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TREINAMENTO

ESPORTIVO
Luciano Pereira Marotto

e-Book 3
Sumário
INTRODUÇÃO������������������������������������������������� 3

TREINAMENTO ESPORTIVO – PERÍODOS����� 6

TALENTO ESPORTIVO��������������������������������� 19

PROGRAMAS DE TREINAMENTO A
LONGO PRAZO��������������������������������������������� 26

CONSIDERAÇÕES FINAIS���������������������������� 31

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS &


CONSULTADAS�������������������������������������������� 33
INTRODUÇÃO
Falar de treinamento esportivo é mergulhar em
oceanos de conhecimentos extremamente organiza-
dos e controlados, em que identificamos correntes
marítimas que conduzem conceitos específicos,
que orientam o desenvolvimento equilibrado das
capacidades biomotoras, e proporcionam segurança
para explorarmos uma imensidão de tendências
e metodologias para encaminhar atletas a praias
tranquilas, onde terão confiança para desempenhar
suas habilidades esportivas.

Portanto, ao iniciar a montagem de uma temporada


de treinamento, detalhando períodos e sessões de
treino, outros passos com igual importância foram
concretizados, conferindo segurança e confiabilida-
de no momento de expor os atletas a sessões de
treinos altamente intensas e desgastantes, física,
fisiológica e psicologicamente.

A competição principal e as competições inter-


mediárias já foram definidas, os objetivos do
desempenho em cada uma delas já estão mape-
ados, baseados em resultados de competições
anteriores do próprio atleta e/ou de atletas com
desempenhos melhores.

Os locais e horários em que cada uma das compe-


tições serão disputadas também são considerados

3
e, assim, todo tempo gasto na estratégia de des-
locamento também deve compor o planejamento.

Fatores alimentares, climáticos e ambientais são


cuidadosamente observados e contribuem de maneira
significativamente positiva para a aclimatação do
atleta ao local onde a competição será realizada.

Caso algum dos fatores citados seja negligenciado


e não detectado a tempo de ser corrigido, pode
afetar negativamente o desempenho do atleta e
comprometer todo o planejamento e organização
da temporada de treinamento em curso e, possi-
velmente, as próximas.

Sendo assim, uma temporada de treinamento tem


início e fim em datas determinadas e o tempo entre
o início e o fim é dividido em períodos em que são
alocadas as ferramentas e as estratégias para o
desenvolvimento e o treinamento das capacidades
biomotoras que preparam o atleta para competir e
desempenhar satisfatoriamente suas habilidades.

Há duas maneiras de se pensar a temporada de


treinamento, uma delas é considerar o desen-
volvimento do atleta e a outra é considerar as
competições. Quando o pensamento está total-
mente direcionado às competições, a temporada
é concebida para um atleta já experiente e dessa
maneira o treinamento das capacidades físicas e
fisiológicas se ajustam aos períodos.

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Em contrapartida, quando o pensamento está
direcionado ao atleta, a temporada e os períodos
se ajustam às necessidades inerentes ao desen-
volvimento das capacidades físicas e fisiológicas.

Dessa maneira, encontramos temporadas mais


extensas e períodos mais alongados, com tempo
suficiente para que atletas iniciantes adquiram
o lastro físico, fisiológico e psicológico para que
temporada a temporada cresçam de modo con-
sistente e sustentável.

Figura 1: Períodos – Representação esquemática

P1.10 P2.13 P2.14


P1.3 P1.6 P1.9 P2.3 P2.6 P2.9 P2.12 P3.3

P1.1 P1.2 P1.4 P1.5 P1.7 P1.8 P2.1 P2.2 P2.4 P2.5 P2.7 P2.8 P2.10 P2.11 P3.1 P3.2
P1 P2 P3

LINHA DO TEMPO - TREINAMENTO A LONGO PRAZO

Fonte: (Elaborada pelo autor)

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TREINAMENTO ESPORTIVO
– PERÍODOS
Autores como Bompa (2002), Gomes (2009), Tu-
bino (1979), Weineck (1999), Kraemer & Häkkinen
(2004), entre outros, sugerem a temporada dividida
em três períodos. O período preparatório e o pe-
ríodo competitivo que, dependendo da estrutura
geral da temporada, podem admitir subdivisões, o
período preparatório será subdividido em período
preparatório geral e período preparatório específico,
e o período competitivo em período pré-competitivo
e competitivo.

