. Mas isso não significa que essas distinções devam ser
eliminadas. Há uma outra maneira de lidar com elas. A estrutura básica da
sociedade pode ser elaborada de forma que essas contingências trabalhem
para o bem dos menos beneficiados. (RAWLS apud SANDEL, 2012: 194).

“Se todos os cidadãos moçambicanos, os do sul como os do norte, os das cidades


como os dos campos, os filhos das elites (…), partissem na vida com chances
iguais, a justiça consistiria em tratar todas as pessoas da mesma maneira, isto é, a
cada um a mesma quantidade de direitos ou de bens sociais” (NGOENHA, 2004:
194).

A partir do pensamento de Severino Ngoenha, o filósofo pode ter razão na afirmação


acima, uma vez que, o que se tem verificado é a falta de união, em primeiro lugar
entre os cidadãos; em segundo lugar, há uma tendência de se considerar o
regionalismo dentro do território moçambicano, o que dificulta a resolução das
dificuldades que o país enfrenta, ou seja, que estão à mercê dos próprios cidadãos.
“Dado que as oportunidades são divididas de maneira desigual, a justiça deve
consistir em dar mais aqueles que têm menos a fim de restaurar a igualdade” (idem:
194)

No entanto, se a teoria libertária dos direitos estiver correcta, muitas actividades do


Estado moderno são ilegítimas e violam a liberdade. Apenas um Estado mínimo
aquele que faça cumprir contractos, proteja a propriedade privada contra roubos e
mantenha a paz é compatível com a teoria libertária dos direitos. Qualquer Estado
que vá além disso é moralmente injustificável.

O libertário rejeita três tipos de directrizes. Eis que o Estado moderno normalmente
promulga:

1. Nenhum Paternalismo: os libertários são contra as leis que protegem as


pessoas contra si mesmas. As leis que tornam obrigatório o uso do cinto de
27

segurança são um bom exemplo, de facto, bem como as leis relativas ao uso de
capacetes para motociclistas. Embora o facto de dirigir uma moto sem capacete seja
uma imprudência, e mesmo considerando que as leis sobre o uso de capacetes
salvem vidas e evitem ferimentos graves, os libertários argumentam que elas violam
o direito do indivíduo de decidir os riscos que quer assumir. Desde que não haja
riscos para terceiros e que os condutores de motos sejam responsáveis pelas
próprias despesas médicas, o Estado não tem o direito de impor a que riscos podem
submeter seu corpo e sua vida.

2. Nenhuma legislação sobre a moral: os libertários são contra o uso da força


coerciva da lei para promover noções de virtude ou para expressar as convicções
morais da maioria. A prostituição pode ser moralmente contestável para muitas
pessoas, mas não justifica leis que proíbam adultos conscientes de pratica-la. Em
determinadas comunidades, a maioria pode desaprovar a homossexualidade, por
exemplo, mas isso não justifica leis que privem gays e lésbicas o direito de escolher
livremente os parceiros sexuais.

3. Nenhuma redistribuição de renda ou riqueza: a teoria libertária dos direitos


exclui qualquer lei que force algumas pessoas a ajudar outras, incluindo impostos
para redistribuição de riqueza. Embora seja desejável que o mais endinheirado
ajude o carente subsidiando suas despesas de saúde, moradia e educação, esse
auxílio deve ser facultativo para cada indivíduo, e não uma obrigação ditada pelo
governo. De acordo com o ponto de vista libertário, taxas para redistribuição são
uma forma de coerção e até mesmo de roubo. O Estado não tem mais direito de
forçar o contribuinte rico a apoiar os programas sociais para o pobre, do que um
ladrão benevolente de roubar o dinheiro do rico para distribuí-lo entre os
desfavorecidos (SANDEL, 2012: 77).

2.2.4.2. Crítica de Michael Walzer ao John Rawls

A teoria da justiça de Walzer (nascido em Nova Iorque, EUA a 3 de Março de 1935)5


assume uma pluralidade de duas formas complementares: por um lado, são as
concepções culturais de uma comunidade que devem servir de ponto de partida
para a reflexão filosófica sobre a justiça; por outro lado, são os múltiplos bens

5
Michael WALZER, As Esferas da Justiça: Uma defesa do Pluralismo e a Igualdade, 1993.
28

diferentes entre si, os princípios que regem a sua distribuição devem ser também
eles diferentes e adequadas à respectiva natureza social de cada bem. Na
percepção de Walzer (1993: 25) “a justiça é plural não só porque a sua configuração
pode diferir de sociedade para sociedade, mas também porque as distribuições
justas de uma comunidade são distribuições diferenciadas internamente”.