Posteriormente aos períodos preparatório e com-


petitivo, temos o período de transição que, como
o próprio nome sugere, é posicionado entre duas
temporadas de treinamento para que haja a tran-
sição adequada entre os treinamentos e as com-
petições ou entre as competições e outro período
de treinos preparatórios.

SAIBA MAIS
Sobre Repouso e recuperação: Para a efetiva aplicação
dos conceitos relacionados ao tempo necessário de
repouso para a recuperação adequada, é indispensável
que o treinador organize as capacidades e/ou fatores
a serem treinados em um sequenciamento correto das

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sessões de treino dentro do microciclo. Busque mais
em: BOMPA, T.O. Periodização: teoria e metodologia
do treinamento. 4. ed. São Paulo: Phorte , 2002.

Embora os planejamentos sejam diferentes em


função de objetivos e necessidades, é imprescin-
dível que o tripé formado pelo período preparatório,
período competitivo e período de transição não seja
abalado por alterações bruscas na organização e
definição das principais competições mapeadas
e elencadas em que o atleta irá desempenhar no
máximo de suas condições físicas, fisiológicas e
psicológicas.

A estrutura conceitual que alicerça todo programa


de treinamento esportivo e que está baseada na
sequência cíclica de preparação, competição e
descanso precisa estar no radar dos treinadores
para que não seja quebrada, independentemente
da abrangência de uma temporada de treinamento.

Dessa forma, é fundamental, mesmo que haja


necessidade de ajustes nas competições previa-
mente definidas, que os treinadores mantenham
um período preparatório com tempo suficiente para
o preparo orgânico e psicológico para que o atleta
suporte a intensidade da competição.

Nesse sentido, Bompa (2002) apresenta uma


relação proporcional entre período preparatório,

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período competitivo e período de transição, con-
siderando um planejamento anual de treinamento
com 52 semanas e variação de um a três ciclos
competitivos.

a) Considerando um ciclo competitivo, a distribui-


ção das 52 semanas dentro dos períodos assume
a seguinte configuração: período preparatório com
32 a 37 semanas com a variação dependente da
organização da competição, período competitivo
com 10 a 15 semanas e o período de transição
com cinco semanas;

b) Considerando dois ciclos competitivos, a dis-


tribuição das 26 semanas dentro dos períodos
correspondentes a cada ciclo competitivo assume
a seguinte configuração: período preparatório com
13 a 18 semanas com a variação dependente da
organização da competição, período competitivo
com cinco a dez semanas e o período de transição
com três semanas;

c) Considerando três ciclos competitivos, a distri-


buição das 17 a 18 semanas dentro dos períodos
correspondentes a cada ciclo competitivo assume
a seguinte configuração: período preparatório com
oito a nove semanas com a variação dependente da
organização da competição, período competitivo
com três a cinco semanas e o período de transição
com duas a três semanas.

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SAIBA MAIS
Sobre os períodos que compõem uma temporada
de treinamento: Apesar do consenso científico acerca
do treinamento esportivo, a aplicação prática permite
que treinadores incrementem ajustes específicos me-
diante necessidades inerentes ao desenvolvimento das
capacidades biomotoras dos atletas. Busque mais em:
WEINECK, J. Treinamento ideal – Instruções técnicas
sobre o desempenho fisiológico, incluindo conside-
rações específicas de treinamento infantil e juvenil.
São Paulo: Manole, 1999.

Figura 2: Comparativo das proporções dos períodos – Re-


presentação esquemática considerando 1, 2 e 3 períodos
de competição

preparação competição transição

jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez
transição

transição

preparação competição preparação competição

jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez
competição

competição
competição

transição
transição

transição

preparação preparação preparação

jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez

TEMPO TOTAL CONSIDERADO PARA TREINAMENTO E COMPETIÇÃO - 1 ANO (52 semanas)

Fonte: (Elaborada pelo autor)

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Ainda não temos na literatura especializada do
treinamento esportivo uma periodização ótima para
cada um dos esportes e modalidades esportivas.
O principal critério para se calcular a duração dos
períodos é o calendário de competições, que se
junta com a experiência e criatividade do treinador
que já tem mapeado as condições iniciais das
capacidades biomotoras exigidas na modalidade
esportiva e, principalmente, o ponto em que o atleta
se encontra da carreira esportiva.

Considerando o tempo de experiência do atleta


com a modalidade esportiva, o treinador define o
tempo que será reservado para o período prepara-
tório geral e como irá ajustar o desenvolvimento e
o sequenciamento de cada uma das capacidades
biomotoras

Uma vez definidos os períodos, a duração de


cada um deles, as valências físicas e fisiológicas
a serem treinadas, as necessidades técnicas e
táticas, os objetivos pretendidos e considerando,
principalmente, a idade e o tempo de experiência
do atleta na modalidade esportiva, chegou o mo-
mento de pensar e elaborar as sessões de treinos
que sequencialmente serão distribuídas por todos
os períodos de treinamento.

A distribuição sequencial das sessões de treinos


é chamada de ciclos e representam a duração de

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uma determinada fase do treinamento para o apri-
moramento específico para alguma valência física
ou fisiológica, ou para ajustes técnicos e táticos.

Macrociclos, mesociclos e microciclos são os


nomes que identificam os curtos períodos, dedi-
cados a objetivos específicos a serem atingidos
a curto prazo, diretamente relacionados a fatores
pontuais que irão contribuir para o desempenho.

Ciclos de treinamento: Micro, Meso e


Macro
Os microciclos se referem aos menores períodos
considerados numa temporada de treinamento,
bem próximo ao “tetra”, proposta de um período
de quatro dias de preparação que antecedia uma
competição, surgida na Antiga Grécia.

Caracteristicamente, são nos microciclos que os


treinadores manipulam de maneira direta a intensi-
dade do treinamento, portanto, são nos microciclos
que se acomodam as sessões de treino.

A elaboração de um microciclo é originária dos


objetivos gerais da temporada de treinamento que
conduzirão a melhora dos fatores que determinam
o potencial do desempenho. Os ajustes necessários
na planificação do microciclo são provenientes
de um ou dois microciclos anteriores, ou seja, é
primordial um rígido controle das respostas orgâ-

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nicas geradas nas sessões de treino, por meio da
aplicação de testes específicos, juntamente com
a experiência prática dos treinadores para que os
microciclos subsequentes produzam o efeito de
melhora constante nas capacidades biomotoras
dos atletas.

O efetivo treinamento das valências e dos fatores


que determinam o sucesso do desempenho se dá
durante as sessões de treino, portanto, é funda-
mental que os treinadores planejem a sequência de
sessões considerando aspectos físicos, fisiológi-
cos, técnicos, táticos e psicológicos observando o
momento da preparação geral em que o microciclo
está inserido.

Conceitualmente, um microciclo pode adquirir


diferentes formatos a partir da priorização de
uma única valência física ou fisiológica, um único
aspecto técnico ou tático, a combinação de mais
de uma valência física/fisiológica ou mais de um
aspecto técnico/tático e até mesmo a mescla
de valências físicas/fisiológicas com aspectos
técnicos/táticos.

Considerando algumas reflexões sobre os fatores


que envolvem a estruturação dos microciclos, Bompa
(2002) sugere a seguinte relação de sugestões a
serem analisadas na construção de um microciclo:

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d) Determine os objetivos do microciclo: os
objetivos específicos programados para os mi-
crociclos são pequenas frações, que somadas,
traduzem os objetivos finais de uma temporada
de treinamento;

e) Especifique as demandas do microciclo:


controle o número de sessões e ordene volume,
intensidade e complexidade das atividades;

f) Fixe o nível de intensidade do microciclo: a


alternância da intensidade e volume das sessões
devem estar alinhadas com o nível de intensidade
fixada para o microciclo, inicie-o com intensidades
baixas a moderadas;

g) Identifique os dias de treinamento e compe-


tição: as competições alocadas nos microciclos
fora do período competitivo podem ser utilizadas
como a sessão de treino de maior intensidade den-
tro do microciclo; para os microciclos no período
competitivo, pondere uma única sessão de treino
com pico de intensidade, aproximadamente três
dias antes da competição;

h) Decida o caráter do treinamento: o arrazoado


teórico dos conceitos determina a especificidade
das sessões de treino e a estrutura das atividades
utilizadas.