No grupo das teorias da justiça que utilizam metodologias abstracionistas, Walzer


inclui também a teoria da justiça de John Rawls. Para Walzer “não se pode construir
uma estrutura distributiva alheando as pessoas das suas próprias identidades, aquilo
que as pessoas são depende da relação que elas estabelecem não só com as
outras pessoas, mas também com os bens de que necessitam, e suas respectivas
formas de distribuição”. Assim, Walzer incutiu a ideia de que pretender abstrair o
estatuto social, que inevitavelmente possuem os indivíduos para deliberar sobre os
critérios que devem nortear a distribuição é no mínimo, inútil.

No entender de Walzer afirma que é da cultura, das tradições e da história


partilhadas por uma comunidade que se deve partir para a reflexão política e moral.
Enquadrando os bens no contexto de construção social particular a cada
comunidade humana, Walzer, rejeita o conceito rawlsiano de bens primários. “Não
há um conjunto único de bens primários ou básicos concebíveis por todos os
universos morais ou materiais; de outro modo, um tal conjunto teria de ser concebido
em termos tão abstractos que teriam pouca utilidade no planeamento de
distribuições específicas” (Idem: 25).

De acordo com Rawls o objectivo de uma concepção de justiça distributiva consistia


em organizar determinados princípios que possibilitassem uma distribuição
equitativamente justa de bens primários que, na percepção de Rawls, são bens que
se pretendem imparciais perante a diversidade de possibilidades e planos de vida
(cf. Rawls, 2000: 69). Portanto, a principal característica destes bens é serem
universais, ou seja, são bens necessários a todos os seres humanos sem excepção.
Walzer rejeita esta pretensão universalista, afirmando que ‘num enquadramento
cultural diferente o da cultura ocidental, os bens primários de Rawls teriam um
significado e um enquadramento distributivo completamente distinto’.

Negando a importância ao conceito de bens primários, negamos importância a toda


estrutura distributiva preconizada por Rawls. Se o conceito de bens primários é inútil,
29

então, o mesmo se aplica aos princípios de justiça, já que estes são apenas uma
construção abstracta concebida para distribuir bens abstractos. Assim, no entender
de Walzer, só os bens sociais que são significativos para uma determinada
comunidade colocam verdadeiros problemas de justiça distributiva (WALZER, 1990:
8).

2.2.5. Crítica de Habermas ao John Rawls

Habermas defende uma concepção da democracia ao modelo de Kant fundada na


razão. As normas e a organização principal da sociedade devem ser delimitadas
pelos sujeitos através de um sistema democrático aberto ao diálogo e ao
entendimento. Habermas contestou fortemente as ideias de Rawls, mostrando as
convergências e divergências. Tais ideias estão agrupadas num livro intitulado “A
Inclusão do Outro”.

Habermas parte de uma crítica à Rawls, segundo a qual ‘a justiça enquanto


honestidade pode alinhar a base de um consenso inclusivo, porém mostra-
se irritado com a suposição de Rawls de que, tal prova de aceitabilidade
seja de tipo semelhante ao da prova de consistência que ele mesmo
aplicara em face da possibilidade de auto-estabilização de uma sociedade
bem-ordenada’ (HABERMAS, 2002: 75).

Rawls tentou mostrar a concepção defendida como estável ao publicar o


“Liberalismo Político” como uma refutação da última parte da obra “Uma Teoria de
Justiça”, ao defender uma concepção racional, onde os cidadãos estarão motivados
a defender o que é bom alcançar. Portanto, no entender de Rawls “para que certa
concepção de justiça seja estável é necessário a presença de motivações
apropriadas para realizar aquilo que a justiça requer” (RAWLS apud GARGARELLA,
2008: 225).

Nas visões do próprio Rawls diz que num regime verdadeiramente democrático para
que seja duradouro, não obstante as várias doutrinas abrangentes, deve contar com
o livre e voluntário apoio de seus cidadãos politicamente activos, tendo a convicção
de que “a cultura política de uma sociedade democrática estável, contém certas
ideias intuitivas fundamentais, a partir das quais é possível elaborar uma concepção
política de justiça”.

Habermas continua com suas críticas afirmando que o consenso englobante


formulado por Rawls seria apenas um indício de utilidade e não mais uma
30

confirmação, ou seja, ele (o consenso abrangente) perderia seu interesse sob ponto
de vista de aceitabilidade racional e da validade, mantendo apenas a estabilidade
social.

“Uma compreensão simplesmente instrumental da teoria de Rawls já fracassa, pelo


facto de, os cidadãos terem primeiro de se ‘convencer’ da concepção de justiça,
antes que se possa afirmar tal consenso” (HABERMAS, 2002: 76).