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Embasados cientificamente e orientados pelos
resultados dos testes e avaliações preliminares
e, principalmente, pelos testes e avaliações que
ocorrem durante todo o percurso de uma tempo-
rada de treinamento, os treinadores são capazes
de promover a construção e aplicação de microci-
clos específicos visando à recuperação orgânica
ou física, ou um microciclo capaz de estimular as
capacidades biomotoras em períodos que antece-
dem alguma competição, como também pensarem
em microciclos mais volumosos, direcionados
à preparação das capacidades biomotoras para
suportarem as altas intensidades dos microciclos
alocados no período de preparação específica
das valências físicas e fisiológicas da modalidade
esportiva.

Indubitavelmente, a experiência do treinador aliada


aos resultados dos testes realizados para avaliar
as respostas aos estímulos aplicados é soberana
no momento de promover os ajustes necessários
na organização prévia dos microciclos, portanto,
não existem regras fixas que determinem, por
exemplo, o número de sessões diárias de treino.

Inicialmente a organização e planificação de


uma temporada de treinamento utilizava o termo
mesociclo para estruturar as principais fase do
treinamento alocadas no mesmo ano e o termo
macrociclo para identificar uma temporada de

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um ano de treinamento ou para identificar um
período entre duas competições-alvo. (KRAEMER
& HÄKKINEN, 2004)

Os mesociclos compreendiam a junção de alguns


microciclos de treinamento, originariamente re-
presentados por uma semana de treinamento,
que poderiam se estender a um período de dois a
três meses, representando um recorte de tempo
dentro do macrociclo. Entretanto, com a evolução
de conceitos e metodologias do treinamento, o
tempo que compreende um mesociclo reduziu para
quatro a seis semanas, significativamente menor
que as oito a doze semanas representativas de
dois a três meses.

Se observarmos com atenção a linha do tempo


que projeta a evolução do treinamento esportivo da
antiguidade aos tempos atuais, percebemos uma
tendência crescente na quantidade de conceitos
e metodologias que conferem aos programas de
treinamento a alta qualidade que alcançamos no
desenvolvimento dos atletas.

A mesma percepção podemos atribuir ao grande


número de competições que passaram a ter im-
portância no calendário esportivo com o passar
das temporadas. Em análise bem simplificada, se
atribuirmos importância internacional aos eventos,
inicialmente tínhamos os Jogos Olímpicos como

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objetivo principal de uma temporada. Posterior-
mente, com o passar dos anos e a consolidação
dos conceitos metodológicos do treinamento
esportivo, competições mundiais, continentais e
até mesmo competições regionais passaram a
compor os objetivos na busca de resultados.

Sendo assim, os períodos entre as competições-


-alvo passaram a ser cada vez menores, o que, na-
turalmente, induziu os treinadores a repensarem a
maneira de organização temporal dos macrociclos,
mesociclos e microciclos sem perda da qualidade
na preparação dos atletas.

Figura 3: Relação competição alvo x tempo para


treinamento

competição alvo tempo para treinamento

* * * * * *
Jogos Jogos Jogos Jogos Jogos Jogos
Olímpicos Olímpicos Olímpicos Olímpicos Olímpicos Olímpicos
* * * *
mundial mundial continental regional

(A) LINHA DO TEMPO (B) LINHA DO TEMPO (C) LINHA DO TEMPO

Fonte: (Elaborada pelo autor)

Didaticamente, vamos considerar o “tempo para


treinamento” representado na figura acima para
entendermos a relação existente entre macrociclo,
mesociclo e microciclo.

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Na representação (A) da figura 3, a competição-alvo
são os Jogos Olímpicos, que são programados para
acontecerem a cada quatro anos. Nesse cenário,
o macrociclo compreende o período de tempo
entre o término de uma Olimpíada e o início da
Olimpíada seguinte. Os mesociclos são períodos
de tempo menores dentro do macrociclo, para que
os treinadores organizem a melhor sequência para
aprimoramento das valências físicas e fisiológicas
com algum grau de prioridade entre elas. Por último,
os microciclos representam períodos menores que
os mesociclos em que são previstas as sessões
de treinos, o controle e os ajustes das atividades
propostas para o treinamento.

Na mesma figura, observando agora as represen-


tações (B) e (C), notamos que os Jogos Olímpicos
são competições-alvo e, considerando o tempo,
continuam a ser realizados num período de quatro
anos entre duas olimpíadas, entretanto, outras
competições foram incluídas entre dois Jogos
Olímpicos que também são consideradas compe-
tições em que os atletas precisam desempenhar
e obter resultados.
Dessa maneira, toda a organização estrutural do
período de tempo para treinamento, considerando
o aprimoramento das capacidades a serem trei-
nadas e o tempo disponível para o treinamento,
precisam ser readequados e, assim, sugere outra
composição na relação entre macrociclo, mesociclo

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e microciclo, sendo que a relação conceitual entre
os ciclos de treinamento seja mantida.
Inquestionavelmente, a variação no tempo total de
treinamento, presente nas três situações mostradas
na figura 3, ratifica a necessidade dos objetivos
almejados por um atleta serem definidos com
clareza e, apesar de serem pensados em pontos
limítrofes, precisam estar alinhados com as possi-
bilidades reais do atleta. Nesse ponto, a experiência
prática do treinador contribui consideravelmente
na manipulação adequada dos princípios e das
metodologias do treinamento além da classificação
prioritária das competições presentes no período
de tempo total definido para o treinamento.

SAIBA MAIS
Sobre a estrutura dos ciclos de treinamento: Ordenar
os microciclos dentro de um macrociclo respeitando o
período de treinamento e a condição em que o atleta se
encontra, considerando o volume e a intensidade ideal
para o momento faz toda a diferença. Busque mais em:
BOMPA, T.O. Periodização: teoria e metodologia do
treinamento. 4º ed. São Paulo: Phorte, 2002.

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TALENTO ESPORTIVO
As competições esportivas são os momentos em
que os atletas demonstram suas habilidades por
meio da plasticidade e destreza que caracterizam a
beleza dos movimentos corporais produzidos pelo
complexo controle biomecânico e com o menor
gasto calórico possível.

O público leigo que aplaude de pé o desempenho


de um atleta, enxerga e presencia apenas o produto
final de um processo extremamente longo e com
intensa dedicação, comprometimento de treinadores
e atletas para aprimoramento dos perfis físico e
fisiológico que determinam a aptidão física e que
produzem o desempenho desejado.

Nem sempre o talento produz os melhores resul-


tados, entretanto, todo programa de treinamento
pretende conduzir atletas talentosos a obterem os
melhores resultados.

Talento é uma condição relacionada às estruturas


neurofisiológicas e anatômicas, que proporcionam
melhores desempenhos das capacidades do indi-
víduo que estão presentes desde o nascimento.
(BÖHME, 1994)

Sendo assim, o indivíduo talentoso precisa pas-


sar por processos que o elevarão na condição de
talento reconhecido. Esse caminho tem início no

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processo de socialização que permitirá a detecção
do talento em determinado campo de atuação que,
se adequadamente estimulado, irá se desenvolver
e poderá apresentar desempenho acima da média
da população.

Portanto, o talento é dependente da condição


geneticamente herdada, disposição cognitiva fa-
vorável, além de condições sociais e ambientais
apropriadas.

Um indivíduo que manifesta o talento esportivo,


caracteristicamente, possui melhores condições
de desempenhar atividades com alto grau de de-
pendência das capacidades motoras que conce-
bem movimentos mais adequados e específicos,
mediante os desafios impostos durante as práticas
de atividades esportivas.

Böhme (1994) apresentou três possibilidades de se


enxergar o talento esportivo e classifica conside-
rando características específicas como a condição
motora diferenciada para o talento motor geral; a
disposição pessoal, acima da média, em poder e
querer desempenhar suas habilidades em alto nível
para o talento esportivo; e condições psicológicas
e físicas para acomodar longas temporadas de
dedicação a uma modalidade específica para o
talento esportivo específico.

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O primeiro passo no complexo processo para que
um talento possa desempenhar suas habilidades e
apresentar os resultados esperados está no estágio
de detecção de talento esportivo, ou seja, o talento
precisa ser garimpado por meio de observações
ou testes específicos.

Considerando que um talento esportivo foi detec-


tado e todas as condições psicossociais presentes
foram respeitadas, o desenvolvimento do poten-
cial atlético do indivíduo percorre fases dentro
de um processo de longo prazo que inicia com a
identificação do esporte e, em alguns esportes, a
modalidade específica em que o talento esportivo
irá dedicar seus treinamentos para desenvolvimento
das aptidões que o levarão a resultados bem acima
da média apresentada pelos atletas que praticam
e desempenham a mesma modalidade esportiva.