O objectivo da justiça enquanto honestidade como o de uma concepção política não


é metafísico nem epistemológico. Ela não se revela como uma concepção de justiça
que seja verdadeira, mas sim, que serve de base de uma convenção informada e
solícita (RAWLS apud HABERMAS, 2002: 76).
31

CAPÍTULO III: OS PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA RAWLSIANOS COMO


FUNDAMENTO DE UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA

Na obra intitulada ‘Justiça como Equidade’ é direccionada a mesma à uma


sociedade democrática. De acordo com Rawls (2003: 55) “os dois princípios
destinam-se a responder a pergunta: considerando uma sociedade democrática
como um sistema equitativo de cooperação social entre cidadãos livres e iguais,
quais princípios são mais apropriados a ela”? Ou seja, ‘que princípios são mais
apropriados para uma sociedade democrática que não só preconiza, mas também,
pretende levar a sério a ideia de que os cidadãos são livres e iguais, levando a
concretização dessa ideia em suas instituições’? Analisemos o pensamento de
Constant sobre o governo despótico:

O ‘Despotismo’ escreve Benjamim Constant pud Bobbio, et al (1998: 344) “é um


Governo onde a vontade do senhor é a única lei”; onde as corporações, quando
existentes, não são se não seus órgãos; onde o senhor se considera o único
proprietário do seu poderio e não vê nos seus súbditos senão usufrutuários; onde a
liberdade pode ser tirada aos cidadãos, sem que a autoridade se digne explicar os
motivos e sem que se possa ter a retenção de os conhecer; onde os tribunais estão
subordinados aos caprichos do poder; onde as suas sentenças podem ser anuladas;
onde os absolvidos são conduzidos perante novos juízes, instruídos pelo exemplo
dos seus antecessores de que não existem se não para condenar.

Ao debruçar-se sobre a tese do Liberalismo Político, Rawls viu-se forçado a


reformular sua defesa na teoria de Justiça como Equidade. Na “Teoria de Justiça”, a
Justiça como equidade fazia parte de uma visão ampla, porém na reformulação
Rawls deixou claro que sua teoria podia ser compreendida como uma forma de
Liberalismo Político. Deste modo, reorganiza os principais argumentos a favor dos
dois princípios de justiça que constituem o epicentro da Justiça como Equidade.

Eis os dois princípios de justiça formulados por Rawls:

 Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema de liberdades
básicas iguais que sejam compatíveis com um processo idêntico de liberdades
para todos (RAWLS, 2000: 64);
32

 As desigualdades sociais e económicas devem ser compostas de tal maneira que


sejam ao mesmo tempo vantajosas para todos, conforme os limites de
aceitabilidade e destinadas a posições e cargos acessíveis para todos (RAWLS,
2000: 64).

Quando perguntamos, quais são os princípios mais aceitáveis de justiça


política para um Estado Democrático de Direito cujos cidadãos são
considerados como livres e iguais, razoáveis e racionais? A resposta é que
esses princípios são dados por um mecanismo de representação no qual as
partes racionais (enquanto mandatários dos cidadãos, um para cada
cidadão livre e igual) são situadas em condições aceitáveis e absolutamente
sujeitas a essas condições. Assim, os cidadãos livres e iguais são
considerados como chegando eles próprios a um acordo sobre esses
princípios políticos sob condições que representam esses cidadãos como
sendo ao mesmo tempo razoáveis e racionais (RAWLS, 2000: 76).

Habermas, sendo um crítico de Rawls, acusa os dois princípios de justiça


desenharem uma sociedade estagnada. Uma sociedade no seio da qual o papel de
que se chama “auto-legislação democrática (…) não seria suficientemente
valorizada” (HABERMAS apud NGOENHA, 2004: 198).

Na verdade, não concordo que a democracia, no entanto que tal, seja um regime de
estagnação com os dois princípios de justiça de Rawls, mas sim, um ponto de
partida para a consecução das liberdades individuais e a pragmatização da
solidariedade. Na mesma linha de pensamento, podemos recorrer ao filósofo Francis
Fukuyama, com as suas ideias que constam na sua obra “O Fim da História e o
Último Homem”, onde afirma: “a democracia liberal poderia constituir o ponto final da
evolução ideológica da humanidade e a forma final do governo humano, constituindo
assim, o fim da história, pois os homens não teriam grandes razões para lutar, visto
que, a actividades económica satisfaria as suas necessidades” (FUKUYAMA, 1992:
13).

Entretanto, Rawls começa seu argumento segundo o qual como pode-se entender a
justiça regida por princípios escolhidos por cidadãos livres e iguais numa posição
inicial de igualdade? Rawls raciocina da seguinte forma: suponhamos que estamos
reunidos para definir os princípios que governarão nossa vida colectiva para elaborar
um contrato social. Que princípios seleccionaríamos? Provavelmente teríamos
dificuldades para chegar a um consenso. Pessoas diferentes têm princípios
diferentes, que reflectem seus diversos interesses, crenças morais e religiosas e
33

posições sociais. Algumas pessoas são ricas, outras são pobres; algumas têm poder
e bons relacionamentos; outras, nem tanto. Acima de tudo, temos de chegar a um
consenso. Porém, até mesmo o consenso reflectiria o maior poder de alguns sobre
os outros demais. Portanto, não há motivos para acreditar que um contrato social
elaborado dessa maneira seja um acordo justo (RAWLS apud SANDEL, 2012: 177).