A identificação da modalidade esportiva é depen-


dente, principalmente, da disposição do indivíduo
em praticar a modalidade e também de alguns
fatores que pronunciam perfis específicos das
modalidades esportivas como:

i) fatores antropométricos (estatura, peso, com-


posição corporal, proporções corporais, posição
do centro de gravidade do corpo);

j) fatores físicos e fisiológicos (resistência


aeróbica e anaeróbica, força, velocidade, agilidade);

21
k) fatores relacionados à aprendizagem (com-
preensão, capacidade de observar e analisar);

l) fatores relacionados à disposição para o


desempenho (suportar esforço físico, persistência,
aplicação aos treinamentos);

m) fatores cognitivos (concentração, criatividade,


capacidade tática);

n) fatores psicológicos (estabilidade psicológica,


controlar o estresse, tolerância à frustração);

o) fatores sociais (capacidade de interagir, ca-


pacidade de cooperar, capacidade de liderar e ser
liderado).

Diferentemente dos fatores relacionados, os fatores


coordenativos estabelecem relações intrínsecas
com o controle e execução dos movimentos espor-
tivos, sendo assim, veremos seus componentes,
sugeridos por Weineck (1999), separadamente:

p) Concatenação de movimentos: capacidade


de coordenar diferentes grupos musculares que
compõem o movimento;

q) Capacidade de diferenciação: capacidade


de coordenar harmonicamente todos os membros
em movimento;

22
r) Capacidade de equilíbrio: capacidade da
manutenção do equilíbrio corporal ou recuperação
após uma atividade que provoque o desequilíbrio;

s) Capacidade de orientação: Capacidade de


orientar o corpo no tempo e no espaço com relação
a um campo de ação ou com relação a um objeto
em movimento;

t) Capacidade de ritmo: capacidade de adap-


tar-se ao ritmo adequado proposto pela atividade;

u) Capacidade de reação: capacidade de reagir


com uma ação motora rápida a um estímulo visual,
auditivo ou tátil;

v) Capacidade de adaptação e variação: capa-


cidade de identificar diferentes respostas para a
atividade e adaptar-se de maneira adequada para
completar o movimento de uma maneira diferente
planejada inicialmente.

Uma vez detectado o talento e identificado o esporte


e a modalidade, o próximo passo é o planejamento
em longo prazo que deve estabelecer os pontos
iniciais e pontos finais de cada fase do planeja-
mento e indicar o período mais sensível para o
desenvolvimento das capacidades biomotoras, o
momento de iniciar treinos específicos direciona-
dos para a modalidade esportiva, o momento para

23
iniciar a participação em competições regionais,
nacionais e internacionais.

O planejamento a longo prazo também considera os


períodos de avaliações diagnósticas e avaliações
intermediárias para acompanhamento e controle
do desenvolvimento das capacidades biomotoras.

Após encerrada a fase de planejamento, é hora de


colocar os planos em ação e iniciar os programas
de treinamentos. Baseado nas preciosas infor-
mações recebidas das avaliações diagnósticas,
das características específicas da modalidade
esportiva, dos estudos que propõem os conceitos
teóricos relacionados aos princípios e métodos de
treinamento e, principalmente, pela experiência
prática, o treinador abre mão da sua capacidade
de abstração e criatividade e manipula adequa-
damente os períodos, os ciclos e as sessões de
treino, sempre apoiado pelos critérios científicos
e suas atualizações constantes.

Dessa maneira, indubitavelmente, a carreira de um


talento esportivo estará protegida de aventureiros,
que visando ao sucesso de seus anseios pessoais,
utilizam o sucesso momentâneo dos resultados
de talentos em formação para se promoverem, em
detrimento da preparação adequada que precisa
respeitar o tempo ideal de maturação física, fisio-
lógica e psicológica de um atleta em formação.