Outrossim, suponhamos ainda que, ao nos reunir para definir os princípios, não
saibamos a qual categoria pertencemos na sociedade. Imaginemo-nos cobertos por
um “véu de ignorância” que temporariamente nos impeça de saber quem realmente
somos. Não sabemos a que classe social ou género pertencemos e desconhecemos
nossa raça ou etnia, nossas opiniões políticas ou crenças religiosas. Tão-pouco
conhecemos nossas vantagens ou desvantagens, se somos saudáveis ou frágeis,
se temos alto grau de escolaridade ou se abandonamos a escola, se nascemos em
uma família estruturada ou em uma família desestruturada. Se não possuíssemos
essas informações, poderíamos realmente fazer uma escolha a partir de uma
posição original de equidade. Já que ninguém estaria em uma posição superior de
benefícios, os princípios escolhidos seriam justos (idem: 178).

Nas Declarações de Direitos exigem a garantia das liberdades individuais de


pensamento, crença, expressão, reunião e acção, desde que não sejam
prejudicados os direitos dos outros cidadãos. No entanto, houve o desejo de
introdução da lei de controlo da circulação de mensagens electrónicas, tanto nos
correios electrónicos, bem como nos sistemas chamados SMS privados em todos os
utilizadores das redes sociais e celulares, fechando e pondo em causa a liberdade
de expressão e a transmissão de informação. Afinal, será Moçambique
verdadeiramente um Estado democrático?

A política não tem por obrigação responder às exigências de sobrevivência, mas


sim, garantir a cada indivíduo de maneira igualitária, a liberdade de escolher e de
perseguir uma concepção da ‘boa vida’, nos limites do respeito de uma capacidade
equitativa por parte dos outros. Portanto, para os liberais ‘a sociedade deve ter mais
direitos do que obrigações’.

Podemos levar de empréstimos as ideias de Michel Foucault para entender melhor o


fenómeno do liberalismo partindo do seu conceito de Biopolítica. A coexistência
entre os processos de globalização e da governação biopolítica na época
34

contemporânea atinge na totalidade as práticas de controlo das vidas dos indivíduos


em detrimento das mediações políticas.

Assim, de acordo com o modelo de racionalidade neoliberal, “os processos


de globalização fazem-se acompanhar de formas estranhas do controlo da
vida dos indivíduos, tirando-lhes os direitos e os deveres no interior de uma
colectividade administrada por leis” (FOUCAULT apud NGOENHA, 2013:
85).

Entretanto, John Stuart Mill (1806-1873) um dos representantes da teoria liberal


utilitarista escreve a obra intitulada “Sobre a Liberdade” onde advogava a ‘liberdade
económica e moral do indivíduo sobre o Estado’, a comparticipação na indústria e
representação proporcional na política, bem como, a liberdade de expressão. Mill
defende que “o autoritarismo é uma forma de governo aceitável em sociedades que
são atrasadas, uma vez que, nessas sociedades observa-se barreiras para o
progresso fácil” (MILL apud ARANHA & MARTINS, 2000: 164).

Um aspecto da liberdade é constituído pelo facto de ser uma fonte de reivindicações.


Mas não significa que sejamos fechados à liberdade colectiva e individual
naturalmente existente. Fica ainda mais claro, quando distinguimos entre essa base
de reivindicações e a que é constituída pelo nosso papel social, como por exemplo,
as reivindicações provenientes do excesso das regalias dos Deputados da
Assembleia da Republica de Moçambique.

Rawls afirma que os dois princípios de justiça servem para assegurar as liberdades
básicas iguais e os aspectos que descrevem e determinam as desigualdades
económicas e sociais, podendo determinar uma série de liberdades; as liberdades
da pessoa, cuja incluem a protecção contra a opressão psicológica e a agressão
física (integridade da pessoa); o direito à propriedade privada e a protecção contra a
prisão e a detenção arbitrária, conforme com o conceito de ‘Estado de Direito’.
Portanto, quanto ao primeiro principia essas liberdades devem ser iguais.

Quanto ao segundo princípio destina-se, segundo Rawls à distribuição de renda e


riqueza e ao ideal das organizações que fazem uso de diferenças de autoridades e
de responsabilidades. Desse modo, o segundo princípio mantém as posições
abertas e organizando as desigualdades económicas e sociais de modo que todos
se beneficiem.
35

Assim, a conservação da liberdade é mais importante que a eliminação das


desigualdades, ou melhor, sem a defesa dos “bens primários” a serem distribuídos
com justiça, não é possível a redução das desigualdades, diz Rawls.

A visão agonística de espaço público, representada por Hannah Arendt, parte do


pressuposto de que a modernidade foi responsável pela perda do espaço público.
Levando esta consideração do pensamento de Arendt, também a sociedade
moçambicana perdeu a representatividade no espaço público dos seus deputados
na assembleia da república, devido a satisfação dos caprichos individuais dos
dirigentes.

Entretanto, Arendt está ligada ao pensamento revolução pelo uso da força, podendo
se optar os movimentos sociais de manifestação, a exemplo disso, é o repúdio dos
ataques perpetrados pelos “idiotas úteis” em Gorongosa, na província de Sofala
entre 2013 e 2014; na marcha da sociedade civil contestando o excesso de regalias
ou mesmo mordomias dos deputados da Assembleia da República de Moçambique,
num movimento que luta pela terra, ou seja, que a riqueza cuja, Moçambique tem,
seja para todos os moçambicanos, pois a terra é vida, já que dela é que emana a
subsistência do homem.

Fazendo uma comparação entre a liberdade dos antigos e a dos modernos,


podemos recorrer a antítese sobre o liberalismo e democracia defendida por
Benjamim Constant (1767-1830), onde podemos citar a génese das divergências
nas relações entre as duas exigências, a exigência de ‘limitar o poder’ e por outro
lado, a ‘exigência de distribuí-lo’, de onde nasceram os Estados contemporâneos.

Do que foi dito no parágrafo acima decorre a tarefa social do liberalismo: a mediação
dos momentos de transição social que é o de integrar o velho e o novo de forma que
os antigos valores se tornem os instrumentos dos novos desejos e objectivos.

3.1. A Democracia

Democracia (do grego demos: povo; e kratos: poder). A democracia é o regime


político no qual a soberania é exercida pelo povo, ou seja, pertence ao conjunto dos
cidadãos, que exercem o sufrágio universal (cfr. Aranha & Martins, 2000).
36

3.2. Histórico do Ideal Democrático

A Grécia Antiga foi o berço da democracia, cujo seu apogeu deu- se no século V.
a.C. em Atenas. Naquela cidade os estrangeiros, as mulheres e os escravos não
eram considerados como cidadãos, pois, eram excluídos na vida pública.

Segundo Aristóteles (2000: 6), não é a habitação que constitui o cidadão: os


estrangeiros e escravos não são cidadãos, mas habitantes. O que constitui
propriamente o cidadão, a sua qualidade verdadeiramente característica é o
direito de sufrágio nas assembleias e na participação no exercício do poder
público na sua pátria.

No entanto, trata-se da democracia directa em que todo o cidadão não só tem o


direito, como também, o dever de participar da assembleia pública, a fim de decidir
os destinos do país. A igualdade que daí resulta se caracteriza pela ‘igualdade
perante a lei’ e pelo ‘direito de palavra na assembleia’.

O processo de democratização em Moçambique pode ser discutido em função da


mudança de atitudes no comportamento dos actores sociais, e não apenas a partir
das relações entre o Estado e o processo político. Para o primeiro caso, a génese da
democracia moçambicana veio depois da guerra de desestabilização, onde
podemos citar a mudança de atitudes.

O pensador contemporâneo Norberto Bobbio, nascido em Turim, Itália em 1909, que


foi professor universitário e escritor, ocupou-se de Teoria Política, Filosofia do Direito
e História do Pensamento Político. Bobbio escreve a obra “O Futuro da Democracia”
não como um tratado de futurologia, mas como, uma reflexão sobre o Estado actual
e as contradições dos regimes democráticos. Bobbio quer fundamentar uma alerta:
“o respeito às normas e às instituições da democracia é o primeiro e mais importante
passo para a renovação progressiva da sociedade, inclusive em direcção a uma
possível reorganização socialista”.

Para Bobbio, “a democracia é um método de governo, um conjunto de regras de


procedimento para a formação das decisões colectivas, no qual está prevista e
facilitada a ampla participação dos interessados” (BOBBIO, 1997: 5).
37

Tomando em consideração o pensamento de Bobbio, pode-se afirmar que a


democracia consiste em uma experiência a ser constantemente visitada e
reformulada, devendo a colectividade estar com os olhos voltados sempre para o
futuro. Portanto, a democracia é uma profecia que fazemos e nos empenhamos em
concretizar.

É importante frisar que, ‘a valorização do conceito de cidadania proporciona a


revalorização das práticas sociais’, levando a participação política a transcender o
simples acto de votar.