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Figura 4: Talento esportivo: Trajetória
Alto desempenho
Resultados e
reconhecimento

Treinamento
Manipulação adequada dos períodos, ciclos
e sessões de treino, apoiada nos conceitos e
métodos científicos

Planejamento a longo prazo


Organização dos períodos, ciclos e sessões
de treino, baseado nos conceitos e
métodos científicos

Identificação do talento esportivo


Predisposição e características inerentes
ao talento e a modalidade

Detecção do talento esportivo


Observação ou testes específicos

Fonte: (Elaborada pelo autor)

SAIBA MAIS
Sobre a busca de talentos esportivos: Vários autores
da literatura especializada em treinamento esportivo
consideram e apresentam suas ideias, baseadas em
pesquisas científicas, sobre o assunto que é o pontapé
inicial em qualquer programa de treinamento esportivo
se considerarmos que, sem o talento esportivo, poucos
estudos teríamos acerca do treinamento esportivo. Busque
mais em: WEINECK, J. Treinamento ideal: instruções
técnicas sobre o desempenho fisiológico, incluindo
considerações específicas de treinamento infantil e
juvenil. São Paulo: Manole, 1999.

25
PROGRAMAS DE
TREINAMENTO A LONGO
PRAZO
Treinamento a longo prazo é uma expressão que
cabe tanto para atletas experientes quanto para
atletas iniciantes, ou ainda para um programa
de desenvolvimento de um talento esportivo que
acaba de ser detectado.

Caracteristicamente, o treinamento a longo prazo é


bem organizado e promove aumento considerável
da eficiência do treinamento para futuras compe-
tições, e está fundamentado no conhecimento
científico que é atualizado constantemente pelas
experiências dos técnicos e especialistas da área
do treinamento.

Portanto, um programa de treinamento de um,


dois ou três anos ou um ciclo olímpico, em que
o treinador disponha de tempo suficiente para
promover o aumento da eficiência do treinamento
que, consequentemente, disponibiliza ao atleta
condições de desempenho futuros com maior efi-
cácia, pode e deve ser considerado um programa
de treinamento a longo prazo.

Entretanto, vamos nos concentrar aqui num pro-


grama de treinamento a longo prazo que considere

26
a preparação de um atleta iniciante e permeie a
trajetória da história competitiva do atleta.

Nesse sentido, o programa de treinamento preci-


sa observar o efetivo cumprimento de algumas
etapas relacionadas com a idade cronológica do
indivíduo, entretanto, sem que o treinador despreze
as diferenças biológicas presentes no processo de
crescimento e desenvolvimento.

A primeira etapa, denominada de treinamento geral,


reporta aos estágios iniciais do desenvolvimento,
abrange a iniciação e a formação atlética, ambas
com características voltadas para o treinamento
com baixa intensidade e grande diversidade de
movimentos corporais, propiciando que as crianças
participem de esportes e modalidades variadas,
possibilitando, assim, a criação de um acervo
motor diversificado que mais adiante contribuirá
para construção de padrões de movimentos mais
eficazes.

No estágio de iniciação (seis a dez anos), os exer-


cícios são voltados para o desenvolvimento dos
movimentos esportivos fundamentais como correr,
saltar, lançar, rebater, equilibrar, rolar, entre outros.

Nesse estágio, disponibilize tempo suficiente para


que as crianças, individualmente, desenvolvam
adequadamente o aprendizado e um tempo con-
siderável para que pratiquem as atividades por

27
meio dos jogos; promova adaptações nas regras,
dimensões dos equipamentos, ambiente de jogo
e incentive as crianças a criarem seus próprios
jogos e exercícios.

No estágio da formação atlética (11 a 14 anos) os


treinadores elevam, de forma moderada, a intensi-
dade das atividades, respeitando e controlando as
respostas por meio de instrumentos específicos
que demonstrem o nível de exigência da atividade
proposta, assim, o treinador consegue modular
de maneira efetiva a intensidade representativa
de cada capacidade biomotora individualmente.
Nesse estágio são introduzidos exercícios que
incluam as bases táticas fundamentais no âmbito
individual e coletivo.

Na segunda etapa, denominada de treinamento


especializado, didaticamente dividido nos estágios
de especialização e alto desempenho, o tempo re-
servado para as atividades com exercícios que se
aproximam da realidade do esporte ou modalidade
esportiva, passam a ocupar um número maior de
sessões de treinos se comparados à etapa do
treinamento geral.

Nessa etapa os treinadores deixam a posição de


professor e passam a exercer a função de técnico
e, cautelosamente, aumentam o nível de exigência
física, fisiológica e psicológica.