Fazendo uma reminiscência a Platão e a Aristóteles, a democracia ocupa o último


lugar dentre as formas de governo, dado pelo risco iminente de rebeldia e confusão,
bem como a incapacidade de governar o povo. Todavia, Rousseau revaloriza a
legitimidade de representatividade, avançando em direcção ao ideal igualitário,
defendendo assim, uma ‘democracia directa’.

Jean-Jacques Rousseau com o contracto social, enfatiza que cada indivíduo cede
incondicionalmente seu poder em favor da colectividade, mas a vontade geral não
pode ser alienada e nem representada. Portanto, na percepção de Rousseau, isto
significa que, “os deputados e governantes não são representantes do povo, mas
apenas, seus oficiais, estando subordinados à soberania popular, a única que decide
por meio da assembleia” (ROUSSEAU apud ARANHA & MARTINS, 2000: 177).

A vontade geral é um conceito fundamental para compreender a democracia de


Rousseau. No entanto, todo o indivíduo é ao mesmo tempo privado e uma pessoa
pública (cidadão): como pessoa privada trata dos seus interesses particulares, e
como pessoa pública é parte de um corpo colectivo com interesses comuns.
Contudo, nem sempre o interesse de um coincide com o de outro, porque muitas
vezes o que beneficia a pessoa particular pode ser prejudicial ao colectivo.

O que caracteriza segundo Rawls o conteúdo de uma concepção política liberal de


justiça é, em primeiro lugar, o facto de especificar certos direitos, liberdades e
oportunidades fundamentais; em segundo lugar, a prioridade especial que atribui a
esses direitos, liberdades e oportunidades, especialmente frente a pretensões do
bem geral e a valores perfeccionistas; e terceiro, por estabelecer meios que
38

assegurem a todos os cidadãos as condições adequadas para o uso efectivo desses


direitos, liberdades e oportunidades.

3.3. O Estado Liberal Democrático

De acordo com Norberto Bobbio (2000: 14) “o Estado Liberal é justificado como o
resultado de um acordo entre indivíduos inicialmente livres que convencionam
estabelecer os vínculos estritamente necessários a uma convivência pacífica e
duradoura”.

A política aqui refere-se à participação directa nas deliberações de governo em


assembleia, isto é, à participação directa no Estado. Como considera Aristóteles na
sua obra Tratado da Política que “o homem é um animal feito para a sociedade civil
para além de ser naturalmente político”. No entanto, não há justificação nenhuma,
de uma interferência do Estado sobre a liberdade da sociedade, desde que
respeitemos a liberdade dos outros.

O pensador norte-americano John Rawls, cujo escreveu a sua obra intitulada


“Justiça e Democracia” afirmou que “o problema do liberalismo politico é o de saber
como uma sociedade democrática estável e justa, composta por cidadãos livres e
iguais, mas divididos por doutrinas religiosas, filosóficas e morais incompatíveis
entre si, pode existir de maneira durável” (RAWLS, 2000:10)?

Partindo do pensamento de Rawls, entende-se que uma sociedade pode existir de


maneira durável através da formação da unidade política, erigindo-se o princípio
democrático; a organização e delimitação do poder estatal, implementando-se o
princípio liberal; e por fim, a garantia das condições básicas para uma existência
digna dos cidadãos, construindo-se o princípio da solidariedade. Todavia, esses três
fundamentos constitucionais actuam, coordenadamente na construção de um
Estado Liberal Democrático, na medida que se aplica com o contexto referencial,
quaisquer seja, a sociedade.

Voltemos a analisar o liberalismo político de Rawls, que é uma doutrina que


pertence ao âmbito político, sendo uma teoria da justiça como equidade, isto é, uma
concepção política liberal de justiça para um regime democrático que pode ser
aceite por todas as doutrinas compreensivas aceitáveis existentes em uma
democracia, tratando somente do político, possuindo uma fundamentação de
39

carácter puramente político filosófico, afastando-se de um funcionalismo metafísico


ou transcendental.

O liberalismo político de Rawls possui três características básicas: 1) aplica-se à


estrutura básica da sociedade (sociedade democrática), considerando como
estrutura básica as instituições políticas, económicas sociais, formando um sistema
unificado de cooperação social; 2) pode ser formulado independentemente de
qualquer doutrina compreensiva de carácter religioso, filosófico ou moral,
estabelecendo uma relação através do consenso sobreposto, entre as diversas
doutrinas compreensivas; 3) está baseado em ideias fundamentais como o
liberalismo político, a sociedade política como um sistema equitativo de cooperação
social, cidadãos como aceitáveis, racionais, livres e iguais; sendo estas ideias,
políticas e familiares a uma sociedade democrática e às suas tradições de
interpretação da constituição e leis básicas (RAWLS, 1993: 377).