28
No estágio da especialização (15 a 18 anos) os
exercícios passam a adquirir características que
enfatizem o aprimoramento dos movimentos
específicos do esporte ou modalidade esportiva
escolhida. É necessário disponibilizar tempo sufi-
ciente para que o atleta acomode, principalmente,
os aspectos psicológicos, como as cobranças nos
treinamentos e as pressões por resultados durante
as competições.

A partir deste estágio a intensidade das sessões


de treino, gradualmente, se aproxima da intensida-
de das provas competitivas. Neste momento, os
testes para controlar o desgaste geral ou pontual
relacionado a uma das capacidades biomotoras
são intensificados, isso permite aos treinadores
ajustarem a intensidade das sessões de treino
em função das respostas físicas, fisiológicas e
psicológicas dos atletas.

No estágio do alto desempenho (a partir de 19


anos), para determinados esportes e modalidade
esportiva, o início do estágio é o ponto em que
o atleta precisa estar pronto para apresentar os
melhores resultados, para outros, o momento para
o atleta apresentar os melhores resultados estão
mais à frente, entretanto, independentemente do
ponto em que os melhores resultados aparecem,
o principal trabalho dos treinadores é prolongar o

29
máximo de tempo possível o período de melhor
desempenho.

Sendo assim, no estágio de alto desempenho as


sessões de treino objetivam o máximo aumento
possível da intensidade e do volume do treinamento
e o aperfeiçoamento, estabilização e variabilidade
do movimento técnico específico.

Independentemente da fase e do estágio do trei-


namento de longo prazo que o atleta atravessa,
o treinador, apoiado na sua experiência prática,
precisa estar atento a pequenos detalhes que os
testes intermediários sinalizam durante todo o
processo, e promover os ajustes necessários em
tempo hábil, para que a eficiência das sessões de
treino reflita a eficácia do desempenho.

Desse modo, o treinador tem condições de redi-


mensionar a importância de uma competição e,
se for necessário, promover ajustes no programa,
readequando objetivos intermediários em prol da
formação sustentável do atleta.

30
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conhecer e dominar a aplicação correta dos princípios
do treinamento esportivo é de extrema importância
para qualquer treinador. Entretanto, o domínio da
manipulação dos períodos de uma temporada de
treinamento, desenvolvidos e aperfeiçoados por
estudos científicos que confirmam as experiências
empíricas pensadas e colocadas em prática por
estudiosos da área e treinadores, é o ponto- chave
de qualquer programa de treinamento esportivo.

O segredo do sucesso de um bom planejamento


de uma temporada de treinamento é o atleta estar,
física, fisiológica e psicologicamente nas suas
melhores condições de desempenho, no período
exato das competições escolhidas para se extrair
os melhores resultados.

Certamente, o caminho que o atleta percorre desde


o início de sua carreira esportiva irá construir e
solidificar, pouco a pouco, o seu segredo particular
do sucesso. Por esse caminho o atleta encontrará,
com a sua dedicação e de pessoas que o auxiliarão
no processo, e com a determinação que o levará
a cumprir etapa a etapa dessa longa caminhada,
que irá prepará-lo para brilhar sempre que estiver
executando as exigências impostas pela modalida-
de do esporte durante as competições esportivas.

31
A dedicação e a determinação do atleta e das
pessoas do seu entorno precisam convergir com
os conhecimentos e experiências dos treinadores
que disponibilizarão as aplicações práticas dos
conceitos e metodologias científicas desenvolvidos
para o treinamento esportivo.

Inicialmente, os treinadores recebem os talentos


esportivos descobertos, identificam as principais
características e potencialidades para conduzirem
um planejamento que construirá bases físicas,
fisiológicas e psicológicas sólidas. Nesse mo-
mento, o trabalho é voltado exclusivamente para
a preparação geral das capacidades biomotoras, e
o treinador que pular etapas, privilegiando a busca
por resultados precoces, estará cometendo equí-
vocos, na maioria dos casos, irreparáveis.

Com o avanço da caminhada percorrida pelo atleta,


o treinador pode, de maneira muito consciente, e,
principalmente apoiado nos testes e avaliações de
controle e acompanhamento, realizados durante
o trajeto, ir promovendo ajustes mediante as ne-
cessidades dos atletas.

32
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