3.5. O Indivíduo e a Sociedade no Estado Liberal Democrático

Antigamente, nos Estados Unidos ser liberal significava emitir publicamente opiniões
favoráveis às reivindicações progressistas e, no momento crítico, confirmar a política
dos patrões contra os direitos dos trabalhadores. No entanto, Dewey analisa os
fundamentos do liberalismo, conforme foram historicamente firmados, a começar
pelo individualismo, um dos princípios básicos do pensamento liberal, como se sabe.

Dewey afirma que ser individualista era admitir que o indivíduo possui certos direitos
naturais, contra os quais nenhuma autoridade secular ou espiritual podia erguer-se.
Numa análise exaustiva, Dewey quis dizer, “o problema da democracia não se
resolve apenas por intermédio do sufrágio universal e do governo representativo”.

O problema da democracia é feito a partir da organização social, estendida


a todas as áreas e modos de vida, em que as potencialidades dos
indivíduos não somente estejam livres de constrangimento mecânico
externo, mas sim, estimuladas, sustentadas e dirigidas (DEWEY, 1970: 39).

Na percepção de Muller (1995: 146) “a verdadeira democracia não é popular, mas


cidadã”. A democracia que é o governo dos cidadãos, pelos cidadãos e para os
cidadãos. A cidadania de cada mulher e de cada homem da cidade é que funda a
40

democracia. É o exercício da cidadania que dá a existência do indivíduo à sua


dimensão pública.

Atendendo e considerando que a liberdade e igualdade são valores que caminham


paralelamente, no sentido de que não se pode realizar plenamente sem uma
coexistência entre ambos, o liberalismo e o igualitarismo fundam suas teses em
concepções do homem e da sociedade, mas de um modo amplamente diverso: o
liberal tem suas raízes em individualismo, conflitos e pluralista; enquanto a
igualdade, traça os seus ideais em totalidade, harmonia e moralidade.

O fim último do liberalismo é a expansão da personalidade individual, mesmo se o


desenvolvimento da personalidade mais rica e dotada poder se afirmar em
detrimento do desenvolvimento da personalidade mais pobre e menos dotada;
enquanto para o igualitarismo, o seu fim principal é o desenvolvimento da
comunidade em seu conjunto, mesmo que ao custo de diminuir a esfera de liberdade
dos singulares.

“A democracia pode ser considerada como o prosseguimento e o aperfeiçoamento


do Estado Liberal” (BOBBIO, 2000: 43). Não obstante, que o liberalismo é
compatível com a democracia, mas a democracia pode ser considerada como o
natural desenvolvimento do Estado Liberal, apenas se tomado não pelo seu lado
ideal igualitário, mas pelo lado da sua forma política, como soberana popular.

Os liberais julgam que a democracia precisa criar condições para o indivíduo se auto
desenvolver, aperfeiçoando, desse modo, a si próprio e a sociedade. Isso significa
que o indivíduo, além de apenas progredir expandindo as suas capacidades na
sociedade, também pode as ampliar adequadamente a partir de um incentivo que o
leve participar activamente nas discussões sociais.

A intervenção do governo na vida dos indivíduos constitui uma ameaça à liberdade


democrática, e que o indivíduo, através de seus apetites naturais para comprar e
vender, poderia suprir as enfermidades sociais. Cabendo o Estado proporcionar aos
cidadãos uma vida melhor e aceitando sempre a escolha do povo nos sufrágios.

O Estado liberal como Estado de Direito tem uma finalidade: ‘a do controlo das
condutas humanas para garantir a harmonia social’. Portanto, liberdade é ter o
direito de fazer tudo o que as leis permitem, como por exemplo, direito à informação,
41

direito ao uso dos recursos naturais disponíveis, direito a expressão e sem o medo
de terminar num calabouço.

A concepção política de pessoa, como livre e igual, que pode ser dita liberal,
também não pode ser entendida, por fim, como um ideal directamente imputado às
partes na posição original, pois ela adentra a concepção de Justiça como equidade
mediante as restrições possíveis e a formulação dos bens primários,
respectivamente impostas e à disposição das partes, no sentido de possibilitar,
através de sua racionalidade deliberativa, as concepções determinadas de bem dos
cidadãos que representam.

Essa concepção de pessoa, que (também) aparece no reconhecimento pelas partes


de que os cidadãos que representam possuem duas capacidades morais e uma
certa natureza psicológica, caracteriza como esses cidadãos devem considerar a si
mesmos e aos demais em suas relações políticas e sociais como sendo possuidores
das liberdades fundamentais adequadas a pessoas livres e iguais, capazes de
serem membros plenamente cooperativos da sociedade, durante toda a vida, tendo-
se como pressuposto o facto do pluralismo possível de formas de vida, de visões de
mundo e de concepções do bem.

Assim, um Estado de Direito é aquele que satisfaz os requisitos da democracia e da


segurança jurídica. Como afirma Hans Kelsen:

Estado de Direito é uma ordem jurídica centralizada segundo a qual a


jurisdição e a administração estão vinculadas às leis, ou seja, às normas
gerais que são estabelecidas e que põe um parlamento eleito pelo povo,
com ou sem a intervenção de um chefe do Estado que se encontra à testa
do governo; os membros do governo são responsáveis pelos seus actos; os
tribunais são independentes e certas liberdades dos cidadãos (liberdade de
crença, de consciência e a liberdade da expressão) são garantidas
(KELSEN, 1999: 218).

Assim, podemos recorrer as ideias de Habermas, segundo as quais, num Estado


sobrecarregado com tarefas qualitativamente novas e quantitativamente maiores,
resume-se a dois pontos: “a lei parlamentar perde cada vez mais seu efeito
autoritário e o princípio da separação dos poderes corre perigo” (cfr. HABERMAS,
1997:171).
42

Portanto, os liberais podem impor limites à liberdade de expressão, sempre que dela
decorra um mal importante, como a violência. Outrossim, na mesma perspectiva
liberal, nenhum discurso de ódio poderá constituir um mal em si mesmo, uma vez
que, o respeito mais elevado é o de um sujeito por si mesmo, independentemente
dos seus objectivos ou das suas ligações.
43

Conclusão

O liberalismo político pressupõe que uma doutrina englobante aceitável não rejeita
os princípios fundamentais de um regime democrático, não obstante que, podem
existir doutrinas inclusivas não aceitáveis. Em tal caso, o problema consiste em
contê-las, de modo que não danifiquem a unidade e a justiça da sociedade.

A ideia de uma concepção construtivista política corresponde à pergunta formulada


por Rawls no Liberalismo Político acerca de quais princípios de justiça podem
especificar os termos equitativos da cooperação social, entre cidadãos livres e
iguais, enquanto pessoas dotadas das faculdades morais, do racional e do possível,
ao longo de toda a vida, num Estado Democrático de Direito, dado o facto do
pluralismo aceitável de doutrinas englobantes.

No campo político, os liberais garantem a participação do povo nos processos


decisivos e na escolha dos governantes pelos governados (povo). A democracia não
é algo acabado, mas sim, uma construção, algo que elaboramos buscando uma vida
melhor. A democracia só faz sentido como imperativo moral, não como imperativo
psicológico ou filosófico.

Em democracia o poder político deve ser distribuído com base na força do discurso,
no poder de convicção, na persuasão e na força da retórica. Os cidadãos entram na
vida política e na governação sem nada além de seus argumentos. No entanto,
Todos os bens não políticos são depositados do lado de fora: armas, carteiras,
títulos e diplomas. Portanto, a democracia e o poder político são monopolizados por
aqueles que possuem a retórica, capacidade de argumentação e poder de
convicção.

O futuro da democracia moçambicana está cada vez mais na participação directa


dos cidadãos, através do debate público, podendo chegar às verdadeiras
necessidades de uma comunidade, permitindo, assim, a construção de um Estado
Liberal Democrático. Num Estado encarregue pela segurança e do bem-estar da
população, o dito Estado de bem-estar social, o egoísmo limita a distribuição dos
recursos disponíveis, tendo em conta o excesso das necessidades individuais que
acabam por devorar os recursos.
44

Os dois princípios rawlsianos nos dizem que cada pessoa deve ter um direito igual
ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema
de liberdades idêntico para as outras. Em segundo lugar, as desigualdades
econômicas e sociais devem ser distribuídas, de forma que, simultaneamente, se
possa esperar que elas sejam um benefício de todos; outrossim, decorram de
posições e funções às quais todos têm acesso.

Fazendo uma reminiscência sobre a distribuição de riqueza que Rawls tanto


enfatiza, em algumas vezes pode ou até mesmo existe uma impossibilidade de se
concretizar tal distribuição, pois na tentativa de fazer equidade como tal, acabamos
violando a liberdade de um indivíduo, por mais que a maior percentagem seja para a
sociedade em geral. No fundo Nozick tem uma ideia aproximadamente certa, porém
falha quando diz que o Estado pode usurpar as liberdades individuais dos cidadãos
quando necessário e não o contrário. O Estado tem a tarefa de proporcionar uma
vida digna aos cidadãos, educação para todos, saúde para todos, mas o Estado
democrático do século XXI que se depara, não está subordinado ao povo, este está
mais virado em ameaças por qualquer reivindicação do povo.

Quando se fala de um Estado liberal democrático não se refere como aquele que
possa distribuir divisas que o Estado arrecada através das suas receitas, impostos,
mas sim, como aquele que está mais apostado no respeito pelos direitos dos
cidadãos como assim o fazem eles pelo respeito aos deveres constantes na
legislação e na manutenção de sua segurança dentro do território.
45

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